ASSUNTOS:
Processo n.º 648/2012
(Recurso Cível)
Data : 8/Novembro/2012
ASSUNTOS:
- Cláusulas contratuais gerais
- Prémio de jogo; não pagamento do prémio por ineligibilidade resultante da relação de parentesco
SUMÁ RIO:
1. Não é de considerar excluída a cláusula que determinava a inelegibilidade de participantes no jogo que fossem familiares directos de funcionários do casino, ainda que a recorrente invoque que tal cláusula não integrava o prospecto onde se incentivava o jogo inserido numa dada campanha, sendo certo que em tal prospecto se remetiam os interessados para os Termos e Condições Gerais dessa iniciativa, regras essas que estavam devidamente publicitadas e disponibilizadas.
2. Xxxxx à recorrente, para participar naquela concreta acção
promocional, ter-se inteirado da globalidade das condições de que dependia tal participação, as quais lhe eram inteiramente acessíveis, sendo pessoal e exclusivamente pertencente à aderente a decisão de procurar conhecer todas as condições contratuais aplicáveis, bem como a reserva da ponderação face ao teor das mesmas.
3. Em nome dos interesses e valores em presença não é de considerar nula a cláusula que proíbe os familiares dos empregados dos casinos de jogarem nos locais onde aqueles prestam serviço
O Relator,
(Xxxx Xxx xx Xxxxxxxx)
Processo n.º 648/2012
(Recurso Cível )
Data: 8/Novembro/2012
Recorrente: A
Recorrida: Venetian Macau, S.A. (威尼斯人澳門股份有限公司)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂ NCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓ RIO
A, A. nos autos à margem referenciados e neles mais bem identificada, intentou a presente acção reclamando da Ré, Venetian Macau, S.A., o pagamento da quantia de HKD1,055,600.00, acrescida de juros de mora, com fundamento num prémio de jogo a que teria direito.
Tendo ocorrido os ulteriores termos do processo, veio o Tribunal a quo proferir Sentença que julgou improcedentes as pretensões da Autora.
Inconformada, vem a A. recorrer dessa decisão, alegando em síntese conclusiva:
a. Atenta actividade da Ré – jogo em casino – em geral, e atento o conteúdo da acção promocional, em particular, - prémio atribuído a jogadores em determinadas slot machines, torna-se óbvio que o convite a jogar no âmbito de acção promocional passa a integrar um relação contratual sempre que alguém, tomando disso conhecimento através do
folheto promocional, pratica o acto concludente consistente na utilização de determinada máquina (slot machine)
b. Não é razoável esperar que perante o acto tão imediato de utilização de uma slot machine por quem se passeia por entre as máquinas de um casino seja de impor ou presumir que conheça ou devesse conhecer um regulamento afixado em certos locais ou num balcão de atendimento.
c. Pois que contendo o folheto promocional uma oferta a que a A. aderiu, e existindo Cláusula Contratual Geral exclusiva, teria esta que constar o referido folheto promocional, não podendo deste constar apenas o convite para verificação das condições da oferta promocional noutro local.
d. Conclui-se não ser o método descrito e encontrado in casu um modo adequado de realização da comunicação imposta por lei (nº 2 do artº 5º do citado diploma legal).
e. Apesar de constar dos factos provados ter a Ré afixado os termos e condições em vários locais do casino, e de ter convidado os interessados a obterem mais informação junto do balcão respectivo, não logrou a mesma fazer prova de que comunicou as ditas cláusulas à Autora de modo adequado, demonstrando que esta as conhecia efectiva e completamente – sendo da Ré o ónus da prova da comunicação (art.º 5º, nº 3);
f. Ademais, o simples facto da relação de parentesco entre o jogador e um funcionário da Ré em nada interfere com a aleatoriedade do jogo em slot machines, pelo que uma tal cláusula se apresenta destituída de qualquer fundamento, já que nenhum prejuízo dai poderá advir para o casino, nem nenhum benefício poderá o jogador retirar do facto de ter um
familiar a trabalhar no casino, ferindo a própria cláusula contratual geral exclusiva os ditames da boa fé e devendo considerar-se proibida, nos termos do disposto no nº 1 do art.º 11º do Decreto-Lei nº 17/92/M.
g. Por todo o exposto nesta peça processual e nestas conclusões, a cláusula de exclusão ao abrigo da qual a Ré veio a recusar a entrega do prémio ganho pela Autora está ferida de nulidade, devendo considerar-se não escrita no contrato entre ambas celebrado (art.º 9º e 14º do citado Decret o-Lei).
h. A Douta Sentença proferida é nula por violação de todas as normas invocadas e ao abrigo das alíneas b), c) e d) do nº 1 do art. 571º do Código de Processo Civil.
Nestes termos, entende dever proceder o presente recurso e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue e condene nos precisos termos peticionados na petição inicial,
VENETIAN MACAU, S.A., ré, ora recorrida nos autos acima identificados, contra-alega, refutando a argumentação expendida pela recorrente.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Da Matéria de Facto Assentes:
- A Ré organizou uma acção promocional no The Venetian Macau-Resort-Hotel, a Quarterly Cotai Fortunes, reservada os membros de Cotai Rewards Club – Ruby Club, Sands Club ou membros Ruby a membros do Paiza Club, no período de 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Março de
2008 (alínea A) dos factos assentes).
- Esta acção foi divulgada através da distribuição de folhetos promocionais (alínea B) dos factos assentes).
- Durante período de 01/01/2008 a 31/03/2008, a A., ganhou, por duas vezes pequenos prémios que lhe foram pagos pela R. (alínea C) dos factos assentes).
- A R. recusou entregar à A. o prémio de HK$1.055.600,00, no dia 15 de Fevereiro de 2008, alegando que a mesma estava impedida de participar em promoções mencionados em A), por ser familiares dos trabalhadores da companhia (alínea D) dos factos assentes).
- A A. tem um irmão que trabalhava no departamento de Relações Públicas do casino da R. (alínea E) dos factos assentes).
- A A., por notificação judicial, interpelar a R. para pagamento da quantia referida em
D) (alínea F) dos factos assentes).
Da Base Instrutória:
- Em conformidade com o folheto promocional da acção referida em A) dos factos assentes, quem jogasse em slot machines podia ganhar um milhão de dólares de Hong Kong (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Constam do folheto promocional as seguintes condições de participação na referida acção promocional (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
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- O que consta da resposta ao quesito 2º (resposta ao quesito da 3º da base
instrutória).
- A Autora tornou-se membro do “COTAI REWARDS CLUB” (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Em dia não concretamente apurado de Fevereiro de 2008, quando jogava nas slot machines do casino afectas à promoção, a Autora ganhou um prémio de valor não inferior a HKD$1.000.000,00 (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Os folhetos referidos em B) expressamente convidavam os interessados a consultarem os Termos e Condições da promoção ou a dirigirem-se ao Cotai Rewards Club Counter para mais informação (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- Os termos e condições encontravam-se afixadas em várias locais do casino e nos balcões do Cotai Rewards Club, estando acessíveis a qualquer pessoa que na promoção pretendesse participar (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- Uma das cláusulas dos Termos e Condições era, a impossibilidade da participação de funcionários ou familiares de funcionários do Casino nesta acção promocional (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes
questões:
- Da pretensa nulidade da sentença
- Da admissibilidade objectiva do recurso
- se a sentença recorrida deve ser considerada nula por violação das disposições invocadas ao abrigo do disposto nas alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo
571º do CPC.
- da pretensa falta de comunicação e da falta de prova dessa comunicação, respeitante ao clausulado contratual aplicável ao jogo em questão não foi adequada, em violação do disposto no artigo 5º nº 2 e n.º 3 da Lei nº 17/92/M, de 28 .09, que aprovou o regime jurídico aplicável às cláusulas contratuais gerais (“RJCCG”);
- se a cláusula que tornou a recorrente inelegível para participar no jogo em causa deve considerar-se excluída do contrato celebrado com a Recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 9º do RJCCG;
- se tal cláusula é contrária à boa fé e deve ser considerada proibida, como tal, nula, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 do RJCCG, de acordo com o previsto no artigo 14º do RJCCG; e
2. Atentemos na fundamentação expendida na douta sentença que aqui não se deixa de acolher e dar por reproduzida:
“Pela presente acção pretende a Autora reclamar o prémio que alegadamente ganhou numa actividade promocional organizada pela Ré.
Para o efeito, alega que tinha participado na referida actividade promocional cumprindo todos os requisitos então exigidos pela Ré e ganho o prémio que esta se recusou a entregar-lhe com fundamento no não preenchimento de um dos requisitos de participação. Mais alega a Autora que o requisito em questão não constava dos documentos relativos à promoção nem a Autora dele tinha sido informada pela Ré.
Contestando a acção, defende a Ré que, à data dos factos, o irmão da Autora era um dos seus empregados factos que impedia a Autora de participar na referida actividade promocional conforme os termos e condições do regulamento para que remetiam os folhetos promocionais facultados aos aderentes, termos e condições esses que também estavam afixados em vários locais do casino e nos balcões do Cotai Rewards Club.
Da breve resenha feita e tenho em conta que está assente que a Autora, de facto, aderiu à actividade promocional e ganhou o prémio em questão (apesar de valor não totalmente correspondente ao valor invocado pela Autora), urge analisar se o requisito em questão fazia parte do conteúdo da relação estabelecida entre a Autora e a Ré. Isto é, se o requisito alegadamente constante dos termos e condições do regulamento desta actividade era válido e eficaz para vincular as partes.
Está assente que a Ré tinha organizado uma acção promocional em que se comprometia a dar um determinado prémio a quem ganhasse tal prémio durante as apostas feitas nos slot machines do casino afectos à promoção e a Autora aderiu à actividade promocional da Ré cumprindo designadamente a exigência da qualidade de membro do Cotai Rewards Club e chegou a jogar nesses slot machines.
Como é bom de ver, estabeleceu-se entre as partes uma relação contratual. De facto, à proposta negocial da Ré constante dos folhetos promocionais correspondeu a aceitação da Autora quando esta emitiu aderiu ao Cotai Rewards Club e começou a jogar nos slot machines nos termos referidos nos folhetos promocionais (cfr. artigos 209º e 216º do CC).
Posto isto, é de analisar se a exigência de o aderente não ser empregado ou
membro da família dos empregados da Ré faz parte dessa relação contratual.
Consta da matéria provada que a actividade promocional foi divulgada pela Ré através da distribuição de folhetos promocionais donde constam várias condições de eligibilidade para os respectivos aderentes. Contudo, o requisito sub judice não vem expressamente referido nesses folhetos cujo conteúdo a Autora aceita conhecer. Há, no entanto, nesses folhetos um convite para consulta dos termos e condições gerais dessa acção promocional ou para obtenção de mais informações sobre a mesma actividade nos balcões do Cotai Rewards Club, pois é aí referido que “有关抽奬详情,请参阅条款及细则或到路氹金光大道濠会柜枱查询。” Além disso, desses termos e condições gerais consta que os empregados da Ré e os seus familiares não podem participar nessa acção promocional.
A forma como é formulado o requisito torna a respectiva cláusula uma cláusula contratual geral. É que, a cláusula foi previamente elaborada pela Ré para valer para um número indeterminado de contratos que as contrapartes da Ré se limitam a aceitar ou não sem possibilidade de negociação.
Por força do disposto no artigo 2º da Lei nº 17/9 2/M, de 28 de Setembro, a cláusula em questão está sujeito a esta lei.
Conforme esse diploma legal, a validade e eficácia de uma cláusula contratual geral depende, antes de mais, da sua aceitação por parte do aderente nos termos aí referidos (cfr. artigos 4º a 8º). Segundo estas normas, impende sobre o contraente que se prevaleça dessa cláusula o dever de comunicação e informação da cláusula ao aderente. Trata-se, no essencial, de garantir que o aderente tenha conhecimento da existência e do teor da cláusula a fim de poder formar correctamente
a sua vontade.
Como foi já referido, os folhetos remetem expressamente para os termos e condições gerais da promoção donde consta a exigência sub judice e convidam os aderentes a consultá-los ou a informar-se junto dos balcões do Cotai Rewards Club de que os aderentes tinham que ser membros. Além disso, está também assente que os termos e condições gerais encontravam-se afixados em vários locais do casino e balcões do Cotai Rewards Club, estando acessíveis a qualquer pessoa que pretendesse participar na promoção. Assim, não se vislumbra irregularidade na comunicação e informação sobre a existência e o teor desses termos e condições.
Nesta base, nada há para apontar sobre a validade e eficácia da condição imposta pela Ré estando, portanto, a Autora vinculada à mesma.
Uma vez que está provado que à data dos factos o irmão da Autora era empregado da Xx, aquela não preenchia todos os requisitos exigidos para poder participar na acção promocional e daí usufruir das regalias decorrentes dessa promoção. Não pode, pois, a Autora exigir a entrega do prémio.
Nem se diga que, durante o período da promoção, a Ré tinha já pago dois prémios de menor valor à Ré sem levantar qualquer problema quanto ao não preenchimento da condição sub judice. É que, mesmo admitindo que esses dois prémios estavam entro do âmbito da promoção ora em análise (portanto, contrariamente ao defendido pela Ré que não conseguiu provar o que tinha alegado a esse propósito), o facto de esta não se ter prevalecido da cláusula em questão para se recusar a entrega dos dois prémios anteriores, não tornou a Autora qualificada para tal promoção. É que, era à Ré que assistia o direito de invocar tal cláusula e cabia à
mesma decidir exercer ou não tal direito segundo o seu livre arbítrio. Nada impede, portanto, à Ré de invocar a cláusula em questão no presente caso.
Nestes termos, é de julgar improcedente o pedido da Autora.”
3. Da pretensa nulidade da sentença
Alega a recorrente a nulidade da sentença recorrida com referência às previsões das alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 571º do CPC.
Sucede, porém, que não explicita as razões pelas quais entendeu invocar a nulidade de tal decisão ao abrigo daqueles preceitos normativos em violação do disposto no artigo 598º nº 2, al ínea b) do CPC.
De todo o modo não se detecta qualquer das nulidades ali elencadas. Se a recorrente se limita a dizer que é nula, sem concretizar, este Tribunal pouco mais pode dizer que não é.
E a tratar-se de erro de direito ou errada interpretação das normas invocadas então já não estaremos perante uma nulidade de sentença e essas questões adiante serão analisadas.
4. Da pretensa inadmissibilidade do recurso
4.1. A recorrida coloca a questão da inadmissibilidade objectiva do
recurso.
Sustenta que os argumentos jurídicos de recurso invocados pela ora recorrente são todos novos face aos que sustentaram a acção.
4.2. Com efeito, a acção proposta baseou-se na eficácia jurídico -civil das obrigações com origem no jogo e aposta.
E na idoneidade exigida aos intervenientes na fiscalização, gestão e operação de jogos de fortuna e azar - apesar de esta matéria nenhuma relação ter com o direito de crédito invocado pela autora - (cfr. artigos 25º e 26º da Petição Inicial).
Nenhuma referência é sequer feita na petição inicial ao RJCCG (Regime Jurídico da Cláusulas Contratuais Gerais, Lei n.º 17/92/M, de 28 de Setembro).
De acordo com o artigo 564º nº 1 do CPC (Código de Processo Civil), a sentença encontra-se “balizada” pelo pedido.
E decorre das disposições dos artigos 581º nº 1, 585º nº 1, 583º nº 1, 582º nº 2 e 590º nº 1, todos do CPC, que a parte vencida poderá recorrer de determinada decisão judicial na medida em que esta lhe seja desfavorável e relativamente aos fundamentos em que tenha decaído.
4.3. Afigura-se não ter razão a recorrida nesta particular questão.
O pedido de pagamento do prémio do jogo baseou-se nas obrigações decorrentes do jogo no âmbito de uma acção promocional, em que a recorrente
jogou e ganhou, reclamando o pagamento do prémio que a recorrida se recusou a pagar por razões de impedimento de participação nesse jogo, alegadas na acção e acolhidas na sentença.
A referência ao RJCCG ocorre, face à necessidade de rebater as razões exceptivas que foram colocadas, não se configurando qualquer alteração ou ampliação do pedido ou da causa de pedir.
Basicamente estamos ainda dentro do objecto da acção balizada pelo pedido e pela causa de pedir e ainda dentro da interpretação das cláusulas contratuais aplicáveis, razão por que sem necessidade de mais desenvolvimentos somos a desatender a pretensão de rejeição do recurso.
5. Quanto ao dever de comunicação do clausulado e prova dessa comunicação
5.1. Alega a recorrente que a comunicação do clausulado contratual foi desadequada e que a recorrida não teria feito prova da mesma.
5.2. De acordo com o artigo 5º do RJCCG a comunicação do clausulado deve ser integral, adequada e feita com a antecedência necessária:
“ 1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra àqueles que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las.
2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade
das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3. O ónus da prova da comunicação das cláusulas contratuais gerais, efectuada nos termos dos números anteriores, incumbe ao contratante que delas se prevaleça.”
5.3. Ao proponente cabe propiciar à contraparte a possibilidade de conhecimento das cláusulas contratuais gerais de um contrato de seguro, em termos tais que este não tenha, para o efeito, que desenvolver mais que a comum diligência.1
O dever de comunicação consagrado no art. 5º da LCCG visa possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência das cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito também a ele um comportamento diligente.
A prestação de esclarecimentos pressupõe uma iniciativa do aderente nesse sentido.2
O dever de comunicação das cláusulas destina-se a que o aderente conheça antecipadamente o conteúdo contratual, isto é, as cláusulas a inserir no negócio. O dever acontece na fase de negociação, ou pré contratual, e deve ser acompanhado, se solicitado pelo aderente, de esclarecimentos necessários,
1 - Ac. STJ de 29/4/10, proc. n.º 5477/8TVLSB.L1.S1
2 - Ac. STJ de 20/1/2010, proc. n.º 2963/07.6TVLSB.L1.S1
possibilitando-lhe conhecer o significado e as implicações das cláusulas.3
Tratando-se de uma obrigação, embora qualificável como de meios, não deixa de perspectivar um resultado caracterizado pela possibilidade de conhecimento das cláusulas, o que não é comum nas meras obrigações de diligência.
Na verdade, como assinala Xxx Xxxxx,4 «Não se impõe que o aderente tenha efectivamente conhecido as cláusulas, mas aquela possibilidade, tendo em conta os dados de facto da concreta situação, tem de ser assegurada. Naturalmente, que qualquer obrigação de meios tem em vista o resultado da satisfação do interesse do credor; a peculiaridade desta, relativamente às comuns obrigações de meios, reside no facto de a diligência exigível o ser em função e proporcionalmente ao resultado que tem de ser alcançado. Dito por outras palavras, o devedor só cumprirá a obrigação se proporcionar ao aderente a possibilidade de conhecimento completo e efectivo do contrato. Isto é, não basta ter empregado a diligência medianamente exigível para a obrigação poder considerar-se cumprida; só quando aquela que foi despendida tiver sido suficiente para a obtenção do resultado - a despeito de este não se ter verificado por negligência do credor/aderente, mas só por isso - é que pode falar-se em cumprimento desta obrigação. Qualificando esta como uma obrigação de meios, Almeida Costa e Menezes Cordeiro escrevem que a norma só impõe "uma actividade razoável" no sentido de proporcionar o conhecimento das cláusulas. Também Xxxxxxx Xxxxx escreve com simplicidade: "trata-se, portanto de uma simples obrigação de meios.
3 - Ac. STJ de 24/5/2007,, proc. n.º 07A1337
4 - Contrato de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 2010, 243
Acolhe este entendimento o acórdão do STJ de 11 de Fevereiro de 2004 (processo n.º 04A3336), de que foi relator Xxxxx Xxxxx, onde se lê: "Nessa linha o n.º 2 (do artigo 5 do DL n.º 446/85) esclarece que o dever de comunicação varia, no modo da sua realização, e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas".»
5.4. E sobre a diligência exigível ao con sumidor/aderente importa salvaguardar que por via da diligência requestada se adopta a sensibilidade para evitar que se promova a ligeireza ou leviandade por parte dos aderentes, na conclusão dos contratos que realizam, quantas vezes concretizada na adesão a um contrato sem que se leiam até as cláusulas ali apostas.
5.5. Contrariamente ao alegado pela recorrente, verifica-se que ocorreu tal comunicação, pois, tal como se assinala na douta sentença proferida, demonstra-se a este respeito que as condições de participação na acção em causa constam do folheto promocional (cfr. resposta ao quesito 2º da base instrutória) , sendo que tais folhetos convidavam expressamente os interessados a consultarem os Termos e Condições da promoção ou a dirigirem-se ao Cotai Rewards Club Counter para mais informação (cfr. resposta ao quesito 7º da base instrutória).
Mais resultou provado que os Termos e Condições se encontravam afixados em vários locais do casino e nos balcões do Cotai Rewards Club,
estando acessíveis a qualquer pessoa que pretendesse participar na promoção (cfr. resposta ao quesito 8º da base instrutória).
A lei faz depender o modo da comunicação do clausulado das particulares características da relação contratual em causa (vide artigo 5º nº 2 do RJCCG) e no caso concreto importa atentar no facto de que o folheto promocional não conformava um verdadeiro contrato, perfeito no seu clausulado, antes consubstanciava uma proposta, fazendo apelo à adesão a um clube e ao jogo para os aderentes dentro das condições gerais para onde expressamente remetia.
Ora, como está bem de ver, ao tornar-se membro do clube e ao jogar nessa qualidade não podia deixar, em termos de diligência normal, de se informar sobre as regras e condicionalismos dessa adesão e do jogo nesse âmbito.
É certo, como anota a Autora acima citada,5 que a remissão para anexos causa problemas adicionais. Será frequente que o aderente, convencido de que o essencial se encontra nos contratos não atente suficientemente nos anexos. Só que, neste caso, estamos perante um folheto promocional que não contém nem sequer as regras fundamentais do contrato consubstanciado na proposta de adesão.
Neste caso a solução deve passar pela integração da previsão do artigo 6º relativo à satisfação de um dever de informação que, face ao condicionalismo
5 - Contrato de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 2010, 215
que vem comprovado, não terá deixado de se observar.6 Inexiste um clausulado escrito e a adesão à acção promocional fez-se pela inscrição no Cotai Rewards Club e pelo jogo efectivo nas slot machines adstritas à promoção.
Ao contrário do pretendido pela ora recorrente, o folheto não continha todas as regras fixadas para a promoção em causa e não referia todas as condições de participação - o que resulta inequivocamente do teor dos folhetos, que convidavam expressamente os interessados a consultar os Termos e Condições de participação ou a dirigirem-se ao Cotai Rewards Club Counter para mais informação.
Assim se conclui, a partir da factualidade provada nestes autos, que a recorrente conhecia o teor do folheto promocional - uma vez que terá decidido aderir à promoção após análise do mesmo -, pelo que sempre tinha necessária consciência ou era suposto e normal, em termos de diligência mediana que a tivesse, que o folheto não previa todas as condições de participação na acção promocional em causa.
Xxxxx a A., ora recorrente, para participar nesta concreta acção promocional, ter-se inteirado da globalidade das condições de que dependia tal participação, as quais lhe eram inteiramente acessíveis , sendo pessoal e exclusivamente pertencente ao aderente a decisão de procurar conhecer todas as condições contratuais aplicáveis, bem como a reserva da ponderação face ao teor das mesmas.
6 - Xxx Xxxxx, ob. cit. 216
5.6. Acresce que, após análise do folheto – em Fevereiro de 2008 – nada impunha à recorrente que começasse de imediato a jogar para permitir a sua participação na promoção , dispondo de mais de um mês para participar.
Se a ora recorrente não procurou conhecer a globalidade dos Termos e Condições que lhe eram aplicáveis - apesar do convite expresso para o efeito contido no folheto e de lhe estarem inteiramente acessíveis - sempre será de concluir que esta não agiu com a diligência que lhe era exigível face às circunstâncias apuradas.
5.7. Donde se conclui que todas as cláusulas foram disponibilizadas à recorrente na medida em que esta as tinha à sua inteira disposição para análise ; disponibilização feita de forma adequada.
Por tudo quanto se vem dizendo, face à factualidade comprovada, não procede, ainda, a pretensão de que a recorrida não teria feito prova dessa comunicação.
A prova da comunicação e observância do dever de informação decorre exactamente do convite para que a aderente lesse as condições gerais e da afixação e disponibilização das mesmas em diversos locais.
5.8. Não estamos perante uma situação contemplada no artigo 9º do referido RJCCG, em que:
“Consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b) As cláusulas comunicadas com violação ou cumprimento defeituoso do dever de
informação;
c) As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição de contratante real;
d) As cláusulas inseridas depois da assinatura do aderente.”
A situação dos autos não se enquadra em qualquer uma daquelas
xxxxxxx.
Na verdade, como acima dito, a cláusula que determinava a inelegibilidade de participantes que sejam familiares directos de funcionários do casino não se deverá considerar excluída, não fazendo sentido excluir uma regra e considerar válidas outras, prevalecendo-se a recorrente de outras regras constantes daqueles termos e condições gerais não insertos no folheto promocional – ubi commoda, ibi incommoda.
Para além de que a recorrente não concretiza ao abrigo de que previsão se deve ter tal cláusula por excluída , o que torna difícil, se não impossível a refutação dessa argumentação.
6. Quanto à cláusula de exclusão de familiares directos
6.1. Pretende a recorrente ver declarada nula a cláusula que exclui como participantes os familiares directos de funcionários do casino por entender que a mesma é proibida por ser contrária à boa fé.
De acordo com as alegações de recurso da recorrente, a exclusão de familiares de funcionários é destituída de razão uma vez que “nada interfere com a aleatoriedade do jogo em slot machines”.
6.2. Contrapõe a recorrida que a validade dos Termos e Condições de participação na acção promocional foi “afiançada” pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogo (“DICJ”), que os aprovou porquanto cumpriam todos os requisitos legais para a sua aplicação.
6.3. Compreende-se uma restrição dessa natureza em nome da transparência, da confiança, dos conflitos de interesses, seja em termos objectivos, seja em termos psicológicos. A indústria do jogo ficaria de rastos se perpassasse a mínima ideia de suspeita sobre a adulteração dos dados do jogo e aleatoriedade dos resultados. Os conflitos de interesses assumem então um especial valor e são alvo das atenções, seja das operadoras, seja dos jogadores. É assim que se compreende a prática habitual seguida pela generalidade dos
concessionários e sub-concessionários que exploram jogos de fortuna ou azar em casino excluir familiares dos seus funcionários da participação em promoções ou sorteios a ter lugar nos mesmos.
Independentemente do jogo, da aposta ou da situação em concreto, pensemos apenas na hipótese de um funcionário do casino que fechasse os olhos a uma irregularidade ou favorecesse um lance, chance ou oportunidade a um jogador, sendo facilmente admissível que ficasse mais vulnerável em relação a um familiar.
Para já não falar na informação sobre a campanha aos familiares em detrimento dos potenciais interessados, o que também não deixaria de subverter as regras do jogo.
Tudo a compreender-se em nome da transparência.
Ora, justifica-se perfeitamente que não se contemporize com situações que à partida objectivamente se revestem de maior vulnerabilidade.
6.4. A discussão sobre o que seja a boa-fé levar-nos-ia longe - para já não falar sequer da valia de aposições de normas desse teor neste tipo de diplomas, na medida em que a boa-fé deve ser o critério aferidor da cláusula, “não se criam regras de conduta, antes se valoram, para as condenar, regras formuladas por uma parte”7.
7 - Oliveira Ascensão, Cláusulas Contratuais Gerais, cláusulas abusivas e boa-fé, ROA,2000, Ano 60, 573 e segs
Fiquemo-nos, porém, para o que interessa, com a noção comum e lapidar avançada por Xxxxxx Xxxxx, enquanto diz traduzir a boa-fé o princípio segundo o qual os sujeitos duma dada relação jurídica devem actuar como pessoa de bem, com correcção e lealdade.8
A aposição de tal limitação, à luz dos valores acima referidos impõe -se, eticamente, em função do estabelecimento de uma imposição de consideração pelos legítimos interesses e expectativas do público consumidor/jogador e a sua licitude radica na convicção da observância de uma cláusula restritiva aposta numa relação contratual adequadamente comunicada à contraparte
6.5. Diz a recorrente que foi prejudicada.
Estabelece o artigo 11º nº 1 do RJCCG :
“1. É proibida a inclusão em contratos de cláusulas contratuais gerais que, contrárias aos princípios da boa fé, prejudiquem inadequadamente o aderente.
2. Em caso de dúvida, existe prejuízo inadequado quando a cláusula:
a) É incompatível com princípios essenciais da regulamentação legal da qual
diverge;
b) Limita os direitos e deveres essenciais que resultem da natureza do contrato, de modo a pôr em perigo o fim contratual prosseguido.”
8 - Obrigações, 1966, 122
Não se vislumbra em que medida possa a recorrente ter sido prejudicada inadequadamente face ao teor da cláusula em questão, sabendo ou podendo saber à partida com o que podia contar.
O alegado prejuízo traduz-se na não satisfação de uma pretensão em função de um resultado obtido que à partida lhe estava vedado, mas que, por isso mesmo, não poderá ser atendível.
É de notar ainda que estamos no âmbito de uma promoção especial sujeita a regras próprias definidas pelo operador de jogo, que foram previamente aprovadas pela DICJ.
Nestes termos o recurso não deixará de improceder.
IV - DECISÃ O
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 8 de Novembro de 2012, João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxx