PARECER JURÍDICO Nº 129/2021
PARECER JURÍDICO Nº 129/2021
ASSUNTO: INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO – CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS HOSPITALARES – EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PARA ATENDIMENTO, NAS SUAS DIVERSAS MODALIDADES E AGRAVOS, AOS USUÁRIOS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - HOSPITAL NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO SOCORRO.
CONSULENTE: DEPARTAMENTO DE COMPRAS E LICITAÇÕES.
RELATÓRIO
1. Trata-se de consulta efetuada pelo Departamento de Compras, no sentido de aferir a possibilidade de contratação do Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro - por Inexigibilidade de licitação.
2. As justificativas foram apostas no Termo de Referência, alegando, em síntese, a situação calamitosa da saúde no Município de Gaspar, reconhecida pelo Decreto 8.427/2018.
3. É o relatório necessário.
FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO
4. Prefacialmente, vale registrar que o presente parecer toma por base, exclusivamente, os elementos que constam até a presente data no requerimento anexo. Incumbe a este órgão prestar consultoria sob o prisma estritamente jurídico, não lhe competindo imiscuir-se na conveniência ou na oportunidade dos atos praticados no âmbito da Secretaria requerente, nem analisar aspectos de natureza eminentemente técnica ou administrativa.
5. A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade assessorada no controle da legalidade administrativa dos atos a serem praticados, apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
6. Salienta-se que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da autoridade assessorada.
FUNDAMENTOS JURÍDICOS
7. Sabe-se da existência do Decreto n. 8.427/2018 que prevê a intervenção municipal por modalidade de requisição do prédio e de todas as instalações do referido Hospital, bem como o Decreto Municipal 5.764/2014, a qual reconheceu a situação de calamidade.
8. Sabe-se também que já está sedimentada, no ordenamento jurídico brasileiro, a regra que impõe a obrigatoriedade de licitação pública, indispensável para garantir a supremacia do
interesse público, a moralidade administrativa e o cumprimento do princípio da igualdade, conforme os ditames do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal.
9. A Lei n° 8.666/93, ao regulamentar o dispositivo constitucional citado, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, impondo o procedimento licitatório, consubstanciado nos princípios constitucionais que norteiam os atos a serem praticados pela Administração, como exigência formal a ser observada na contratação pelo Poder Público.
10. Segundo o artigo 25 da referida lei de licitações, é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição. Logo, inexigibilidade de licitação é um procedimento adotado pela Administração Pública para realizar contratação direta nas situações em que é inviável a concorrência, por se tratar de fornecedor exclusivo, serviço técnico profissional especializado ou, ainda, artista consagrado pela crítica e público. Ou seja, a inexigibilidade de licitação é cabível quando houver somente uma pessoa ou objeto que atendam às necessidades da Administração Pública, ou ainda, quando os serviços a serem prestados possuam natureza singular.
11. A decisão de dispensar uma licitação que se enquadre em algumas das hipóteses de dispensa ou inexigibilidade é do Administrador, conforme destaca o TCE/SC, em seu prejulgado 1604:
A decisão de contratar com dispensa de licitação cabe ao Administrador, desde que o objeto do contrato se ajuste a uma das situações previstas no art. 24, observado o art. 26 da Lei Federal nº 8.666/93.
Realizada a contratação com dispensa de licitação a contratante deverá acautelar-se para que o objeto do contrato seja executado diretamente pelo contratado. (Processo: CON-04/04917305, Parecer: GCMB/2004/0925, Decisão: 3715/2004, Origem: Administração do Porto de São Francisco do Sul - APSFS, Relator: Conselheiro Xxxxxx Xxxxxxx, Data da Sessão: 22/11/2004, Data do Diário Oficial: 24/02/2005).
12. A regra é a exigência de regular processo de licitação, em que seja permitida a ampla competitividade entre todos os interessados em fornecer o objeto. Somente quando caracterizada a inviabilidade de competição, tendo em vista a impossibilidade de outro fornecedor disponibilizar o objeto desejado, é que a licitação será inexigível.
13. Com esse enfoque, insta ressaltar a fala da legislação acerca do tema – Lei n. 8.666/93:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória
especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
14. Nesse contexto, o legislador enumerou, exemplificadamente, algumas das hipóteses mais correntes em que pode ocorrer a inviabilidade de competição, autorizando-se a contratação direta por inexigibilidade.
15. Destaca-se que, sendo a contratação direta por dispensa, inexigibilidade ou mediante licitação, em qualquer caso, deve-se sempre buscar o atendimento ao interesse público, dentro do menor espaço de tempo e no melhor preço possível, objetivando, assim, a preservação do patrimônio público. Por isso, é indispensável a observância dos comandos constitucionais e legais, que determinam o cumprimento de algumas formalidades para as contratações pela administração pública, cujo descumprimento implica em infração penal tipificada na Lei n.º 8.666/93.
16. Com esse olhar, cabe ressaltar que toda e qualquer contratação pela Administração Pública, quer na forma direta, mediante dispensa ou inexigibilidade de licitação, quer nos casos em que esta decorra de prévio procedimento licitatório, demanda o cumprimento do procedimento denominado “fase interna da licitação”.
17. Segundo XXXXXX XXXXXX XXXXX, destina-se a fase interna a:
a) verificar a necessidade e a conveniência da contratação de terceiros:
b) determinar a presença dos pressupostos legais para a contratação (inclusive a disponibilidade de recursos orçamentários);
c) determinar a prática dos atos prévios indispensáveis à licitação (qualificação das necessidades administrativas, avaliação de bens, elaboração de projetos básicos, etc;
d) definir o objeto do contrato e as condições básicas da contratação;
c) verificar a presença dos pressupostos da licitação, definir a modalidade e elaborar o ato convocatório da licitação.” (JUSTEN FIlHO. Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Dialética, 10 ed., 2004, p. 365).
18. Assim, deve o gestor público ter em mente a necessária observância da sequência de atos preparatórios elencados na Lei 8.666/93, em especial no art. 7°.
19. A principal peça, neste caso, é o Termo de Referência, no qual deverá estar descrito, de forma clara, o objeto da contratação e a justificativa, inclusive do preço contratado.
20. A saúde foi definida como um direito de todos e um dever do Estado, que deve garanti-la por meio de políticas sociais e econômicas. As três esferas de governo – União, Estados e Municípios – são responsáveis conjuntamente por garantir o direito à saúde, mas a descentralização das ações, principalmente para o âmbito municipal, foi consagrada como um dos princípios mais importantes do SUS, estabelecendo a CR/88 que:
Art. 30. Compete aos Municípios:
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;
21. Como visto, segundo o art. 25, caput da Lei de licitações, é inexigível a licitação nos casos em que não haja possibilidade de competição.
22. Considerando que os serviços hospitalares serão prestados no âmbito da comunidade local e que não existe outra entidade congênere no município, parece que há inviabilidade de concorrência.
23. Assim cabe ressaltar que o inciso I do parágrafo único do artigo 26, trás como elemento essencial para o processo de inexigibilidade a situação calamitosa e iminente risco a saúde.
24. No mesmo sentido, o Tribunal de Contas assim expressou sobre o tema em decisão análoga:
Prejulgado:1810
1. O Programa de Reestruturação e Contratualização dos Hospitais Filantrópicos no Sistema Único de Saúde (SUS), em conformidade com o que dispõem o art. 199, § 1º, da Constituição Federal e as Portarias Ministeriais GM/MS nºs 1.721, de 21 de setembro de 2005, 635, de 10 de novembro de 2005, 166, de 13 de março de 2006, e 284, de 13 de abril de 2006, admite como instrumento hábil a ser celebrado entre o representante legal do hospital e o gestor municipal ou estadual do SUS o convênio ou contrato de gestão, que se concebe como contrato de direito público, que faz as vezes de um acordo operacional.
2. Cabe ao gestor do Sistema Único de Saúde ponderar frente a outros elementos e especificidades do Programa de Reestruturação e Contratualização dos Hospitais Filantrópicos no Sistema Único de Saúde optar pelo instrumento que melhor atende às necessidades e exigências do Programa.
Processo: CON-06/00321894 Parecer: COG-389/06 Decisão: 1653/2006 Origem: Secretaria de Estado da Saúde Relator: Conselheiro Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Data da Sessão: 17/07/2006 Data do Diário Oficial: 31/08/2006
25. Urge colacionar o disposto abaixo sobre o tema em que se aprecia:
Nos termos do parágrafo único do art. 24 da Lei 8.080/90 as contratações de hospital particular para prestar serviços ao SUS devem seguir as normas de direito público, entre elas a Lei 8.666/93 .
A licitação na espécie é obrigatória, salvo quando houver hipótese de dispensa ou inexigibilidade de licitação, as quais devem ser devidamente justificadas em regular processo administrativo, no qual se deve também proceder à justificação do preço dos serviços contratados, tudo nos moldes do art. 26 e seguintes da Lei 8.666/93 .
A contratação de hospital vista no caso concreto foi feita diretamente, sem respeito à licitação e sem qualquer justificativa devidamente formalizada a respeito de hipóteses de dispensa ou inexigibilidade, o que a torna nula.
Sem licitação e sem formalização prévia de umas das hipóteses de dispensa ou inexigibilidade, o contrato consequente é nulo . (TRF-1 - AC: 833 MA 1999.37.01.000833-5, Relator: DESEMBARGADOR
FEDERAL FAGUNDES DE DEUS, Data de Julgamento: 27/06/2007, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 27/07/2007 DJ p.48)
26. Os Prejulgados abaixo, do Tribunal de Contas de Santa Catarina, são importantes para complementar a narrativa acerca do tema, leia-se:
Prejulgado:1609
1. A remuneração pelas horas de sobreaviso de médicos integrantes do corpo clínico de unidade hospitalar contratada ou conveniada com o Poder Público Municipal, para atendimento de chamados de urgência ou emergenciais para internações, cirurgias ou pronto socorro, com recursos recebidos pelo Município por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), não encontra amparo na legislação federal.
O Município, mediante autorização legislativa local, pode assumir a responsabilidade pelo pagamento de horas de sobreaviso de médicos integrantes do corpo clínico de unidade hospitalar contratada ou conveniada, com recursos próprios, por instrumento contratual contendo a devida regulamentação, inclusive as metodologias de controle e os respectivos valores. Porém, a regularidade dessas despesas depende da observância dos seguintes requisitos:
a) existência de contrato ou convênio, este último quando admitido, com a unidade hospitalar;
b) existência de créditos orçamentários para suporte da despesa, no orçamento ou pela abertura de créditos adicionais, observado, neste caso, o disposto nos arts. 167 da Constituição Federal e 41 a 43 da Lei Federal nº 4.320/64;
c) obediência ao disposto nos arts. 62 e 63 da Lei Federal nº 4.320/64, que tratam da liquidação da despesa;
d) atendimento às exigências do art. 16 da Lei Complementar nº 101/00 - estimativa de impacto orçamentário-financeiro e declaração do ordenador quanto à adequação orçamentária e financeira com a lei do orçamento anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;
e) existência de disponibilidade financeira suficiente para pagamento da despesa no respectivo exercício, evitando a inscrição de despesas em Restos a Pagar, observado o disposto no art. 42 da Lei Complementar nº 101/00.
2. Ressalvados os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, a contratação no âmbito da Administração Pública deve ser precedida de procedimento licitatório. A decisão de contratar com dispensa de licitação cabe ao Administrador, desde que o objeto do contrato se ajuste a uma das situações previstas no art. 24 da Lei Federal nº 8.666/93.
Prejulgado:0762
1. As instituições privadas poderão participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área (CF, art. 199, §1° e arts. 1° , 4°, 20 e 24 da Lei Federal n°8080/90).
2. A contratação da prestação de serviços por particulares, de forma complementar ao Sistema Único de Saúde, deve obedecer às normas preconizadas pela Lei Federal n° 8.666/93 (art. 2°), vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos (CF, art. 199, § 1°).
3. A celebração de Convênio na área da saúde, entre pessoas jurídicas de direito público, e também com as respectivas entidades da Administração Indireta (autarquias e fundações) é possível, como forma de se estabelecer a colaboração na execução de serviços comuns, sendo que a participação complementar das instituições privadas no Sistema Único de Saúde pode ser efetivada mediante convênio, quando se tratar de entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (CF, art. 199 e arts. 24 e 25 da Lei Federal n°8080/90).
4. O pagamento de despesas na saúde com a prestação de serviços de assistência médica efetuada por clínica privada e hospital, através de Convênio ou de Contrato é legal, desde que obedecidas as normas estabelecidas pela Constituição Federal e as preconizadas pela Lei Federal n.° 8080, de 19 de setembro de 1990 e pela Lei Federal n° 8.666/93.
27. Pelo exposto, os requisitos apostos devem ser observados, visando sempre o interesse público, requisito essencial a ser perseguido em todas as contratações.
28. Nota-se, ainda, que dos documentos acostados que não constam todas as certidões válidas, o que a prima facie, importaria na inviabilidade da contratação.
29. Contudo, a afirmativa da requerente é que inexiste outro Hospital no Município de Xxxxxx para prestar os referidos serviços, inclusive a intervenção do município foi justificada nesse quesito. Desta feita, pode-se invocar a primazia do interesse público.
30. Nesta seara, assim foi o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina:
Prejulgado 0917 (...)
As empresas privadas, bem como as empresas públicas e sociedades de economia mista, não estão dispensadas de comprovar a regularidade para com o FGTS e INSS ao contratar com órgãos e entidades do Poder Público, qualquer que seja a forma de contratação, nos termos do § 3º do art. 195 da Constituição Federal e art. 27 da Lei Federal nº 8.036/90.
Prevalece o interesse público quando imprescindível e inadiável a contratação, pela Administração, de empresa privada, bem como de empresa pública ou sociedade de economia mista que deixar de comprovar a regularidade fiscal, quando demonstrada inviabilidade de competição (art. 25, caput, da Lei Federal n° 8.666/93), observados os ditames do art. 26 da Lei de Licitações.
31. Não obstante, o Fiscal do Contrato (Art. 67 da Lei 8.666/93) deve envidar esforços para que a entidade regularize, com brevidade, as questões pendentes, em cumprimento aos preceitos do art. 55, XIII da mesma lei.
32. Salienta-se, por fim, que nos processos de dispensa e inexigibilidade de licitação os pareceres jurídicos não se revestem de caráter vinculante, porém opinativo, conforme dispõe o TCU no Acórdão n. 2.121/2010, Rel. Xxxxxxxx Xxxxxx, in verbis:
A compulsoriedade legal, no entanto, não alcança os atos de dispensa e de inexigibilidade de licitação. Em que pese esteja prevista, no art. 38, inciso IV, da Lei n. 8.666/93, a juntada oportuna ao processo administrativo de pareceres técnicos ou jurídicos emitidos, a LLC não exige expressamente que se submeta a matéria à apreciação e a aprovação dos assessores jurídicos, assim, apesar de bastante recomendável que a decisão pela dispensa ou pela inexigibilidade esteja respaldada em parecer jurídico, em não havendo exigência legal para a consulta, a manifestação do parecerista jurídico não se reveste de caráter vinculativo, mas opinativo.
32. Destarte, essas são as considerações jurídicas a serem feitas sobre o tema, ressaltando que, caso a autoridade administrativa entenda estejam preenchidos os requisitos acima elencados para a realização da contratação, conforme previstos na lei de regência, temos que esta é possível.
33. Salvo melhor juízo, é o parecer.
Xxxxxx, 01 de março de 2021.
XXXXXX XXXXXXXX XXXXXX
Consultor Jurídico OAB/SC 47.536
Matrícula 16.226