PARECER COREN-SP CÂMARA TÉCNICA 005/2016
PARECER COREN-SP CÂMARA TÉCNICA 005/2016
Ementa: Presença de acompanhantes junto a pacientes que sofreram aborto espontâneo.
1. Do fato
A Procuradoria da República solicita parecer deste Conselho, com relação à presença de acompanhantes junto a pacientes que sofreram abortos espontâneos e estão recebendo tratamento ambulatorial em unidades e hospitais.
2. Da fundamentação e análise
A enfermagem segue regramento próprio, consubstanciado na Lei do Exercício Profissional (Lei no 7.498/1986), seu Decreto regulamentador (Decreto 94.406/1987) e do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem (Resolução COFEN 311/2007). Neste sentido, a enfermagem atua na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde humana, com autonomia e em consonância com os preceitos éticos e legais.
Como integrante da equipe de saúde, participa das ações que visem satisfazer as necessidades de saúde da população e da defesa dos princípios das políticas públicas de saúde e ambientais, que garantam a universalidade de acesso aos serviços de saúde, integralidade da assistência, resolutividade, preservação da autonomia das pessoas, participação da comunidade, hierarquização e descentralização político-administrativa dos serviços de saúde (CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM, 2007).
Além disso, conforme Lei no 5.905, de 12 de julho de 1973, é função do Conselho Regional de Enfermagem disciplinar e fiscalizar o exercício profissional, bem como, conhecer e decidir os assuntos atinentes à ética profissional, impondo as penalidades cabíveis aos profissionais.
Assim, e em relação ao questionamento supra citado, entende-se que a gestação é um fenômeno fisiológico e que na maioria dos casos ocorre sem intercorrências, porém existe uma pequena parcela de gestantes que sofrem algum agravo ou desenvolvem problemas, ocasionando uma evolução desfavorável tanto para o feto como para a mãe. Estas gestantes que necessitam de um cuidado de maneira diferenciada são chamadas de gestantes de alto risco, e a definição do nível de assistência necessário dependerá do problema apresentado e qual intervenção será realizada (BRASIL, 2010).
Neste sentido, a Lei nº 10.241, de 17 de março de 1999, que dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado de São Paulo, estabelece:
[...]
Artigo 1º - A prestação dos serviços e ações de saúde aos usuários, de qualquer natureza ou condição, no âmbito do Estado de São Paulo, será universal e igualitária, nos termos do artigo 2º da Lei Complementar n. 791, de 9 de março de 1995. Artigo 2º - São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo: I - ter um atendimento digno, atencioso e respeitoso;
[...]
XV - ser acompanhado, se assim o desejar, nas consultas e internações por pessoa por ele indicada;
[...] (SÃO PAULO, 1999, grifo nosso)
Primeiramente, há que se ressaltar a importância do direito pessoal1 estabelecido pelo legislador. Tal intuito, ao que nos parece, visa justamente beneficiar uma parcela da população (usuário do sistema de saúde) fragilizada física ou mentalmente, com a opção de
1 XXXXX, Xx xxxxxxx e. Vocabulário jurídico. Atualizadores Xxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. 30 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 483/484. DIREITO PESSOAL. O direito subjetivo ou recai sobre a coisa ou incide sobre a pessoa, de cuja incidência se gera a relação jurídica que merece a proteção legal e cria o direito- faculdade ou o direito-atribuição. O direito pessoal, em oposição ao direito real, é assim o que assegura a uma pessoa o exercício de um direito que, ou diz respeito a seu próprio ego ( jus in persona ipsa) ou incide sobre o dever de ser cumprido por outrem (jus in persona aliena). [...] Desse modo, propriamente direitos pessoais entendem-se os que afetam a própria pessoa e devem ser por ela própria exercitados.
escolha por ter ou não a figura de alguém de confiança (acompanhante) ao seu lado neste momento difícil.
No mesmo sentido, a Portaria nº 2.418, de 02 de Dezembro de 2005, regulamenta em conformidade com o art. 1º Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005, a presença de acompanhante para mulheres em trabalho de parto, parto e pós-parto imediato nos hospitais públicos e conveniados com o Sistema Único de Saúde - SUS.
[...]
Considerando o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento que visa assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto e ao puerpério às gestantes e ao recém-nascido, na perspectiva dos direitos de cidadania;
[...]
Considerando a Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005, que altera a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, resolve:
Art. 1º Regulamentar, em conformidade com o art. 1º da Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005, a presença de acompanhante para mulheres em trabalho de parto, parto e pós-parto imediato nos hospitais públicos e conveniados com o Sistema Único de Saúde - SUS.
§ 1º Para efeito desta Portaria entende-se o pós–parto imediato como o período que abrange 10 dias após o parto, salvo intercorrências, a critério médico.
[...] (BRASIL, 2005, grifo nosso)
Outra questão importante é aquela tratada pela Portaria nº1.820, de 13 de Agosto de 2009, a qual dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde, no seguinte sentido:
[...]
Art. 3º Toda pessoa tem direito ao tratamento adequado e no tempo certo para resolver o seu problema de saúde.
Parágrafo único. É direito da pessoa ter atendimento adequado, com qualidade, no tempo certo e com garantia de continuidade do tratamento, para isso deve ser assegurado:
I - atendimento ágil, com tecnologia apropriada, por equipe multiprofissional capacitada e com condições adequadas de atendimento;
II - informações sobre o seu estado de saúde, de maneira clara, objetiva, respeitosa, compreensível quanto a:
a) possíveis diagnósticos;
b) diagnósticos confirmados; [...]
d) resultados dos exames realizados;
e) objetivos, riscos e benefícios de procedimentos diagnósticos, cirúrgicos, preventivos ou de tratamento;
f) duração prevista do tratamento proposto; [...]
III - toda pessoa tem o direito de decidir se seus familiares e acompanhantes deverão ser informados sobre seu estado de saúde;
[...]
Art. 4º Toda pessoa tem direito ao atendimento humanizado e acolhedor, realizado por profissionais qualificados, em ambiente limpo, confortável e acessível a todos. Parágrafo único. É direito da pessoa, na rede de serviços de discriminação, restrição ou negação em virtude de idade, raça, cor, etnia, religião, orientação sexual, identidade de gênero, condições econômicas ou sociais, estado de saúde, de anomalia, patologia ou deficiência, garantindo-lhe:
I - identificação pelo nome e sobrenome civil, devendo existir em todo documento do usuário e usuária um campo para se registrar o nome social, independente do registro civil sendo assegurado o uso do nome de preferência, não podendo ser identificado por número, nome ou código da doença ou outras formas desrespeitosas ou preconceituosas;
II - a identificação dos profissionais, por crachás visíveis, legíveis e/ou por outras formas de identificação de fácil percepção;
III - nas consultas, nos procedimentos diagnósticos, preventivos, cirúrgicos, terapêuticos e internações, o seguinte:
a) a integridade física;
b) a privacidade e ao conforto;
c) a individualidade;
d) aos seus valores éticos, culturais e religiosos;
e) a confidencialidade de toda e qualquer informação pessoal;
f) a segurança do procedimento;
g) o bem-estar psíquico e emocional;
IV - o atendimento agendado nos serviços de saúde, preferencialmente com hora marcada;
V - o direito a acompanhante, pessoa de sua livre escolha, nas consultas e exames;
VI - o direito a acompanhante, nos casos de internação, nos casos previstos em lei, assim como naqueles em que a autonomia da pessoa estiver comprometida; Art. 7º Toda pessoa tem direito à informação sobre os serviços de saúde e aos diversos mecanismos de participação.
§ 1º O direito previsto no caput deste artigo, inclui a informação, com linguagem e meios de comunicação adequados, sobre:
I - o direito à saúde, o funcionamento dos serviços de saúde e sobre o SUS;
II -os mecanismos de participação da sociedade na formulação, acompanhamento e fiscalização das políticas e da gestão do SUS;
[...]
§ 2º Os órgãos de saúde deverão informar as pessoas sobre a rede SUS mediante os diversos meios de comunicação, bem como nos serviços de saúde que compõem essa rede de participação popular, em relação a:
[...]
§ 4º As informações prestadas à população devem ser claras, para propiciar a compreensão por toda e qualquer pessoa.
[...]
Art. 8º
Parágrafo único. Os gestores do SUS, das três esferas de governo, para observância desses princípios, comprometem-se a:
I - promover o respeito e o cumprimento desses direitos e deveres, com a adoção de medidas progressivas, para sua efetivação;
II -adotar as providências necessárias para subsidiar a divulgação desta Portaria,
inserindo em suas ações as diretrizes relativas aos direitos e deveres das pessoas;
III - incentivar e implementar formas de participação dos trabalhadores e usuários nas instâncias e participação de controle social do SUS;
IV - promover atualizações necessárias nos regimentos e estatutos dos serviços de saúde, adequando-os a esta Portaria;
V - adotar estratégias para o cumprimento efetivo da legislação e das normatizações do Sistema Único de Saúde;
[...]
Art. 9º Os direitos e deveres dispostos nesta Portaria constitui em a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde.
[...] (BRASIL, 2009, grifos nossos)
Da mesma maneira, a Portaria MS/GM nº 2.488, de 21 de outubro de 2011, estabelece como responsabilidade das Secretarias Municipais de Saúde, fomentar a criação e implementação destas garantias nos serviços, visando além de atendimento digno aos usuários, incentivar a prestação de um serviço de saúde de excelência2. Neste sentido:
[...]
I - pactuar, com a Comissão Intergestores Bipartite, através do COSEMS, estratégias, diretrizes e normas de implementação da Atenção Básica no Estado, mantidos as diretrizes e os princípios gerais regulamentados nesta Portaria;
[...]
XII - Programar as ações da Atenção Básica a partir de sua base territorial e de acordo com as necessidades de saúde das pessoas, utilizando instrumento de programação nacional ou correspondente local;
[...]
XIV - Organizar o fluxo de usuários, visando à garantia das referências a serviços e ações de saúde fora do âmbito da Atenção Básica e de acordo com as necessidades de saúde dos usuários;
[...] (BRASIL, 2011, grifo nosso).
E por fim, a Lei nº 12.895, de 18 de Dezembro de 2013, altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, obriga os hospitais de todo o País a manter, em local visível de suas dependências, aviso informando sobre o direito da parturiente a acompanhante.
2 SANCHES, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxx; ABRAHÃO, Xxx Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx. Acompanhamento hospitalar: direito ou concessão ao usuário hospitalizado? Ciênc. saúde coletiva vol.18 no.1 Rio de Janeiro Jan. 2013. [...] Para os estabelecimentos de saúde, o incentivo ao acompanhamento e a implementação da prática de acolhimento a este acompanhante trazem a possibilidade de avançar no objetivo da qualidade em serviço, atendendo não só aos anseios da população a qual prestam a assistência, mas também às orientações preconizadas pelas políticas públicas de saúde e aos organismos de certificação de qualidade.
3. Da Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que a legislação ampara o direito a presença de acompanhante em consultas, exames e durante internação, independente da patologia a ser tratada.
Cabe salientar que a Política Nacional de Humanização trata a questão da importância de um atendimento digno e atencioso e deve ser implantada em todos os serviços de saúde.
Deve-se ainda, levar em consideração o desejo da mulher de confidencialidade e privacidade. A confidencialidade é um princípio da ética profissional, e um aspecto do direito à privacidade, devendo ser garantido.
É importante salientar que a mulher se encontra sob forte emoção neste momento, desencadeada pelo trauma da perda e da insegurança sobre o futuro, assim assegurar o direito a ter um acompanhante de sua escolha torna-se fundamental.
É o parecer.
Referências
BRASIL. Lei no 5.905, de 12 de julho de 1973. Dispõe sobre a criação dos Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13.7.1973. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx>. Acesso em: 13 set. 2016.
. Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 1986. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/x0000.xxx>. Acesso em: 13 set. 2016.
. Decreto Nº. 94.406, de 08 de junho de 1987. Regulamenta a Lei Nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da enfermagem, e dá outras providências. Conselho Federal de Enfermagem, Brasília, DF, 21 set. 2009. Disponível em: < xxxx://xxx. xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxx/0000-0000/X00000.xxx>. Acesso em: 13 set. 2016.
. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.418 de 02 de Dezembro de 2005. Regulamenta, em conformidade com o art. 1º da Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005, a presença de acompanhante para mulheres em trabalho de parto, parto e pós-parto imediato nos hospitais públicos e conveniados com o Sistema Único de Saúde - SUS. Disponível em: < xxxx://xxxxx. xxxxx.xxx.xx/xxx/xxxxxxxxxx/xx/0000/xxx0000_00_00_0000.xxxx >. Acesso em: 13 set. 2016.
. Ministério da Saúde. Portaria Nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Disponível em:< xxxx://xxxxx. xxxxx.xxx.xx/xxx/xxxxxxxxxx/xx/0000/xxx0000_00_00_0000.xxxx>. Acesso em: 13 set. 2016.
.Lei nº 12.895, de 18 de Dezembro de 2013. Altera a Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990, obrigando os hospitais de todo País a manter, em local visível de suas dependências, aviso informando sobre o direito da parturiente a acompanhante. Disponível em: < http:// xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/_Xxx0000-0000/0000/Xxx/X00000.xxx >. Acesso em: 13 set. 2016.
CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução COFEN 311/2007. Aprova a
Reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: < http:// xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxxx-xxxxx-0000000_0000.xxxx>. Acesso em: 13 set. 2016.
. Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: < http:// xxx.xxxxx.xxx.xx/xx-xxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/xxxxxxxxx_000_xxxxx.xxx>. Acesso em: 13 set. 2016.
XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxx; XXXXXXX, Xxx Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx. Acompanhamento hospitalar: direito ou concessão ao usuário hospitalizado? Ciênc. saúde coletiva vol.18 no.1 Rio de Janeiro Jan. 2013. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxx.xx/xxxxxx.xxx?xxxxxxxxxx_xxxxxxx&xxxxX0000-00000000000000000 >. Acesso em: 13 set. 2016.
SÃO PAULO. Lei nº 10.241, de 17 de março de 1999. Dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado de São Paulo. Disponível em: < xxxx://xxx. xx.xx.xxx.xx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxx/xxx/0000/xxx-00000-00.00.0000.xxxx >. Acesso em: 13 set. 2016.
XXXXX, Xx xxxxxxx x. Vocabulário jurídico. Atualizadores Xxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. 30 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.