ACÓRDÃO
1ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro
ACÓRDÃO
PROC. N.º 2191/ 015
Na Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, os Juizes acordam em conferência, em nome do Povo:
1 - RELATÓRIO
Na Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, Chuande Promoções Limitada, sociedade comercial por Quotas, com o Número de Identificação Fiscal 5401141513 e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Luanda sob o número 003-03, representada neste acto pelo seu sócio gerente, senhor Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx da Rosa, solteiro, titular do Bilhete de Identificação n.º 000617384 ME 038, intentou e fez seguir Acção Declarativa de Condenação com forma de Processo Ordinário, contra Xxxx Xxxxx, solteiro, residente habitualmente em Luanda, na Vila do Gamek, casa n.º 1400, zona 3, Bairro da Samba, portador do Bilhete de Identificação de Luanda, aos 22 de Julho de 2003.
Aduziu para tal os seguintes fundamentos:
1- Que a Autora e o Réu celebraram em Luanda, em 22 de Setembro de 2007, um contrato que denominaram de "contrato de trespasse" doc.1.
2- Que a Autora prometeu comprar ao Réu, e este por sua vez prometeu vender por trespasse, um estabelecimento comercial sito na rua Xxxxxxx Xxxxxx Xxx- Xxxxx n.º 000, xxx-xx-xxxx, xxxx 00 Xxxxxxxxxx, com uma área útil de 96,8 m2.
3- Que ficou acordado que o preço do trespasse era de USD 500.000,00 (quinhentos mil dólares dos Estados Unidos da América).
4- Que na data de assinatura do referido contrato-promessa, a Autora pagou ao Réu, como primeira prestação, a quantia de USD 250.000,00 (duzentos e
cinquenta mil dólares dos Estados Unidos da América (doc. 1 aI. a) cláusula 5), e que a segunda prestação deveria ser paga com a entrega do estabelecimento (cfr. aI. b) da cláusula 5 doc. 1).
5- Que ficou igualmente acordado que o estabelecimento deveria ser entregue no prazo máximo de 60 dias contados da assinatura do contrato-promessa de trespasse.
6- Que ficou expressamente estabelecido entre Autora e Réu que, no caso de o contrato definitivo de trespasse não ser celebrado por falta imputável ao Réu, a Autora poderia exigir ao Réu o pagamento em dobro do valor já pago (doc. 1 cláusula 6).
7- Que ficou convencionado que o referido trespasse incluiria não só todos os elementos que integram o referido estabelecimento, bem como o contrato de arrendamento que o Réu celebrou com o Estado, designadamente com a Direcção da Habitação de Luanda.
8- Que no dia 15 de Janeiro de 2008, a Autora foi notificada pelo Réu de que haveria impossibilidade de concluir o negócio com aquela, na medida em que teriam aparecido factores impeditivos para a conclusão do mesmo (doc. 2).
9- Que o Réu manifestou igualmente em comunicação enviada à Autora que pretendia fazer a devolução dos valores em sua posse - ou seja, a quantia de USD 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil dólares dos estados unidos da américa) que a Autora havia pago ao Réu na data de assinatura do contrato- promessa, sendo que para o efeito, bastaria que a Autora indicasse o respectivo endereço bancário para que o Réu efectuasse o depósito ou transferência correspondente.
10- Que aos 24 de Janeiro de 2008, o Réu comunicou à Autora que já havia realizado a transferência para a conta da Autora no Banco de Fomento Angola (BFA) doc. 3.
Termina pedindo que a acção seja julgada procedente por provada, e consequentemente:
(i) seja condenado o Réu a pagar à Autora a quantia de 250.000,00 (duzentos e cinquenta
mil dólares dos estados unidos da américa), a título de restituição do sinal em dobro, acrescido de juros legais desde a citação do Réu até ao efectivo pagamento.
Juntou procuração forense e diversos documentos de fls. 8-18.
Contestação a acção (fls. 24-33), o Réu defendeu-se pelo arrazoado, em síntese:
1- Que a Autora alega que o Réu violou de forma culposa o contrato-promessa, por ter comunicado a impossibilidade de conclusão do negócio em questão, em virtude do surgimento de factores impeditivos para a conclusão do mesmo.
2- Que o Réu já transferiu para a conta da Autora USD 250.000,00, pelo que deve ainda à Autora a quantia de USD 250.000,00, que peticiona nos presentes autos.
3- Que o contrato-promessa tem por objecto um estabelecimento comercial sito na Xxxxxxx Xxxxxx-Xxxxxxxx, x.x000, X/X, Xxxx 00, Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxxxx, em Luanda, do qual o Réu é o seu legítimo arrendatário desde
30 de junho de 2000, nos termos de um contrato de arrendamento que celebrou com Direcção Provincial de Habitação de Luanda (DPHL) sob o n.º 300058, doc. 1.
4- Que o contrato de arrendamento mencionado no artigo anterior anulou o contrato anterior celebrado entre a DPHL e o senhor Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, conforme resulta do disposto na cláusula IX do mesmo.
5- Que desde a celebração do contrato de arrendamento com a DPHL, em 30 de Junho de 2000, que o Réu passou a utilizar o estabelecimento para exercício da actividade comercial com a absoluta convicção de que era o único titular do direito ao arrendamento do mesmo.
6- Que foi com base nessa convicção que o Réu celebrou em 22 de Setembro de 2007, o aludido contrato-promessa com a Autora, nos termos e condições neles constantes.
7- Que decorridos cerca de 15 dias após a celebração do contrato-promessa de trespasse, o Réu recebeu um carta datada de 9 de Outubro de 2007, subscrita
pelo advogado, convocando-o para uma reunião que realizou-se a 5 de Novembro, onde lhe fora informado que este (mandata) pelo Sr.° Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, para reivindicar a titularidade do direito ao arrendamento do estabelecimento comercial sito na Xxxxxxx Xxxxxx-Xxxxxxxx, x.x 000, X/X, Xxxx 00, Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxxxx, em Luanda, ou seja o mesmo estabelecimento comercial dado de arrendamento ao Réu pela DPHL em 30 de Julho de 2000, e que era objecto do contrato- promessa de trespasse. (doc. 2 e 3).
8- Que o Réu foi confrontado com um Título de Ocupação de moradia emitido a favor do aludido Sr.º Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, pela DPHL em 25 de Agosto de 1991, tendo sido alegado que o mesmo era válido e que por isso foi o Réu acusado de estar a ocupar ilicitamente o estabelecimento comercial.
9- Que atento ao texto do contrato de arrendamento que celebrou com DPHL, o Réu não podia prever de forma alguma que sob o mesmo estabelecimento comercial pudesse existir dois documentos de igual valor a conferir a duas pessoas diferentes a titularidade do direito ao arrendamento.
10- Que perante o surgimento desse conflito sobre a titularidade do direito ao arrendamento do estabelecimento comercial, baseado na existência de dois documentos emitidos pela mesma entidade que atestam a titularidade do mesmo estabelecimento comercial a duas pessoas diferentes, o Réu decidiu comunicar por escrito à Autora o seguinte: " ... havendo impossibilidade na prossecução da realização do negócio por ter aparecido factores impeditivos
... venho comunicar-vos que pretendo proceder à devolução dos valores em minha posse ... vide doc. 6".
Termina, pugnando pela improcedência da presente acção por não provada e, em consequência: absolver o Réu do pedido.
Juntou procuração forense e diversos documentos de fls. 34-42.
Houve Réplica (fls. 48-55), vindo a Autora insurgir-se com o facto de que o Réu alega e declara na sua contestação que o factor impeditivo que obsta à celebração do contrato definitivo de trespasse entre este e a Autora, é a existência de um outro contrato de arrendamento entre a Direcção Provincial da Habitação de Luanda e um terceiro, Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx.
Terminou pugnando pelos pedidos vertidos na p.i..
Designado dia para realização de audiência preparatória (fls. 56), a mesma decorreu com a presença das partes não sendo possível obter acordo entre as mesmas (fls. 61 e v).
Foi então proferida Xxxxxxxx Saneador Sentença de fls. 69-74, mediante a qual foi decidido, julgando-se procedente por provada a acção e, em consequência condenando o Réu a pagar à Autora a quantia equivalente a USD 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil dólares dos Estados Unidos da América) a título de restituição do sinal em dobro, acrescido dos juros legais desde a citação do Réu até ao efectivo e integral pagamento.
Deste douto Despacho, o Réu interpôs recurso de Apelação da referida decisão (fls. 78), tendo o mesmo sido admitido na espécie requerida, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito suspensivo (tis. 79).
Cumpridas as formalidades legais subiram os autos a esta instância, fls. 95.
Remetidos os autos a esta instância, o juiz relator ordenou a notificação das partes para alegação e contra-alegações fls. 107 v.
Das alegações apresentadas pelo Réu ora Recorrente, extrai-se em síntese as seguintes conclusões:
1. Que ao decidir como decidiu o Tribunal "a quo" violou manifestamente o disposto nos artigos 73.º da Constituição, 158,º n.º1, 668,° n.º1 alínea b) do CPC, e artigo 790,º e ss do Código Civil.
2. Que na decisão recorrida o tribunal "a quo" nem sequer se dignou apreciar se o surgimento de um terceiro a reivindicar a titularidade do direito ao arrendamento do estabelecimento comercial objecto do contrato-promessa, que o Apelante desconhecia em absoluto, e tal conhecimento nem sequer lhe podia ser exigível, constitui ou não um facto superveniente inviável a realização da prestação por parte do Apelante e por via disso justificativo do seu incumprimento.
3. Que o douto despacho saneador-sentença ora recorrido carece absolutamente de qualquer fundamentação, ou seja, o tribunal “ a quo “ omite totalmente as razões de direito (e até mesmo de facto) que levaram a julgar procedente a acção, pelo que é nulo nos termos do art.º 668.º n.º 1 aI. a) do CPC.
4. Que o despacho saneador-sentença recorrido está eivado de nulidade por falta de um elemento essencial, a sua fundamentação, o que expressamente se invoca nos termos e de harmonia com o disposto nos artigos 158.º n.º1, 668.º n.º 1 aI. b) ambos do CPC.
Encerra as suas alegações pugnando pela revogação da Sentença recorrida, e consequentemente absolver-se o Apelante inteiramente do pedido.
A Autora ora Apelada, contra-alegou, concluindo em síntese útil, pela improcedência do recurso (fls, 127-157).
Levados os autos ao Digno Magistrado do Ministério Público este emitiu o competente visto (fls. 158 v).
Foram colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir.
2- OBJECTO DO RECURSO
O âmbito e o objecto do recurso são delimitados - para além das meras razões de direito e das questões de conhecimento oficioso - pelo inserto nas conclusões das alegações (artº 684.º, n.º3, 690.º, n.º1, 660.º, n.º2, e 713.º, n.º2, todos do CPC),
Nestes termos, podemos considerar como questão única a resolver no âmbito do presente recurso, a de saber se o Tribunal "a quo" ao decidir como decidiu violou ou não manifestamente o disposto nos artigos 73.º da Constituição, 158.º n.º 1,668.º n.º 1 alínea b) do CPC, e artigo 790.º e ss do Código Civil.
3 - MATÉRIA DE FACTO
É a seguinte a factualidade julgada provada pelo tribunal "a quo":
1- Que a Autora e o Réu celebraram em Luanda, 22 de Setembro de 2007, um contrato que denominou de "Contrato Promessa de Trespasse" doc. fls. 8 e 9.
2- Que pelo referido contrato, a Autora prometeu comprar ao Réu, um estabelecimento comercial sito na Xxxxxxx Xxxxxx-Xxxxxxxx, x.x000, X/X, Xxxx 00, Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxxxx, com uma área útil de 96,8m2.
3- Que ficou acordado entre a Autora e o Réu que o preço do trespasse era de USD 500.000,00 (quinhentos mil dólares dos estados unidos da américa).
4- Que na data da assinatura do referido contrato-promessa, a Autora pagou ao Réu, como primeira prestação a quantia de USD 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil dólares dos Estados Unidos da América).
5- Que a segunda prestação no valor de USD 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil dólares dos Estados Unidos da América) deveria ser paga com entrega do Estabelecimento.
6- Que ficou acordado entre Autora e o Réu, no caso de o contrato definitivo de trespasse não ser celebrado por falta imputável ao Réu poderia exigir a devolução, em dobro do valor pago.
7- Que o contrato definitivo de trespasse deveria ter sido celebrado entre a Autora e o Réu no dia 25 de Novembro de 2007.
8- Que o Réu transferiu para a conta bancária da Autora a quantia de USD 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil dólares dos Estados Unidos da América), como devolução do valor recebido anteriormente.
3- 0 DIREITO
Sem mais olhemos para questões elencadas supra.
Quanto à questão do recurso.
Saber se o Tribunal "a quo" ao decidir como decidiu violou ou não manifestamente o disposto nos artigos 73.º da Constituição, 158.º n.º 1. 668.º n.º 1 alínea b) do CPC. e artigo 790.º e ss do Código Civil.
Vejamos.
A sentença recorrida julgou procedente por provada a acção e em consequência condenou o Réu a pagar à Autora a quantia equivalente a USD 250.000.00 (duzentos dólares dos estados unidos da américa) a título de restituição do sinal em dobro acrescido dos juros legais desde a citação do Réu até ao efectivo e integral pagamento.
Tendo em conta a matéria de facto considerada provada pelo tribunal "a quo", resulta estar em causa o pagamento de USD 250.000,00, a título de restituição do sinal em dobro, valor este resultante da celebração de um contrato-promessa de trespasse de um estabelecimento comercial localizado na avenida Alameda Xxxxxx-Xxxxxxxx. N.º 257. R/C, Zona 10, Municipio do Sambizanga, em Luanda, em que a Autora e o Réu celebraram aos 22 de Setembro de 2007. Neste acto a Autora prometeu comprar ao Réu o referido imóvel doc. fls. 8 e 9, tendo ficado estipulado que o inadimplemento do trespasse o obrigaria a devolver o sinal em dobro. Por haver incumprimento do contrato promessa de trespasse por falta imputável ao Réu, ora Apelante, poderia pois a Autora exigir a devolução em dobro do valor pago. Cfr. facto n.º 6.
Segundo o alegado pela Autora na sua petição inicial (fls. 2-6). o Réu recebeu a quantia de USD 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil dólares dos Estados Unidos da América), em 2007, valor este correspondente a 50% do preço do trespasse acordado entre ambos que era de USD 500.000,00, e que tomaria o carácter de sinal.
Questionar-se-á, neste sentido, se o valor recebido pelo Réu terá ou não carácter de sinal.
O sinal traduz - se numa coisa (dinheiro ou outra coisa fungível ou não fungível) que um dos contraentes entrega ao outro, no momento da celebração do contrato ou em momento posterior, como prova da seriedade de seu propósito negociaI e garantia do seu cumprimento, ou como antecipação da indemnização devida ao outro contraente, na hipótese de o autor do sinal se arrepender do negócio e voltar atrás, podendo a coisa entregue coincidir, no todo ou em parte, como o objecto da prestação devida.
É lícito às partes estipular uma cláusula de sinal como função de garantia. Nesse caso terá ou não a função de uma indemnização por facto culposo mais s de uma prestação fundada na obrigação de garantia contraída. O conteúdo desta obrigação é determinado por interpretação da cláusula de garantia, e bem pode acontecer que as partes tenham querido fixá-lo no montante do sinal para o caso de não verificação do resultado garantido (Vaz Serra, RLJ, 112.°-116).
Dispõe o art.º441.º do CC., sob a epigrafe contrato-promessa de compra e venda que: "No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente - vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço".
A presunção de carácter de sinal derivada da entrega de quantia e que se refere o art.º 441.º deixa de existir se tiver havido tradição da coisa e face ao disposto no n.º 2 do art.º 442.º (A. Xxxxxx, RLJ, 117.° -183, nota 1).
Compulsado os autos, constata-se que o Réu ora Apelante, e a Autora ora Apelada, celebraram o contrato-promessa de trespasse de um imóvel (estabelecimento comercial)
localizado na avenida Xxxxxxx Xxxxxx-Xxxxxxxx, x.x 000, X/X, Xxxx 00, Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxxxx, em que o Réu se obrigou a celebrar o contrato definitivo de trespasse no dia 25 de Novembro de 2007,
Ora, tratando-se de contrato-promessa de trespasse com entrega de sinal, se a parte que entregou o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue. Caso o não cumprimento do contrato seja devido a este último, tem aquele o direito de exigir o sinal em dobro. Cfr. art.ºs 442.º n.º 3 e 405.º n.º1 do CC.
Julgamos nós, mais curial e consentâneo que a quantia entregue ao promitente faltoso, Réu ora Apelante, tem carácter de sinal, e deste modo deverá a mesma pagar à ora Apelada o valor em dobro, como de resto sustentou e bem o tribunal recorrido.
Persiste, ainda assim, o facto de saber se o facto superveniente (um terceiro a reivindicar a titularidade do direito ao arrendamento do estabelecimento comercial), por parte do Réu ora Apelante é ou não justificativo do seu incumprimento.
Primeiramente torna-se imperioso ajuizar como se verifica o incumprimento contractual.
Dispõe o art.º762.º do CC., sob a epígrafe Princípio geral que: "1. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.
2. No cumprimento das obrigações, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé".
O incumprimento contratual ocorre sempre que o devedor não realiza a prestação a que está adstrito.
A regra geral é a de que o devedor que não cumpre a obrigação tem que indemnizar todos os danos causados ao credor. Porém, para que surja a responsabilidade do devedor em consequência do incumprimento contratual não basta que este lhe seja imputável, ou
porque o acto é culposo ou porque se trata de um caso de responsabilidade objectiva ou pelo risco.
É ainda necessário que o credor sofra danos ou prejuízos e que haja um nexo de causalidade entre esses danos e o não cumprimento por parte do devedor.
O incumprimento definitivo que ocorra com culpa do devedor confere ao credor o direito à indemnização pelos danos sofridos. A lei equipara ao incumprimento contratual definitivo a impossibilidade da prestação imputável ao devedor, pois, se a prestação se torna impossível por culpa sua, responde como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação.
A revindicação por um terceiro da titularidade do direito ao arrendamento do estabelecimento Comercial, não constituiu causa objectiva do cumprimento do contrato.
Ora Apelante alega inda que o Tribunal "a quo" ao decidir como decidiu violou manifestamente disposto nos artigos 73.º da Constituição, 158.º n.º 1, 668.º n.º 1 alínea b) do CPC, e artigo 790.º e ss do Código Civil.
Assistir-lhe-á razão. Vejamos.
O art.o 73.º da CRA, sob a epigrafe Direito de petição, denuncia reclamação e queixa, consagra que "Todos têm direito de apresentar, individualmente ou colectivamente, aos órgãos de soberania ou quaisquer autoridades, petições, denuncias, reclamações ou queixas, para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral, bem como o direito de ser informado em prazo razoável sobre o resultado da respectiva apreciação".
No vertente caso verifica-se que a Autora ora Xxxxxxx apresentou devidamente a sua petição ao Órgão de soberania competente que é o Tribunal, conforme a Constituição, não tendo pois cabimento dizer que a sentença violou este artigo uma vez que não coartou a
Apelada o direito de peticionar, pelo que cai por terra o seu argumento porque destituído de razão e fundamento.
No caso em apreço, a nulidade imputada a sentença é como se disse a referida na alínea
b) do n.º 1 art.º 668.º do CPC., bem como a não observância do art.º158.º n.º1.
Nos termos desta norma legal (art.º158.º n.º 1) diz-se que " As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas".
Dispõe, por seu lado, a alínea d) do n.º 1 do art.º668.º do CPC, sob a epígrafe "causas de nulidade da sentença":
AI. d) "Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento".
Questionar-se-á:
Mas quando é que se verifica aquela nulidade?
A nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto n.º 2 do art.º660.º do CPC, nos termos do qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, execptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" e " não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras".
É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, na denegação de justiça e o execesso de pronúncia na violação do princípio do dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes.
Todavia, como já dizia X. Reis (in Código de Processo civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981. Reimpressão - pág. 143) há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões.
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questões de que devia conhecer- se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinadas questões, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
"Deste modo, o julgador não tem que analisar e apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas" (A. Xxxx, ob. Cit., pág. 141 e A. Xxxxxx, X. Xxxxxx Xxxxxxx e Sampaio e Xxxx, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 688). Logo, só haverá nulidade de sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que se conheceu tiver ficado prejudicado pela sua solução dada à (s) outra (s),ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso.
Na sua convicção a Meritíssima Juíza "a quo", com o fundamento assente no art.º441.º e 442.º n.º 2 do CC., julgou procedente o pedido formulado pela Autora, ora Apelada e em consequência condenou a Réu ora Apelante a pagar à Autora o sinal em dobro no valor de USD 250.000,00.
Verifica-se assim, que a Sentença recorrida não enferma de vício de falta ou do excesso de pronúncia que o Réu ora Apelante lhe atribui.
Por isso, não se está perante qualquer nulidade da decisão, mormente a da aI. d) do n.º 1 do art.º668.° do CPC, porque ao contrário do que parece adiantar o Apelante não houve qualquer excesso de pronúncia, como de resto se afirmou acima.
Logo, ao não dar razão ao Réu, ora Apelante, bem andou o juiz " a quo" ao decidir como decidiu.
Mas o que preocupa o Apelante é a devolução do sinal em dobro, situação que achou excessiva.
Por conseguinte, tem ou não razão a Apelada o direito de exigir o sinal em dobro e tem ou não o Apelante a obrigação de devolver o sinal duplicado? Eis a questão.
A jurisprudência consultada sobre a matéria do sinal diz, entre outras asserções, o seguinte (cfr. Xxxxxx Xxxx, Cod. Civil anotado, 14.ª Edição actualizada, 2004, EDIFORUM):
1- Se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
2- Salvo estipulado em contrário, a existência de sinal impede os contraentes de exigirem qualquer outra indemnização pelo não cumprimento, além da fixada no número anterior.
3- Se um contrato-promessa de compra e venda não for cumprido por causas imputáveis aos dois contraentes é de aplicar o regime do n.º 1 do artº570.º A restituição do sinal em dobro pode ser totalmente concedida, reduzida ou excluída conforme a gravidade das culpas de ambas e as consequências delas resultantes. Por conseguinte, se a gravidade das culpas de ambas as partes e as consequências que delas resultaram, não a exclusão da indemnização - simples restituição do sinal em singelo - mas uma redução deste - restituição do sinal, não em dobro, mas em menos - ou a sua concessão - restituição do sinal em dobro - assim o deve decidir o tribunal . Se o tribunal entender que deve ser restituído o sinal em singelo, o tribunal
deve ter em conta o lucro obtido pelo promitente- vendedor pelo facto de ter tido à disposição durante anos o montante do sinal (RLJ, 110.° - 186),
4- É lícito às partes estipular uma cláusula de sinal com função de garantia. Nesse caso, o sinal não terá a função de uma indemnização por facto culposo, mas a de uma prestação fundada na obrigação de garantia contraída. O conteúdo desta obrigação é determinado por interpretação da cláusula de garantia, e bem pode acontecer que as partes tenham querido fixá-lo no montante do sinal para o caso de não verificação do resultado garantido (Vaz Serra, RLJ, 112.° -166).
5- O valor entregue como sinal marca a medida da indemnização (Xxxxxx Xxxxxx, Obrigações, 3.ª ed., 81).
6- A perda do sinal a favor do promitente-vendedor é compatível com a subsistência do contrato-promessa quando aquele, face ao incumprimento por parte do promitente- comprador, optar não necessariamente pela resolução do contrato mas tão-só pela faculdade de fazer seu o sinal passado (BMJ, 321.º - 387, RLJ, 119.º- 205, com anotação de Xxxxxxx Xxxxxx).
Portanto, a lei não exige a culpa do promitente-vendedor, mas apenas a imputação. No caso vertente a frustração do contrato é imputável ao Apelante.
Ora, as razões do obstáculo ao cumprimento pelo Apelante (a existência do título de ocupação de terceiro), são irrelevantes para a Apelada uma vez que gorou-se o acordo por causa imputável aquele contraente (Apelante).
Quando haja sinal deixou haver a presunção de sinal penitencial, funcionando como confirmatório da conclusão do contrato. Tem valor de verdadeira indemnização pré-fixada convencionalmente pelo incumprimento da obrigação de celebrar o contrato prometido (BMJ, 109).
Assume o ónus de devolver em dobro o "tradens" a favor do "accipiens", quando dá causa ao incumprimento.
O Xxxxxxxx manteve em sua posse o sinal por cerca de três meses e meio tendo obtido lucros e portanto deve devolver o sinal em dobro, porém sem juros. Isto porque salvo estipulação em contrário, a existência do sinal impede os contraentes de exigirem qualquer outra indemnização pelo não cumprimento imputável ao agente.
Logo, a decisão deve ser parcialmente revogada na parte atinente aos juros. Destarte somos pelo provimento parcial do recurso.