CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: AFRONTA AOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS TRABALHISTAS
CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: AFRONTA AOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS TRABALHISTAS
Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx0 Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxx0 Xxxxxx Xxxxx Xxx Xxxxxx0
RESUMO
O presente artigo tem como base a temática relacionada à Reforma Trabalhista, Lei que teve vigência em novembro de 2017 e o foco deste é uma alteração introduzida pela referida reforma, o artigo 452-A da CLT que discorre sobre o Contrato de Trabalho Intermitente. Essa nova forma de contrato chamou bastante a atenção, pois é totalmente diferente dos demais contratos de prestação de serviços, essa nova modalidade segue a demanda de necessidade do empregador e o empregado irá trabalhar por períodos e irá receber a remuneração ao fim de cada um deles.Assim sendo, o objetivo do presente artigo é analisar essa modalidade de contrato com intuito de verificar se este diverge dos direitos constitucionais. Para isso a metodologia empregada foi dedutiva e bibliográfica, por meio da pesquisa pode-se concluir que o contrato de trabalho intermitente é uma incerteza para o trabalhador, que não sabe quando irá trabalhar e fica à mercê da necessidade do empregador. Ao criar essa modalidade a finalidade do legislador era diminuir a taxa de desemprego, porém a pesquisa investigará se esse tipo de contrato deixa o trabalho precário e fere princípios da Constituição Federal de 1988.
Palavras- chave: Contrato de Trabalho Intermitente; Inconstitucionalidade do contrato de Trabalho Intermitente; Lei nº 13.467/2017.
1 Advogada e Professora do Curso de Direito na Faculdade Presidente Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx/ MG. Especialista em Direito Público e em Docência no Ensino Superior. E-mail: xxxxx-xxxxxxx@xxxxxxx.xxx
2Estudante do décimo período do Curso de Direito na Faculdade Presidente Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx/ MG. E-mail: xxxxxxxxx_xx00@xxxxxxx.xxx
3Estudante do décimo período do Curso de Direito na Faculdade Presidente Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx/ MG. E-mail: xxxxxxxxxxx0@xxxxx.xxx
1. INTRODUÇÃO
A Lei nº 13.467/2017 que é conhecida como a Lei da Reforma Trabalhista, teve aprovação devido ao crescimento do desemprego no Brasil, tendo como objetivo dentre outros, o de deixar as relações de trabalho modernizado, aumentar a segurança jurídica entre as partes e também proporcionar oportunidade maior de emprego formal aos trabalhadores.
Com a promulgação da Lei acima citada, novas modalidades de contrato de trabalho foram inseridas, dentre elas o contrato de trabalho intermitente que é o objeto de estudo nesse trabalho, pois é uma modalidade de contrato totalmente diferente dos outros contratos contidos na nossa legislação. O presente artigo tem como objetivo principal analisar a legislação acerca do trabalho intermitente, relacionando-o com alguns princípios e regras que embasam os contratos de trabalho em geral verificando se atende aos requisitos que são essenciais na relação de emprego.
O contrato de trabalho intermitente é uma modalidade na qual o empregador contrata o trabalhador para praticar atividades laborais, porém é um trabalho por períodos específicos, podendo ser em dias ou até em horas dentro de um mesmo mês, ou seja, o empregado é contratado para a prestação de serviços, sendo subordinado ao contratante, mas o labor acontece de maneira descontinua independentemente da atividade que ele irá exercer.
A metodologia aplicada foi a pesquisa bibliográfica em livros, artigos e legislações e foi possível aplicar o método dedutivo, através do qual foi feita uma análise crítica em relação ao contrato de trabalho intermitente.
Na pesquisa irão ser estudadas a definição e características principais do contrato de trabalho. Em seguida será apresentado o contrato de trabalho intermitente como nova modalidade contratual. Após, será analisada a constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente, bem como a quebra da continuidade da relação de emprego, veremos também sobre o pagamento por hora trabalhada frente à garantia do salário-mínimo e o pagamento por hora trabalhada frente à irredutibilidade salarial. Por fim será exposto o afronta ao princípio da vedação do retrocesso social e a violação ao princípio da
dignidade da pessoa humana, contendo também a conclusão de acordo com o que foi estudado.
2. DEFINIÇÃO E CARACTERISTICAS PRINCIPAIS DO CONTRATO DE TRABALHO
Conceitualmente, o “contrato de trabalho” é um acordo entre um empregado e um empregador baseado na relação trabalho-gestão, que pode ser oral ou tácita, escrita ou explícita. É possível encontrar a definição de contrato de trabalho no art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):
Art. 442 – Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.
Parágrafo único – Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.
Desta forma, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (2018, p. 607) utiliza os elementos que constituem uma relação de trabalho e reconhece que deve haver um negócio jurídico entre as duas partes. Definindo o contrato de trabalho como um “contrato de vontade, implícito ou expresso, mediante o qual uma pessoa natural obriga-se perante uma pessoa natural, jurídica ou ente despersonificado a uma prestação pessoal, não-eventual, subordinada e onerosa de serviços."
Como qualquer negócio jurídico, um contrato de trabalho deve conter os elementos necessários para verificar sua validade. Esses elementos também são chamados de formas judiciais por Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (2018, p. 615), e são os elementos estipulados no artigo 104 do Código Civil (Brasil, 2002), ou seja, a competência das partes, a legalidade e regulamentação do objeto, ou não proibido por lei, o que aumenta a higidez da manifestação da vontade.
No entanto, vale ressaltar que antes de analisar os elementos básicos acima, é necessário verificar a existência dos elementos que constituem a relação de trabalho, levando em consideração que a falta desses elementos levará à ausência de vínculo empregatício (DELGADO, 2018, p 615). Os elementos contidos na definição do contrato de trabalho acima transcrita são os
serviços pessoais, com onerosidade, pessoalidade, subordinação e de maneira não eventual.
Importante frisar, ainda, que o contrato de trabalho é um contrato de direito privado, pois é negociado por dois particulares que tratam de interesses privados. Vale destacar que, tendo em vista que uma das partes deve assumir a obrigação de prestação de serviços, o de contrato de trabalho também pode ser caracterizado como um contrato de atividade. Além disso, é um contrato contínuo, pois a parte principal do negócio vale dizer, a prestação dos serviços, costuma ser de forma continuada ao longo do tempo (DELGADO, 2018, p. 611).
É importante destacar que, segundo Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (2018, p.643), embora existam disposições legais quanto à existência de contratos de trabalho a termo, é certo que por tempo indeterminado o contrato de trabalho constitui uma regra geral. A incerteza da duração do contrato não é apenas um meio para concretizar o princípio da continuidade da relação laboral, mas tem como característica inerente a existência de um maior potencial para os trabalhadores obterem direitos laborais.
O princípio da continuidade da relação de emprego reflete os interesses do Direito do Trabalho, onde a relação de trabalho é permanente e estável, combinando os trabalhadores com a estrutura e dinâmica da empresa (DELGADO, 2018, p.243). Como aduz Vólia Bomfim Cassar:
O homem médio busca a segurança e a estabilidade econômica, o que acarreta presunção de que todos desejam uma colocação no mercado para ter a oportunidade de trabalho, já que o desemprego assusta e traz instabilidade econômica. Daí pressupõe-se que o trabalhador não quer sair do seu emprego. O desdobramento dessa presunção conjugado ao fato do contrato de trabalho ser de trato sucessivo (que não se esgota num único ato) gera a conclusão de que o ônus de provar o motivo da saída do empregado de seu emprego é do patrão (CASSAR, 2016, p. 191).
Dessa forma, considerando que tal acordo se presume em qualquer relação de trabalho, o contrato de trabalho por tempo indeterminado goza de garantias no ordenamento jurídico, a exemplo da Súmula 212 do Tribunal Superior do Trabalho.
3. CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE COMO NOVA MODALIDADE CONTRATUAL
A Lei nº 13.467/2017 introduziu uma forma de contratação especial,antes inexistente no ordenamento jurídico brasileiro, a saber, o contrato de trabalho intermitente.O conceito de contrato de trabalho intermitente se encontra no parágrafo terceiro do artigo 443, da CLT, que prevê:
Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.
(....)
§ 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.
Pode-se dizer que o contrato de trabalho intermitente é aquele contrato de trabalho em que a prestação de serviços vai acontecer com alternâncias de períodos de inatividade. A contratação pode se dar em horas, dias ou até meses, como por exemplo, um trabalhador pode trabalhar um mês inteiro e ficar três meses sem ser chamado para trabalhar ou então um trabalhar por algumas horas e ficar alguns dias sem ser chamado ao trabalho.
Este é o contrato intermitente onde o trabalhador vai laborar por alguns momentos e em outros ficará na inatividade, recebendo apenas pelos período de labor prestado. Pois bem, esse é o grande problema verificado no contrato intermitente, sendo uma discussão abordada no final desse capítulo, depois de conceituar e discutir o que é o contrato intermitente, suas principais características e requisitos tudo instituído pela reforma trabalhista de 2017.
O contrato intermitente é mais uma modalidade de contrato de trabalho previsto na CLT. Garante o registro na carteira de trabalho do trabalhador decorrendo daí todos os direitos trabalhistas que ele lhe são reservados. O trabalhador,no contrato intermitente, terá também a carteira assinada, pois com isso surge o vínculo de emprego, e terá todos os direitos trabalhistas garantidos nos períodos de atividade. Importante lembrar que um dos requisitos do vínculo de emprego é a não eventualidade, ou seja, aquele trabalho não pode ser eventual para que se configure o vínculo de emprego.
A reforma trabalhista trouxe uma inovação ao definir o contrato de trabalho intermitente, que é o trabalho não contínuo, com interrupções, podendo o trabalhador ficar meses sem ser chamado pra trabalhar e mesmo assim tendo o vínculo de emprego mantido, com a carteira de trabalho devidamente assinada. Um completo paradoxo. Ora, para que se caracterize o contrato de emprego é necessária a presença do requisito não eventualidade, mas se o contrato de trabalho for intermitente, que por sua natureza é não contínuo, portanto eventual, considera-se que este contrato é de emprego. O contrato intermitente pode ser aplicado em qualquer atividade.
Na CLT o contrato intermitente, quando o empregador deseja que o empregado se apresente ao trabalho, irá convidá-lo e esse empregado poderá dizer que não possui interesse, tendo um prazo para que isso ocorra, assim como o empregador pode ficar meses sem convidar o empregado ao trabalho.
É possível observar que existe uma grande insegurança, tanto para o trabalhador quanto para o empregador nessa modalidade de contrato de trabalho. As principais características podem ser encontradas no artigo 452-A da CLT, e a primeira grande característica é que o contrato intermitente precisa ser celebrado por escrito, pois se não for escrito, mas sim verbal, será considerado como um contrato por prazo indeterminado.
Outra característica é quanto à forma de convite do trabalhador à atividade. Esse trabalhador precisa ser chamado com 3 dias corridos de antecedência para que ele possa se programar, tendo 1 dia útil para responder se tem interesse ou não.
Em relação ao pagamento do salário, pago ao final de cada período de trabalho, a empresa vai pagar de forma proporcional o período de atividade, as férias proporcionais, o décimo terceiro, o depósito do FGTS, conforme elencado na CLT, art. 452-A parágrafo 6º.
O trabalhador no contrato intermitente também tem direito às férias, o artigo 452-A, parágrafo 9º, determina que a cada doze meses esse trabalhador tenha direito a um mês de férias assim como qualquer outro trabalhador empregado. Nesse período ele não pode ser convocado ao trabalho. O mesmo dispositivo legal diz que o trabalhador, quando estiver em inatividade, pode trabalhar para outros empregadores, podendo ter vários contratos intermitentes em vigor.
A rescisão do contrato intermitente e as verbas rescisórias devidas ao trabalhador serão equivalentes às do contrato de trabalho por tempo indeterminado. Após do encerramento do vínculo o trabalhador terá direito à aviso prévio, multa de 40% do FGTS se for dispensado sem justa causa, juntamente como os outros direitos já mencionados.
4. A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA PACTUAÇÃO DO REGIME DE TRABALHO INTERMITENTE
A possibilidade trazida pela Reforma Trabalhista de um trabalhador e empregador celebrarem um contrato de trabalho intermitente para o desempenho de prestação de serviços tem sido criticada por um grande número de operadores do direito desde o início da sua implantação, em suma, sustentam que esta nova modalidade contratual não observa os direitos sociais garantidos pela Constituição Federal.
Para Streck (2017), que compõe a corrente que vê esta nova modalidade contratual, como uma clara afronta à Constituição, como evidenciado por sua apresentação sobre o tema: “para ser mais claro, é flagrante a inconstitucionalidade do núcleo desse instituto de contrato intermitente, sendo ineficiente conjecturar cada uma de suas especificidades”.
Nesse sentido, Xxxxxxxxxx (2019) explica que o trabalho intermitente é visto como uma forma de “precarização” das relações de trabalho. Tal alegação tem como fundamento uma suposta insegurança jurídica do trabalhador quanto ao valor recebido no final de cada mês, já que este fica refém da demanda de trabalhar para colher frutos.
Nesse caminho, é necessário destacar a existência de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 5.806, 5.826, 5.829 e 5.950) em tramite no Supremo Tribunal Federal e que têm por objeto o debate acerca da inconstitucionalidade deste novo instituto previsto na legislação trabalhista. (FERREIRA, 2019).
Como resultado, muitas empresas têm medo de realizar contratação de empregado em regime de trabalho intermitente, visto que ainda existem muitas dúvidas sobre o que os tribunais vão entender sobre o tema. (NASCIMENTO, 2019)
Assim sendo, é necessário conceituar quais são os direitos sociais do trabalho garantido pela Constituição Federal para que se possa tratar da (in)constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente.
4.1 QUEBRA DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO
Este capítulo tem como objetivo analisar a (in)constitucionalidade do contrato intermitente em face dos direitos sociais previstos no art. 7º da Carta Magna, em particular aquelas estabelecidas nos itens I (continuidade da relação de emprego), IV (salário-mínimo) e VI (irredutibilidade salarial). (BRASIL, 1988).
É importante ressaltar que a continuidade é um dos princípios que orienta a dinâmica dos contratos de emprego e visa manter os referidos contratos o maior tempopossível, para que os funcionários possam ganhar dinheiro de forma contínua para promover o desenvolvimento pessoal dos trabalhadores e suas famílias, não tendo grandes oscilações na sociedade para enfrentar o desemprego. (ROMAR 2018, p. 47).
Segundo o doutrinador Xxxxx (2019) uma das conseqüências da não continuidade nesta forma de contrato intermitente, é que é uma oportunidade para os empregadores assinarem contratos com os funcionários e valerem-se dos trabalhos destes atendendo às necessidades atuais de produção ou serviço da empresa.Desta forma, a legislação age ao possibilitar que a empresa se ajuste às oscilações do mercado para evitar perdas.
Em suma, é evidente que a continuidade não está presente nos contratos de trabalho intermitentes, dessa forma uma visão mais conversadora acerca do tema pode confirmar que os trabalhadores são afetados por esta nova modalidade contratual.
4.2 O PAGAMENTO POR HORA TRABALHADA FRENTE À GARANTIA DE SALÁRIO-MÍNIMO E AIRREDUTIBILIDADE SALARIAL
Os trabalhadores têm direito a um salário-mínimo, determinado por lei,que atenda, ao menos em tese, às suas necessidades básicas de vida e as de sua família, incluindo moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestimenta, higiene, transporte e seguridade social. Esse direito é garantido no artigo 4º e artigo 7º da Constituição Federal que ainda é garante ao trabalhador
que seja feito reajuste regular do salário-mínimo com o objetivo de garantir a manutenção do seu poder de compra. (Brasil, 1988).
Considerando a importância de garantir que os trabalhadores recebam o salário- mínimo para manter sua dignidade é definido pelos legisladores na CLT o art.452-A que os contratos de trabalho intermitentes devem incluir salários por hora de trabalho, afirmando que o valor não pode ser inferior ao valor da hora do salário-mínimo ou salário de outros prestadores de serviço na mesma função.
Neste caminho, os ensinamentos de Xxxxxxxx (2019) esclarecem sobre o momento em que o funcionário receberá o pagamento. O autor alerta que embora o art. 452-A, § 6º da CLT estabeleça que o pagamento seja feito no final de cada período de atividade, no caso deste período ser superior a um mês, o funcionário deve receber no final de cada mês para que não haja nenhum dano ao seu sustento.
Assim sendo, a Procuradora-Geral da República mantém sua opinião de não existir violação à Constituição, uma vez que o legislador estabeleceu a proporção entre os salários-mínimos determinados no contrato de trabalho tradicional e o valor por hora dos contratos de trabalho intermitentes. (MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, 2018).
De acordo com a análise da legislação que regulamenta o contrato de trabalho intermitente e do parecer do Ministério Público Federal sobre sua constitucionalidade, fica evidente que não há contradição com a Constituição Federal no que diz respeito à forma de remuneração dos trabalhadores.
Uma vez que deve ser proporcional ao trabalho realizado, levando em consideração, pelo menos, o salário mínimo estabelecido por lei, ou seja, para o trabalhador em jornada intermitente, e garantido o salário mínimo equivalente ao período ajustado para a prestação de serviços, seja ela acordada de hora em hora, diária ou mensal. (MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, 2018).
A irredutibilidade dos salários é um direito inerente aos trabalhadores e encontra respaldo no art. 7º. Inciso VI, mas esse direito não é absoluto, pois há uma exceção prevista nas disposições desta lei, que podem reduzir os salários dos trabalhadores, no entanto, as reduções devem ser negociadas por meio de convenções ou acordos coletivo. Assim sendo, a doutrinadora Romar (2018) explica que tais regras têm a proteger as metas salariais dos trabalhadores e
cancelar quaisquer reduções salariais executadas unilateralmente pelo empregador.
Diante do exposto, é possível observar que, conforme o entendimento de inúmeros estudiosos, o contrato de trabalho intermitente não prejudicará o princípio trabalhista da irredutibilidade salarial, sendo resguardado pela Constituição Federal uma vez que o valor pago ao trabalhador será proporcionalmente calculado levando-se em consideração, no mínimo, o valor do salário mínimo e o tempo efetivo de serviço prestado. No entanto, esta forma de contrato causará, indubitavelmente, oscilações no valor recebido pelos funcionários no final de cada mês durante o período de atividade, já que estes não precisam ser iguais, ou em outras palavras, os funcionários sempre receberão de acordo com o tempo trabalhado.
4.3 AFRONTA AO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL E VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da vedação ao retrocesso social em essência é uma restrição à liberdade do legislador. O princípio da vedação ao retrocesso visa evitar que a norma regulamentadora criada, passasse a ser aplicada, contrariando a Constituição Federal, devolvendo a ordem jurídica. Este princípio está diretamente relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana e com a segurança jurídica (o elemento básico do Estado de Direito ou o estado de segurança jurídico).
Segundo Xxxxxxxxx (2002, p.336), os direitos não podem ser retroagidos, eles podem apenas avançar fortalecendo na proteção das pessoas. Por causa deste princípio, "vedação ao retrocesso" ou "efeito de clique", qualquer medida que se incline a revogar direitos que foram regulamentados sem nenhum meio alternativo criado para compensar o cancelamento desses benefícios é considerada inconstitucional.
O referido princípio encontra-se implícito na Constituição Federal de 1988 e é destinado a proteger as pessoas de leis voltadas para a negativação e precarização dos direitos sociais conquistados. Desta forma, muitas pessoas acreditam que o trabalho intermitente violaria o princípio da violação ao retrocesso, pois faria com que o possível salário pago pelo labor prestado seja inferior ao salário-mínimo.
A Constituição garante ao trabalhador um salário mínimo e enfatiza a necessidade deste suprir as despesas básicas de vida e da família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, saneamento, transporte e seguridade social. No entanto, como a reforma trabalhista foi formulada e aprovada sem ter sido precedida por grandes debates, muitos direitos dos trabalhadores acabaram por serem precarizados. Contrariando o ordenado no artigo 170 da Constituição Federal (1988):
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
VIII - busca do pleno emprego;
A grande discussão apontada quanto ao contrato de trabalho intermitente é a onda de incertezas que os trabalhadores deste regime acabam por sofrer. Ao comparar os tipos de contrato de trabalho existentes, fica claro que algumas de das características do contrato de trabalho intermitente contradizem o princípio da dignidade da pessoa humana. A aprovação da contratação e pagamento de empregados pelo empregador, nessas bases do contrato intermitente, mesmo que proporcional ao salário-mínimo por hora, não respeita os princípios básicos da Constituição.
Quanto ao salário mínimo, a Constituição Federal prevê que não existe vinculo empregatício seja qual for a hipótese em que não seja oferecido ao trabalhador a garantia de um salário mínimo, caso contrario causaria grave violação ao principio da dignidade da pessoa humana. Streck aduz que:
Cindir o direito fundamental ao salário mínimo como se fosse algo a ser medido em horas ou dias é afrontar a máxima efetividade como princípio inerente à fundamentalidade material, em afronta à dignidade da pessoa humana porque lhe atribuindo os riscos diários de garantia de um mínimo de subsistência. Quando o artigo 7º dispõe sobre salário mínimo, ele o faz numa perspectiva trans individual de periodicidade mensal para dar previsibilidade à vida dos trabalhadores na realização de suas diferentes atividades diárias (não apenas trabalho, mas também lazer, convivência social e familiar, etc.). Tanto é assim que nenhum benefício que substitua o salário- de- contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado da Previdência Social terá valor mensal inferior ao salário mínimo, (STRECK, 2019, s.p).
De acordo com Xxxxx (2018), “o trabalho intermitente afronta o princípio da dignidade humana por não garantir o salário mínimo mensal para o
empregado. Ele frustra a garantia do pleno emprego, pois haverá contrato de trabalho sem trabalho e sem salário na inatividade, por interesse do empregador”.
Idealizando de forma paralela final entre o contrato intermitente e o princípio da dignidade da pessoa humana, essa nova modalidade de contrato de trabalho acaba com a idéia de tempo à disposição prevista no art. 4º da CLT, mesmo estando evidente a necessidade de o empregado possuir uma jornada de trabalho fixa para a garantia do mínimo de dignidade.
Acerca do tema Xxxxxxxx e demais pesquisadores destacam que:
Além dos impactos físicos, a incerteza quanto à jornada desemboca no descontrole da própria rotina do trabalhador. Isso gera imediato impacto na organização de sua vida social, assim como na própria vida profissional, devido ao trabalho excessivo e à jornada imprevisível, dificultando a possibilidade de capacitação via cursos de aperfeiçoamento, treinamentos e acúmulo de novos conhecimentos. Tudo isso pode desencadear doenças psíquicas e perda de interesse em demais aspectos da vida. De novo, uma questão de saúde pública (Teixeira 2017, p. 76).
Diante disso, é necessário apurar os seus aspectos frente os princípios constitucionais do direito do trabalho, uma vez que o direito do trabalho deve sempre se desenvolver para garantir a melhoria da condição do trabalhador, e qualquer alteração legislativa que seja contraria, merece cuidadosa análise.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A inclusão da modalidade de contrato de trabalho intermitente trazido pela Lei nº 13.467/2017 é um desafio para o Direito do Trabalho Constitucionalizado, pois esse tipo de contrato retrata o rompimento dos padrões de inserir o trabalhador no mercado de trabalho. Um dos fundamentos da Constituição Federal de 1988 é a dignidade da pessoa humana, servindo a todas as áreas jurídicas, dentre elas o Direito do Trabalho, porém deixa de ser eficaz quando se trata da contratação intermitente, pois o trabalhador é sujeitado a várias circunstâncias que apaga a sua segurança financeira, tirando assim sua capacidade de planejar o seu futuro.
Dentro das particularidades do contrato de trabalho intermitente, a prestação de serviços não é de maneira continua ficando assim algum período inativo e outros prestando serviços, dessa forma a remuneração são com base nas horas trabalhadas, e não ocorre antecipadamente o ajuste da quantidade mínima de horas a serem cumpridas e nem o valor que será recebido.
Esse é o resultado lógico da insegurança de amanhã, não sabe se haverá demanda em um dia, uma semana ou no próximo mês. Nesse momento, os trabalhadores intermitentes buscam naturalmente o maior número de horas de trabalho possível para atender às necessidades dos empregadores. Portanto, acumular alguns contratos intermitentes pode permitir que ele sobreviva em um futuro incerto. E essa situação leva a buscar uma jornada que pudesse ultrapassar os limites diários e semanais fixados pela Constituição.
Conclui-se então que é necessário compreender o humanismo e os princípios sociais da Constituição de 1988 e os direitos básicos do trabalho decente para garantir a efetivação dos direitos básicos dos trabalhadores nas relações específicas.
Para, sem deixar de lado as novas relações de trabalho, poder vivenciar a finalidade básica do Direito do Trabalho, que é a proteção dos trabalhadores, e sua finalidade democrática e inclusiva que é evitar a exploração da força de trabalho humana. O artigo 7º da Constituição estipula que, além de outros direitos que visam melhorar, ao invés de piorar suas condições sociais, os
trabalhadores também possuem direitos mínimos que devem ser respeitados por toda e qualquer alteração legislativa posterior.
Por isso, defende-se que a legislação deve orientar efetivamente a evolução das relações de trabalho acompanhando a modernização do direito do trabalho. No entanto, sem descuidar da defesa dos interesses do Trabalhador, seguindo os princípios que garantem este ramo do Direito no estabelecimento de relações laborais justas e equilibradas para ambas as partes da relação contratual.
REFERÊNCIAS
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