DOGMÁTICA JURÍDICA ROMANA:
DOGMÁTICA JURÍDICA ROMANA:
UMA PERSPECTIVA VÁLIDA PARA PROBLEMAS ATUAIS
Ana Lúcia Lemos LOVISARO∗
Resumo
A contratação no comércio transnacional padece de uma abordagem conceitual que desvaloriza a tipicidade do contrato e desprestigia a boa-fé como um de seus conteúdos inderrogáveis, a resultar na frequente formulação de contratos-tipo despojados de conteúdo équo. Diante disso, será desenvolvida neste artigo uma reflexão argumentativa assentada em premissas teóricas obrigacionais, elaboradas no II século a.C., capazes de demonstrar que a estrutura contratual formulada pelos romanos – que se revelou apropriada para a concretização de negócios entre pessoas de diversas cidadanias e de culturas diferentes, como similarmente ocorre em nossa sociedade e economia globalizadas – pode servir de modelo e de inspiração ao jurista hodierno na tomada de posição que favoreça a exclusiva sedimentação jurídica de acordos comerciais coerentes com o mecanismo de justiça contratual.
Palavras-chave: Contratos transnacionais; Dogmática jurídica romana; Modelo preceptivo de justiça contratual.
Abstract
The contracting in transnational commerce suffer from a conceptual approach that not valuing the typicality of the contract and demerits the good faith as one of its non-derogable content, resulting in the frequent formulation of standard contracts deprived of fair content. Therefore, will be developed in this article an argumentative reflection based on obligations theoretical premises, elaborated in the 0xx xxxxxxx XX, capable of demonstrating that the structure of contract formulated by the romans – which proved to be appropriate for the accomplishment of business between people of different citizenships and of varied cultures, as it similarly occurs in our globalized society and economy – can serve as a model and inspiration to the contemporary jurist in taking a position that favors the juridical sedimentation only of commercial agreements coherent with the contractual justice mechanism.
Keywords: Transnational contracts; Roman juridical dogmatic; Preceptive model of contractual justice.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por premissa estimular o debate sobre a praxe comercial transnacional, também identificada como nova lex mercatoria ou ius mercatorum1, na
∗ Advogada. Doutoranda em Diritto e tutela: esperienza contemporanea, comparazione, sistema giuridico romanistico junto à Xxxxxxxxxx xxxxx Xxxxx xx Xxxx “Xxx Xxxxxxx”, Xxxx, Xxxxxx. Mestre em Sistemi giuridici contemporanei pela Xxxxxxxxxx xxxxx
condição de um direito anacional amplamente utilizado e responsável pela incisiva difusão de modelos negociais, módulos standard e contratos-tipo de matriz anglo-estadunidense, sem uma precisa mediação pacificadora de eventuais dialéticas e incompatibilidades.
Para tanto, com base em uma pesquisa bibliográfica, será desenvolvida uma análise crítica quanto ao problema da justiça contratual, não só trazendo à luz a questão da tipicidade causal do contrato, como ainda a questão da boa-fé como um de seus conteúdos inderrogáveis.
De antemão, será pontuada a divergência existente entre a concepção contratual da experiência jurídica de common law e a concepção contratual da tradição jurídica de civil law2, para, em seguida, evidenciar a presença disseminada e nem sempre tranquila dos elementos contratuais anglo-estadunidenses nos países de tradição jurídica civilística. Sem deixar de advertir, a respeito, sobre o deficit de valor jurídico observado em certas cláusulas contratuais da praxe negocial transnacional.
Posteriormente, realizando uma incursão na dogmática jurídica dos romanos, buscar- se-á demonstrar que a estrutura de contrato por eles erigida, no II século a.C., pode servir de parâmetro e de estímulo aos juristas de nosso tempo na tomada de posição que favoreça a exclusiva validação de pactuações negociais providas de valor jurídico, de maneira a render mais équo o contemporâneo ius mercatorum.
2 ESQUEMAS CONTRATUAIS DA PRAXE ANGLO-ESTADUNIDENSE: APLICAÇÃO PERVASIVA NÃO MEDIADA
A princípio, esclareça-se que o atual ius mercatorum é um direito amparado na autonomia negocial e no contrato, este último idealizado de modo a garantir a máxima redução dos custos de transação. Pode-se dizer que é um corpo jurídico especificamente destinado ao comércio transnacional (Farnworth, 2001), cuja utilização é assegurada por princípios de natureza utilitária que o impulsiona ao ponto de render pouco conveniente eventual conflito entre os pactuantes (Ferrarese, 2015). Direito tal, é importante que se diga, difuso aos quatro cantos do mundo por meio dos modelos de business de conformação anglo- estadunidense.
1 Quanto à antiga lex mercatoria, veja Galgano (2001). Sobre a nova lex mercatoria, consulte Marrella (2003).
2 Convém esclarecer que serão utilizados como sinônimos os termos: civil law, romanístico, europeu-continental e civilístico.
O absoluto protagonismo exercido pelos esquemas negociais anglo-estadunidenses no tráfico transnacional, seguramente estimulado pela globalização da economia, pode ser atribuído à supremacia econômica americana por muito tempo exercida com a imposição de estilo e de instrumentos próprios, bem como à peculiar modalidade de contratação transfronteiriça mediante a utilização de contratos-tipo e cláusulas voltados à resolução de problemas práticos e imediatos, sem tanta preocupação dos operadores comerciais com as categorias dogmáticas obrigacionais (Fontaine & De Xx, 0000)0.
Em tal cenário, percebe-se que a propagação dos elementos típicos contratuais do sistema jurídico de common law, nos países de tradição europeia-continental4, vem ocorrendo sem uma imprescindível mediação resolutiva de eventuais inconciliabilidades, malgrado a distinta cultura jurídica instituidora do American-style contract5. A par disso, não seria exagero afirmar que uma cláusula contratual de natureza anglo-saxônica, com sua particular formulação, é geralmente discordante daquilo que seria indicativo e familiar na Itália e no Brasil, dada a ossatura histórica, cultural e jurídica que nos vale de alicerce.
Para se ter uma ideia, nos países de experiência jurídica de common law a ausência por muitos séculos de um direito de base legislativa ainda induz as partes à feitura de contrato absolutamente analítico, de modo a prever as várias possibilidades de patologia. Em relação a esse tipo de contrato o juiz de direito comum tende a adotar uma postura de não interferência, se abstendo de “reescrever” o contrato.
Diferentemente, no sistema jurídico de tradição romanística a existência de uma robusta disciplina contratual codificada encoraja as partes a serem sucintas, fazendo constar apenas os detalhes econômicos e qualquer aspecto particular no contrato, na convicção de que o restante do acerto será regulado ou integrado com base na lei ou mesmo corrigido pelo juiz
3 Segundo referidos autores, a elaboração dos contratos internacionais não se faz a partir de noções jurídicas pré- estabelecidas, mas sim por meio da utilização de soluções concretas e pragmáticas que visam a resolução do caso concreto. A este respeito, também consideram que o predomínio de instrumentos anglo-saxões tem conduzido a uma americanização da lex mercatoria que, não mais tido como um direito divorciado do direito estatal e próprio dos operadores do comércio internacional, segue prosperando como um direito contratual uniforme comandado pelo direito anglo-americano, pelas grandes firmas e pelos grandes escritórios de advogados ingleses e americanos.
4 Sobre a difusão na Europa do modelo de contrato anglo-saxônico, com relação a cada ordenamento, consulte Xxxxxxx-Xxxx (2011, 2007). Para uma panorâmica sobre os dois modelos: contratos de civil law e contratos de common law, consulte De Nova (2011).
5 O termo American-style contract nos remete à utilização de cláusulas típicas da praxe anglo-saxônica (merger clause, no oral modification clause, no waiver clause, severability clause etc.), como ainda ao estilo norte-americano, caracterizado pela busca da completude absoluta do texto e pelo formalismo literal na sua aplicação, refratário a qualquer heterointegração; em contraposição à redação mais sintética e própria da tradição europeia-continental que, ao invés, se apoia na possibilidade de integração por parte do juiz ou com base na lei e nos princípios cardinais, cfr. Shapiro (1998). Para uma comparação entre os dois diferentes estilos redacionais (norte-americano e europeu-continental), por vezes diametralmente opostos, seja como técnica, seja como concepção do contrato, vide Frignani e Torsello (2010).
civilístico, que sempre considerará o arcabouço normativo como fonte de disciplina concorrente em relação às cláusulas contratuais (De Nova, 2011).
Nesse quadrante, importa asserir que o modelo contratual anglo-saxônico tem por principal fundamento o Princípio da freedom of contract (liberdade ou autonomia contratual) por força do qual o contrato é resultado do acordo de vontade das partes, que são livres de concluí-lo e de determinar integralmente o seu conteúdo, sem a interferência do legislador, do juiz ou da autoridade administrativa, salvante nos casos de objetiva necessidade, onde caberia alguma intervenção em via direta com instrumento assistencial, sem a imposição de xxxx à generalidade dos contraentes (Xxxx & Xxxxxxx, 1997).
Tamanha é a diferença de tratamento da matéria contratual entre os dois sistemas jurídicos, que algumas cláusulas do modelo de contrato anglo-estadunidense chegam a causar perplexidade aos operadores e juristas de tradição civilística, como é o caso, por exemplo: da Entire agreement clause ou Merger clause (cláusula de entendimento integral), cuja função é proteger o texto contratual da manipulação interpretativa e de eventual heterointegração, tornando o contrato imune à incidência de outra fonte ou elemento anterior ou externo ao instrumento assinado pelas partes (Cordero-Moss, 2011)6; e da Sole remedy clause (cláusula do remédio exclusivo), que serve a assegurar que nenhuma outra tutela, além das previstas no contrato, será dada em caso de inadimplemento, impedindo ou limitando uma indenização a que a parte lesada teria direito (Cordero-Moss, 2011).
A ser assim, eventualmente instaurada uma controvérsia em sede de jurisdição nacional de tradição civilística, como o Brasil e a Itália, v.g., tais contratti alieni 7 e as suas cláusulas podem e devem ser submetidos à análise, seja em relação ao contraste com específicas normas imperativas, seja em relação ao confronto com as normas materiais do direito aplicável (as categorias e noções dogmáticas) que se voltam aos efeitos, ao invés de se voltarem à fattispecie – que ocasionalmente pode deixar escapar um contrato estrangeiro que não guarde coincidência com uma situação prevista.
Além disso, no sistema jurídico de tradição romana o significado lexical é funcional à reconstrução das intenções das partes, pois a atenção do interprete concentra-se sobre o dado
6 A Entire agreement clause reafirma a regra da Parol evidence rule, enunciada pelo UCC (Uniform commercial code) – uma lei modelo elaborada para o fim de harmonizar os regulamentos sobre vendas e outras operações comerciais nos Estado Unidos e que é observada por sociedades e empresas do mundo inteiro. A Parol evidence rule, segundo Xxxxxx (2011), é destinada a impedir que, com base em fontes externas, atribuam-se às cláusulas contratuais interpretações que não estejam no documento. Para Bix (2012), tal regra igualmente veda a admissão em juízo de qualquer outro meio de prova que tenha a finalidade de afastar os termos do contrato escrito. E, segundo Xxxxxx (1952), a Parol evidence rule prescreve que qualquer fonte precedente ou externa ao contrato não obriga as partes, pois é substituída pelo texto contratual.
7 O termo contratto alieno é utilizado por De Nova (2008) para identificar um contrato estrangeiro ou um contrato fundamentado em um direito diverso ao da tradição jurídica romanística.
literal, não enquanto tal, mas como critério prevalente para se chegar às intenções das partes, como, por exemplo, evidencia o art. 1362, do Codice Civile italiano (Itália, 1942)8, prescrevendo que a interpretação do contrato deve haver por escopo principal a investigação sobre quale sia stata la comune intenzione delle parti.
O ordenamento jurídico brasileiro, por seu turno, também não guarda afinidade com os objetivos da Entire agreement clause, porquanto contém dispositivo de lei prescrevendo que se atenderá, nas declarações de vontade, mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem, ex vi do art. 112 do Código Civil (Brasil, 2002)9.
A solo remedy clause, da mesma forma, encontra limitação no nosso ordenamento nacional em diversos dispositivos legais que expressamente proíbem a cláusula de não- indenizar e a cláusula limitativa de indenização. Logo, não são admissíveis, e.g., no contrato de adesão, a teor do art. 424, do Código Civil (Brasil, 2002): “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.
Além das restrições dispostas em lei, as cláusulas que vedam ou limitam o dever de indenizar podem ser objeto de correção em sede judicial quando colidentes com a ordem pública e transgressoras dos princípios e valores que regem o direito contratual, como a igualdade de posição das partes (equilíbrio contratual), dentre outros. Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2016), tampouco permite-se que tais cláusulas tenham o escopo de eximir o estipulante de dolo ou de culpa grave.
Na Itália, a proibição de pacto xxxxxxx e de abuso de posição dominante igualmente colidem com a solo remedy clause (De Nova, 2011).
Ademais, se a controvérsia de contrato transnacional tiver como sede de resolução a arbitragem internacional, de regra, a abordagem ali existente não só é tendencialmente a favor da interpretação literal das cláusulas, como ainda complacente com a visão de que o contrato transnacional, além de produzir efeitos, também regula a relação, disciplina a superveniência 10 e estabelece os próprios e exclusivos remédios, sem surpresas para as partes. Isso porque os contratantes propendem pela escolha de determinada jurisprudência arbitral e de determinada
8 “Art. 1362. Intenzione dei contraenti: Xxxx‟interpretare il contratto si deve indagare quale sia stata la comune intenzione delle parti e non limitarsi al senso letterale delle parole. Per determinare la comune intenzione delle parti, si deve valutare il loro comportamento complessivo anche posteriore alla conclusione del contrato.”
9 “Art. 112: Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.”
10 Em geral, a alocação dos riscos de uma realidade superveniente, no sistema jurídico de common law, não é feita em equilíbrio entre as partes do contrato, ou seja, os riscos recaem ao contratante que lhe é mais suscetível na dinâmica da relação que se estabelece no pacto. A respeito, cfr. Frignani (1979).
legislação estatal que sejam amigáveis à concepção contratual adotada, no caso de eventual precisão de suporte ao contrato onde ele não tenha sido suficiente 11.
Nesse tocante, convém frisar que a legislação escolhida pelos contratantes tende a ser a mais consonante possível com o modelo contratual por ambos eleito, sob pena de interpretação não pretendida e mesmo invalidação das próprias cláusulas, como não raro vem acontecendo, às vezes de forma inadvertida e às vezes de maneira proposital, da parte de um contratante que, em situação díspar na relação contratual, vislumbra em uma determinada lei estatal a possibilidade de obter uma interpretação mais équa das cláusulas contratuais standard anglo-estadunidenses que, ordinariamente, favorecem a parte contratante mais forte (Cremonesi, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, & Xxxxxxxx, 2011).
De maneira a render mais clara uma situação de disparidade negocial, convém advertir que um contratante estará em condição de superioridade na relação contratual quando ele tiver o poder de propor cláusulas em seu exclusivo benefício, de acordo com as informações que exclusivamente detém sobre o produto ou o serviço objeto do contrato, ou seja, que são desconhecidas por parte do outro contratante. Isso pode acontecer, por exemplo, com uma empresa produtora de software que, ciente da fragilidade de seu produto, é sabedora de ser capaz de resistir ao ataque de malware ou trojan somente nos primeiros seis meses de operação e mesmo assim propõe cláusula contratual para eximir-se da respectiva responsabilidade a partir do centésimo octogésimo primeiro dia do fornecimento do software. Também estará em posição de superioridade contratual uma grande empresa petrolífera que se propõe a contratar com um país devastado pela guerra ou economicamente desvalido, portanto, sem qualquer poder de negociação ou bargain, que cede à exploração abusiva dos próprios recursos naturais, firmando um contrato do tipo “pegar ou largar”.
Como apropriadamente faz notar De Nova (2011), a relevância das questões contratuais varia ao longo do tempo. Assim, a questão dos vícios do consentimento, do erro, da violência e do engano, que antes era uma questão de fundamental importância, atualmente parece ter pouca relevância. Em primeiro lugar, porque os contratos são cada vez mais estipulados por sujeitos que operam em nome e por conta de outrem, portanto, a questão do poder de quem age é central; e, em segundo lugar, porque prevaleceu a ideia de que lançar mão de um dos vício da vontade para se livrar de uma relação contratual significa seguir um
11 Em relação aos contratos transnacionais, observa-se que a praxe contratual, malgrado caracterizada de uma grande autonomia, sempre resta ancorada a um direito ou lei estatal para eventual amparo. Assim, quando a escolha da lei deve ser realizada, essa geralmente recai em uma que seja friendly. Por exemplo, os contratos financeiros sobre mercados internacionais de capitais de Londres e de Nova Iorque tendem a optar por leis de um país de regulamentação o mais liberal possível, consoante asserem Fontaine e De Ly (2008).
caminho muito mais difícil quando hoje a forma mais simples seria valer-se do jus poenitendi12 ou colocar em discussão a conformidade do contrato em relação a alguma regra obrigatória.
Diante disso, parece evidente que a experiência jurídica anglo-saxônica não valoriza a questão da natureza típica do contrato, tampouco a questão do seu conteúdo natural – argumentos que serão tratados em seguida – mas somente o acordo autônomo das partes. É clara, portanto, a ideia de que o acordo é o próprio contrato transnacional, não só como fonte de autonomia privada, mas como fonte de produção do direito. Ademais, é comum nessa concepção o risco de uma realidade superveniente recair à parte que lhe é vulnerável ao invés de ser distribuído em equilíbrio entre ambas.
Para o sistema jurídico da common law, portanto, o conteúdo do contrato é considerado completo, por ser exaustivo; e exclusivo, por não aceitar heterointegração ou interpretação dissonante daquilo que o próprio pacto disciplina. Características tais, diga-se de passagem, que não se harmonizam com a nossa tradição jurídica civilística e que causam embaraço à formulação de contratos providos de conteúdo équo.
3 OBRIGAÇÕES E TRADIÇÃO JURÍDICA ROMANÍSTICA
Do exposto até aqui e diante de tal panorama, a questão relativa ao “contrato justo/équo” representa uma preocupação sempre mais advertida. E mesmo que a justiça contratual careça de expressa colocação em alguma fonte positiva, afigura-se imperativo que opere como cânone guia: tanto preventivo, em todas as fases de desenvolvimento do contrato; quanto reparador, na resolução de controvérsia dele advinda em âmbito arbitral e judicial.
Assim, em sendo perceptível que o contrato transnacional – modelado e fundamentado na praxe negocial de matriz anglo-estadunidense – tem servido de potente instrumento de abuso e de sujeição, é mais que chegada a hora de o direito tornar a exercer a função de real mediador dos interesses em jogo. Diante de tal proposição, a solução a ser buscada deve ter por base as categorias conceituais e dogmáticas da tradição jurídica romanística, nas quais a noção de obrigação – que inexiste na experiência jurídica de common law – se conecta ao princípio de boa-fé como conteúdo inderrogável do contrato transfronteiriço.
12 Jus poenitendi ou direito de arrependimento consiste na faculdade concedida ao contratante de dissolver unilateralmente a obrigação assumida pela celebração de um contrato. Para uma análise aprofundada do instituto em época romana, consulte Gans (1858).
A tal fim, é necessária uma incursão nos albores do direito romano para compreender corretamente a categoria das obrigações. Assim sendo, como nos recorda Cardilli (2011), por volta do III séc. a.C., Roma era uma potência política e um centro comercial de sobressaído relevo na bacia do Mediterrâneo, com afluxo de tráfico comercial para além de suas fronteiras e, consequentemente, de relações negociais entre seus cidadãos e estrangeiros (peregrini) de diferentes origens, práticas, crenças e idiomas. De tal realidade, sobreveio uma praxe negocial guiada pelo compartilhar de usos comerciais da época, em diferentes modalidades, já que os fenícios mercadejavam fazendo uso de algumas práticas, como o scambio à distância, e os gregos negociavam dando prevalência aos documentos escritos, por exemplo13.
A amplidão comercial entre privados, na vasta área do Mediterrâneo, resultou em problemas relativos tanto à qualificação jurídica das negociações – dada a multiplicidade e dessemelhança entre os povos (gentes) – quanto ao arranjo estrutural de tutela de cada uma das gentes. Fato esse que mereceu uma jurisdição específica para a resolução dos respectivos conflitos, a denominada iurisdictio peregrina (Cardilli, 2011)14.
À época, já existia em Roma o pretor urbano (praetor urbanus), magistrado romano dotado de autoridade (imperium) e jurisdição (iurisdictio), que emanava um édito15 (edictum) anual estabelecendo e tornando público o programa que realizaria no exercício da função jurisdicional, nas situações em que o direito dos cidadãos romanos (ius civile) não se mostrava suficiente ou adequado a ser aplicado. Esse pretor, antes de 242 a.C., iniciou a exercitar a própria jurisdição entre romanos e estrangeiros (Cardilli, 2011), por meio de esquemas processuais novos e diferentes daqueles per leges actiones16, até ser aliviado desse encargo adjuntivo quando instituído o pretor peregrino (praetor peregrinus), uma magistratura análoga à primeira, porém endereçada aos conflitos entre romanos e estrangeiros (peregrini) e entre esses últimos, aos quais o ius civile não tinha aplicabilidade (Sanfilippo, 1964). Assim, era múnus desse segundo praetor assegurar, além daquilo que era previsto mediante tratados com outros Estados (ius fetiale), uma tutela adequada àquela nova situação derivada do referido comércio transnacional (Gallo, 2003).
13 Cfr. Levrero (2012).
14 Em particular sobre a iurisdictio peregrina, vide Xxxxxx (1954).
15 O édito pretório, por volta do III séc. a.C, era um programa elaborado por cada pretor e que vigorava durante o respectivo ano de exercício na magistratura. No édito eram especificados em quais casos e em quais modos o pretor deveria organizar os processos fundados exclusivamente sob seu império. Veja, a respeito, Talamanca (2013).
16 As Legis actiones eram as formas processuais do direito privado aplicadas exclusivamente aos cidadãos romanos durante a era arcaica. Sobre essas formas processuais, consulte Talamanca (1990).
De tais éditos emanados pelo praetor peregrinus, com base em princípios que não eram próprios de cada direito nacional, mas comuns a todos os povos, começou a surgir um direito especial que, a princípio empregado entre romanos e peregrini, começou a ter aplicação também no campo das relações entre os cidadãos romanos pela grande vantagem que representava por ser isento de formas solenes. De fato, esse direito foi visto como um ordenamento dúctil e aderente à agilidade requerida pelos negócios em voga naquela época (Sanfilippo, 1964) e que recebeu a denominação de ius gentium, direito das gentes17. Acredita-se que o ius gentium também tenha auxiliado na composição do ius civile e também usado como uma extensão do ius fetiale, uma vez que regulava as relações entre privados de diferentes cidadanias (Gallo, 2003).
Tocantemente à noção desse peculiar direito romano, é interessante trazer à baila a definição elaborada por XXXX (Gai Institutiones-commentarius primus), consoante o qual:
Gai. Inst. 1.1 Omnes populi qui legibus et moribus reguntur, partim suo proprio, partim communi omnium hominum iure utuntur; nam quod quisque populus ipse sibi ius constituit, id ipsius proprium est vocaturque ius civile, quasi ius proprium civitatis; quod vero naturalis ratio inter omnes homines constituit, id apud omnes populos peraeque custoditur vocaturque ius gentium, quasi quo iure omnes gentes utuntur. Populus itaque Romanus partim suo proprio, partim communi omnium hominum iure utitur. Quae singula qualia sint, suis locis proponemus. (Nardi, 1986, p. 2).
Eis a enunciação de Gaio (Gaio Istituzioni-primo commentario) sobre o ius gentium,
traduzida em italiano por Xxxxx (1986, p. 2):
Gai. Inst. 1.1 Tutti i popoli retti da leggi e costumi, impiegano, in parte un diritto loro proprio, in parte un diritto comune a tutti gli uomini: invero quel diritto che ogni popolo stabilisce per sé è suo proprio e si chiama diritto civile, come a dire diritto proprio di quei cittadini [ius civile = ius civitatis]; mentre quello che un naturale impulso ha stabilito fra tutti gli uomini è osservato ugualmente da tutti i popoli e si chiama diritto delle genti, come a significare che di quel diritto tutte le genti si servono. Pertanto il popolo romano impiega, in parte un diritto proprio, in parte un diritto comune a tutti gli uomini. Quali rispettivamente siano, esporremo a suo luogo.
17 Sobre o ius gentium, veja Mommsen (2015). A expressão ius gentium, ao que tudo indica, surgiu na segunda metade da época republicana, notadamente entre os séculos III e II a.C., primeiramente em Cícero, para descrever a suposta legitimidade de alguns procedimentos prescritos por Xxxxx como tendo sido realizados more, legge, iure gentium, compreendendo, portanto, todas as fontes de direito romano da época (Fiori, 2016). Grosso (1965), por sua vez, reputava que o ius gentium, conceitualmente, era um direito comum de todos os povos, portanto, dotado de uma característica de universalidade. No seu entender, um conceito positivo traduzido no complexo jurídico histórico que tinha aplicação nas relações entre romanos e estrangeiros (peregrini) em uma era de grande evolução da economia mercantil resultante do comércio internacional.
Da fonte enunciada é possível compreender que o ius gentium, segundo o jurisconsulto Gaio, era um direito considerado desde o início comum a todos os homens, portanto, em plena consonância com a universalidade perseguida pelo Direito romano. E como consequência dessa comunhão de práticas comerciais entre todos os povos ao redor do Mediterrâneo, surgiram vários institutos e usos comuns que, reduzidos em conteúdos mais simples e desvestidos daqueles elementos específicos de cada uma das gentes, tornaram-se um verdadeiro direito supranacional18. Ainda é possível extrair, dos ensinamentos de Xxxx, que os institutos do ius gentium não foram introduzidos em Roma mediante leis (legibus), mas mediante costumes (moribus), vindo à formação por meio do comportamento dos interessados (Gallo, 2003), porém devidamente guiados pela atividade criativa dos juristas (iuris prudentes).
Frise-se que o rígido formalismo do ordenamento jurídico dos cidadãos romanos (ius civile) não era adequado e aplicável aos comerciantes estrangeiros em suas interações comerciais com os romanos, fato esse que derivou a exigência de uma nova formulação substancial e processual que fosse hábil a regular essas novas relações. Nessa direção, foi destinada uma atenção maior ao requisito da vontade das partes contraentes e, ao mesmo tempo, colocados em funcionamento arranjos negociais de menor formalismo do que a enunciação de fórmulas precisas e solenes representadas pela sponsio19, que era destinada unicamente aos cidadãos romanos (cives romani).
Destarte, para o tratamento jurídico adequado da praxe negocial advinda da expansão comercial de Roma, recorreu-se a uma nova forma de verba, ou seja, à forma verbal da stipulatio20, que pode ser tida como a adaptação da sponsio a um modelo aberto a todos os povos, portanto universal, segundo explicado por Xxxxxxxx (2011) e por Xxxxxxx (2006).
18 Cfr. Bonfante (1957). Xxxxxxxxxxx (1913) defende que o ius gentium era considerado um elemento internacional e anacional do direito romano, ou seja, um direito mundial que resultava essencialmente das relações internacionais, notadamente na seara comercial. Segundo esse autor, embora se tratasse de um direito consuetudinário, tinha sido reconhecido pelos juristas e pela prática em tribunal, tendo inclusive sido referido nos éditos dos magistrados. Acrescenta ainda que o ius gentium, que surgiu inicialmente da necessidade de um tráfico transnacional ricamente desenvolvido, era um direito para estrangeiros aperfeiçoado pelos romanos, que aos poucos se tornou um direito anacional e comum a todas as pessoas, de cidadania romana ou não.
19 A sponsio (sponsione) consistia em um juramento religioso promissório, cuja função era aquela da eterogaranzia, já que a ela se recorria para efeito de assumir responsabilidade por um fato objetivo, ou pela prestação que um terceiro deveria efetuar. A pronúncia do verbo spondere era reservada aos cidadãos romanos, não extensível aos estrangeiros (Lovato, Xxxxxxxx, & Solidoro Maruotti, 2017).
20 Em virtude da expansão do comércio no Mediterrâneo tornou-se necessário estender o juramento promissório também em relação às transações negociais com e entre estrangeiros, porém não podia ser tão solene como a sponsio. Deste modo, essa promessa juridicamente vinculante era feita mediante o recurso de palavras diversas do spondere ou dos vocábulos gregos, que foi denominada stipulatio iuris gentium, enquanto contrato verbal aberto também aos estrangeiros (peregrini). Nesse tocante, veja Xxxxxx et al. (2017).
A tutela ao novo tipo de negócio, concedida em sede de iurisdictio peregrina, dava-se por meio de fórmulas in factum conceptae, nas quais as circunstâncias de fato eram postas como fundamento exclusivo da condenação e não sob o fundamento de um direito subjetivo do autor, como ocorria nas fórmulas civis (in ius conceptae).
As fórmulas in factum conceptae eram previstas individualmente para determinados casos ou veiculadas em édito, com cláusulas próprias, seguidas de fórmulas típicas e que, utilizadas repetidamente, de pretor a pretor, acabavam adquirindo estabilidade. A exemplo, cite-se a tutela do depósito, quando uma parte faz o depósito e a outra não o restitui. Nesse caso, não se pode afirmar que o depósito tenha derivado um oportere21, vez que a obrigação jurídica advinha somente do ius civile, e nele o depósito não era reconhecido. Porém, a fórmula in factum conceptae do magistrado produzia a mesma consequência, como se no depósito existisse um oportere. E como tal tutela tinha sido aplicada de forma reiterada, teve a si reconhecida uma obrigação jurídica, deixando de ser uma fórmula in factum conceptae para se tornar uma nova fórmula, dessa vez, em ius concepta, precisamente um julgamento de boa- fé (un bonae fidei iudicium), segundo Xxxxxxx-Xxxx (2012).
A confirmar o uso da stipulatio, dada a impossibilidade de se estender a sponsio aos peregrini, tampouco ser viável o recebimento no ordenamento romano das formas documentais escritas do síngrafo (documento helenístico), Xxxxxxxxx (1991)22 sustenta a viabilidade, independentemente da forma utilizada, de se valer da boa-fé (fides bona) como momento regulador do tráfego comercial, de modo a tutelar a palavra dada, o que, no seu entender, já configurava as obligationes consenso contractae.
Ainda a respeito, Xxxxxxx (jurista romano da era severiana), no III séc. d.C., fazendo uma leitura em retrospectiva, qualificou como conventiones iuris gentium a imensa gama de negócios evolvendo o tráfego comercial no Mediterrâneo, vislumbrando no novo e correspondente esquema jurídico a convenção (conventio) como o elemento vinculativo das partes em termos de oportere ex fide bona. Vejamos:
D. 2.14.1.3 (Ulpianus lib. 4 ad Edictum) Conventionis verbum generale est, ad omnia pertinens, de quibus negotii contrahendi transigendique causa consentiunt qui inter se agunt: nam sicuti „convenire‟ dicuntur, qui ex diversis locis in unum [locum] colliguntur et veniunt, ita et qui ex diversi locis animi motibus in unum consentiunt, id est, in unam sententiam decurrunt. + Adeo
21 Oportere é o arquétipo civilístico das obrigações (Cardilli, 2016).
22 Em relação ao tema tem-se que, precedentemente à intervenção do pretor peregrino e da atividade do jurisconsulto, tal comércio com estrangeiros, que não se submetia ao ius civile, somente podia ser realizado ou se desenvolver com base exclusivamente na boa fé e na palavra das partes. Logo, a fides foi elemento que serviu de amparo e estímulo para o desenvolvimento daquilo que se tornou o ius gentium, cfr. Robleda (1979).
autem conventionis nomen generale est, ut eleganter dicat Xxxxxx, nullum esse contractum, nullam obligationem (6) (b), quae non habeat in se conventionem: sive re, sive verbis fiat: nam et stipulatio quae verbis fit, nisi (7) (c) habeat consensum, nulla est. (Vignali, 1856, v. 1, p. 357).
Eis a fonte traduzida em italiano, D. 2.14.1.3 (Ulpiano libro 4 sull’Editto):
La parola „convenzione‟ è generale, appartenendo a tutte le cose sulle quali consentono per contrarre ed ultimare un negozio coloro i quali tra loro contrattano. Poiché siccome si dice „convenire‟ di coloro che da diversi luoghi in un medesimo luogo si adunano, e vengono, così ancora si dice di quelli, che da diversi sensi dell‟animo consentano in un solo, cioè devengono ad un solo sentimento. Tanto poi è generale il nome di convenzione, che Xxxxx dice giudiziosamente, non esservi contratto, non obbligazione, la quale in se non contenga la convenzione, o che si faccia realmente, o con parole. Perché anche la stipulazione che si fa con parole è nulla, se non abbia il consenso. (Vignali, 1856, v. 1, p. 357).
Para o referido jurista romano, essas convenções de direito privado do ius gentium às vezes produziam ações, às vezes produziam exceções. Aquelas que resultavam ações deixavam de receber o nome de conventio, para adquirirem o nome de contrato típico (transeunte in proprium nomen contractus), passando, assim, da categoria geral de conventio à denominação específica de emptio venditio, locatio conductio, societas e mandatum (commodatum), depositum e outros símiles contratos, que, inclusive, encontravam reconhecimento em uma fórmula edital, de modo a haver uma correspondência entre o nomem contractus e a fórmula do édito, como é possível verificar em Cardilli (2011) e em Gallo (1995).
É também importante aludir que, enquanto o arquétipo das obrigações elaborado por Xxxxxxx incide na conventio, outro arquétipo de obrigação anteriormente formulado por Xxxxxxx (jurista romano da era augusteia) recai na corrispettività (D. 50.16.19)23. A Labeone vem atribuída a primeira enucleação da categoria contratual, pois, ao contrastar o contractum com o actum, individuou como característica do primeiro o sinalagma ou a bilateralidade das obrigações que nasciam de maneira recíproca da vontade das partes (Xxxxxxxx, 2018). Essa construção foi nominada pelo jurista augusteo como contractus est ultro citroque obligatio,
23 “D. 50.16.19 (Xxxxxxxx, lib. 11 ad Edictum) Labeo libro primo Praetoris Xxxxxx definit, quod quaedam (3) agantur, quaedam „gerantur‟, quaedam contrahantur: + Et Actum quidem generale verbum esse, sive verbis, sive re quid agatur: ut in stipulatione, vel numeratione. + Contractum (4) autem ultro (5) citroque obligationem (6), quod Graeci συνάλλαγμα (1) (a) vocant: veluti emptionem venditionem, locationem conductionem, societatem. + Gestum rem significare sine verbis factam.” (Xxxxxxx, 1859, v. 6, p. 1088-1089). Tradução da fonte em italiano: “D. 50.16.19 (Ulpiano, libro 11 sull’Editto) Xxxxxxx nel primo libro del Pretore Urbano dichiara, che talune cose si fanno, altre si trattano, ed altre si contraggono; e dice che la parola
„actum‟ è una espressione generale o che realmente, ovvero verbalmente una cosa si faccia come nella stipulazione o nella numerazione. È poi „contratto‟ una obbligazione risultante dall‟una e dall‟altra parte, che i Greci chiamano „sinallagma‟ come una compravendita una locazione, conduzione, una società. „Avvenuto‟ poi accenna ad una cosa fatta senza parole.” (Xxxxxxx, 1859, v. 6, p. 1088-1089).
que nada mais é senão o encontro de vontades das partes dirigido às obrigações recíprocas ou, em outras palavras, o ato bilateral ou plurilateral produtor de obrigações recíprocas, a teor do que nos explica Xxxxx (1995). Perspectiva essa, portanto, diversa da concepção adotada por Xxxxxxx, que considerava a conventio o requisito necessário e indispensável para a existência de um contrato (Xxxxxxxx, 2018)24.
Diga-se, ainda, que o trabalho conceitual de Xxxxxxx concluiu a antecedente linha de desenvolvimento iniciada por Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx (jurista da era republicana), como é possível notar no D. 46.3.8025. A esse jurista foi atribuída a individuação das categorias obligationes re contrahere (negócio contraído mediante a entrega da coisa), obligationes verbis contrahere (negócio aperfeiçoado mediante a palavra) e obligationes litteris contrahere (negócio fundado na escrita ou na letra), fazendo a conexão entre o verbo contrahere e a produção de obrigações.
Xxxxxx Xxxxx, no entanto, raciocinava em termos de singulares figuras, cum emptio, vel venditio, vel locatio contrahitur, pois ainda não existia a obrigação fundada no consenso, até que em um segundo momento, que remonta a Xxxxxxx Xxxxxx, restou integrada, às três categorias anteriormente citadas, uma quarta categoria denominada obligationes consensu contractae26. Dito isso, é possível concluir que o discurso muciano teve o escopo de fundar, segundo Xxxxx (2007), um primeiro núcleo de pensamento ontológico que permitiu a evolução da forma verbal contrahere – então concebida sob a lógica arcaica do ius civile – em instituto unitário traduzido no substantivo contractus.
De volta à concepção de Ulpiano, a conventio – mesmo quando não se transformava em contrato típico – mantinha um âmbito residual, segundo ele, identificado nos chamados contratos inominados, a exemplo do que já havia previsto Xxxxxxxx (jurista romano da era traiana) que considerava ser hábil a produzir obrigação um acordo fundado no synallagma, mesmo na hipótese de não ser um típico contrato, desde que existisse uma causa, assim
24 Segundo Xxxxxxxx, o posicionamento de Ulpiano sobre a conventio, como requisito primordial do contrato, adveio da concepção formulada por Sesto Pedio, no final do I séc. d.C.
25 “D. 46.3.80 (Pomponius lib. 4 ad Quintum Mucium) Prout (8) (b) quidque contractum est, ita et solvi debet (9): Ut, cum re
(10) contraxerimus, re (11) solvi debet: veluti cum mutuum dedimus, ut retro pecuniae tantundem solvi debeat. + Et cum verbis aliquid contraximus, vel re vel verbis obligatio solvi debeat: verbis, veluti cum acceptum promissori fit: re, veluti cum solvit, quod promisit. + Aeque cum emptio vel venditio, vel locatio (13) (c) contracta est: quoniam consensu nudo contrahi potest, etiam dissensu (1) (a) contrario dissolvi potest”. (Xxxxxxx, 1859, v. 6, p. 339-340). Tradução em italiano da fonte: “D.
46.3.80 (Xxxxxxxx nel libro 4 a Xxxxxx Xxxxx) Una cosa, come fu contratta, così devesi ancora di sciogliere; così che avendo contratto realmente, devesi realmente sciogliere; come quando abbiamo dato a mutuo, devesi poscia restituirsi altrettanto denaro. E quando facemmo un contratto verbale, deve sciogliersi o verbalmente o realmente; verbalmente, come quando facciamo quietanza al promittente; realmente come quando dà quel che promise. Del pari, quando una compra-vendita o una locazione fu contratta, perché la si può contrarre col nudo consenso, può essere disciolta anche col dissenso contrario.” (Xxxxxxx, 1859, v. 6, p. 339-340).
26 Cfr. Gallo (1992, 1995).
entendida como uma prestação espontaneamente cumprida por uma das duas partes do acordo (datio). Tal doutrina de Xxxxxxxx, ressaltada por Xxxxxxx, inaugurou a possibilidade de se dar tutela às conventiones atípicas, a teor do que nos ensina Xxxxxxxx (2011) e Xxxxx (1995).
A retroexplicada construção de Ulpiano sobre conventiones iuris gentium é alusiva ao fragmento extraído do título: De pactis do Digesto di Giustiniano, do livro 4 ad edictum de Ulpiano, nestes termos:
D. 2.14.7 (Ulpianus lib. 4 ad Edictum): Juris gentium conventiones (2) quaedam actiones pariunt, quaedam exceptiones.
§. 1. Quae pariunt actiones, in suo (3) nomine non stant, sed transeunte (4) in proprium nomen contractus: ut emptio, venditio, locatio, conductio, societas, commodatum, depositum et caeteri similes contractus.
§. 2. Sed et si in alium (5) contractum res non transeat, subsit tamen causa (6): eleganter Xxxxxx Xxxxx respondit esse obligationem (1): utputa, dedi tibi rem „ut mihi aliam dares‟, dedi „ut aliquid facias‟: hoc συνάλλαγμα, id est, „contractum‟ esse, et hinc nasci civilem obligationem. Et ideo puto, recte Julianum a Xxxxxxxxxx reprehensum in hoc: Dedi tibi Stichum, „ut Pamphilum manumitas‟, manumisisti: evictus est Stichus. Xxxxxxxx (2) (a) [scribit] in (3) factum actionem a Praetore dandam: ille ait civilem incerti (4) actionem, id est, praescriptis verbis sufficere (5): esse enim contractum, quod Xxxxxx (6) συνάλλαγμα dicit, unde haec nascitur actio. (Vignali, 1856, v. 1, p. 362-363).27
Outrossim, os nova negotia ius gentium producentes de obrigação eram dotados de características comuns, quais sejam: podiam ser aperfeiçoados ou desfeitos mediante o simples consenso (nudus consensus), o que significa a desnecessidade de qualquer forma particular para que fossem contraídos, bastando o consenso desacompanhado de outro tipo de exigência; eram dotados de efeito obrigatório; eram acionáveis ex fide bona, a permitir que o julgador levasse em consideração uma série de circunstâncias, mesmo se não contempladas nas cláusulas do iudicium; tinham natureza de ato de ius gentium; podiam ser pactuados validamente mesmo entre ausentes; eram obrigações consensu contractae bilaterais, aqui entendida como ultro citroque obligatio (Lovato et al., 2017).
Das características enumeradas, é possível constatar o expressivo distanciamento desses novos esquemas negociais do antigo formalismo. Nesse particular, depois de ter
27 Eis a enunciação de Xxxxxxx traduzida em italiano: “D. 2. 14. 7 (Ulpiano nel libro 4 sull’Editto) Le convenzioni di diritto delle genti altre producono le azioni, altre producono le eccezioni. §. 1. Quelle che producono le azioni non perdurano nel loro nome (generale), ma passano nel nome particolare del contratto, come la compra, la vendita, la conduzione, la locazione, la società, il commodato, il deposito, ed altri simili contratti. §. 2. Ma anche se in altro contratto non passi la cosa, e vi sia però una causa: giudiziosamente Xxxxxxxx rispose a Celso, esservi obbligazione: come per esempio ti diedi una cosa,
„affinché tu altra ne dessi a me, te la diedi affinché tu faccia qualche cosa‟, ciò essere una permutazione, cioè un contratto, e da qui nascere la obbligazione civile. E perciò credo che a ragione Xxxxxxxx fu ripreso in ciò da Xxxxxxxxxx; diedi a te „Stico, perché tu manomettessi Xxxxxxx‟, lo manomettesti: Stico fu evitto: Xxxxxxxx scrive, dal Pretore doversi dare l‟azione „in factum‟. Quegli dice, bastare l‟azione civile „incerti‟, cioè „praescriptis verbis‟: perché (sostiene) essere contratto quello, che Xxxxxxxx dice essere una permutazione, donde nasce quest‟azione.” (Vignali, 1856, v. 1, p. 362-363).
elencado os quatro contratos consensuais, Gaio (Gai Institutiones - commentarius xxxxxxx) afirmou o seguinte:
Gai. Inst. 3.136 Ideo autem istis modis consensu dicimus obligationes contrahi, quia neque verborum, neque scripturae ulla proprietas desideratur, sed sufficit eos qui negotium gerunt consensisse: Unde inter absentes quoque talia negotia contrahuntur, veluti per epistulam, aut per internuntium; cum alioquin verborum obligatio inter absentes fieri non possit. (Nardi, 1986, p. 94).
Tradução em italiano da passagem acima transcrita de Gaio (Gaio Istituzioni - terzo commentario), nestes termos:
Gai. Inst. 3.136 Diciamo che in questi casi le obbligazioni si contraggono mediante consenso, in quanto non si richiedono speciali parole o scritti, ma è sufficiente che coloro che compiono il negozio abbiano consentito. Cosicché tali negozi si contraggono anche fra assenti, ad esempio per lettera o messaggero; mentre viceversa un‟obbligazione verbale fra assenti non può aversi. (Nardi, 1986, p. 94).
Percebe-se que Xxxx, em relação aos contratos consensuais, foi claro ao considerar suficiente para contrair-se uma obrigação o simples consenso, pois desnecessária qualquer formalidade, especial palavra ou escrito, podendo tais negócios serem contraídos mesmo entre ausentes, por meio de carta ou mensageiro, enquanto uma obrigação verbal não poderia ocorrer entre ausentes.
Ainda mais importantes, para os nova negotia, são os princípios da equidade e boa-fé, tendo Gaio (Gai Institutiones - commentarius tertius) precisado que:
Gai. Inst. 3.137 Item in his contractibus alter alteri obligatur de eo, quod alterum alteri ex bono et aequo praestare oportet; cum alioquin in verborum obligationibus alius stipuletur, alius promittat, et in nominibus alius expensum ferendo obliget, alius obligetur. (Nardi, 1986, p. 94).
Tradução em italiano do excerto Gaiano:
Gai. Inst. 3.137 In questi contratti ciascuno si obbliga verso l‟altro per quello che ciascuno deve prestare all‟altro secondo onestà ed equità; mentre viceversa nelle obbligazioni verbali uno stipula e l‟altro promette, e nei titoli un obbliga portando in conto come versato e l‟altro viene obbligato. (Nardi, 1986, p. 94).
Frise-se, a disciplina das relações comerciais de base consuetudinária, entre romanos e as populações estrangeiras, isto é, entre pessoas de religiões, cidadanias, culturas e línguas diversas, teve por importante fundamento a confiança recíproca entre as partes, porquanto os
acordos entre elas estabelecidos eram ancorados no princípio de lealtà e correttezza28. Logo, a praxe comercial da época – merecendo a intervenção pretória, sob o impulso dos juristas romanos – recebeu um parâmetro objetivo, abstrato, extraído da experiência romana aplicável aos estrangeiros que solicitassem tutela em sede de iurisdictio peregrina. Segundo Xxxxx (2011, p. 107), tal parâmetro abstrato é uma “fides fittizia, convenzionale, svincolata dalla realità concreta delle parti del rapporto, delle quali non si verifica – non può verificarsi – lo status, l‟affidabilità. Si richiama piuttosto un paradigma comportamentale espresso dalla figura del bonus vir. Nasce così una peculiare forma di fides, la bona fides”29.
4 MODELO JURÍDICO ROMANO CAPAZ DE RECUPERAR ‘ESPAÇO DE CONTEÚDO ÉQUO’ DENTRO DO CONTRATO TRANSNACIONAL DO COMÉRCIO
Ainda sobre a construção da forma jurídica dos negócios derivados do grande tráfico comercial no Mediterrâneo, Cardilli (2011) sustenta merecer maior ênfase a escolha feita, dentre as várias possíveis, de dar forma jurídica a essa realidade complexa e variada de comércio, sem, contudo, utilizar a Koiné helenística que adotava o documento escrito nas pactuações; tampouco expandindo o modelo romano do compromisso solene verbis que significasse alguma estrutura de interesses perseguida, mas, construindo sobre tais contratações praticadas uma relevância jurídica em termos de conventio causalmente típica, na qual a estrutura do vínculo vinha tutelada em termos de recíproco quidquid dare facere oportet ex fide bona. De fato, a opção romana de valorizar o princípio consensualista, concretizado na tipicidade causal, pareceu perfeitamente adequado às negociações comerciais entre pessoas de várias cidadanias, de diferentes idiomas, de diversas religiões e que nem sequer compartilhavam os mesmos valores e costumes.
Também a propósito da bona fides, interessa aludir uma passagem existente no de officiis de Xxxxxx (Xxxxxxxx, 1974, pp. 796, 798), senão vejamos:
Cic. de off. 3.17.70 Nam quanti verba illa “uti ne propter te fidemve tuam captus fraudatusve sim!” quam illa aurea “ut inter bonos bene agier oportet et sine fraudatione!” Sed, qui sint boni et quid sit bene agi magna quaestio est. Q. quidem Xxxxxxxx, pontifex maximus, summam vim esse dicebat in omnibus iis arbitriis, in quibus adderetur “ex fide bona”, fideique bonae nomen existimabat
28 A esse respeito, vide Frezza (1949), Xx Xxxxxxx (1979), Xxxxxxxxx (1989), e Xxxxxx e Xxxxxxxx (2004).
29 Cfr. Lombardi (1961).
manare latissime, idque versari in tutelis, societatibus, fiduciis, mandatis, rebus emptis, venditis, conductis, locatis, quibus vitae societas contineretur; in iis magni esse iudicis statuere, praesertim cum in plerisque essent iudicia contraria, quid quemque cuique praestare oporteret.
A respectiva tradução em italiano, nos seguintes termos:
Cic. de off. 3.17.70 Quanto peso quelle parole: “A patto che io non sia preso e defraudato per colpa tua e della fiducia posta in te”! Come auree quelle altre: “Si deve agire bene e senza frode come tra onesti”! Ma la grossa questione è intendersi su che siano gli “onesti” e l‟“agir bene”. Il pontefice massimo Q. Xxxxxxx diceva che grandissima importanza hanno tutti gli arbitrati cui aggiunga la clausola “in buona coscienza”, e pensava che il concetto della buona coscienza aveva una immensa estensione, riguardando le tutele, le associazioni, i depositi fiduciari, le procure, le compre-vendite, gli appalti, le locazioni, nel che consiste appunto la vita sociale; in questi rapporti un vero giudice deve stabilire di che cosa ciascuno sia responsabile verso ciascuno, specialmente in quanto nella maggior parte dei casi si presentano le controquerele. (Xxxxxxxx, 1974, pp. 797, 799).
Da fonte romana acima transcrita, é possível observar a existência de uma correlação duradoura, contínua entre ius civile e ius gentium, quanto à ligação fides – bona fides, pois enumera relações, todas elas influenciadas pela fidei bonae nomem, pertencentes tanto ao ius gentium quanto ao ius civile. Relações negociais essas nas quais estaria contida a societas vitae, que pode ser entendida como a voluntária comunhão de vida por parte de pessoas, sejam elas da mesma civitas ou não, considerada, portanto, uma decorrência natural do viver (Cardilli, 2011).
Uma outra passagem no de officiis de Xxxxxx (Xxxxxxxx, 1974, p. 796) suscita interesse em relação ao tema:
Cic. de off. 3, 17, 69 Hoc quamquam video propter depravationem consuetudinis neque more turpe haberi neque aut lege sanciri aut iure civili, tamen naturae lege sanctum est. Societas est enim - quod, etsi saepe dictum est, dicendum est tamen saepius - latissime quidem quae pateat, omnium inter omnes, interior eorum, qui eiusdem gentis sint, proprior eorum, qui eiusdem civitatis. Itaque maiores aliud ius gentium, aliud ius civile esse voluerunt; quod civile, non idem continuo gentium, quod autem gentium, idem civile esse debet. Sed nos veri iuris germanaeque iustitiae solidam et expressam effigiem nullam tenemus, umbra et imaginibus utimur; eas ipsas utinam sequeremur! Feruntur enim ex optimis naturae et veritatis exemplis. 30
30 “Cic. de off. 3.17.69 Ben vedo che una xxxx xxx xxxxxx xxx x xxxxxxxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxx xx x colpita dalla leggi o xxx xxxxxxx xxxxxx, xxx xx xxxxxxxxxx xxx xxxxxxx, xxxxxx x vietato dalla legge naturale. La società più estesa (cosa che abbiamo detto spesso e che più spesso ancora dovremo ripetere) è quella di tutti fra tutti, più ristretta quella degli appartenenti alla stessa nazione, e più limitata ancora quella degli appartenenti alla stessa città. Per questo i nostri vecchi vollero distinguere fra diritto delle genti e diritto civile; e quello civile non deve identificarsi senz‟altro con quello internazionale, ma quello internazionale deve essere insieme civile. Ma noi non abbiamo alcuna immagine concretamente xxxxxxxx xxx xxxx x xxxxx xxx xxxxxxx xxxxxxx, xx xxxxxxxxx, xx ne abbiamo soltanto l‟ombra ed il contorno; e dio volesse che almeno seguissimo questo! ché si ricavano dai migliori esempi offertici dalla natura e dalla verità.” (Xxxxxxxx, 1974, p. 797).
Em relação a esse específico brano de Xxxxxx, constata-se que a relação instaurada pelos antigos (maiores) entre ius gentium e o ius civile pode ser clarificada por meio de três tipos de societas: uma omnium inter omnes; uma segunda menos ampla pertencente a uma mesma gens; e uma terceira pertencente a cada civitas. E é justamente em relação à societas omnium inter omnes que se conecta a vivência de pessoas em sociedade (societas vitae), que tem por substrato o princípio de lealtà e correttezza (bona fides). Para Xxxxxxxx (2011), os juristas romanos fizeram uma escolha de política do direito considerada universal e em torno da qual foi expandindo o próprio conceito romano da fides.
A par disso, a criação do esquema jurídico do oportere ex fide bona serviu a reconhecer ao arquétipo civilístico da obrigação o atributo de adaptar-se às relações entre homens de diferentes cidadanias. Deste modo, a vinculação jurídica entre essas pessoas era estabelecida com base no acordo, cujos efeitos eram determinados por um oportere ex fide bona. O que significa dizer que as partes deveriam manter um comportamento leal e correto em suas relações obrigacionais recíprocas, nascidas do acordo, cujo respectivo conteúdo, todavia, não seria integralmente circunscrito à vontade dos contratantes, pois uma parte dele seria ínsito e inderrogável (Cardilli, 2011).
Advirta-se, porém, que não é uma tarefa fácil para o direito determinar um equilíbrio exemplar entre a autonomia privada dos contratantes e o vigor que deve revestir a tipicidade dos contratos, também reconhecida como conteúdo valorativo dos pactos.
Para a devida compreensão, a tipicidade do contrato pode ser entendida como uma estrutura de valor em contínua construção e aperfeiçoamento por parte da autonomia negocial e da interpretação do jurista. E a autonomia privada31, de sua parte, pode ser sinteticamente compreendida como o poder dos privados de regular os próprios interesses, nos limites previstos pelo ordenamento (Oppo, 1991), cujo exercício requer, além da formação de uma vontade, a manifestação exterior dessa vontade por meio de uma declaração ou de um comportamento concludente, exigindo, por vezes, ao interprete a função de individuar os controles aos quais tais poderes devem ser submetidos (Xxxxx, 1995).
Sobre a dificuldade do direito em estabelecer um equilíbrio ideal entre a tipicidade dos contratos e a autonomia privada dos contratantes, no direito romano essa questão variou com o amadurecimento do ius civile. Tanto é que na fase clássica, nas palavras de Xxxxx (1947, v. 1,
31 O negócio jurídico caracteriza-se pela peculiar função desenvolvida pela vontade, que não se limita a uma mera voluntariedade do comportamento, mas se estende à voluntariedade dos efeitos que do comportamento derivam. Sobre o ponto, veja Trimarchi (1940) e Xxxxxxxxxxxx (1969).
p. 112), “i negozi giuridici sono rigorosamente tipici”. No direito romano clássico, portanto, a rigidez contratual era estabelecida pela forma solene ou pela causa e, às vezes, por ambas. A autonomia privada nesse contexto de esquemas negociais fixos não possuía liberdade para alterar os modelos convencionais, pois o negócio jurídico clássico estava enclausurado na categoria preestabelecida para a fattispecie contratual (Betti, 1947).
Na fase pós-clássica, ainda consoante esse autor, o binômio unidade do ato e o seu conteúdo começa a ser visto sob uma nova ótica em que a declaração de vontade, enquanto elemento externo, deixa de ser tão importante, passando o elemento interno, ou seja, o animus, a exercer uma função cada vez mais relevante quanto à existência do negócio jurídico (Betti, 1947).
Vê-se, com isso, iniciar uma ruptura na barreira da resistência do tipo contratual, permitindo que a autonomia privada das partes começasse a avançar em um campo anteriormente proibido, o que nos leva a compreender as razões pelas quais no direito atual a autonomia privada excede tanto os seus limites.
Nesse contexto, é de mister xxxxxx sobre a disputa nascida com a pandetística entre voluntaristas e objetivistas, responsável por suscitar problemas de ordem prática, pois, a depender da concepção adotada, o modelo de negócio jurídico enfatizará um determinando traço dominante. Por exemplo, se considerada a autonomia privada como elemento central do negócio jurídico, as partes podem interferir com mais liberdade nos interesses que pretendem autorregular.
Para a teoria voluntarista a vinculação decorre da real expressão da vontade do sujeito, sendo a vontade o elemento fundamental do negócio jurídico, destinada a prevalecer em caso de conflito com a declaração (Savigny, 1891).
Diferentemente, na concepção objetivista, da qual são expressões as teorias da declaração e a preceptiva, o negócio jurídico se funda na própria pactuação declarada com forte na autonomia privada, no poder de autorregulamentação dos interesses das partes contratantes, independentemente da vontade na sua dimensão subjetiva. O acordo, portanto, produzirá efeitos se a declaração de vontade estiver em conformidade com a norma jurídica. É um aspecto bem mais amplo da liberdade de contratar, na medida em que se abandona o dogma da vontade e as partes têm o poder de autorregular suas relações e produzir concretamente a norma, desde que o acordo observe os limites previstos na lei. Nessa concepção, o contrato é visto como fonte normativa (Scognamiglio, 1969).
Assim, a teoria objetivista acaba traduzindo-se em uma liberdade de escolha em que as partes podem contratar livremente, tanto em relação à forma quanto aos limites em que se pretendem obrigar e desde que o consentimento seja isento de vício ou de defeito. Ao passo que a teoria subjetivista, de modo diverso, autoriza uma incursão na intenção do resultado.
Diante desse quadro, o Direito romano, enquanto elemento crítico, pode trazer reflexões importantes em relação ao equilíbrio a ser buscado na construção de uma teoria contratual, de modo a conciliar o excesso de uma liberdade ampla de contratar – baseada na autonomia privada e em uma concepção objetivista que atribui ao contrato a função de criar a norma – com a tipicità dos contratos enquanto elemento de contenção dessa liberdade, na medida em que define valores inderrogáveis e incontidos no âmbito do poder de escolha das partes.
Nesse particular, a distinção entre os elementos essenciais, naturais e acidentais, do negócio jurídico, nos revela que existem partes do contrato que não estão sujeitas à disposição das partes. Assim, como a própria nomenclatura indica, os essentialia negotii são aqueles elementos indispensáveis à existência e à validade do ato jurídico. Já os naturalia negotii compõem a índole, a natureza do próprio negócio jurídico. E os accidentalia negotii são estipulações ou cláusulas acessórias incontidas implicitamente no negócio jurídico, mas que as partes podem incorporar ao acordo para modificar os efeitos jurídicos normalmente esperados, como a condição, a modalidade, o encargo e o termo (Lipari & Rescigno, 2009).
Tocantemente aos naturalia negotii, é fundamental a seguinte passagem de Xxxxxxx, no comentário ao livro 32 ad Edictum:
D. 19, 1, 11, 1 (Ulpianus lib. 32 ad Edictum) §.0.Xx in primis sciendum est, in hoc judicio id demum deduci, quod praestari convenit (1): cum enim sit bonae fidei judicium, „nihil magis bonae fidei (2) (a) congruit, quam id (3) praestari, quod inter contraentes (4) actum est‟: quod si nihil convenit, tunc ea (5) praestabuntur, quae naturaliter (6) insunt huius judicii potestate. (Xxxxxxx, 1857, v. 3, p. 18-19).
Tradução em italiano da passagem de Ulpiano, nestes termos:
D. 19, 1, 11, 1 (Ulpiano nel libro 32 sull´Editto) §.1.Ed in prima è da sapere, che in questo giudizio vien dedotto ciò solamente, che si convenne dare: perché, essendo un xxxxxxxx xx xxxxx xxxx, „xxxxxx xxxx xxxxx xxxx x più consono, che adempirsi a quanto tra contraenti si stabilì.‟ Che se nulla si convenne, allora si sarà tenuto a quelle cose che naturalmente si contengono nella potenza di questo giudizio. (Xxxxxxx, 1857, v. 3, p. 18-19).
Como é possível constatar, os naturalia negotii representam uma construção romana muita refinada, a permitir que o desenho rígido do tipo contratual, em algum momento, abra
caminho para um espaço de maior liberdade da vontade das partes, sem, no entanto, suprimir ou desrespeitar os elementos rígidos que integram o negócio jurídico e que são pressupostos para a sua existência e validade.
Dito isso, a discussão gira sempre em volta dos limites em que a vontade das partes pode avançar sobre a esfera de inderrogabilidade do tipo contratual. Por essa razão, o contrato, como fonte de produção do direito, deveria ser formulado com base em uma teoria negocial que priorize a tipicidade como valor do contrato (Cardilli, 2008). Em outras palavras, exsurge realmente necessário impedir que a autonomia da vontade supere a importância da tipização dos contratos e do valor jurídico dos conteúdos inderrogáveis. Esse núcleo imodificável dos contratos, que já tinha sido percebido pelos romanos, é um importante meio de conter a atividade voltada a desvirtuar o tipo contratual e, consequentemente, distorcer os direitos das partes contratantes.
Nas palavras de Xxxxxxxx (2008, p. 75), “Il modello di valori che la nostra tradizione civilistica fondata sul diritto romano incontra nei tipi contrattuali, con le loro sfere di contenuto inderogabile e di contenuto naturale, ora per lo più cristallizzati nelle codificazioni nazionali, ma, forse cosa ancora più interessante, la consapevolezza del ruolo e dell‟importanza del processo di tipizzazione per costruire il vero valore del contratto, mi sembra siano da segnalare in un momento storico nel quale il contratto sembra assurgere sempre di più, nei rapporti sovrannazionali di diritto privato, al rango di autonoma fonte di produzione del diritto”.
Diante da argumentação acima e da problemática atualmente posta pela contratação transnacional, urge necessário que os juristas de nossa época voltem a exercer a interpretatio nei mores (interpretação nos costumes), como bem observado por Xxxxx (1993), para efeito de analisar e reler a realidade contratual contemporânea sob os esquemas dogmáticos oferecidos pela tradição jurídica romanística, em vigorosa contraposição a conteúdo contratual carente de valor, enquanto não formulado em uma estrutura consensualística, sinalagmática e baseada nos princípios de retidão e lealdade (boa-fé).
É imprescindível que se faça uma frutífera dialética entre a interpretatio prudentium32 de nossos dias e a produção da praxe negocial difundida no mundo, com o propósito de identificar e validar as pactuações realmente revestidas de valor jurídico, e, assim, resgatar a
32 A interpretatio prudentium significa a atividade interpretativa desenvolvida pelos juristas em Roma.
tipicidade causal e o conteúdo inderrogável da boa-fé. Em suma, realizar a sedimentação jurídica de praxes que sejam coerentes com o mecanismo de justiça contratual.
5 CONCLUSÃO
Da presente pesquisa, verificou-se a existência de uma realidade comercialmente conectada, onde a economia mundializada acabou por exigir dos privados a própria regulação dos pactos negociais empreendidos de maneira transfronteiriça. Tal autorregulação ou praxe transnacional não só é comum a quase todos os contratantes comerciais, como ainda é responsável pela difusão global de modelos negociais, módulos standard e contratos-tipo de matriz anglo-estadunidense.
Restou igualmente evidenciada a ausência de qualquer mediação ou adequação de incompatibilidades na propagação, em países de tradição europeia-continental, dos elementos contratuais elaborados pelo sistema jurídico de common law, a despeito da grande distinção havida entre essas duas culturas jurídicas, quando sabido que a tradição jurídica romanística é historicamente afinada com os temas: da justiça contratual; do valor jurídico que o tipo contratual exprime; e dos conteúdos inderrogáveis do contrato, do qual é exemplo a boa-fé.
E na tentativa de defrontar tais questões, chegou-se à conclusão de que seria proficiente, da parte dos atuais juristas, o estudo da dogmática romana em matéria de obrigações, especialmente no seguinte percurso: i) desde Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx; ii) passando por Xxxxxxx Xxxxxx; iii) chegando a Labeone; iv) passando também por Xxxxxxxx; v) até alcançar Ulpiano, que identificou, no esquema jurídico de sua época, a convenção (conventio) como o elemento vinculativo das partes em termos de oportere ex fide bona.
Em síntese, toda uma construção dogmática romana voltada a reconhecer que um contrato é merecedor de tutela se consubstanciado pelo consensus – concretizado na tipicidade causal, com seus conteúdos inderrogável e natural; pelo sinalagma – como sacrifícios equivalentes e correspondentes assumidos pelas partes; e pela boa-fé – esta não somente como critério interpretativo, mas como verdadeiro conteúdo inderrogável do tipo contratual.
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