TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL
Acórdão
Processo
16024/19.1T8LSB.L1-7
Data do documento
13 de julho de 2021
Relator
Xxx Xxxxxxxxx Xx Xxxxx
DESCRITORES
Contrato de mediação > Interpretação do clausulado > Remuneração adicional
SUMÁRIO
1. A interpretação das cláusulas constantes de contrato de mediação deve ser efectuada nos termos do art. 236º, nº 1 do CC;
2. Estando previstas na letra do contrato de mediação determinadas condições que devem existir para ser efectuado o pagamento de uma remuneração adicional, e não resultando dos autos que as partes tenham pretendido restringir essas condições, não existem dúvidas sobre o sentido da declaração negocial mútua expressa nesse contrato.
TEXTO INTEGRAL
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1 . A [...Imobiliários, SA ] intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma comum contra B [ ... Mediação imobiliária, Lda ] pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 208.452,64 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos até à data da propositura da acção, no valor de € 38.577,39 e dos vincendos desde a citação até integral pagamento.
Para tanto, alega que celebrou com a R. um contrato e mediação imobiliária de um conjunto de imóveis, tendo, posteriormente sido acordada uma alteração ao contrato, nos termos do qual a A. se obrigava ao pagamento de uma verba adicional quando existisse um canal internacional. Mais alega que pagou as comissões em que não esteve envolvido qualquer agente estrangeiro nem existiu intervenção de um canal internacional, pelo que tem direito à restituição de tais valores.
2. O R. contestou, impugnando a factualidade alegada na petição inicial e defendendo a improcedência da acção.
3. Foi proferido despacho saneador, fixando-se o objecto do litígio e os temas de prova.
4. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a R. a pagar à A. “a quantia de € 76.092,34, acrescida de juros de mora vencidos até à presente data, calculados à taxa de 4% desde 04/09/2019 e dos vincendos desde a presente data até integral pagamento, calculados à taxa legal que vigorar”.
5. Inconformada, a R. recorre desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “(A) A Autora e a Ré celebraram um contrato de mediação imobiliária, nos termos do qual a Ré diligenciaria no sentido de procurar compradores para um conjunto de imóveis propriedade da Autora. Nesse contrato, ficou acordado: (1) o pagamento de uma remuneração correspondente a 5% do preço de venda, sujeita à condição de ser efetivamente concretizado algum negócio objeto do contrato; (2) o pagamento de uma remuneração extraordinária e adicional, a pagar pela Autora à Ré, sujeita à condição adicional de a venda ter lugar com a intervenção de um «canal internacional».
(B) Através da celebração do contrato, a Autora confiou na Ré e essa confiança manteve-se durante toda a execução do
contrato, conforme foi confirmado pelo agente da Ré, a testemunha Xxxxxx , na parte final do minuto [00:11] e os
primeiros segundos do minuto [00:12] do seu depoimento:
(...)
(C) Este processo julga o comportamento contratual da Ré e o facto de a Ré, falseando informação, ter cobrado à Autora a remuneração extraordinária adicional, respeitante ao envolvimento de um «canal internacional», em 4
compras e vendas: Frações A5B, A4B, A2D e 1AC. A Sentença considerou que a Ré enganou a Autora no que diz respeito às transações das Frações A4B e A2D; este recurso visa impugnar a decisão tomada pela Sentença no que diz respeito às transações das Frações A5B e 1AC e a decisão sobre o momento do início da contagem dos juros.
(D) Dois dos negócios em causa nestes autos (Frações A2D e 1AC) apresentaram como compradora a Eurovarsóvia que, por sua vez, também adquiriu uma terceira fração a uma entidade participada pela Autora A, gerida pelo mesmo representante e que estabeleceu uma relação de mediação com a Ré ao mesmo tempo e nos mesmos termos que a Autora. Noutro processo, a dita A também está a fazer os seus direitos perante a Ré. Por terem manifesto interesse para o julgamento do presente Recurso, nomeadamente para a apreciação da conduta enganosa e, acima de tudo, a conduta mutante que a Ré adotou e continua a adotar perante a Autora e o Tribunal para explicar as cobranças indevidas que fez, requer-se (ao abrigo dos artigos 651.º e 425.º do Código do Processo Civil) a junção da petição inicial (apresentada pela A) e da contestação (apresentada pela Ré) do processo corre os seus termos no Juízo Local Cível de Lisboa (Juiz 18), processo n.º 21299/20.0T8LSB.
(E) A contestação da Ré foi apresentada no dia 31.12.2020, isto é, depois de 02.12.2020 (data em que teve lugar e foi encerrada a audiência de discussão e julgamento), apresenta, nos seus artigos 23.º e 24.º, uma 4.ª versão (!) sobre os fundamentos para a cobrança de uma comissão adicional extraordinária sobre os negócios celebrados pela Eurovarsóvia e, subsidiariamente, pretende acautelar um eventual direito de regresso sobre os seus agentes por potencialmente terem violado código de ética e procedimentos e por terem enganado e praticado atos desleais para cobrar uma comissão adicional junto de uma sociedade ligada à Autora.
(F) Da combinação dessa contestação com o acervo probatório destes autos resulta uma desvinculação total e sem medida da Ré face a qualquer conceito de verdade e de cumprimento. Também fica evidenciado o desconforto que a Xx sentiu após a audiência de discussão e julgamento. Assim, o conteúdo da Sentença acaba por ser muito indulgente face ao entendimento que a própria Xx teve do julgamento e desvaloriza um comportamento manifestamente desleal e condenável.
(G) Os autos revelam que a Xx logrou cobrar à Autora uma remuneração extraordinária adicional com base em informação falsa sobre o efetivo envolvimento do «canal internacional» no que diz respeito às compras e vendas da Fração A5B (a Sentença não extrai essa conclusão), da Fração A4B (a Sentença extrai essa conclusão), da Fração A2D (a Sentença extrai essa conclusão) e da Fração 1AC (a Sentença não extrai essa conclusão).
(H) A Sentença limitou-se a fazer um juízo segmentado das compras e vendas e não fez uma avaliação global do acervo probatório, nomeadamente no que diz respeito ao comportamento contratual e processual da Ré, que foi manifestamente desonesto, desqualificado e condenável. Essa falta de julgamento do conjunto da execução contratual levou a apreciações contraditórias de algumas questões e à violação das regras da experiência comum guiadas por critérios de prudência e bom senso.
(I) Ao abdicar de uma perspetiva global da conduta contratual da Ré, a Sentença desprezou o seguinte:
(i) A Autora confiava na Ré.
(ii) A Ré não hesitou em mentir à Autora (e ao Tribunal) sobre o efetivo envolvimento dos canais internacionais para cobrar remunerações extraordinárias, inventando a existência de brokers chineses ou de contratos de que nunca existiram.
(iii) Procurando justificar o injustificável, a Xx juntou faturas, inexplicáveis e inexplicadas, de pagamentos por si realizados à própria entidade compradora da Fração A4B (Li Da, Lda.).
(iv) Ao longo do tempo, a Xx apresentou diferentes e inconciliáveis versões sobre os mesmos factos, nomeadamente acerca da cobrança da comissão extraordinária nas transações da Eurovarsóvia: em 2014 e 2016, era estava envolvida uma broker chinesa; em 2019, era porque tinha negócios em Varsóvia a aí tinha sido angariada; em novembro de 2020, foi um prémio pela angariação de um cliente extraordinário; [em dezembro de 2021, depois do julgamento e em função dos documentos juntos a este recurso, passou a ser um prémio por força de uma negociação excelente].
(v) A Xx juntou documentos riscados e não correspondeu atempadamente às determinações do Tribunal para esclarecer os factos e concretizar que “canais internacionais” estiveram envolvidos nas transações da Autora.
(vi) A Ré tudo fez para sempre esconder da Autora e do Tribunal a identidade dos canais internacionais supostamente utilizados, o que revela uma clara consciência de que as comissões extraordinárias que foram cobradas não se encaixavam na estipulação contratual que as autorizava.
(J) O acervo provatório dos autos demonstra, de uma forma evidente, que a Ré adotou um comportamento contratual e processual enganoso, desleal, não transparente, escondendo durante o maior período de tempo possível, nomeadamente através de informação falsa ou de informação truncada, a identidade do suposto «canal internacional». Assim, as regras da experiência comum obrigavam o Tribunal a ter redobrada cautela e uma particular exigência na apreciação dos factos manifestados pela Ré – e não teve - bem como em não minimizar o facto de estar perante uma parte que tem uma profunda e comprovada tendência para faltar à verdade de modo a colher benefícios financeiros.
(K) O processo tem provas que evidenciam de uma forma clara a vontade real da Autora e da Ré quando estipularam a remuneração extraordinária alocada ao eventual envolvimento do “canal internacional”, pelo que a Sentença deveria ter julgado como provado o seguinte:
«A vontade real da Autora e da Ré quando estipularam uma verba adicional para o pagamento a um canal internacional, bem como a execução que a Autora e a Ré concretamente fizeram do contrato de mediação, foi a de atribuir à Ré uma remuneração extraordinária na condição de ocorrer um alargamento das possibilidades de angariação de negócios face ao que estava originariamente contratado e, ainda, desde que desse alargamento resultasse a angariação de um negócio pela Ré através da colaboração [1] de um mediador estabelecido noutro país que não Portugal que [2] tivesse agido noutro país que não Portugal».
(L) Na verdade, o sentido da vontade das partes está plenamente provado nos autos, tanto no momento da construção dessa estipulação, como quando a própria Ré lhe deu execução:
(i) Os pontos 3.1.4., 3.1.5. e 3.1.6. da Fundamentação de Facto revelam que a remuneração dita normal de 5% já cobria a atividade normalmente desenvolvida pela Ré, incluindo as remunerações auferidas por terceiros emergentes das chamadas partilhas, isto é, as situações em que a aproximação do comprador aos negócios de venda que a Autora de propunha concretizar era feita através de terceiras entidades remuneradas, incluindo mediadores imobiliários integrados ou não integrados na rede Remax.
(ii) O ponto 3.1.10. da Fundamentação de Facto provou que «a Ré diligenciou com o objetivo de persuadir a Autora no sentido de lhe ser paga uma remuneração adicional nas situações extraordinárias em que as oportunidades de negócios fossem angariadas em colaboração com [1] um mediador estrangeiro [2] agindo noutro país, abrindo, dessa forma e ainda mais, as possibilidades de angariação de negócios» - apenas dessa forma, e não através de qualquer outra, a Ré teria direito à referida remuneração extraordinária.
(iii) Isso também resulta da combinação dos artigos 14.º da petição inicial e 14.º da contestação.
(iv) Resulta do depoimento da testemunha Xxxxxx entre o minuto [00:04] e o minuto [00:10], de onde se realçam as
seguintes passagens:
(...)
(vi) O Tribunal deu como provado que a Ré enganou a Autora na transação respeitante à Fração A2D (Eurovarsóvia), porque apenas esteve envolvida na transação uma entidade portuguesa (factos 3.2.3. e 3.2.4.). Para enganar a Autora, a Xx sentiu a necessidade de mentir à Autora e informá-la que tinha estado envolvido um «agente estrangeiro» (mais concretamente, uma broker chinesa – cfr. documentos n.º 1 e n.º 2 junto ao requerimento apresentado em 21.11.2020, com a referência 27785595) de modo a viabilizar a cobrança da comissão remuneratória respeitante ao envolvimento do canal internacional. Se a vontade real da Autora e a Ré ao estipularem o conceito de «canal internacional» fosse o entendimento adotado pela Sentença, a Ré não teria necessidade de inventar a existência de uma broker/agente/parceiro chinesa a quem teria de pagar uma comissão para reclamar esse pagamento.
(M) Ao ignorar a vontade real dos contraentes, a Sentença faz uma interpretação abstrata do contrato, totalmente desligada (i) da vontade real das partes no momento da celebração do contrato, (ii) da vontade executada pelas partes durante o contrato e (iii) da prova manifestada nos autos. Assim, a interpretação que a Sentença faz da estipulação entre as partes acerca do «canal internacional» viola os artigos 236.º n.º 1 e n.º 2, 405.º e 406.º do Código Civil, porquanto a vontade real das Partes foi no sentido de atribuir uma remuneração extraordinária à Ré no caso de a
angariação ter sido feito através de um mediador estrangeiro, sedeado noutro país e agindo noutro país. (N) A Sentença julgou incorretamente o ponto 3.2.1. da Fundamentação de Facto, ao considerar que o Senhor ,
comprador da Fração A5B, foi angariado na China, pelo que esse ponto da Sentença deve ser corrigido e substituído pelo seguinte:
«O adquirente referido em 3.1.13. foi angariado pela Ré com a colaboração da Unipessoal, Lda., pessoa coletiva
com o NIPC 510 ... e sede estatutária na Xxx , 00, X, Xxxxxx, Xxxxxxxx, não se conhecendo onde, quando, como e de
que forma essa angariação teve lugar e através de quem».
(O) A prova produzida nos autos que manifesta a necessidade dessa decisão é a seguinte:
(i) O Tribunal segue o seguinte raciocínio: … Yu tem residência na China, Xx foi representado no instrumento de
venda – logo, a angariação foi feita na China. Trata-se de um juízo indiciário manifestamente pobre e curto.
(ii) Os documentos colocam ..... Yu com residência num quarto: o quarto 507 do Garden, em Weihai City, na China
(documento n.º 6 junto com a petição inicial). Esse é um indício de uma residência meramente formal. O facto de Yu
apontar como morada da sua residência um quarto na China absolutamente nada diz de qualificado sobre o local efetivo da angariação feita pela Ré na transação imobiliária concretizada pela Autora.
(iii) As regras da experiência comum demonstram que:
(1) muitas pessoas estrangeiras, com residência noutros países, visitam Portugal e aqui estabelecem centros estáveis de interesses que proporcionam a angariação de negócios em Portugal;
(2) o facto de alguém ser representado por advogado num instrumento contratual nada diz de relevante sobre onde, quando e como esse negócio foi angariado.
(iv) Não foi produzida qualquer prova (e essa prova cabia à Ré) sobre como se processou a angariação de Yu para
além do facto de o mesmo ter sido trazido pela mão de uma sociedade sedeada em Oeiras, Portugal: quem, quando, onde, como e por conta de quem falou com Xx, o que lhe foi dito, o que ele disse, que dinâmica foi estabelecida.
Absolutamente nada.
(v) Para além de uma fatura com um descritivo muito genérico, não foi junto aos autos qualquer tipo de elemento respeitante à relação estabelecida entre a Ré a Centerluxuary. Não há correspondência e nem sequer o contrato, que a Ré e os seus responsáveis disseram que existia sempre com os ditos “canais internacionais” – nesse sentido, cfr. documentos n.º 1 e n.º 2 junto ao requerimento apresentado em 21.11.2020, com a referência 27785595 e depoimento da testemunha Xxxxxx no minuto [00:07].
(vi) O Tribunal deu como provado que a Ré enganou a Autora pelo menos duas vezes (Fração A4B e Fração A2D). Na falta de prova evidente e seguindo as regras da experiência comum, provavelmente quem engana duas vezes para cobrar a remuneração, também enganou na transação respeitante à Fração A5B.
(vii) No minuto [00:34] do seu depoimento, a testemunha Xxxxxx … refere que Xx seria um empresário importante
cliente da Century Luxuary, o que indicia que o mesmo já teria outros investimentos em Portugal, inexistindo, assim, qualquer esforço específico de aproximação dos seus interesses às transações do mercado português, o qual não deve ter saído da Centerluxuary, em Oeiras.
(viii) O Tribunal também fundou a sua convicção no depoimento da testemunha Xxxxxx , porque a mesma declarou
que a mesma trazia clientes do estrangeiro. Sucede que esta testemunha foi absolutamente clara e transparente em afirmar que apenas emitia faturas e controlava pagamentos, não tendo qualquer tipo de contacto com os vendedores, com os compradores, com os parceiros nacionais ou com os parceiros internacionais. A testemunha Xxxxxx recebia
instruções dos agentes para emitir faturas e entregar-lhas:
(1) Declarou o seguinte no minuto [00:06]:
(...)
(P) Mesmo que se aceitasse o conceito de “canal internacional” adotado pela Sentença (o que não deve suceder), os autos estão completamente vazios de prova sobre os factos essenciais que habilitariam a Ré a cobrar (e a manter a cobrança) da remuneração extraordinária do canal internacional. Nada existe nos autos sobre quem, quando, como e onde o Yu foi angariado para esta transação em concreto. A faltar algum “iter” nos autos, é precisamente aqui.
Acontece que, inexistindo prova inequívoca e inexistindo indícios minimamente decentes para comprovar tal facto, no caso de dúvida, o ónus da prova competiria à Ré (artigo 342.º n.º 1 do Código Civil). (Q) Deve ser integrada nos factos dados como provados a matéria constante dos pontos 3.3.2. e 3.3.3. da Fundamentação de Facto da Sentença, que
dizem respeito à venda da Fração A1C à Eurovarsóvia, nos seguintes termos corrigidos:
«Os responsáveis da Ré informaram a Autora que na transação referida no ponto 3.1.26. tinha estado envolvido um agente estrangeiro, atuando através de canal internacional, a quem era devida uma comissão de 4,92% do valor do negócio, pelo que teria lugar o pagamento da remuneração adicional» - correspondente ao ponto 3.3.2. da matéria de facto da Sentença.
«Pela mediação na venda da fração A1C a Ré emitiu a fatura n.º 502/2015 no valor de € 33.825,00, datada de 02/10/2015 e para pagamento da mesma mediação a Autora pagou à Ré € 26.334,30 a título de comissão adicional de 4,92%, ou seja, € 21.410,00 acrescidos de € 4.924,30 de IVA» - essencialmente, o ponto 3.3.3. da matéria de facto da Sentença, com uma redação mais clara.
(R) A prova produzida nos autos aponta inequivocamente na direção de que a Xx informou a Autora que na transação referida no ponto 3.1.26. (Fração A1C) tinha estado envolvido um “canal internacional”. Na verdade:
(i) O Tribunal julgou, e bem, que a Ré enganou a Autora no que respeita à transação da Fração A2D, a qual foi adquirida pela Eurovarsóvia (cfr. Documento n.º 23 junto com a petição inicial), dizendo que estava envolvida uma broker chinesa. A Fração A1C também foi comprada à Autora pela dita Eurovarsóvia (Documento n.º 27 junto com a petição inicial). Sendo o mesmo comprador, é necessariamente natural que a Ré tenha mantido a mesma tese do “canal internacional” e da “broker chinesa” para ser paga da remuneração extraordinária na transação da Fração A1C.
(ii) Conforme Documento n.º 1 que a Autora juntou aos autos em 21.11.2020, requerimento com a referência 27785595, reportado à Fração A2D, a Ré invocou a existência da dita broker chinesa que necessitava de um pagamento “fulminante”. Mais uma vez, sendo o mesmo comprador, é necessariamente natural que a Ré tenha mantido a mesma tese na transação da Fração A1C.
(iii) Vejamos o Documento n.º 2 que a Autora juntou aos autos em 21.11.2020, requerimento com a referência 27785595, que contém diversos e-mails trocados entre 25 de maio de 2016 e 9 de junho de 2016, sobre uma reserva e a "denúncia de CMI + "caso" Eurovarsóvia". Nesta correspondência, a Ré não fala apenas e especificamente da Fração A2D, mas de todas as transações (isto é, também da Fração A1C) que envolveram a Eurovarsóvia. No e-mail de 8 de junho de 2016, a Ré diz o seguinte: "apresentaremos os documentos necessários e suficientes que provam a intervenção do nosso agente chinês (Contratos assinados + prova do pagamento)". Assim, está escrito e comprovado nos autos, pela própria Ré, que a mesma informou e defendeu sempre perante a Autora que a Fração A1C teve a intervenção do “nosso agente chinês”.
(iv) Na sua contestação, a Ré sustentou a angariação dos negócios feitos com a Eurovarsóvia (onde se inclui a Fração A1C) através de um agente internacional e a necessidade de o remunerar, invocando que a Eurovarsóvia, ainda que constituída em Portugal, atua e desenvolve a sua atividade em Varsóvia, capital da Polónia (artigo 31.º da contestação), tendo aí sido angariada por um agente internacional ao serviço da Ré (artigo 32.º da contestação). (S) A prova produzida nos autos também explica que as faturas 323/2015 (Documento n.º 28 junto com a petição inicial) e 502/2015 (Documento n.º 29 junto com a petição inicial) foram emitidas para a Autora ser remunerada pela transação da Fração 1AC: (i) Os descritivos que a Ré inseriu nas referidas faturas e que nessa qualidade a Autora pagou é o seguinte: «serviços de mediação imobiliária referente à venda do imóvel sito na R , 16, 1AC, 3.º, na freguesia de São
Domingos de Benfica, no conselho de Lisboa». (ii) As faturas foram emitidas pela Ré e os seus elementos, entre os quais o seu descritivo, foram confirmados pelo menos 3 vezes pelas estruturas internas da Ré até chegarem à Autora para pagamento.
(iii) A Autora recebeu com os referidos descritivos, conferiu e pagou as faturas.
(iv) O Documento n.º 2 que a Autora juntou aos autos em 21.11.2020, requerimento com a referência 27785595, que contém diversos e-mails trocados entre 25 de maio de 2016 e 9 de junho de 2016, sobre uma reserva e a "denúncia de CMI + "caso" Eurovarsóvia". Nesta correspondência, a Ré não fala apenas e especificamente da Fração A2D, mas de todas as transações (isto é, também da Fração A1C) que envolveram a Eurovarsóvia. No e-mail de 8 de junho de 2016, a Ré diz o seguinte: "apresentaremos os documentos necessários e suficientes que provam a intervenção do nosso agente chinês (Contratos assinados + prova do pagamento)". Assim, está escrito e comprovado nos autos, pela própria Ré, que a mesma informou e defendeu sempre perante a Autora que foi devido e cobrado um pagamento extra ao “nosso agente chinês” para todas as transações da Eurovarsóvia (incluindo a Fração 1AC).
(v) No que respeita à dita Fração 1AC, a Autora pagou à Ré duas faturas no montante total de € 53.086,80 (€ 19.261,80
da fatura 323/2015 + € 33.825,00 da fatura 502/2015) para uma transação que teve o preço de € 435.000,00 (cfr. documento n.º 27 junto com a petição inicial). Sucede que 5%+IVA sobre € 435.000,00 corresponde a uma comissão de
€ 26.752,50, pelo que a Autora pagou um excesso à Ré no montante de € 26.334,30. A única explicação para o excesso da soma dessas faturas face à comissão normal de 5% corresponde à remuneração do “canal internacional” invocada pela Ré para todas as transações que envolveram a Eurovarsóvia, ou seja, que tiveram agentes chineses com contratos assinados (cfr. Documentos n.º 1 e n.º 2 juntos em 21.11.2020, requerimento com a referência 27785595, acima citados).
(T) Está, assim, suficientemente provado que: (i) A vontade real das partes ao estipularem uma remuneração para o “canal internacional” visava remunerar angariações em colaboração com um mediador estrangeiro agindo noutro país.
(ii) Os pagamentos que a Autora fez à Ré ao abrigo da venda das Frações A5B e A1C e que o excesso cobrado face aos 5% se reporta a uma remuneração imputada ao “canal internacional” que, hoje sabemos, não existiu.
(U) A prova do envolvimento de um canal internacional competia sempre à Ré, porque lhe cabe demonstrar os factos constitutivos do seu direito à remuneração extraordinária. De uma outra forma: caberia à Ré provar os factos que levam à verificação da condição suspensiva de que dependeria o seu direito à remuneração extraordinária. A existir algum tipo de insuficiência de prova no que respeita à imputação do excesso pago a um canal internacional, a mesma funcionaria em detrimento dos direitos da Ré. Desta forma, a Sentença viola os artigos 342.º n.º 1 e 799.º n.º 1 do Código Civil.
(V) A Autora sofreu o dano na sua esfera jurídica e patrimonial no momento do pagamento indevidamente reclamado pela Ré, mediante engano e prestação de informações falsas. A Ré está obrigada a indemnizar a Autora pelo dano produzido (artigo 798.º do Código Civil) e a reparação do dano passa por «reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» (artigo 562.º do Código Civil). Assim, o cálculo de juros de mora é a melhor forma de reintegrar a situação da Autora, que se viu indevidamente privada de determinadas quantias em dinheiro por força do ilícito contratual cometido pela Ré.
(W) Tratando os autos de um crédito da Autora que, por natureza, é líquido desde o momento da produção do dano e que resulta de um facto ilícito praticado pela Ré, o momento da constituição da mora é independente de qualquer tipo de interpelação por parte da Autora (artigo 805.º n.º 2 alínea b) do Código Civil). Desta forma, a Sentença viola os artigos 798.º, 562.º e 805.º n.º 2 alínea b) do Código Civil.
(X) A Ré não cumpriu elementares deveres de verdade e de lealdade para com a Autora; a Ré falsificou intencionalmente a informação que prestou à Autora; com isso, a Ré obteve o ganho correspondente aos montantes que indevidamente cobrou à Autora; com isso, a Autora sofreu um prejuízo que não existiria se não fosse a conduta enganosa da Ré; esse comportamento da Ré corresponde ao incumprimento dos seus deveres legais e contratuais; a Ré deve indemnizar a Autora pela totalidade dos danos sofridos; os danos sofridos correspondem aos montantes indevidamente cobrados e ao custo de oportunidade resultante da privação dos mesmos”.
6. Em sede de contra-alegações, a R. defendeu a improcedência do recurso.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, são:
- da impugnação da matéria de facto;
- do mérito da causa.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso decidiu os factos do seguinte modo:
“3. Fundamentação de facto
3.1. No despacho saneador foram considerados provados por documento ou por acordo e assim se mantêm, os seguintes factos:
3.1.1. A Autora tem por objeto social a compra, venda ou arrendamento de bens imóveis e a realização, promoção e
gestão de urbanizações, bem como a construção, promoção, comercialização e gestão de edifícios ou parte deles e ainda atividades de consulta e planeamento urbanístico e direção e fiscalização de obras e empreitadas, revenda de bens imóveis adquiridos para esse fim. (A)
3.1.2. A Ré tem por objeto a atividade de mediação imobiliária, compra, venda, revenda e permuta de imóveis, remodelação de imóveis, arrendamentos e arrendamentos turísticos, avaliação imobiliária, administração de condomínios e de imóveis, avaliação ou aconselhamento bancário, mediação de seguros, certificação energética de edifícios e qualidade do ar interior, decoração de interiores, estudos e projetos de arquitetura, de urbanismo e design, entretenimento e restauração e organização de eventos. (B)
3.1.3. A Ré é detentora da licença AMI número 4719, emitida pelo atual Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P. (IMPIC). (C)
3.1.4. A Ré está integrada na rede RE/MAX, com centenas de agências e milhares de agentes/promotores no mercado português. (D)
3.1.5. Ao contratar com uma agência imobiliária da rede RE/XXX, um proprietário está, por inerência, a contratar com uma vastíssima rede especialmente concebida, dedicada e vocacionada para concretizar negócios partilhados entre si, aumentando as possibilidades de angariação do negócio pretendido, para além das colaborações e partilhas usualmente realizadas com as mediadoras imobiliárias com atividade no mercado imobiliário português que não estão integradas na rede RE/MAX. (E)
3.1.6. A essas partilhas de angariação estão sempre associadas partilhas da remuneração devida, de acordo com os critérios estabelecidos na própria rede RE/MAX ou com cada uma das mediadoras imobiliárias que não estão integradas na mesma. (F)
3.1.7. A 23/05/2014, a Ré designada como “Mediadora” e a Autora, designada como Segunda Contratante e na qualidade de “Proprietária subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 20v-21, denominado “Contrato de mediação imobiliária” n.º número 279/2014, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, ali tendo ficado consignado: “ Cláusula 1ª ( Identificação do imóvel)
O segundo contraente é proprietário e legítimo possuidor de um prédio urbano para habitação sito na Xxx Xxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, xxxxxx ..., 0000-000 Xxxxxx (…), sendo que o presente contrato abrange a totalidade das fracções autónomas actualmente em venda, melhor identificadas em documento anexo ao presente contrato, do qual fica fazer parte integrante.
Cláusula 2ª ( Identificação do negócio)
1. A RE/MAX Convictus obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço global de (rasurado), sendo que o valor referente a cada uma das fracções se encontra discriminado no acima referido anexo, desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sob os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis.
2. (…)
Cláusula 4ª ( Regime de contratação)
1. O segundo contraente contrata a RE/XXX Xxxxxxxxx em regime de exclusividade somente no âmbito de toda a rede Remax.
(…)” (G)
3.1.8. O Anexo a que se refere o instrumento que antecede constitui fls. 21v. e nele estão identificadas as frações A5B, A4B, A2D, A1C e A3C do prédio sito na Xxx Xxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, xxxxxx (X)
3.1.9. Em contrapartida pelos serviços de mediação prestados pela Ré, a Autora obrigou-se ao pagamento de uma remuneração de 5% sobre o preço pelo qual os negócios fossem efetivamente concretizados, acrescida de IVA à taxa legal em vigor. (I)
3.1.10. Adicionalmente, a Ré diligenciou com o objetivo de persuadir a Autora no sentido de lhe ser paga uma remuneração adicional nas situações extraordinárias em que as oportunidades de negócio fossem angariadas em colaboração com um mediador estrangeiro agindo noutro país, abrindo, dessa forma e ainda mais, as possibilidades de angariação de negócios. (J)
3.1.11. A 18 de maio de 2015 A Ré, na qualidade de “Mediadora” e a A. designada segunda Contratante e na qualidade de proprietária subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 22v. denominado “Aditamento ao Contrato de
Mediação imobiliária n.º 279/2014”, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, onde ficou consignado” “Cláusula 1ª
Acordam as partes que no n.º 1 da Cláusula 2ª do Contrato de Mediação Imobiliária supra referido, além dos imóveis constantes do Anexo I, passam também a constar os imóveis, cuja identificação e valor individual, se encontra na lista de valores unitários em anexo ao presente aditamento.
Cláusula 2ª (Remuneração)
1 – A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas na Lei 15/203 de 8 de Fevereiro
2 – O segundo contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração e sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado:
A quantia de 5%, acrescido de IVA à taxa legal em vigor. É acordado a disponibilização de uma verba adicional equivalente a 8,85%, incluindo IVA, para pagamento a canal internacional caso exista e ou descontos.
Cláusula 3ª
E tudo o resto mantém-se em vigor o contrato de mediação imobiliária número 279/2014 exarado em 23 de Maio de 2014” (L)
3.1.12. A Ré apresentou à Autora um interessado na concretização do negócio de compra e venda da fração A5B. (M)
3.1.13. A 19/09/2014 a A. vendeu a fracção A5B a ... Xx, cidadão de nacionalidade chinesa, pelo valor de € 760.000,00. (N)
3.1.14. Os responsáveis da Ré informaram a Autora que, nesta transação, tinha estado envolvido um agente estrangeiro, atuando através de um canal internacional, a quem era devida uma comissão de 10% do valor do negócio, pelo que teria lugar o pagamento da remuneração adicional. (O)
3.1.15. Para pagamento da mediação na venda da fracção A5B a emitiu as seguintes facturas: i) n.º 365/2014 no valor de € 46.740,00, datada de 28/07/2014;
ii) n.º 405/2014 no valor de € 46.740,00, datada de 14/08/2014; iii) n.º 491/2014 no valor de € 93.480,00, datada de 26/09/2014; v) n.º 531/2014 no valor de € 1.230,00, datada de 20/10/2014. (P)
3.1.16. A A. entregou á Ré a quantia de € 113.220,00 para pagamento das facturas referidas no ponto anterior. ( P1)
3.1.17. A Ré emitiu nota de crédito n.º 60/2014 a favor da Autora no valor de € 47.970,00, datada de 17/10/2014. (Q)
3.1.18. A Ré apresentou à Autora um interessado na concretização do negócio de compra e venda da fração A4B.(R)
3.1.19. A 31/10/2014 a A. vendeu a fração A4B a LI DA, Lda., pelo valor de € 356.875,00. (S)
3.1.20. Os responsáveis da Ré informaram a Autora que, nesta transação, tinha estado envolvido um agente estrangeiro, atuando através de canal internacional, a quem era devida uma comissão de 13,13% do valor do negócio, pelo que teria lugar o pagamento da remuneração adicional. (T)
3.1.21. Pela mediação na venda da fracção A4B a A. pagou á Ré:
- € 17.843,75 a título de comissão de 5%, acrescidos de € 4.104,06 a título de IVA;
- € 46.857,69 a título de comissão adicional de 13,13%, acrescidos de € 10.777,27 a título de IVA, tituladas pelas seguintes facturas:
i) n.º 469/2014 no valor de € 21.947,81, datada de 16/09/2014; ii) n.º 522/2014 no valor de € 21.947,81, datada de 14/10/2014;
iii) n.º 565/2014 no valor de € 35.687,15, datada de 04/11/201. (U)
3.1.22. A Ré apresentou à Autora um interessado na concretização do negócio de compra e venda da fração A2D. (V)
3.1.23. A 15/01/2015 a A. vendeu a fração A2D à Eurovarsóvia – Sociedade Imobiliária, Lda., pelo valor de € 366.000,00. (X)
3.1.24. Pela mediação na venda da fracção A2D a A. pagou á Ré:
- € 18.300,00 a título de comissão de 5% acrescidos de € 4.209,00 a título de IVA;
- € 15.006,00 a título de comissão adicional de 4,10%, acrescidos de € 3.451,38 a título de IVA, tituladas pelas seguintes facturas:
i) n.º 618/2014 no valor de € 22.509,00, datada de 15/12/2014;
ii) n.º 619/2014 no valor de € 18.457,38, datada de 15/12/2014. ( AA)
3.1.25. A Ré apresentou à Autora um interessado na concretização do negócio de compra e venda da fração A1C. (BB)
3.1.26. A 06/07/2015 a A. vendeu a fracção A1C à Eurovarsóvia – Sociedade Imobiliária, Lda., pelo valor de € 435.000,00. (CC).
*
3.2. Da instrução da causa resultou provado que:
3.2.1. O adquirente referido em 3.1.13., residente na China, foi aí angariado pela Centerluxury – Unipessoal, Ldª, pessoa colectiva com o NIPC 510 ... e sede estatutária da Xxx ..., 00, X, Xxxxxx.
3.2.2. Além da quantia referida em 3.1.16., A. entregou á Ré a quantia de € 27.000,00 para pagamento das facturas referidas no ponto 3.1.15..
3.2.3. Os responsáveis da Ré informaram a Autora que, na transacção referida no ponto 3.1.23., tinha estado envolvido um agente estrangeiro, a quem era devida uma comissão de 4,10% do valor do negócio, pelo que teria lugar o pagamento da remuneração adicional.
3.2.4. O adquirente referido no ponto 3.1.23. foi angariado pela FCGM – Sociedade de Mediação imobiliária, SA pessoa colectiva com o NIPC 505... com sede estatutária na Alameda ..., Lisboa
3.2.5. O adquirente referido no ponto 3.1.26. foi angariado pela FCGM – Sociedade de Mediação imobiliária, SA pessoa colectiva com o NIPC 505...
3.2.6. Para pagamento da mediação na venda da fracção A1C a A. emitiu a factura n.º 323/2015 no valor de € 19.261,80, datada de 06/07/2015, que a A. pagou a 09.07.2015.
*
3.3. Da instrução da causa não resultou provado que:
3.3.1. A mediação na venda referida no ponto 3.1.19. teve intervenção de um agente estrangeiro ou um canal internacional.
3.3.2. Os responsáveis da Ré informaram a Autora que na transação referida no ponto 3.1.26. tinha estado envolvido um agente estrangeiro, atuando através de canal internacional, a quem era devida uma comissão de 4,92% do valor do negócio, pelo que teria lugar o pagamento da remuneração adicional.
3.3.3. Pela mediação na venda da fracção A1C a Ré emitiu a factura n.º 502/2015 no valor de € 33.825,00, datada de 02/10/2015 e para pagamento da mesma mediação a A. pagou á R. € 21.410 a título de comissão adicional de 4,92%, acrescidos de € 4.924,30 de IVA.”.
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efectuar, iniciando essa análise com a questão prévia relativa à admissibilidade da junção de documentos em sede de recurso.
Vem a apelante requerer a junção de articulados apresentados em processo judicial que opõe uma outra empresa à ora apelada, mas cujos fundamentos são semelhantes, alegando que na contestação apresentada nesses autos, em data posterior à data da audiência de discussão e julgamento, a apelada invoca uma nova versão “sobre os fundamentos para a cobrança de uma comissão adicional extraordinária sobre os negócios celebrados pela Eurovarsóvia e, subsidiariamente, pretende acautelar um eventual direito de regresso sobre os seus agentes por potencialmente terem violado código de ética e procedimentos e por terem enganado e praticado atos desleais para cobrar uma comissão adicional junto de uma sociedade ligada à Autora”.
A R. opôs-se a essa junção. Cumpre apreciar.
Nos termos do art. 651º, nº 1 do CPC “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância”.
Por seu turno, o art. 425º do CPC refere que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Importa também relembrar a regra geral insíta no art. 423º do CPC, e que determina que o momento da apresentação de documentos é com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, ou até 20 dias antes da data em que
se realize a audiência final, com sujeição ao pagamento de multa, sendo apenas admitidos posteriormente aqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior, cfr. nº 3 do citado artigo.
Da conjugação destas normas resulta que apenas se mostra possível a junção de documentos em sede de recurso em duas situações: ou devido à impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, cfr. arts. 651º, nº 1 e 425º do CPC; ou quando o julgamento da primeira instância tenha introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, cfr. art. 651º, nº 1 do CPC.
O primeiro destes requisitos pressupõe a superveniência do documento pretendido juntar, superveniência essa que pode ser objectiva, isto é ocorrida histórica e cronologicamente depois de um determinado momento, ou subjectiva, ou seja quando justificadamente só foi tido conhecimento desse documento por alguém depois desse momento.
Comum a estes dois segmentos da primeira parte do art. 651º, nº 1 do CPC é então a impossibilidade de junção em momento anterior, por razões atendíveis e de acordo com a diligência normal do cidadão médio.
O segundo requisito prende-se com a necessidade de junção de determinado documento quando tenha sido introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. Quer isto dizer que esse elemento de novidade não pode ter já sido debatido nos articulados ou em sede de discussão e julgamento, antes devendo ser algo de novo. Como dizem Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx e Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxx, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 786, em anotação ao citado art. 651º, “tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam. STJ, 26-9-12, 174/08, RL 8-2-18, 176/14 e RP 8-3-18, 428/16)”.
No caso dos autos, pretende a apelante a junção de articulados apresentados em outro processo judicial, alegando que os mesmos são posteriores à audiência de discussão e julgamento.
Fundamenta, pois, a sua pretensão na primeira parte do art. 651º, nº 1 do CPC.
Do que se expôs, constata-se estarmos perante um caso de superveniência objectiva do documento, na medida em que a contestação apresentada é posterior ao encerramento da discussão da causa.
Donde, e por esta via, é permitida a junção dos documentos em apreço.
Questão diversa é a susceptibilidade de os mesmos terem o efeito probatório pretendido pela apelante, nomeadamente por não se poder olvidar que os meios de prova se destinam à instrução da causa, a qual “tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.” Ou seja, os documentos juntos têm de estar relacionados com os factos integrados nos temas de prova.
Entende-se, assim, que se mostra observado o primeiro requisito do art. 651º do CPC, assim se admitindo os documentos juntos com as alegações de recurso e passando-se a analisar os fundamentos do recurso interposto.
1. Da impugnação da matéria de facto:
Nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por outro lado, dispõe o art. 640º, nº 1 do CPC que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Tal como vem sendo entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência, resulta deste preceito o ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, fundamentando os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida em primeira instância. Ou seja, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou.
Quer isto dizer que incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exactidão as passagens da
gravação em que funda o recurso, podendo transcrever os excertos relevantes. Por seu turno, o recorrido indicará os meios de prova que entenda como relevantes para sustentar tese diversa, indicando as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Neste sentido, vide Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 283 e ss..
Pretende a apelante, antes de mais, a inclusão de um novo facto relativo à vontade real das partes, sugerindo que o mesmo tenha a seguinte redacção:
“A vontade real da Autora e da Ré quando estipularam uma verba adicional para o pagamento a um canal internacional, bem como a execução que a Autora e a Ré concretamente fizeram do contrato de mediação, foi a de atribuir à Ré uma remuneração extraordinária na condição de ocorrer um alargamento das possibilidades de angariação de negócios face ao que estava originariamente contratado e, ainda, desde que desse alargamento resultasse a angariação de um negócio pela Ré através da colaboração de um mediador estabelecido noutro país que não Portugal que tivesse agido noutro país que não Portugal”.
Pese embora a natureza claramente conclusiva deste facto, verifica-se que não é possível trazer a factualidade nele constante para os factos assentes.
Na verdade, da leitura dos documentos constantes dos autos não é possível afirmar que o acordo firmado quanto à remuneração extraordinária em causa apenas seria devida quando estivessem em causa mediadores estrangeiros agindo fora de Portugal, já que nada se refere quanto a esta matéria.
Por outro lado, ouvida toda a prova testemunhal também não se pode concluir nesse sentido, sendo importante salientar que as testemunhas Xxxxxx e Xxxxxx ..., ambos com vasta experiência na matéria, explicaram a forma como pode ser feita a angariação no estrangeiro, referindo que essa angariação pode resultar de uma parceria ou ser proveniente da carteira de imóveis do grupo Remax, com quem trabalham.
No mais, nada mais foi trazido aos autos que possa servir para dar como provado o novo facto sugerido pela apelante, pelo que se impõe a improcedência desta parte da impugnação da matéria de facto.
Pretende também a apelante que o facto 3.2.1 passe a ter uma nova redacção, por entender que a angariação ali referida não teve lugar na China.
O facto 3.2.1 é o seguinte: “O adquirente referido em 3.1.13., residente na China, foi aí angariado pela Centerluxury – Unipessoal, Ldª, pessoa colectiva com o NIPC 510 ... e sede estatutária da Xxx ..., 00, X, Xxxxxx”.
Pretende a apelante que este facto passe a ter seguinte redacção: “O adquirente referido em 3.1.13. foi angariado pela Ré com a colaboração da Centerluxury – Unipessoal, Lda., pessoa coletiva com o NIPC 510 ... e sede estatutária na Rua
..., 15, A, Oeiras, Portugal, não se conhecendo onde, quando, como e de que forma essa angariação teve lugar e através de quem”.
No que se refere a este facto, o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
“O tribunal considerou provada a factualidade descrita no ponto 3.2.1. com base na análise critica e conjugada de toda a prova produzida, mais concretamente com base nos seguintes elementos:
- ponto 3.2.1. A testemunha Carlos .... declarou que Xx (o adquirente referido no ponto 3.1.13.) é um empresário
chinês, cliente da Centurluxury.
A residência do mesmo consta do contrato de compra e venda junto a fls. 24.
Residindo o adquirente em causa na China, há-de presumir-se, segundo as regras da lógica, que foi aí que o mesmo foi angariado, cabendo notar que o mesmo nem sequer subscreveu pessoal o instrumento de venda, tendo sido subscrito por representante.
A testemunha Susana .... declarou que a Centerluxury é uma empresa portuguesa, mas que trazia clientes do estrangeiro.
Está junta a fls. 174 uma factura emitida pela Centerluxury – Unipessoal, Ldª à Ré, para pagamento dos “serviços promocionais e de marketing sobre propriedades imobiliárias – cliente Yu ...., constando ainda um número de identificação que também aparece, com excepção dos dois últimos dígitos, no contrato de mediação.
Consultando o registo comercial, verifica-se que a Centerluxury – Unipessoal, Ldª está matriculada em Portugal sob o NIPC 510 ... e tem a sua sede estatutária da Xxx ..., 00, X, Xxxxxx, sendo que anteriormente tinha sido na mesma Xxx, xxx xx x.x 0, 2º Esquerdo”.
Parece-nos que a avaliação efectuada pelo tribunal recorrido se mostra correcta.
Com efeito, e quanto à residência do adquirente do prédio em causa, resulta a mesma da indicação feita nesse sentido no contrato de compra e venda, não sendo de relevar o facto de se tratar de um quarto, já que não é curial que alguém declare que vive em determinado país, sem que isso seja verdade. Acresce que o adquirente tem nacionalidade chinesa, identificando-se através de passaporte chinês, pelo que se tem concluir que a sua residência é aquela que foi declarada e, consequentemente, na China.
Ora, residindo o adquirente na China e não contendo os autos qualquer indicação quanto à sua permanência em Portugal no momento em que decide adquirir o imóvel, tem de se concordar com o tribunal recorrido quando conclui que a angariação terá ocorrido naquele país.
Por outro lado, consta dos autos uma factura emitida pela Centerluxury – Unipessoal, Lda à R., para pagamento dos serviços promocionais e de marketing sobre propriedades imobiliárias, relativamente ao cliente Yu ..., tendo sido referido pela testemunha Susana ... que aquela empresa trabalhava com clientes estrangeiros que trazia para Portugal.
Estes dois elementos de prova são bastantes para concluir que foi a empresa Centerluxury que angariou o adquirente da fracção A5B.
Refira-se que, contrariamente ao sustentado pela apelante, esta testemunha não refere que a aludida empresa era ou não um canal internacional, mas sim que sabia que esta empresa trazia clientes do estrangeiro de acordo com as informações que lhe foram sendo transmitidas e que permitiam a emissão de facturas em conformidade.
Ora, esse facto é o bastante para se concluir que a empresa Centerluxury fazia a ponte entre o mercado português e os clientes estrangeiros, não sendo uma mera colaborante com a R., como sustenta a apelante.
Donde, não pode ser acolhida a alteração pretendida pela apelante, uma vez que a prova produzida permite dar como assente o facto nos exactos termos em que foi acolhido pelo tribunal recorrido.
Por fim, defende a apelante que os factos 3.3.2. e 3.3.3. dados como não provados devem ser integrados nos factos dados como provados, pugnando pela seguinte redacção:
“3.3.2. Os responsáveis da Ré informaram a Autora que na transação referida no ponto 3.1.26. tinha estado envolvido um agente estrangeiro, atuando através de canal internacional, a quem era devida uma comissão de 4,92% do valor do negócio, pelo que teria lugar o pagamento da remuneração adicional;
3.3.3. Pela mediação na venda da fração A1C a Ré emitiu a fatura n.º 502/2015 no valor de € 33.825,00, datada de 02/10/2015 e para pagamento da mesma mediação a Autora pagou à Ré € 26.334,30 a título de comissão adicional de 4,92%, ou seja, € 21.410,00 acrescidos de € 4.924,30 de IVA.”.
Mais uma vez não assiste razão à apelante.
Com efeito, e no que diz respeito à transacção aludida em 3.1.26 (fracção A1C à Eurovarsóvia – Sociedade Imobiliária, Lda, pelo valor de € 435.000,00), verifica-se que apenas existe prova documental da intervenção de um mediador chines quanto à fracção A2D, nada existindo quanto à fracção A1C, o que se estranha, já que se fosse esse o caso seria normal existir documentação nesse sentido.
Refira-se que a troca de correspondência ou as afirmações nesse sentido não bastam para se concluir como pretendido.
Por outro lado, a testemunha Xxxxxx referiu a existência de um agente chinês nos negócios com a Eurovarsóvia, sem
que tenha sabido adiantar os exactos contornos dessa intervenção ou a que fracções a mesma respeitava, não podendo, por essa via, concluir-se que a mesma tenha ocorrido também quanto a esta fracção.
Donde, não se mostra possível dar como assente a factualidade constante do facto não provado 3.3.2.. Quanto ao facto 3.3.3., tem de se chegar a igual conclusão.
Da análise dos documentos juntos aos autos verifica-se que foi junta a factura nº 502/2015, no valor de € 33.825,00,
emitida pela R. e datada de 02/10/2015, sendo que essa factura se refere a “serviços de mediação imobiliária, referente à venda do imóvel sito na X. ..., 00, 0XX, 3º na freguesia de São Domingos de Benfica, no concelho de Lisboa”.
Todavia, como bem se refere na sentença recorrida, também é pretendido que a aludida factura justifique a verba relativa à fracção A3C, ficando pois a dúvida sobre essa questão, não contendo os autos qualquer outro elemento relativo a esta questão.
Acresce que não é possível dar como assente a segunda parte do facto em apreço, ou seja, que a A. tenha pago o valor aludido de comissão adicional, pelo que se tem de concluir pelo acerto da decisão recorrida.
Consequentemente, e por se entender que a decisão sobre a matéria de facto não merece qualquer censura, improcede este segmento da apelação.
2. Do mérito da causa:
Defende a apelante que a sentença recorrida deve ser revogada, condenando-se a R. no pagamento das quantias relativas às fracções A5B e A1C, invocando que “a vontade real das partes ao estipularem uma remuneração para o “canal internacional” visava remunerar angariações em colaboração com um mediador estrangeiro agindo noutro país”, o que não existiu na venda das fracções A5B e A1C.
Cumpre recordar que na base da relação contratual entre as partes está um contrato de mediação.
O contrato de mediação tem sido qualificado pela doutrina e pela jurisprudência como uma modalidade do contrato de prestação de serviços, sendo-lhe aplicáveis as regras relativas ao mandato nos termos do art. 1156º do CC. Neste sentido, vide Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Comercial, 2.ª edição, pág. 618.
Assim, pode este contrato definir-se como aquele em que uma das partes se obriga, mediante remuneração, a promover ou facilitar a celebração de um determinado contrato entre outra parte e um terceiro.
Este tipo de contrato apenas está regulado em relação a algumas categorias de actividade: a mediação de seguros (DL 144/2006, de 31 de Julho), a imediação imobiliária (Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro) e a mediação financeira (Código dos Valores Mobiliários).
No que diz respeito concretamente ao contrato de mediação imobiliária, está o mesmo previsto e regulado na Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 102/2017, de 23 de Agosto.
O contrato de mediação imobiliária poderá, então, ser definido como “aquele pelo qual uma empresa de mediação imobiliária procura, para os seus clientes, destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta ou o arrendamento dos mesmos, ou o trespasse ou a cessão de posição em contratos que tenham por objeto bens imóveis, mediante remuneração, devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação” (Higina Xxxxxxx Xxxxxxx, in Contrato de mediação imobiliária, pág. 2, disponível em xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxx_xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.
De igual forma, o art. 2º da Lei 15/2003, de 8 de Fevereiro define a actividade de mediação imobiliária como a que “consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis”, referindo ainda que a mesma se consubstancia também no desenvolvimento da prospecção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes e na promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões (nº 2).
Por outro lado, o contrato de mediação imobiliária pode ser simples ou com cláusula de exclusividade, levando à aplicação de dois regimes diferenciados em função das obrigações que daí resultam para as partes, sendo importante salientar que o art. 16º, nº 2, al. g) da citada Lei 15/2013 estabelece a obrigatoriedade de referência no contrato “ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente”.
Como refere Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxx, in O contrato de mediação e o direito do mediador à Remuneração, Revista de Direito Comercial, págs. 248 e 249, xxxxx://xxxxxx0.xxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxx/00000x0x00000xx000xx00xx/x/000xx0x0xx0x00xx0000xx00/0000000000000/0000-
08.pdf, “as cláusulas de exclusividade “são cláusulas pelas quais as partes estabelecem que o comitente não poderá celebrar com outro mediador um contrato que tenha por objecto o mesmo negócio (exclusividade simples), ou ainda pelas quais se prevê também que o comitente não poderá ele próprio procurar um terceiro interessado no negócio (exclusividade reforçada). Do ponto de vista temporal, a cláusula de exclusividade pode ser limitada no tempo (por um determinado período), ou ilimitada (por toda a duração do contrato de mediação)”.
No que diz respeito à remuneração, estatui o art. 19º, nº 1 da Lei 15/2013 que “A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato - promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra”, mais referindo o nº 2 que “É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel”.
No caso dos autos, decorre da factualidade assente que, ao contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes, e referido em 3.1.7 dos factos provados, decidiram as partes efectuar um aditamento àquele contrato, no qual consta, para o que ora interessa, “É acordado a disponibilização de uma verba adicional equivalente a 8,85%, incluindo IVA, para pagamento a canal internacional caso exista”.
É precisamente nesta cláusula que assenta o desacordo das partes, nomeadamente face ao que se entenda por “canal internacional”.
Entende a apelante que o tribunal recorrido fez uma errada interpretação do contrato celebrado entre a A. e a R. no que diz respeito ao conceito de canal internacional, ignorando a vontade das partes, já que “o único entendimento lícito sobre o sentido contratual da locação «canal internacional» associado à remuneração extraordinária acordada entre as partes para oportunidades angariadas é o seguinte:
a) Ser concretamente desenvolvido um trabalho de angariação para além do normalmente expectável,…
b) … por Mediador Estrangeiro…
c) agindo noutro país”.
Por seu turno, a apelada defende que “O significado que as partes pretenderam dar ao conceito de canal internacional foi o seguinte: sociedades mediadoras ou agentes comerciais, com sede em Portugal ou não (já que esta condição não ficou estabelecida), que atuam, promovendo os imóveis e angariando clientes no estrangeiro, para atrair investidores dispostos a pagar preços mais elevados”.
Decidiu o tribunal recorrido que “A locução “canal” está usada em sentido figurado, querendo significar “meio”, “modo”, “via”, “intermédio”.
A locução “internacional” significa que é comum ou respeita a duas ou mais Estados. (…)
A utilização da locução “canal internacional “em tal âmbito significa a procura ou angariação de interessados na realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis fora do território nacional, no estrangeiro, em outros Estados e significa ainda que essa procura ou angariação é feita através de uma mediadora que actua a nível internacional, ou seja, que (também) exerce a actividade de angariação fora do território nacional, tem uma actividade plurilocalizada, não significando, por isso e necessariamente, que seja uma mediadora estrangeira”.
Parece-nos ser esta a interpretação possível do sentido e vontade das partes expresso no aditamento ao contrato dos autos.
Com efeito, a declaração constante do contrato dos autos terá de ser analisada de acordo com as regras gerais relativas à interpretação da declaração negocial constantes dos arts. 236º e ss. do CC.
Como nos ensina Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx Xxxxx in Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, pág. 441, a interpretação de um negócio jurídico consiste em “determinar o conteúdo das declarações e vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com tais declarações”.
Por outro lado, essa interpretação deve reger-se de acordo com as regras dos arts. 236º e ss. do CC.
Assim, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º, nº
1).
Nos casos em que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (nº 2 do art. 236º).
Em qualquer caso, e nos termos do art. 238º, nº 1 do CC, nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto, salvo se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (nº 2).
No que aos autos diz respeito, verifica-se que não é possível extrair do texto do contrato, em conjugação com os demais factos assentes, que as partes tenham pretendido que o canal internacional fosse unicamente um mediador estrangeiro agindo fora de Portugal, assim afastando aqueles mediadores nacionais que actuem a nível internacional. Com efeito, analisando todas as cláusulas do contrato dos autos e confrontando-as com os factos assentes, e tudo conjugando com regras de experiência comum e lógica, não se mostra viável concluir que as partes pretenderam limitar o aludido acréscimo de remuneração apenas quando essas entidades fossem estrangeiras.
Para esta conclusão contribui a utilização da locução “canal”, a qual tem de ser interpretada como via utilizada para angariar clientela; aliando a esta expressão a locução “internacional”, terá de se tratar de uma via para angariar clientela de outros países, ou seja, quando a angariação é feita através de uma mediadora que actua a nível internacional, não sendo curial que se restrinja essa angariação apenas quando o mediador é estrangeiro.
Acresce que o texto do contrato é claro, não suscitando quaisquer dúvidas quanto ao seu teor e ao que as partes aí pretenderam estipular.
Donde, não tem aplicação ao caso vertente o disposto no art. 238º, nº 2 do CC, porquanto não existe qualquer elemento de conexão com a interpretação pretendida pela apelante, não subsistindo dúvidas sobre o sentido da declaração negocial mútua constante do aditamento em causa.
Do que se vem de expor decorre que a sentença recorrida fez um correcto enquadramento jurídico dos factos assentes nos autos, não existindo quaisquer elementos nos autos que permitam acolher a interpretação da apelante.
Sendo assim, e na impossibilidade de se considerar que a expressão “canal internacional” tem o alcance pretendido pela apelante, conclui-se que a decisão recorrida não pode ser afastada nesta matéria.
Entende ainda a apelante que, mesmo que se adopte esta tese, ainda assim tem de se concluir que a comissão em causa não era devida quanto às fracções A5B e A1C, face aos factos provados.
Antes de mais, cumpre referir que os fundamentos de discordância da apelante com a decisão recorrida relativamente a esta matéria tinham como pressupostos a alteração da matéria de facto por si defendida.
Ora, tendo a impugnação da matéria de facto sido julgada improcedente, fica prejudicado o seu conhecimento, nos termos do art. 608º, nº 2 do CPC, aplicável ex vi do disposto no art. 663º, nº 2, in fine, do mesmo diploma. Neste sentido cfr., por todos, o Ac. TRG, de 11-07-2017, proc. 5527/16.0T8GMR.G1, relator Xxxxx Xxxx Xxxxx.
Ainda assim, dir-se-á que os factos provados em 3.1.12, 3.13, 3.1.14 e 3.2.1. determinam a improcedência da acção quanto à fracção A5B, na medida em que está assente nessa aquisição a intervenção de um canal internacional no sentido exposto, razão pela qual era devida a remuneração adicional.
Por seu turno, quanto à fracção A1C, resulta dos factos 3.1.25 e 3.1.26 a existência de um interessado na aquisição desta fracção, mas não está assente o pagamento da remuneração adicional, o que determina a improcedência deste segmento do pedido, como bem decidido em primeira instância.
Termina a apelante a sua discordância com a sentença recorrida quando esta condena a R. no pagamento de juros desde a citação, porquanto “Tratando os autos de um crédito da Autora que, por natureza, é líquido desde o momento da produção do dano e que resulta de um facto ilícito praticado pela Ré, o momento da constituição da mora é independente de qualquer tipo de interpelação por parte da Autora (artigo 805.º n.º 2 alínea b) do Código Civil)”.
Quanto a esta matéria, entendeu a sentença recorrida que “A A. peticiona ainda juros de mora desde a data do pagamento de cada uma das quantias.
Mas sem fundamento.
Em primeiro lugar na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros de mora a contar do dia da constituição em mora – art.º 806º n.º 1 do CC – sendo os juros devidos os legais – n.º 2 do mesmo normativo.
Em segundo lugar, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir – art.º 805º n.º 1 do CC.
Não está invocada a interpelação extrajudicial.
Resta a interpelação judicial com a citação para a acção que ocorreu a 03/09/2019, como resulta do AR de fls. 53. Destarte, a Ré ficou constituída em mora, no que respeita ao pagamento das quantias supra referidas, que totalizam € 76.092,34, desde 04/09/2019 ( cfr. art.º 279º alínea b) do CC) e assim ficou constituída no dever de pagar juros legais sobre a mesma desde a referida data, juros esses à taxa de 4% – Portaria n.º 291/03, de 08.04”.
Nos termos do art. 804º, nº 1 do CC, “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”.
Por seu turno, estabelece o art. 805º, nº 1 do CC que “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”, referindo o nº 2 do mesmo preceito que “Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido”.
No caso vertente, constata-se que a obrigação de devolução das quantias em causa provem de incumprimento contratual e não de um facto ilícito nos termos previstos no art. 805º, nº 2, al. b) do CC.
Com efeito, a obrigação de restituição das quantias peticionadas nos autos tem origem no contrato celebrado entre as partes e não num facto ilícito, o qual não resulta dos factos assentes.
Donde, não se pode concordar com a apelante quando questiona a aplicação aos autos do art. 805º, nº 1 do CC em detrimento de qualquer uma das excepções constantes do nº 2 do mesmo preceito, sendo, pois, a apelação improcedente também neste aspecto.
Concluindo, e não tendo sido suscitada qualquer outra questão, decide-se pela manutenção da decisão recorrida. As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade da apelante, cfr. art. 527º do CPC.
V. DECISAO
Pelo exposto, acordam as juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 13 de Julho de 2021 Xxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx
Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx