ROMAN TRADITION AND INTERRuPTIONS IN LEgAL TREATMENTS IN BRAZILIAN LAW OF OBLIgATIONS: THE TRANSFERRINg EFFECTS OF CONTRACT IN THE
Tradição romanista e soluções de continuidade no direito obrigacional brasileiro: a eficácia translativa do contrato no
PROJECTO DE XXXXXXX XXXXXXX XXX XXXXXX
ROMAN TRADITION AND INTERRuPTIONS IN LEgAL TREATMENTS IN BRAZILIAN LAW OF OBLIgATIONS: THE TRANSFERRINg EFFECTS OF CONTRACT IN THE
PROJECTO OF XXXxxXX XXXXXXX XXX XXXXXX
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Junior
Doutor em Direito Civil (Direito Romano) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor Adjunto de Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Recebido em: 04.08.2015
Aprovado em: 21.10.2015
Área do Direito: Civil.
Resumo: Trata-se da relação, no âmbito do direito civil brasileiro, entre eficácia do contrato e trans- missão da propriedade. O “princípio da tradição” firmou-se como orientação prevalecente nos pro- jetos de codificação civil brasileira, com exceção do Projecto de Código Civil de Xxxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx, que acolheu o “princípio do consentimen- to”. Analisam-se os dispositivos dessa obra concer- nentes à matéria sob a perspectiva de seus funda- mentos dogmáticos e de seus prováveis modelos e influências.
Palavras-chave: Contratos – Eficácia – Transferên- cia da propriedade – Codificação do direito civil brasileiro.
Abstract: The matter of this article consists on the relationship between the effects of the contract and the transfer of ownership in the Brazilian civil law. The “tradition principle” was the prevailing orientation in the projects of Brazilian civil codification, except the Xxxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx’ Project of Civil Code, which accepted the “consent principle”. We analyze the rules of this work concerning this problem under the perspective of its dogmatic foundations and of its probable standards and influences.
Keywords: Contracts – Effects – Transfer of ownership – Brazilian Civil Law Codification.
Sumário: Introdução – 1. A eficácia obrigatória dos contratos no direito romano do período clás- sico – 2. A persistência do sistema romano no direito civil português pré-codificado: 2.1 Direito romano-visigótico e Siete Partidas; 2.2 Ordenações do Reino de Portugal – 3. A eficácia dos contratos nas codificações jusracionalistas europeias: 3.1 Codificações germânicas (CMBC, ALR, ABGB); 3.2 A eficácia translativa dos contratos no Code Civil – 4. O direito civil brasileiro oitocen- tista diante da “crise” da tradição romanista: 4.1 A resistência da tradição romanística na Conso- lidação das Leis Civis e no Esboço; 4.2 A orientação prevalecente nos projetos de codificação civil
36 Revista de Direito Civil Contemporâneo 2015 • XXXX 0
seguintes – 5. A ruptura com o direito romano e as Ordenações no Projecto de Xxxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx: 5.1 O contrato translativo no Projecto de Código Civil Brazileiro; 5.2 Justificativas da acolhida do princípio do consentimento – 6. Conclusões – 7. Bibliografia.
Introdução
No direito civil brasileiro, contratos, como a compra e venda, criam, para a par- te contratante, apenas a obrigação de proceder à transmissão da propriedade, a qual depende da consecução de um ato posterior, a saber, a tradição, para os bens mó- veis, e o registro do título translativo, para os bens imóveis.1
Trata-se do chamado sistema ou “princípio da tradição”,2 de matriz romana, trazido pelo colonizador português nas suas Ordenações (Manuelinas e Filipinas, vigentes estas, no Brasil, até 1916)3 e arraigado na cultura jurídica brasileira (Au- gusto Teixeira de Freitas, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx) quase sem solução de continuidade.4
Por sua vez, o Code Civil francês, em 1804, parece ter inaugurado a ruptura com o princípio do direito romano clássico, ao conferir ao contrato a eficácia de operar, independentemente da tradição (ou registro), a transferência do domínio. A esse
1. Cf., respectivamente, arts. 1.226; 1.267, CC (já arts. 675; 620, CC 1916); e arts. 1.227;
1.245, CC (já arts. 676; 530, I, CC 1916); art. 481 (já art. 1.122, CC 1916); MOReIRA ALVeS,
Xxxx Xxxxxx. Direito romano – Instituições de direito romano – B – Parte especial – Direito das obrigações – Direito de família – Direito das sucessões II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.160; PeReIRA, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx; Instituições de direito civil – Direitos reais IV. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 122-123; 169-171; GOMeS, Orlando; Direitos reais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 164-165; 207; XXXxX, Orlando. Venda real e venda obrigacio- nal – Estudo comparativo no direito português e brasileiro. Novos temas de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 126-128; interpretação diversa dos dispositivos legais é dada, porém, por XXXXXXx, Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx. Da compra e venda – Promessa e reserva de domínio. Belo Horizonte: Álvares, 1960, p. 75-90, para fins de admitir, dentro de certos li- mites, uma compra e venda com “eficácia real” em nosso direito.
2. Os termos “princípio da tradição” e “princípio do consentimento”, aqui empregados, cor- responderiam, respectivamente, às locuções “Traditionsprinzip” (ou “Übergabegrund- satz”) e “Konsensprinzip” (ou também “reine Vertragsprinzip”), empregadas, v.g., por XXXxXX, Xxxx. Lehrbuch des Schuldrechts II-1. 13. ed. München: Beck, 1986. p.17 (= § 39); 19 (= § 39); entre nós, relativamente à primeira locução (à qual opõe “sistema da venda real” ou “princípio da eficácia real do contrato”), GOMeS, Orlando. Venda real e venda obrigacio- nal… cit., p. 117; 123.
3. Sobre as Ordenações, em geral, cf. XXXxXX XxXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Ordenações do Reino de Portugal, Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, vol. 89, p.11.-67, jan.-dez.1994.
4. Cf. GOMeS, Xxxxxxx, Venda real e venda obrigacional… cit., p. 121.