Como a In 38/2017 E A Lc 182/2021 Alteraram e Criaram Alternativas aos Contratos de Investimento nas Sociedades Limitadas
Como a In 38/2017 E A Lc 182/2021 Alteraram e Criaram Alternativas aos Contratos de Investimento nas Sociedades Limitadas
Saulo Bichara Mendonça Saulo1-Universidade Federal Fluminense-Brasil Luís Eduardo Ferreira Rodrigues2- Universidade Federal Fluminense-Brasil
RESUMO
É de conhecimento notório que grandes são as dificuldades que o empresário brasileiro enfrenta ao empreender, especialmente na obtenção de investimentos diversos em sua atividade empresária. A IN 38/2017 do DREI tem contribuído para o saneamento dessa deficiência, viabilizando por meio da regulamentação eficiente que novos modelos de investimentos fomentem a circulação de recursos viabilizando ampliação e otimização das atividades econômicas desenvolvidas a partir das sociedades limitadas, permitindo que estas venham a emitir quotas preferenciais ou mesmo manter quotas em tesouraria, a exemplo das sociedades por ações, ampliando de forma significativa os meios disponíveis para que terceiros interessados ou mesmo fundos de investimento privados possam investir recursos de uma maneira mais célere, segura e transparente, proporcionando ao retorno remunerado do capital um significado na busca pela meta de promover justiça social a partir da atividade econômica desenvolvida livremente.
Palavras-chave: atividade econômica, eficiência, investimentos, livre iniciativa, regulamentação
INTRODUÇÃO
O presente estudo trata sobre a Instrução normativa nº 38/2017 publicada pelo Departamento de registro Empresarial e Integração (DREI) que teve como um dos principais pontos a revisão de suas antigas Instruções Normativas que regulamentavam e proibiam o uso de alguns institutos típicos das sociedades anônimas pelas sociedades limitadas, ainda que o parágrafo único do artigo 1.053 do Código Civil já permitisse a regência supletiva da Lei das Sociedades Anônimas.
Através de uma comparação histórica inicial entre o uso destes institutos pelas sociedades limitadas ao longo do tempo no ordenamento jurídico brasileiro, como por exemplo a permissão do uso de todos os institutos aqui discutidos através do revogado Decreto Lei nº 3.708/1919,
Xxxxxxxx, S.B., Xxxxxxxxx, L.E.F.; Como a In 38/2017 E A Lc 182/2021 Alteraram e Criaram Alternativas aos Contratos de Investimento nas Sociedades Limitadas. Revista Portuguesa de Ciências Jurídicas V.3, Nº1, p.01- 18, Jan./Jul. 2022. Artigo recebido em 15/01/2021. Última versão recebida em 10/03/2021. Aprovado em
para finalmente chegar à publicação da referida IN 38/2017 que trouxe consigo novamente essas possibilidades.
Após essa elucidação, será discorrido de maneira mais detalhada sobre dois dos novos institutos permitidos, a saber: a possibilidade de quotas em tesouraria e criação de quotas preferenciais. Essas inovações trazem grandes mudanças para as Sociedades Limitadas, e em um novo mundo de tecnologias, startups e um direito cada vez mais digital, o presente trabalho irá se debruçar sobre elas apontando novos caminhos nos contratos de investimento, a partir do uso destes novos institutos recém-admitidos, que já eram utilizados antes de sua regulação pelo DREI mas que ao se tornarem Instruções Normativas ganham maior segurança jurídica.
A partir desse aumento na segurança jurídica do uso destes novos dispositivos nas Sociedades Limitadas o legislador e a sociedade perceberam a necessidade de ampliar seus efeitos, até então unicamente atrelados à regras de um órgão administrativo que poderiam ser revogadas ou alteradas, na formulação de uma nova legislação que não apenas permitisse o uso dos institutos típicos de Sociedades Anônimas pelas Sociedades Limitadas, mas que criasse novas possibilidades e modelos de investimento específicos para as Sociedades Limitadas “do futuro”, tendo sido assim apresentado o Projeto de Lei nº 146 de 2019, conhecido popularmente como Xxxxx Legal das Startups (MLS), projeto esse que foi aprovado na Câmara dos Deputados em 14 de dezembro de 2020 e que aguarda sua aprovação no Senado Nacional e que é apresentado de forma breve para que os pontos abordados no projeto também possam ser alvo de discussão ao longo do presente trabalho.
Para trazer melhor elucidação quanto ao teor geral da tese, o próximo passo será apontar os tipos de contrato de investimento que serão abordados, passando então pela Lei Complementar 155/16 (Lei do Investidor Anjo), o uso do mútuo conversível como forma de investimento, e, por fim, os “novos contratos de direito” hoje em dia permitidos pela jurisprudência, mas ainda dependentes da aprovação do MLS para que tenham previsão legal expressa.
O método de pesquisa utilizado foi o de consulta à bibliografia técnica. Tendo sido necessária a demarcação de alguns limites dentro do estudo apresentado, principalmente no tocante ao recorte quanto ao tipo societário estudado, eis que é muito vasta a bibliografia sobre contratos de investimento e seu uso nas Sociedades Anônimas, sendo a característica do presente estudo o apontamento das novas formas de investimento, e não um debate ostensivo quanto aos métodos já utilizados e devidamente respaldados em legislação, assunto este que já
possui vasta coleção de artigos e debates doutrinários a seu respeito.
1. A INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 38/2017
A Lei nº 8.934/94 tem como principais funções o estabelecimento e consolidação das normas e diretrizes gerais do Registro Público de Empresas Mercantis, bem como o de solucionar dúvidas ocorrentes na interpretação das leis, regulamentos e demais normas relacionadas com o registro de empresas mercantis, baixando instruções para esse fim.
É nesse último ponto em relação a possibilidade de se baixar instruções com força legal quanto à aplicação dessas normas dentro das Sociedades Empresárias em seus contratos sociais e demais dispositivos que devem ser apresentados para registro que o presente trabalho tem seu foco inicial.
Durante a vigência da revogada Lei das Limitadas, com base na previsão do seu artigo 18 era possível e comum a criação de quotas preferenciais dentro dos contratos sociais das sociedades limitadas, em analogia à possibilidade expressa da criação de ações preferenciais nas sociedades anônimas, tendo a doutrina à época entendido como completamente legal esta prática. Porém, com a entrada em vigor do Código Civil essa possibilidade se tornou alvo de grandes polêmicas tanto para a doutrina como para a jurisprudência, tendo então o DREI baixado a Instrução Normativa nº 10 de 2013 para sanar essas discussões, proibindo a prática da criação de quotas preferenciais nas sociedades limitadas.
Esse entendimento por parte do DREI foi alvo de grandes críticas de boa parte dos estudiosos do Direito Empresarial, como por exemplo Xxxxx Xxxxx Xxxx, já que o artigo 1.007 do Código Civil tinha previsão expressa para que o contrato social pudesse estipular a distribuição desproporcional dos lucros entre os sócios, ou seja, estipulava a possibilidade da criação de um estilo de quota societária com preferências sob as demais. Foi então após inúmeros anos de críticas que o DREI lançou a excelente Instrução Normativa nº 38 de 2017.
Além da possibilidade da emissão de quotas preferenciais a IN nº 38/2017 também abriu margem para outras duas práticas societárias de suma importância para as sociedades limitadas, sendo estas a volta da autorização de aquisição de quotas pela própria sociedade para armazenamento em tesouraria e a possibilidade da criação de Conselhos de Administração, instrumentos fundamentais para a ampliação das possibilidades de investimento nas limitadas, mitigando riscos e aumentando as capacidades de recebimento de recursos.
1.1. A EMISSÃO DE QUOTAS PREFERENCIAIS EM SOCIEDADE LIMITADA
A revogada lei das limitadas permitia que as quotas das sociedades limitadas fossem divididas entre quotas preferenciais e ordinárias, tal qual a lei das sociedades anônimas permite a divisão de suas ações. No entanto, com a entrada em vigor do Código Civil, o dispositivo que mencionava expressamente essa possibilidade foi suprimido dentro do codex legal, tendo o DREI passado a entender pela impossibilidade desse ato.
As quotas preferenciais são aquelas onde o seu possuidor pode receber algumas vantagens, como antecipação do valor de dividendos, preferência de recebimento entre outras, tendo em contrapartida seu direito ao voto retirado dentro da sociedade, deixando de exercer assim qualquer poder sobre as decisões administrativas da empresa.
Apesar de inúmeras divergências teóricas, como André Santa Cruz3 e Pablo Arruda4, que sempre pontuaram como um grave erro a interpretação anterior do DREI sobre a impossibilidade do uso de determinados institutos das Sociedades Anônimas pelas Limitadas, ainda que com a previsão da regência supletiva, somente em 2017 com o advindo da Instrução Normativa nº 38 é que foi novamente inserido no meio do direito empresarial brasileiro a possibilidade da emissão de quotas preferenciais em sociedades limitadas.
Essa permissão é ponto chave do presente estudo, uma vez que as quotas preferenciais puderam passar a ser utilizadas como mecanismo para a inserção de sócios não administradores, ou seja, investidores que pretendiam lucrar com o crescimento de determinado negócio, sem, porém, ter qualquer responsabilidade administrativa.
Um dos principais pontos positivos trazidos por essa possibilidade é não responsabilização de sócios minoritários ou não administradores face qualquer processo movido contra a empresa da qual fazem parte, sendo muito mais simples distinguir os sócios administradores dos sócios investidores quando existe essa divisão dentro das quotas preferenciais e ordinárias, bem como a previsão desta no Contrato Social da empresa, uma vez que hoje diante de um cenário onde não existia tal possibilidade, o que existe são decisões conflitantes quanto a aplicação do instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica ante sócios minoritários não administradores, onde o Superior Tribunal de Justiça recorrentemente
3 SANTA XXXX, Xxxxx. Direito Empresarial. Volume Único. 10ª Edição, São Paulo – SP: Método, 2020 – páginas 355-356.
4 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx e.; XXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx. As novas instruções normativas DREI. Disponível em <xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/xx-xxxxx-xxxxxxxxxx-xxxxxxxxxx-xxxx>. Acesso em 10 de fev. de 2022.
permite tal desconsideração5, sendo o uso dos institutos de quotas preferenciais perfeitos para encerrar essa discussão e dar fim a tamanha insegurança jurídica por parte dos investidores.
2. O MARCO LEGAL DAS STARTUPS
O Projeto de Lei Complementar 146/2019, convertido no Marco Legal das Startups se firmou no âmbito legislativo brasileiro em decorrência da crescente necessidade de se regulamentar e incentivar o “empreendedorismo inovador”, uma vez que foi entendido que este é um importante instrumento de desenvolvimento econômico, social e ambiental que deve ser promovido de forma colaborativa pela inciativa pública e privada, sendo um tipo empresarial em constante crescimento no país, conforme a Associação Brasileira de Startups (ABS), que apontou em seu último relatório um crescimento de 207%6 (duzentos e sete porcento) no número de startups entre os anos de 2015 e 2019.
No entanto, é preciso pontuar que apesar do alto crescimento nas Startups no país, o Brasil continuava muito atrás do restante do mundo em relação ao investimento em startups, conforme aponta o estudo feito pela Xxxxx Xxxxxxxx Brasil7 onde o país conquistou apenas a penúltima colocação entre os países emergentes em relação a porcentagem do PIB alocado para os investimentos em Startup.
Além disso, o mercado em questão tem se tornado cada vez mais competitivo, atraindo cada vez mais investimento, tendo sido o Brasil o país latino-americano a receber o maior valor em aporte de capital para startups no ano de 2018, conforme os dados organizados pela Associação de Investimento de Capital Privado na América Latina (LAVCA), tendo recebido cerca de U$1.4 bilhão (um bilhão e quatrocentos milhões de dólares) em 2018.
Assim, ficou evidente que não só este era um caminho que seria trilhado pelos empreendedores brasileiros, independentemente de qualquer regulação específica, como que também poderia vir a se tornar uma importante válvula de escape para a economia em
5 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AREsp: 1211646 SP 2017/0303127-1, Relator: Xxxxxxxx XXXXX XXXXXXX, Data de Publicação: DJ 08/02/2018. Disponível em
<xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/000000000/xxxxxx-xx-xxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxx-0000000-xx-0000- 0303127-1/decisao-monocratica-549043947>. Acesso em 10 de fev. de 2022.
6 Crescimento Das Startups: Veja O Que Mudou Nos Últimos Cinco Anos! Disponível em
<xxxxx://xxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxx-xxx-xxxxxxxx/>. Acesso em 10 de fev. de 2022.
7 XXXXX XXXXXXXX BRASIL. O estímulo como ferramenta para o fomento do investimento em startups. O caso do investimento anjo. Disponível em
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/0/0/0/0/0000000/xxxxxx_xxxxx_xxxxxxxx_xxxx_xxxxxxxxxxxx_xx_xxxxxxxx
_-_anjos_do_brasil_e_grant_thornton.pdf>. Acesso em 10 de fev. de 2022.
momentos de crise ou estagnação, já que são estes os principais termômetros para o investidor sair da segurança dos ativos tradicionais e buscar o investimento em empresas disruptivas.
Apesar de ainda se tratar de um Projeto de Lei Complementar, o Marco Legal das Startups já teve sua aprovação na Câmara dos Deputados, e no dia 24/02/2021 também foi aprovado no Senado Federal, com algumas modificações no texto, fazendo com que o mesmo retorne para nova aprovação na Câmara, em votação que deve acontecer até antes do meio do ano de 2021, conforme informações prestadas pelo Relator do projeto no Senado, o Senador Xxxxxx Portinho (PL – RJ)8 , que também deu depoimento sobre a importância do ecossistema das startups para o Brasil:
É um segmento, um ecossistema, da maior importância para o futuro do Brasil, para a juventude e para os empreendedores. Parabenizo a todos os senadores pelo debate democrático e pela conclusão da aprovação do Marco Legal das Startups, atendendo, na sua maioria, ao que pretendia o ecossistema. (Fonte: Agência Senado)
Importante também ressaltar que apesar do entusiasmo geral com o projeto, alguns pontos importantes foram retirados pelo Senado Federal, sendo o mais importante deles a possibilidade do uso de Stock Options nas startups, o que diminui parte das possibilidades de investimento possíveis dentro das empresas, tendo sido, porém, adiantado pelo Relator do texto no Senado Federal que tal medida foi feita por ter se entendido que este modelo de investimento é interessante para todos os tipos empresariais no Brasil, não podendo assim estarem restritas apenas as startups, razão pela qual será assunto tratado em outro projeto de lei, específico para esse fim e que englobe mais tipos empresariais.
Com isso, é possível sintetizar os principais assuntos abordados pelo texto do PL 146/2019 em cinco pontos, sendo estes o enquadramento de empresas na definição de startups, as diretrizes de investimento em inovação, o fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação, os programas de ambiente regulatório experimental e a contratação de soluções inovadoras pelo Estado.
2.1. NOVAS POSSIBILIDADES DE INVESTIMENTO ATRAVÉS DO MARCO LEGAL DAS STARTUPS
8 SENADO FEDERAL. Senado aprova Marco Legal das Startups; texto vai à Câmara
<xxxxx://xxx00.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/0000/00/00/xxxxxx-xxxxxx-xxxxx-xxxxx-xxx-xxxxxxxx-xxxxx-xxx-x- camara>. Acesso em 10 de fev. de 2022.
Um dos principais tópicos dentro do Marco Legal das Startups é a possibilidade do financiamento e investimento das mais variadas formas, inclusive atribuindo novas possibilidades e regramentos facilitadores ao investidor anjo, apesar deste já possuir lei própria em vigência no país desde 2016, mas que devido à falta de regulações não era tão aplicada dada a insegurança jurídica quanto ao caráter do investido anjo como sócio ou não da empresa, o que gerava a possibilidade deste responder juridicamente com seu patrimônio pessoal por dívidas e encargos da startup na qual ele investiu.
Além disso, a possibilidade do aporte financeiro por pessoa física ou jurídica, com obrigatório registro contábil, que não resultaria obrigatoriamente como participação em capital social, a depender do instrumento adotado para a captação destes recursos.
Todos esses fatores importam para tentar afastar o risco que o investidor teria ao aplicar suas finanças em uma startup em estar arriscando seu patrimônio particular, uma vez que agora com o texto do Marco Legal das Startups existe a previsão expressa em seu artigo oitavo eliminando, ou ao menos mitigando em grande parte, essa possibilidade.
Assim, com uma proteção legal direta, específica e robusta como a apresentada no projeto de lei em questão, o desenvolvimento do ecossistema de empreendedorismo inovador se torna muito mais fácil e fluído no país, caracterizando cada vez mais o investimento em startups como um meio adequado, seguro e eficaz de se investir, existindo tão apenas os riscos atinentes ao investimento em si, e não possíveis desdobramentos legais que antes pareciam inevitáveis pela falta de uma legislação que os regulamentasse.
3. OS TIPOS DE INVESTIMENTO NAS LIMITADAS
O investimento nas sociedades limitadas é prática comum desde os primórdios do direito brasileiro, existindo essa possibilidade desde a revogada legislação das sociedades limitadas que em seu artigo 8º já previa expressamente a possibilidade da aquisição de quotas liberadas pela própria empresa para captação de investimento.
No entanto, existem alguns modelos de investimento que se tornaram mais comuns em se tratando das sociedades limitadas, seja pela facilidade, seja pela falta de regulação para os outros meios que, hoje, começam a aparecer com maior frequência dada a necessidade de instrumentos mais robustos para reger as relações entre as empresas e os investidores.
3.1. NOVOS MODELOS DE INVESTIMENTO
Com a Lei Complementar nº 155/16 ainda se esperava que o Brasil caminhasse em direção a uma legislação mais permissiva em relação as sociedades limitadas, eis que são o modelo mais comum para as startups, dada sua facilidade de abertura, baixa complexidade tributária com o Simples Nacional, e menor número de entraves contábeis.
Foi então com a IN 38/2017 do DREI que um novo mundo de possibilidades para as sociedades limitadas foi aberto, uma vez que as permissões expressas da emissão de quotas preferenciais, a guarda de quotas em tesouraria e da criação dos conselhos de administração sem a necessidade dos conselheiros serem sócios trouxeram consigo não apenas novas aplicações em instrumentos antigos, como o mútuo conversível que agora poderia ser convertido em quota preferencial, retirando aquele antigo problema do investidor passar a responder solidariamente como sócio, mas também importando instrumentos de investimento comumente utilizados ao redor do mundo, e que no Brasil, apesar de utilizados, não possuíam qualquer segurança jurídica, dependendo de esporádicas e esparsas decisões judiciais para entender como poderiam ou não serem aplicados.
A Lei nº 13.847/19 trouxe, se não avanços, confirmações em quesitos de segurança jurídica muito importantes no âmbito de todo o direito contratual do país.
No caso dos investimentos, importante pontuar que o parágrafo 2º do artigo 1º da Lei 13.847/19 pontua especificamente que todas as normas no país devem sempre ser interpretadas em favor da liberdade econômica e do respeito aos investimentos, primeira previsão legal que traz os princípios do direito privado com foco nos investimentos de qualquer tipo.
Assim, com as novas possibilidades trazidas pela IN 38/2017 em conjunto com a segurança jurídica tutelada pela Lei 13.847/19, os negócios jurídicos empresariais, dentro desses, os investimentos nas sociedades limitadas, se tornaram modalidade ampla e muito mais abrangente, tendo como princípio norteador a livre estipulação entre as partes pactuantes, com aplicação das regras e normas do direito empresarial de forma meramente subsidiária, exceto aquelas normas consideradas de ordem pública, nos termos do artigo 3º, inciso VIII da Lei 13.847/19, criando assim o ambiente de negócios mais favorável ao crescimento de sociedades limitadas no Brasil.
3.1.1. CONTRATO DE VESTING
Em primeira mão, deve ser pontuado que o vesting não é um contrato com previsão expressa na legislação brasileira devendo assim ser considerado um contrato atípico, nos termos
do artigo 425 do Código Civil, sendo uma cópia de um modelo de contrato do direito norte americano, tendo sido importado também o seu nome, que significa, literalmente, “vestir”, em alusão ao termo “vestir a camisa” popularmente utilizado quando se fala em alguém, geralmente um funcionário de determinada empresa, entrega todo o seu potencial no seu trabalho, entendo o que aquela organização/empresa representa.
Nesse sentido, o Vesting é um instrumento jurídico onde um indivíduo, normalmente sócio ou colaborador da empresa, recebe de forma progressiva direito a aquisição de participação societária, desde que atinja metas ou premissas pré-estabelecidas neste instrumento jurídico, podendo variar entre premissas como tempo de trabalho, realização de determinado objetivo financeiro, clientes prospectados e o que mais o empresário e seus colaboradores conseguirem pensar, desde que não seja vedado por nenhum ordenamento público.
Apesar de muito similar a outro modelo de investimento comum às Sociedades Anônimas, o stock option, que também será abordado em capítulo posterior deste trabalho, é crucial diferenciar um instrumento do outro, uma vez que no stock option o objetivo principal da sociedade é o aumento de seu capital, com previsão legal expressa no artigo 168, parágrafo 3º da Lei das Sociedades por ações, enquanto o Vesting é um mecanismo que possibilitará a aquisição de direitos dentro de um determinado negócio.
Além disso, a jurisprudência já se deparou em alguns momentos com casos de vesting, tendo um em específico chegado até o Tribunal Superior do Trabalho que considerou como válida a perda de ações de um determinado funcionário que foi demitido antes de ter sido completado o prazo de carência estipulado em seu contrato de Vesting, cláusula essa apelidada de Cliff ou Cliff hanger, dentro do meio jurídico, por ser uma espécie de carência onde, caso o colaborador ou funcionário não atinja um mínima de tempo dentro da empresa, não é obtida nenhuma compensação pelo Vesting, tendo tal mecanismo contratual sido validado pelo TST, como pode ser observado:
Metodologia de incentivo em comento envolve a concessão de uma cota virtual de ações restáveis após determinado período de tempo[...] desde que atendidas as condições previstas em regulamento, tem-se que o direito de resgatar as ações somente se materializa em direito subjetivo após o final do prazo de carência fixado pelo plano (TST, 2015, online).
Assim, tratando o Vesting de um instrumento contratual atípico, com jurisprudência favorável em uma das cortes superiores do país, seu passou a ser cada vez mais comum dentro do mundo das startups, existindo dois modelos mais comuns de aplicação deste instrumento, o primeiro deles sendo o “tradicional”, onde é estipulado um certo número de metas dentro da
função do funcionário ou colaborador e, conforme estas metas vão sendo atingidas, o funcionário tem direito a adquirir quotas da sociedade, sempre estando pré-estabelecido seus valores e quantidades.
O segundo modelo, não tão comum, mas que é utilizado quando a empresa em questão necessita da expertise do colaborador é conhecida como Vesting reversa, onde é estipulado o direito do colaborador receber suas quotas de forma antecipada, antes de qualquer atingimento de metas, sendo porém estipulado que o seu não cumprimento ao longo do contrato pode resultar na perda das quotas anteriormente adquiridas.
Apesar da doutrina especializada9 em muitos momentos entender o Vesting como um mecanismo que pode possuir diversas formas, como um contrato, termo ou até mesmo apenas uma cláusula, necessário expor que no caso das Sociedades Limitadas é crucial que este instrumento seja sempre utilizado como um contrato autônomo, dada as circunstâncias que a aquisição de quotas deve ser feita, seja para destacar se serão quotas ordinárias ou preferências, ou ainda se as quotas caso não adquiridas mediante a não finalização do Vesting serão devolvidas para a empresa como quotas em tesouraria, ou se serão disponibilizadas para venda aos demais sócios quotistas.
Há de pontuar que existem divergências10 em relação ao uso do Vesting pelas sociedades limitadas, mais precisamente em razão da previsão do artigo 1.055, §2º do Código Civil, que traz a proibição expressa da aquisição de quotas através da prestação de serviços.
No entanto, apesar de em muitos casos o Vesting se assemelhar ao previso no referido artigo, é crucial e importantíssima sua diferença, uma vez que se trata de opção de compra de ações, sem qualquer compensação salarial, existindo uma diferença entre opção de compra de ações/quotas e contribuição por intermédio de serviços, já que no contrato de Vesting o que se é ofertado ao colaborador ou funcionário é a integralização como opção de compra, após a conclusão de determinada meta ou período de tempo junto a empresa, não sendo assim diretamente uma integralização pura e simplesmente pela prestação de serviços, esquivando-se assim da proibição contida no Código Civil, sendo este mais um importantíssimo fator que corrobora com o pensamento de que, no caso das sociedades limitadas, é crucial e indispensável
9 XXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx. Startups: conceito, natureza jurídica e os contratos de investimento. Disponível em <xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxx-xxx.xx/xxxxxxxxx/00000/00000/0/xxxxxx_xxxxxxxxx_xxxxxxx_xxxxxxx.xxx>. Acesso em 10 de fev. 2022.
10 ZOLANDECK, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx; FERREIRA, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx. O contrato de vesting: uma alternativa para slucionar conflitos de agência e para dar condição de viabilidade às startups. Disponível em
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/x-xxxxxxxx-xx-xxxxxxx-xxx-xxxxxxxxxxx-xxxx-xxxxxxxxxx-xxxxxxxxx-xx- agencia-e-para-dar-condicao-de-viabilidade-as-startups>. Acesso em 10 de fev. 2022.
que o contrato de Xxxxxxx seja sempre um instrumento autônomo, com todas as previsões possíveis para resguardar da melhor forma possível a startup, seus sócios e colaboradores.
Ressalta-se ainda que, em razão da característica contratual11 das sociedades limitadas, dado que a sua contratualidade confere aos seus sócios e administradores uma maior liberdade, prevalecendo a vontade societária e a autonomia privada das partes envolvidas nos negócios jurídicos empresariais, contribuindo assim para o uso considerado válido dos contratos atípicos, como o Vesting.
3.1.2. CONTRATO DE INCUBAÇÃO E ACELERAÇÃO
Essencialmente os contratos entre as empresas denominadas como startups e as sociedades denominas incubadoras ou aceleradoras possuem muitas semelhanças, sendo, porém, necessário pontuar os conceitos distintos entre uma incubadora e uma aceleradora para então poder entender o funcionamento deste contrato.
Tendo sido apresentados os conceitos e finalidades tanto das incubadoras como das aceleradoras, agora é possível trazer os principais apontamentos sobre os contratos que envolvem esse tipo de empresa de fomento com as novas empresas emergentes, sendo o primeiro deles entender essa relação entre as duas empresas apresentadas, cada qual em seu lado, deste contrato.
De um lado, estão as startups: sociedades em fase pré-operacional ou em fase inicial de desenvolvimento de suas atividades, que têm por objeto a produção de bem ou serviço inovador e que necessitam de auxílio em diversas áreas para desenvolverem todo seu potencial e se tornarem sociedades de grande porte.
De outro, as incubadoras e aceleradoras: organizações que apresentam seus programas de incubação ou aceleração como soluções às startups, que darão o apoio almejado no desenvolvimento de sua empresa, preparando-as para ingressar no mercado sendo essa a realidade que dá ensejo à celebração dos contratos de incubação e de aceleração, sendo possível assim traçar os contornos de sua função social, nos termos do artigo 421 do Código Civil.
Esses contratos tem sua função social relacionada ao seu papel nas relações socioeconômicas e aos motivos que levam as partes de ditos contratos a serem celebrados. Assim, o objetivo principal desses instrumentos é fomentar a inovação e o consequente
11 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. MANUAL DE DIREITO COMERCIAL – Direito de Empresa. 23. Ed. São Paulo: Saraiva. 2006. P. 156.
desenvolvimento econômico do país por meio do estímulo ao empreendedorismo e da otimização das atividades produtivas.
Os contratos celebrados devem, de um lado, buscar permitir que as startups desenvolvam suas atividades empresárias e, por outro, possibilitar que as incubadoras e aceleradoras (principalmente a estas que, no mais das vezes, são sociedades empresárias) tenham retorno financeiro adequado, de modo a estimulá-las a continuar realizando suas atividades, bem como a encorajar o ingresso de outros agentes econômicos nesse setor, devendo haver portanto um equilíbrio entre os benefícios gerados às startups e os incentivos ao desenvolvimento das atividades das incubadoras e aceleradoras.
Outro ponto relevante a ser levado em consideração na interpretação desses contratos é o fato de que, normalmente, são apresentados como verdadeiros contratos de adesão. As startups incubadas ou aceleradas passam por processos de seleção e, ao serem admitidas para incubação ou aceleração, firmam o instrumento contratual que lhes é apresentado pela incubadora ou aceleradora, sem margem para discussão de suas cláusulas.
Dada essa característica, são aplicados de maneira forçosa a estes contratos as normas previstas nos artigos 423 e 424 do Código Civil, que determinam sobretudo, a interpretação do contrato a favor do aderente (startup) e a nulidade de renúncia, também por parte do aderente, de qualquer direito que resulte da própria natureza do negócio celebrado, ou seja, considerando a atipicidade dos contratos, de direitos essenciais atribuíveis a startups que busquem atividades de incubação ou aceleração.
Portanto, cláusulas contratuais que impeçam os objetivos almejados pela startup poderão ter sua validade contestada à luz das mencionadas normas do Código Civil. Isso pode ocorrer tanto nos casos em que a prestação exigida da startup é usual, mas a contraprestação oferecida pela incubadora ou aceleradora foge ao que razoavelmente se pode esperar em negócios da mesma natureza, como quando a contraprestação da incubadora ou aceleradora está de acordo com os usos do mercado, mas a prestação a ser oferecida pela startup é excessiva.
Ao procurar uma incubadora ou uma aceleradora, a startup tem como principal objetivo imediato, desenvolver suas atividades empresárias, do ponto de vista operacional, administrativo e/ou financeiro para, ao fim do período de incubação ou de aceleração, exercer uma empresa com mais chances de sucesso, podendo, assim, gerar mais riqueza, aceitando assim a startup (ou seus fundadores) pagar prestações em dinheiro ou ceder parcela minoritária do capital social da empresa as incubadoras ou aceleradoras, podendo também ter de participar
das atividades promovidas pelas empresas de incubação e aceleração, seguindo inclusive uma cartilha de orientações durante um período de tempo pré-determinado em contrato.
As incubadoras e aceleradoras são livres para oferecer seus programas e apresentar as vantagens competitivas que possuírem de modo a atrair as startups que por eles se interessem, sendo a margem para variação nas condições dos negócios jurídicos ainda maiores caso as duas partes sejam empresárias com maior experiência. Deve, contudo, haver equilíbrio entre o que as incubadoras e aceleradoras se dispõem a prestar e o que receberão por parte das startups, pois, mesmo entre empresários, não se pode ser esquecido que são contratos de adesão, e que as aceleradoras e incubadoras se apresentam como organizações que pretendem auxiliar e não prejudicar os fundadores das startups no desenvolvimento do negócio.
Assim, apesar de os contratos deverem ser interpretados segundo a situação particular que regulam, a princípio nos parecem inválidas, por exemplo, cláusulas que (determinem que a propriedade intelectual dos produtos desenvolvidos por uma startup em processo de incubação pertençam integralmente à incubadora, que determinem que a incubadora deverá receber parcela muito elevada do faturamento da incubada ou por prazo muito longo, ou ainda, que atribuam participações societárias (ou direitos inerentes a participações societárias) que acabem por conferir o controle societário de uma startup à sua aceleradora.
3.1.3. MÚTUO CONVERSÍVEL DE QUOTA PREFERENCIAL
Apesar do contrato de mútuo conversível já ter sido apresentado como um contrato anterior aos novos regramentos aqui tratados, é importante trazer a luz essa pequena, mas importante, modificação nesses contratos, que inclusive trouxeram ainda mais desuso aos contratos de Investidor Anjo previstos na Lei Complementar nº 155/16.
Isso ocorre pelo fato de que, como explicado no item referente ao investimento anjo, o principal diferencial trazido pela legislação foi a não responsabilização do investidor como se sócio fosse tendo de ser ressalto a questão referente a tributação dos lucros e da percepção de capital através da realização do investimento feito. Porém, com o advento da possibilidade de as sociedades limitadas poderem emitir quotas preferenciais, a questão referente a não responsabilização patrimonial dos sócios já se tornou possível, isso porque, os sócios proprietários de quotas preferenciais não possuem qualquer gerencia administrativa sobre a empresa, podendo no máximo serem parte de conselho administrativo consultivo.
Com essa possibilidade os investidores que possuem intenção de auxiliar as sociedades como mentores, através do que é comumente conhecido como smart money12, ao mesmo tempo em que pretendem entra para o quadro societário para perceber lucros e dividendos no futuro em que as empresas passem a os realizar, podem assim dar total preferência aos contratos de mútuo conversível em quotas preferenciais.
Assim, a falta de mecanismos mais apropriados, ou ainda, de maiores incentivos para o uso constante dos contratos de participação de investimento anjo acabou trazendo os mútuos conversíveis em quotas preferencias como uso mais comum, devendo apenas ser sempre levado em consideração o disposto nos contratos sociais das empresas aos quais serão feitos os investimentos, uma vez que a previsão de quotas preferências deve ser expressa no contrato social, sob pena de, no momento de apuração de dívidas, serem considerados também os sócios quotistas preferenciais como quotistas ordinários, dada a não previsão em contrato social desse tipo de quotas.
3.1.4. CONTRATO DE INVESTIMENTO POR FUNDO PRIVADO
Antes de falar sobre os dois tipos mais comuns de investimento por fundo privado, quais sejam, o Venture Capital e o Private Equity, é necessário pontuar que os investimentos por fundo privado são muito variados, mas que cobriremos aqui apenas estes dois modelos por serem os mais comuns juntos as startups e empresas emergentes.
Os investimentos por fundo privado são muito comuns na bolsa de valores e no mundo dos mercados mobiliários, sendo utilizados com recorrência para diversificar portifólios de investimento, assim como mitigar os riscos inerentes a qualquer tipo de investimento., sendo este o mesmo modus operandi dos fundos de Venture Capital e Private Equity.
3.1.5. STOCK OPTION
O último modelo de investimento que será abordado é o Stock Option13 que nada mais são do que um meio de retribuir um trabalho feito pelos funcionários de determinada empresa, item de muita valia dentro do mundo das startups.
12 Smart money ou “dinheiro inteligente”, na tradução para o português, é definido de duas maneiras diferentes: alta quantia de capital aplicada por investidores experientes e bem-informados; ou como a entrada de um investidor, que além de investir, viabiliza a sua experiência profissional em favor da empresa.
13 Termo em inglês que no português se traduz para – opção de ações.
Se você recebe Stock Options, ou Opções de Compra de Ações de seu empregador, significa que ele está lhe oferecendo o direito de comprar ações da empresa a um preço pré- determinado. Algumas vezes, esse preço tem um desconto sobre o valor das ações quando foram concedidas ou pode usar também como referência uma média de valores, por exemplo, a média dos últimos 30 pregões para empresas de capital aberto.
No entanto, como é possível observar, esse modelo de forma expressa parece ser unicamente possível de ser introduzido em sociedades anônimas, uma vez que a nomenclatura é exclusiva para ações, e não quotas, existindo inclusive previsão expressa para essa modalidade de investimento na Lei 6.404/76, mais precisamente em seu artigo 168. Esse era o entendimento razoável até a entrada em vigor da IN 38/2017 do DREI, já que nas Stock Options, o mais comum era que os funcionários ou colaboradores recebessem ações preferenciais da empresa, participando assim dos lucros, mas sem poder de voto ou gerência administrativa.
Então, até antes da Instrução Normativa em questão, as sociedades limitadas não poderiam se beneficiar desse tipo de modelo, uma vez que era expressamente vedado a diferenciação de quotas, existindo apenas as ordinárias, o que mudou com a IN 38/2017, possibilitando, ao menos de forma teórica, que empresas limitadas passassem a se valer do instrumento da Stock Option como meio de beneficiar seus funcionários.
No entanto, problemática recorrente sob esse assunto é a natureza salarial da Stock Option, uma vez que diferentemente da Participação nos Lucros e Resultados (PLR), regulamentado pela Lei 10.101/00, não existe previsão legal quanto à natureza salarial das ações adquiridas pelo empregado por meio da opção de compra.
Nesse sentido, é de suma importância que o Stock Option preencha alguns requisitos para que as ações não adquiram natureza salarial e, consequentemente, para que não atraiam os encargos trabalhistas e previdenciários ao empregador.
Para saber quando a opção de compra adquirirá natureza salarial, é necessário entender o conceito de salário. Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx define salário como “o conjunto de parcelas contra prestativas pagas pelo empregador ao empregado em função do contrato de trabalho”14. Sabendo disso, a jurisprudência estabeleceu alguns critérios para afastar a natureza salarial do Stock Option, sendo os principais deles a voluntariedade na adesão ao plano, ou seja, a opção da compra de ações não pode ser obrigatória ou imposta em um contrato regular assim
14 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 16. ed. rev. e atual. – São Paulo: LTr, 2017, p. 799.
que o funcionário entra na empresa ou recebe algum aumento ou promoção, cabendo ao empregado decidir se quer ou não exercer esse direito.
Outro ponto que a jurisprudência aponta é a necessidade da outorga das ações ou quotas ser onerosa, o beneficiário tem que, necessariamente, desembolsar recursos próprios para adquirir as ações, já que se forem obtidas a título gratuito, serão considerados com mera contraprestação pelos serviços prestados, trazendo consigo o peso da verba salarial nas sociedades anônimas, e mais ainda, a ilegalidade nas sociedades limitadas, já que existe a vedação expressa da obtenção de quotas mediante prestação de serviços, no artigo 1.055, §2º do Código Civil.
Essa necessidade da onerosidade na obtenção das quotas ou ações é premissa para o último critério estabelecido pela jurisprudência, que é o risco na compra das ações, já que assim como um investidor tradicional, o beneficiário do Stock Option deve assumir os riscos do investimento ao adquirir sua participação na empresa, podendo auferir os lucros no caso de bom desempenho, ou compartilhar os prejuízos caso contrário.
Assim, quando preenchidos esses três requisitos, a Stock Option ganha ares de impessoalidade colocando-se em igualdade com as ações vendidas no mercado indistintamente adquirindo assim seu caráter mercantil.
No entanto, apesar de todas essas possibilidades, o Marco Legal das Startups que possuía a previsão expressa das Stock Options como meios não de remuneração, mas sim de investimento, retirando de vez qualquer possibilidade do enquadramento desse modelo de investimento como salario à título trabalhista, foi emendado no Senado Federal tendo sido retirada a parte do texto legal que tratava exatamente desse tema, que de acordo com o relator Xxxxxx Xxxxxxxx (PL – RJ) , é um instrumento muito importante mas que não é unicamente aplicado às startups, razão pela qual deve ser criado um outro projeto de lei específico para esse fim.
A retirada dessa parte crucial no texto do Marco Legal das Startups foi alvo de duras críticas por inúmeras organizações do setor15, que encaminharam carta aos senadores acusando que, sem a previsão do Stock Option e alguns outros itens retirados pelo Senado Federal, a legislação pode acabar se tornando inócua, já que para essas organizações o Brasil se encontra
20 (vinte) anos atrasado em relação às políticas de estímulo para startups, conforme
15 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Marco Legal das Startups sem itens como stock options é “gol contra”, avaliam organizações. <xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxx-xxxxx-xxx-xxxxxxxx-xxx-xxxxx-xxxx-xxxxx-xxxxxxx-x-xxx- contra-avaliam-organizacoes/>. Acesso em 10 de fev. de 2022.
recomendação da OCDE e já adotadas por dezenas de países, incluindo todos os BRICS, exceto o Brasil, sendo essas emendas um retrocesso que manterá o país no atraso.
4. EMPRESAS LIMITADAS E INVESTIMENTO
A utilização das empresas limitadas como empresas aptas a receberem investimentos de terceiros não é novidade, porém é um modelo que por muito tempo foi pouco utilizado, ficando as sociedades limitadas restritas ao uso por empresas mais tradicionais, de pequeno e médio porte, que não visavam a nenhum momento um investimento externo, alterando seu tipo societário para sociedade anônima sempre que existia um crescimento abrupto ou a possibilidade de grandes investimentos.
Porém essa realidade se alterou com o advento das novas tecnologias, da globalização e da possibilidade de uma empresa com poucos membros, sem uma grande linha de produção, gerar valores cada vez maiores, independentemente do tipo societário, tendo os investidores percebido o potencial de lucrar cada vez mais com esses novos modelos empresariais, razão pela qual a legislação precisou, mesmo que aos poucos, de atualizar para se adequar a essa nova realidade.
4.1. O USO DAS SOCIEDADES LIMITADAS POR STARTUPS
A Sociedade Limitada é o tipo societário mais comum no Brasil e está regulamentada nos artigos 1.052 e seguintes do Código Civil, tendo como principal característica a responsabilidade limitada dos sócios, isto é, somente o patrimônio da sociedade responde por suas obrigações e dívidas.
Outra característica desse tipo societário a sua contratualidade, isto é, a sua constituição se dá através de contrato social escrito onde as partes podem pactuar com ampla liberdade seus interesses e objetivos, podendo escolher o objeto social, capital social, administrador e demais cláusulas importantes ao negócio, como por exemplo, que versem sobre a inclusão ou exclusão de sócios. Além disso é uma sociedade menos burocrática, não sendo obrigatória a publicação dos atos societários e informações financeiras, sendo esta uma das principais razões pela qual as startups tendem a escolher esse tipo societário para sua formalização.
Quanto ao capital social não há nenhum mínimo ou máximo obrigatório, o que também facilita a criação de uma startup que, em seu momento inicial realmente pode não possuir qualquer capital social necessário para realização de suas atividades.
Além disso, a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor de suas quotas, e agora com as novas regras da IN 38/2017 do DREI e a possível confirmação do Marco Legal das Startups, alguns sócios podem nem ao menos terem qualquer responsabilidade, não respondendo nem por dívidas trabalhistas, já que não estariam inseridos no quadro administrativo, sendo considerados tão apenas como investidores dessas empresas.
Assim o uso cada vez mais recorrente das sociedades limitadas pelas startups traz consigo esse maior foco dos legisladores sobre isso, causando uma maior quantidade de normas que as regulem, uma necessidade latente pelo seu maior uso, porém divergente da sua natureza contratualista originária, já que com cada nova norma e legislação que a regule as atividades das sociedades limitadas, mais se perde a sua característica contratualista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo trouxe como principal questionamento a interação entre os contratos de investimento e as sociedades limitadas, a luz das nova regras e legislações que vem sendo criadas no Brasil.
O principal intuito em abordar essa temática foi o de incluir as sociedades limitadas no rol de possíveis tipos societários para empresas de todos os tamanhos e que visam serem alvos de investimento externo, principalmente aquelas nos ramos de tecnologia e inovação denominadas como startups, dada a característica principal das sociedades limitadas ser a contratualidade, sem o excesso de burocracias existentes para a criação e a manutenção de uma sociedade anônima.
Para tanto foi necessário pontuar, em princípio, o que são as startups e quais são essas novas mudanças que facilitaram o seu surgimento dentro das limitadas, bem como o surgimento de novos tipos de investimento, tendo que antes serem apresentados, ainda que de forma breve, os modelos tradicionais de investimento em sociedades limitadas, sempre também tentando apresentar as razões que faziam com que esses modelos tradicionais não fossem ideais, como por exemplo as inseguranças jurídicas de um contrato de mútuo conversível por quotas preferenciais, ou ainda a imprevisibilidade das sociedades em cotas de participação, que são uma sociedade, mas não são, e que servem apenas para o investimento em um negócio específico ou na criação de um produto específico, nunca como solução para o investimento direto em uma empresa nascente.
A partir daí foi onde começaram a ser apresentados os novos modelos de contrato de investimento, suas principais aplicabilidades, porque foram possíveis com a vigência da nova
legislação e, onde ainda falta existir algum tipo de previsão legal para que as startups e todo o ecossistema de inovação no Brasil possam florescer ainda mais.
Por fim, foram apresentados os resultados obtidos dentro do trabalho, quais sejam, o maior nível de segurança nos contratos de investimento junto as sociedades limitadas, maior segurança essa tanto para os empresários e sócios dentro da sociedade, como para os investidores, tendo sido observado que essa facilitação no tocante a segurança era um dos principais pontos faltantes para que mais empresas, organizações e sociedades passassem a investir em maior escala nesse seguimento das empresas inovadoras, principalmente pelo fato de sua grande maioria ser de empresas organizadas na forma de sociedades limitadas.
Porém, apesar de ter se obtido este resultado dentro do projeto, também foi possível observar que alguns pontos muito importantes para a concretização do ecossistemas de startups como completamente viável e duradouro no país ainda não existem, e que poderiam passar a existir com o novo Marco Legal das Startups, mas infelizmente a legislação original sofreu com inúmeras emendas no Senado Federal, que mitigaram e muito o poder que essa legislação teria para pavimentar de uma vez por todas o setor das startups no Brasil.
No entanto, fica ainda o questionamento sobre os rumos da legislação brasileira e, principalmente, como as novas legislações e instruções serão interpretadas e aplicadas quando confrontadas pelo judiciário, se serão mantidas ou se sofrerão na mão de magistrados que as interpretem como inconstitucionais ou ilegais de alguma forma, ou ainda que deem interpretação diversa àquela pretendida pelos legisladores e por toda a sociedade empresária, sendo essa recepção do judiciário e a consolidação da jurisprudência tema muito importante a ser observado para uma maior compreensão e aprofundamento dos aspectos apresentados neste trabalho.
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ABSTRACT
It is well known that great are the difficulties that Brazilian entrepreneurs face when undertaking, especially in obtaining various investments in their business activity. IN 38/2017 of the DREI has contributed to solving this deficiency, making it possible through efficient regulation that new investment models promote the circulation of resources, enabling the expansion and optimization of economic activities developed from limited liability companies, allowing them to issue preferred shares or even keep shares in treasury, as in joint-stock companies, significantly expanding the means available so that interested third parties or even private investment funds can invest resources in a faster, safer and more transparent way, providing return capital gain meaning in the pursuit of the goal of promoting social justice based on freely developed economic activity.
Keywords: economic activity, efficiency, investments, free enterprise, regulation
RESUMEN
Es bien sabido que grandes son las dificultades que enfrentan los empresarios brasileños al emprender, especialmente en la obtención de diversas inversiones en su actividad empresarial. La IN 38/2017 del DREI ha contribuido a subsanar esta deficiencia, posibilitando mediante una regulación eficiente que nuevos modelos de inversión promuevan la circulación de recursos,
posibilitando la expansión y optimización de las actividades económicas desarrolladas desde las sociedades de responsabilidad limitada, permitiéndoles emitir acciones preferenciales. o incluso mantener acciones en tesorería, como en las sociedades anónimas, ampliando significativamente los medios disponibles para que terceros interesados o incluso fondos privados de inversión puedan invertir recursos de una forma más rápida, segura y transparente, proporcionando retorno de plusvalía con sentido en la búsqueda del objetivo de promover la justicia social basada en la actividad económica de libre desarrollo.
Palabras clave: actividad económica, eficiencia, inversiones, libre empresa, regulación