A RESPONSABILIDADE DA ASSESSORIA JURÍDICA NA ANÁLISE E APROVAÇÃO DE MINUTAS DE EDITAL E CONTRATO
A RESPONSABILIDADE DA ASSESSORIA JURÍDICA NA ANÁLISE E APROVAÇÃO DE MINUTAS DE EDITAL E CONTRATO
XXXXXXXX XXXX XX XXXXX0 XXXXXX XXXXX LOTTO RIBEIRO2
RESUMO
Como sabido, o parágrafo único do art. 38 da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que dispõe sobre licitações e contratos administrativos, impõe à assessoria jurídica da Administração a incumbência de se proceder à análise prévia de minutas de editais de licitação, de contratos, acordos, convênios ou ajustes.
Trata-se de medida adotada pelo legislador pátrio visando, dentro da fase interna do processo administrativo de contratação, evitar a descoberta de defeitos a posteriori nos instrumentos convocatórios, bem como nos ajustes celebrados pela Administração Pública, o que muito provavelmente demandaria a invalidação desses atos.
A análise prévia das minutas de edital, contratos e afins é obrigatória, mas não vincula o administrador público, que poderá decidir de maneira diversa do indicado pela assessoria jurídica, indicando os fundamentos para tanto. Há autores que entendem, inclusive, que a inobservância do disposto no parágrafo único do art. 38 da Lei Federal nº 8.666/93 não constitui vício autônomo se o edital ou o contrato não possuírem qualquer irregularidade, tratando-se assim, de mera formalidade.
A questão que se coloca é se pode haver responsabilização do advogado parecerista por ilegalidades ou omissões nas minutas de edital ou de ajustes a serem celebrados pela Administração Pública, ou se poderia ser invocada a inviolabilidade do advogado, prevista no art. 133 da Constituição Federal e no § 3º do art. 2º da Lei Federal nº 8.906/94, para eximir a assessoria jurídica de tal responsabilidade.
Investiga-se ainda se, sendo possível a responsabilização do parecerista, seria competente o controle externo (Tribunais de Contas) para a imputação de penalidades.
Palavras-chave: assessoria jurídica da Administração Pública; análise de licitações e contratos; responsabilização
1 Procuradora Nível IV do Município de Diadema, Especialista em Direito Processual Civil, Especialista em Administração Pública.
2 Procuradora Nível IV do Município de Diadema, Professora do Curso de Direito da UNIANHANGUERA, Especialista em Direito do Trabalho, Mestre em Direito Constitucional.
SUMÁRIO
1 - Natureza jurídica da análise exigida pelo parágrafo único do art. 38 da Lei Federal nº 8.666/93 3
2 – Responsabilidade da assessoria jurídica na análise e aprovação de minutas de editais, contratos e demais ajustes 6
3 – Responsabilização da assessoria jurídica pela análise e aprovação de minutas de edital e contrato perante o Controle Externo 9
4 – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 14
5 – Conclusão 16
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 17
1 - Natureza jurídica da análise exigida pelo parágrafo único do art. 38 da Lei Federal nº 8.666/93
O exame e a aprovação das minutas de editais e ajustes a serem firmados pela Administração Pública são obrigatórios. Para Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx di Xxxxxx0, “o parecer é obrigatório quando a lei o exige como pressuposto para a prática do ato final.”. Apesar de obrigatórios, tais pareceres não vinculam o Administrador Público que poderá, fundamentadamente, discordar da orientação jurídica traçada.
Por outro lado, há de se considerar que, ao impor o exame de tais minutas à assessoria jurídica da Administração, a Lei de Licitações conferiu-lhe um poder decisório atípico, haja vista que o assessor deverá aprovar ou desaprovar a minuta. Temos, assim, que tais pareceres são, “a um só tempo obrigatórios, decisórios e opinativos”.4.
Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx entende que a não observância do parágrafo único do art. 38 da Lei Federal nº 8.666/93 não macula, por si só, o edital ou contrato administrativo, desde que não haja quaisquer irregularidades nos mesmos5:
“Qual a consequência acerca da ausência de aprovação prévia por parte da assessoria jurídica? Xxxx reconhecer-se que a regra do parágrafo único destina-se a evitar a descoberta tardia de defeitos. Como a quase totalidade das formalidades, a aprovação pela assessoria jurídica não se trata de formalidade que se exaure em si mesma. Se o edital e as minutas de contratação forem perfeitos e não possuírem irregularidades, seria um despropósito supor que a ausência de prévia aprovação da assessoria jurídica seria suficiente para invalidar a licitação. Portanto, o essencial é a regularidade dos atos, não a aprovação da assessoria jurídica. Com isso, afirma-se que a ausência de observância do disposto no parágrafo único não é causa autônoma de invalidade da licitação. O descumprimento da regra do parágrafo único não vicia o procedimento se o edital ou o contrato não apresentavam vício. Configurar-se-á apenas a responsabilidade funcional para os agentes que deixaram de atender à formalidade.”
Para Xxxxxx Xxx Xxxxxxxx0, a apreciação jurídica prévia é condição de validade do edital ou ajuste administrativo:
3 Direito Administrativo, p. 219
4 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Dotti, Da Responsabilidade de Agentes públicos e Privados nos Processoas Administrativos de Licitação e Contratação, p. 129.
5 Comentários à lei de Licitações e Contratos Administrativos , p. 372.
6 Licitação e Contrato Administrativo, p. 95.
“(...) o órgão jurídico deve aprovar as minutas, o que lhe confere um poder decisório pouco usual nas atividades consultivas. A medida, radical, visa a assegurar ao máximo a observância do princípio da legalidade, tão desprezado pela Administração Brasileira.”
Sobre a ausência de análise jurídica prévia, já decidiu o Tribunal de Contas da União no sentido de não ser possível sanar o vício, nos seguintes termos:
“Outra irregularidade que não foi elidida consiste na ausência do pronunciamento do órgão jurídico acerca da minuta de contrato, em contrariedade ao parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/93. Como bem asseverou a analista do Secex/PE (fl. 516, vol. 8), a apresentação posterior do parecer jurídico (fls. 503/504, vol. 8) não sana a irregularidade, pois, se não constava anteriormente nos autos do processo licitatório, não poderia ter servido de suporte para a decisão do Administrador, não estando atendido, desse modo, o fim visado pela lei de licitações.” (Acórdão nº 2004/2007, Plenário, rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx, Processo nº 011.135/2001-8).
Ante a redação do parágrafo único do art. 38 da Lei Federal nº 8.666/93, poder- se-ia afirmar, em uma interpretação apressada, que a análise jurídica prévia das minutas de edital, contratos e afins constituiria parecer vinculante. Parecer vinculante, para Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx di Pietro7, ocorre “(...) quando a Administração é obrigada a solicitá-lo e a acatar sua conclusão.” Ocorre que, conforme já exposto, o parecer exarado em razão do disposto no parágrafo único do art. 38 da Lei Federal nº 8.666/93 não impede a autoridade administrativa de adotar outro posicionamento. Conclui-se, assim, que a natureza jurídica de tal parecer é não vinculante, embora obrigatório. No mesmo sentido são os seguintes acórdãos do Tribunal de Contas da União:
“O seguinte trecho do voto condutor do Acórdão 19/2002 Xxxxxxxx é bastante esclarecedor nesse sentido: „também não aproveita ao recorrente o fato de haver parecer jurídico e técnico favorável à contratação. Tais pareceres não são vinculantes do gestor, o que não significa ausência de responsabilidade daqueles que o firmam. Tem o administrador a obrigação de examinar a correção dos pareceres, até mesmo para corrigir eventuais disfunções na administração. Este dever exsurge com maior intensidade nas situações em que se está a excepcionar princípio (impessoalidade) e regra (licitação) constitucional. Deve agir com a máxima cautela possível ao examinar peças técnicas que concluam pela inviabilidade ou pela inconveniência da
7 Ob. cit., p. 219
Licitação‟” (Acórdão nº 939/2010 – Plenário, rel. min. Xxxxxxxx Xxxxxx, Processo nº TC 007.117/2010-8);
“Voto do Ministro Relator:
c) a aprovação da minuta pela Procuradoria-Geral do (...) não tem o condão de vincular a Administração, tendo em vista o entendimento desta Corte quanto ao tema, conforme exposto no TC 010.770/2000-7, quando ficou consignado que:
“Além disso, vale salientar que o parecer é opinativo e não vincula o administrador. Este tem o comando da empresa e assume a responsabilidade de sua gestão. Se se entendesse de forma diversa, estar-se-ia considerando que o parecer jurídico é um alvará para o cometimento de ilícitos, o que constitui um absurdo. O dirigente de uma Companhia possui o comando da máquina administrativa e deve estar ciente de todas as decisões que adota, independentemente da natureza delas. O administrador público não é simplesmente uma figura decorativa na estrutura da empresa. Ao contrário, deve ter uma postura ativa no comando da empresa. Com mais razão, nas licitações, os gestores devem ser ainda mais cuidadosos, vez que estas envolvem princípios fundamentais da administração pública, tais como: legalidade, eficiência, moralidade, impessoalidade, publicidade, controle, coordenação, planejamento, isonomia, proposta mais vantajosa, dentre outros (Constituição Federal, Decreto-Lei nº 200/67, Lei nº 8.666/93)‟” (Acórdão nº 1379/2010 – Plenário, rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxx, Processo nº TC – 007.582/2002-1).
Ainda nesse mesmo sentido, o entendimento de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Dotti8:
“A manifestação produzida pela assessoria jurídica, na forma estatuída pelo parágrafo do art. 38 da Lei nº 8.666/93, é obrigatória, mas não vinculativa para o gestor público, que pode dela discordar, desde que apresente as razões de fato e de direito que lhe deem sustentação. Não há como se produzir orientação jurídica condicionada ao seu cumprimento quando tal orientação não é vinculativa, ou seja, quando seu cumprimento não é impositivo.”
8 Ob. cit., p. 138
2 – Responsabilidade da assessoria jurídica na análise e aprovação de minutas de editais, contratos e demais ajustes
A Lei Federal nº 8.666/93 impõe à assessoria jurídica, no parágrafo único de seu art. 38, a obrigação de examinar e aprovar minutas de edital de licitação, contratos, acordos, convênios e demais ajustes celebrados pela Administração Pública.
Xxxxxx Xxxxxx Filho9 entende que o parecerista pode ser responsabilizado se houver vícios no certame licitatório ou no ajuste firmado, por haver efetivamente contribuído para a prática do ato administrativo eivado de vício. Vejamos:
“Ao examinar e aprovar os atos da licitação, a assessoria jurídica assume responsabilidade pessoal solidária pelo que foi praticado. Ou seja, a manifestação acerca da validade do edital e dos instrumentos de contratação associa o emitente do parecer ao autor dos atos. Há dever de ofício de manifestar-se pela invalidade, quando os atos contenham defeitos. Não é possível os integrantes da assessoria jurídica pretenderem escapar aos efeitos da responsabilização pessoal quando xxxxxxx atuado defeituosamente no cumprimento de seus deveres: se havia defeito jurídico, tinham o dever de aponta-lo.”
O autor mantém tal posicionamento ainda que as questões apontadas comportem posicionamentos jurídicos divergentes, entendendo que, em caso de controvérsia doutrinária ou jurisprudencial, tem o parecerista o ônus de consignar todas as posições existentes acerca do tema, para que o ordenador da despesa tenha elementos para tomar a decisão que entender mais acertada. Assim agindo, entende o autor que o assessor jurídico se resguarda de ser responsabilizado por um ato administrativo posteriormente apontado como ilegal, eis que existiria um respaldo jurídico apto a fundamentar a decisão do administrador público. Conclui afirmando que “aquele que desempenha atividade de assessoramento jurídico ou técnico sujeita-se ao regime jurídico genérico: a responsabilização civil, penal ou administrativa depende da culpabilidade. Enfim, é essencial preservar a autonomia da função de assessoramento jurídico ou técnico”10
Nesse mesmo sentido, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxx Dotti11.ensinam que “a emissão de manifestações jurídicas embasadas em tese aceitável e/ou alicerçadas em lição de doutrina e jurisprudência atende ao princípio da motivação e confere segurança jurídica ao gestor público na tomada de decisões de sua competência.”
9 Ob.cit., p.372.
10 Ob. cit., p. 373
11 Ob.cit., p. 149
Em sentido contrário, afirmando existir uma garantia constitucional que assegura a inviolabilidade do exercício da atividade jurídica pelo advogado, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx00 pondera:
“O artigo 133 da Constituição Federal estabelece que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Já o § 3º, do artigo 2º da Lei nº 8.906/94, conhecida como estatuto da OAB, estipula que, no exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações.
Inequivocamente, quando atua na confecção do parecer jurídico, o advogado age no exercício da profissão, uma vez que, nos termos do inciso II do artigo 1º, também da Lei nº 8.906/94, as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídica são privativas da advocacia.
Parece-nos evidente que existe uma garantia constitucional que resguarda a inviolabilidade do exercício da atividade jurídica pelo advogado.”
O autor considera, entretanto, que a inviolabilidade em comento não permitiria a prática de atos ilegais ou lesivos a terceiros. “O que ela resguarda é a autonomia jurídica do advogado, sua capacidade de compreender o direito, mesmo que de forma diferente da pretendida pelos órgãoes de controle, encontra-se inviolável.
Entendemos que o parecerista poderá ser responsabilizado se agir com dolo, má- fé, ou emitir manifestação contrária à disposição legal ou jurisprudência pacífica. Um exemplo de contratação que poderia ensejar a responsabilização da assessoria jurídica da Administração seria a dispensa de licitação com fundamento no inciso XIII do art.
24. da Lei Federal nº 8.666/93. Apesar de tal dispositivo legal dispensar a licitação “na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos.”, há forte tendência da doutrina e da jurisprudência em apontar a necessidade, para a caracterização da dispensa de licitação, de que a própria prestação pretendida na contratação possa ser enquadrada em um dos pontos arrolados pelo dispositivo legal como sendo objeto da instituição a ser contratada, bem como que inexistam outras instituições aptas a prestar os serviços na
12 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx de. A responsabilidade solidária do advogado parecerista na licitação e a posição do STF. Jus Navigandi. Teresina, ano 12 n. 1605, 23 nov. 2007. Disponível em xxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxx/00000. Acesso em 28 ago. 2012.
forma almejada pela Administração, fato este que deve ser demonstrado mediante justificativa técnica que esclareça os motivos da escolha da referida instituição.
Desta forma, ainda que a instituição a ser contratada atendesse pura e simplesmente aos requisitos explicitados pela lei, quais sejam, tratar-se de instituição brasileira, que tenha por objeto, qualificado em seu estatuto ou regimento, o ensino, a pesquisa, o desenvolvimento institucional ou a recuperação social do preso, sem fins lucrativos e inquestionável reputação ético-profissional, a aprovação de minuta de contratação direta, com dispensa de licitação que não levasse em conta os requisitos apontados como necessários pela doutrina e jurisprudência estaria eivada de vício, podendo levar à responsabilização de seu prolator.
3 – Responsabilização da assessoria jurídica pela análise e aprovação de minutas de edital e contrato perante o Controle Externo.
Questão que se coloca na doutrina é a competência dos Tribunais de Contas para responsabilização da assessoria jurídica encarregada da análise e aprovação de minutas de editais, contratos e demais ajustes celebrados pela Administração Pública.
O art. 71 da Constituição Federal arrola as competências do Tribunal de Contas de União, dentre elas a de “julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público”(inciso II); e a de “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário” ( inciso VIII).
Há quem sustente que o objeto da competência dos Tribunais de Contas restringe-se às contas analisadas e seus responsáveis:
“Seja em relação aos administradores, demais responsáveis, ou aqueles que deram causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público, vincula-se a competência do TCU ao julgamento de prestação de contas.
Responsável pelas „Contas‟, conforme já deixava claro o Decreto–Lei nº 200/67, é o ordenador de despesa, sendo esta a autoridade que apresenta suas contas para avaliação pelo órgão auxiliar do controle externo.
Permitir a imputação de débitos a outras pessoas, que não aquelas estipuladas pela Constituição, significa criar competências para os Tribunais de Contas que exorbitam de suas prerrogativas constitucionais, deturpando a ordem estabelecida, no sentido de que reivindicar a ordem significa exigir que a aplicação do direito respeite as regras fundamentais estabelecidas em nosso ordenamento.”13
Para o autor, o assessor jurídico da administração nunca poderia ser apontado como “responsável por contas”, haja vista não ser ordenador de despesas e não praticar
13 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx de. A responsabilidade solidária do advogado parecerista na licitação e a posição do STF. Jus Navigandi. Teresina, ano 12 n. 1605, 23 nov. 2007. Disponível em xxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxx/00000. Acesso em 28 ago. 2012.
atos de gestão, mas mera análise das minutas de editais, contratos e afins, sob o prisma da legalidade, escapando a tal análise, inclusive, o objeto da contratação, que integraria o âmbito de conveniência e oportunidade do administrador público, verdadeiro ordenador da despesa.
Ao discorrer sobre a responsabilização dos membros da Advocacia-Geral da União por pareceres relativos a licitações e contratos administrativos, Xxxxxxx Xxxxxxxx de Xxxxxxx Xxxxxx00 pondera que, à luz das decisões exaradas pelo Tribunal de Contas da União, (...) “o administrador público não se encontra realmente vinculado ao parecer jurídico”, sendo possível inclusive afirmar que, com base nos julgados daquela Corte de Contas, que a ausência de manifestação da assessoria jurídica consistiria tão-somente vício de natureza formal. Assim, (...) “tais posicionamentos reforçam uma natureza meramente opinativa do parecer jurídico, deixando na esfera do administrador público o real poder decisório em matéria de licitações e contratos administrativos. Portanto, decidir por uma responsabilização solidária entre quem opina (consultivamente) e quem decide não se mostra razoável.”
No sentido contrário, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Dotti
:entendem que os pareceres, quando acatados, integram o ato administrativo, motivo pelo qual, quando este estiver eivado de vício, seria possível a responsabilização do parecerista pelos Tribunais de Xxxxxx. Xxxxxxx, a respeito, os ensinamentos dos autores:
“A assessoria jurídica sujeita-se ao controle externo exercido pelo Tribunal de Contas – órgão responsável pela verificação da legalidade, legitimidade e economicidade dos atos relacionados com a gestão de recursos públicos no âmbito da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública – mesmo sem exercer atos de gestão. Mesmo que de natureza opinativa e não vinculante, e uma vez acatada, a manifestação jurídica passa a integrar o ato administrativo, sujeitando o seu prolator ao controle externo exercido pela Corte de Contas, sem prejuízo de responder disciplinarmente, pelo mesmo ato, perante o controle interno da Administração.”15
Parece-nos que o entendimento mais razoável é no sentido de serem os Tribunais de Contas incompetentes para a imputação de responsabilização à assessoria jurídica da
14 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. A responsabilização dos membros da Advocacia-Geral da União por pareceres relativos a licitações e contratos administrativos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3260, 4 jun 2012. Disponível em xxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxx/00000. Acesso em 29 ago. 2012.
15 Ob. cit., p. 143.
Administração, pois tal imputação extrapolaria suas atribuições constitucionalmente arroladas. Sobre o argumento de que o parecer, quando acatado, integraria o ato administrativo, submetendo seu prolator ao controle externo, vale a pena transcrever as ponderações de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxx00x:
“(...) por acato ao Poder Judiciário, o gestor não pode olvidar de cumprir uma ordem judicial liminar, mesmo que discorde de sua justiça. E nem por isso parece justa a responsabilização do magistrado quando essa decisão provisória é cassada posteriormente, por acórdão que reputa como ilegal um pagamento ordenado pelo juiz singular e prontamente cumprido pelo administrador público.
Não defendemos responsabilização, pelo TCU, dos membros da Magistratura ou do Ministério Público, ao contrário, o que tentamos identificar é que a expansão indiscriminada de responsabilidades e competências estipuladas pela Constituição Federal pode subverter o equilíbrio do ordenamento jurídico e colocar em risco a harmonia entre as instituições.
Tanto advogados públicos, procuradores, juízes e promotores podem e devem ser responsabilizados nas situações em que praticarem ilícitos administrativos. Contudo, isso apenas poderá ocorrer respeitando-se os limites de competência e responsabilização dispostos pela Constituição.”
Não obstante, o Tribunal de Contas da União vem reconhecendo a responsabilidade da assessoria jurídica por vícios nas contratações administrativas, conforme se verifica da leitura dos seguintes acórdãos:
“36. Registro que algumas das ressalvas feitas no parecer contido na Nota Técnica (...), relacionadas a preço do serviço, não foram adequadamente atendidas, sendo que, em relação a elas, devem ser excluídos os procuradores de qualquer responsabilização, conforme salientado pela unidade técnica.
37. Todavia, a referida manifestação foi omissa. Talvez na busca de eximir- se de qualquer responsabilidade na conformação da situação de fato às exigências do art. 24, inciso XIII, da Lei federal nº 8.666/93, em especial em face dos reiterados posicionamentos desta Corte de Contas e do entendimento unânime da doutrina acerca da matéria, a Nota Técnica (...)
16 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx de. A responsabilidade solidária do advogado parecerista na licitação e a posição do STF. Jus Navigandi. Teresina, ano 12 n. 1605, 23 nov. 2007. Disponível em xxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxx/00000. Acesso em 28 ago. 2012.
não enfrentou a absoluta ausência de correlação entre o objeto contratado e atividades de pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional. Além de não enfrentar, entendeu que a justificativa era exaustiva e que se tratava de precedente positivo. Bastava uma rápida pesquisa na jurisprudência deste tribunal para verificar que o objeto do contrato e a referida justificativa não seriam suficientes para a manifestação favorável. No mínimo, deveria a procuradoria (...) alertar o gestor da possibilidade de a contratação direta ser tida por inadequada por inobservância dos requisitos necessários. Deixa-se ao administrador o dever de fazer a sua opção. Mas era o seu dever apontar o entendimento prevalecente. (...)
40. A íntegra da manifestação contida na referida Nota Técnica foi acolhida pelas superiores de seu subscritor. É deles também a responsabilidade pelo que ali restou entendido. Bastava uma leitura rápida de seu texto para verificar a não conformidade com as exigências do art. 24, inciso XIII, da Lei nº 8.666/93. Tampouco para que se verificasse a completa ausência de menção a entendimentos jurisprudenciais deste Tribunal. Não se tratava de providências que demandassem tempo excessivo ou estudos aprofundados, pois, ao contrário do que insistem em afirmar os procuradores, não havia qualquer elemento técnico nas justificativas ou no objeto do contrato que os incapacitasse ao exame que deveriam fazer acerca da observância do referido dispositivo legal. Ademais, frise-se mais uma vez, a mencionada justificativa sequer abordou a existência de nexo entre os requisitos definidos no referido dispositivo legal, a natureza da instituição e o objeto contratual. Ou seja, a simples leitura dos esclarecimentos do Diretor- Presidente e do objeto do contrato permitiria a formação de convicção acerca da ilegalidade. Além disso, não foi demonstrada na justificativa a necessidade da contratação, o que significa dizer ausência total de motivação do ato.(...)
Xxxxxxx(...)
9.3 Rejeitar as razões de justificativa apresentadas pelos Srs. (...) ;
9.5 Aplicar aos Srs. (...), individualmente, a multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei nº 8.443/92, no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais) fixando-lhes o prazo de 15 (quinze) dias, a contar de notificação, para comprovarem, perante o Tribunal (art. 214, inciso III, alínea „a‟ do regimento Interno), o recolhimento da dívida aos cofres do Tesouro Nacional.” (Acórdão nº 994/2006 – Plenário, rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx, Processo nº 018.337/2004- 0).
“A jurisprudência deste Tribunal aponta no sentido de ser possível a apenação de autores de pareceres jurídicos, cujas conclusões não revelem lógica jurídica razoável. Afigura-se, também, pertinente a apenação dos agentes responsáveis pela elaboração de pareceres jurídicos, quando deixam de observar determinações dirigidas à entidade. É de se esperar que tais profissionais, no exercício de sua atividade, possuam sólidos conhecimentos das respectivas normas, da jurisprudência dos tribunais judiciários, da doutrina e também que mantenham banco de dados sobre o entendimento desta Corte sobre a matéria, especialmente sobre as deliberações destinadas à entidade.
(...)
Os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, com base no exposto pelo Ministro-Relator e com fundamento no art. 1º, incisos II e IX, da Lei nº 8.443/92, Xxxxxxx em
(...)
8.6 advertir a Procuradoria-Geral e as Procuradorias Regionais do (...) que a emissão de pareceres jurídicos desprovidos de lógica jurídica razoável, ou que deixem de observar jurisprudência consolidada desta Corte, ou ainda que ignorem determinação dirigida ao extinto (...) ou ao (...) podem resultar aplicação de multa ou, eventualmente, imputação de débito aos consultores jurídicos que hajam concorrido para a irregularidade.” (Xxxxxxx 287/2002 – Plenário, rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx, Processo nº 004.874/2001-4).
4 – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
O Mandado de Segurança nº 24.073-3-DF foi o embrião da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Impetrado por advogados da Petrobras, após decisão do Tribunal de Contas da União pela ilegalidade de contratação direta, pela estatal, de empresa de consultoria:
“EMENTA CONSTITUCIONAL ADMINISTRATIVO TRIBUNAL DE CONTAS TOMADA DE CONTAS ADVOGADO PROCURADOR
PARECER CF art. 70, parág. Único, art. 71, II art. 133 Lei 8.906, de 1994, art. 2º, § 3º, art. 7º, art. 32, art. 34, IX. I – Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas de União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa.. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. „Curso de Direito Administrativo‟. Malheiros ed., 13ª ed, p. 377. II – O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em senido largo. Cód. Civil, art. 159, Lei 8.906/94, art. 32,III – Mandado de Segurança deferido.” (STF – MS 24073/DF – Distrito Federal – Relator Min. Xxxxxx Xxxxxxx – Julgamento 06/11/2002. Órgão Julgador Tribunal Pleno – Publicação DJ 31-10-2003).
Em 2007, O Supremo Tribunal Federal decidiu mandado de segurança novamente impetrado contra ato do Tribunal de Contas da União, que notificou procuradores federais a apresentar razões de justificativa acerca de irregularidades apontadas em convênio firmado pelo INSS com o Centro Educacional de Tecnologia em Administração. Os procuradores federais impetraram o mandado de segurança alegando, em suma, que a situação de assessoria jurídica não se equipara a atuação dos administradores, além de ser impossível aos procuradores conhecer os detalhes técnicos do objeto do convênio. Desta vez, o STF entendeu que a aprovação da minuta de convênio diferia do ato analisado no caso da Petrobras, tratando-se este de parecer meramente opinativo, enquanto que aquele seria ato que ensejaria a responsabilização dos emissores, uma vez que o gestor público decidiria com base em tal orientação. O
STF entendeu que não cabia mandado de segurança contra ato do TCU, pois não havia responsabilização dos procuradores, mas mera solicitação de oitiva dos mesmos.
5 - Conclusão
A análise prévia de minutas de editais de licitação, de contratos, acordos, convênios ou ajustes imposta pelo parágrafo único do art. 38 da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, deriva em uma manifestação a um só tempo, obrigatória, decisória e opinativa, razão pela qual o parecerista pode ser responsabilizado se houver vícios no certame licitatório ou no ajuste firmado, vícios estes decorrentes de erros na apreciação jurídica. Tais erros podem decorrer de fundamentação insuficiente, desarrazoada ou contrária à disposição de lei ou jurisprudência dominante.
Apesar da possibilidade de responsabilização do parecerista, não assiste competência aos Tribunais de Xxxxxx para a imputação de responsabilização à assessoria jurídica da Administração, pois tal imputação extrapolaria suas atribuições constitucionalmente arroladas.
No que se refere à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, conta-se com três casos, todos tratando de mandado de segurança impetrado por servidores públicos federais contra atos do Tribunal de Contas da União. Com base em tais julgamentos, pode-se resumir que o Supremo Tribunal Federal entende que é possível a responsabilização do assessor jurídico quando expede pareceres nos processos de licitação e ajustes administrativos, bem como entende ser possível que tais assessores sejam chamados a apresentar razões de justificativa perante o controle externo, ou seja, os Tribunais de Contas.
Finalmente, entende o Supremo Tribunal Federal que a assessoria jurídica da Administração pode ser responsabilizada se, ao analisar minutas de editais de licitação, contratos, convênios e demais ajustes, agir com dolo ou cometer erro crasso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
XX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Direito Administrativo, 21ª ed., São Paulo: Atlas, 2008.
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