Venture capital
Venture capital
no Brasil
O que você precisa saber antes de abrir a sua rodada de investimento
Sumário
Contratos no venture capital 4
Operações de venture capital e o CADE 45
O papel da propriedade intelectual
nas operações de venture capital 53
Processo de investimento de venture capital 62
Venture Capital no Brasil 3
Introdução
Este guia foi escrito pela equipe de Venture Capital do Xxxxxx Xxxxx e contou com a colaboração de diversas outras práticas do escritório, visando a ajudar empreendedores e demais
participantes do ecossistema a navegarem com maior facilidade por termos jurídicos e discussões contratuais típicas da indústria.
Não tivemos a pretensão de realizar uma análise exaustiva dos assuntos aqui abordados. Nosso objetivo foi compartilhar conhecimento com o leitor, oferecendo ferramentas que apresentem respostas objetivas e alinhadas à dinâmica da indústria early stage, levando em consideração as dores e
desafios enfrentados pelas partes envolvidas em transações do universo do venture capital.
Os textos desse guia foram, originalmente, publicados no portal
Xxxxxxxx.xxx.xx, ao qual agradecemos a parceria.
Confira esse e outros estudos em nosso portal de notícias Único, onde nossos especialistas analisam os principais temas jurídicos da atualidade e apontam soluções inovadoras para o dia a dia das empresas de todos os setores da economia. Além do portal, você também pode acessar nossos podcasts em sua plataforma de streaming favorita:
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Boa leitura!
Março de 2024
Contratos no
venture capital
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Contratos no venture capital
Noções gerais sobre a dinâmica contratual
Neste primeiro capítulo, apresentaremos brevemente os contratos tipicamente utilizados no Brasil para cada estágio de desenvolvimento da startup.
Para tanto, a primeira noção importante é entender que as startups são habitualmente financiadas por etapas, através das denominadas rodadas de investimento. Isso se dá, na perspectiva dos investidores de venture capital (gestoras de venture capital, ou, simplesmente “VCs”), principalmente por dois motivos.
O primeiro deles é o alto risco associado a essa classe de investimentos alternativos. Uma das formas de mitigar o risco para o investidor é entregar o capital estritamente necessário para levar uma startup do ponto “A” ao ponto “B” de maturidade.
O segundo motivo é monitorar de perto o crescimento da startup e o cumprimento dos objetivos aplicáveis a cada etapa do negócio. Vale lembrar que os investidores dessa indústria buscam investir em empresas com potencial de crescimento exponencial, sendo necessário verificar que, em cada fase de desenvolvimento da startup, sua trajetória está condizente com esse objetivo.
E quais são as modalidades de contratos mais utilizadas em cada um desses estágios?
De forma geral, podemos dizer que, quanto mais no early stage, maior a probabilidade de que sejam utilizados instrumentos de dívida conversível; e quanto mais no late stage, maior a probabilidade de que sejam utilizados instrumentos de participação societária (equity).
Vejamos cada um deles.
Dívida conversível
Os instrumentos de dívida mais utilizados no mercado brasileiro são o mútuo conversível e as debêntures conversíveis. Na indústria de venture capital, ambos se caracterizam pela possibilidade de conversão da dívida em capital social. Assim, o contrato de mútuo ou escritura de debêntures estabelecerá a obrigação de pagamento da dívida na data de vencimento, mas, ao mesmo tempo, que o aporte do investidor será convertido em capital social da startup, por opção do investidor ou na ocorrência de determinados eventos futuros, observadas as condições contratualmente estabelecidas.
Na realidade, a conversão é o objetivo último tanto do empreendedor quanto do investidor, uma vez que é um indicativo de que a startup está progredindo satisfatoriamente e avançando em sua jornada. Dificilmente veremos um investidor deste tipo tendo como principal objetivo ser remunerado pelos juros do mútuo, como um financiador tradicional.
Mas porque utilizar instrumentos de dívida conversível no
early stage?
Juridicamente, podemos apontar dois motivos principais. Em primeiro lugar, é uma forma de o investidor evitar eventuais responsabilizações por dívidas da empresa.
No Brasil, apesar de vigorar o princípio de limitação da
responsabilidade e separação patrimonial, é comum nos depararmos com situações em que os sócios são diretamente responsabilizados pelas dívidas da sociedade.
Além dessa proteção, há uma segunda vantagem do ponto de vista jurídico: o investidor será um credor da sociedade e, no caso de falência da empresa investida, terá uma posição mais privilegiada na ordem de recebimento dos bens da liquidação (se houver) que os acionistas da empresa.
Mas há um motivo financeiro ainda mais relevante.
Startups nesse estágio possuem poucas métricas (ou nenhuma) que possibilitem a utilização de métodos tradicionais de valuation. Isso torna a tarefa de determinação do percentual de participação acionária dos investidores no early stage extremamente difícil.
O investimento via dívida conversível exime as partes de fixarem o valuation da startup no momento da realização da rodada early-stage, quando o negócio ainda é muito incipiente, postergando a sua determinação para uma rodada subsequente.
Nesse sentido, os instrumentos de dívida conversível normalmente permitem ao investidor early-stage “pegar carona” no valuation da próxima rodada que a startup levantar, com um “teto” (cap) de valuation e/ou um “desconto”, que premiam esse investidor por apostar no negócio em um momento de maior incerteza e risco.
Um exemplo simples para ilustrar: considere que um investidor concedeu um mútuo conversível no valor de R$ 1.000.000,00 a uma startup a um valuation cap (post-money) de R$ 10.000.000,00. Se em uma rodada
subsequente a startup for avaliada em um valuation post- money de R$ 15.000.000,00, será aplicado o valuation cap previamente acordado (R$ 10.000.000,00), e o investidor terá direito a 10% das ações (ao invés de 6,66%, que seria a participação do investidor caso não houvesse o cap).
Agora considere que, ao invés do valuation cap, tenha sido acordado um desconto de 20% sobre o valuation da rodada subsequente. Nesta hipótese, o investidor converterá o seu mútuo aplicando-se um desconto de 20% sobre o valuation da nova rodada (R$ 15.000.000,00 – 20% = R$ 12.000.000,00),
o que resultará em uma participação acionária de 8,33% (ao invés de 6,66%, que seria a participação do investidor caso não houvesse o desconto).
E o SAFE?
Muita gente questiona se o SAFE (Simple Agreement for Future Equity), um modelo de contrato desenhado e
popularizado pela aceleradora norte-americana Y Combinator (“YC”) para investimentos no early stage, poderia ser utilizado para investimentos no Brasil.
Podemos apontar dois principais motivos para o sucesso do SAFE nos Estados Unidos.
Em primeiro lugar, o SAFE não possui natureza de dívida, o que significa dizer que o investimento deve necessariamente ser convertido em participação acionária, nas hipóteses previstas no contrato (basicamente, a ocorrência de um evento de liquidez). Essa lógica é aderente à indústria de venture capital, em que os investidores costumam ter uma percepção binária em relação aos investimentos: ou a startup vai bem e o investimento é convertido em participação; ou vai mal e o investimento é perdido (write-off).
Além disso, trata-se de um modelo estândar amplamente aceito pelo mercado, o que reduz a necessidade de negociação dos termos do investimento e, consequentemente, os custos de transação – algo muito relevante para startups ainda em fases iniciais de desenvolvimento.
Ocorre que, no Brasil, não é possível afirmar com clareza qual natureza o SAFE teria, já que, como visto, na lógica norte- americana ele não é nem dívida, nem equity. Do ponto de vista contratual, nada impediria a criação de um contrato com caraterísticas similares ao SAFE, mas a incerteza
quanto ao seu enquadramento – com os reflexos contábeis e tributários daí advindos – faz com que não seja recomendável a utilização do modelo da YC simplesmente “traduzido” ao Brasil.*
Participação societária (equity)
Quando a startup vai bem em sua jornada de crescimento, passa a atrair a atenção de investidores institucionais.
Eles se posicionam em estágios em que há maiores condições de se realizar uma rodada precificada na startup (priced round), em que se define um valuation e, com base nele, o investidor investe diretamente em participação acionária (equity) da startup, normalmente disparando o gatilho de conversão de todos os investidores iniciais que investiram anteriormente via dívida conversível.
* Atualmente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 252/2023, tendo por objeto a criação de uma nova modalidade contratual no Brasil, denominada Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC). Inspirado no SAFE, o CICC é definido como o contrato por meio do qual o investidor transfere recursos conversíveis em capital social à startup, não possuindo o aporte natureza de dívida e não integrando, até o momento de sua eventual conversão em participação societária, o capital social da startup.
Nessa fase, o contrato típico de investimento em equity é o acordo de investimento. Por meio dele, estabelecem-se as regras que regularão a emissão das novas ações que serão subscritas e integralizadas pelo investidor, sendo os recursos do investimento destinados à sociedade para o desenvolvimento do seu plano de negócios.
Como o investidor se torna acionista da startup, faz-se necessária, ainda, a celebração de um acordo de acionistas, destinado a regular os direitos e deveres dos empreendedores e investidores como acionistas da startup, incluindo questões como governança corporativa, regulação de direito de voto, regime de transferência de ações, direitos de informação, obrigações de não concorrência e não aliciamento,
dentre outros.
A seguir, aprofundaremos a análise dos termos contratuais típicos do acordo de investimento e do acordo de acionistas em rodadas de investimento de venture capital.
Investimento em participação societária
Vimos que, quanto mais no early stage, maior a probabilidade de que os investidores de venture capital optem por utilizar instrumentos de dívida, sendo, no Brasil, o mútuo conversível o mais comum deles; e quanto mais no late stage, maior
a probabilidade de que o investimento seja efetivado em participação societária (equity).
De fato, na medida em que ganham tração, as startups
passam a atrair a atenção de gestoras de venture capital
– os chamados VCs – que se posicionam em estágios em que há maiores condições de se realizar o valuation da startup e, com isso, concluir uma rodada de investimento precificada (priced round), em que se define o valor da
startup e, consequentemente, a participação que o investidor passará a deter em seu capital social, em contrapartida ao investimento.
Nesses casos, os contratos habitualmente utilizados no Brasil para regular a relação entre a startup, os fundadores e os investidores são o Acordo de Investimento, que regula a emissão das novas ações que serão subscritas e
integralizadas pelos investidores, e o Acordo de Acionistas, que regula os direitos e obrigações das partes enquanto acionistas da startup.
A partir daqui, passaremos a analisar esses contratos e suas principais cláusulas. Mas antes disso, convém repassar alguns conceitos básicos que ajudam a entender a lógica por trás
dos investimentos em participação societária na indústria de
venture capital.
Investimento primário
Uma primeira noção importante é que os investimentos de venture capital são tipicamente operações primárias, isto é, que têm por objeto ações que estão sendo emitidas no momento e para os fins da rodada de investimento em questão. Significa dizer que os recursos do investimento são destinados ao caixa da startup, e não aos acionistas existentes via transferência de ações.
Nada impede que, numa transação específica, uma parcela do investimento seja destinada aos fundadores ou investidores de rodadas anteriores através de uma operação secundária
de ações, em que ações já existentes são transferidas ao investidor e os recursos destinados ao acionista vendedor, na forma de preço de aquisição. Mas essa não é regra no
venture capital, já que a lógica das rodadas de investimento é financiar o crescimento da startup, e não remunerar seus acionistas nos estágios iniciais.
Seguindo esse racional, as transações secundárias costumam ocorrer em fases mais avançadas, seja por meio da aquisição da startup por um investidor estratégico (M&A), seja por meio da abertura do seu capital em bolsa de valores (IPO). Nesses casos, os acionistas da startup – fundadores e investidores
– transferem total ou parcialmente suas ações a terceiros, alcançando assim o exit, capítulo final do ciclo de vida de uma startup exitosa.
Diluição
Embora seja uma fonte de preocupação comum de fundadores e investidores, a diluição deve ser encarada, em grande medida, como um efeito natural da natureza primária dos investimentos de venture capital.
Como visto, as operações primárias pressupõem a emissão de novas ações da startup. Com isso, amplia-se a base acionária da sociedade e os acionistas existentes que não acompanharem o aumento de capital social na mesma proporção – o que costuma ser o caso dos fundadores e dos investidores early stage, como os investidores-anjo – terão a sua participação no capital social proporcionalmente reduzida.
Portanto, a diluição não deve ser vista necessariamente como um problema. Muito pelo contrário. Se está havendo diluição, significa que a startup está progredindo e atraindo capital novo em sucessivas rodadas de investimento. Em sentido contrário, a ausência de diluição no mundo do venture capital tende a ser um sinal de que a startup não está evoluindo satisfatoriamente.
Dito isto, é importante ter em mente que a diluição precipitada dos fundadores é extremamente prejudicial e deve ser sempre evitada. De fato, um aspecto essencial para todo investidor de venture capital é verificar que os
fundadores possuem participação no capital social compatível com cada estágio de desenvolvimento da startup, não somente para manter os fundadores incentivados a seguir se dedicando exclusivamente ao negócio, mas também porque
é necessário deixar espaço suficiente no captable para a entrada de novos investidores em rodadas subsequentes.
Pensemos no exemplo de um investidor-anjo que investe R$ 100.000,00 e toma 30% de participação no capital de uma startup. Além de estar fora de parâmetros de mercado minimamente aceitáveis, um investimento deste tipo é
extremamente prejudicial pois desincentiva os fundadores e fecha a porta para a captação de novos investimentos futuros, visto que os próximos investidores não terão interesse em aportar recursos em uma sociedade que já esteja com uma parcela relevante do seu capital comprometida com um investimento tão early stage.
Vale mencionar, ainda, que os investidores de venture capital também buscam se proteger dos efeitos da diluição nas hipóteses de downrounds – ou seja, rodadas de investimento em que o valuation da startup é menor que aquele praticado em rodada anterior – mediante a inclusão de cláusulas anti-diluição nos contratos da transação.
Isso porque, nessas hipóteses, o investidor que entrou em rodada anterior ao downround sofre os efeitos da diluição não somente relacionados ao aumento da base acionária derivado da emissão de novas ações (a chamada ownership dilution)
– o que, como vimos, deve ser encarado com naturalidade –,
como também aqueles derivados do maior preço por ação que pagou em comparação aos novos investidores (a chamada economic dilution).
Nesse sentido, as cláusulas anti-diluição buscam neutralizar total ou parcialmente os efeitos da economic dilution sobre os investidores que entraram em rodadas anteriores ao downround, existindo diferentes métodos para atingir esse objetivo, sendo os principais deles as cláusulas full ratched (compensação total) e weighted average (média ponderada).
Valuation pre-money e post-money
Dois conceitos relativamente simples, mas não menos relevantes, são o valuation pre-money e o valuation post- money. Geralmente introduzidos no momento de uma oferta de investidores de venture capital a uma startup, eles determinam se o valuation que está sendo considerado pelos investidores contempla ou não o valor do investimento da rodada em questão.
Vejamos um exemplo simples: se um investidor de venture capital pretende investir R$ 1 milhão em uma startup a um valuation de R$ 10 milhões, é preciso determinar de antemão se o investidor está se referindo a um valuation pre-money ou post-money. Caso esteja se referindo a um valuation
pre-money de R$10 milhões – isto é, a startup já vale R$ 10 milhões antes da efetivação do investimento – a
participação do investidor na startup e, consequentemente, a diluição dos fundadores e demais acionistas existentes, será de 9% (R$1M / R$10M + R$1M). Se, pelo contrário, o investidor estiver se referindo a um valuation post-money de R$10 milhões – isto é, a startup passa a valer R$ 10 milhões somente após a efetivação do investimento – a participação do investidor na startup e, consequentemente, a diluição dos fundadores e demais acionistas existentes, será de 10% (R$1M / R$10M).
Nesse sentido, os fundadores devem sempre questionar, em caso de omissão, se o investidor está considerando em sua oferta
o valor da startup antes (pre-money) ou após (post-money) a efetivação do investimento, a fim de evitar dúvidas sobre a diluição que resultará do investimento.
Acordo de Investimento: principais cláusulas
Feitas as observações acima, passaremos a analisar brevemente as principais cláusulas do Acordo de Investimento.
– Objeto: emissão, subscrição e integralização de ações preferenciais
O Acordo de Investimento tem por objeto principal a emissão de novas ações pela startup, as quais serão subscritas
e integralizadas pelos investidores da rodada, sendo os recursos do investimento destinados à sociedade.
Tipicamente, numa rodada de equity, os investidores de venture capital recebem ações preferenciais, ficando os fundadores, assim como colaboradores-chave, mentores e demais beneficiários de programas de opção de compra de ações (SOPs) geralmente com ações ordinárias.
De acordo com a legislação societária brasileira, as ações preferenciais caracterizam-se por possuir algum tipo de preferência ou vantagem econômica em relação às ordinárias e, em razão disso, podem ter o direito de voto suprimido ou limitado. Isso não significa que as preferenciais sejam ações necessariamente sem voto ou com voto restrito, como muitos pensam, sendo perfeitamente possível a emissão de ações preferenciais com direito de voto.
No venture capital ocorre exatamente isso: os investidores costumam receber ações preferenciais com direito de voto em contrapartida ao investimento, sem prejuízo do direito de conversão a qualquer tempo de suas ações preferenciais em ações ordinárias.
As vantagens econômicas atreladas às ações preferenciais dos investidores de venture capital incluem, habitualmente, a prioridade na distribuição de dividendos, a prioridade em eventos de liquidez ou liquidação (liquidation preference), além da proteção anti-diluição mencionada anteriormente. Analisaremos em maior detalhe algumas dessas cláusulas nos próximos capítulos.
Por outro lado, o direito de voto confere aos investidores a possibilidade de vetar a aprovação de determinadas matérias em assembleia geral – direito que também é garantido
aos investidores no âmbito do Conselho de Administração, tipicamente, através da indicação de um conselheiro. Tais direitos, conhecidos na prática de venture capital como protective provisions, visam conferir aos investidores certo grau de ingerência na gestão da startup cujo controle, pelo menos nas rodadas iniciais de investimento, permanece nas mãos dos fundadores.
– Declarações e Garantias
As declarações e garantias (representations and waranties) são uma cláusula do Acordo de Investimento na qual a startup e seus acionistas – principalmente os fundadores – realizam em favor do investidor uma série de declarações relativas
à startups e seus negócios, de tal forma que o investidor tenha uma “foto clara” da situação da startup no momento da assinatura dos contratos e do fechamento da transação.
São declarações típicas dessa cláusula, por exemplo: que as ações objeto da transação foram validamente emitidas e
estão livres de cargas e gravames; que não existem terceiros com direitos conversíveis em ações da startup que não tenham sido informados ao investidor; que os contratos
da startup estão vigentes e não foram descumpridos; que a startup está regular do ponto de vista trabalhista,
fiscal, regulatório, etc.; que não foram praticados atos de corrupção; dentre muitas outras.
Obviamente, o conteúdo das declarações varia em cada caso em função das características próprias de cada startup e, também, do resultado da auditoria (due diligence) realizada pelo investidor.
– Regime de Indenização
Os Acordos de Investimento costumam prever que a startup e/ou os fundadores devem indenizar os investidores pelas perdas e danos decorrentes de qualquer descumprimento dos contratos da rodada, incluindo a “quebra” – isto é, a falsidade ou inexatidão – de declarações e garantias. Em alguns
casos, o dever de indenização se amplia às perdas derivadas de quaisquer atos ou fatos que tenham origem em evento anterior à data de fechamento, ainda que materializados posteriormente, como é típico nas operações de compra e venda de ações (M&A).
Com efeito, em transações de M&A, é habitual que o comprador exija garantias para assegurar o cumprimento das obrigações de indenizar do vendedor, sendo as mais comuns delas a retenção de uma parte do preço, conhecida como holdback, ou a destinação de uma parte preço a uma conta vinculada, conhecida como escrow.
Nas operações de venture capital, não é comum que o investidor exija garantias deste tipo. Afinal, o maior interesse do investidor, em última análise, é que os recursos aportados sejam destinados ao desenvolvimento do plano de negócios da investida, não tendo sentido, em regra, que os valores sejam retidos pelo investidor ou fiquem parados numa conta escrow.
Nesse sentido, o mais comum no venture capital é que o investidor estabeleça uma serie de obrigações a serem cumpridas pela startup e pelos fundadores, tanto antes como depois do fechamento (“condições precedentes” e “obrigações pós-fechamento”, respectivamente), para
regularizar as contingências que tenham sido detectadas na due diligence, sem prejuízo, claro, da possibilidade de o investidor exigir o cumprimento das obrigações de
indenização assumidas contratualmente pela startup e pelos fundadores, quando aplicável.
Dependendo de cada caso, o Acordo de Investimento pode estabelecer, ainda, certas limitações ao dever de indenizar da startup e/ou dos fundadores, baseadas, por exemplo, no eventual conhecimento por parte do investidor do ato ou fato que deu origem à perda (seja em razão da due diligence ou de qualquer outra forma), no transcurso do tempo ou, ainda, mediante a fixação de um valor máximo indenizável (cap).
Ainda, em certos casos, o contrato pode prever que o pagamento de indenização pelos fundadores seja realizado mediante ajuste de participação, ao invés de dinheiro. Nesse caso, o fundador entrega participação na startup ao investidor como forma de cumprimento do dever de indenizar, sem afetar a sua liquidez ou patrimônio pessoal que, muitas vezes, é limitado ou está muito concentrado na própria startup.
Acordo de Acionistas
Analisamos acima, o objeto e as principais cláusulas usualmente presentes em um Acordo de Investimento, no contexto de uma rodada de investimento em participação acionária de uma startup.
Feita essa análise, abordaremos abaixo o Acordo de Acionistas, documento de grande relevância que se destina a regular a governança da startup e delimitar a relação entre seus fundadores e investidores na qualidade de acionistas.
Acordo de Acionistas: aspectos gerais
No venture capital, o Acordo de Xxxxxxxxxx é um contrato firmado entre os acionistas de uma startup no momento do fechamento de uma rodada de investimento em participação acionária (equity), em que o investidor subscreve e integraliza ações da companhia, adquirindo (e se juntando aos fundadores) na condição de acionista da startup.
Dado que o fechamento da rodada de investimento via equity costuma ser o gatilho para a conversão dos instrumentos de dívida dos investidores que aportaram recursos na startup em fases anteriores, é habitual que tais investidores também passem a ser acionistas da startup a partir de então e, com isso, também formem parte do mesmo Acordo de Acionistas.
Caso a startup já possua um Acordo de Acionistas no momento do fechamento da rodada, regulando a relação entre os fundadores e eventuais acionistas minoritários já existentes, a tendência é que ele seja reformulado e
substituído por um novo acordo, que contemple as condições de entrada do novo investidor. A mesma lógica se aplica a
cada nova rodada de investimento da startup, alterando-se o Acordo de Acionistas existente, na medida do necessário, para acomodar os direitos do investidor entrante.
Como mencionado, o Acordo de Xxxxxxxxxx é o contrato por meio do qual são estabelecidas regras destinadas a regular a relação entre os fundadores e os investidores como acionistas da startup. Nele, são abordados uma variedade de assuntos relevantes para a administração da startup e o relacionamento entre seus acionistas, tais como regras de governança, regime de transferência de ações, direitos de informação, obrigações de dedicação exclusiva, não concorrência e não aliciamento, dentre outros.
É sempre importante lembrar: nos investimentos primários, como ocorre no venture capital, os investidores aportam capital ao caixa da sociedade (e não aos fundadores), recebendo uma participação acionária na startup em contrapartida, o que resulta em natural alinhamento de interesses entre as partes. Ou a startup vai bem nas fases subsequentes ao aporte e todos ganham em evento de liquidez (exit) futuro; ou vai mal e todos perdem (não raro, todo o capital investido).
Dito isto, nem sempre os interesses de fundadores e investidores estarão alinhados, sendo necessário estabelecer, para todas aquelas situações em que os interesses sejam divergentes, regras que garantam uma relação saudável entre os acionistas e o crescimento sustentável do negócio.
O Acordo de Acionistas desempenha um papel fundamental nesse contexto, alinhando as expectativas entre os acionistas e estabelecendo um conjunto de direitos e obrigações com o objetivo de assegurar uma convivência harmoniosa entre eles.
Feitas essas considerações iniciais, passaremos a analisar as principais cláusulas usualmente adotadas em Acordos de Acionistas celebrados na indústria de venture capital.
Governança corporativa
De acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, governança corporativa “é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas (...), alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum”.
Com as startups não é diferente. Se por um lado elas são empresas ágeis que precisam de flexibilidade, por outro, precisam igualmente de regras de controle e monitoramento que garantam o seu crescimento sustentável no longo prazo e a atração de investidores que estejam dispostos a financiá-lo. O desafio consiste, portanto, em estabelecer regras de governança compatíveis com cada estágio de desenvolvimento da startup, aprimorando-as na medida em que a companhia avança em sua trajetória de crescimento.
Esse é um dos motivos pelos quais os VCs normalmente exigem que as startups sejam convertidas em sociedades anônimas como condição prévia ao primeiro investimento em participação acionária, caso ainda adotem a forma de sociedade limitada nesse momento, considerando as regras mais robustas de governança previstas na Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei das S.A.”), quando comparadas às da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2022 (“Código Civil”) (que regula as limitadas).
Sendo assim, um ponto essencial para o investidor consiste em regular, no Acordo de Acionistas, a estrutura e a composição da administração da startup, mais especificamente do Conselho de Administração e da
Diretoria. Sempre tendo presente que, nas rodadas iniciais de investimento (early stage), os investidores habitualmente tomam posições minoritárias no capital social, de tal
forma que seu objetivo não é o de assumir o controle da administração da companhia – que, em regra, permanece nas mãos dos fundadores – mas apenas estabelecer regras destinadas a proteger a sua posição de acionista minoritário em determinadas situações.
– Conselho de Administração
Em linhas gerais, o Conselho de Administração é um órgão deliberativo responsável por estabelecer as diretrizes estratégicas da companhia, eleger a Diretoria e supervisionar a sua atuação.
Nas operações de venture capital, é comum que o investidor negocie, no âmbito do Acordo de Acionistas, o direito de indicar um ou mais membros para ocupar uma minoria dos assentos do Conselho de Administração, como forma de contribuir para o desenvolvimento da startup e acompanhar mais de perto a tomada de decisões estratégicas. O restante dos assentos no Conselho – sua maioria, portanto – costuma ser ocupado pelos fundadores ou pessoas por eles indicadas, respeitando a premissa, acima mencionada, de que os fundadores permanecem com o controle da companhia no early stage.
Nas negociações dos Acordos de Xxxxxxxxxx, também é habitual nos depararmos com a figura do “observador”, o qual costuma ser indicado por investidores que não possuem participação relevante o suficiente para indicar um membro efetivo do Conselho de Administração, mas que ainda assim desejam nomear um representante para acompanhar, sem direito de voto, as reuniões de Conselho.
– Diretoria
A Diretoria, por sua vez, é o órgão responsável pela gestão operacional diária da startup, tendo por base as diretrizes traçadas pelos acionistas e pelo Conselho de Administração. Geralmente, ela é ocupada por um CEO (Chief Executive Officer), podendo incluir outros cargos executivos, como, por exemplo, o CFO (Chief Financial Officer) e o CTO (Chief Technology Officer). Os Diretores trabalham em estreita colaboração com o Conselho de Administração, fornecendo relatórios periódicos e buscando sua orientação para questões de ordem estratégica.
Quanto à sua composição, vale a premissa indicada anteriormente. Nas rodadas de investimento iniciais, os fundadores geralmente ocupam todos os cargos de
Diretoria. Mais que um direito, trata-se, em realidade, de uma obrigação, já que os investidores costumam exigir uma dedicação total e exclusiva dos fundadores à gestão do negócio. Em estágios mais avançados, a tendência é que o
conjunto de investidores – já detentores da maioria do capital social – passem a nomear alguns Diretores de sua escolha, como forma de agregar maior profissionalismo e expertise à administração da companhia.
– Direitos de veto
Nesse ponto, cabe a pergunta: se, nas rodadas iniciais de investimento, os fundadores permanecem com a maioria do capital social (o que lhes assegura a preponderância nas
deliberações da Assembleia Geral), bem como a maioria dos assentos do Conselho de Administração (o que lhes assegura, por sua vez, a preponderância nas deliberações do Conselho), como os investidores garantem certo grau ingerência
na administração da startup, de forma a preservar seus interesses?
A resposta está, em grande medida, nos direitos de veto que são habitualmente atribuídos aos investidores – tanto no âmbito da Assembleia Geral, como no âmbito do Conselho de Administração – como forma de controlar questões estratégicas que possam afetar significativamente os seus
interesses ou os destinos do negócio. Dessa forma, costumam ser indicadas no Acordo de Acionistas determinadas matérias que não podem ser aprovadas sem o prévio consentimento dos investidores ou dos conselheiros por eles indicados.
A lista de vetos varia de caso para caso, mas a ideia é que esteja relacionada a questões estruturais e/ou estratégicas relevantes – como, por exemplo, a alteração do objeto social, a supressão de direitos dos investidores, a aprovação de reorganizações societárias, a aquisição de outras empresas, etc. – e não à gestão ordinária das startups, de forma a não comprometer a agilidade e a flexibilidade que as caracterizam.
Regime de transferência de ações
Os Acordos de Xxxxxxxxxx geralmente estabelecem uma série de regras relativas à transferência de ações pelos acionistas. Veremos a seguir a ideia fundamental por trás de algumas dessas cláusulas, cabendo o esclarecimento prévio de que o conteúdo delas pode variar muito de contrato para contrato.
– Lock-Up
A cláusula de lock-up prevê, em linhas gerais, que os acionistas a ela vinculados não podem alienar suas ações por um determinado período após a consumação do investimento. É uma cláusula que fundos de venture capital costumam exigir dos fundadores – afinal, o investimento perderia sentido se os fundadores deixassem a companhia pouco tempo após a sua efetivação.
Em regra, os investidores confiam na capacidade de execução dos fundadores, sendo a sua permanência no capital social uma premissa fundamental do investimento. O lock-up funciona, assim, como o mecanismo contratual que garante aos investidores que os fundadores permanecerão como acionistas da startup por um prazo mínimo após o investimento.
– Direito de Preferência
Em primeiro lugar, é importante fazer a distinção entre direito de preferência na subscrição e direito de preferência na alienação.
A preferência na subscrição é o direito dos acionistas existentes de subscreverem as ações resultantes de um aumento de capital da companhia na proporção de sua participação no capital social. Esse direito está previsto em lei e, portanto, não demanda uma regulação específica no Acordo de Acionistas, a não ser que se pretenda atribuir a algum acionista o direito de subscrever um percentual de ações superior à sua participação proporcional no capital (o chamado super pro rata).
Já a preferência na alienação é o direito atribuído a determinado acionista na hipótese de transferência das ações de outro acionista a terceiros. Há, basicamente, duas modalidades de direito de preferência na alienação:
– Direito de Primeira Recusa (Right of First Refusal – ROFR)
Por meio desta cláusula, se estabelece que, caso um acionista receba uma oferta de terceiros para a compra de sua participação, tal acionista tem o dever de notificar o outro acionista (titular do direito de primeira recusa) a respeito
de tal oferta, sendo que o acionista notificado terá o direito de adquirir as ações do acionista vendedor, observados os mesmos termos e condições da oferta recebida do terceiro; e
– Direito de Primeira Oferta (Right of First Offer – ROFO)
Neste caso, se estabelece que, caso o acionista tenha interesse em vender sua participação, antes de oferecê-la para qualquer terceiro, deve oferecê-la ao outro acionista (titular do direito de primeira oferta). Caso o acionista notificado tenha interesse na aquisição e faça uma oferta, o acionista vendedor poderá ir a mercado, mas somente poderá vender as ações a terceiros caso obtenha uma oferta superior àquela que recebeu do acionista ofertante.
No contexto das negociações de Acordos de Acionistas, é comum que investidores de venture capital requeiram algum tipo de direito de preferência na alienação, de tal forma que os fundadores, após superado o período de lock-up, não possam transferir as suas ações a terceiros sem ofertá-las aos investidores, seja antes (ROFO) ou depois (ROFR) de obter a oferta do terceiro interessado.
– Tag Along
O tag along é uma cláusula pensada, teoricamente, para a proteção de acionistas minoritários, ainda que nada impeça que contratualmente seja atribuído tal direito a acionistas majoritários também.
Trata-se do direito que se confere ao acionista de acompanhar a venda da participação do outro acionista a um terceiro.
Por exemplo, caso um “Acionista A” pretenda vender a sua participação a um terceiro, havendo cláusula de tag along em favor do “Acionista B”, tal “Acionista B” terá o direito de
incluir suas ações nesta venda ao mesmo comprador, devendo ser observados os mesmos termos e condições oferecidos ao “Acionista A”.
Como visto, esse direito é especialmente interessante para acionistas minoritários, pois lhes permite participar do chamado “prêmio de controle”, isto é, o preço maior por ação que o terceiro comprador está disposto a pagar pelas as ações que integram o bloco de controle de uma companhia. Nesse sentido, o direito de tag along permite que um acionista minoritário venda as suas ações pelo mesmo preço por ação que os controladores, algo que, em tese, não seria possível com a venda da sua participação minoritária por separado.
Geralmente, os investidores de venture capital pleiteiam direito de tag along nas rodadas de investimento, como uma alternativa ao direito de preferência. Funciona, em linhas gerais, da seguinte forma: superado o período de lock-up, caso os fundadores desejem alienar suas ações e tenham recebido uma oferta vinculante de um terceiro, deverão notificar os investidores que, dentro de um determinado prazo poderão, alternativamente, (i) exercer o direito de preferência e adquirir as ações dos fundadores ou (ii) exercer o tag along e vender as suas ações conjuntamente com as ações dos fundadores, tudo nos mesmos termos e condições da oferta recebida do terceiro.
– Drag Along
Já o drag along é um direito tipicamente atribuído a acionistas majoritários (embora também possa ser contratualmente conferido a minoritários), no sentido de “arrastar” os demais acionistas numa operação de venda de sua participação acionária a terceiros.
Muitas vezes, o comprador está disposto a adquirir a companhia, mas não deseja ter sócios minoritários no quadro acionário. A cláusula de drag along permite que a operação de venda seja concretizada nessas hipóteses
pois, com base nela, o acionista vendedor poderá obrigar
que os demais acionistas também vendam as suas ações, observados os mesmos termos e condições ofertadas pelo terceiro adquirente.
Na indústria de venture capital, uma cláusula típica de drag along estabelece que, se acionistas titulares de uma maioria qualificada do capital social (por exemplo, 70%) desejarem alienar suas participações a um terceiro sob determinadas condições, poderão exigir que os demais acionistas também vendam as suas participações, nas mesmas condições ofertadas pelo terceiro.
Para se protegerem dessas hipóteses de venda “forçada”, alguns investidores requerem a inclusão de uma previsão contratual no sentido de que somente poderão ser “arrastados” numa operação de venda se o preço por
ação ofertado pelo terceiro adquirente for superior a um determinado múltiplo do preço por ação pago pelo respectivo investidor quando do seu ingresso na companhia.
– Opção de venda
Em geral, as cláusulas de opção de venda (put option), muito habituais em operações de venture capital, permitem ao investidor vender sua participação acionária aos fundadores por um preço simbólico (tipicamente R$ 1,00).
Trata-se de um mecanismo que viabiliza a saída do investidor do capital da startup em situações desfavoráveis, como,
por exemplo, na hipótese em que a companhia não esteja performando satisfatoriamente e o investidor não encontre um terceiro interessado na compra da sua participação ou, ainda, caso a startup apresente contingências relevantes, sendo mais vantajoso para o investidor realizar a perda
de todo o investimento (write-off) do que permanecer no capital e ser, eventualmente, adversamente impactado pelas contingências.
Preferência na Liquidação (Liquidation Preference)
De acordo com a cláusula de liquidation preference,
o investidor tem prioridade no recebimento de valores provenientes de determinados eventos – tipicamente, a liquidação da startup ou algum evento de liquidez relevante, como a venda substancial dos seus ativos para terceiros – em relação aos demais acionistas (fundadores, por exemplo), tendo por base um determinado múltiplo do investimento realizado pelo investidor em questão (por exemplo, 1x ou 1,5x).
Um exemplo simples para ilustrar o mecanismo: imaginemos que, numa determinada rodada, um investidor tenha aportado R$ 5 milhões na startup, a título de integralização de ações preferenciais, e o Acordo de Acionistas preveja uma cláusula de preferência na liquidação de 1x. Ocorrendo um evento de liquidação ou liquidez relevante (por exemplo, em caso de venda de substancialmente todos os ativos da companhia a um terceiro), o valor de R$ 5 milhões (1x o valor investido) deverá ser prioritariamente destinado a referido investidor.
Significa dizer que, caso os recursos totais provenientes do evento em questão sejam iguais ou inferiores a R$ 5 milhões, todos os recursos serão destinados ao investidor e os demais acionistas não receberão nada. Se, pelo contrário, o evento gerar recursos superiores ao valor que o investidor faz jus
em razão da cláusula de liquidation preference (no exemplo acima, R$ 5 milhões), o contrato deverá estabelecer os critérios para a distribuição dos valores excedentes entre os acionistas.
Existem, basicamente, três formas de regular essa distribuição de eventuais valores excedentes: (i) participação total (full participation); (ii) participação limitada (capped participation); e (iii) não-participação (no participation).
Na modalidade de participação total (full participation), o investidor participa no rateio dos valores excedentes de
maneira proporcional à sua participação no capital social e em igualdade de condições com os demais acionistas (pro rata). No exemplo acima, o investidor receberia, além dos R$ 5 milhões, sua parte proporcional dos recursos excedentes, observada a sua participação no capital social da companhia.
Na modalidade de participação limitada (capped participation), o investidor participa no rateio dos valores excedentes de maneira pro rata à sua participação no capital social, da mesma forma que no full participation, com a diferença de que sua participação neste rateio estará limitada ao atingimento de um determinado valor (por exemplo, 2x o valor investido). No exemplo acima, o investidor receberia, além dos R$ 5 milhões, sua parte proporcional dos recursos excedentes, de maneira pro rata com os demais acionistas, mas sujeito a uma determinada limitação de valor (cap).
Já na modalidade de não-participação (no participation), o investidor não participa do rateio dos valores excedentes. No exemplo acima, o investidor receberia apenas os R$ 5 milhões, e os valores excedentes seriam distribuídos aos demais acionistas, sem a participação do investidor.
A modalidade de não-participação (no participation) é a mais comumente utilizada no mercado. Interessante notar que, sob essa modalidade, a cláusula de preferência na liquidação ganha especial relevância para o investidor nos casos em que os recursos provenientes do evento de liquidação ou liquidez sejam escassos (por exemplo, inferiores ao valor aportado pelo investidor). Nessa hipótese, o investidor exercerá sua preferência na liquidação para garantir o recebimento do múltiplo contratualmente acordado.
Na situação contrária, em que os recursos provenientes do evento de liquidação ou liquidez sejam relevantes (por
exemplo, muito superiores ao valor aportado pelo investidor), o exercício da cláusula de preferência na liquidação tende
a perder relevância, porque, dependendo do caso, pode ser economicamente mais vantajoso para o investidor optar por receber os recursos de maneira proporcional à sua participação no capital social do que exercer a preferência na liquidação (já que na modalidade no participation, como visto, o investidor recebe apenas o múltiplo acordado, não participando da distribuição dos valores excedentes).
Por fim, vale ressaltar que, na medida em que novas rodadas de captação de recursos são realizadas, o Acordo de Acionistas deverá regular a preferência na liquidação entre os investidores das distintas rodadas, isto é, se
os novos investidores terão prioridade em relação aos investidores anteriores, ou se todos receberão os recursos proporcionalmente (pari passu). A lógica diz que, como “donos do cheque” da nova rodada, os novos investidores possuem poder de barganha suficiente para demandar prioridade em relação aos investidores das séries anteriores. O que se observa na prática, no entanto, é que muitas vezes os novos investidores aceitam ser pagos de maneira pari passu com os investidores das séries anteriores, como forma de manter uma relação harmoniosa entre os investidores e evitar criar precedentes que possam ser utilizados contra eles mesmos em rodadas subsequentes.
Anti-Diluição
Como vimos anteriormente, a diluição é um processo natural e esperado ao longo do ciclo de vida de uma startup. Toda vez que uma nova rodada de investimentos (operação primária)
é realizada, novas ações da companhia são emitidas e todos os acionistas existentes que não exercerem seus direitos de
preferência na subscrição – isto é, não subscreverem novas ações na proporção de suas respectivas participações no capital social – serão diluídos.
Assim, a diluição, por si só, não deve ser vista como um problema. Muito pelo contrário, sua ausência pode ser um indicativo de que a startup está encontrando dificuldades para captar novos recursos no mercado. Xxxxxx, em regra, é melhor ter a participação diluída numa companhia em crescimento, que manter a participação inalterada numa companhia que não esteja performando bem.
Nesse contexto, as cláusulas anti-diluição não visam proteger o investidor de toda e qualquer diluição futura – o que seria um contrassenso – mas somente da diluição em
hipóteses de down round, ou seja, rodadas de investimento em que a avaliação (valuation) da startup é inferior ao de rodadas precedentes.
Isso porque, nesses casos, o investidor da rodada anterior ao down round é duplamente impactado pela diluição: em primeiro lugar, pelo fato de novas ações estarem sendo emitidas (sem que o investidor exerça o seu direito de preferência na subscrição), o que, como visto, deve ser encarado com naturalidade na maioria das vezes; e, em
segundo, pelo fato de o novo investidor (que subscreve ações no down round) estar pagando um preço por ação inferior, recebendo, para cada real aportado na companhia, mais ações que o investidor da rodada precedente.
É esse segundo efeito econômico que as cláusulas anti- diluição procuram, em maior ou menor medida, neutralizar. Há diferentes métodos para atingir esse objetivo, sendo os principais deles as cláusulas full ratchet (compensação total) e weighted average (média ponderada).
Na modalidade full ratchet (compensação total), a participação do investidor da rodada precedente é recalibrada com base no valuation do down round, mediante a entrega
de novas ações ou ajuste da taxa de conversão de suas ações preferenciais em ordinárias. Dito de outra forma, a
participação do investidor é reajustada como se ele houvesse originalmente pago o mesmo preço por ação do investidor do down round.
Já na modalidade weighted average (média ponderada), a participação do investidor da rodada precedente é recalibrada com base numa fórmula matemática que leva em consideração, dentre outros fatores, o tamanho e o preço da rodada que causou a diluição. Essa modalidade tende a gerar uma diluição mais equilibrada entre os fundadores e investidores.
Obrigação de Dedicação Exclusiva
A obrigação de dedicação exclusiva tem por objetivo assegurar que os fundadores permaneçam totalmente comprometidos com o desenvolvimento do negócio da startup, sem dedicar tempo e atenção a outras atividades empresariais.
Vale lembrar que, especialmente nos estágios iniciais (early stage), a decisão do investidor de aportar recursos na startup se baseia, sobretudo, na capacidade de gestão e execução do time de fundadores, sendo natural esperar
que, em contrapartida ao investimento, seja exigido que os fundadores se dediquem exclusivamente ao negócio.
Naturalmente, imprevistos acontecem, então é comum identificar no Acordo de Acionistas exceções a esta obrigação, tais como o afastamento involuntário dos fundadores por falecimento, doença grave ou incapacidade.
Por outro lado, o Acordo de Xxxxxxxxxx costuma estabelecer penalidades em caso de descumprimento voluntário dessa obrigação, sendo uma possibilidade a recompra, pela companhia ou pelo investidor, da participação do fundador inadimplente a valor de custo ou patrimonial – o chamado vesting reverso.
Normalmente, o percentual a ser adquirido nestas hipóteses vai sendo reduzido com a passagem do tempo, em função do prazo total da obrigação de dedicação exclusiva. Por
exemplo, no caso de uma obrigação de 36 meses, um possível escalonamento seria o seguinte: aquisição de 75% das ações do fundador inadimplente, caso o afastamento voluntário ocorra nos primeiros 12 meses após o investimento; aquisição de 50% das ações do fundador inadimplente, caso o afastamento voluntário ocorra entre o 12º e o 24º mês após
o investimento; e aquisição de 25% das ações do fundador inadimplente, caso o afastamento voluntário ocorra entre o 24º e o 36º mês após o investimento.
Não-Concorrência (non-compete) e Não-Aliciamento (non-solicitation)
O Acordo de Acionistas costuma prever, ainda, obrigações de não-concorrência (non-compete) e de não-aliciamento (non-solicitation). Em resumo, o objetivo de tais cláusulas é impedir que os fundadores concorram com a startup (non-compete) ou alicie seus colaboradores e/ou clientes (non-solicitation) durante o período em que permaneçam
vinculados à companhia, bem como por um período adicional após sua desvinculação.
A lógica é similar à da obrigação de dedicação exclusiva. Se, na ótica do investidor, o principal fundamento para a realização do investimento é a capacidade de execução do
time de fundadores, não faria qualquer sentido permitir que os fundadores desempenhassem atividades concorrentes com
a startup ou xxxxxxxxxx seus colaboradores ou clientes, ainda que durante um prazo razoável após a sua desvinculação da companhia.
Vale destacar que, em termos gerais, para que a cláusula de non-compete seja considerada válida e exequível, é
necessário que estabeleça parâmetros claros que delimitem adequadamente a restrição imposta aos fundadores, sendo os principais deles a definição concreta das atividades restringidas (negócio da startup), do território aplicável e do prazo de aplicação da cláusula após a desvinculação do fundador da companhia (tipicamente 3 anos, mas podendo variar em cada caso).
Direito de Informação
Outra cláusula comumente presente em Acordos de Acionistas é a de direito de informação, que assegura aos investidores o acesso a informações relacionadas ao desempenho financeiro e operacional da startup.
Considerando que, nos estágios iniciais, o controle da companhia permanece com os fundadores, o recebimento dessas informações é de fato importante para que os investidores possam monitorar a evolução do negócio e, consequentemente, o potencial retorno do investimento.
O conteúdo e a frequência em que tais informações são disponibilizadas aos investidores varia em cada caso, mas é comum que o Acordo de Acionistas contemple o envio mensal, trimestral e/ou semestral de demonstrações contábeis
e financeiras, além de relatórios contendo as principais métricas e indicadores (KPIs) do negócio.
Incentivos de longo prazo
Incentivos de longo prazo
Retenção e incentivo de colaboradores em startups
Nos capítulos anteriores, foram abordados temas de grande relevância para o mercado de venture capital, como as modalidades de contratos mais utilizadas em cada estágio de desenvolvimento das startups e suas cláusulas mais relevantes. Neste capítulo, analisaremos outro tema de destaque: a forma de retenção e incentivo de key-people em startups.
Breve introdução
O pacote de contribuição de colaboradores é geralmente composto de três elementos distintos, a saber:
(i) remuneração fixa, por sua vez composta por xxxxxxx (ou pró-labore, se estivermos diante de diretores estatutários) e benefícios;
(ii) incentivos de curto prazo (ICPs), como bônus, prêmio e/ou Programa de Participação nos Resultados - PPR; e
(iii) incentivos de longo prazo (ILPs), os quais costumam ser vinculados à valorização do valor da ação da sociedade no tempo.
No mundo das startups, não é comum termos uma remuneração fixa e ICP, na média de mercado, de modo que o principal componente e maior atrativo para contratação,
retenção e incentivo de colaboradores chave costumam ser os ILPs.
É através do ILP que o colaborador chave tem a possibilidade de se beneficiar da valorização da empresa e de se tornar efetivamente “sócio” do negócio. O ILP traz, portanto, um alinhamento de interesses entre os founders e os colaboradores chave, ao mesmo tempo que permite a criação de um senso de dono.
É por essa razão que o ILP, independentemente da forma que assume (conforme será abordado a seguir), é um fator estratégico crucial para atração e retenção de profissionais
qualificados e, consequentemente, para o próprio sucesso da
startup.
Tipos de Incentivo de Longo Prazo
Dentre os diferentes tipos de incentivo de longo prazo baseado em ações comumente vistos no mercado, destacamos os seguintes: (i) Stock Options; (ii) Partnership; (iii) Matching Shares; (iv) Ações Restritas; (v) Performance Shares; e
(vi) Phantom Shares. Cada tipo de ILP mencionado acima possui características únicas que devem ser levadas em consideração no momento de sua escolha, incluindo seus impactos fiscais e trabalhistas em relação à empresa e aos participantes.
No caso das Stock Options, o participante adquire de forma onerosa ou recebe gratuitamente opções de compra de ações ou quotas, ou seja, o direito de adquirir participação societária da empresa em um momento futuro, por um preço pré-determinado. Para o efetivo exercício desse direito, o participante deve cumprir com determinadas condições, que podem ser relacionadas a tempo (vesting), atingimento de metas, ocorrência de um evento de liquidez, entre outras.
Na Partnership, a empresa oferece ao participante a oportunidade de se tornar sócio imediatamente, adquirindo uma participação direta ou indireta na empresa, a valor
de mercado, podendo assumir uma dívida com pagamento a prazo, seja através de um pagamento a prazo ou de financiamento por outra entidade. Isto é, o participante realiza uma compra alavancada de participação societária, na premissa de que a participação societária adquirida irá valorizar em patamar superior à dívida contratada.
Matching Shares é um tipo de ILP em que há um investimento por parte do participante na aquisição de participação societária de emissão da companhia na largada e, em contrapartida e após manter essa participação societária adquirida por determinado período, recebe uma quantidade adicional de ações ou quotas para cada participação societária adquirida anteriormente.
Já as Ações Restritas, chamadas de RSAs ou RSUs em inglês (“restricted share awards” e “restricted share units”) representam um tipo de ILP em que não há nenhum investimento ou contrapartida financeira por parte do participante. A empresa outorga ações de sua emissão de
forma gratuita, de maneira antecipada ou após o cumprimento de determinado período de vínculo com a empresa (vesting).
As Performance Shares funcionam de maneira semelhante às Ações Restritas, na medida em que também não exigem um investimento pelo participante e são liquidadas em ações. No entanto, além do decurso do período de vesting, existe uma condição adicional de performance para que o participante faça jus ao recebimento das ações originalmente outorgadas.
Por fim, as Phantom Shares são instrumentos que visam capturar a mesma finalidade econômica prevista nos ILPs acima, mas com liquidação em dinheiro (e não em ações).
É importante ter em mente que a escolha do incentivo de longo prazo deve levar em consideração uma série de fatores, como forma de contratação dos colaboradores, modelo de negócio e, principalmente, o estágio de desenvolvimento
da companhia. A seguir, exploraremos os tipos de ILP que geralmente se mostram mais adequados às startups em cada um dos seus estágios de desenvolvimento, levando em conta os principais objetivos e desafios.
ILPs nos Diferentes Estágios de Desenvolvimento da
Startup
Como vimos em capítulos anteriores, o ciclo de vida das startups é comumente dividido nos quatro seguintes estágios, em que o investimento de capital nas empresas possui diferentes características: (i) período de ideação; (ii) early stage; (iii) growth stage; e (iv) late stage.
Cada um dos estágios do ciclo de vida de uma startup apresenta diferentes objetivos e desafios, que devem ser levados em consideração para a definição do modelo de ILP a ser adotado. No período de ideação, por exemplo, uma das principais dores é a formação de um time capacitado e engajado no negócio, composto por pessoas qualificadas
e dispostas a investir tempo e dedicação na empresa, diante da escassez de recursos para oferecer um pacote de
contraprestação condizente com o mercado. Neste sentido, os principais modelos de ILP comumente utilizados são as Stock Options e a Partnership, com maior preponderância para as Stock Options, por sua menor complexidade operacional.
No early stage, os objetivos permanecem praticamente os mesmos daqueles presentes no período de ideação, com a diferença de que agora as empresas não precisam apenas atrair profissionais, mas também retê-los em suas funções. Assim, as startups nessa fase possuem o desafio adicional de lidar com o turnover e takeover de colaboradores chave
por concorrentes. Nesse contexto, as Stock Options e a Partnership costumam conferir um elemento importante de retenção, assumindo que o potencial upside para o colaborador seja suficientemente robusto vis-à-vis o valor de seus serviços no mercado. Soma-se a isso que a partir
desse momento a liquidez aos participantes começa a ser uma pressão, pois ILPs ilíquidos e com horizontes muito longos tendem a perder valor como moeda de retenção.
Nas empresas em growth stage, o foco na captação de recursos deixa de ser o principal driver de crescimento, sendo substituído pelo objetivo de garantir performance e crescimento da companhia, na busca de um evento de
liquidez. Igualmente importante como nas demais fases de desenvolvimento da empresa, a manutenção de um time engajado e “comprado” com o projeto da empresa é essencial. Assim, nessa fase, além das Stock Options e da Partnership, é possível ver a introdução de um novo modelo de ILP baseado em ação, na modalidade de Ações Restritas ou Performance Shares, na medida em que o ILP é estendido para um grupo maior de colaboradores.
No late stage, como regra, o time de key people já está bem definido e alinhado por subsequentes outorgas de ILP ao longo da trajetória de crescimento da empresa, de modo que há grande elemento de retenção e alinhamento de interesses entre founders e principais executivos. O desafio na retenção dos colaboradores de cargos estratégicos, mas de menor senioridade, se torna presente, de modo que é possível verificar a adoção do modelo de Ações Restritas, Performance Shares ou mesmo Matching Shares.
No entanto, é fundamental considerar que cada empresa possui metas e circunstâncias distintas e, portanto, a seleção do incentivo mais adequado requer uma análise criteriosa das variáveis envolvidas. Além disso, é importante lembrar que tomar decisões precipitadas ou estruturar incentivos que não
estejam alinhados com a realidade da empresa pode resultar em consequências negativas, tanto do ponto de vista de alinhamento de expectativas com os beneficiários, quanto do ponto de vista legal e contábil.
Conforme demonstrado acima, as Stock Options acaba sendo o modelo de ILP mais utilizado em todas as fases de
desenvolvimento da startup, de modo que é relevante ter uma breve visão sobre as principais discussões fiscais envolvendo o assunto, com repercussões para empresa e participantes.
Stock Options
A previsão legal referente à outorga de Stock Options encontra-se no artigo 168, § 3º da Lei das S.A., que determina que uma companhia poderá, mediante aprovação de um plano em sede de assembleia geral, outorgar opções de compra
de ações para administradores, empregados ou pessoas naturais que prestem serviços para a empresa ou suas controladas. Não há, entretanto, dispositivo legal que defina a natureza jurídica de tais opções de compra de ações e, consequentemente, seu enquadramento para fins tributários.
Por esse motivo, Stock Options são hoje objeto de grande controvérsia em matéria fiscal e previdenciária. A Receita Federal, de um lado, defende a natureza remuneratória dos planos de Stock Options e a consequente incidência de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e Contribuições
Previdenciárias (INSS) no momento do exercício das opções. O Fisco entende que o suposto ganho decorrente do exercício das opções, correspondente à diferença positiva entre o preço de exercício e o valor de mercado da ação na data do
exercício, possui natureza remuneratória. Do outro lado, os contribuintes argumentam que o incentivo teria natureza mercantil, isto é, seria uma oportunidade de investimento, e como tal estaria sujeito apenas ao recolhimento do Imposto de Renda (IR) sobre eventual ganho de capital no posterior momento de venda das ações resultante do exercício das opções.
Esse entendimento está ligado à presença de elementos próprios de uma relação mercantil nos planos de Stock Options, quais sejam:
(i) onerosidade, presente na medida em que os colaboradores investem seus próprios recursos para adquirir as ações da empresa;
(ii) voluntariedade, visto que cabe ao participante decidir se deseja ou não aderir ao plano de Stock Options e, posteriormente, de exercer ou não suas opções; e
(iii) risco, uma vez que as ações subjacentes às opções estão sujeitas à desvalorização.
Tendo em vista a falta de legislação sobre o tema e a posição da Receita Federal acima mencionada, é importante que a empresa e os participantes entendam o risco fiscal envolvido na utilização dos planos de Stock Options. Na hipótese de a Receita Federal fiscalizar o plano de Stock Option adotado pela empresa, há risco de lavratura de auto de infração
(i) contra a empresa, por meio do qual a Receita Federal costuma;
(a) impor multa de 75% sobre o Imposto de Xxxxx não retido do participante; e
(b) cobrar as contribuições previdenciárias não recolhidas, acrescidas de multa de 75% e juros de mora; e
(ii) contra a pessoa física do participante, a cobrança do Imposto de Renda, acrescido de multa de 75% e juros de mora, com o potencial risco de arrolamento dos bens pessoais do participante a depender dos valores envolvidos.
Ao longo dos últimos anos, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) tem se manifestado no sentido de que planos de Stock Options possuem, em essência, natureza remuneratória. O Poder Judiciário, por sua vez, tem ido na contramão desse entendimento, com decisões favoráveis, de forma majoritária, ao reconhecimento da natureza mercantil. Assim, há situações em que pode fazer sentido que a empresa e os participantes ingressem em juízo preventivamente no momento do exercício das opções para defender a natureza mercantil do plano, evitando-se com isso a aplicação das penalidades acima mencionadas na hipótese de lavratura de auto de infração. Atualmente há processos sob análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas até o momento não há nenhuma decisão sobre o assunto neste tribunal superior.*
* Diante deste imbróglio jurídico, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.724/2022, que prevê a criação do Marco Legal das Stock Options. O projeto tem por objetivo definir, entre outros aspectos, a natureza mercantil dos planos de Stock Option, desde que cumpridas determinadas condições mínimas, trazendo, assim, maior segurança jurídica ao mercado.
Operações de venture capital e o CADE
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Operações de venture capital e o CADE
Entendendo os impactos concorrenciais nas rodadas de investimento
Feita as reflexões sobre as principais modalidades de investimentos de venture capital em startups, passaremos a abordar como rodadas de investimentos, especialmente em estágios mais avançados, podem exigir a aprovação prévia do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão de defesa da concorrência responsável por analisar o impacto de operações de fusões e aquisições no Brasil, revelando-se um de tema importante para a indústria de venture capital.
Investimentos concluídos antes dessa aprovação (quando necessária) expõem investidores e startups a investigações e penalidades que podem comprometer o bom andamento das rodadas atuais e futuras.
Outra importante razão para o tema estar no radar da indústria de venture capital é que o setor de tecnologia tem sido objeto de especial atenção por parte do Cade, que inclusive tem realizado uma série de estudos a respeito dos novos padrões de concorrência na era digital.
Nesse contexto, abordaremos:
(i) os critérios para que um investimento dependa de aprovação prévia do Cade;
(ii) os cuidados a serem adotados nesses casos; e
(iii) uma visão geral do processo de análise do Cade, desde a apresentação do caso, até a aprovação.
Quando um investimento deve ser notificado ao Cade?
A análise da obrigatoriedade de notificação de uma operação ao Cade não é trivial e, se feita de forma incorreta, pode causar
prejuízos aos investidores, fundadores e startups. De toda forma, explicaremos abaixo como essa análise pode ser feita, com a ressalva de que não é exaustiva e casos concretos podem ter nuances que dependem de uma análise mais aprofundada.
O Cade analisa todas as transações que preenchem os seguintes critérios específicos e cumulativos:
(i) os grupos econômicos envolvidos atingem critérios de faturamento bruto iguais ou superiores aos estabelecidos por lei;
(ii) a transação em si que configura ”ato de concentração”; e
(iii) possui efeitos no Brasil. Abaixo sugerimos um passo- a-passo seguindo essa ordem dos critérios que reflete uma forma objetiva de se analisar se uma transação precisa ser notificada ao Cade no caso de rodadas de investimentos de venture capital.
Faturamento bruto registrado no Brasil pelos grupos
econômicos envolvidos
São de notificação obrigatória apenas transações em que pelo menos um dos grupos envolvidos tenha registrado faturamento bruto anual no Brasil, no ano anterior à transação, equivalente ou superior a R$ 750 milhões, e, cumulativamente, pelo menos um outro grupo envolvido na transação que tenha registrado faturamento bruto anual no Brasil, no ano anterior à transação, equivalente ou superior a R$ 75 milhões.
O Cade possui uma definição específica para grupo econômico, a qual não necessariamente guarda relação com as definições do ponto de vista societário ou constantes de outras regulamentações. No caso de empresas, isso pode incluir não só o grupo da empresa e suas investidas (ainda que de forma minoritária), mas também qualquer acionista que possua, direta ou indiretamente, ao menos 20% do capital social ou votante da empresa e todas as empresas nas quais esse acionista detenha, direta ou indiretamente, pelo menos 20% do capital social ou votante. Já no caso de fundos, isso pode incluir todas as empresas em que o fundo envolvido na transação detiver, direta ou indiretamente, controle ou pelo menos 20% do capital social ou votante; e, caso aplicável, o grupo econômico de qualquer cotista que detenha, direta ou
indiretamente, pelo menos 50% desse fundo (individualmente ou por meio de acordo de cotistas).
Trata-se de análise que deve ser feita de forma concreta e detalhada para que as partes possam assegurar que
consideraram todas as entidades que, na interpretação do Cade, deveriam entrar no cômputo do faturamento daquele grupo econômico específico.
Enquadramento como “ato de concentração”
A regulamentação do CADE estabelece quais operações societárias ou contratos são considerados como atos de concentração. Para fins desse artigo focaremos nos
investimentos decorrentes de aquisição de participação societária e/ou de títulos de dívidas conversíveis em participação societária, que são os contratos da indústria de venture capital mais tipicamente celebrados no Brasil.
As aquisições de participações societárias podem ser enquadradas como ato de concentração, em especial nas hipóteses descritas abaixo:
Aquisição de participações minoritárias:
(a) 20% ou mais do capital social ou votante, nos casos em que o investidor e seu grupo econômico não detiver investimentos em empresas concorrentes ou que possam fornecer insumos/serviços à/ adquirir insumos/serviços da startup; e
(b) A aquisição de 5% ou mais do capital social ou votante efetivamente emitido, nos casos em que o investidor e seu grupo econômico detiver investimentos em empresas concorrentes ou que possam fornecer insumos/serviços à / adquirir insumos/serviços da startup.
Aquisições de participações societárias
Com relação às operações envolvendo instrumentos de dívidas conversíveis, seu enquadramento como ato de concertação também estará vinculado às participações que poderão ser adquiridas quando da sua conversão, conforme os critérios mencionados acima. No entanto, para esses casos,
o momento da notificação ao Cade (se na emissão da dívida ou na sua conversão) dependerá da existência de direitos, por parte do investidor, de indicar membros dos órgãos de gestão, de “fiscalizar” as atividades da startup ou de direitos de voto ou veto sobre questões concorrencialmente sensíveis.
Efeitos no Brasil
Por fim, em relação aos efeitos no Brasil, é esperado que esse critério seja atingido sempre que a startup estiver sediada no Brasil ou quando estiver baseada fora do Brasil, mas
com presença direta e/ou indireta no Brasil (por exemplo, fornecendo produtos/serviços a clientes localizados no
Brasil), podendo haver situações limítrofes de empresas localizadas fora do Brasil que mereçam uma discussão mais aprofundada.
O investimento precisa de aprovação do Cade, e agora?
Caso o investimento seja de apresentação obrigatória ao Cade, as partes (investidores, fundadores e startups) não podem concluí-lo até a aprovação definitiva ser divulgada pelo Cade.
Isso significa que as partes devem manter total independência e não podem adotar quaisquer atos que possam ser vistos como uma tentativa de implementação do investimento, ainda que parcial. O não cumprimento dessa regra sujeita investidores, fundadores e as startups a um processo perante o CADE que pode resultar:
(i) na obrigatoriedade de notificar o investimento, caso ainda não tenha sido feito;
(ii) em multa, que pode variar de R$ 60 mil a R$ 60 milhões;
(iii) na eventual declaração de nulidade do investimento; e
(iv) na investigação das partes por conduta anticompetitiva.
A forma mais clara de implementação prematura do investimento é a transferência de recursos para a startup e/ou da participação societária para os investidores.
Contudo, há outras formas de implementação prematura, dentre as quais o exercício de influência de uma parte sobre a outra. No caso da indústria de venture capital, as formas mais comuns seriam:
(i) o exercício, pelo investidor, de direitos políticos decorrentes da participação societária ou dos títulos conversíveis a serem adquiridos, tais como direitos de voto ou veto sobre questões que digam respeito a estratégia e a atuação comercial da startup; e
(ii) a indicação de membros do conselho de administração. Nessas duas situações, as partes precisam tomar o cuidado de deixar claro nos documentos que formalizam o investimento que tais atos só poderão ser realizados após a aprovação definitiva do Cade (isto é, que a aprovação do Cade é uma “condição suspensiva” à implementação do investimento).
Outro ponto que merece atenção é a troca indevida de “informações concorrencialmente sensíveis”, em especial quando os investidores envolvidos são potencialmente concorrentes e/ou fornecedores/clientes da startup. Nessas hipóteses, pode ser importante estabelecer protocolos e procedimentos que permitam aos investidores avaliarem o valor do negócio e conduzir o processo de diligência dentro de padrões aceitos pelo Cade.
Visão geral do processo de notificação
Quando as partes concluem que um investimento exigirá a aprovação do Cade, o recomendável é que a sua apresentação seja posterior à assinatura do documento vinculante que formaliza os termos do investimento e, como visto acima, antes da sua efetiva conclusão.
O processo se inicia com o envio ao Cade de um formulário de notificação com informações sobre as partes envolvidas e os mercados afetados pela operação, bem como os documentos aplicáveis, incluindo, por exemplo, o acordo de investimento e acordo de acionistas (se houver).
O volume de informações a serem apresentadas e o tempo de análise pelo Cade dependem do procedimento aplicável ao caso concreto. O procedimento sumário é voltado para transações de menor complexidade, nas quais a participação combinada da startup e das demais empresas do portfólio do
investidor nos mercados afetados pela transação for menor do que 20% (em caso de empresas concorrentes) ou ou 30% (em caso de empresas que possam fornecer insumos ou serviços para a outra). Como regra geral, operações analisadas sob
o rito sumário (que costumam representar mais de 75% dos casos notificados) possuem um prazo para análise e aprovação entre 30 e 45 dias, a contar do protocolo formal perante o CADE. No melhor conhecimento da indústria, a
maioria dos investimentos de venture capital são analisados e aprovados seguindo o rito do procedimento sumário.
O papel da propriedade
intelectual nas operações de venture capital
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O papel da propriedade intelectual nas operações de venture capital
A importância dos direitos de propriedade intelectual na atração de investimentos
Neste capítulo, abordaremos como a propriedade intelectual tem influência em operações de venture capital e como sua proteção é relevante na atração de investimentos, em especial no setor de tecnologia.
Startups são frequentemente responsáveis por trazer ao mercado novos produtos e novas formas de resolver problemas existentes da sociedade ou de mercados específicos. Não à toa, é comum que os ativos de propriedade intelectual sejam os maiores diferenciais competitivos de algumas dessas empresas. Neste contexto, é fundamental que estas empresas procurem a proteção destes ativos e a forma de exploração mais adequada para que consigam usufruir dos benefícios destas inovações.
O que é propriedade intelectual?
De acordo com a definição da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), a propriedade intelectual refere-se às “criações da mente”, incluindo invenções, programas de computador, marcas, obras literárias e artísticas, ilustrações, modelos utilizados no comércio, entre outros.
Os direitos sobre tais criações são essenciais para que inventores, pesquisadores e empresas que despendem tempo e dinheiro no processo de ideação e desenvolvimento de produtos e serviços sejam recompensados e possam exercer controle acerca do uso destas criações por terceiros.
Em linhas gerais, a propriedade intelectual divide-se em dois sub-ramos: a propriedade industrial e os direitos autorais
e conexos. A propriedade industrial relaciona-se a ativos de empreendimentos empresariais, incluindo, por exemplo,
marcas, desenhos industriais, patentes de invenção e modelos de utilidade. A Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1998 (“Lei de Propriedade Industrial”) regula tal categoria de direitos.
Por sua vez, os direitos autorais e conexos abrangem obras literárias, artísticas e científicas, bem como interpretações ou execuções e radiofusões, além de programas de computador. A Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998 (“Lei do Software”) aborda especificamente temas relacionados a programas de computação, ao passo que a Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 (“Lei de Direitos Autorais”) trata dos direitos autorais das demais criações intelectuais artísticas.
Relevância da propriedade intelectual para as startups
Em um contexto de grande competitividade e forte incentivo ao desenvolvimento de soluções arrojadas, frequentemente a propriedade intelectual é fundamental para que uma startup tenha sucesso ou consiga atrair o interesse de investidores.
Nesse sentido, o timing é fator crucial ao implementar uma estratégia de proteção de ativos de propriedade intelectual, não só porque a janela temporal para reivindicação da proteção de direitos é, via de regra, limitada, mas também porque muitos investidores condicionam (ou, no mínimo, precificam)
o investimento levando em conta a situação encontrada na auditoria jurídica dos ativos de propriedade intelectual.
Tendo isso em mente, startups podem adotar algumas condutas para potencializar as chances de receberem investimentos:
• Garantir que todos os seus ativos de propriedade intelectual registráveis já foram ao menos depositados junto às autoridades competentes: preocupações preliminares com o registro das marcas que identificam as atividades da startup, bem como potenciais patentes de invenções, nomes de domínio ou programas de computador contribuem para
o fortalecimento do portfólio de propriedade intelectual da empresa;
• Estabelecer políticas internas de propriedade intelectual: com políticas internas definidas e difundidas aos funcionários, o processo de criação, aquisição, manutenção e registro de ativos de propriedade intelectual torna-se
delineado, o que evidencia a investidores cautela da empresa com o tema;
• Conduzir auditorias internas preliminares: por meio de auditorias internas, a startup pode identificar gaps de proteção e buscar formas de resguardar sua propriedade intelectual antes mesmo de ser auditada por potenciais
investidores, podendo evitar questionamentos ou acelerar o processo de diligência, no contexto de uma transação;
• Incluir cláusulas protetivas em contratos: a fim de proteger ativos de propriedade intelectual potencialmente transacionados com clientes e parceiros comerciais, bem como com empregados e funcionários que tenham contato
ou sejam responsáveis pelo desenvolvimento da propriedade intelectual própria;
• Monitorar atividades de concorrentes: o monitoramento de atividades de empresas concorrentes, com o objetivo de potencialmente identificar infrações de propriedade intelectual, sendo possível desenvolver estratégias de
defesa que podem envolver medidas extrajudiciais ou mesmo judiciais, a depender do caso;
• Avaliar mercado de atuação da startup: a avaliação do mercado territorial de atuação da startup é um passo importante para a definição de quais tipos de medidas
serão tomadas pela empresa na proteção de suas invenções. Algumas modalidades de proteções (como marcas, patentes e desenhos) são concedidas somente para os países em
que o titular solicitou a proteção; outras proteções, tais como direitos autorais, segredos de negócio e programas de computador, tem tratamentos variados a depender dos países e dos tratados dos quais estes países fazem parte.
É valioso ao empreendedor, portanto, saber a extensão de sua proteção e ter a capacidade para definir quais caminhos seguir e quando, tendo segurança jurídica e maior conforto
quanto ao cronograma de investimentos para buscar referidas proteções.
Em alguns casos, convenciona-se que parte do valor captado em rodadas de investimento deve ser utilizado na expansão da proteção dos ativos para outros territórios ou mesmo
na implementação de uma nova estratégia de proteção dos ativos. Nestas situações, a experiência mostra que a priorização das medidas frente aos objetivos da startup,
bem como a avaliação sobre as formas de cumprir com estas condições (por exemplo, se o pedido de proteção deve ser precedido por uma busca anterior ou não) podem representar uma economia relevante à startup e uso mais eficiente dos recursos recebidos.
Principais ativos de propriedade intelectual desenvolvidos ou utilizados por startups
É primordial que o empreendedor identifique os diferentes tipos de ativos intelectuais englobados em seu negócio, para que possa definir como melhor resguardá-los e
potencialmente atrair investimentos e conquistar crescimento dentro do respectivo setor.
Dentre os principais ativos desenvolvidos ou utilizados por startups para conduzir suas atividades, podemos destacar os seguintes:
• Marcas: são sinais visualmente perceptíveis que permitem a distinção de produtos e serviços de outros do mesmo gênero, de mesma atividade ou afins. O registro de marcas é feito perante o Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (INPI) e se faz relevante antes mesmo do início das atividades da startup, a fim de garantir que sua identidade visual não seja questionada por concorrentes em estágios futuros, especialmente quando houver maior aporte de capital e consequente aumento de nicho de mercado. Tão
logo o empreendedor defina um nome para identificar suas atividades, recomenda-se a condução de buscas prévias junto à base de dados do INPI para identificação de potenciais marcas anteriormente registradas por terceiros que possam inviabilizar o registro da marca do empreendedor;
• Nomes de domínio: no Brasil, o responsável pelo registro de nomes de domínio, sob a terminação “.br”, é o Registro. br. É importante que o empreendedor verifique se o nome de domínio correspondente às marcas e sinais que identificam suas atividades estão disponíveis para registro junto ao Xxxxxxxx.xx, preferencialmente buscando a proteção antes mesmo de divulgar seus produtos ou serviços no mercado;
• Patentes: as patentes protegem invenções ou modelos de utilidade por um período limitado de tempo dentro de determinada jurisdição. A invenção diz respeito a uma nova solução técnica para um problema específico de um determinado campo, enquanto o modelo de utilidade é uma
nova forma ou disposição em um objeto de uso prático, para melhorar o seu uso ou a sua fabricação. Vale destacar que para ser patenteável, a invenção deve atender aos requisitos da Lei de Propriedade Industrial brasileira de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Por sua vez, somente será patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático (ou parte deste) suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição (ou seja, envolva ato inventivo) e que resulte em melhoria funcional no seu uso
ou em sua fabricação. Em algumas situações, o produto ou serviço desenvolvido pelo empreendedor pode não preencher concomitantemente todos os requisitos legais e, nesse caso, buscar a proteção via patente não trará bons resultados. Por isso, é importante contar com assessoria jurídica e técnica para verificar a viabilidade do registro junto ao INPI;
• Segredos de negócio: de maneira geral, os segredos de negócio compreendem informações confidenciais que
conferem uma vantagem competitiva aos seus detentores e que sejam objeto de esforços razoáveis para manutenção da confidencialidade. Exemplos incluem técnicas industriais, know-how, listas de clientes e fornecedores, planos e estratégias de negócio, fórmulas, receitas, processos de produção, dentre outras informações que afiram vantagem competitiva ao detentor. Os segredos de negócio,
portanto, não são registráveis e devem ser mantidos em extrema confidencialidade, sendo protegidos legalmente principalmente pelas regras existentes contra a concorrência desleal. Tal estratégia pode ser uma alternativa à proteção patentária caso o empreendedor tenha como objetivo manter para si a exclusividade de uso sobre determinado
conhecimento por período maior que 20 anos (período máximo de proteção de patentes), não queira divulgar detalhes técnicos da invenção para o público em geral ou mesmo em casos de não preenchimento dos requisitos de patenteabilidade (indicados acima);
• Programas de computador: são conjuntos de instruções escritas em linguagem de programação para que sejam realizadas determinadas tarefas. Um software pode ser definido, ainda, como “expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”, nos termos
do artigo 1º da Lei de Propriedade Intelectual. No Brasil, os programas de computador são protegidos por direitos
autorais, de modo que sua proteção independe de registro. De todo modo, o registro facultativo junto ao INPI, de natureza declaratória, é alternativa para obter um nível mais alto
de segurança jurídica quanto à autoria e, ainda, resguarda o empreendedor contra eventuais usos indevidos ou não autorizados.
Uso e desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial
Tecnologias disruptivas que envolvem uso de inteligência artificial (IA), em especial de natureza generativa, têm se tornado cada vez mais usuais. Nesse sentido, diversas
startups atuam diretamente na criação de tais ferramentas ou mesmo utilizam destes aparatos desenvolvidos por terceiros para construir seus próprios produtos ou serviços.
Enquanto avanços legislativos no campo de inteligência artificial não se concretizam, é importante que usuários e desenvolvedores de produtos baseados em IA atuem com
responsabilidade e ética, já que a atual falta de regulação do tema não representa que produtos criados por IA podem ser livremente explorados, em especial para fins comerciais.
Assim, cabe às startups cautela e especial atenção aos termos de uso de plataformas de IA, bem como os direitos de terceiros sobre dados e informações utilizados pela IA para gerar novos conteúdos.
Considerações finais
Em um contexto dinâmico como o de investimentos de venture capital, a propriedade intelectual assume uma significativa importância para startups, em especial as que estão em estágios preliminares de atividade. O desenvolvimento e proteção de ativos de propriedade intelectual pode ser fator determinante na atração de investidores e ampliar as perspectivas de sucesso a longo prazo.
Cabe aos empreendedores, em conjunto com sua assessoria jurídica, adotar estratégias eficazes para resguardar-se neste âmbito, a fim de assegurar financiamento, destacar-se frente aos concorrentes e garantir que seus processos inovadores trarão benefícios para a coletividade.
Processo de
investimento de
venture capital
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Processo de investimento de venture capital
Fases que antecedem o investimento e como investidores se protegem de riscos
Neste capítulo voltaremos “algumas casas” para apresentar as principais fases anteriores à concretização do investimento, que costumam balizar as negociações entre investidores e startups até o fechamento da transação. Como costumamos ouvir de investidores e empreendedores, a rodada não pode ser celebrada até o dinheiro entrar no caixa da startup,
sendo importante, portanto, ter uma visão clara sobre todo o processo que antecede esse tão desejado momento.
O gráfico abaixo ilustra esse processo:
1 Oportunidade de Negócios
Efetiva emissão de ações pela startup e subscrição e integralização das ações pelo investidor
Fechamento 6
5
Condições
Suspensivas
Documentos Jurídicos Preliminares
2
3 Due Diligence
Exemplos:
• Transformação em S.A
• Aprovações regulatórias
• Obtenção de licenças
• Jurídica • Contábil
• Financeira • Técnica
4 Negociação de Contratos
• Acordo de Investimento
• Acordo de Acionistas
• Estatuto Social
Vejamos em maior detalhe cada uma dessas etapas:
Oportunidades de Negócios
No processo de seleção de startups, denominado pelos VCs de “scouting”, os investidores mantém conversas preliminares com potenciais empresas-alvo, avançando-se às fases subsequentes do processo de investimento quando há interesse mútuo das partes.
Assim, o primeiro grande desafio das startups em jornada de captação é superar esse funil inicial e despertar o interesse de investidores que estejam dispostos a dedicar tempo e
recursos nas fases subsequentes do processo de investimento.
Acordos Preliminares
Superada essa fase inicial, é essencial que acordos preliminares sejam celebrados entre o investidor e a startup, para garantir que as partes estejam alinhadas e comprometidas em avançar no processo de negociação em termos mutuamente aceitáveis.
Esses documentos servem como alicerce para o processo de investimento e estabelecem as diretrizes pelas quais as negociações serão conduzidas.
– Non-Disclosure Agreement
Nesse momento, é prática comum a assinatura de um Acordo de Confidencialidade (Non-Disclosure Agreement – NDA).
Esse documento estabelece um compromisso mútuo de manter informações sensíveis e estratégicas em sigilo, protegendo os interesses de ambas as partes. Isso permite que as partes compartilhem informações críticas sem o risco
de divulgação inadequada, ou ao menos com a previsão de mecanismos de indenização caso haja algum vazamento impróprio.
Para a startup é estratégico controlar o fluxo de informações no processo de investimento e os potenciais investidores que terão acesso a informações sobre seu modelo de negócios, precificação, tração e histórico financeiro, dentre outros aspectos relevantes.
Geralmente, NDAs protegem não somente informações sensíveis das partes, como também a divulgação da própria negociação do investimento em si, que é de interesse tanto do investidor como da startup que permaneça sigilosa até a conclusão da transação.
– Term Sheet
O term sheet é, habitualmente, o seguinte documento a ser assinado entre as partes, após a assinatura do NDA e a
análise, pelo investidor, das informações iniciais fornecidas pela startup. Vale ressaltar que, em algumas ocasiões,
as partes optam por não celebrar um NDA por separado, incluindo um compromisso de confidencialidade diretamente no term sheet.
O term sheet tem por objetivo estabelecer, em linhas gerais, os principais termos e condições do investimento proposto
– incluindo questões como natureza do investimento (dívida ou equity), valor do investimento, valuation da startup, direitos de governança, etc. – ajudando, assim, a alinhar as expectativas antes das partes avançarem para a negociação dos contratos definitivos.
Normalmente, os term sheets são não vinculantes, no sentido de que as partes, pela sua assinatura, não se obrigam a consumar o investimento, ficando este condicionado, dentre outros fatores, à conclusão do processo de auditoria (due diligence) da startup em termos satisfatórios para o
investidor, bem como à negociação e celebração dos contratos definitivos.
Mas isso não significa dizer que as partes estejam desobrigadas de observar os seus termos. Além da obrigação genérica de negociar os contratos definitivos de boa-fé, há determinadas cláusulas do term sheet que
são vinculantes desde a sua assinatura como, por exemplo, a já mencionada obrigação de confidencialidade, além
da cláusula de exclusividade (no-shop provision), por meio da qual o investidor exige que a startup não inicie negociações paralelas com outros potenciais investidores por um determinado período, garantindo que a startup
esteja totalmente comprometida com a transação enquanto as partes dedicam esforços à análise e negociação do investimento.
Em resumo, esses documentos jurídicos preliminares são ferramentas cruciais para a condução das negociações de forma estruturada e transparente. Eles estabelecem a base para a colaboração entre as partes, garantem a confidencialidade das informações envolvidas e permitem que os detalhes críticos
do acordo xxxxxxx xxxxxxxxx previamente. À medida que as negociações progridem, esses documentos servem, ainda, como guias valiosos para a elaboração dos contratos definitivos que concretizarão o investimento.
Due Diligence
A partir da celebração do NDA e/ou do term sheet, inicia-se a fase de due diligence da startup.
A due diligence é um processo de auditoria da empresa- alvo (abrangendo aspectos jurídicos, financeiros, contábeis, etc.), realizado pelos assessores do investidor para validar as informações transmitidas pela startup nas etapas
precedentes e, além disso, identificar eventuais contingências (potenciais ou já materializadas) que a afetem, de forma que o investidor possa decidir o melhor tratamento a ser dado a cada uma elas nos contratos da operação – ou mesmo, em situações mais críticas, até desistir do investimento.
É nesta fase que o investidor, com o apoio dos seus assessores, irá analisar, por exemplo, quem são os titulares do capital social da startup em bases totalmente diluídas, se a startup é proprietária dos direitos de propriedade intelectual necessários ao desenvolvimento do seu negócio,
se tem as licenças necessárias para operar, se está envolvida em procedimentos administrativos ou judiciais (trabalhistas, tributários, etc.) que possam causas perdas, dentre muitos outros aspectos.
Nas etapas iniciais do desenvolvimento das startups, a due diligence tende a ser relativamente rápida, na medida em que a startup, teoricamente, possui poucos anos de existência e, consequentemente, poucos ativos, contratos, empregados, entre outros tópicos de atenção. Em linhas gerais, quanto mais avançado o estágio de desenvolvimento da empresa, mais complexa e demorada tende a ser a due diligence.
Negociação de Contratos
Uma vez devidamente delineadas as características do investimento proposto e mapeados, durante o processo de due diligence, os principais riscos envolvidos, as partes têm elementos para avançar para a fase de preparação e negociação dos contratos definitivos da transação.
Como visto anteriormente, os principais contratos a serem negociados nessa fase, nos casos de investimento via participação societária (equity), são o Acordo de Investimento e o Acordo de Acionistas.
Concluída a negociação desses contratos, passa-se à fase de assinatura (signing) do Acordo de Investimento. Nas operações mais simples, existe a possibilidade de que
a transação seja assinada (signing) e fechada (closing) simultaneamente.
Ocorre que, em muitos casos, faz-se necessário estruturar a assinatura e o fechamento da transação em duas
fases distintas. Essa necessidade surge quando existem circunstâncias que precisam ser resolvidas após a assinatura do Acordo de Investimento e antes do fechamento – as chamadas condições suspensivas ou precedentes (comumente chamadas de “CPs”).
As CPs são cláusulas importantes que definem os eventos que devem ocorrer antes que o investimento seja efetivamente concluído. Abaixo estão alguns exemplos de condições suspensivas comuns em investimentos em startups:
– Transformação em sociedade anônima
Como já visto, a obrigação de transformação da empresa-alvo de sociedade limitada em sociedade anônima costuma ser uma exigência dos investidores. Nesse contexto, o Acordo de
Investimento é assinado enquanto a sociedade ainda é uma sociedade limitada, sendo a sua transformação em sociedade anônima estabelecida como CP, de tal forma que a startup já seja uma S.A. no fechamento da transação.
– Aprovações regulatórias
Neste caso, a condição suspensiva consiste na obtenção de determinada aprovação regulatória após a assinatura do contrato, mas antes do fechamento da transação.
Exemplo típico, aplicável a algumas operações de maior envergadura, é a aprovação prévia do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autoridade antitruste brasileira, nas hipóteses que a lei a exige, conforme explicado no Capítulo “Operações de Venture Capital e o CADE”.
Nesse caso, a assinatura do contrato se mostra como um requisito mínimo necessário para que as partes dediquem esforços e recursos para obter tal aprovação. Ao mesmo tempo em que a transação não pode ser fechada sem que a autorização tenha sido obtida. Assim, estabelece-se a obtenção da aprovação como condição ao fechamento da operação.
No mesmo sentido, startups que atuam em setores regulados (bancário, saúde, seguros, etc.) podem estar sujeitas a normas que exigem a aprovação prévia dos órgãos governamentais competentes (Banco Central, ANVISA/ANS, SUSEP, etc.), em cujos casos tal aprovação também será incluída nos contratos como uma CP a ser cumprida antes do fechamento.
– Consentimento de terceiros
Existe também a possibilidade de que a transação precise contar com o consentimento de terceiros, para além dos órgãos governamentais mencionados anteriormente.
Pensemos, por exemplo, no caso de uma startup que tenha
contraído um empréstimo com um banco, prevendo o contrato que qualquer mudança no quadro acionário da sociedade é causa de vencimento antecipado da dívida. Nesse caso, será necessário obter a aprovação (waiver) do banco para que a transação seja concluída sem causar o vencimento antecipado da dívida ou a aplicação de eventuais penalidades.
– Criação de option pool
Outra CP habitual em transações de venture capital consiste na criação de um option pool pela startup, ou seja, a emissão de novas ações pela startup que ficarão reservadas para serem posteriormente atribuídas a colaboradores da startup no âmbito de programas de incentivo de longo prazo (stock option plans, por exemplo). Os investidores costumam
exigir que esse pool seja criado antes da concretização do investimento, pois, do contrário, a emissão de ações dele derivada causaria diluição na participação dos investidores na startup.
Fechamento
Depois de cumpridas todas as condições suspensivas, as partes estão em condições de avançar para o fechamento da transação. O fechamento é o momento em que, em uma operação primária, as ações são efetivamente emitidas pela startup e, ato contínuo, subscritas e integralizadas
pelos investidores. É a consumação da transação, em que os recursos são, enfim, transferidos ao caixa da startup.
É no fechamento que são adotadas todas as providências necessárias para a consumação do investimento, como, por exemplo: as anotações correspondentes nos livros de ações (sociedades anônimas) ou a assinatura de uma alteração
ao contrato social (sociedades limitadas), em ambos casos para refletir o aumento de capital da startup e o ingresso dos investidores no quadro societário; a efetiva transferência dos
recursos pelo investidor à startup, a título de integralização das novas ações; bem como a assinatura do Acordo de Acionistas (já que é apenas nesse momento que o investidor adquire a condição de acionista da startup).
Concluída a transação, é comum que haja, ainda, obrigações pós-fechamento a serem cumpridas pela startup (caso não tenham sido cumpridas anteriormente), como, por exemplo, a implementação de políticas específicas (anticorrupção, propriedade intelectual, segurança da informação, etc.), a elaboração de um programa estruturado de atendimento aos requisitos da lei de proteção de dados pessoais ou outras normas setoriais, dentre outras questões relevantes para a operação da startup pós-investimento.
O mesmo vale para obrigações aplicáveis aos fundadores que, conforme o caso, podem estar sujeitos a obrigações de Não-Concorrência (non-compete) e Não-Aliciamento (non- solicitation), conforme descritas em capítulo anterior.
Radiografia do investidor
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Radiografia do investidor
Principais características, objetivos e incentivos dos fundos de venture capital
Neste capítulo, abordaremos as principais características dos fundos de investimento em venture capital, contribuindo para que os empreendedores tenham uma visão mais clara sobre
o perfil desses investidores e, assim, uma visão completa do processo de captação.
Vale ressaltar que os fundos de investimento são apenas um dos vários players da indústria de venture capital.
Também participam desse jogo os investidores anjo, aceleradoras, incubadoras, entidades de fomento, dentre muitos outros. Entretanto, o foco que daremos aqui aos fundos de investimento em venture capital se justifica pela sua preponderância na indústria e sua importância como principais provedores do tão buscado smart money para as startups.
Veículo regulado pela CVM
No Brasil, os fundos de investimento são condomínios de natureza especial constituídos de acordo com o artigo 1.368-C e seguintes do Código Civil, regulados pela Resolução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nº 175, de 23 de dezembro de 2022 (Resolução CVM 175). Em especial, os fundos de investimento em participações (FIP), tipo mais utilizado na indústria de venture capital, são regulados pelo Anexo IV da Resolução CVM 175.
O quadro ao lado descreve de forma resumida o organograma típico de um FIP, incluindo seus principais prestadores de serviços. Em estruturas mais complexas, os FIPs podem
contar com estruturas master-feeder, veículos estruturados no exterior, comitês de investimento etc.
A constituição e funcionamento de um FIP demanda determinadas formalidades perante a CVM, como o registro do seu regulamento (similar ao contrato social de uma sociedade limitada), a contratação de prestadores de serviço também regulados pela CVM, a contratação de auditores independentes para opinar sobre as suas demonstrações financeiras, e a divulgação de determinadas informações periódicas para o mercado (como fatos relevantes e a composição da carteira de ativos do fundo). Por outro lado, não fica pública informação individualizada dos investidores do fundo, os cotistas (ao contrário de uma sociedade limitada).
Prestadores de Serviços Essenciais
Enquanto as sociedades empresárias contam com administradores para a condução de suas atividades, as principais atividades dos fundos de investimento são desempenhadas por seus prestadores de serviços. De acordo com a Resolução CVM 175, os fundos de investimento contam com dois prestadores de serviços essenciais: administrador e gestor do fundo.
O gestor é responsável pela definição da estratégia do fundo e pela tomada de decisões de investimento, monitoramento e desinvestimento. Ao longo da vida de um fundo, que chega a 10 anos na média, o time do gestor de um fundo de venture capital deve dividir seus esforços entre a captação de fundos no mercado, a busca por potenciais startups para serem investidas, o suporte às startups investidas e a venda de suas
participações na startup na fase de desinvestimento do fundo. Tendo em vista essa divisão de esforços e que, em geral,
as gestoras de venture capital estruturam diversos fundos em safras ou séries (comumente chamadas de vintages), é
de extrema importância para um founder entender quanto tempo uma gestora terá para se dedicar ao monitoramento da startup após a efetivação do investimento, porque, superado esse período, o fundo passará a concentrar seus esforços na venda da sua participação na startup – em outras palavras, no melhor exit possível.
O administrador é responsável pelas atividades de backoffice do fundo, incluindo atividades de tesouraria, controladoria, escrituração das cotas, e compliance. O administrador atua como um gatekeeper, assegurando que todas as operações
e transações do fundo estejam em conformidade com as regulamentações aplicáveis e com as políticas internas do fundo.
Objetivo
Como veículos estruturados para a gestão de recursos de terceiros, os fundos de investimento em venture capital tem como objetivo propiciar retornos atrativos a seus investidores por meio do investimento em participação societária de startups.
Os fundos de investimento em venture capital podem ser categorizados de diversas maneiras, considerando o foco e a estratégia de investimento que adotam. Algumas das principais formas de categorização desses fundos são:
tamanho da rodada (Seed, Series A, Series B, Growth, etc.), foco por indústria (Fintech, Healthtech, Agritech, etc.) e foco regional (Brasil, América Latina etc.).
Parte fundamental da estratégia de fundraising de uma startup é conhecer seus potenciais investidores e concentrar esforços nos fundos cujas estratégias sejam alinhadas às suas. Uma startup pode ter os melhores founders, MVP, product- market fit comprovado, mas uma Healthtech em Growth Stage simplesmente não conseguirá captar recursos com um fundo focado em Fintechs Early Stage.
Retornos Extraordinários: Power Law
O foco de investimento em startups implica na assunção de maior risco, portanto, os fundos de venture capital
geralmente buscam retornos extraordinários para compensar esse risco. Assim, os fundos de venture capital costumam adotar em seus investimento o princípio da Power Law, que sugere que uma pequena quantidade de investimentos terá retornos desproporcionalmente altos.
O gráfico ao lado* demonstra um exemplo de Power Law. Nele, são distribuídos os retornos positivos, realizados ou a realizar, sobre a base de quase duas mil empresas investidas por meio da plataforma da Angellist. Como podemos ver, mesmo considerando apenas os investimentos que trouxeram retornos positivos, apenas uma pequena parcela das startups consegue trazer retornos extraordinários para seus investidores.
* Gráfico retirado da plataforma AngelList, disponível em xxxxx://xxx. xxxxxxxxx.xxx/xxxx/xxxx-xxxxxxxxx-xxxx-xxxx-xxxxx-xxxxx-xxx- returns-in-venture-capital.
Considerando a altíssima taxa de mortalidade das startups brasileiras, que, a depender da fonte pode chegar a 90%, é fácil entender por que diversos gestores de venture capital afirmam que uma startup precisa apresentar um potencial de retorno de 100x para que seja bem sucedida em rodadas de investimento early stage. Desse modo, o sucesso de poucas startups integrantes do portfólio do fundo, tende a ser suficiente para compensar o insucesso de todas as demais.
Prazo de Duração
Os FIPs são organizados como fundos fechados, o que quer dizer que, quando um investidor aplica recursos no fundo, esses recursos não podem ser sacados/resgatados do fundo até o fim do seu prazo de duração. Em FIPs de venture capital, o prazo de duração é geralmente de 8 a 12 anos.
Esse prazo é dividido entre o período de investimento – durante o qual o gestor buscará startups para investir – e o período de desinvestimento – durante o qual o gestor apoiará o crescimento das startups investidas e realizará novos aportes de recursos (follow-ons) nas startups que tiverem melhor performance.
Do ponto de vista dos founders, é importante entender a dinâmica do prazo de duração – bem como dos períodos de investimento e desinvestimento – dos potenciais fundos que investirão em suas startups. Da mesma forma que, no exemplo acima, uma Healthtech não conseguirá captar recursos junto
a um fundo com foco em Fintechs, um fundo que esteja em período de investimento, em regra, não terá interesse
em vender suas participações nas startups investidas, mas aumentar seu valuation o máximo possível, assim como um fundo em fase de desinvestimento dificilmente fará um investimento em uma nova startup.
Na mesma linha, o horizonte de investimento do fundo pode representar diferentes perspectivas temporais entre gestores e founders, visto que, enquanto o founder pode desejar manter-se à frente de sua startup por um período extenso, o fundo, por sua estrutura e objetivos, pode ter a necessidade de realizar a venda de sua participação dentro de um prazo determinado.
Remuneração dos Prestadores de Serviços Essenciais
O gestor e o administrador do fundo são remunerados pelas taxas de administração, taxa de gestão e taxa de performance. No venture capital, essas taxas são habitualmente estabelecidas no formato “2 com 20”, expressão que resume
a prática de se cobrar 2% ao ano, calculados sobre o capital do fundo, a título de taxas de administração e gestão, e 20% da rentabilidade auferida pelos investidores do fundo, a título de taxa de performance.
Via de regra, a taxa de administração representa uma pequena parcela dos valores totais pagos pelo fundo aos seus prestadores de serviço essenciais. A taxa de gestão, apesar de representar uma parcela maior do “2”, tem como objetivo apenas “manter as luzes acesas” para a gestora (isto é, garantir o pagamento da parcela fixa dos salários, aluguel, equipamentos etc.).
A taxa de performance do fundo é o real mecanismo de alinhamento de interesses entre o gestor e os investidores do fundo. Como a taxa de gestão geralmente só é suficiente para custear necessidades básicas, é pelos “20” que os sócios e analistas da gestora têm a expectativa de receber
generosos bônus ao realizarem investimentos bem sucedidos. Por exemplo, se um fundo retornar aos seus investidores R$300 milhões após o benchmark (ex., IPCA + 5%), o gestor terá direito a R$60 milhões (20% dos R$300 milhões de “rentabilidade” dos investidores).
O esquema de taxas cobradas em um fundo de investimento nos ajuda a entender a dimensão do desafio de um gestor de venture capital. Na lógica do “2 com 20”, de cada real captado por um fundo, uma parte deve ser reservada para o
pagamento das taxas de administração e gestão. Depois, são deduzidos custos com a estruturação e distribuição do fundo, custos com consultores jurídicos, diligências etc. Apenas
o restante é alocado para efetivo investimento em equity das startups, e essa parcela restante precisa gerar retornos significativos, superando os custos e taxas, para alcançar o sucesso financeiro esperado pelo fundo e seus investidores.
Ao lembrarmos da taxa de mortalidade para as startups brasileiras, a expectativa de retornos de 100x para as startups sobreviventes deixa de parecer algo tão exagerado.
Considerações finais
A compreensão do funcionamento, dos incentivos e dos desafios enfrentados pelos gestores de fundos de venture capital é imperativa para os fundadores de startups. Isso não apenas esclarece as expectativas e estratégias por trás dos
investimentos em startups, mas também ilumina o caminho para uma colaboração mais sinérgica e xxxxxxxx entre investidores e empreendedores.
Ao reconhecer a complexa dinâmica de risco, retorno e alinhamento de interesses que guia os fundos de venture capital, os founders podem posicionar melhor suas startups, não apenas para captar investimentos, mas também para aproveitar ao máximo a experiência, as redes e os recursos que esses fundos trazem consigo, maximizando assim suas chances de sucesso e crescimento sustentável nesta indústria altamente competitiva.
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