A cláusula do tratamento nacional em matéria tributária do GATT/94 e o Brasil:
A cláusula do tratamento nacional em matéria tributária do GATT/94 e o Brasil:
validade e responsabilidade internacional em face do artigo 151, III, da Constituição Federal de 1988*
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx
Sumário
Introdução. 1. A celebração do acordo GATT/ 94 pelo Brasil. 1.1. Da competência da União Federal para a celebração de tratados internacionais. 1.2. Da obrigatoriedade do ar- tigo III do GATT/ 94 para o Brasil. 2. Da respon- sabilidade internacional do Brasil pelo des- cumprimento do artigo III:2 do GATT/ 94 rela- cionado com a insenção de tributos estaduais e municipais. 2.1. Da responsabilidade interna- cional do Estado por ato ilícito – síntese do re- gime geral. 2.2. Da responsabilidade internaci- onal no sistema da OMC e da violação do arti- go III:2 do GATT/ 94 pelo Brasil relacionada com o art. 151, III, da CF/ 88. Conclusão.
*Artigo a ser publicado em duas partes (segunda parte na próxima edição).
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx é Juíza Federal em Porto Alegre-RS, Especialista em Direito Inter- nacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Professora de Direito Interna- cional Público da Escola Superior da Magistra- tura Federal do Rio Grande do Sul – ESMAFE.
Introdução
A celebração do GATT/ 94 pelo Brasil trouxe consigo, em virtude do disposto no art. 151, III, da Constituição Federal de 1988, um problema relativo à aplicação de uma de suas normas, a cláusula do tratamento na- cional, quando dela resulte isenção de tri- butos estaduais e municipais.
A matéria tem dado origem a muitas difi- culdades tanto na doutrina como para os tribunais e ainda não foi decidida pelo Su- premo Tribunal Federal, que iniciou seu jul- gamento em fevereiro de 1999 e o suspen- deu em virtude de pedido de vista – RE 229096-0-RS. Em função de tais dificulda- des, a cláusula do tratamento nacional tem sido inclusive objeto de violação relaciona- da com o dispositivo constitucional menci-
onado. Segundo entendemos, a falta de uma abordagem sistematizada da questão tem contribuído para sua nebulosidade, que é, a nosso ver, apenas aparente.
Pretendemos tratar do tema a partir de uma investigação quanto à natureza da nor- ma do art. 151, III, da CF, isto é, quanto a constituir-se ela ou não em limitação à com- petência da União para representar a Repú- blica Federativa do Brasil no plano interna- cional, inclusive na celebração de tratados. A resposta a tal investigação nos permitirá apurar a validade da celebração do GATT/ 94 pelo Brasil e a conseqüente obrigatorie- dade de suas normas para o país. Em segui- da, tencionamos examinar a responsabili- dade internacional do Brasil perante a Or- ganização Mundial de Comércio pela vio- lação da cláusula do tratamento nacional em matéria tributária relacionada com o ar- tigo 151, III, da Constituição Federal.
O presente artigo se divide em duas par- tes, a primeira delas atinente à validade da celebração do GATT/ 94 pelo Brasil e à con- seqüente obrigatoriedade da cláusula do tra- tamento nacional correspondente para o país, e a segunda, à responsabilidade inter- nacional do Brasil perante a OMC pela vio- lação daquela cláusula relacionada com o art. 151, III, da CF/ 88.
1. A celebração do acordo GATT/94 pelo Brasil
O artigo III:2 do GATT/ 94, como se verá a seguir, exige tratamento tributário idênti- co para produtos domésticos e produtos similares importados. Dessa maneira, toda vez que um produto doméstico go- zar de isenção de tributos estaduais e municipais, os produtos similares impor- tados, por força daquela cláusula, também deverão ser beneficiados com tal isenção. Em virtude dessa disposição, surge a pro- blemática instaurada pelo artigo 151, III, da Constituição Federal, que proíbe a União de conceder isenções de tributos estaduais e municipais.
O artigo 151, III, da Constituição Federal objetivou afastar a possibilidade de a União instituir as chamadas isenções heterônomas , admitidas pelo sistema constitucional an- terior. Ocorre que, mesmo na vigência da- quele sistema, a possibilidade de a União conceder isenção de tributos estaduais e municipais era limitada, dependendo de edição de lei complementar e em atenção a “relevante interesse social ou econômico nacional” 1. Assim, à época da Emenda Constitucional 23/ 69, que outorgou aos es- tados a competência para tributar também
a mercadoria importada, marcando o fato gerador sua entrada em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, o Supre- mo Tribunal Federal entendeu que “à mer- cadoria importada de um país signatário do GATT ou membro da ALALC estende-se a isenção do ICM concedida a similar nacio- nal” – súmula 575 –, chegando a tal solu- ção principalmente por considerar o GATT um tratado-contratual. Examinando-se os diversos acórdãos que levaram à edição daquela súmula (ver XXXXXXXX, 1993, p. 94-97), vê-se que a controvérsia limitou-se à possibilidade ou não de a EC 23/ 69 ter re- vogado as disposições do GATT, já que ha- via instituído nova hipótese de incidência do tributo estadual. Posteriormente, em ra- zão de a Constituição de 1988 ter modifica- do a competência do STF, tais controvérsias passaram a ser decididas pelo Superior Tri- bunal de Justiça, que editou as súmulas 20 e 712 no mesmo sentido das decisões do STF, ambas anteriores ao GATT/ 94. Desse modo, os problemas tributários ocasionados em virtude da aplicação da cláusula do trata- mento nacional do GATT não são novos no sistema brasileiro. Entretanto, o GATT/ 94 não se confunde, no que diz respeito aos procedimentos de celebração e incorpora- ção, com os tratados anteriores e o fato de ter sido celebrado após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que inclui em seu texto o art. 151, III, fez com que surgisse uma nova discussão a respeito do tema, re- lacionada com o alcance daquele dispositi-
vo, na medida em que limite ou não a com- petência da União para celebrar tratados internacionais quando deles resulte isenção de tributos estaduais ou municipais.
Para resolver a problemática instaura- da, é preciso saber se o GATT/ 94 foi ou não validamente celebrado pelo Brasil e, conse- qüentemente, se o Brasil está ou não obriga- do ao cumprimento do artigo III:2, inclusive no que diz respeito às isenções de tributos estaduais e municipais.
1.1. Da competência da União Federal para a celebração de tratados internacionais
Questiona-se, em primeiro lugar, se a União poderia firmar tratados internacio- nais concedendo, ainda que de forma indi- reta, isenções de tributos estaduais e muni- cipais, ou seja, se ela teria competência para tanto 3. A questão é bastante relevante em virtude do disposto no art. 46 da Conven- ção de Viena sobre Direito dos Tratados.
O art. 46 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados prevê expressamente que, se um Estado determinado alegar ter firmado um tratado violando seu direito in- terno sobre competência para tanto, sendo, assim, nulo seu consentimento, somente poderá fazê-lo fundado em violação mani- festa de uma regra de seu direito interno de importância fundamental 4. A Convenção não foi ratificada pelo Brasil; entretanto, o país já a invoca plenamente nas suas rela- ções internacionais, podendo-se dizer que o conteúdo de suas normas deu origem a
um costume internacional por ele praticado 5. Na forma do artigo 46 da Convenção de
Viena, a violação manifesta de uma regra interna de importância fundamental equivale- ria a uma violação de norma constitucio- nal, não de norma interna ordinária. Ora, se
o art. 151, III, da Constituição Federal limita a competência da União para celebração de tratados internacionais, então o Brasil po- deria invocar o art. 46 da Convenção de Vi- ena para sustentar um vício do consentimen- to na celebração do próprio GATT/ 94, não podendo, a princípio, sofrer as conseqüên-
cias nele previstas pela violação das nor- mas correspondentes por um estado-mem- bro da federação. Se, entretanto, o art. 151, III, não se relaciona com a competência da União no que tange à celebração de trata- dos, então o Brasil não poderia invocar em seu favor aquele artigo e o acordo, se valida- mente celebrado e em vigor no plano inter- no, é eficaz quanto aos estados-membros.
Xxxxxxxx Xxxxxxxx ensina que há ao me- nos quatro tipos de hierarquia entre normas, estrutural, material, lógica e axiológica. Se- gundo ele, a relação de hierarquia estrutu- ral ou formal entre duas normas é aquela que decorre da estrutura da linguagem jurí- dica, em que uma norma, dita secundária, regula a produção jurídica de outra, dita primária. Conseqüentemente, a noção de hierarquia estrutural ou formal está intima- mente ligada à noção de validade formal, que examina se a norma foi produzida em con- formidade com aquela que disciplina sua produção (1996, p. 312-315). A Constitui- ção Federal de 1988 regula a produção jurí- dica de tratados internacionais, estabelecen- do os critérios de sua validade formal, entre eles fixando a competência para sua celebração.
Há muita controvérsia na doutrina e tam- bém na jurisprudência acerca da celebração, pela União, de tratados de que resultem isen- ções de tributos estaduais e municipais, mui- tas vezes sem que reste claro quanto a corres- ponder ou não a um problema de competên- cia relativa à celebração do tratado. Na dou- trin a, por exemplo, embora não com referên- cia expressa ao GATT/ 94, alguns autores se manifestaram contra a possibilidade de introdução de isenção de tributos estaduais
e municipais por meio de tratados interna- cionais celebrados pela União 6, enquanto outros posicionaram-se a seu favor 7. Na ju- risprudência, o Tribunal de Justiça do Esta- do do Rio Grande do Sul, por exemplo, en- tendeu que não mais prevalecem isenções concedidas ao abrigo da cláusula do trata- mento nacional do GATT 8. No mesmo senti- do, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro 9.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua Primeira Turma, decidiu inicialmente que a União Federal não tinha competência para celebrar tratados que acarretassem isenção de tributos estaduais e municipais em nome da República Federativa do Brasil:
“Tributário. Isenção. ICMS. Tra- tado internacional. 1. O sistema tri- butário instituído pela CF/ 1988 ve- dou a União Federal de conceder isenção a tributos de competência dos estados, do Distrito Federal e municípios (art. 151, III). 2. Em con- seqüência, não pode a União firmar tratados internacionais isentando o ICMS de determinados fatos gerado- res, se inexiste lei estadual em tal sen- tido. 3. A amplitude da competência outorgada à União para celebrar tra- tados sofre os limites impostos pela própria Carta Magna. 4. O art. 98, do CTN, há de ser interpretado com base no panorama jurídico imposto pelo novo sistema tributário nacional”.
Em seu voto, o relator, ministro Xxxx Xxx- xxxx, diz que “certo é que a amplitude que a Constituição Federal outorga à União Fede- ral para celebrar tratados recebe os limites impostos pela própria Carta. No caso, há em tema de isenção a proibição constitucio- nal de a União instituir isenções tributárias da competência dos Estados, do Distrito Fe- deral e dos Municípios (art. 151, III, CF)” 10.
Atualmente, duas posições são adotadas pelo Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria. A primeira é ilustrada por acórdão de sua Primeira Turma em mandado de se- gurança relativo a bacalhau importado da Noruega em 1996, em que a impetrante pre- tendia o benefício da isenção de ICMS con- cedida ao peixe seco e salgado, com aplica- ção da súmula 71 daquele Tribunal. Extrai- se do voto do eminente relator, ministro Xxx- xxx Xxxx Xxxxxxx, o seguinte trecho:
“(...) O Brasil é um Estado Federa- do, todavia, a autonomia dos Estados é limitada. A competência para firmar Tratados e Convenções é do Estado
Soberano – o Brasil. Assim, a União, ao firmar Tratados, representa o Esta- do Soberano, isto é, toda a federação, e os Acordos de que é signatária obri- gam não só a União, mas a todos os Estados federados. Inusitado seria con- ceder-se aos Estados e Municípios com- petência para firmar Tratados e Con- venções, ainda que em matéria de isen- ção tributária” 11.
A segunda posição se refere a entendi- mento no sentido de que “quem tributa ou isenta do ICMS são os Estados, mas a União pode, por acordo internacional, garantir que a tributação, quando adotada, não discri- mine os produtos nacionais e os estrangei- ros, em detrimento destes” 12. A respeito des- se posicionamento, parece-nos difícil con- cordar com a idéia de que o fato de a União estender a isenção a produtos importados seja diferente de isentar.
É de se fazer referência, ainda, a deci- sões do Superior Tribunal de Justiça que se limitam a aplicar a súmula 71 ao argumen- to de que “é vedado ao STJ o exame de maté- ria constitucional”, deixando, portanto, sem apreciação o problema derivado do artigo 151, III, da Constituição 13.
Os acórdãos supracitados são represen- tativos da dificuldade que a questão apre- senta para os tribunais. Deve-se evidenciar que a controvérsia ainda não foi pacificada, porque a matéria se encontra pendente de julgamento junto ao Supremo Tribunal Fe- deral, a quem compete a última palavra em matéria constitucional 14.
A investigação quanto à validade da ce- lebração do GATT/ 94, portanto, depende do exame da competência da União para agir em nome da República Federativa do Brasil no plano internacional e, em especi- al, da eventual limitação dessa competên- cia pelo art. 151, III, da CF. Assim, para que se apure se o GATT/ 94 foi validamente ce- lebrado, é preciso que se investigue quanto à personalidade jurídica internacional da República Federativa do Brasil e a quem cabe representá-la no plano internacional.
No que diz respeito ao tema da persona- lidade jurídica internacional, Xxx Xxxxxxxx observa que “tudo o que pode ser dito é que um ente do tipo reconhecido pelo direito costumeiro como capaz de possuir direitos e deveres e de promover reclamações interna- cionais, e tendo por aquele conferidas tais capacidades, é uma pessoa jurídica. Se a primeira condição não for satisfeita, o ente respectivo ainda pode ter personalidade ju- rídica de um tipo muito restrito, dependen- do do acordo ou da aquiescência das pesso- as jurídicas reconhecidas e oponível no pla- no internacional apenas àqueles que com ela concordem ou aquiesçam” 15. Note-se que a personalidade jurídica internacional
é efetivamente determinada a partir do pa- radigma estatal, derivando da comparação com tal paradigma o reconhecimento de outras pessoas jurídicas internacionais. Isso porque, da mesma forma que ocorre no di- reito interno, quando se fala em personali- dade jurídica se está invocando o status de uma determinada entidade com referência a um sistema jurídico determinado . Assim, so- mente se pode determinar o que seja uma pessoa jurídica internacional à luz do Di- reito Internacional Público, que conferiu tal condição inicialmente aos Estados, pesso- as jurídicas internacionais por excelência e paradigmas para o reconhecimento como tal das demais. A importante conseqüência que daí se extrai é que é ao Direito Internacional Público, e a nenhum direito interno, que compete dizer o que é um Estado, possibili- tando assim que determinado ente seja con- siderado pessoa jurídica internacional nes- sa categoria.
O que é, portanto, um Estado? A doutri- na parte geralmente da Convenção de Mon- tevidéu sobre Direitos e Deveres dos Esta- dos de 1933 para definir quais os critérios legais para identificação de um Estado, acrescentando alguns autores outros requi- sitos. Segundo tal Convenção, são critérios de estatalidade 16: a) população permanen- te; b) território definido; c) governo; d) capa- cidade de estabelecer relações com outros
Estados. Xxx Xxxxxxxx, por exemplo, mencio- na, ainda, outros critérios: um certo grau de permanência; desejo de observar as nor- mas internacionais; um certo grau de ci vi- lização ; soberania; funcionamento estatal (1998, p. 70-77). Xxxxx Xxxxxxx, igualmen- te, criticando a Convenção de Montevidéu, formula critérios: a) tratar-se de um ente co- letivo socialmente organizado; b) possuir um status jurídico internacional independente;
c) respeitar direitos e deveres internacionais;
d) ser capaz de participar de relações inter- nacionais; e) possuir capacidade de celebrar tratados; f) ser responsável pelas violações de normas jurídicas internacionais; g) ser capaz de defender seu status jurídico 17. Não sendo objetivo do presente trabalho um es- tudo amplo da personalidade jurídica in- ternacional, bastam, para o único fim de res- ponder à pergunta quanto à qualidade de pessoas jurídicas internacionais dos esta- dos-membros de federação, os critérios da Convenção de Montevidéu.
O primeiro dos critérios de estatali- dade utilizados pela Convenção de Monte- vidéu de 1933 é o da população permanen- te. Tal critério, segundo Xxx Xxxxxxxx, é de ser utilizado com o do território e tem a co- notação de uma comunidade estável (1998,
p. 70-71). Xxxxx Xxxxxxxxx, por sua vez, apesar de referir que “o critério de uma ‘po- pulação permanente’ está conectado com o do território e constitui a base física da exis- tência de um Estado” 18, lembra que “quem pertence à ‘população permanente’ de um Estado é determinado pela lei interna sobre a nacionalidade, que o Direito Internacional deixa à discrição dos Estados, com ex ceção de um número limitado de circunstâncias” 19. Mais adiante, observa que “um Estado exer- ce jurisdição territorial sobre seus habitan- tes e jurisdição pessoal sobre seus nacionais quando aqueles estão no estrangeiro. O as- pecto essencial, assim, é o sistema jurídico nacional comum que governa indivíduos e diversos grupos num Estado determinado” 20.
Pode-se dizer, com respeito às observa- ções acima, que o critério da população per-
manente extraído da Convenção de Monte- vidéu de 1933 leva em conta dois aspectos:
a) a jurisdição estatal sobre o respectivo ter- ritório e as pessoas que nele habitam, sejam elas nacionais ou estrangeiras, sujeitas a regimes jurídicos distintos embora proveni- entes de uma mesma fonte estatal – por isso a expressão de Malanczuk, “sistema jurídi- co nacional comum”; b) a existência de na- cionais e a possibilidade de atribuição do vínculo de nacionalidade.
O segundo critério mencionado pela Convenção é o do território definido. Ma- lanczuk é categórico: “o controle do territó- rio é a essência do Estado” 21. O território é a base física sobre a qual se assenta a popula- ção e o Estado exerce sua jurisdição. Assim, pode-se dizer que o critério territorial está ligado à idéia de controle do território – pres- supõe-se a jurisdição estatal sobre determi- nada base física – e, em conseqüência, à idéia de independência ou soberania.
O governo é o terceiro critério utilizado pela Convenção de Montevidéu. É por meio dele que se exerce o controle sobre o territó- rio e a população. É verdade que, como apon- ta Xxx Xxxxxxxx, o princípio da autodeter- minação hoje se contrapõe ao conceito de governo efetivo (1998, p. 71) – a questão, contudo, foge dos limites do presente traba- lho, que apenas pretende esboçar em linhas gerais os requisitos da estatalidade para de- terminar se os estados-membros de federa- ção têm ou não personalidade jurídica in- ternacional e, se a têm, em que medida.
Xxx Xxxxxxxx retira do quarto e último critério, a capacidade de estabelecer relações com outros Estados, a noção de indepen- dência. Segundo ele, “na enumeração con- tida na Convenção de Montevidéu, o con- ceito de independência é representado pelo requisito da capacidade de estabelecer rela- ções com outros Estados. A independência tem sido enfatizada por muitos juristas como o critério decisivo da estatalidade” 22.
Embora alguns doutrinadores identifiquem a independência como um critério à parte, parece-nos possível extraí-lo da capacida-
de de estabelecer relações com outros Esta- dos, como faz Xxxxxxxx. Conforme já menci- onado outras vezes, para os fins do presen- te trabalho aceitamos os critérios da Con- venção, já que uma simples análise dos re- quisitos basta aos objetivos propostos, não se tratando de uma investigação aprofun- dada sobre a personalidade jurídica inter- nacional, mas de suas implicações naquilo a que nos propusemos investigar.
A idéia de independência está intima- mente ligada à de soberania, que significa, na moderna concepção do Direito Interna- cional Público, em última análise, “indepen- dência” e implica a igualdade entre os Esta- dos 23. Conforme leciona Xxxx Xxxxxxxx, após explicitar que o significado de sobe- rania na ordem internacional correspon- de a uma qualidade privativa do poder estatal que implica a exclusão de qualquer outro poder com autoridade sobre si, “a soberania internacional não é, assim, nada além da formalização legal de uma independência de fato ou, se quisermos,
o direito à manutenção da independência ” (tradução livre) 24.
O corolário da soberania em Direito In- ternacional Público é a proteção ao domí- nio reservado do Estado, consubstanciada no princípio da não-intervenção ou da não- ingerência. Conforme Xxx Xxxxxxxx, “a so- berania e a igualdade dos Estados represen- tam a doutrina básica inerente ao direito das nações, que regula uma comunidade con- sistente principalmente de Estados com per- sonalidade jurídica uniforme. Se o Direito Internacional existe, então a dinâmica da sobe- rania estatal pode ser expressa em termos jurídi- cos e, como Estados são iguais e têm personali- dade jurídica, a soberania é na sua maior parte uma relação com outros Estados (e com organi- zações de Estados) definida pelo Direito ” (tra- dução livre, grifo nosso) 25.
Verdross lembra que “o Tribunal Inter- nacional da Haia afirma, por exemplo, em sua decisão de 07 de setembro de 1927, dada no caso do vapor Lotus (...), que o Direito In- ternacional regula relações entre Estados in-
dependentes (‘independent states’)” 26. Se- gundo ele, “o ordenamento dos Estados so- beranos não deriva (por delegação) de ou- tro ordenamento estatal, porém existe ime- diata e diretamente em virtude do Direito Internacional” 27.
Com base nos critérios acima expostos, pode-se afirmar que a República Federativa do Brasil é um Estado e, como tal, tem perso- nalidade jurídica internacional. Essa cons- tatação, porém, por si só, não soluciona a problemática relativa à celebração do GATT/ 94, que depende, ainda, de uma in- vestigação quanto à natureza do Estado fe- deral – condição de que se reveste o Brasil, como se verá a seguir –, possibilitando de- terminar a quem cabe a representação do país no plano internacional.
Xxxxxxxx Xxxxxxxxx ensina que “o Esta- do federal é uma união jurídico-política de Estados, em que também a própria associa- ção organizada de Estados (a federação) possui a qualidade de Estado. No Estado federal, a constituição da federação distri- bui a totalidade das funções e atribuições do Estado entre os órgãos centrais da federação (‘órgãos federais’) e os Estados federados, e isso de forma a que nenhum desses poderes receba uma soberania das competê ncias to- tal, quer dizer, um poder de regulação ilimi- tado. Os órgãos federais compartilham, por- tanto, com os órgãos dos Estados membros todas as competências que num Estado uni- tário cabem a uma organização estatal uni- tária. Assim, a característica essencial do Estado federal reside no facto de a sobera- nia dos órgãos, isto é, a soberania jurídico- constitucional das competências, não se encontrar nem nos órgãos cen trais da fede- ração nem nos órgãos dos Estados membros. Ambos exercem um poder estatal directamente in- cidente sobre os cidadãos, dentro das respectivas esferas de competência que a constituição da fede- ração lhes atribui” (1997, p. 82-83).
Xxxxxx Xxxxx, por sua vez, afirma que “o conceito jurídico-constitucional do esta- do federal compreende, sem dúvida, carac- terísticos gerais que também são próprios
de outras ordens estatal-federais: ele indi- ca, nisso, uma união de várias organizações estatais e ordens jurídicas, e, precisamente, aquelas dos ‘estados-membros’ e aquelas do ‘estado-total’, em que estado-total e estados- membros são coordenados mutuamente na forma que as competências estatais entre eles são repartidas, que aos estados-mem- bros, por meio de um órgão especial, são concedidas determinadas possibilidades de influência sobre o estado-total, ao estado- total determinadas possibilidades de influ- ência sobre os estados-membros e que uma certa homogeneidade das ordens do esta- do-total e dos estados-membros é produzi- da e garantida” (1998, p. 178-179).
Entre nós, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx concei- tua o Estado federal como “uma modalida- de de Estado composto, onde se verifica a superposição de duas ordens jurídicas – fe- deral, representada pela União, e federada, representada pelos Estados-membros –, co- ordenadas por um processo de repartição de competências determinado pela Consti- tuição Federal, em que a União titulariza a soberania e os Estados-membros detêm au- tonomia, participando, por um critério de representação, na formação da vontade fe- deral”(1982, p. 27).
Das definições supracitadas, pode-se concluir que o Estado federal é um Estado do tipo composto, já que, ao contrário do que ocorre com os Estados simples ou uni- tários, seu ordenamento jurídico tem mais de uma fonte de direito público, isto é, tanto as ordens jurídicas central como regionais incidem diretamente sobre os cidadãos na medida de sua competência – na hipótese brasileira, ainda, deve-se acrescentar um grau inovador de descentralização, na figu- ra dos municípios, integrantes da Repúbli- ca Federativa do Brasil (art. 1 o da CF). Pode- se, ainda, retirar os elementos essenciais do Estado federal: a existência de uma plurali- dade de ordens jurídicas, mais especifica- mente, as ordens jurídicas dos estados- membros e a ordem jurídica central, ou seja, da União, operando cada uma de forma di-
reta sobre os cidadãos na medida de sua competência; a coordenação entre tais or- dens jurídicas, de forma a que os estados- membros possam influenciar a União e vice- versa; a repartição de competências entre União e estados-membros, característica principal do Estado federal e que possibili- ta, justamente, a incidência direta das or- dens jurídicas superpostas; a sujeição das diversas ordens jurídicas à constituição-to- tal28, ou seja, à constituição federal, a quem cabe efetuar a repartição das diversas com- petências, estabelecendo, inclusive, órgãos destinados a assegurar a observância das normas respectivas.
O Estado federal não é, portanto, uma mera desconcentração, envolvendo unica- mente a atuação administrativa, mas uma verdadeira descentralização, já que há mais de uma ordem jurídica incidindo diretamen- te sobre os cidadãos num território determi- nado. Sua nota característica, destarte, é a repartição de competências efetuada pela constituição federal, que atribui parcelas do poder estatal total ou global – ou seja, par- celas da soberania global, por isso Zippe- lius se refere à “soberania global das com- petências” – a cada uma das ordens jurídi- cas envolvidas.
A repartição de competências é o elemen- to primordial da federação 29, já que signifi- ca, em última análise, a repartição do poder estatal, da soberania global das competên- cias, atribuída aos diversos componentes do Estado federal. Assim, detém a soberania global das competências o Estado federal, ou Estado-total, que as reparte entre União
e estados-membros na constituição federal, inclusive determinando a quem cabe repre- sentá-lo no plano internacional. Conforme leciona Xxxx Xxxxxxx Xxxxx, “a repartição de competências é, tecnicamente, matéria da Constituição do Estado Federal ou da Cons- tituição total, para usarmos a categoria da teoria kelseniana. Pela sua abrangência, ul- trapassa o campo da organização da União/ Federação, para alcançar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no con-
junto orgânico da República Federativa” (1995, p. 407).
Os estados-membros de federação não preenchem o critério da população perma- nente em toda a sua extensão, já que não atribuem vínculo de nacionalidade. Além disso, exercem controle sobre seu território na medida de sua competência , da mesma for- ma ocorrendo com o governo. Por fim, no que tange à soberania, não têm vínculo di- reto com o Direito Internacional, podendo- se afirmar, com Verdross, que “por faltar- lhes este requisito da vinculação imediata ao Direito Internacional, carecem de perso- nalidade jurídico-internacional os Estados- membros de um Estado federal, os Estados vassalos e outros agrupamentos autônomos dentro de um Estado, sempre que não se lhes reconheça uma subjetividade jurídica par- cial no marco de sua autonomia” 30. Decor- rendo a personalidade jurídica de um siste- ma jurídico determinado que lhe atribui tal qualidade, pressupõe-se uma vinculação imediata da pretensa pessoa jurídica àque- le sistema, sendo desse modo característica das pessoas jurídicas de Direito Internacio- nal a imediata vinculação a tal Direito.
Os estados-membros de federação não têm, em princípio, vinculação imediata ao Direito Internacional e, portanto, carecem de personalidade jurídica internacional. A doutrina, no entanto, reconhece que podem eles possuir personalidade jurídica na me- dida em que se estabeleça tal vinculação. No plano internacional, destarte, muito embora os doutrinadores se refiram à de- tenção de personalidade jurídica limitada por parte dos estados-membros de federa- ção, parece-nos mais técnico e coerente com a própria noção de Estado federal o simples reconhecimento de capacidade de exercício dessa personalidade, na forma determina- da pela constituição respectiva, já que ine- xistente a vinculação entre estados-membros e Direito Internacional Público, que se ope- ra entre esse e o Estado-total. A nosso ver, podem os estados-membros, na medida em que a constituição lhes outorgue tal compe-
tência, representar o Estado-total no plano internacional, assim como o faz a União; raciocinar em sentido contrário seria o mes- mo que admitir que a União, em vez do Es- tado-total, tenha personalidade jurídica in- ternacional, já que tanto ela como estados- membros são descentralizações de um mes- mo Estado. No caso específico da celebra- ção de tratados internacionais, parece-nos possível que os estados-membros tenham, se assim determinar a constituição federal, treaty-making power , não treaty-making capa- city , o que também se aplica à União. A res- peito, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx de Medei- ros ensina que “o estudo da celebração dos tratados pressupõe cuidadosa distinção entre a capacidade dos Estados para celebrar tratados (um dos predicados da capacidade internacional, freqüentemente denominado por juristas de várias nacionalidades pelo nome inglês de treaty-making capacity ) e a competência dos poderes constituídos do Estado para formar e declarar a vontade es- tatal em assumir compromissos internacio- nais ( competência para celebrar tratados , cha- mada assiduamente pelos doutrinadores de treaty-making power )”(1995, p. 136).
Xxxxxxx X. Xxxx situa muito bem o pro- blema: “O Estado federal terá ele mesmo, evidentemente, personalidade, mas a ques- tão a respeito da personalidade e da capaci- dade das unidades componentes da federa- ção no plano internacional pode ser deter- minada apenas à luz da constituição e da prática do Estado respectivo (...). Estados componentes de uma federação que tenham sido dotados de uma certa competência in- ternacional restrita podem assim ser tidos como detentores de um certo grau de perso- nalidade internacional. A questão tem sur- gido especialmente com relação a tratados. Xxxxxxxxxxx, em seu Relatório sobre o Direi- to dos Tratados, por exemplo, observou que tratados concluídos por unidades compo- nentes de estados federais ‘são tratados de acordo com o Direito Internacional’, embo- ra Fitzmaurice tenha feito uma abordagem diferente no seu Relatório sobre o Direito dos
Tratados, estatuindo que tais unidades agem como agentes da federação, única a possuir personalidade internacional, sen- do ela a entidade obrigada pelo tratado e responsável por sua implementação” 31.
Xxx Xxxxxxxx, por sua vez, entende que “ uma constituição federal pode conferir trea- ty-making capacity e power para estabelecer relações diplomáticas de forma separada aos membros constitutivos. Normalmente, o es- tado-membro está simplesmente agindo como delegado ou agente do Estado-mãe. Entretanto, por acordo ou reconhecimento, um estado-membro pode assumir uma per- sonalidade separada, análoga à condição de Estado, no plano internacional. Assim a Ucrânia e a Bielorússia, como membros da ex-União Soviética, concluíram tratados em seu próprio nome e eram membros da ONU” 32. Já Xxxxx Xxxxxxxxxx observa que “o Direito Internacional se preocupa apenas com Estados capazes de manter relações interna- cionais; conseqüentemente, o Estado federal
é tido como Estado para os fins do Direito Internacional, mas os estad os-membros da federação, não. Se um estado-membro da federação age de forma incompatível com as obrigações internacionais do Estado fe- deral, é o último quem é tido como respon- sável pelo Direito Internacional” 33. Também Xxxxxxxx Xxxxxxxxx diz que “quanto mais nítido se tornou que a soberania – sobretu- do em virtude das interdependências esta- tais – é susceptível de ser relativizada, tanto mais questionável pareceu a mencionada limitação da capacidade de direito interna- cional. Hoje em dia têm capacidade de di- reito internacional não apenas os Estados soberanos; até Estados membros de Estados federais podem ter uma capacidade limitada de direito internacional se tal for previsto na constituição da federação (...)” (1997, p. 85).
Deve-se concluir então que não detêm os estados-membros de federações a condição de sujeitos de Direito Internacional, justa- mente porque lhes falta uma vinculação di- reta àquele sistema, existente apenas entre ele e o Estado-total. Quaisquer atos que pos-
sam ser praticados pelos Estados-membros no plano internacional têm por fundamen- to a constituição federal e, como tal, são atos de representação do Estado federal, tradu- zindo uma capacidade de agir em nome do Estado total no limite de sua competência – relativamente à celebração de tratados in- ternacionais, um treaty-making power . De qualquer forma, o problema não tem maior relevância para o presente trabalho, já que, como se verá a seguir, não há previsão, na Constituição Federal Brasileira de 1988, de exercício de parcela da soberania externa por estados-membros.
A República Federativa do Brasil é um Estado federal. Assim, observa-se da leitura do artigo 1 o da Constituição que a Repúbli- ca Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal. Logo em seguida, o art. 2 o enumera os poderes da União – que nada mais é do que a “união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal”. Posteriormente, o artigo 4 o refere os princí- pios que regem a República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais. Ain- da, o artigo 18 diz que “a organização po- lítico-administrativa da República Federa- tiva do Brasil compreende a União, os Esta- dos, o Distrito Federal e os Municípios, to- dos autônomos, nos termos desta Constitui- ção”. Tal artigo se insere no Título III, que trata da organização do Estado, iniciando pela organização administrativa (capítulo I), seguido pelos capítulos que enumeram as competências de cada ente da Federação, ou seja, a União (capítulo II), os Estados Fe- derados (capítulo III), os municípios (capí- tulo IV), o Distrito Federal e os territórios (capítulo V), e pelo instrumento intrínseco à natureza federativa do Brasil, a intervenção (capítulo VI), tratando, ao final, da Admi- nistração Pública (capítulo VII). Por último, ao enumerar as competências da União, con- fere-lhe a Constituição, de forma exclusiva, a manutenção de relações com Estados es- trangeiros e a participação em organizações internacionais (art. 21, I).
Decorre, portanto, de uma leitura atenta da Constituição, que o Estado federado bra- sileiro está composto pela união indissolú- vel dos estados, municípios e Distrito Fede- ral e que cabe à União sua representação exterior, isto é, a competência exclusiva no que diz respeito à participação em organi- zações internacionais e manutenção de re- lações com Estados estrangeiros – incluin- do-se no dispositivo, portanto, a celebração de tratados internacionais. Verifica-se que a União é um ente jurídico interno, impres- cindível ao Estado Federal, não se confun- dindo ela com a República Federativa do Brasil – o que resta evidenciado dos artigos 1o e 18, em especial –, sendo clara a distin- ção na própria Carta Magna, que se utiliza dos dois termos de forma a diferenciar a República Federativa do Brasil de um de seus componentes, o estado central, ou a União Federal. Tal constatação encontra re- forço no parágrafo segundo do artigo 5 o da Constituição, que, ao se referir a tratados internacionais em matéria de direitos hu- manos, o faz mencionando os tratados in-
ternacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte, inferindo-se do dispositi- vo que não há tratados internacionais de que a União seja parte, mas sim a República Federativa do Brasil.
Ora, toda vez que a Constituição se refe- re ao Brasil, ao Estado brasileiro, fala em República Federativa do Brasil. Quando uti- liza o termo União, está-se referindo a um dos entes internos que compõem a Repúbli- ca Federativa do Brasil, a quem cabe, igual- mente e devido às características próprias de um Estado Federal, a representação des- sa última no plano internacional. Assim, quando, no artigo 151, III, a Constituição prevê que “é vedado à União instituir isen- ções de tributos da competência dos Esta- dos, do Distrito Federal ou dos Municípios”, está-se referindo ao ente de competência in- terna, proibindo as chamadas isenções hete- rônomas admitidas pelo sistema constituci- onal anterior, mas não à República Federa- tiva do Brasil, soberana no exercício das re-
lações internacionais, de quem a União é mera representante. A União, ao celebrar tra- tados internacionais, age como representan- te da República Federativa do Brasil, exer- cendo sua competência constitucional. Se celebra acordo que pode levar à isenção de tributos estaduais e municipais, não age em seu nome, mas no do Estado Brasileiro. Os Estados possuem capacidade para celebrar tratados – treaty-making capacity ; porém, é preciso que um determinado órgão aja em seu nome, possuindo, destarte, competên- cia para tanto – treaty-making power . É o que ocorre com a República Federativa do Bra- sil, que celebra tratados por meio da União. Raciocinar em sentido contrário correspon- deria a concluir que a República Federativa
do Brasil jamais poderia firmar tratados concedendo isenção de tributos estaduais e municipais, já que somente a União tem ca- pacidade para representá-la no plano inter- nacional.
A moderna interpretação constitucional, que se traduz em verdadeira concretiza- ção34, deve partir dos dispositivos constitu- cionais, respeitando-se, entre outros, o prin- cípio da unidade da Constituição, cânone interpretativo que determina que a Consti- tuição deve resultar num corpo harmônico, já que, conforme ensina Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, “as normas constitucionais não têm existência isoladas umas das outras, exigin- do uma compreensão que as visualize como integrantes de um complexo que mantém uma conexão entre os seus elementos, ou seja, um sistema” (1995, p. 56). Assim, não se pode conceber a interpretação isolada do artigo 151, III, da CF, que deve ser feita de forma a vislumbrar sua inserção dentro do corpo constitucional.
Conclui-se de todo o exposto que a limi- tação imposta à União pelo artigo 151, III, da Constituição Federal não diz respeito à sua competência para representar a Repú- blica Federativa do Brasil quando da cele- bração de tratados internacionais, não po- dendo o Brasil, quanto a isso, invocar em seu benefício o artigo 46 da Convenção de
Viena sobre Direito dos Tratados. Isso pos- to, deve-se verificar, ainda à luz dos dispo- sitivos constitucionais, se foi o GATT/ 94 validamente celebrado.
A Constituição Federal dispõe sobre a celebração de tratados internacionais nos artigos 21, I; 49, I, e 84, VIII. Existem outros artigos dispondo sobre tratados internacio- nais, mas não referentes à celebração. Tais artigos dispõem, em síntese, que cabe ao Presidente da República – que pode delegar os poderes correspondentes a plenipotenci- ários –, de forma privativa, a celebração de tratados internacionais, sendo necessária, para o comprometimento internacional do Brasil, a participação do Congresso Nacio- nal, isto é, a manifestação da vontade do Poder Legislativo. Conseqüentemente, o Brasil somente pode-se comprometer por meio de um tratado internacional mediante a conjunção de duas vontades, a do Poder Executivo – a quem cabe sua representa- ção no plano internacional – e a do Poder Legislativo.
A redação do artigo 49, I, da Constitui- ção Federal trouxe alguma controvérsia quanto à necessidade de manifestação do Poder Legislativo em todos os casos. Não cabe, dentro dos limites do presente traba- lho, trazer à luz todos os argumentos a ela atinentes, bastando referir que o Supremo Tribunal Federal, intérprete máximo da Constituição, pacificou a questão ao deci- dir a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1480-3-DF, de que xxxx xxxxxx xx xxxx xx xxxxxxxx xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxx 00:
“ O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execu- ção dos tratados internacionais e sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Bra- sil, de um ato subjetivamente comple- xo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamen- te, mediante decreto legislativo , sobre tratados, acordos ou atos internacio- nais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da
República, que, além de poder celebrar esses atos do direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto.
O íter procedimental de incorpo- ração dos tratados internacionais – superadas as fases prévias da celebra- ção da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da rati- ficação pelo Chefe de Estado – conclui- se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edi- ção derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tra- tado internacional; (b) a publicação ofi- cial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, en- tão, e somente então , a vincular e a obri- gar no plano do direito positivo inter- no. Precedentes”.
Assim, para que o Brasil se comprometa definitivamente com os termos de um trata- do internacional, é necessária a prévia apro- vação do Poder Legislativo, o que não signi- fica, necessariamente, um exame a cada novo compromisso 36.
A conjunção das vontades do Poder Exe- cutivo e Legislativo resta evidenciada na celebração do GATT/ 94, cujo texto foi apro- vado pelo Congresso Nacional por meio do decreto legislativo 30, de 15 de dezembro de 1994, tendo o Brasil ratificado o tratado por meio do depósito do respectivo instrumen- to em Genebra, junto ao Diretor-Geral do GATT, em 21 de dezembro de 1994. Além disso, a despeito de inexistir qualquer dis- posição expressa na Constituição a respei- to, o STF igualmente pacificou a controvér- sia relativa à necessidade de incorporação dos tratados à ordem interna, o que se dá por meio da publicação de seu texto por meio de decreto presidencial 37. O GATT/ 94 foi incorporado à ordem interna por meio do decreto 1355/ 94, estando dessa forma em vigor na ordem interna brasileira.
Irretocável, portanto, a celebração do GATT/ 94, o comprometimento do Brasil no
plano internacional daí decorrente e sua validade no plano interno.
1.2. Da obrigatoriedade do artigo III do GATT/94 para o Brasil
Uma vez demonstrada a validade da ce- lebração do GATT/ 94 pelo Brasil, segue que é obrigatório para o país, que deve observar suas disposições. Para os fins do presente trabalho, interessam, de modo específico, aquelas relativas ao artigo III:2 do mencio- nado acordo.
O GATT/ 94 é um tratado internacional, constituindo-se num dos tratados celebra- dos no âmbito da OMC – Organização Mun- dial do Comércio. Trata-se do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1994, que tem como pilares a eliminação de barreiras não- tarifárias, a cláusula da nação mais favore- cida e a cláusula do tratamento nacional, sendo a última essencial à realização dos objetivos das primeiras.
Desde as negociações iniciais que ante- cederam o GATT/ 47, que sofreu sucessivas alterações até o advento da Organização Mundial do Comércio e dos acordos hoje existentes, o objetivo dos países envolvidos era a liberalização do comércio internacio- nal, buscando-se a eliminação de barreiras não-tarifárias e a adoção de regras que con- substanciam o chamado princípio da não- discriminação. Segundo Xxxx Xxxxxxx, dois importantes princípios relacionados à não- discriminação estão incluídos no GATT, a cláusula da nação mais favorecida e a cláu- sula do tratamento nacional 38. A cláusula da nação mais favorecida determina que eventuais benefícios conferidos por um país signatário do GATT a produtos importados originários de outro país qualquer, signatá- rio ou não, devem ser estendidos aos pro- dutos importados originários de todos os demais signatários do acordo. Seu comple- mento natural é a cláusula do tratamento nacional 39, que determina que os produtos importados originários de um país signatá- rio do GATT devem ter tratamento não me- nos favorável que o concedido aos produ-
tos similares domésticos. Assim, o princí- pio da não-discriminação se opera de duas formas, protegendo os produtos originários de países signatários do GATT não apenas contra discriminações tarifárias frente a pro- dutos originários de outros países, como também contra as que ocorram em face de produtos similares domésticos.
A cláusula do tratamento nacional não diz respeito unicamente a tributos, mas a diversas medidas que possam discriminar produtos importados uma vez introduzidos no território nacional. O princípio geral que a explicita se encontra no primeiro parágra-
fo do artigo III, com a seguinte redação: “ The contracting parties recognize that internal taxes and other internal charges, and laws, regulati- ons, and requirements affecting the internal sale, offering for sale, purchase, transportation, dis- tribution or use of products, and internal quan- titative regulations requiring the mixture, pro- cessing or use of products in specified amounts or proportions, should not be applied to impor- ted or domestic products so as to afford protecti- on to domestic production ”40. O presente estu- do trata exclusivamente do aspecto tributá- rio e, em função disso, preocupa-se especi- almente com as disposições do segundo parágrafo do artigo III do GATT/ 94. Entre- tanto, não é possível deixar de referir, inici- almente, as disposições do primeiro pará- grafo daquele artigo, tendo em vista que con- substanciam princípio à luz do qual as de- mais disposições do artigo III devem ser in- terpretadas. A respeito disso, veja-se a deci- são do Órgão de Apelação no caso Japan – Taxes on Alcoholic Beverages , que discutiu a relação entre ambos os dispositivos: 41 “Arti- cle III:1 articulates a general principle that in- ternal measures should not be applied so as to afford protection to domestic production. This general principle informs the rest of Article III. The purpose of Article III:1 is to establish this general principle as a guide to understanding and interpreting the specific obligations contai- ned in Article III:2 and in the other paragraphs of Article III, while respecting, and not diminishing in any way, the meaning of the words actually
used in the texts of those other paragraphs. (...) Consistent with this principle of effectiveness, and with the textual differences in the two sen- tences, we believe that Article III:1 informs the first sentence and the second sentence of Article III:2 in different ways ”.
Segundo Xxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxxxx, “o propósito do artigo III é evitar o protecionis- mo na aplicação de tributos internos e me- didas regulatórias. O artigo III garante que medidas internas não serão aplicadas a pro- dutos domésticos ou importados de forma a proteger os produtos domésticos” 42. Assim, no que concerne ao segundo parágrafo do artigo III, “uma vez que os importados te- nham entrado no território de um Estado- membro, (1) tributos internos devem ser apli- cados de forma equivalente aos importados
e aos produtos domésticos similares, e (2) as regulamentações nacionais não devem tratar importados de forma menos favorá- vel que os produtos domésticos similares” 43. Também Xxxxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxx Xxx- llard ensinam que, “em matéria de comér- cio internacional, a cláusula do tratamento nacional é aquela que assegura uma assimi- lação quanto ao regime jurídico e fiscal apli- cável aos produtos importados relativamen- te aos produtos nacionais. Em outras pala- vras, essa cláusula, inserida no artigo III do Acordo Geral de 1947, proíbe de modo geral as discriminações de tratamento em virtude
da origem dos produtos, quer sejam eles im- portados ou fabricados localmente. Esses últimos não devem-se beneficiar de uma pro- teção nacional indireta (artigo III (1))” 44.
As regras correspondentes à cláusula do tratamento nacional no que diz respeito a tributos, portanto, devem ser interpretadas em atenção ao princípio geral consubstan- ciado no primeiro parágrafo do artigo III. Para melhor explicitar seu sentido, deve-se determinar, em primeiro lugar, seu âmbito de aplicação, tarefa que consiste em distin- guir os tributos cuja imposição se relaciona com a cláusula da nação mais favorecida, cobrados em função da importação, daque- les atinentes à circulação interna, ainda que
cobrados no momento da entrada da mer- cadoria no território do país importador. Além disso, deve-se examinar o sentido da primeira e da segunda partes do artigo III:2, tendo em vista que cada uma delas contém uma regra destinada à realização do princí- pio do tratamento nacional relativamente a tributos internos.
1.2.1. O âmbito de aplicação da cláusula do tratamento nacional e os tributos internos
cobrados na entrada da mercadoria no território do país importador
Como complemento natural da cláusula da nação mais favorecida que objetiva evi- tar a discriminação entre produtos impor- tados e produtos similares domésticos, a cláus ula do tratamento nacional diz respei- to a tributos internos de um país, ou seja, aos incidentes após o ingresso dos produ- tos importados no território nacional 45. As- sim, todos aqueles tributos atinentes à im- portação são disciplinados pela cláusula da nação mais favorecida, enquanto os corres- pondentes à circulação interna são regula- dos pela cláusula do tratamento nacional. É indiferente, para determinar a disciplina aplicável, o momento da cobrança do tribu- to: ainda que seja ele cobrado no momento da importação, o que interessa é sua nature- za, devendo-se apurar se se trata ou não de tributo relativo à circulação interna, caso em que será aplicada a cláusula do tratamento nacional. A nota interpretativa da OMC ao artigo III 46 – Ad Article III – determina que “Any internal tax or other internal charge (...) collected or enforced in the case of the imported product at the time or point of importation, is nevertheless to be regarded as an internal tax or other internal charge (...) and is accordingly sub- ject to the provisions of Article III” 47.
A questão tem especial relevância para o direito interno brasileiro no que tange ao artigo 155, IX, da Constituição Federal, que determina a incidência do ICMS “sobre a entrada de mercadoria importada do exteri- or, ainda quando se tratar de bem destina- do a consumo ou ativo fixo do estabeleci-
mento (...), cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento des- tinatário da mercadoria ou do serviço”. Uma vez que a cobrança daquele imposto ocorre no momento da entrada no território nacional de mercadoria importada, poder- se-ia questionar quanto à sua natureza. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, já apreciou a matéria, entendendo, no julga- mento do RE 195663/ SP, em que se discutia a lei paulista 6374/ 89, que o artigo 155, IX, da Constituição Federal não configura fato gerador de tributo sobre a importação, po- rém sobre a primeira circulação econômica do produto importado no país. Assim, o fato de a cobrança se dar de forma diferenciada, no momento da entrada da mercadoria no território nacional, em nada afeta a nature- za do ICMS como tributo incidente sobre a circulação interna de mercadorias 48.
Sendo o ICMS tributo concernente à cir- culação interna de mercadoria, portanto, sujeita-se à disciplina da cláusula do trata- mento nacional, ainda que cobrado no mo- mento da importação.
1.2.2. O artigo III:2 – a aplicação da cláusula do tratamento nacional em matéria tributária
O artigo III:2 do GATT/ 47, cujo texto foi integrado ao GATT/ 94 com todas as emen- das anteriores à entrada em vigor do Acor- do Constitutivo da OMC, incorporados ao direito interno brasileiro por meio do decre- to 1355/ 94, tem a seguinte redação: “The products of the territory of any contracting par- ty imported into the territory of any other con- tracting party shall not be subject, directly or indirectly, to internal taxes or other internal charges of any kind in excess of those applied, directly or indirectly, to like domestic products. M oreover, no contracting party shall otherwise apply internal taxes or other internal charges to imported or domestic products in a manner con- trary to the principles set forth in paragraph 1 ”49.
Como é possível observar, esse artigo contém duas regras que objetivam dar apli- cação à cláusula do tratamento nacional em matéria tributária. Ambas concretizam o
princípio esposado no primeiro parágrafo do artigo III, evitando o protecionismo em favor da produção doméstica. A primeira das regras é mais estrita e envolve os con- ceitos de like product e de tributação em ex- cesso. A segunda se relaciona com as noções de produtos diretamente competitivos ou substituíveis, tributação diferenciada e efe- tuada de maneira a proteger a produção doméstica. O ponto de partida para se apu- rar quando se trata de um caso de aplicação
da primeira ou da segunda parte do artigo III:2 é a verificação quanto a serem ou não perfeitamente intersubstituíveis 50 os produ- tos em comparação. Assim, por exemplo, maçãs importadas são substitutos perfeitos
de maçãs domésticas. Essa é uma hipótese de substitutividade 51 perfeita, que dá ensejo à aplicação da primeira parte do artigo III:2. Entretanto, se os produtos em comparação fossem maçãs e laranjas, por exemplo, a subs- titutividade já não seria perfeita e a determi- nação de sua qualidade de produtos direta- mente competitivos ou substituíveis depen- deria da prova de que estivessem em com- petição direta num mercado definido. Para uma melhor compreensão do significado da cláusula do tratamento nacional em maté- ria tributária e das noções envolvidas, en- tendemos por analisar separadamente cada uma dessas regras.
1.2.2.1. Artigo III:2 – primeira parte
A primeira parte do artigo III:2 determi- na que “ the products of the territory of any con- tracting party shall not be subject, directly or indirectly, to internal taxes or other internal charges of any kind in excess of those applied, directly or indirectly, to like domestic products ”. Duas noções são relevantes para determi- nar o exato alcance dessa regra: a de like product e a de in excess of.
A noção de produto similar ou idênti- co – like product – é de suma importância para a correta aplicação dessa regra de tratamento nacional, tendo em vista que ela requer seja dado aos produtos impor- tados tratamento não menos favorável
que o concedido aos produtos similares
domésticos .
A conceituação de like product já foi dis- cutida no âmbito da Organização Mundial do Comércio, tendo o Órgão de Solução de Controvérsias decidido que a definição de produto similar deve ser obtida caso a caso, levando em conta as finalidades do produ- to no mercado em questão, suas proprieda- des e os hábitos dos consumidores. Na ver- dade, as decisões tomadas já no âmbito da OMC, a seguir sintetizadas, levaram em con- sideração os precedentes do GATT.
O primeiro caso decidido após a cria- ção da Organização Mundial do Comércio
– United States – Standards for Reformulated and Conventional Gasoline (1996) – surgiu a partir de uma reclamação do Brasil e da Venezuela, que ingressaram contra os Esta- dos Unidos insurgindo-se contra medidas ambientais veiculadas por meio do Clean Air Act , bem como contra outras medidas pro- mulgadas pela Agência de Proteção Ambi- ental americana relativamente à gasolina. Em síntese, os Estados Unidos haviam de- terminado que certas características quími- cas da gasolina deviam obedecer a níveis definidos, com base em uma média anual individual. Para aferi-la, cada refinaria do- méstica devia demonstrar a qualidade da gasolina produzida ou transportada em 1990 e, caso incompleta tal comprovação, podia utilizar, em primeiro lugar, informa- ções sobre a mistura produzida em 1990 e, subsistindo a incompletude, sobre a mistu- ra ou a gasolina posteriores a 1990. A possi- bilidade de se utilizar dos métodos comple- mentares era reservada aos refinadores do- mésticos, devendo os importadores, caso não conseguissem demonstrar a qualidade da gasolina produzida ou transportada em 1990 de forma satisfatória, sujeitar-se a uma determinação que estabelecia a média de toda a gasolina consumida no país em 1990. Conseqüentemente, enquanto os refinado- res domésticos tinham duas outras alterna- tivas à disposição, além da comprovação acerca da gasolina produzida ou transpor-
tada em 1990, para demonstrarem sua mé- dia individual, os importadores, caso não conseguissem fazê-lo por esse primeiro mé- todo, ficavam sujeitos a uma média geral, padronizada e imposta. Tanto o Brasil como a Venezuela entenderam que a medida afrontava a cláusula do tratamento nacio- nal. Os Estados Unidos não sustentaram a existência de diferença no que tange aos produtos propriamente ditos – gasolina nacional ou importada –, porém alegaram que o tratamento dado aos importadores era idêntico ao conferido a comerciantes domés- ticos que não haviam tido operações no ano de 1990 ou que haviam realizado transa- ções de forma limitada. Assim, a situação dos comerciantes devia ser levada em con- sideração para diferenciação dos produtos. Desse modo, o Painel entendeu necessário posicionar-se previamente quanto à simila- ridade, apontando os critérios que deviam ser considerados na determinação do que seja um like product . Para chegar a uma deci- são, utilizou-se de precedentes adotados ainda no âmbito do GATT 52 e concluiu-se que, sendo ambas as gasolinas – nacional e importada – quimicamente idênticas, desti- nando-se à mesma finalidade, com a mes- ma classificação, e perfeitamente substituí-
veis entre si, eram produtos similares: “ The Panel, recalling its previous discussion of the factors to be taken into account in the determina- tion of like product, noted that chemically-iden- tical imported and domestic gasoline by defini- tion have exactly the same physical characteris- tics, end-uses, tariff classification, and are per- fectly substituable. The Panel found therefore that chemically-identical imported and domestic ga- soline are like products under Article III:4 ”53.
A decisão supracitada demonstra que, embora a determinação de like product deva ser feita caso a caso, existem critérios perti- nentes a serem considerados, tais como a utilização final dos produtos num mercado determinado, os hábitos e gostos dos con- sumidores, modificáveis de país para país, bem como as propriedades, natureza e qua- lidade dos produtos 54. Deve-se destacar a
menção à substitutividade perfeita, que dis- tingue like products de produtos diretamen- te competitivos ou substituíveis à primeira vista. Igualmente, deve-se chamar a atenção para o fato de que o exame quanto à nature- za de like ou diretamente competitivo é feito sempre a partir de um determinado mercado .
Extremamente relevantes, não apenas para a determinação do conceito de like pro- duct como também para delinear as diferen- ças e o exato sentido de cada uma das par- tes do artigo III:2, foram as decisões do Pai- nel e do Órgão de Apelação no caso Japan – Taxes on Alcoholic Beverages . Nesse caso, os Estados Unidos, o Canadá e as Comunida- des Européias se insurgiram contra trata- mento tributário desfavorável concedido a algumas bebidas em comparação ao shochu japonês 55. A respeito de like product, enten- deu o Órgão de Apelação por manter o en- tendimento do Painel no sentido de que essa noção deve ser construída de forma restriti- va, caso a caso, em atenção a cada medida tributária. Segundo o Painel, a expressão contida na segunda parte do artigo III:2, pro- dutos diretamente competitivos ou substi- tuíveis, é mais ampla que a expressão like product . Assim sendo, like products são uma subespécie de produtos diretamente compe- titivos ou substituíveis, que deve ser defini- da de uma forma mais restrita, o que decor- re da própria redação da primeira parte do artigo III:2. Embora não exija a identidade entre os produtos em comparação, o concei- to de like product envolve uma semelhança necessária quanto às características físicas, não bastando que ambos os produtos te- nham utilização final comum num dado mercado. Em virtude disso, enquanto as demais bebidas – rum, gim, uísque, conha- que, entre outras – foram consideradas pro- dutos diretamente competitivos, a vodca foi tratada como like product em relação ao scho- chu – ambos os produtos tinham em comum
a maior parte de suas características físicas, à exceção do teor alcoólico 56.
Posteriormente, nova decisão a respei- to do tema foi tomada no caso Canada – Cer-
tain Measures Concerning Periodicals (1997)57, que envolveu o Canadá e os Estados Uni- dos, tendo o último reclamado de medidas relativas a periódicos do tipo split-run 58. Nesse caso, mais uma vez decidiu o Painel que a determinação da natureza similar dos produtos deve ser feita atentamente caso a caso, examinando fatores tais como sua finalidade num dado mercado, suas pro-
priedades, os hábitos dos consumidores, entre outros: “ As the Appellate Body confir- med in its report on Japan - Taxes on Alcoho- lic Beverages, the definition of ‘like products’ in Article III:2, first sentence, should be construed narrowly, on a case-by-case basis, in light of such factors as the product’s end uses in a given market, consumer’s tastes and ha- bits, and the product’s properties, nature and quality ” 59.
Das decisões supramencionadas se de- preende que a regra da primeira parte do artigo III:2 é mais estrita que a da segunda. Desse modo, uma vez verificado que os pro- dutos em comparação são like product, não é necessário que se demonstre que estão em competição direta nem tampouco que a di- ferença na tributação tem o intuito de prote- ger a indústria doméstica: decorre da natu- reza de like product a competição direta, bas- tando o simples excesso na tributação do produto importado para presumir-se o pro- tecionismo em favor do produto doméstico. É esse, em síntese, o significado atribuído à expressão in excess of constante dessa pri- meira parte do artigo. A respeito, veja-se a
decisão do Órgão de Apelação no caso Ja- pan – Taxes on Alcoholic Beverages: “even the smallest amount of ‘excess’ is too much ”60. Con- clui-se, portanto, que, uma vez constatado que os produtos em comparação se inserem no conceito de like product, basta a mera tri- butação a maior do produto importado para que se verifique a violação da regra da pri- meira parte do artigo III:2 do GATT. Não existe margem de tolerância para o excesso de tributação, que, por conseqüência, deve ser idêntica para ambos os produtos, domés- tico e importado.
1.2.2.2. Artigo III:2 – segunda parte
A segunda parte do artigo III:2 tem a se- guinte redação: “ Moreover, no contracting party shall otherwise apply internal taxes or other internal charges to imported or domestic products in a manner contrary to the principles set forth in paragraph 1 ”. A ela foi acrescenta- da a nota interpretativa Ad Article III:2, que determina o seguinte: “ A tax conforming to the requirements of the first sentence of paragraph 2 would be considered to be inconsistent with the provisions of the second sentence only in cases where competition was involved between, on the one hand, the taxed product and, on the other hand, a directly competitive or substituable pro- duct which was not similarly taxed ”61. Foram extraídos desses dois dispositivos os três prin- cipais elementos da regra, quais sejam, pro- dutos diretamente competitivos ou substituí- veis, tributação não similar e o intuito prote- cionista, esse último retirado da expressão “ in a manner contrary to the principles set forth in paragraph 1”, que, por sua vez, remete ao prin- cípio contido em “ so as to afford protection to domestic production ” (artigo III:1 supracitado).
A segunda parte do artigo III:2, portan- to, disciplina a cláusula do tratamento na- cional em matéria tributária para produtos importados que, embora não abrangidos pelo conceito de like product em comparação aos domésticos, são diretamente competiti- vos ou substituíveis com relação a eles. Como já se afirmou anteriormente, like pro- ducts são, por sua própria natureza, direta- mente competitivos ou substituíveis entre si; aqui, entretanto, procura-se proteger situa- ções em que, a despeito de inexistir uma re- lação que permita qualificar os produtos doméstico e importado como like, eles se encontram em competição direta e são subs- tituíveis entre si. A segunda parte do artigo III:2, portanto, exige, para sua incidência, a demonstração da competitividade direta en- tre os produtos, na forma da nota interpre- tativa Ad Article III:2. Isso porque os produ- tos comparados em atenção à segunda par- te do artigo III:2, embora tendo a mesma uti-
lização final, não são perfeitamente inter- substituíveis – por exemplo, laranjas e ma- çãs. Segundo Xxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxxxx, “se para cada venda do produto importado há uma venda perdida do produto domésti- co, então ambos os produtos são perfeita- mente intersubstituíveis e estão em compe- tição direta. Em um caso de substitutivida- de perfeita, os produtos doméstico e impor- tado são like product e estão ao abrigo do artigo III:2, primeira sentença. Hipóteses de substitutividade menos-que-perfeita são re- guladas pelo artigo III:2, segunda sentença” 62.
À semelhança do que ocorre quanto aos like products, a verificação quanto a serem os produtos comparados, nacional e importa- do, diretamente competitivos ou substituí- veis, somente pode ser feita caso a caso, con- siderando a medida tributária adotada e, mais, um dado mercado. Isso porque não se pode falar em competição direta de forma isolada: ela sempre ocorre num determinado mercado, o que torna perfeitamente possível que dois produtos sejam diretamente com- petitivos no território de um Estado-mem- bro e não no de outro. No âmbito da OMC, a questão foi apreciada no já mencionado caso Japan – Taxes on Alcoholic Beverages (1996), que reconheceu a condição de produtos di- retamente competitivos, na forma da segun-
da parte do artigo III:2, a bebidas importa- das tais como uísque, rum, conhaque e gim com relação à bebida japonesa shochu. Os critérios utilizados pelo Painel, cuja proprie- dade foi confirmada pelo Órgão de Apela- ção, foram as características físicas – que afastaram a qualificação de like product –, a utilização final comum, as classificações tarifárias e, sobretudo, a chamada elastici- dade de substituição entre os produtos 63. Se- gundo o relatório do Painel Chile – Taxes on Alcoholic Beverages (1999), em que as Comu- nidades Européias se insurgiram contra a imposição de tributos internos menores ao pisco que a outras bebidas, “ substitutability and competitiveness refer to the ability of pro- ducts that may be dissimilar in some respects to satisfy a particular consumer want ”64. Por fim,
o mesmo relatório se refere a produtos po- tencialmente diretamente competitivos ou substituíveis, o que significa que a noção se aplica também a mercados onde a competi- ção ainda não existe, porém há uma razoá- vel expectativa de que venha a existir em um futuro próximo, o que também depende de comprovação. Assim sendo, pode-se di- zer que a segunda parte do artigo III:2 prote- ge também as expectativas dos demais paí- ses relativamente a um dado mercado 65.
Ainda segundo a decisão do Órgão de Apelação no caso Japan – Taxes on Alcoholic Beverages, três perguntas devem ser respon- didas para que se verifique se há ou não uma violação da segunda parte do artigo III:2: a) se os produtos doméstico e importado estão em competição direta; b) se não são tri- butados de forma similar ( not similarly taxed );
c) se a discrepância na tributação tem por objetivo proteger a produção doméstica ( so as to afford protection to domestic production )66.
Constatada, portanto, a existência de produtos diretamente competitivos ou subs- tituíveis, em competição num dado merca- do, conforme acima explicitado, deve-se ve- rificar se eles são ou não tributados de for- ma similar. Nesse particular, o Órgão de Apelação no caso supracitado, reformando
o entendimento do Painel, entendeu que a expressão not similarly taxed não se confun- de com a expressão in excess of constante da primeira parte do artigo III:2. Conseqüente- mente, a mera tributação a maior dos pro- dutos importados em competição direta não configura violação do artigo III:2, que requer uma carga a maior significativa relativamen- te aos importados: “ (...) there may be an amount of excess taxation that may well be more of a burden on imported products than on domestic ‘directly competitive or substituable products’ but may nevertheless not be enough to justify a conclusion that such products are ‘not similarly taxed’ for the purpose of Article III:2, second sen- tence. We agree with the Panel that this amount of differential taxation must be more than de minimis to be deemed ‘not similarly taxed’ in any given case. And, like the Panel, we believe
that whether any particular differential amount of taxation is de minimis or is not de minimis must, here too, be determined on a case-by-case basis. Thus, to be ‘not similarly taxed’, the tax burden on imported products must be heavier than on ‘directly competitive or substituable’ domestic products, and that burden must be more than de minimis in any given case ”67.
A definição de de minimis, ou seja, do mínimo além do qual a tributação será con- siderada não similar, deve ser feita em cada caso, inexistindo parâmetros gerais prees- tabelecidos para sua obtenção. Segundo o relatório do Painel no caso Chile – Taxes on Alcoholic Beverages (1999), “ for some products a very small difference in tax levels could be de minimis, difference that would be too large to be considered de minimis for other products. As always in cases such as these, the determinati- on must be based on examination of the market in question, the market of the respondent Member ”68.
O último requisito exigido para a inci- dência da segunda parte do artigo III:2 é a demonstração de que a tributação além do mínimo tenha escopo protecionista. Assim, não basta a existência de produtos domésti- cos e importados em competição direta, es- ses últimos tributados em excesso além do mínimo tolerável em comparação com os primeiros: é preciso que a tributação vise proteger a produção doméstica. Para que se estabeleça o intuito protecionista, é preciso que se investigue qual o objetivo da norma instituidora da medida tributária em ques- tão, as razões por que foi instituída, a forma como incide e, especialmente, quem se be- neficia da diferença de tributação, o que tam- bém é apurado caso a caso.
Em síntese, as duas regras supramenci-
onadas consubstanciam a cláusula do tra- tamento nacional em matéria tributária e são, conforme até aqui demonstrado, plena- mente obrigatórias para o Brasil, inclusive no que diz respeito a tributos estaduais e municipais, ainda que de sua aplicação re- sulte isenção para produtos importados de Estados-membros da OMC.
(Fim da primeira parte.
Continua na próxima edição)
Notas
1 Cf. artigo 20, parágrafo segundo, da CF/ 67.
2 Súmula 20 do STJ: “A mercadoria importada de país signatário do GATT é isenta do ICM, quan- do contemplada com esse favor o similar nacional”. Súmula 71 do mesmo Tribunal: “O bacalhau im- portado de país signatário do GATT é isento do ICM”.
3 É importante ressaltar que os tratados inter-
nacionais sempre se subordinam formalmente à s constituições, isto é, são elas que regulam sua pro- dução jurídica, determinam a quem cabe a repre- sentação do Estado no plano internacional. A res- peito, vejam-se os ensinamentos de Xxxxxxxx Xxxx- tini (1996) quando distingue os diversos tipos de hierarquia entre fontes, quais sejam, formal ou es- trutural, material, lógica e axiológica. Em termos de tratados internacionais, existe sempre uma rela- ção de hierarquia estrutural que os submete às cons- tituições, como acima mencionado, o que não sig- nifica que haja necessariamente uma relação de hi- erarquia material correspondente. A matéria relati- va ao artigo 151, III, da CF/ 88, na medida em que
diz respeito à competência da União para a cele- bração de tratados internacionais, corresponde a uma relação de hierarquia estrutural.
4 É a seguinte a redação do artigo: “1. Um Esta- do não pode invocar o fato de seu consentimento em obrigar-se por um tratado ter sido manifestado em violação de uma disposição de seu direito inter- no sobre competência para concluir tratados, como causa de nulidade de seu consentimento, a não ser que essa violação seja manifesta e diga respeito a uma regra de seu direito interno de importância fundamental. 2. Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer Estado que proceda, na matéria, na conformidade da prática normal e de boa-fé”.
5 Assim, por exemplo, États-Unis - Articles 301 à
000 xx xx xxx xx 1974 sur le commerce extérieur , onde, atuando como terceiro interveniente, o Brasil invo- cou o art. 31 da referida Convenção para orientar a interpretação do artigo XVI:4 do Acordo sobre a OMC – documento WT/ DS152/ R, versão francesa do relatório do Grupo Especial submetida à apreci- ação do Órgão de Solução de Controvérsias e por ele aprovada em janeiro de 2000. A íntegra da deci- são pode ser encontrada no site da Organização Mundial do Comércio – xxx.xxx.xxx.
6 Ives Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx
Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxxx, entre outros. A respeito, veja-se Ives Gan- dra da Xxxxx Xxxxxxx (1997). Alguns dos doutrina- dores mencionados propugnam pela necessidade de uma reforma constitucional, outros de consulta específica aos Estados-membros e aos municípios.
7 Betina Treiger Grupenmacher, Xxxxxx Xxxxx- xxx, Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, entre outros. Vejam-se as diversas manifestações em Ives Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx (1997) e Betina Treiger Grupenmacher (1999, p. 145).
8 Xxxxxxx unânime da Primeira Câmara Cível na Apelação Cível 597087352, julgada em 13.8.97, relator desembargador Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, entre outras decisões. A Câmara, nesse caso, enten- deu que não mais prevalecia, frente ao artigo 151, III, da Constituição Federal, o benefício da isenção de ICMS à mercadoria importada, quando o simi- lar fosse isento, conferido por força do artigo III do GATT. Em outra decisão, acórdão unânime da Prim eira Câm ara Cív el n a A p elação Cív el 597083930, julgada em 28.10.98, relator desem- bargador Xxxxxx Xxxxxxx, entendeu-se que o prin- cípio do GATT é neutro, não concedendo isen- ções, mas apenas determinando qu e os produtos importados não tenham tratamento menos favorá- vel que os domésticos.
9 No acórdão unânime da Primeira Câmara Cí-
vel na Apelação Cível 11.193/ 99, julgada em 21.10.99, relator desembargador Xxxxxx Xxxxxxx de Xxxxxxxx Xxxx, entre outras decisões, entendeu o Tribunal pelo descabimento da invocação do GATT e das súmulas 20 e 71 do STJ para fugir à incidência de ICMS em virtude de que é vedado à União conceder isenções de tributos estaduais e municipais – artigo 151, III, da CF/ 88.
10 Xxxxxxx unânime da Primeira Turma do STJ no REsp 90871/ PE, relator ministro Xxxx Xxxxxxx, publicado no DJU I de 20.10.97, p. 52977. A ínte- gra da decisão está disponível no site do Superior Tribunal de Justiça – xxx.xxx.xxx.xx.
11 Xxxxxxx unânime no REsp 170045-RJ, publi- cado no DJU I de 18.12.98, p. 296. A íntegra da decisão pode ser encontrada no site do STJ – xxx.xxx.xxx.xx.
12 Xxxxxxx unânime da Segunda Turma profe-
rido nos Embargos de Declaração em Recurso Es- pecial 136545/ RJ, relator ministro Xxx Xxxxxxxxxx, publicado no DJU I de 24.11.97, p. 61177.
13 Vejam-se, por exemplo, o acórdão unânime da Primeira Turma no REsp 220208/ RJ, relator ministro Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, publicado no DJU I de 14.8.2000, p. 143, bem como os acórdãos proferidos no Agravo Regimental no Recurso Espe- cial 251983/ RJ, relator ministro Xxxxxx Xxxxxx, pu- blicado no DJU I de 14.8.2000, p. 151, e no Agravo Regimental no Recurso Especial 204928/ RJ, relator ministro Xxxx Xxxxxxx, publicado no DJU I de 18.10.99, p. 213, ambos da Primeira Turma.
14 Trata-se do RE 229096-0/ RS, em que são partes a Central Riograndense de Agroinsumos Ltda. e o Estado do Rio Grande do Sul. O julga- mento iniciou em 4.2.99, tendo sido pedida vista
dos autos pelo ministro Xxxxxxxxx Xxxxxxxx após o voto do relator, ministro Xxxxx Xxxxxx, favorável à competência da União para, por meio de tratados internacionais, conceder isenções de tributos esta- duais e municipais.
15 Tradução livre: “All that can be said is that an entity of a type recognized by customary law as capable of possessing rights and duties and of brin- ging international claims, and having these capaci- ties conferred upon it, is a legal person. If the first condition is not satisfied, the entity concerned may still have legal personality of a very restricted kind, dependent on the agreement or acquiescence of re- cognized legal persons and opposable on the inter- national plane only to those agreeing or acquies- cent”(1998, p. 57).
16 Utilizamos o termo estatalidade para designar
a condição de Estado de que se reveste uma deter- minada entidade. Critérios de estatalidade são, portanto, as condições que uma determinada enti- dade precisa preencher para que seja considerada como Estado pelo Direito Internacional.
17 Tradução livre: “(1) to be a collective socially- organized entity; (2) to possess an independent in- ternational legal status; (3) to be a bearer of inter- national rights and duties; (4) to be capable of parti- cipation in international relations; (5) to possess a legal treaty capacity; (6) to be responsible for violati- ons of international legal norms; (7) to be capable of the defence os their legal status” (1985, p. 370–371).
18 Tradução livre: ”The criterion of a ‘permanent population’ is connected with that of territory and constitutes the physical basis for the existence of a state”(1997, p. 76).
19 Tradução livre: “Who belongs to the ‘perma- nent population’ of a state is determined by the internal law on nationality, which international law leaves to the discretion of states, except for a num- ber of limited circumstances”(1997, p. 76–77).
20 Tradução livre: “A state exercises territorial
jurisdiction over its inhabitants and personal juris- diction over its nationals when abroad. The essenti- al aspect, therefore, is the common national legal system which governs individuals and diverse groups in a state” (1997, p. 77).
21 Tradução livre: “ The control of territory is the
essence of a state ”(1997, p. 75).
22 Tradução livre: “In the enumeration contai- ned in the Montevideo Convention, the concept of independence is represented by the requirement of capacity to enter into relations with other states. Independence has been stressed by many jurists as the decisive criterion of statehood”(1998, p. 71).
23 Diz Malanczuk (1997, p. 17-18): “When inter- national lawyers say that a state is sovereign, all that they really mean is that it is independent, that is, that it is not a dependency of some other state.
They do not mean that it is in any way above the law. It would be far better if the word ‘sovereignty’ were replaced by the word ‘independence’(...)”, ou, livremente traduzido, “Quando internacionalistas dizem que um Estado é soberano, tudo o que real- mente querem dizer é que é independente, isto é, que não é dependente de nenhum outro Estado. Isso não quer dizer que estejam de forma alguma acima da lei. Seria muito melhor se a palavra ‘sobe- rania’ fosse substituída por ‘independência’ (...)” . 24 “(...) la souveraineté internationale n’est ainsi
que la formalisation légale d’une indépendence de fait ou, si l’on veut, le droit au maintien de l’indépendance” (1993, p. 227).
25 “The sovereignty and equality of states repre- sent the basic constitutional doctrine of the law of nations, which governs a community consisting pri- marily of states having a uniform legal personality. If international law exists, then the dynamics of state sovereignty can be expressed in terms of law, and, as states are equal and have legal personality, sovereignty is in a major aspect a relation to other states (and to organizations of states) defined by law” (1998, p. 289).
26 Tradução livre (1955, p. 94): “El Tribunal In- ternacional de la Haya afirma, p. ej., en su senten- cia de 7 de septiembre de 1927, dada en el asunto del vapor Lotus (...), que el DI regula relaciones en- tre Estados independientes (‘independent states’)”. Veja-se, também, Xxxxx X. xx Xxxxxxxxxxx Xxxxx (1997, p. 339): “Estado soberano deve ser entendi- do como sendo aquele que se encontra subordina- do direta e imediatamente à ordem jurídica inter- nacional, sem que exista entre ele e o DI qualquer outra coletividade de permeio. É, assim, sujeito de DI com capacidade plena o Estado que tem a ‘com- petência da competência’ na linguagem dos auto- res alemães”.
27 Tradução livre: “El ordenamiento de los Esta- dos soberanos no se deriva (por delegación) de otro ordenamiento estatal, sino que existe inmediata y directamente en virtud del DI” (1955, p. 95).
28 Aqui, toma-se emprestada a idéia de Xxxx Xxxxxx (1938), que compreende o Estado federal como o resultado da soma de duas ordens jurídi- cas parciais – dos estados-membros e da União, ordem jurídica central – , formando o que ele cha- ma de “comunidade jurídica total”, daí identifi- cando-se a constituição federal com a constituição- total. Entre as diversas teorias que pretenderam explicar a natureza do Estado federal, permane- cem como fundamentos de sua concepção moder- na as teorias de Le Fur – Teoria da Participação – , Xxxx Xxxxxx – Escola de Viena – , Xxxx Xxxxxx e Xxxxxxxx – Teoria dos Estados-Membros Não-Sobe- ranos. Entendemos que não nos cabe, dentro dos limites do presente trabalho, traçar longas conside-
rações sobre as teorias concernentes ao Estado fe- deral, bastando demonstrar os elementos forma- dores de sua concepção moderna. Para um estudo mais aprofundado do tema, vejam-se, entre ou- tros: Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (1982); M. Mouskheli (1981); Xxxxxxxx Xxxxxxxxx (1997).
29 Entre outros, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx (1995, p. 352), leciona: “A importância da repartição de com petências reside no fato de que ela é a colu- na de sustentação de todo o edifício constitucional do Estado federal. A organização federal provém da repartição de competências, pois a repartição vai desencadear as regras de configuração da União e dos Estados, indicando a área de atua- ção de cada um”.
30 Cf. Xxxxxx Xxxxxxxx (1955, p. 95), tradução
livre: “Por faltarles este requisito de la vinculación inmediata al DI, carecen de personalidad jurídico- internacional los Estados miembros de un Estado federal, los Estados vasallos y otras agrupaciones autónomas dentro de un Estado, siempre que no se les reconozca una subjetividad jurídica parcial en el marco de su autonomía”.
31 Tradução livre: “The federal state will itself, of course, have personality, but the question of the personality and capability of the component units of the federation on the international plane can re- ally only be determined in the light of the constitu- tion of the state concerned and state practice. (...) Component states of a federation that have been provided with a certain restricted international com- petence may thus be accepted as having a degree of international personality. The issue has arisen espe- cially with regard to treaties. Xxxxxxxxxxx, in his Report on the Law of Treaties, for example, noted that treaties concluded by component units of fe- deral states are ‘treaties in the meaning of internati- onal law’, although Xxxxxxxxxxx adopted a diffe- rent approach in his Report on the Law of Treaties by stating that such units act as agents for the fe- deration which alone possesses international per- sonality and which is the entity bound by the treaty and responsible for its implementation” (1999, p. 156–157).
32 Tradução livre: “A federal constitution may
confer treaty-making capacity and power to enter into separate diplomatic relations on the constitu- ent members. In the normal case, the constituent state is simply acting as a delegate or agent of the parent state. However, by agreement or recogniti- on, a federated state may assume a separate perso- nality, as an analogue of statehood, on the interna- tional plane. Thus the Ukrainian SSR and Belorus- sian SSR, as members of the former Union of Soviet Socialist Republics, concluded treaties on their own behalf and were members of the United Nations” (1998, p. 74-75).
33 Tradução livre: “International law is concer- ned only with states capable of carrying on interna- tional relations; consequently the federal state is regarded as a state for the purposes of internatio- nal law, but the member states of the federation are not. If a member state of the federation acts in a manner which is incompatible with the internatio- nal obligations of the federal state, it is the federal state which is regarded as responsible in internatio- nal law” (1997, p. 81).
34 A respeito, vejam-se, entre outros Xxxxxx Xxx- se (1998) e Xxxxxx Xxxxxxx (1998).
35 Acórdão do Tribunal Pleno na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn - 1480-3-DF medida liminar), julgado em 4.9.97. A íntegra da decisão pode ser encontrada no site do STF – xxx.xxx.xxx.xx.
36 Veja-se, a respeito, a obra de Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx (1995), mais especificamen- te o capítulo sétimo, seção III, relativa aos acordos em forma simplificada.
37 Veja-se que, pelo menos em duas situações, o STF considerou que o tratado não estava em vigor no plano interno antes da publicação de seu texto por meio de decreto presidencial, o que consubs- tanciava sua incorporação ao direito interno: na ADIn 1480-3-DF, relativamente à Convenção 158 da OIT e no AGRCR 8279, atinente ao Protocolo de Ouro Preto – protocolo de medidas cautelares do Mercosul. A íntegra das decisões está disponível no site do Supremo Tribunal Federal – xxx.xxx.xxx.xx.
38 Veja-se, ainda, a lição do mesmo autor na p. 214, tradução livre: “Obviamente, uma polí- tica importante por detrás dessa regra é impe- dir que tri butos e regulamentos domésticos sejam utilizados como medidas protecionistas que frus- trariam o propósito dos compromissos tarifários”
– “Obviously, an important policy behind this rule is to prevent domestic tax and regulatory policies from being used as protectionist measures that would defeat the purpose of tariff bindings”. Ain- da, afirma Xxxxxxxx Xxxxx (1990, p. 36) que “o tratamento nacional constitui, dentro do sistema de livre-troca do GATT/ OMC, uma das expres- sões jurídicas do princípio da não-discriminação. É sem dúvida o princípio da igualdade de tratamen- to entre produtos importados e produtos nacionais similares que está no centro do tratamento nacio- nal” – tradução livre: “Le traitement national cons- titue, dans le système libre-échangiste du GATT- OMC, l’une des expressions juridiques du principe de non-discrimination. C’est en effet le principe de l’égalité de traitement entre produits importés et produits nationaux similaires qui est au centre du traitement national”. Igualmente, Xxxxxxxxx Xxx- xxxx & Xxxxxxx Xxxxxxxx (1998, p. 235): “O trata-
mento nacional constitui o complemento natural do tratamento da nação mais favorecida para dar efe-
tividade ao princípio cardeal da não-discriminação que deve presidir as trocas comerciais internacio- nais” – tradução livre: “Le traitement national cons- titue le complément naturel du traitement de la nati- on la plus favorisée pour donner effet au principe cardinal de non-discrimination qui doit présider aux échanges commerciaux internationaux”.
39 O fato de a cláusula do tratamento nacional ser um complemento natural à cláusula da nação mais favorecida não significa, entretanto, que ela se aplique unicamente a produtos sujeitos a conces- sões tarifárias na forma do artigo II do GATT/ 94. A respeito do tema, veja-se a decisão do Órgão de Apelação no caso Japan – Taxes on Alcoholic Be- verages , d ocum en to XX/ XX0 / XX/ X, XX/
XX00/ XX/ R, WT/ DS11/ AB/ R, p. 18. A ínte-
gra da decisão pode ser encontrada no site da OMC – xxx.xxx.xxx.
40 Versão original em inglês. A tradução em lín- gua portuguesa foi publicada pelo decreto legisla- tivo 43, de 20 de junho de 1950: “As partes contra- tantes reconhecem que os impostos e outros tribu- tos internos, assim como leis, regulamentos e exi- gências relacionadas com a venda, oferta para ven- da, compra, transporte, distribuição ou utilização de produtos no mercado interno e as regulamenta- ções sobre medidas quantitativas internas que exi- jam a mistura, a transformação ou utilização de produtos, em quantidades e proporções especifi- cadas, não devem ser aplicados a produtos impor- tados ou nacionais, de modo a proteger a produ- ção nacional”.
41 Xxxxxxxxx XX/ XX0/ XX/ X, XX/ XX00/ XX/ R e WT/ DS11/ AB/ R, p. 19. A íntegra da de- cisão pode ser encontrada no site da OMC – xxx.xxx.xxx, tradução livre: “O Artigo III:1 ex- pressa um princípio geral de que medidas internas não devem ser aplicadas de forma a proteger a produção doméstica. Esse princípio geral informa o resto do Artigo III. O propósito do Artigo III:1 é
o de estabelecer esse princípio geral como um guia para a compreensão e a interpretação das obriga- ções específicas contidas no Artigo III:2 e nos de- mais parágrafos do Artigo III, ao mesmo tempo em que respeita, e não diminui de forma alguma, o sig-
nificado das palavras utilizadas nos textos de t ais
parágrafos. De acordo com o princípio da efetivi- dade (princípio do efeito útil), e com as diferenças
textuais encontradas nas duas partes, nós a credi- tamos que o Artigo III:1 informa a primeira e a se- gunda partes do Artigo III:2 de formas diferentes”.
42 Tradução livre: “The broad purpose of Article
III is to avoid protectionism in the application of internal tax and regulatory measures. Article III en- sures that internal measures are not applied to im- ported or domestic products in a way that affords protection to domestic products” (1998, p. 90).
43 Tradução livre: “Once imports have entered a Member’s territory, (1) internal taxes must be appli- ed equally to imports and the like domestic pro- duct, and (2) national regulations must not treat imports ‘ less favorably’ than similar domestic goods” (1998, p. 90).
44 Tradução livre: “En matière de commerce in- ternational, la clause du traitement national est ce- lle qui assure une assimilation quant au régime juri- dique et fiscal applicable aux produits importés par rapport aux produits nationaux. Autrement dit, cette clause insérée à l’Article III de l’Accord Général de 1947 interdit d’une façon générale les
discriminations de traitement à raison de l’origine des produits, que ceux-ci soient importés ou con- fectionnés localement. Ces derniers ne doivent pas bénéficier d’une protection nationale indirecte (Arti- cle III (1))” (1998, p. 236).
45 O esclarecimento é importante porque, por óbvio, todos os tributos, ainda que incidentes no momento da importação, são internos na medida em que impostos por um determinado Estado, no exercício de sua competência tributária. A utiliza- ção do termo interno , no particular, destina-se a diferenciar os tributos incidentes em razão da im- portação daqueles incidentes após o ingresso da mercadoria no território nacional. Igualmente, quan- do se fala em circulação interna, não se está fazen- do referência ao fato gerador do ICMS, mas dando ênfase à distinção aqui explicitada.
46 Protocolo de 14.12.48, incorporado ao GATT/
94 na forma do artigo 1(a).
47 Tradução livre do texto em inglês: “qualquer tributo interno ou outra tarifa interna (...) coletada ou implementada no caso de produto importado no momento ou local de importação deve ainda assim ser considerado como tributo interno ou ou- tra tarifa interna (...) e está, portanto, sujeito às disposições do artigo III”.
48 Acórdão do Tribunal Pleno no RE 195663/
SP, relator ministro Xxxxx Xxxxxx, publicado no DJU I de 21.11.97, p. 946 (por maioria). A lei paulista 6374/ 89 impede que se adote o sistema de conta- bilização do crédito relativo ao ICMS incidente so- bre mercadoria importada em conta gráfica de dé- bitos e créditos para fins de compensação e recolhi- mento por regime periódico de apuração e foi con- siderada constitucional pelo STF. A íntegra da de- cisão se encontra no site do Supremo Tribunal Fe- deral – xxx.xxx.xxx.xx.
49 Transcrito diretamente da versão autêntica em inglês. No Brasil, o texto foi publicado pelo de- creto legislativo 43, de 20 de junho de 1950: “Os produtos do território de qualquer parte contratan- te, importados por outra parte contratante, não estão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer espécie su-
periores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais. Além disso, nenhuma parte contratante aplicará de outro modo, impos- tos ou outros encargos internos a produtos impor-
tados nacionais, contrariamente às principais ( sic) estabelecidas no parágrafo 1”.
50 Utiliza-se o termo intersubstituíveis para de- signar produtos que podem-se fazer substituir um pelo outro.
51 Utiliza-se o termo substitutividade para desig-
nar a qualidade de produtos que podem ser subs- tituídos um pelo outro.
52 Os precedentes citados são os casos Border Tax Adjustments e Japan – Custom Duties, Taxes and Labelling Practices on Imported Wines and Alcoholic Beverages. Ambos se encontram no site da OMC – xxx.xxx.xxx.
53 Documento WT/ DS2/ R, tradução livre: “O Painel, retomando sua prévia discussão sobre os fatores a serem levados em conta na determinação de like product , observou que as gasolinas quimica- mente idênticas importada e doméstica têm por definição as mesmas características físicas, utiliza- ção final, classificação tarifária e são perfeitamente intersubstituíveis. O Painel então concluiu que as gasolinas quimicamente idênticas, importada e doméstica, são like product na forma do artigo III:4”. A íntegra da decisão pode ser encontrada no site da Organização Mundial do Comércio – xxx.xxx.xxx.
54 Os precedentes citados são os casos Border
Tax Adjustments e Japan – Customs Duties, Taxes and Labelling Practices on Imported Wines and Alcoholic Beverages. Ambas as decisões podem ser encontra- das na íntegra no site da OMC – xxx.xxx.xxx.
55 As bebidas eram vodca, uísque, conhaque, rum, gim, genever e licores.
56 Vejam-se o relatório do Painel documento – XX/ XX0/ X, XX/ XX00/ X, XX/ XX00/ R – , p. 132-
133, e a decisão do Órgão de Apelação – documento XX/ XX0/ XX/ X, XX/ XX00/ XX/ X, XX/ XX00/
XX/ R – , p. 21-23. As decisões podem ser encontra- das na íntegra no site da OMC – xxx.xxx.xxx.
57 Veja-se a íntegra da decisão no site da OMC – xxx.xxx.xxx.
58 Split-run designa os periódicos que contêm o mesmo conteúdo editorial, ou similar, de periódi- cos publicados em países estrangeiros porém com publicidade dirigida ao mercado canadense.
59 Decisão baixada da Internet, site xxx.xxx.xxx. tradução livre: “Como confirmado pelo Órgão de Apelação na decisão de Japan – Taxes on Alcoholic Beverages, a definição de ‘like product’ no artigo III:2, primeira parte, deve ser construída de forma especí- fica, caso a caso, à luz de fatores t ais como a utiliza- ção final do produto num determinado mercado, os hábitos e gostos dos consumidores e as proprie-
dades, natureza e qualidade do produto”.
60 Documento WT/ DS8/ AB/ R, WT/ DS10/ AB/ R, WT/ DS11/ AB/ R, p. 25, tradução livre: “até mesmo o menor montante de ‘excesso’ é demasia- do”. A íntegra se encontra à disposição no site da OMC – xxx.xxx.xxx.
61 Tradução livre da versão autêntica em inglês: “um tributo conforme às determinações da primei- ra parte do parágrafo 2 seria considerado inconsis- tente com as disposições da segunda apenas nos casos envolvendo competição entre, de um lado, o produto tributado e, de outro, um produto direta- mente competitivo ou substituível não tributado de forma similar”.
62 Tradução livre: “(...) if for every sale of the import there is one lost sale of the domestic pro- duct, then the two products are perfect substitutes and in direct competition. In a case of perfect subs- titutability, the imported and domestic products are like products and are covered under Article III:2, first sentence. Instances of less-than-perfect subsi- tutability are addressed under Article III:2, second sentence” (1998, p. 97).
63 O termo significa o quanto o aumento ou di- minuição na venda de um dos produtos se reflete aumentando ou diminuindo as vendas do outro, em comparação. Veja-se, a respeito, o relatório do Painel, documento WT/ DS8/ R, WT/ DS10/ R, WT/ DS11/ R, p. 137. A decisão pode ser encontrada no site da OMC – xxx.xxx.xxx.
00 Xxxxxxxxx XX/ XX00/ X, XX/ XX/ 110/ R, p. 175, tradução livre: “Substitutividade e compe- titividade referem-se à capacidade de produtos que possam ser diversos em alguns aspectos de satis- fazer um determinado desejo do consumidor”. A íntegra da decisão pode ser encontrada no site da OMC – xxx.xxx.xxx.
00 Xxxxxxxxx XX/ XX00/ X, XX/ XX/ 110/ R, p. 163. A íntegra da decisão pode ser encontrada no site da OMC – xxx.xxx.xxx.
66 Decisão do Órgão de Apelação, documento
XX/ XX0/ XX/ X, XX/ XX00/ XX/ R, WT/ DS11/
AB/ R, p. 26. A íntegra pode ser encontrada no site da OMC – xxx.xxx.xxx.
67 Documento WT/ DS8/ AB/ R, WT/ DS10/ AB/ R, WT/ DS11/ AB/ R, p. 29, tradução livre: “é possível que haja um montante de tributação em excesso onerando produtos importados além de produtos domésticos ‘diretamente competitivos ou substituíveis’ mas, ainda assim, não suficiente para justificar a conclusão de que tais produtos não são tributados de forma similar para os fins do Artigo III:2, segunda parte. Nós concordamos com o Pai- nel no sentido de que esse montante diferenciado
de tributação deve estar além de um mínimo ( de minimis) para que se considere ‘não tributado de forma similar’ em cada caso. E, como o Painel, nós acreditamos que o quanto um dado montante de
diferença de tributação é ou não de minimis deve ser, aqui também, determinado caso a caso. As- sim, para que sejam considerados ‘não tributados de forma similar’, o ônus tributário incidente sobre os produtos importados deve ser mais pesado que
o incidente sobre ‘produtos domésticos diretamen- te competitivos ou substituíveis’ e estar além do mínimo (de minimis ) em cada caso”. A íntegra da decisão pode ser encontrada no site da OMC – xxx.xxx.xxx.
68 Documento WT/ DS87/ R, WT/ DS110/ R, p. 178, tradução livre: “Para alguns produtos uma diferença muito pequena em níveis de tributação poderia ser de minimis, uma diferença que dificil-
mente seria considerada de minimis para outros produtos. Como sempre em casos assim, a deter- minação deve ser baseada no exame do mercado em questão, o mercado do Estado contra quem se dirige a reclamação”. A íntegra da decisão pode ser encontrada no site da OMC – xxx.xxx.xxx.
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