Noção de Obra no Contrato de Empreitada:Contributos da Doutrina e da Jurisprudência Designação do Mestrado: Mestrado em Solicitadoria Autor: Manuel Ribeiro Batista Ferreira Orientador: Prof. Doutor Sérgio Miguel Tenreiro Tomás Ano: 2015
Noção de Obra no Contrato de Empreitada: Contributos da Doutrina e da Jurisprudência |
Designação do Mestrado: |
Mestrado em Solicitadoria |
Autor: |
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx |
Orientador: |
Prof. Doutor Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx |
Ano: |
2015 |
xxx.xxxxx.xxx.xx
Noção de Obra no Contrato de Empreitada: Contributos da Doutrina e da Jurisprudência |
Orientador |
Prof. Doutor Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx |
MESTRADO EM SOLICITADORIA |
XXXXXX XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX |
Agradecimentos
Este trabalho não é apenas o resultado de um empenho individual, mas sim sinónimo de esforços conjuntos, sem os quais teria sido muito mais difícil chegar ao fim desta etapa, que representa um importante marco na minha vida pessoal. Desta forma, manifesto a minha gratidão a todos os que estiveram presentes nos momentos de incerteza, de angústia, de ansiedade, de insegurança, de exaustão e de satisfação.
De um modo muito especial ao meu orientador, Doutor Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, pela forma disponível, incansável e sábia como superintendeu este projeto; todo o tempo de partilha no conhecimento, sua análise e sua reprodução foram corolários de confiança, de entusiasmo e de motivação.
Ao Doutor Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, pelo contributo dado no enriquecimento deste trabalho, demonstrado pelos seus conhecimentos e pela sua disponibilidade sempre presente.
Agradeço igualmente à Doutora Xxxxx Xxxx Xxxxxxx, pelos incentivos no acreditar, pela força e entusiasmo que sempre me transmitiu.
A toda a família pelo apoio incondicional, acreditando sempre no meu ser capaz, esforço, empenho e determinação. Ao Xxxx e à Nazaré, acima de tudo pela paciência e pela tolerância no menor contributo meu em tarefas partilhadas, mas também pela motivação, afeto, carinho e compreensão.
A todos os meus amigos, pelas boas memórias, mas, sobretudo, pelo apoio e companheirismo.
Àqueles que já estão no além, o meu obrigado por tudo o que fizeram nesta vida para eu ser o homem que sou hoje. Estão felizes, por mais esta etapa vencida!
Um grande bem-hajam.
Resumo
Nos termos do art. 1207.º do Código Civil, define-se o contrato de empreitada como aquele pelo qual “uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
A doutrina e a jurisprudência não têm tido entendimento uniforme sobre a qualificação do contrato de empreitada, sempre que está em causa uma obra de natureza intelectual. O contrato de empreitada tem por objeto a realização de uma determinada obra, não sendo claro, para a doutrina e para a jurisprudência, se o conceito de obra se restringe a algo material (corpórea) ou se inclui também obra intelectual (imaterial, incorpórea). Sobre esta problemática, equacionar-se-á o que é defendido pelas duas correntes e que se apresentam de forma antagónica.
Para uma, o entendimento sobre obra na empreitada é abrangente e integra as obras corpóreas e incorpóreas ou intelectuais, indo ao encontro do sentido literal da palavra. O legislador, ao utilizar o termo obra no art. 1207.º Código Civil, não faz distinção entre obra material e obra criativa ou intelectual (imaterial).
Para outra, a obra incorpórea, criativa ou intelectual não entra no conceito de obra previsto no termo do art. 1207.º Código Civil, por este na sua redação não referir, de forma categoricamente intencional, a referência à prestação de um serviço: a obra intelectual pode ser objeto de um contrato de prestação de serviços, mas não de empreitada enquanto modalidade de contrato de prestação de serviços.
Em sentido lato e em sentido restrito, a análise do objeto (Obra) do contrato empreitada – enquadrada com o que é defendido pela doutrina e pela jurisprudência
– levar-nos-á á definição da prestação principal/ típica do contrato de empreitada: a realização de uma obra.
Palavras-chave
• Contrato de Empreitada
• Obra material;
• Obra imaterial;
• Coisas Corpóreas;
• Coisas Incorpóreas.
Abstract
The art. 1207.º of the Civil Code sets up general contracts as the ones by which "one party undertakes a relation with another to perform a certain work for a price."
The doctrine and jurisprudence have had no uniform agreement qualifying general contracts whenever it concerns a work of intellectual nature. The object of a contract is the execution of a particular work, although it is not clear, to Doctrine and Jurisprudence, if the concept of a contract is restricted to something material (tangible) or whether it also includes intellectual work (immaterial, incorporeal). On this issue, we will elaborate considerations about what is advocated by Doctrine and Jurisprudence in their antagonistic form of.
On one side, the perception of work in contracts is comprehensive and reaches tangible and intangible or intellectual works, meeting the literal sense of the word. While using the term “contract”, in article 1207.º Civil Code, the legislator does not distinguish between materials and creative work or intellectual (immaterial) work, not allowing someone the power to do so.
On the other side, the incorporeal, creative or intellectual work does not meet the concept of “contract” provided in article 1207.º Civil Code, as its text does not mention in an unequivocally intentional form, the reference to the delivery of a service. In this sense, the intellectual work may serve as the object of a service contract, but not as a general contract.
On this essay, in both its strict and broad sense, we shall analyze the object (the work) of contracts in Doctrine and Jurisprudence and take a stand on the definition of the main / typical provision of general contracts: the making of the work.
Siglas e abreviaturas
al. – alínea; al.ªs – xxxxxxx; art.– artigo; art.s – artigos; n.º – número; n.ºs – números;
CC – Código Civil;
CCIt – Código Civil Italiano; X.Xxx. – Código Comercial;
CDADC – Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos; CPC – Código Processo Civil;
cfr. – confrontar; DL – Decreto-Lei; ed. – edição;
p. – página;
por exp. – por exemplo; Proc.º – Processo;
s.n. – sem nome;
SS – Seguintes;
STJ – Supremo Tribunal de Justiça; TRC – Tribunal da Relação de Coimbra; Vd. – Vide;
Vol. – Volume;
v. g. – verbi gratia [por exemplo].
ÍNDICE
I ASPECTOS RELEVANTES DO CONTRATO DE EMPREITADA 13
1.O regime do Contrato de Empreitada em diversos Códigos Civis 13
2.O regime do Contrato de Empreitada no Código Civil Português e Legislação conexa 16
3.O Contrato de Empreitada e seu regime 18
4.A formação e a execução do Contrato 29
6.A responsabilidade do Empreiteiro 38
7.O Contrato de empreitada e Figuras Afins 46
II A NOÇÃO DE OBRA NO CONTRATO DE EMPREITADA 56
1.Dificuldades na delimitação da definição “Obra” 56
2.A noção de Obra em sentido amplo 72
3.A noção de obra em sentido restrito 75
4.A noção de obra, suas particularidades; contributos da doutrina e/ou da jurisprudência – Sentido Crítico 81
Introdução
Segundo Xxxx Xxxx Xxxxxxx, no direito romano surgem referências aos contratos que têm por objeto a realização de obras e aparece a denominada locatio conductio que compreendia: a locatio conductio rei, que, genericamnente, corresponde ao atual contrato de locação; a locatio conductio operarum, que corresponde aos contratos de trabalho e de prestação de serviço e a locatio conductio operis faciendo. O contrato de empreitada provém desta última.
Passado o tempo, nas Ordenações Portuguesas (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), o contrato de empreitada não se tornou autónomo. Pelo contrário, manteve a conceção herdada do direito romano, em diversas situações. Entre elas, está a relativa ao realizador da obra que fornece o material, caracterizando o contrato como de compra e venda. As restantes situações (havendo apenas mão de obra) enquadram-se no contrato de trabalho ou prestação de serviços.
No Código Comercial de 1833, o contrato de empreitada teve a sua primeira regulamentação própria, sendo classificado como um contrato de locação- condução mercantil Esta classificação segue o exemplo do Código de Napoleão.
No Código Civil de 1966 a empreitada obteve um cunho próprio, afastando- se do previsto nos códigos civis estrangeiros (Alemão, Suíço e Italiano), e, com esse afastamento tornou-se, ainda hoje, fonte de polémica doutrinal e jurisprudencial. Neste código civil manteve-se o contrato de empreitada como uma espécie autónoma dos contratos de prestação de serviço e, por influência do código civil italiano, regulamentou-se a responsabilidade civil do empreiteiro por
1 XXXXXXX, Xxxx Xxxx - Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, 5.ª ed., Coimbra: Almedina, 2013, p.25.
Embora outros Códigos Civís – nomeadamente o Espanhol e o Francês – instituam regimes diferentes para os contratos de prestação de serviço e de empreitada, o Código Civil de 1966 não seguiu esta terminologia e veio a designar a locatio conductio operis faciendo por contrato de empreitada, integrado na modalidade mais vasta de contrato de prestação de serviço (art.s 1154.º ss Código Civil). Em conformidade com o previsto no art. 1155.º Código Civil, as modalidades do contrato de prestação de serviço são o mandato, o depósito e a empreitada3.Neste estudo trataremos a importância da distinção da empreitada com figuras afins, nomeadamente com o contrato de prestação de serviço, contrato de compra e venda e neste do contrato de promoção imobiliária, não esquecendo também o contrato de direitos de autor (CDADC).
Atualmente o contrato de empreitada é um dos contratos do nosso Direito Civil, estando o seu regime previsto nos art.s 1207.º a 1230.º Código Civil. É uma temática de interesse cada vez mais acentuado nos dias de hoje, sabendo-se que, ao celebrarem-se contratos de empreitada, contribui-se diretamente para a economia dos cidadãos, das empresas e do próprio país.
A incidência deste tema dá primordial importância ao conceito de obra no contrato de empreitada (obra).
Para além disso, este estudo analisará o conceito de obra nas suas variantes, bem como servirá de instrumento informativo e esclarecedor para todos aqueles mais ligados ao direito privado e que pretendam estar melhor informados. Pretende-se, portanto, uma investigação enriquecedora, baseada em conceitos simples e precisos, de forma a clarificar a problemática do conceito de obra, recorrendo sempre que seja pertinente à doutrina e jurisprudência.
O contrato de empreitada implica na obrigação assumida pelo empreiteiro
2 XXXXXXX, Xxxx Xxxx - Responsabilidade contratual …, p. 26.
3 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações (Parte Especial). 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2007, p.327.
de realizar – prestação de facere4 – uma obra, segundo um plano e com características previamente definidas no contrato celebrado com o dono da obra, em que este último assume a obrigação do pagamento do respetivo preço (art. 1207.º Código Civil).
Não é unívoco na doutrina e na jurisprudência o entendimento sobre a qualificação do contrato de empreitada, sempre que está em causa uma obra de natureza intelectual. O contrato de empreitada tem por objeto a realização de uma determinada obra, não sendo claro para a doutrina se o conceito de obra se restringe a algo material ou se inclui também coisas imateriais (obra intelectual).
Segundo uma corrente (Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxxx)5, o conceito de obra previsto na empreitada é amplo e abarca as obras incorpóreas ou intelectuais, coadunando-se com o sentido corrente do termo. E, como o termo “obra” utilizado no art. 1207.º do Código Civil não distingue entre obra material e obra de engenho ou intelectual, não existe razão para que alguma distinção seja feita pelo intérprete.
Defende outra corrente (Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx)6, um conceito restrito de obra, entendendo que a obra incorpórea ou intelectual não integra o objeto do contrato de empreitada.7
Simultaneamente é tomada uma posição relativa a esta questão e são transcritos diversos acórdãos, os quais tratam a mesma questão, conceito de obra, mas seguem caminhos diferentes nas suas decisões, segundo os princípios defendidos por cada corrente, natureza da obra inserida em conceito amplo e restrito da mesma, apontando-se outras saídas em situações particulares, nomeadamente para contratos mistos, união de contratos ou contratos coligados.
4 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 104/2002.L1.S1, de 08–05–2012. Relator: Xxxxxxx Xxxxxxxx.
5 xxxx://xxx.xx.xx/xxx/%0X0x00xx0x-xx0x-0xx0-xxx0-00000000x0x0%0X.xxx [Consult. 29 outubro 2014].
6 Antunes xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxxx/0000/xxxxxxxxxx_xxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx [Consult. 29 outubro 2014].
7 Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa – Proc.º 3270/04.1TVLSB.L2-2, de 14-04-2011. Relator: Xxxxxx Xxxxx Xxxxx.
I ASPETOS RELEVANTES DO CONTRATO DE EMPREITADA
1. O R E GI M E D O C O NT R A T O DE E M PR EI T A D A EM D I VE R SO S C ÓD IGOS
C IV IS
O âmbito do contrato de empreitada, no código civil português, tem sido encarado de forma diferente de outros códigos civis.
O regime do contrato de empreitada costuma frequentemente, nos Códigos Civis, ser precedido de uma definição do mesmo8. No presente estudo, parte-se do pressuposto de que a realização da obra é a consequência de um dever de origem contratual, mas nada obsta a que o empreiteiro a efetue na qualidade de gestor de negócios, caso em que encontram aplicação as disposições constantes dos art.s 464.° ss Código Civil.
Nos termos do art. 1207.º Código Civil, “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra mediante um preço”. Parece claro que, no direito nacional atual e tal como já se retirava do art. 1396.º do Código de Seabra, a celebração do contrato de empreitada está limitada aqueles casos em que a realização de uma obra surge como obrigação principal/típica, integrando-se no binómio contratual realização de obra/pagamento de um preço e que se consubstancia na definição: “Dá-se o contrato de empreitada quando algum ou alguns indivíduos se encarregam de fazer obra para outrem, com materiais subministrados, quer pelo dono da obra, quer pelo empreiteiro, mediante certa retribuição proporcionada à quantidade de trabalho executada”9. Neste caso, o conceito de obra restringe-se e aponta diretamente para uma prestação de resultado.
Nem sempre isso acontece, como se verifica, verbi gratia, no Código Civil
8 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações … p. 362 e ss.
9 XXXXXXX, Xxxx Xxxx – Responsabilidade Contratual do Empreiteiro …, p. 25.
Brasileiro (art.s 1237.º ss) e no Código Civil Francês. Neste último, define-se a empreitada como o contrato através do qual uma pessoa, denominada entrepreneur, se encarrega de confeccionar uma obra a favor de outra, denominada maître d’ouvrage, mediante uma remuneração (art.s 1787.º ss)10. Neste diploma, o conceito de contrato de empreitada infere-se do regime estabelecido.
No Código Civil do Brasil, a definição de contrato de empreitada tem cabido especialmente à doutrina, uma vez que o art. 1237.º do Código Civil faz apenas referência a empreitada de obras, ao estabelecer que “O empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela só com o seu trabalho, ou com ele e os materiais”. A partir desta definição a generalidade da doutrina11 tem entendido que tal âmbito deve ser reconduzido a obras materiais e a obras intelectuais sem que deva ser feita uma distinção com consequências normativas entre ambas.
A partir da própria letra do art. 1544.º do Código Civil Espanhol, tem também sido entendido12 que podem estar em causa prestações de coisa ou de serviços. Nos termos do citado artigo, na empreitada (arrendamiento de obras e servicios) “Uma das partes obriga-se a executar uma obra ou a prestar a outra um serviço por preço certo”.
Está subjacente a esta noção a consagração do arrendamento como figura unitária, numa tendência que remonta ao Direito Romano e que veio a ser consagrada em alguns ordenamentos modernos, nomeadamente da França e de Itália, afirmando o art. 1542.º do Código Espanhol que “O arrendamento pode ser de coisas, ou de obras ou serviços”.
No entanto, parte da doutrina13 tem tentado ultrapassar este ponto de partida unitário, propondo a autonomização dos dois tipos de arrendamiento previstos naquele art. 1544.º, assim distinguindo o contrato de obra, em que é
11 xxxx://xxx.xxxxx.xxxxxx.xx/xxx_xxxxxxx/Xxxxx00.xxx [Consult. 29 outubro 2014].
12 IDEM – ibidem.
13 IDEM – ibidem.
prometido o resultado de uma atividade (a obra) e o contrato de arrendamiento de servicios.
Para o Código Civil Italiano (art. 1655.º), a empreitada (appalto) corresponde a um contrato pelo qual uma das partes, com organização dos meios necessários e gestão a seu risco, se obriga para com a outra à realização de uma obra ou de um serviço, mediante uma retribuição em dinheiro. Definição idêntica consta do art. 2222.º Código Civil Italiano para o contrato d’opera, no qual o empreiteirio é uma pessoa singular que realiza um a obra ou um serviço com trabalho predominantemente próprio.
Segundo o Código Civil Alemão (§ 631.1), através da empreitada (Werkvertrag) o empreiteiro obriga-se a realizar a obra prometida e o comitente a pagar-lhe a retribuição convencionada.
O Código das Obrigações Suíço (art. 363.º) considera como sendo de empreitada o contrato pelo qual uma das partes fica adstrita a executar uma obra, mediante um preço que a contraparte se vincula a pagar-lhe1415.
Como foi dito a abrangência do contrato de empreitada nos diversos códigos civis analisados é de caracter mais amplo do que o previsto no Código Civil Português. Tendo presente o encarar do contrato de empreitada num sentido mais restrito, iremos analisar em particular o regime do contrato de empreitada no Código Civil Português.
14 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, pp. 325-370.
15 XXXXXXX, Xxxx Xxxx – Responsabilidade Contratual do Empreiteiro … p. 25.
2. O R E GI M E D O C O NT R A T O DE E M PR EI T A D A N O C ÓD IGO C IV IL
P O R T UG UÊ S E L EG I SL A Ç Ã O C O N EXA
O regime do contrato de empreitada encontra-se previsto no Código Civil Português e em legislação avulsa.
Conforme previsto no art. 1207.° do Código Civil, resulta que são três os elementos do contrato de empreitada: os sujeitos, a realização de uma obra e o pagamento do preço. Relativamente aos sujeitos – dona da obra e empreiteiro – podemos assinalar as seguintes características da obrigação assumida pelo empreiteiro: a fungibilidade, a durabilidade, a autonomia, o facere e o resultado. Estas características servirão para distinguir este tipo contratual de outros afins ou com os quais as semelhanças poderão ocorrer.
O regime jurídico do contrato de empreitada encontra-se previsto nos art.s 1207.º a 1230.º do Código Civil. Porém, há mais legislação que regula certos aspetos do regime do contrato de empreitada, a saber: Lei 41/2015, de 3 de Junho, DL 18/2008, de 29 Janeiro, com respetivas portarias e o DL 6/2004, de 06 Janeiro. A Lei 41/2015 consigna o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade de construção, distinguindo entre o exercício da atividade de empreiteiro de obras públicas e o exercício da atividade de empreiteiro de obras particulares e, consequentemente, prevê a existência de um alvará de empreiteiro de obras públicas e um alvará de empreiteiro de obras particulares, abarcando uma série de normas de natureza administrativa que regulam os requisitos necessários ao acesso e permanência na atividade de construção, mas também estabelece no seu artigo 26.º normas de natureza privada que impõem – cujo valor ultrapasse 10 % do limite fixado para a classe 1, no caso do contrato de empreitada de valor superior a € 16.600,00 (dezasseis mil e seiscentos euros) – a obrigatoriedade de redução a escrito do referido contrato. O diploma em causa não se restringe a estipular a obrigatoriedade de forma do contrato, mas impondo que se observe um conteúdo mínimo obrigatório, e que se passa a referenciar: Identificação completa
Para além do já mencionado, deve enfatizar-se que a nulidade do contrato de empreitada não pode ser invocada pelo empreiteiro, na medida em que, de acordo com o n.º 2 artigo 26.º da Lei 41/2015, de 3 de Junho, cabe “à empresa que recebe a obra de empreitada (ou de subempreitada), ainda que venha a celebrar um contrato de subempreitada, assegurar e certificar-se do cumprimento deste requisito: redução a escrito do contrato de empreitada de acordo com o conteúdo mínimo previsto no número um do artigo 26.º, da Lei 41/2015, de 3 de Junho.” Não é suficiente que tenha sido elaborada uma proposta contratual e endereçada à outra parte, para cumprir os requisitos legais impostos, pois no caso dos negócios formais, como é o caso do contrato de empreitada de valor superior a € 16.600,00, o contrato só se torna efetivo quando a forma que lhe é legalmente imposta é indubitavelmente cumprida. Os efeitos da nulidade do contrato podem ser extremamente gravosos, em especial para o empreiteiro, na medida em que se impõe a restituição de tudo quanto tiver sido prestado e, se a restituição em espécie não for possível – como muitas vezes não o é no caso da empreitada – deve ser restituído o valor correspondente à prestação já efetuada, que poderá não coincidir com o valor acordado, ainda que verbalmente entre as partes, mas sim ao valor usual ou de mercado da prestação em causa.
Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 6/2004, de 06 Janeiro, consigna o regime aplicável à revisão de preços das empreitadas de obras públicas e de obras particulares, sempre que tenha sido estipulada a possibilidade de se proceder à sua revisão.
Como ideia conclusiva, deve ser referido que o regime jurídico do contrato
16 N.º 1 do art. 26.º, Lei n.º 41/2015, de 03 de junho.
3. O C O NT R A T O DE E M P R EI T A D A E SEU R EG I ME 17
Por regra, a regulamentação do contrato de empreitada, nos Códigos Civis, costuma ser precedida de uma definição do mesmo.
A ) Contrato de Empreitada e os Contratos de Prestação de Serviços
O critério de distinção, entre o contrato de empreitada e o contrato de prestação de serviço, deve ser procurado no art. 1207.º Código Civil, através da interpretação que se venha a dar à expressão “realizar certa obra”.
O art. 1154.º Código Civil estabelece que "contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar a outra certo resultado intelectual ou manual, com ou sem retribuição".
De seguida, o art. 1155.º Código Civil estatui que são modalidades do contrato de prestação de serviços o mandato, o depósito e a empreitada.
Finalmente, o art. 1207.º Código Civil procede à definição do contrato de empreitada: "empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço".
Nos termos deste preceito, inferem-se três elementos da empreitada:
a ) Os sujeitos;
b ) A realização de uma obra;
c ) O pagamento do preço.
1. Sinalagmático, na medida em que dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes;
1. Oneroso, porque o esforço económico é suportado pelas duas partes e há vantagens correlativas para ambas;
2. Cumulativo (por oposição a aleatório), porque as vantagens patrimoniais que dele emergem são conhecidas, para ambas as partes, no momento da celebração;
O contrato de empreitada atende ao requisito do resultado (realizar certa obra) e ao critério da autonomia (inexistência de subordinação para com o dono da obra). No contrato de empreitada, o empreiteiro não é um subordinado do dono da obra, mas antes um contraente que atua segundo a sua própria vontade, embora sujeito a cumprir o plano convencionado, não existindo, por isso, entre eles o vínculo próprio das relações entre comitente e comissário.
No contrato de prestação de serviço, promete-se uma atividade através da utilização do trabalho, quando na empreitada se promete o resultado desse trabalho. Na prestação de serviço, é o beneficiário dessa atividade que corre o risco, enquanto na empreitada o risco corre por conta do empreiteiro.
Relativamente ao papel dos sujeitos no contrato de empreitada:
B ) Direitos do dono da obra19
Na continuação da abordagem ao regime do contrato de empreitada, o dono da obra tem como direitos: a obtenção de um resultado e a fiscalização da obra (art. 1209.º Código Civil).
No que concerne à obtenção de um resultado, o dono da obra tem o direito subjetivo de exigir do empreiteiro aquilo a que ele se obrigou (obtenção de um resultado). De outro modo, o comitente que celebra com o empreiteiro um contrato de empreitada tem direito a que, no prazo acordado, lhe seja entregue uma obra realizada nos moldes convencionados, cumprindo-se assim o princípio da integralidade (763° n.º 1 Código Civil) e da pontualidade ou pacta sunt servanda (art. 406.° n.º 1 Código Civil).
O dono da obra tem, também, o direito de fiscalizar20 a obra a fim de controlar o empreiteiro na sua execução. Se esta faculdade de fiscalização não lhe fosse concedida o contrato celebrado entre dono da obra e empreiteiro poderia estar próximo do contrato de compra venda de bens futuros.
Já quanto à fiscalização a ser feita pelo dono da obra tem como fim principal verificar se ela está a ser realizada segundo as regras de arte, de modo a impedir que o empreiteiro concretize a ocultação de vícios dificilmente detetáveis no momento da sua entrega e se os materiais empregues são da qualidade acordada. Pode além disso, o dono da obra, por meio de avisos ao empreiteiro, evitar que a coisa seja executada em condições de não poder ser aceite, ou de necessitar de grandes ou pequenas alterações ao projeto para ser recebida (art.
19 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 368.
1215.º Código Civil).
Pelo exposto, somos de concluir que o direito à fiscalização não se aplica à obra de natureza intelectual, por ser de natureza incorpórea. Pergunta-se: Que capacidade se tem para fiscalizar um trabalho de Xxxxx Xxxx, artista de obras de
21 LIMA, Pires de e XXXXXX, Antunes – Código Civil Anotado, Vol. ll, 3.ª ed, Coimbra: Livraria Jurídica, 1986, p. 870.
22 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações … p. 370.
23 Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra – Proc.º 1220/06.0TBTMR.C1, de 16–03–2010. Relator: Xxxxxxxxx Xxxxxxx.
arte?
Não são aqueles que encomendam uma obra que a fiscalizam, mas sim o
próprio autor da obra em determinados casos, tais como os previstos nos art.s 60.º, 86.º nº 7, 143.º nº 1 CDADC (Código do Direito de Autor e Direitos Conexos).
Na continuação do abordado anteriormente, relativamente aos sujeitos, daremos agora enfase:
São deveres do dono da obra os que passamos a enunciar: a prestação do preço, a colaboração necessária e a aceitação da obra.
Iniciamos esta análise pelo principal dever do dono da obra que consiste na prestação do preço acordado, que deve revestir um valor expresso em moeda25. Na falta de cláusula ou de uso em contrário, o preço deve ser pago no ato da aceitação da obra (art. 1211.º, n.º 2 Código Civil).
Relativamente à colaboração, não sendo uma obrigação, a colaboração necessária é considerada um dever do dono da obra.
Não constitui uma verdadeira obrigação, mas antes um dever de credor cuja violação faz incorrer o comitente em mora accipiendi (art.s 813.º ss Código Civil). Desta forma o empreiteiro não pode exigir a colaboração necessária, mas, não havendo esta prestação por parte do dono da obra, é-lhe lícito invocar a exceção do não cumprimento, pedir uma indemnização ou, havendo caso disso, usar a condição resolutiva tácita, prevista no art. 801.º, n.º 2 Código Civil. Tendo o dono da obra entrado em mora quanto à colaboração necessária, deverá ser concedido ao empreiteiro um correspondente aumento de prazo para executar a obra.
24 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 372 e ss.
25 XXXX, Xxxxxx - Código Civil Anotado, 9.ª ed., Lisboa: Ediforúm, 1995, p. 781.
No que respeita à aceitação da obra26, esta é uma situação especial de colaboração necessária.
A aceitação da obra consiste no dever do comitente de a realizar, depois de essa obra estar concluída, desde que tenha sido executada sem defeito e nos termos acordados. Esta aceitação mantém-se no caso da obra ser portadora de defeito insignificante, pois, em tal caso, a recusa da aceitação contraria o princípio da boa fé.
A violação do dever de aceitar a obra faz incorrer o comitente em mora accipiendi (por desrespeito de um dever de colaboração) e, eventualmente, em mora solvendi se, por falta de aceitação culposa, a prestação do preço se vencer na data em que a aceitação deveria ter sido efetuada (art.s 1211.º, n.º 2, 805.º, n.º 2, alín. c) do Código Civil). No caso da aceitação da obra ocorrer em momento diferente do pagamento do preço, dever-se-á equacionar o seguinte: 1 - O credor, em consequência da mora, perde o interesse na prestação; 2 – A prestação não foi cumprida, dentro do prazo que razoavelmente foi fixado pelo credor; 3 – Em ambas situações, considera-se não cumprida a obrigação. Relativamente ao segundo ponto, deverão ser cumpridas as seguintes etapas: recorrência à exceção do não cumprimento (art. 428.º ss Código Civil); dar um prazo admonitório (art. 808.º, n.º 1, segunda parte, do Código Civil); execução específica (art. 827.º ss Código Civil) e, por fim, ação de cumprimento (art. 817.º ss Código Civil), para o credor pode exigir em tribunal que o devedor seja condenado a cumprir a obrigação e os danos sofridos. Sobre esta matéria apresentamos a análise feita ao acórdão do Tribunal de Relação de Xxxxxxx, xx 00 Xxxxxxx 000000: “E chegados aqui, importa subsumir os factos ao direito para apurar se se encontram preenchidos os pressupostos que concedem ao empreiteiro o direito a resolver o contrato. Dispõe o art. 808.º, n.º 1, Código Civil: se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for fixada dentro do prazo que razoavelmente for fixada pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação."
26 XXXX, Xxxxxx - Código Civil Anotado…, p. 374.
27 Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra – Proc.º 3131–2000, de 23–01–2001. Relator: Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx.
Em anotação a este art., Pires de Lima e Xxxxxxx Xxxxxx escrevem28: "O credor não pode, em princípio, resolver o negócio em consequência da mora do devedor. O que pode é exigir o cumprimento da obrigação pelos danos sofridos". Este último ilustre civilista explica de forma exemplar a linha divisória entre a mora e o não-cumprimento de que o credor facilmente se pode socorrer. "De um lado estão os casos em que o credor, por virtude do retardamento da prestação, perde (objetivamente) todo o interesse que tinha nela." O retardamento equivale, aqui, ao não-cumprimento (definitivo) da prestação (art. 808.º, n.º 1, 1ª parte). Em todos os demais casos, apesar da mora, a prestação continua a ter interesse e só se converte em não-cumprimento (definitivo) a partir do momento em que a prestação se não realize no prazo que, sob a cominação referida na lei, razoavelmente for fixado pelo credor (art. 808.º, n.º 1, 2ª parte), sendo entendimento generalizado que este prazo tanto se aplica às obrigações sem prazo (inicial) estabelecido, como àquelas que o têm ab initio fixado29.
Perante a recusa injustificada de aceitação, o empreiteiro poderá consignar a obra em depósito (art.s 841.º ss Código Civil).
A aceitação da obra repercute-se no vencimento da remuneração (art. 1212.º Código Civil), na assunção do risco (art. 1228 Código Civil) e na responsabilidade pelos defeitos da obra (art. 1218.º ss Código Civil). Para além do já referido, a aceitação da obra implica para o comitente o dever de receber a obra, sendo este, também, um dever de credor, cuja violação importa mora accipiendi.
28 xxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxx0/Xxxxxx%000%00-%00xxxxxxxxxx.xxx [Consult. 29 outubro 2014].
29 xxxx://xxx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxxxx/000-xxxxxxxxxx-xxxxxxx-xx-xxxxxxxxx-xx-xxxxxxx [Consult. 29 outu- bro 2014].
Na continuação da análise de um dos três elementos previstos no artigo 1207.º do Código Civil, mais propriamente aos sujeitos, no contrato de empreitada há direitos e deveres relativos aos mesmos.
D ) Direitos do Empreiteiro 30
Perante o incumprimento de obrigações do dono da obra, ao empreiteiro cabe o recurso à exceção de não cumprimento do contrato (art.s 428.º ss Código Civil) – a exceção de não cumprimento do contrato, também denominada exceptio non rite adimpleti contractus, não é senão a recusa temporária do devedor, credor de uma prestação não cumprida no âmbito de um contrato sinalagmático, que assim retarda, legitimamente, o cumprimento da sua prestação, enquanto o credor não cumprir a prestação que lhe incumbe 31- ou à condição resolutiva tácita (art. 801.º, n.º 2 Código Civil) – dentro deste conceito genérico de condição legal cabe a condição resolutiva tácita: elemento inserto por lei nos contratos sinalagmáticos, segundo o qual se uma das partes não cumprir, a outra pode resolvê-lo, dá-lo por ineficaz32 - consoante as circunstâncias.
Na continuação do já descrito o empreiteiro goza do direito de retenção para garantia de pagamento do preço e de quaisquer indemnizações derivadas do incumprimento de deveres contratuais, o empreiteiro goza do direito de retenção sobre as coisas criadas ou modificadas, nos termos dos art.s 754.º ss Código Civil. Este direito de retenção pode por força dos art.s 758.º e 759.º Código Civil, incidir tanto sobre coisas móveis como imóveis. Esta matéria tem sido objeto de acesa discussão. Na verdade, apesar de ser admitido o exercício do direito de retenção 33“, o direito de retenção só cobre a importância correspondente às despesas
30 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 375.
31 Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa – Proc.º 8057/2007-6, de 08–11–2007. Relator: Xxxxxx Xxxxxxx.
32 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 312-C/2000.C1-A.S1, de 10–12–2009. Relator: Xxxxxxx Xxxxx.
33 XXXXXXX, Xxxxxx x XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx -- Direito de Retenção. Empreiteiro, in Coletânea de Jurisprudência, Ano XIII, Tomo I, Lisboa: (s.n.), 1988, pp. 15 – 23. Ver, também, SERRA, Vaz - Direito de Retenção, in Boletim Ministério da Justiça, n.º 65, Lisboa: (s.n.), 1957, p. 127.
efetivamente suportadas pelo empreiteiro para custear a execução da obra, ficando sujeita ao regime comum a parte do crédito correspondente ao lucro esperado” no âmbito da celebração de contratos de empreitada.
Ao contrário do entendimento da maioria da doutrina, que admite o exercício do direito de retenção no âmbito da celebração de contratos de empreitada (quando tal é especificamente previsto pelas partes no âmbito da sua liberdade contratual) o preço da obra realizada pelo empreiteiro não gera a possibilidade de exercício do direito de retenção (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05 de Junho 1984)34, dado que este é uma garantia excecional do credor unicamente aplicável nos casos previstos na lei. Não merece acolhimento, portanto, o argumento que se baseia no art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 201/1998, de 10 Julho (“O construtor goza do direito de retenção sobre o navio para garantia dos créditos emergentes da sua construção”), para justificar a admissibilidade do exercício do direito de retenção pelo empreiteiro. É que, independentemente de, nesta situação, estar-se perante um caso de empreitada, tal não é manifestamente suficiente para fazer aplicar analogicamente o direito de retenção a casos especialmente não previstos no art.º 754.º do Código Civil35.
Como primeiro dever temos a obrigação de obter um certo resultado. Esta é a principal obrigação do empreiteiro.
O empreiteiro está adstrito a realizar uma obra, a obter um certo resultado (art. 1207.º Código Civil) em conformidade com o convencionado e sem vícios (art. 1208.º Código Civil). Em suma, o contrato deve ser pontualmente cumprido (art. 406.º Código Civil) e de boa fé (art. 762.º, n.º 2 Código Civil). Esta é a obrigação principal do empreiteiro.
34 Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa – Proc.º n.º 0002248, de 05–06–1984. Relator: Xxxx Xxxxxxx.
35 http: //xxx.xxxx.xx/0_xxxxxxx/xxxxxxxxxxx/xxx.x_xxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxxxx.xxx. [Consult. 25 setembro 2014].
36 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 380.
O não cumprimento das obrigações, referidas no art. 1208.º Código Civil, dá lugar a varias sanções. O empreiteiro pode ser compelido à eliminação dos defeitos (art. 1221.º Código Civil) ou ficar sujeito à redução do preço (art. 1222.º Código Civil), à resolução do contrato (art. 1222.º Código Civil) ou pode a dona da obra resolver o contrato e ainda exigir uma indemnização pelos danos causados (art.s 1223.º e 1225.º Código Civil).
Como segundo dever temos uma obrigação natural do contrato de empreitada (art. 1210.º Código Civil).
O fornecimento de materiais e utensílios é uma obrigação inerente ao previsto no contrato de empreitada. A realização de obra implica, necessariamente, o fornecimento de materiais e utensílios, que poderá caber ao empreiteiro, ao dono da obra ou a terceiro. Xxx Xxxxx00 considerava que sempre que houvesse fornecimento de materiais por parte do empreiteiro, estaríamos perante um contrato misto38 (compra e venda e empreitada).
Como terceiro dever, pende sobre o empreiteiro a obrigação de conservar a obra realizada até a entregar ao comitente. Esta obrigação poderemos considera-la como um dever lateral inerente e não consequência de qualquer especificidade do contrato de empreitada. O empreiteiro fica, muitas vezes, adstrito a guardar a coisa que, mais tarde, tem de entregar. Se sobre o empreiteiro impende só uma
37 SERRA, Vaz – Empreitada, Boletim Ministério da Justiça, n.º 145, Lisboa: (s.n.), 1965, pp. 19-190.
38 TELLES, Xxxxxxxxx Xxxxxx – Direito da Obrigações, 7ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1997, pp. 86– 87.
39 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações (Contratos em Especial). 7.ª ed., Coimbra: Almedina, 2010. p. 535.
prestação de facere sem um subsequente dever lateral de entrega, por exemplo, ao reparar o telhado da casa do comitente, o empreiteiro não fica adstrito à obrigação de conservação da coisa. O dever de conservação existe na medida em que o empreiteiro também se obrigue a efetuar uma prestação de coisa.
Para além do referido, o dever de conservação só existe quando a coisa tiver sido confiada ao empreiteiro ou quando a propriedade da obra tiver sido transferida para o comitente antes da entrega, nos termos previstos no art. 1212.º Código Civil.
Por último, a realização da obra tem a obrigatoriedade da sua entrega, por parte do empreiteiro.
Inerente ao contrato de empreitada, o empreiteiro obriga-se a realizar determinada obra, mas também a proceder à sua entrega, no prazo estabelecido ou após a sua aceitação. A entrega só acontecerá após conclusão da obra, se nada tiver sido acordado em sentido diverso.
No caso de não ter sido estabelecido um prazo para a entrega da coisa, será o tribunal a determinar esse prazo, se as partes não tiverem chegado a acordo (art. 777.º, n.º 2 Código Civil).
A entrega poderá ser efetiva (material) ou simbólica. Efetiva, se a coisa passa efetivamente das mãos do empreiteiro para as do dono da obra (transferência de móvel fabricado). Simbólica, quando o empreiteiro entrega um símbolo da disponibilidade da coisa (chaves do prédio construído ou documentação respeitante ao navio, cfr. art. 23.º, Decreto-Lei n.º 201/98, de 10 Julho).
No que diz respeito ao local da entrega de coisa imóvel, cabe ao dono da obra ir buscar a coisa ao lugar onde ela se encontra (art. 773.º, n.º 2 Código Civil).
40 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 520.
Para concluir este ponto e no que aos deveres do empreiteiro diz respeito, convém realçar que este encontra-se adstrito, principalmente, à obrigação de realização da obra. Afinal, o objeto do contrato de empreitada é a realização de uma certa obra (art. 1207.º Código Civil) de acordo com o que foi convencionado entre as partes e sem vícios (art. 1208.º Código Civil).
Posto isto, iremos abordar a consignação da obra e alterações ao plano convencionado, respeitantes à formação e execução do contrato. Entendemos ser pertinente esta análise, pois será importante saber algo sobre o momento inicial da obrigação principal do empreiteiro, bem como algumas vicissitudes que poderão ocorrer no desenrolar da mesma.
4. A F OR M A Ç Ã O E A E X E CU ÇÃ O DO C O NT RA T O 43
Assim, abordaremos a consignação da obra como o momento em que o empreiteiro fica adstrito a executar os trabalhos que o levarão obrigatoriamente a concluir certa obra.
A ) Consignação da Obra
No que respeita à consignação da obra, devemos entender como o ato pelo qual o dono da obra (ou o seu representante) faculta ao empreiteiro os locais onde irão ser executados os trabalhos, bem como os materiais e plantas complementares do projeto que sejam necessárias para que se possa proceder à
41 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 385.
42 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 385.
43 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 384.
execução.
Em certos contratos de empreitada justifica-se que, da formação do contrato, se autonomize a fase de consignação da obra, pois só se poderão iniciar os trabalhos a partir desse momento.
O prazo fixado para a execução da obra começa a contar-se da data da consignação da obra. É esta a data determinante e não a da celebração do contrato. Só a partir da data da consignação da obra é que o empreiteiro está em condições de executar os trabalhos a que se obrigou.
B ) Alterações ao plano convencionado
Com o decorrer da execução da obra pode o projeto inicial ser modificado. Se essas variações se limitarem a modificar da obra o tipo ou a qualidade, a estrutura, o tempo ou o lugar da sua execução, etc., denominam-se alterações.
Estas alterações, ao ser promovidas por iniciativa do empreiteiro, deverão ser feitas conforme o previsto no art. 1214.º, n.º 1 Código Civil, dispondo que o empreiteiro não pode fazer alterações ao plano convencionado, sem autorização do dono da obra (art. 406.º, n.º 1 Código Civil).
As disposições do art. 1214.º Código Civil referem-se apenas às alterações ao plano convencionado, feitas por iniciativa do empreiteiro (não autorizadas, ou autorizadas ou aceites pelo dono). Quando sejam necessárias em virtude de certas razões objetivas, ou sejam exigidas pelo dono da obra, são aplicáveis as disposições dos art.s 1215.º e 1216.º Código Civil.
As regras previstas no art. 1214.º Código Civil, quanto às alterações, estabelecem:
Elas não podem ser feitas pelo empreiteiro sem autorização do dono da obra (art. 1214.º, n.º 1 Código Civil), não se reconhecendo àquele a faculdade de alterar unilateralmente a convenção estabelecida;
− Se o empreiteiro as fizer sem autorização, a obra considera-se defeituosa, e sujeita quem a fez às sanções dos art.s 1221.º ss Código Civil. “Em princípio, o empreiteiro terá de executar a obra convencionada, tal como consta do contrato e do projeto que lhe está anexo. Pode suceder, porém, que o empreiteiro, por sua iniciativa proceda a alterações não convencionadas ou autorizadas. Por exemplo, estava projetada uma escada de acesso ao piso superior, situada no lado direito do hall de entrada, mas o empreiteiro entendeu que aquela ficava mais estética, se colocada ao centro, o que o obrigou a trabalho para além do horário normal, tendo por isso, de pagar mais salário aos seus trabalhadores. Neste caso, a obra é havida como defeituosa, mas o dono pode aceita-la nas condições em que foi executada, não obrigando o empreiteiro a demolir as alterações e reconstruir. Contudo, esta aceitação da obra em condições diferentes, e até mais onerosas para o empreiteiro, não implicam aumento de preço a pagar pelo dono da obra, no momento da aceitação, nem implicam que o empreiteiro possa exigir indeminização com base em enriquecimento sem causa (art.s 473.º ss Código Civil)44.
− O dono da obra não está, porém, impedido de a aceitar com as alterações feitas pelo empreiteiro, sem ficar por isso obrigado a qualquer suplemento de preço ou a indemnização pelo dono da obra por enriquecimento sem causa (art. 1214.º, n.º 2 Código Civil).
− Quando as alterações da iniciativa do empreiteiro tenham sido autorizadas
pelo dono da obra, ter-se-á que distinguir consoante se tenha ou não fixado para a realização da obra um preço global. A haver um preço global, a autorização às alterações introduzidas tem de ser reduzida à forma escrita, fixando-se o aumento do preço. Caso contrário, o empreiteiro só será ressarcido do que despender a mais nos termos do enriquecimento sem causa do dono da obra – art. 1214.º, n.º 3 Código Civil. No caso de para a obra não ter sido fixado um preço global (será o caso das empreitadas em que o preço é fixado por medida, por artigo, por tempo de trabalho ou percentagem), o regime legal já admite que a autorização seja dada apenas sob a forma verbal, mesmo que o contrato de empreitada tenha sido celebrado sob a forma escrita (art. 222.º, n.º 2 Código Civil). Em ambos os casos, uma alteração autorizada implica
00 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx – Contrato de Empreitada. 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2011, p. 209.
É possível que, no decurso da execução, para evitar imperfeições da obra ou em consequência de direitos de terceiro, haja necessidade de proceder a alterações ao plano convencionado (art. 1215.º, n.º 1 Código Civil). A necessidade de alteração pode ficar a dever-se a uma imperfeição ou uma insuficiência do plano não imputável a nenhuma das partes.
Verificando-se a necessidade da alteração, podem as partes chegar a acordo quanto às modificações a introduzir no contrato. Nesse caso estar-se-á perante uma modificação do contrato por mútuo consentimento (art. 406.º, n.º 1 Código Civil), que segue os termos gerais (art.s 219.º e 222.º, n.º 2 Código Civil).
Quando as partes não conseguirem chegar a um acordo, “caberá ao tribunal determinar as execuções e fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução da obra”47 (art. 1215.º, n.º 1 Código Civil).
No caso do novo preço acordado pelas partes ou fixado pelo tribunal, fruto das alterações necessárias introduzidas, for superior em mais de 20% ao preço contratado inicialmente, o empreiteiro pode não ter condições para suportar o aumento do custo da obra e, como possível saída da situação, pode denunciar o contrato e exigir uma indemnização equitativa (art. 1215.º, n.º 2 Código Civil).
No entanto, ao contrário do que acontece em outros ordenamentos jurídicos
– Itália48, por exp. – o código civil português não concede reciprocamente ao dono da obra o direito de denunciar o contrato, quando o aumento do preço tem como causa as alterações. No entanto, o dono da obra pode sempre desistir da
00 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx – Contrato de Empreitada. …, p. 212.
47 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações …pp. 535–536.
empreitada (art. 1229.º Código Civil), arcando com o pagamento ao empreiteiro de uma indemnização significativamente superior ao preço inicialmente estabelecido (art. 1215.º, n.º 2 Código Civil).
Tendo ainda como tema as alterações ao plano convencionado iremos abordar as alterações exigidas pelo dono da obra.
Assim: será modificar o contrato através de uma manifestação unilateral da vontade.
O art. 1216.º Código Civil é um dos casos admitidos na lei em que se pode modificar um contrato mediante uma manifestação unilateral da vontade, sendo uma das exceções ao disposto no art. 406.º, n.º 1 Código Civil. Este artigo dispõe que o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
Estabelece o art. 1216.º, n.º 1 Código Civil dois limites às alterações impostas pelo dono da obra: o valor delas não deve exceder a quinta parte do preço estipulado, e não deve haver modificações na natureza da obra.
O direito de exigir alterações não é, todavia, ilimitado – o art. 1216.º, n.º 1 Código Civil, reduz o âmbito de aplicação deste direito, na medida em que o empreiteiro não fica adstrito, por um lado, a alterações que excedam no seu valor a
49 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações … p. 565.
Sempre que as alterações exigidas pelo dono da obra violarem o disposto no art. 1216.º, n.º 1 Código Civil, o empreiteiro pode recusar-se a realizá-las.
Após termos tratado as alterações que possam ocorrer no decurso da execução da obra, iremos tratar, relativamente à extinção do contrato, o seguinte: a verificação, a comunicação e a aceitação da obra; impossibilidade de cumprimento; risco; desistência do dono da obra.
5. A E X T IN Ç Ã O D O C O N T R A T O 50
Quanto à verificação, comunicação e aceitação da obra, o empreiteiro tem a obrigação de avisar o dono da obra de que pode verificar a mesma.
Depois de concluída a obra, o empreiteiro deve avisar o dono que ela está em condições de ser verificada. O comitente vai, então averiguar se a obra foi realizada nas condições convencionadas e se não apresenta vícios (art. 1218.º, n.º 1 Código Civil).
A verificação a que se refere o artigo mencionado tem por finalidade permitir ao dono da obra assegurar-se pessoalmente de que esta foi executada nas condições convencionadas e sem vícios. É uma operação distinta da fiscalização que o mesmo contraente pode exercer, ao abrigo do art. 1209.º Código Civil, no decurso do contrato. A verificação tem igualmente interesse para o empreiteiro, pois da verificação e da aceitação depende, se não houver prazo, o vencimento do preço (art. 1211.º, n.º 2 Código Civil). Pela sua importância, a lei considerou a verificação obrigatória para o dono da obra (art. 1218.º, n.º 1 Código Civil) e estabeleceu sanções para o caso de não ser efetuada (art. 1218.º, n.º 5 Código
Civil). Deve-se mais referir que a lei não concede ao empreiteiro o direito de exigir a verificação.
Nos termos do art. 1218.º, n.º 5 Código Civil, a falta da verificação ou da comunicação desta verificação, importa a aceitação da obra, sem reservas.
Sobre esta problemática convém referir que a aceitação poderá ocorrer com reserva ou sem reserva. Será uma aceitação com reserva sempre que, descoberta a existência de defeitos aparentes na obra, o dono da obra comunica ao empreiteiro que, embora recebendo a obra, não prescinde de exercer os direitos prescritos na lei (art. 1221.º ss). Já será uma aceitação sem reserva quando, descoberta ou não a existência de defeitos na obra, o dono da obra comunica ao empreiteiro uma aceitação da mesma, sem fazer referência ao exercício dos direitos que a lei lhe confere face à eventual existência desses defeitos.
No que respeita à impossibilidade de cumprimento; risco51, deve ser referido que uma das causas genéricas de extinção de obrigações consiste na impossibilidade superveniente da prestação, conforme previsto no art. 790.º Código Civil. Essa causa também se aplica à empreitada. Assim, se a execução da obra se tornar impossível, por causa não imputável a qualquer das partes, o empreiteiro fica exonerado da obrigação de realizar a obra.
Deste modo, a impossibilidade superveniente de algumas prestações, contrariamente à impossibilidade originária (art.s 1227.º, n.º 1 e 401.º Código Civil), não acarreta a nulidade, mas sim a extinção dos efeitos do contrato (art.s 790.º, n.º 1 e 795.º Código Civil). De outro modo, a obrigação só se extingue quando a prestação se tenha tornado relativamente impossível.
Segundo Xxxxxx Xxxxxxxx, “a impossibilidade superveniente tem de ser efetiva, absoluta e definitiva, e pode ser total ou parcial. A impossibilidade efetiva contrapõe-se ao agravamento da prestação. A prestação é impossível se houver uma inviabilidade total nos termos de um padrão de conduta e não será o caso se a prestação do empreiteiro se tornar mais onerosa, nomeadamente por aumento
A impossibilidade será absoluta quando não poder ser realizada pelo empreiteiro, nem por terceiro, mas se a prestação do empreiteiro for infungível – o dono da obra, ao celebrar o contrato, teve em especial atenção as aptidões do empreiteiro – aplicar-se-á a impossibilidade relativa (art. 791.º Código Civil).
Impossibilidade será definitiva, no sentido de a obra não poder ser realizada mais tarde. Esta impossibilidade não se aplica no caso da obra não ser concluída porque os trabalhadores entraram em greve por causa não diretamente relacionada com a entidade patronal, por condições climatéricas adversas, por indisponibilidade temporária de materiais, havendo somente um atraso no cumprimento.
Contrariamente ao que acontece com a impossibilidade total, dúvidas podem levantar-se a propósito da impossibilidade parcial e definitiva. Assim, no caso de o empreiteiro ter realizado parte da obra e se tornar impossível conclui-la, ele exonera-se entregando a obra parcialmente concluída, devendo o preço ser reduzido na proporção do que foi executado (art.º 793, n.º 1 Código Civil), atendendo-se ao trabalho realizado, aos materiais fornecidos pelo empreiteiro, ao lucro deste proporcionalmente reduzido.
Nos termos do art. 793.º, n.º 2 Código Civil o dono da obra pode resolver o contrato se não tiver, justificadamente, interesse no cumprimento parcial da obrigação. Só que, nesta hipótese, o empreiteiro tem direito a ser indemnizado pelo trabalho executado e despesas realizadas (art. 1227.º, 2.ª parte Código Civil).
A questão do risco pela perda ou deterioração da obra equaciona-se de forma diferente relativamente à impossibilidade de realização da obra. Relativamente à perda, a obra impossibilita-se por si mesma ao não ser possível realizá-la, o que determina que o dono da obra perca o direito de exigir a sua conclusão. No que concerne à deterioração, continua a ser possível a realização
da obra, devendo esta, ou a parte já realizada – objeto de perda ou deterioração – ser avaliada para ser determinado qual das partes (dono da obra ou empreiteiro) deve suportar o correspondente prejuízo.
O risco vem consagrado no art. 1228.º, n.º 1 Código Civil. O princípio de que o risco corre por conta do proprietário da obra, aplica-se não só à obra, como também aos materiais nela a incorporar. Desta forma dever-se-á aplicar as regras previstas no art. 1212.º do Código Civil para determinação da propriedade da obra. Se ela perecer enquanto for propriedade do empreiteiro – o que sucederá se for ele a fornecer os materiais nas empreitadas de coisas móveis ou se for ele o dono do solo nas empreitadas de construção de imóveis – o risco correrá por conta do empreiteiro. Se a coisa perecer, sendo o dono da obra o seu proprietário – o que sucederá se for ele a fornecer os materiais nas empreitadas de construção de coisas móveis, ou se for ele o dono do solo nas empreitadas de construção de imóveis – o risco já correra por conta do dono da obra.
Para além disso, a desistência tem caracter discricionário, pode ser feita
sem qualquer fundamento, não sujeita apreciação judicial, não carece de qualquer pré-aviso e nem de forma especial. Esta, tem normalmente uma eficácia “ex nunc”, isto é, para o futuro, todos os efeitos produzidos pelo contrato se mantêm e ele deixa de produzir efeitos a partir do momento da sua revogação. Assim, a desistência libera o empreiteiro do dever de construir a obra, mas não anula retroativamente o contrato de empreitada atribuindo ao dono da obra o direito à parte já executada. Este deve indemnizar o empreiteiro das despesas e trabalhos realizados, bem como do proveito que este poderia retirar da obra (art. 1229. Código Civil).
6. A RE S P O NS A BI L I DA DE DO E M P R E I T E I R O 56
Tendo sempre como referência o contrato de empreitada, relativamente à responsabilidade do empreiteiro, abordaremos: responsabilidade civil, responsabi- lidade contratual, cumprimento defeituoso, denúncia dos defeitos, eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e a caducidade.
No domínio da responsabilidade civil segundo Xxxxxx Xxxxxxxx o empreiteiro é responsável pela violação dos deveres emergentes do contrato de empreitada (art. 798.º ss Código Civil), mas também por desrespeitar ilicitamente e com culpa direitos de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios (art. 483.º Código Civil).
A violação de deveres emergentes do negócio jurídico faz incorrer o empreiteiro em responsabilidade contratual. O desrespeito, no exercício da atividade de empreiteiro, de direitos de outrem (por exp., direitos de titulares de
prédios vizinhos à edificação da obra) ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios (por exemplo, normas relativas à emissão de ruídos), dá origem à responsabilidade extracontratual)57.
Por princípio, ao empreiteiro só poderá ser atribuída a culpa obrigatoriamente provada pelo lesado (art. 487.º, n.º 1 Código Civil), mas em caso de violação do contrato presume-se a sua culpa (art. 799.º, n.º 1 Código Civil). Quando estamos perante um incumprimento, não qualificado por impossibilidade, podemos estar perante uma de duas situações s: um incumprimento temporário que ainda é possível cumprir, mas o devedor não cumpriu, caso em que se estará perante uma mora; estaremos perante um incumprimento definitivo, quando o cumprimento não está impossibilitado mas o credor, em consequência do não cumprimento pontual, perdeu o interesse no cumprimento.
Depois de analisarmos a responsabilidade civil, passaremos a abordar a responsabilidade contratual do empreiteiro perante o dono da obra. Assim, será importante analisarmos aquela que é a consequência da violação de deveres emergentes do contrato de empreitada. Neste contrato, segundo Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx00, para a resolução de conflitos derivados do seu incumprimento – estando em causa obras de valor considerável – é frequente que as partes, em especial por motivos de celeridade e de melhor preparação técnica, admitam que o litígio seja dirimido por via arbitral.
O empreiteiro está obrigado a realizar uma obra (art. 1207.º Código Civil), em função do contrato que o liga ao comitente. Esta obra deve ser concretizada em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que lhe excluam o valor ou a aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato (art. 1208.º Código Civil). Se o empreiteiro deixar de efetuar a prestação nos termos adequados, dá-se o incumprimento da obrigação, acarretando responsabilidades pessoais pela sua não realização.
Cabe ao dono da obra resolver o contrato e exigir uma indemnização (art.
801.º, n.º 2 Código Civil), quando estiver perante o incumprimento definitivo do empreiteiro.
Há um simples retardamento ou mora, no caso da obra não ter sido entregue na data acordada, mas ainda o poder vir a fazer-se e o dono da obra mantiver o interesse nessa prestação, Deve, no entanto, realçar-se que o empreiteiro só entra automaticamente em mora, se foi estabelecido um termo certo para a entrega da obra. Em caso contrário, a mora só surgirá após a interpelação que o comitente faça (art. 777.º, n.º 1 Código Civil), tendo em conta o prazo razoável para a execução da obra (art. 777.º, n.º 2 Código Civil). O empreiteiro pode efetuar um cumprimento retardado, depois de se ter constituído em mora, desde que indemnize o dono da obra pelos danos causados pelo atraso (expurgação da mora).
Segundo o prescrito no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, entende-se como defeitos, no contrato de empreitada, quer vícios que excluam ou reduzam o valor da obra, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, quer alterações/deformidades com que a obra for construída60.
Na continuação da abordagem do cumprimento defeituoso, iremos analisar
59 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Cumprimento Defeituoso Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada. Coimbra: Almedina, 2002, p. 468.
o denominado defeito oculto. O defeito oculto poderá passar despercebido ao dono da obra.
Assim, defeito oculto é todo aquele que pode passar despercebido ao dono da obra e que só mais tarde poderá revelar-se. O dono da obra tem que ser diligente como um bónus pater familiae, em face às circunstâncias de cada caso (art. 487.º, n.º 2 Código Civil). São ocultos os defeitos desconhecidos do dono da obra e não detetáveis por bónus pater familiae. Se, por exemplo, o empreiteiro fez a mobília com madeira não tratada ou se não isolou as paredes da humidade antes de lhes colocar a argamassa, será responsável pelo caruncho da fachada e pela salitração dos rebocos64.
Trataremos seguidamente o defeito aparente, na continuação da análise do cumprimento defeituoso. Assim e como regra, na análise do defeito aparente, o dono da obra deve ser um homem diligente, bónus pater familiae.
Também consideramos como defeitos aparentes todos aqueles que se revelam por sinais visíveis e permanentes, podendo ser apercebidos por um
62 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Cumprimento Defeituoso Em Especial …, p. 182.
63 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 546.
64 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Cumprimento Defeituoso Em Especial …, p. 182.
observador que use da diligência exigível na verificação da obra66.
Resumindo podemos definir como defeitos aparentes todos aqueles que são visíveis e permanentes e que um homem diligente, bónus pater familiae, os encontra facilmente67.
O art. 1219.º, n.º 2 Código Civil prevê que se presumem conhecidos os defeitos aparentes, tenha havido ou não verificação do dono da obra.
Continuando na análise temática que encetamos a propósito da responsabilidade do empreiteiro, trataremos seguidamente a denúncia dos defeitos70. Então, o dono da obra deve denunciar os defeitos.
O comitente pode aceitar a obra com reserva, mesmo que tenha conhecimento de que a obra possua deformidades e padeça de defeitos. O dono da obra, quando a aceita com reserva, quer dar a entender que pretende receber a obra, mas denúncia os defeitos para poder exercer os direitos previstos nos art.s 1221.º ss Código Civil.
No ato da sua aceitação, a denúncia dos defeitos é válida, mesmo que o
66 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 546.
67 Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra – Proc.º 2384/07.OTBCBR.1, de 20-12-2003. Relator: Xxxxxxxx Xxxxxxx.
68 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Cumprimento Defeituoso Em Especial …, p. 183.
69 IDEM – ibidem.
70 IDEM – ibidem.
comitente tenha realizado regulares fiscalizações no decurso da execução da obra. São evidentes por constatação os vícios aparentes da coisa ou a má execução do contrato (art. 1209.º, n.º 2 Código Civil).
Tratando-se de defeitos ocultos, no prazo de trinta dias após os ter descoberto, o dono da obra deve denunciá-los ao empreiteiro (art. 1220.º, n.º 1 Código Civil).
Seguidamente, passaremos para eliminação dos defeitos através do que prescreve o art. 1221, n.º 1 Código Civil: é um direito do dono da obra exigir a eliminação dos defeitos71, por parte do empreiteiro.
Tendo lugar a verificação final da obra, podemos estar perante três situações: uma aceitação de obra sem reservas, o que implica a aceitação dos defeitos aparentes; uma aceitação com reservas, em que se aceita a obra com a reserva de exigir a eliminação dos defeitos denunciados; ou uma recusa da obra, quando se exige o dever de reparar ou eliminar previamente os defeitos denunciados.
Perante a existência de defeitos ocultos, a lei concede ao dono da obra vários direitos, tendo como primeiro exigir a sua eliminação.
Ainda enquadrados no tratamento dado neste trabalho à responsabilidade
71 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Cumprimento Defeituoso Em Especial …, p. 482.
72 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações (Parte Especial). 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2010, p. 482.
do empreiteiro, trataremos as condições as condições em que o dono da obra tem direito à redução do preço: se a obra foi executada com defeitos e estes não foram eliminados, ou construída de novo a obra, tem o comitente direito de exigir a redução do preço acordado (art. 1222.º, n.º 1 Código Civil).
A redução do preço não corresponde a um ressarcimento dos danos, mas está em conformidade com a actio quanti minoris 73 do Direito Romano, em matéria de compra e venda, mediante a qual se pretendia restabelecer o equilíbrio entre as prestações.
Na continuação do analisado e como uma possibilidade importante colocada ao seu dispor, analisaremos as condições em que o dono da obra tem direito à resolução do contrato76: o dono da obra – em consequência dos defeitos e tiver perdido interesse na prestação77 - pode exigir a resolução do contrato se tais
73 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 485.
74 Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa – Proc.º 1180/2006–6, de 09–03–2006. Relator: Xxxxxx xx Xxxxxxx.
75 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 486.
76 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 487 e ss.
77 Não terem sido eliminados os defeitos ou realizada obra nova.
defeitos tornarem a obra inadequada para o fim a que se destina (art. 1222.º, n.º 1, 2.ª parte Código Civil). Não está dependente o direito de exigir a redução de preço, quando a obra se torne imprópria para o uso normal ou previsto no contrato.
Para concluir o que foi referido acerca da responsabilidade do empreiteiro convém alertar para o que a lei estabelece relativamente à caducidade79 dos direitos do dono da obra. Assim, segundo Xxxxxx Xxxxxxxx, estão estabelecidos prazos curtos de caducidade para a denúncia dos defeitos da obra (art.s 1220.º, n.º 1, 1224.º e 1225.º Código Civil), Relativamente aos direitos que são conferidos ao comitente, o Código Civil prevê-os nos art.s 1221.º ss. Foram previstos prazos de caducidade, mas não foram estabelecidos prazos de prescrição. Assim, os prazos de caducidade não estão sujeitos à interrupção nem à suspensão (art. 328.ºº Código Civil) e só poderão ser impedidos (art. 311.º Código Civil). O prescrito impede que o dona da obra possa indefinidamente adiar no tempo o fazer valer dos seus direitos e que acarretaria inconvenientes de segurança jurídica para o empreiteiro.
78 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 488. 79 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 492. 80 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 493.
Depois de termos tratado o regime do contrato de empreitada, a formação, a execução e a sua extinção, para além dos direitos e deveres do empreiteiro e do dono da obra, iremos concluir a primeira parte do nosso trabalho com a análise importante do contrato de empreitada e figuras afins, pois nem sempre são nítidas as distinções entre eles e, como consequência, repercutem-se na forma de classificar os contratos em questão.
7. O C O NT R A T O DE E M PR EI T A D A E F IGU R A S A FIN S
A ) Contrato de prestação de serviço
O contrato de empreitada é uma modalidade de prestação de serviço.
No âmbito desta modalidade, a empreitada distingue-se da prestação de serviços atípica atendendo a que o resultado do trabalho consistir numa obra. Todo e qualquer resultado do trabalho intelectual ou manual, que não possa ser materializado em uma obra, já não se identificará com uma empreitada, mas projetar-se-á numa prestação de serviços atípica, regulada pelo regime do mandato (art. 1156.º Código Civil).
No contrato de prestação de serviço promete-se uma atividade através da utilização do trabalho, mas na empreitada promete-se o resultado desse trabalho; na prestação de serviço, é o beneficiário dessa atividade que corre o risco, na empreitada o risco corre por conta do empreiteiro. Desta forma, o médico, quando consultado por um paciente, promete um desempenho e garante direito à remuneração, mesmo que o doente não fique curado; no caso do empreiteiro a situação já não é igual, pois obriga-se a construir uma casa – prestação de resultado - ficando o dono da obra dispensado de pagar o preço, se o mesmo (resultado) não for obtido.
Para uma melhor qualificação desta matéria é importante referir o caso
debatido no Supremo Tribunal de Justiça81 onde era discutido se o contrato pelo qual uma empresa que se obrigará a realizar uma série de doze programas de televisão, para a Rádio Televisão Portuguesa, era de empreitada ou de prestação de serviço. No sistema jurídico português a interpretação da expressão “realizar certa obra”, nos termos do art. 1207.º Código Civil, deve ser o critério para qualificar, como de empreitada ou de prestação de serviço, certas figuras de fronteira. Se o contrato em causa não tiver a designação de empreitada, de mandato ou de depósito, será um negócio jurídico de prestação de serviço não regulado especialmente na lei, ao qual se aplicam as regras do contrato de mandato (art. 1156.° Código Civil).
Em relação às duas modalidades típicas do contrato de prestação de serviço a empreitada distingue-se: o empreiteiro não realiza atos jurídicos, mas atos materiais; atua por conta própria e não por conta de outrem (cfr. art. 1157.º Código Civil); no mandato, o mandatário obriga-se a praticar atos jurídicos por conta de outrem (art. 1157.° Código Civil).
Não está excluído ao mandatário a prática de atos materiais (por exp., entregar uma coisa) e ao empreiteiro a prática de atos jurídicos (por exp., obter uma licença camarária). A prestação do mandatário tem por objeto principal a prática de atos jurídicos, podendo ser necessário a realização de atos materiais. Numa perspetiva inversa, aplica-se o mesmo relativamente ao empreiteiro.
O mandatário tem de respeitar as instruções do mandante, o que não acontece com o empreiteiro: “Na empreitada não há qualquer mandato. O empreiteiro obedece às prescrições do contrato e deve ainda respeitar as regras da arte aplicáveis à execução da obra; mas estas são as únicas limitações que a lei lhe impõe, já que, propriamente na execução da obra, ele não deve obedecer ao dono, embora trabalhe sob a sua fiscalização”82. Além disso, presume-se a gratuitidade do mandato (art. 1158.°, n.° 1 Código Civil), e a empreitada é,
81 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 03–11–1983, Boletim Ministério Xxxxxxx, 000, Xxxxxx: (s.n.), 1983, p. 489.
82 Acórdão Tribunal da Relação do Porto, de 21–01–1977 – Boletim Ministério Justiça, n.º 265, Lisboa: (s.n.), 1977, p. 280.
Relativamente à distinção entre o contrato de empreitada e o contrato de depósito, este distingue-se da empreitada pelo facto de ter a incumbência de guardar uma coisa, enquanto na empreitada o empreiteiro obriga-se à realização da obra. No entanto, no contrato de empreitada pode surgir a obrigação de guardar a obra realizada, mas tal obrigação tem carácter secundário. Em consequência, temos duas situações perfeitamente definidas: na empreitada, o eventual dever de guardar a coisa tem carácter secundário; no contrato de depósito, a obrigação apresenta-se como principal.
Para a sua realização negocial, para além da declaração de vontade, é, fundamental e necessária, a entrega da coisa objeto do depósito, a datio rei e, por consequência, o depósito integra-se na classificação de contratos reais quoad constitutionem. Não poderemos considerar esta situação no contrato de empreitada, por ser um contrato consensual.
83 Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 30–01–1979 e de 17–05–1983, respetivamente, Boletim Ministério Xxxxxxx, 000, Xxxxxx: (s.n.), 1979, p. 301 e Boletim Ministério Xxxxxxx, 000, Xxxxxx: (s.n.), 1983,
p. 646.
Pode colocar-se alguma dificuldade em distinguir o contrato de empreitada do contrato de compra e venda.
B ) Compra e venda
1. Regime geral
Será de empreitada quando as partes tiveram fundamentalmente em conta o resultado do trabalho a prestar pelo empreiteiro, sendo sempre de compra e venda na prevalência dada aos materiais fornecidos.
Aparentemente os dois contratos apresentam-se como distintos, pois o empreiteiro está adstrito a uma prestação de facto (de facere), enquanto sobre o vendedor impende uma prestação de coisa (de dare). A compra e venda é um contrato real quoad effectum, porque os efeitos reais, translativos da propriedade, se produzem por mero efeito do contrato (art. 408.° Código Civil), já a empreitada constitui um negócio consensual do qual emergem efeitos obrigacionais. No caso do cumprimento de um contrato de empreitada acarretar a transferência da propriedade sobre uma coisa, esta transferência não segue as mesmas regras da compra e venda (art.s 1212.° e 408.° Código Civil)84.
Há alguma dificuldade na distinção entre o contrato de empreitada e o contrato de compra e vende. Será de empreitada quando as partes tiveram
84 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 333.
85 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 135/07.9YIVNG.P1.S1, de 08–06–2010. Relator: Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxx.
fundamentalmente em conta o resultado do trabalho a prestar pelo empreiteiro, sendo sempre de compra e venda na prevalência dada aos materiais fornecidos, para cuja transmissão o trabalho funciona apenas como um meio. O critério seria assim o da prevalência do trabalho ou dos materiais ou o facto de a prestação de serviço ter ou não carácter instrumental relativamente à produção do bem86.
A avaliação económica da operação parece ser determinante para averiguar se o preço aparece como o resultado da alienação do bem (considerado como produto acabado) ou visa antes o pagamento do serviço de produção do
86 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 511.
87 SERRA, Xxxxxxx Xxxx xx Xxxxx Xxx – Empreitada, Boletim Ministério Xxxxxxx, 000, Xxxxxx: (s.n.), 1965,
p. 45, 59 e 60 e Anotação ao Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, 14–06–1972, Revista Legislação Xxxxxxxxxxxxxx, 000, Xxxxxx: (s.n.), 1973/74, p. 190 e ss.
88 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 333.
bem. Assim, a alienação de edifícios a construir em solo pertencente ao alienante corresponderá primordialmente a uma venda e não a uma empreitada89; a construção em terreno do adquirente deve ser primordialmente qualificada como uma empreitada, - mesmo tendo em conta o valor dos materiais a fornecer pelo empreiteiro - pois o princípio superfícies solo cedit considera toda a construção como acessória do solo, realçando a atividade do empreiteiro como o fundamental no contrato90.
A jurisprudência não tem seguido esta posição e tem qualificado como de empreitada todos os contratos em que o alienante se compromete a realizar qualquer atividade material, mesmo que em conexão com a transmissão dos bens91 Temos diversos exemplos: fazer uma casa pré-fabricada, com materiais por si subministrados, mediante certa retribuição proporcional à quantidade de trabalho92; alienação de elevadores com obrigação de proceder à sua instalação no prédio93; fornecimento e instalação de caldeiras94 ou de equipamento hoteleiro95; comprometimento obrigacional de uma empresa fornecer e montar tetos falsos pré- fabricados96.
Se do bem em causa só se pode retirar utilidade depois de ter sido montado, e se essa montagem carece de uma determinada preparação técnica, não se pode qualificar o contrato como de compra e venda. Passa-se esta situação designadamente no exemplo do fornecimento e instalação de elevadores. Sendo a prestação de montagem, apesar de acessória, indispensável para o uso do bem, o contrato, por via de regra, será de empreitada. A qualificação resultará pela
89 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 511.
90 IDEM – ibidem.
91 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 333 e ss.
92 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, 16–03–1973, Boletim Ministério Xxxxxxx, 000, Xxxxxx: (s.n.), 1973, p. 210.
93 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, – Proc.º 086152.JTJ00265676, de 14–02–1995. Relator: Xxxxxxxx Xxxxxx.
94 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, 14–06–1972 (Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx), com voto de vencido de Xxxxxxx Xxxxxx, em Revista Legislação Xxxxxxxxxxxxxx, 000, Xxxxxx: (s.n.), 1973-1974, pp. 185-190.
95 Acórdão Tribunal da Relação de Évora, 04–10–2007 (Xxxxxxx Xxxxxxxxxx), Coletânea Xxxxxxxxxxxxxx, 00, Xxxxxx: (s.n.), 2007, p. 249--254.
96 Acórdão Tribunal da Relação do Porto, 14–01–1992, Coletânea Jurisprudência, XVII, T. I, Lisboa: (s.n.), 1992, p. 224.
interpretação da vontade e correspondentes interesses das partes.
A realização de uma obra pode abranger não apenas a construção, mas também a modificação, reparação ou demolição de uma coisa e refere-se tanto às coisas imóveis (edifícios, pontes, túneis), como móveis (automóveis, barcos, eletrodomésticos, peças de mobília, vestuário, etc.).
No Direito português, o contrato pelo qual alguém se obriga a realizar certa obra é, em princípio, uma empreitada, e o fornecimento pelo empreiteiro dos materiais necessários à sua execução não vai, por via de regra, alterar a natureza do contrato. Deve qualificar-se como de empreitada o contrato em que o fornecimento de material constitui um meio para a realização da obra; enquadra-se na noção de compra e venda o contrato mediante o qual alguém se obriga a fornecer um bem fabricado em série98 ou por encomenda com base em amostra ou catálogo, desde que não haja que proceder a adaptações consideráveis (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a qualificar o contrato como de compra e venda, porque o trabalho desenvolvido não era relevante e o preço estabelecido teve em atenção unicamente a coisa)99.
Depois de tudo aquilo que foi dito, poderá ser a vontade real dos contraentes, sobrepondo-se a todos os critérios de distinção, a determinar o tipo de contrato e o seu regime (No acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 25 Junho 1998, depois de se concluir que a situação era duvidosa, optou-se por recorrer à
97 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 512.
98 Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, 21–11–1996, Coletânea Jurisprudência XXI, Tomo V, Lisboa: (s.n.), 1996, p. 109.
99 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, 30–11–2000, Coletânea Jurisprudência (Supremo Tribunal de Justiça), Tomo III, Lisboa: (s.n.), 2000, p. 150.
2. Contrato de promoção imobiliária
A alienação de edifícios a construir em solo pertencente ao alienante corresponderá primordialmente a uma venda e não a uma empreitada101102.
Nesta matéria, o princípio da aplicação das regras da empreitada à compra e venda de imóveis tem sido aceite, mesmo quando, na altura da celebração do contrato, só faltam pormenores de acabamento (se o vendedor se obriga a construir um imóvel, é de aplicar o regime previsto no art. 1225.º Código Civil)105, mas, se é vendido um edifício já totalmente construído toma-se difícil justificar a aplicação dos preceitos relativos ao contrato de empreitada. Em conformidade, se é vendido um edifício já totalmente construído, torna-se difícil justificar a aplicação
100 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, 25–06–1998, Coletânea Jurisprudência (Supremo Tribunal de Justiça) 1998, Tomo II, Lisboa: (s.n.), 1998, p. 138.
101 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações. 5.ª ed., Coimbra: Almedina, 2008. ISBN 978–972–40–3477–5, p. 511.
102 Pela sua importância, foi incluída esta abordagem na conclusão deste trabalho.
103 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Cumprimento Defeituoso …, p. 153 e ss.
104 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Cumprimento Defeituoso …, p.338.
105 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, 21–05–1981, Boletim Ministério Justiça, n.º 307, Lisboa: (s.n.), 1981, p. 250 e SERRA, Vaz - Anotação Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 18 Dezembro 1979, Revista Legislação Jurisprudência, n.º 113, Lisboa: (s.n.), 1980/81, p. 254.
dos preceitos relativos à empreitada, mas se alguém compra um andar àquele que mandou construir o edifício, os direitos deste (dono da obra) transferem-se para o comprador como um dos efeitos do contrato de compra e venda106. Por outro lado, se é vendido um prédio ainda não construído ou em fase de acabamento, pode considerar-se que há um contrato misto de venda e de empreitada, na medida em que, ao adquirente, será concedido um poder de fiscalizar e, eventualmente, de sugerir o que entender por conveniente quanto à realização da obra. Desta maneira, a solução mais justa consiste em aplicar as regras da empreitada à obra vendida depois de terminada.
Equaciona-se a existência de uma lacuna no contrato de compra e venda, até ao ano de 1994, pois não estava prevista solução para o caso de venda de edifícios e outros imóveis destinados a longa duração, construídos ou reparados pelo vendedor. Nestes casos, a aplicação das regras gerais da empreitada levava a resultados injustos.
Perante a lacuna da lei, deveria observar-se o disposto no contrato de empreitada (art. 1225.° Código Civil), porém, salvo raras exceções107, a jurisprudência portuguesa, contrariamente ao que se verificou noutros países (Espanha, Itália, Alemanha e França) não se mostrou sensível a este problema (a posição maioritária da jurisprudência portuguesa vai no sentido de aplicar as regras da compra e venda, nomeadamente os prazos curtos dos art.s 916.º e 917.º Código Civil108, ao prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
Por consequência, o legislador, ao nível do regime relativo ao prazo de garantia e denúncia de defeitos, o DL 267/94, de 25/10, veio harmonizar as regras da compra e venda e da empreitada de imóveis, sentiu a necessidade de intervir, alterando o previsto o n.° 4 do art. 1225.° Código Civil. Também acrescentou no n.º 3 ao art. 916.º do Código Civil o prazo de um ano para a denúncia de defeitos.
106 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Cumprimento Defeituoso …, p. 340.
107 Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, 08–05– 1990, Tribuna Justiça, n.os 4/5, Lisboa: (s.n.), 1990, p. 244.
108 Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, 21–02–1991, Coletânea Jurisprudência, XVI, Tomo I, Lisboa: (s.n.), 1991, p. 162.
Esta alteração passou a considerar extensível à compra e venda de imóveis construídos, modificados ou reparados pelo vendedor a garantia de cinco anos. Tal alteração legislativa trouxe como vantagem uma uniformização de soluções nos dois contratos em apreço, evitando injustiças derivadas de tratamento desigual.
Deve-se realçar, no entanto, o facto do vendedor, que não construiu, xxxx- ficou ou reparou o imóvel, responda nos termos do disposto nos art.s 913.° ss Código Civil109, enquanto aquele que vendeu o edifício, depois de o ter construído, modificado ou reparado, responda na qualidade de empreiteiro, nos termos dos art.s 1218.° ss Código Civil.
109 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 333 e ss.
II A NOÇÃO DE OBRA NO CONTRATO DE EMPREITADA
Não tem sido dado um tratamento uniforme a esta questão, tanto da doutrina como da jurisprudência.
1. D I F I CU L DA DE S NA DE L I M IT A Ç Ã O D A D E FIN IÇ Ã O “O BRA ”.
A integral compreensão do previsto no art. 1207.º Código Civil tem suscitado inegáveis dúvidas, tanto para a doutrina como para a jurisprudência.
Não há empreitada - por falta de obra nova, por falta de resultado material - quando se contrata a manutenção de um parque fluvial de lazer, no interior de Portugal. Se for contratada a construção ou remodelação do parque fluvial de lazer, já há empreitada, pois existe certa obra, sendo um resultado material de natureza corpóreo.
Uma prestação de serviços atípicos insere-se no âmbito geral do contrato de prestação de serviços, aplicando-se-lhe as regras dos contratos atípicos afins, onde houver analogia, e depois as regras gerais das obrigações, no pressuposto de que as partes não regularam o ponto em discussão, pois é a elas que compete essa regulação, fundada no princípio da autonomia da vontade. No âmbito do contrato de prestação de serviços, a empreitada distingue-se da prestação de serviços atípica pelo facto de o resultado do trabalho ter que consistir numa obra. Todo e qualquer resultado do trabalho intelectual ou manual, que não possa ser reconduzido a uma obra, já não corresponderá a uma empreitada, mas antes a uma prestação de serviços atípica, regulada pelo regime do mandato (art. 1156.º Código Civil). Em relação às outras modalidades típicas da prestação de serviços, a empreitada distingue-se do mandato pelo facto de o empreiteiro não realizar atos jurídicos, mas antes atos materiais, e atuar por conta própria e não por conta de
outrem (art. 1157.º Código Civil).
Conforme previsto no n.º 1 do art. 1210.º Código Civil, os materiais e utensílios necessários à execução da obra devem ser fornecidos pelo empreiteiro, salvo convenção ou uso em contrário. O empreiteiro obriga-se a realizar a obra, mas, também, se obriga a proceder à sua entrega, no prazo estabelecido ou após a respetiva aceitação. Convém mais referir que a obrigação da entrega da obra só surgirá após a sua conclusão, se nada tiver sido acordado em sentido diverso; não tendo sido estabelecido prazo para a entrega da coisa e se as partes não chegarem a acordo quanto à sua determinação, deverá esse prazo ser estabelecido pelo tribunal (art.º 777, n.º 2 Código Civil).
O pressuposto fundamental da integral compreensão do objeto da empreitada impõe a análise da prestação principal do contrato de empreitada –
110 Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra – Proc.º n.º 6646/05.3TBLRA.C1, de 20–11–2012. Relator: Xxxxx Xxxxxxx.
111 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 385.
realização de uma obra – designadamente sobre a controvérsia que a própria noção de obra encerra, circunstância à qual não é alheio o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03 Novembro 1983112. Assim, sobre o conceito de obra no contrato de empreitada, sobressaíram duas conceções: uma, no sentido de noção ampla de obra, para a qual todo o tipo de obra, mesmo intelectual, se integra neste conceito; outra, sustentada no conceito restrito de obra, para a qual só se integram as obras de natureza puramente materiais (corpóreas).
A favor do conceito amplo, tomaram partido, entre nós, os Prof.x Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx. Em sentido contrário manifestaram-se Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx. Para estes autores o contrato de empreitada restringe-se a obras corpóreas, devendo a obra intelectual – segundo Xxxxxxx Xxxxxx000 – ser objeto do contrato de encomenda, previsto no art. 14.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC). Esta parece ser, quanto a nós, a tese que melhor qualifica e autonomiza o contrato de empreitada em relação a outras figuras próximas.
O regime jurídico da empreitada prende-se com a realização de obras materiais. A realização de uma obra intelectual (literária, artística ou cientifica) não pode gerar um contrato de empreitada só pelo facto de envolver, como prestação acessória, ou secundária, a entrega de coisa material que lhe sirva de suporte. A obra intelectual é coisa incorpórea distinta do seu suporte material, sendo diversos os direitos que sobre eles incidem, nomeadamente abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais.
112 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 070604, de 03–11–1983. Relator: Xxxxxx Xxxxxxxx.
113 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações, Vol. III. 6.ª Edição. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, p. 513-514.
114 França, Brasil, Espanha, Itália.
As obrigações de resultado podem descrever-se como aquelas, em virtude das quais, o devedor fica adstrito, em benefício do credor, à produção de um certo efeito útil. Para além disto, o direito de fiscalização que lhe é inerente não se coaduna com a realização de obras intelectuais, o mesmo acontecendo quanto ao direito de eliminação dos defeitos.
O objeto do contrato de empreitada é a realização de uma certa obra, mediante um preço.
Conforme já mencionado anteriormente, a obra tem que ser realizada mediante um preço. A empreitada é assim um contrato essencialmente oneroso. Se alguém se obriga a realizar uma obra gratuitamente, poderemos ter um contrato de prestação de serviços gratuito, mas não um contrato de empreitada. O preço tem que corresponder a uma obrigação pecuniária, pelo que se a retribuição for estipulada em objeto diferente, também não se estará perante uma empreitada, mas eventualmente perante um contrato misto. Assim, o pagamento do preço tem de acontecer obrigatoriamente na entrega de dinheiro, pois, por exemplo, quando o
115 Artigo 1207.º do Código Civil.
116 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 512.
proprietário de um terreno o cede com a contrapartida de receber um andar no imóvel que o adquirente promete construir, não se está perante um contrato de empreitada, mas sim um contrato misto coligado, pois uma das partes obriga-se à prestação típica relativa a certo contrato e a contraparte responde pela prestação típica de outro contrato.
Na doutrina portuguesa, antes do Código de Xxxxxx, alguns autores defendiam que o contrato de empreitada era um contrato pelo qual uma pessoa se obrigava a realizar certa obra, sendo os materiais fornecidos pelo dono da obra. Nas situações, em que o contraente se obrigava a realizar a obra e a fornecer os materiais, não estaríamos perante um contrato de empreitada, mas sim na presença de um contrato de compra e venda. Com o Código de Xxxxxx, passou a entender-se que consubstancia uma empreitada o contrato pelo qual uma pessoa se encarrega de realizar uma obra para outrem mediante uma retribuição proporcional à quantidade de trabalho, quer os materiais sejam subministrados ou estejam excluídos do fornecimento. Esta retribuição proporcional à quantidade de trabalho tem de ser entendida como objetivada na conclusão da obra, pois na prestação de serviço, a remuneração corresponde aos dias ou horas de trabalho, ao passo que na empreitada a remuneração é proporcional ao serviço executado, sem grande atenção ao tempo despendido. Assim, se um contrato de pedreiro, pagando-lhe por dia de serviço, para realizar obras e reparos numa casa, de entre eles levantar um muro, teremos contrato de prestação de serviço. Mas o contrato do mesmo pedreiro para que construa o muro, pagando-lhe pela obra pronta, teremos empreitada, mesmo que o pagamento seja fracionado em parcelas diárias ou semanais.
No Código Civil de 1966, o legislador deixou de fazer qualquer referência à proporcionalidade entre retribuição e o trabalho realizado. Atualmente, o preço é determinado em função da realização da obra, englobando assim o valor do trabalho despendido e o valor dos materiais fornecidos pelo empreiteiro, se este os fornecer, pois não está a isso obrigado.
Para além do já referido, a delimitação do objeto do contrato de empreitada
Se a TVI mandar abrir concurso para ampliar as suas instalações, o público em geral chamará empreiteiro ao concorrente que, ganhando o concurso, se obrigue a realizar as obras de ampliação.
Como ninguém diz que o dentista que vai arrancar um dente é empreiteiro do paciente, ou que o médico, ao dar a consulta marcada, é um empreiteiro do doente.
117 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 318 e ss.
118 Acórdão Tribunal da Relação do Porto – Proc.º n.º 0753641, de 28–01–2008. Relator: Xxxxxxx Xxxxx.
119 XXXXXX, Xxxxxxx – Revista Legislação e Jurisprudência. n.º 121.º, Lisboa: (s.n.), 1983, p.173 e ss.
Conforme já foi referido, nos termos do art. 1207.º do Código Civil, o empreiteiro fica vinculado a realizar certa obra, a obter um resultado. Será importante determinar em que sentido a expressão “certa obra” poderá ser entendida, ou seja, abarca as coisas corpóreas ou, também, as incorpóreas120. Tem interesse a problemática desta questão, pois optando-se por uma interpretação ampla, aos contratos cujo objeto corresponda a realização de uma obra incorpórea, aplicam-se as regras da empreitada, caso contrário, prevalecem as normas que regulam o contrato de mandato, na medida em que se estaria perante um contrato atípico de prestação de serviço (art. 1156.° Código Civil)121.
Iremos debruçarmo-nos sobre este tipo de coisas e, assim, corpóreas são as coisas não perceptíveis somente pelo tato, que podem ser vistas, tocadas ou apreendidas (res quae tangi possunt), as que possuem forma externa. Incorpóreos os bens que não têm existência material, pode ser objeto de direito. Na definição de Messineo, as coisas não perceptíveis, tais como os produtos da atividade intelectual e criativa do homem titulados pelas regras sobre direitos autorais e direitos de patente, com eles não se devendo confundir as coisas nas quais as criações se materializam122.
CORPÓREOS: são coisas que tem existência material, as coisas que podem ser tocadas (um carro, uma casa); são o objeto do direito. Será necessário que estas coisas corpóreas revistam certos requisitos: existência autónoma, idoneidade para satisfazer interesses humanos, ou seja, devem ser úteis, possibilidade de sujeição jurídica ao poder exclusivo de um ou alguns homens, isto é, serem apropriáveis.
INCORPÓREOS: de existência abstrata (produção artística ou intelectual); não tem coisa tangível e são relativos aos direitos que as pessoas físicas ou jurídicas têm sobre as coisas, sobre os produtos de seu intelecto ou contra outra
120 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, pp. 386-393.
121 PEREIRA, Brito - Revista Xxxxx Xxxxxxxxx, x.x 00, XX, Xxxxxx: Ordem dos Advogados Portugueses, 1994, p. 569 e ss.
122 http: //xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/Xxxx-Xxxxxxxxx-x-Xxxxxxxxxxx/00000000.xxxx. [Consult. 20 outubro 2014].
pessoa, apresentando valor econômico, tais como: os direitos reais, obrigacionais, autorais.
Analisando mais em pormenor os conceitos atrás referidos, trataremos inicialmente as coisas materiais ou corpóreas:
Segundo Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxx Xxxxx, in Teoria Geral do Direito Civil123, nenhuma dúvida se pode suscitar acerca da possibilidade de realidades físicas, carecidas de personalidade jurídica (coisas materiais), serem objeto de direitos subjetivos. É um fenómeno corrente, que ocorre tipicamente nos direitos reais.
É, contudo, necessário que estes objetos corpóreos revistam certos requisitos: existência autónoma, idoneidade para satisfazer interesses humanos, isto é, devem ser úteis, possibilidade de sujeição jurídica ao poder exclusivo de um ou alguns homens, isto é, devem ser apropriáveis.
Relativamente às coisas incorpóreas ou bens imateriais, teceremos as seguintes considerações:
Na abordagem feita pelos mesmos autores, a atividade espiritual do homem pode ser exercida no sentido da criação de obras, produtos do engenho, da inteligência ou da sensibilidade humanas. Em consequência dessa aplicação do espírito humano surgem obras artísticas, literárias, científicas, intelectuais, invenções industriais, etc.
Estes bens têm valor patrimonial, pois podem ser explorados economicamente. Para além do seu valor patrimonial, alguns deles — as obras artísticas, literárias, científicas, intelectuais — estão intimamente ligados à
123 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx x XXXXX, Xxxxx Xxxx – Teoria Geral do Direito Civil. 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2010, p. 336.
personalidade do seu autor, pois ela está refletida na obra criada. Compreende-se, assim, que o direito reconheça esses bens e tutele os aspetos patrimoniais e pessoais apontados.
Tutela-os mediante a atribuição, a título de aquisição originária, de direitos de autor das obras em questão. São os chamados direitos de autor (que incidem sobre obras — “exteriorizações das criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico”) e a chamada propriedade industrial (direitos sobre patentes, modelos de utilidade, topografias de produtos semicondutores, desenhos ou modelos de produtos ou sua ornamentação, marcas, recompensas, nome e insígnia do estabelecimento e logotipos).
O objeto de tais direitos não é uma coisa corpórea. Não se identifica com a corporização (com o “corpus mechanicum”) do produto do espírito humano em causa. O objeto do direito de autor não é o livro, o filme, o disco, etc.
É a obra na sua forma ou conceção ideal, é a entidade ideal, traduzida numa específica articulação de ideias, de formas, de sons. Sobre o livro, o filme, o disco, etc., podem recair direitos de propriedade vulgares.
O conteúdo do direito de autor compreende poderes respeitantes à utilização económica da obra criada, isto é, o chamado direito patrimonial de autor, poder de disposição exclusiva da obra, reservando-se para o autor a exploração económica dela (só ele pode autorizar que a obra seja tomada pública, representada, adaptada, traduzida, reproduzida, modificada). Compreende ainda poderes dirigidos à tutela da personalidade, na medida em que na obra está o autor, isto é, o chamado direito moral ou pessoal de autor: poder de manter a obra inédita, de se opor à sua publicação sem nome de autor ou sob o nome de outrem; de se opor à publicação com aditamentos, supressões, modificações, ilustrações.
Em virtude de o direito de autor comportar poderes de natureza patrimonial e poderes de natureza pessoal ou moral não é rigoroso falar-se de propriedade intelectual, artística, literária ou científica. Os direitos em questão — absolutos como os direitos reais — têm, contudo, ao que vimos, um objeto de natureza sui
generis, pelo que é preferível a designação de direitos de autor. Assim se liga o objeto do direito a uma criação (espiritual) e se refere o seu primeiro titular (o autor
Assim, o bem é intangível, incorpóreo ou imaterial. O que são bens intangíveis?
Segundo Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx000, “a tradição estóica (Zenão) classificava como coisas corpóreas todos os objetos apreensíveis pelos sentidos; assim, Xxxxxxxx, descrevendo a sensação do vento na pele, comenta que “na natureza também existem corpos invisíveis”. A doutrina jurídica do período clássico, porém, adotou o entendimento platônico, de que coisa é o objeto tangível: corporales heao sunt quae sui natura tangi possunt, veluti fundus, homo, vestis, aurum, argentum, et denique alia res inumerabiles. Incorporales autem sunt quae tangi non possunt, quales sunt ea, quod in jure consistunt.
A distinção de Cícero é igualmente interessante: há coisas que existem (quae sunt) e outras que se concebem (quae intelleguntur).
Neste sentido, Xxxxxxxxxx viria a definir bens corpóreos como os objetos “as affects the senses, such as can be seen and handed by the body”127 e Incorpóreos, por sua vez, seriam “creatures of the mind and exist only in
124 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx; XXXXX, Xxxxx Xxxx – Teoria Geral do Direito …, p. 338.
125 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx; XXXXX, Xxxxx Xxxx – Teoria Geral do Direito …, p.336 e ss.
126 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx, in: xxxx://xxxxxxxxxxxx.xxxx.xxx/xxxxxxx/xxxx/xxxxxxx_xxxx.xxxx. [Consult. 20 outubro 2014].
127 Afeta os sentidos, como pode ser absorvido pelo organismo.
contemplation”128.
Por outro lado, o poder de fiscalizar (art. 1209.º Código Civil) e de exigir a eliminação dos defeitos (art. 1221.º Código Civil), não se compadecem com a realização de obras intelectuais. Nem sequer quando, pela natureza da obra, esta tem forte suporte corpóreo, como na pintura de um retrato ou feitura de filmes, livros, obras musicais. O criador da obra intelectual pode desistir, enquanto na empreitada tal possibilidade só é concedida ao dono da obra – art. 1229.º Código Civil.
Uma sentença de Julgado de Paz, considerou a obra como imaterial, incorpórea não considerando como de empreitada a realização de um projeto para construção de um pavilhão industrial, concebido por um profissional liberal, na área dos projetos de engenharia e arquitetura.
Assim, dispõe o art. 1154.º do Código Civil que “ Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
No caso em apreço estamos perante um contrato de elaboração de projetos e estudo de construção civil, configurando-se as suas prestações típicas no resultado ou produto de um trabalho intelectual, essencialmente técnico. Estamos, consequentemente, perante um contrato inominado de prestação de serviço, dado que o art. 1155.º Código Civil apenas considera modalidades de contrato típico o mandato, o depósito e a empreitada. Na falta de normas reguladoras contratuais, esta relação está sujeita às regras do mandato, com as necessárias adaptações – cfr. art. 1156.º do Código Civil.
O que é dizer que estes contratos de prestação de serviços inominados se
128 As criações mentais (intelectuais) só existem na contemplação.
129 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx, in: xxxx://xxxxxxxxxxxx.xxxx.xxx/xxxxxxx/xxxx/xxxxxxx_xxxx.xxxx. [Consult. 20 outubro 2014].
Noutra situação – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – não classifica o contrato como de empreitada, mas como de prestação de serviço inominado de arquitetura, estabilidade, hidráulica e ventilação, relativos a um imóvel:
“I - É de prestação de serviço o contrato em que a autora se obrigou a proporcionar à ré projetos de arquitetura, estabilidade, hidráulica e ventilação relativos a um imóvel.
II - Estipulada uma retribuição a pagar escalonadamente, e tendo a ré entregue a autora a quantia de 98 750 escudos correspondentes as prestações vencidas com a adjudicação e com a aprovação do programa base, como a autora não cumpriu, pela sua parte, a obrigação a que estava adstrita - projeto camarário sem deficiências - nem se mostra que se prestasse a cumpri-la, as restantes prestações de retribuição não se venceram.
III - Se o contrato de prestação de serviço foi celebrado também no interesse da ora autora, a ré só podia revoga-lo sem o acordo da outra parte se para isso tivesse justa causa.
IV - Ao ocupar-se do mandato (e, reflexamente, das modalidades do contrato de prestação de serviço não reguladas em especial), a lei fala em revogação, que não resolução.
A revogação só opera para o futuro.
V - Alias, mesmo na resolução, a mora do devedor não da desde logo ao credor o direito de resolver o negocio, pois ele deve fixar-lhe um prazo razoável para o cumprimento; decorrido esse prazo sem a prestação haver sido realizada, então, sim, e que a obrigação se considera para todos os efeitos não cumprida -
130 Sentença de Julgado de Paz – Proc.º 454/2004–JP, de 09–11–2004. Relator: Xxxxx Xxxxxxxx.
(art. 808, n. 1, do Código Civil).
Temos estado a dissecar a dificuldade de enquadramento de contratos de natureza material (Corpóreos) e de natureza imaterial (incorpóreos). Pela sua dificuldade poderão surgir situações não contempladas no já referido. Assim, num contrato em que um dos contraentes se obriga a realizar uma obra num terreno que não é seu, ainda que forneça os materiais, estaremos perante um contrato de empreitada. Adere-se neste ponto à doutrina tradicional, segundo a qual o empreiteiro que realiza uma construção com materiais seus em terreno alheio só faz uma prestação de serviços, porque a construção tem natureza acessória em relação ao solo (superfícies solo cedit), sendo assim a atividade do empreiteiro o fundamental do contrato132. A propriedade dos materiais transfere-se à medida que forem sendo incorporados no solo (art. 1212.°, n.º 2 Código Civil). É a consagração do princípio accessorium principale sequitur, que neste caso tem particular importância relevante, pois é nesse momento que se dá a transferência do risco (art. 1228.º Código Civil) O fim visado será, portanto, a realização da construção que consubstancia uma obra, que por sua vez constitui o objeto do contrato de empreitada.
Outra situação é aquela em que alguém se obriga a realizar uma construção num terreno que é seu e se compromete a transmitir esse todo, composto pelo terreno e pela construção, a outrem. Neste caso a solução será necessariamente diferente podendo tratar-se de um contrato de empreitada ou contrato de compra e venda de bens futuros (devendo, naturalmente, observar-se a forma de celebração legalmente exigida: escritura publica). Ao ser classificado como contrato de empreitada, a transferência da propriedade não acontece com a aceitação da obra, devido à obra não se adequar à transmissão do solo ou da
131 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 070884, de 08–11–1983. Relator: Xxxxxxx Xxxxxxxxxx
132 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 338 e ss.
superfície133. Como solução para este caso podemos considerar que existe ao lado da empreitada uma promessa de venda de solo ou da superfície para o dono da obra (união de contratos ou contrato misto), ocorrendo a transmissão da propriedade com a celebração da compra e venda ou após a realização da obra. Neste caso, os materiais, independentemente de quem os forneça, vão sendo adquiridos pelo empreiteiro, à medida que vão sendo incorporados no solo, só passando para o dono da obra após a definitiva aquisição do imóvel construído134.
A realização de uma obra intelectual não pode ser resultado do contrato de empreitada – afirmação que nos parece adequada, por se restringir a obras corpóreas – sendo antes objeto do contrato de encomenda de obra intelectual, previsto no art. 14.° do CDADC e que prevê: ”1 – Sem prejuízo do disposto no artigo 174.º., a titularidade do direito de autor relativo a obra feita por encomenda ou por conta de outrem, quer em cumprimento de dever funcional quer de contrato de trabalho, determina-se de harmonia com o que tiver sido convencionado. 2 – Na falta de convenção, presume-se que a titularidade do direito de autor relativo a obra feita por conta de outrem pertence ao seu criador intelectual (…)”.
Assim, entendemos por encomenda o contrato em que alguém se obriga a produzir uma obra literária, científica ou artística, para outra pessoa, fora do âmbito de um contrato de trabalho ou do cumprimento de um dever funcional, com ou sem remuneração, presumindo-se ser o criador intelectual.
Posto isto, a noção de obra constante do art. 1207.° Código Civil limita-se às coisas corpóreas, dado que o regime da fiscalização (art. 1209.° Código Civil), da transferência da propriedade (art. 1212.° Código Civil), das alterações (art.s 1214.° ss Código Civil), e dos defeitos da obra (art.s 1218.° ss Código Civil), é dificilmente compatível com a criação de obras intelectuais, uma vez que nestas tem que ser assegurada uma maior liberdade ao criador e a questão principal prende-se com a atribuição do direito de autor sobre a obra, questão que o regime
No direito pessoal de autor está essencialmente em causa a proteção da personalidade do autor e da sua liberdade criativa. Estamos na esfera de autodeterminação do indivíduo, o qual, através da sua atividade criatividade, faz projetar na sociedade uma obra própria, que é uma expressão do seu espírito, como ser humano criador. Sendo as obras literárias ou artísticas um contributo pessoal do criador e uma expressão da sua personalidade, o direito moral pretende tutelar esse laço pessoal entre a obra e o seu autor.
Para uma melhor compreensão da abordagem em que estamos inseridos e que se consubstancia no tratamento da noção de obra, iremos transcrever o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06 Maio 2003, relatado por Xxxxxxx Xxxxxxxx e que resumidamente refere relativamente ao proponente da ação:
”É arquiteto e, do exercício da arquitetura, faz profissão.
Em 1994, a ré (junta de freguesia) adjudicou-lhe os seguintes trabalhos:
a) Elaboração do projeto do edifício do novo balneário termal;
b) Elaboração do projeto do conjunto envolvente das termas da sulfúrea. Entregou o projeto referido em a) e o serviço não lhe foi pago na totalidade.
Quanto ao projeto referido em b) foi suspenso definitivamente pela ré que não lhe pagou tudo a que tinha direito.
Quanto aos princípios:
“No caso presente, a natureza da obra intelectual prometida implica que, nas adaptações possíveis, se tenha de atender às normas ditadas pelo direito de autor;
Também a relação da natureza criada pode exigir que se deva recorrer a normas mais adequadas previstas para a empreitada (v.g. desistência);
Se na empreitada de obra material é razoável atribuir o direito à livre desistência, com a contrapartida de ficar com os trabalhos realizados pelo seu custo, já no caso em que a obra é intelectual, materializada, embora, em suporte físico, temos de atender ao facto de que a obra é do autor e é inalienável, embora possa ser cedida a sua utilização;
Estamos perante dois contratos de projeto de arquitetura autónomos e com duas fases distintas de execução, estudo prévio e projeto final;
136 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 02A3679, de 06–05–2003. Relator: Xxxxxxx Xxxxxxxx.
2. A NO ÇÃO DE O BR A E M S E NT I DO AM P L O
Para os professores Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxxx a obrigação de realizar “certa obra”, no conceito de empreitada, pode integrar a obra intelectual. Esta tem sido a posição adotada pela doutrina estrangeira.
Sobre este caso existiu uma controvérsia na doutrina sobre se a obra teria que ser entendida em sentido material ou se o objeto do contrato de empreitada poderia abranger obras de natureza intelectual.
Sobre esta matéria, Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx000, apoiando-se nos comentários, ao acórdão já referido anteriormente, de Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxx xx Xxxxx, apresenta argumentos a favor do sentido amplo do conceito de obra. Este conceito vai no sentido de integrar um resultado iminentemente intelectual, pelas razões a seguir apresentadas:
O primeiro argumento a favor do conceito amplo de obra é de natureza histórica. No texto da segunda revisão ministerial do Anteprojeto do Código Civil, no qual a empreitada era definida como “uma das partes se obriga em relação a outra a criar ou modificar certa coisa, mediante um preço”139. Nesta redação, a expressão “coisa” refere-se à materialização do objeto do contrato de empreitada, mas sem por isso
137 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 070604, de 03–11–1983. Relator: Xxxxxx Xxxxxxxx.
138 xxxx://xxx.xxxxx.xxxxxx.xx/xxx_xxxxxxx/Xxxxx00.xxx. [Consult. 20 outubro 2014].
139 XXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxx – Do Conceito de Obra no Contrato de Empreitada. Revista da Ordem de Advogados, n.º 54. ll, Lisboa: Ordem dos Advogados Portugueses, 1994, p.581.
limitar o objeto a coisas estritamente corpóreas;
Um argumento sistemático que servirá para abarcar obras de cariz intelectual. A empreitada é, nos termos do art. 1155.º do Código Civil uma das modalidades do contrato de prestação de serviços, o qual, nos termos do art. 1154.º Código Civil é definido como “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar a outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”. O contrato de empreitada projeta-se num trabalho intelectual ou manual, mas não está condicionado às características do contrato de prestação de serviços pois é uma modalidade deste;
Deve ser feita uma interpretação literal do art. 1207.º Código Civil, no sentido da análise de expressões como “realizar certa obra” conduzirem a tal resultado – inclusão de obras de natureza intelectual
– não havendo razão alguma para a sua limitação. Mais deve ser dito que isto passar-se-ia em Portugal e em legislações de outros países estrangeiros (Espanha, Itália, Brasil, nomeadamente).
Em síntese, o regime do contrato de empreitada poder-se-á aplicar a contratos cujo objeto sejam obras, tanto de cariz material, como para obras de cariz intelectual ou imaterial. Não há razão suficiente para haver qualquer tipo de distinção entre estes dois tipos de obras, pois os problemas advindos das obras intelectuais não diferem dos relacionados com obras materiais e por consequência há toda a vantagem na sua unificação.
Para alguns autores, não se levantariam dúvidas em qualificar de contrato de empreitada o contrato pelo qual uma das partes tem como obrigação a produção de uma obra material ou intelectual, nos termos do art. 1207.º Código Civil.
Havendo a necessidade de uma argumentação subsidiária, poder-se-á afirmar a favor do conceito de sentido amplo de obra que “o legislador, ao formular
Problemática da jurisprudência portuguesa em saber se uma obra de cariz intelectual pode constituir objeto de um contrato de empreitada.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03 Novembro 1983141, tendo como relator Xxxxxx Xxxxxxxx, conclui-se que o contrato de empreitada pode ter por objeto uma obra de natureza intelectual ou artística.
Deste modo: “I - O contrato de empreitada pode ter por objeto uma obra eminentemente intelectual ou artística, nomeadamente, a produção de filmes para uma empresa de televisão, que se obrigou a pagar certa quantia, em prestações, fornecendo ainda as películas de imagem e som, além de meios e serviços clausulados no contrato. II - A cláusula contratual, pela qual a empresa de televisão se obrigou ao pagamento de uma multa por cada dia de atraso no pagamento das prestações, tem a finalidade de compulsão do cumprimento pontual do contrato, que não a de fixação de indemnização, nos termos do art. 810.º, n.º 1, do Código Civil. Se o dono da obra desistiu da empreitada, no uso da faculdade conferida no art. 1229.º do Código Civil, a sociedade empreiteira apenas poderá exigir as multas devidas pelos atrasos verificados antes dessa desistência, porquanto deixou de existir a finalidade da pena convencional. III - A desistência da empreitada não prejudica o que se haja estabelecido no contrato, quanto ao incumprimento negocial”.
Num acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa142 a questão da noção de obra
140 XXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxx – Do Conceito de Obra …, pp. 580 - 582.
141 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 070604, de 03–11–1983. Relator: Xxxxxx Xxxxxxxx.
142 Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa – Proc.º 3270/04.1TVLSB.L2–2, de 14–04–2011. Relator: Xxxxxx Xxxxx Xxxxx.
no contrato de empreitada voltou a evidenciar-se pelo seu sentido amplo. Neste acórdão, de 14 Abril 2014, relatado por Xxxxxx Xxxxx Xxxxx, decidiu-se que: “ iii) A execução de uma obra intelectual, como seja um projeto de arquitetura, é uma empreitada, o contrato pelo qual “uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço” (art. 1207.º Código Civil), de que emerge, para uma parte, a obrigação de realizar a obra e para a outra, a obrigação de pagar o preço”.
3. A NO ÇÃO DE O B RA E M S E N T I D O RE S T RI T O
Para os professores Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx o conceito de empreitada não abrange a obra intelectual.
Depois da análise à noção de obra em sentido amplo, pela sua importância no panorama jurídico português, iremos agora abordar:
Um resultado material é o que se pode inferir do vocábulo obra, sendo esse o sentido protagonizado no art. 1207.º Código Civil.
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 Setembro 2007143, refere que “O legislador português, como acontece com os legisladores de outros diplomas civis, ao regulamentar o contrato de empreitada, preocupa-se, quase exclusivamente, com a construção de coisas corpóreas, muito em especial, de edifícios.”
Tendo como referência a transferência da propriedade (art. 1212.° Código Civil), o legislador, reportando-se exclusivamente a bens corpóreos, refere-se aceitação da coisa e não da obra.
Se o objeto da empreitada incorporasse coisas incorpóreas, o contrato passaria a constituir uma categoria demasiado ampla e imprecisa144, o que levaria a que o contrato de empreitada abrangesse todo o conteúdo do contrato de
143 Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa – Proc.º 1641/2007–1, de 18–09–2007. Relator: Xxx Xxxxx.
144 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 390.
prestação de serviço (art. 1154.º Código Civil). Efetivamente, as obras intelectuais não podem ser identificadas através de algo que as complemente e materialize à vista (fitas magnéticas, pautas de música, etc); o suporte material da obra intelectual não pode ser confundida com a obra propriamente dita, pois a obra intelectual não se converte em coisa corpórea145. Para além disso, na empreitada, a possibilidade de desistência só é concedida ao dono da obra (art. 1229.º Código Civil), enquanto que nas criações intelectuais, pela natureza da própria obrigação, o criador pode desistir a todo o tempo, ou seja, existe aqui uma diferença relativamente ao titular do direito de desistência.
Ainda, a empreitada tem por objeto a realização de uma obra, que não se identifica com o sentido geral de serviço, nem com obras intelectuais, mas antes com uma modalidade específica de serviço que se traduz num resultado material, ao contrário do que acontece em matéria de Direitos de Autor.
Este resultado material corresponde à criação, modificação ou reparação de uma coisa (fabrico, manufatura, construção de benfeitorias, etc.), porém, o contrato de empreitada não abarca unicamente a construção, modificação e reparação de edifícios. Os negócios jurídicos mediante os quais se acorda a construção ou reparação de bens móveis, tais como automóveis, navios, mobiliário, também se enquadram na noção de empreitada. E podem igualmente ser abrangidos pelo mesmo tipo de contrato o desaterro e a remoção de terras, a perfuração de túneis e poços, a abertura ou reparação de estradas, a dragagem de portos e de estuários, a drenagem de pântanos, nomeadamente.146 A obra objeto de empreitada tanto pode consistir na construção de uma coisa, como na sua alteração, modificação, ou reparação, podendo a coisa a construir, alterar ou reparar, ser móvel ou imóvel.
Quando a empreitada tem por fim a construção ou reparação de navios é sujeita a um regime especial constante dos art.s 12.º ss e 32.º do D.L. 201/98, de 10 Julho. Neste caso, o regime geral da empreitada só se aplica subsidiariamente
(art. 13.º D.L. 201/98, de 10 Julho).
A empreitada, no sistema jurídico português, aparece como um tipo de contrato que se autonomizou da prestação de serviços e da compra e venda147. A obra, no contrato de empreitada, inclui as obras entendidas em sentido restrito do termo, mas não está incluída nos serviços em geral, mesmo que através destes se obtenha um resultado. No entanto, o termo obra, tanto pode ter o sentido de resultado de uma ação, como de trabalho científico, literário ou artístico. Da evolução histórica, talvez se possa entender obra no sentido de bem material, como aquilo que o artífice produz com o seu trabalho.
Em consonância com o já referido anteriormente, Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx000, apoiando-se nos comentários ao acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 1983149, de Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxx xx Xxxxx, apresenta argumentos a favor do sentido restrito do conceito de obra. A “obra” estaria limitada a coisas de natureza corpórea, pelas seguintes razões:
As obras imateriais, criativas ou intelectuais não se incluem no conceito de obra previsto no contrato de empreitada, pois têm uma regulamentação própria e que está prevista no CDADC;
Xxx como na defesa do conceito amplo de obra, invoca-se um argumento de ordem literal, na interpretação que se faz do mesmo conceito: a exigência de um resultado material será consequência da noção de obra. Esta materialidade estaria, ainda, presente em expressões usadas na regulamentação prevista, como seja “dono da obra”. Acrescentamos nós que esta natureza corpórea não poderá abarcar obras de natureza intelectual, por estas serem imateriais;
Estando em causa uma obra de cariz intelectual, será a regulamentação de Direitos de Autor a aplicar. Tal como afirma Xxxxxx xx Xxxxx, poder-
147 Neste trabalho, consultar o contrato de empreitada e figuras afins, nomeadamente compra e venda.
se-á aplicar o regime dos contratos de prestação de serviços apenas em situações dúbias, “mas só a partir dessa regulamentação considerar o contrato pelo qual alguém se compromete a realizar para outrem uma obra intelectual regulado pelas disposições do mandato ou da empreitada, embora com as adaptações impostas pela natureza específica dos bens imateriais, é inverter a ordem natural das coisas, dando primazia ao posterius (direito patrimonial e contratos de exploração pecuniária) sobre o prius (direito moral), ao efeito sobre a causa, numa clara violação da lei”150.
Xxxxxxx, agora, o papel da jurisprudência no contribuído dado sobre o tema em análise. Exemplo disso é encontrado numa Sentença de Julgado de Paz, proferida em 05 Março 2009, relativa à reparação de um automóvel, com enquadramento dos bens móveis no contrato de empreitada:
18 – O regime legal dos Contratos de Empreitada encontra-se previsto nos art.s 1207.º ss Código Civl153.
Na continuação do princípio que a empreitada tem por objeto um bem material, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça154, de 2 Fevereiro 1988,
150 XXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxx – Do Conceito de Obra no Contrato …p.583.
151 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações, Contratos em Especial, Vol. III. 5.ª ed., Coimbra: Almedina, 2008, p. 518.
153 Sentença de Julgado de Paz – Proc.º 970/2008–JP, de 05–03–2009. Relator: Xxxxx Xxxxxxxx.
154 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 075672, de 02–02–1988. Relator: Xxxxxxx Xxxxxxx.
tendo como relator Xxxxxxx Xxxxxxx: “ II - O contrato pelo qual uma pessoa aceitou retratar outra em quadro a óleo com determinadas dimensões integra um contrato de prestação de serviços inominado, regulado, por isso, pelas normas de mandato; III - O contrato de empreitada tem por objeto uma obra material. Não abrange, por isso, uma criação intelectual do domínio artístico, exteriorizado pela pintura em tela.”
Mais recentemente, num acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Julho 2006155, a noção de obra com características de materialidade foi definida no contrato de empreitada. Neste acórdão, de 11 Julho 2006, relatado pelo Conselheiro Xxxxxxxxx Xxxxxx, decidiu-se: “1) O regime jurídico da empreitada prende-se com a realização de obras materiais. A realização de uma obra intelectual (literária, artística ou cientifica) não pode gerar um contrato de empreitada só pelo facto de envolver, como prestação acessória, ou secundária, a entrega de coisa material que lhe sirva de suporte. Uma coisa é a realização da obra intelectual; outra o suporte da mesma, sendo que o objeto do contrato de produção de filmes é o filme enquanto tal, e não o seu suporte; 2) A obra intelectual é coisa incorpórea distinta do seu suporte material, sendo diversos os direitos que sobre eles incidem; 3) O contrato de edição supõe uma criação intelectual não pré ordenada pelo editor, que a publica, autorizado pelo criador que transmite, ou não, o direito de autor; 4) Encomenda é o contrato em que alguém se obriga a produzir uma obra literária, científica ou artística, para outra pessoa, fora do âmbito de um contrato de trabalho ou do cumprimento de um dever funcional, com ou sem remuneração, presumindo-se ser o criador intelectual; 5) Ao contrato de encomenda aplicam-se as regras do contrato de prestação de serviço e subsidiariamente as do mandato.
A obra intelectual é coisa incorpórea distinta do seu suporte material, sendo diversos direitos que sobre eles incidem.
Atualmente entende-se que uma obra imaterial não cabe no conceito de obra no contrato de empreitada. Entende-se que a palavra "obra”, quando associada à empreitada, é-o em sentido material e principal e não como suporte ou acessório da
155 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 06A1434, de 11–07–2006. Relator: Xxxxxxxxx Xxxxxx.
criação intelectual ou artística.
Ainda a propósito, no acórdão Supremo Tribunal de Justiça156, de 24 Outubro 1995, tendo como relator Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx, o tribunal decidiu de maneira diferente do prescrito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Junho 1986.
Assim: “ I - É de empreitada, e não misto de empreitada e depósito, o contrato em que o dono de um automóvel o entrega numa oficina para "revisão", ficando o empreiteiro obrigado a restituir o carro "revisto" e com a obrigação acessória de guarda do mesmo até à restituição; II - Se por acordo entre o dono do carro e o empreiteiro garagista, o carro permanece na oficina ou garagem após a "revisão", por impossibilidade de o dono o ir buscar, e entretanto o carro se incendeia ficando destruído, é o empreiteiro contratualmente responsável pelos prejuízos sofridos pelo dono do carro com o incêndio, e isso por violação do dever de restituição do carro "revisto", salvo provando que não houve culpa da sua parte no incêndio.
Ainda sob o mesmo tema e para concluir, realce-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto157, de 09 Fevereiro 2009, tendo como relator Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, que direciona o contrato de empreitada para a produção de algo corpóreo: “I
- O que verdadeiramente caracteriza e diferencia o contrato de empreitada de outros contratos de prestação de serviços, face à noção constante do art. 1207.º do Código Civil é a realização de uma obra. Ou seja, aquele que aceita realizá-la (o empreiteiro) contrai uma obrigação de resultado que se produz na produção de algo corpóreo, material, uma obra que recai sobre uma coisa móvel ou imóvel; II - Quando muito, tem- se entendido que em algumas situações de fronteira o contrato de empreitada também se aplica aos casos de coisas corpóreas imateriais (v. g. reparar um automóvel), mas nunca a coisas incorpóreas, mesmo que materializáveis.”
156 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 087094, de 24–10–1995. Relator: Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx.
157 Acórdão Tribunal da Relação de Porto - Proc.º 0857245, de 09–02–2009. Relator: Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx.
4. A NO ÇÃO DE O B RA , S UA S P A RT I C UL A RI DA DE S ; CO N T R I BU T O S DA DO U T R I N A E / O U DA JU RI S P RU D Ê N CI A – S E NT I DO C RÍ T I C O
Tendo como referência o tema acima epigrafado, a jurisprudência tem enverado por determinadas decisões que poderão ou não ter apoio doutrinal.
Assim:
Segundo Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, aplicam-se, em primeiro lugar, as disposições respeitantes ao direito de autor aos negócios pelos quais alguém se obriga a realizar uma obra intelectual e, em tudo o que não estiver nestas regulado, poderão aplicar-se, em situações particulares e por analogia, as regras do contrato de empreitada. Pode aconselhar-se à aplicação de certos preceitos do contrato de empreitada - apesar de se estar perante contratos atípicos de prestação de serviço
- a fim de que idênticos problemas tenham soluções similares, pois as normas reguladoras do contrato de mandato, aplicáveis ex vi art. 1156.º Código Civil, nem sempre se adaptam a solucionarem problemas derivados da criação de obras de índole intelectual. Por exemplo, no caso de um engenheiro ou de um arquiteto se comprometer a elaborar um projeto para a construção de determinado edifício, justifica-se que, ao contrato celebrado, se apliquem, na medida do possível, as regras da empreitada; até porque, em tais casos, não parece sustentável a aplicação de um prazo prescricional de vinte anos (art. 309.º Código Civil), na hipótese de defeitos do projeto158.
Por não corresponder a um especto intrínseco das mesmas - distinção entre coisas corpóreas imateriais e coisas incorpóreas, este critério delimitativo não apresenta, por exclusivo, uma solução definitiva; a vontade das partes é decisiva na sua interpretação, por consequência, a mesma prestação pode corresponder, consoante as circunstâncias, a uma coisa corpórea material ou a uma coisa incorpórea. Por exp., se alguém encarrega um pintor de lhe pintar o
158 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações…, p. 391.
Tem-se verificado uma tendência para alargar o objeto do contrato de encomenda. Se admitirmos que a empreitada se restringe à construção, modificação e reparação de coisas corpóreas, o âmbito da aplicação da encomenda de obra tornar-se-á mais amplo.
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra162, de 16 Março 2010, tendo como relator Xxxxxxxxx Xxxxxxx, o tribunal não considera empreitada um projeto de arquitetura, mas enquadra-o num contrato inominado de prestação de serviços. Devemos mais referir que no sumário do acórdão não há qualquer referência ao
159 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Direito das Obrigações …, p. 393.
160 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 06A1434, de 11–07–2006. Relator: Xxxxxxxxx Xxxxxx.
161 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações, Contratos em Especial. 7.ª ed., Coimbra: Almedina, 2010. p. 519.
162 Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra – Proc.º 1220/06.0TBTMR.C1, de 16–03–2010. Relator: Xxxxxxxxx Xxxxxxx.
CDADC.
Vejamos: “1. A empreitada circunscreve-se a coisas corpóreas, desde logo porque o direito de fiscalização que lhe é inerente não se coaduna com a realização de obras intelectuais, o mesmo acontecendo quanto ao direito de eliminação dos defeitos; a prestação de serviços limita-se a coisas incorpóreas; 2. Ora, o contrato de elaboração de um projeto de arquitetura, tendo como prestação típica um resultado ou produto de criação intelectual, essencialmente técnico, embora objetivado num documento e com a tutela da proteção dos direitos de autor é, não um contrato de empreitada, mas um contrato inominado de prestação de serviços, regulado, no que ao caso importa, pelos art.s 1154.º, 1156.º, 1158.º, n.º 2, parte final e 1167.º, alín. b), do Código Civil, mormente quanto ao pagamento da retribuição, a determinar em último caso com recurso a juízos de equidade (tal como ocorre também na empreitada – art.s 1211.º, n.º 1 e 883.º, n.º 1 do Código Civil); 3. Cabe ao prestador do serviço provar que o prestou e à outra parte que pagou a retribuição pelo serviço prestado. Provada a prestação de serviço, cabe ao outro contraente fazer a prova de que pagou a retribuição ou que não era devida.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça163, de 25 Junho 1986, tendo como relator Xxxxxxx Xxxxxxx, aborda a empreitada da coisa móvel concretizada na reparação de um veículo automóvel. No entanto, deve ser referido que o contrato não se restringe unicamente à empreitada, mas está coligado a um contrato de depósito (contrato misto).
Assim: “I - A Autora obrigou-se para com a Ré a reparar-lhe o veiculo automóvel mediante um preço, pelo que se está perante um contrato de empreitada - art. 1207.º do Código Civil - a que esta naturalmente coligado o de deposito, pois que a reparação era feita na oficina da Autora; II - Tendo a reparação sido feita com erros grosseiros de técnica e com aplicação de material inadequado ao motor "Volvo", tendo, por isso, sido feita defeituosamente, denunciada a empreiteira, que esta não suprimiu esses defeitos, a Ré podia exigir a redução do preço ou a resolução do contrato - art. 1222.º, n.º 1 do
163 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 073135, de 25–06–1986. Relator: Xxxxxxx Xxxxxxx.
Código Civil, o que a Ré não fez; III - Podia, alem disso, pedir que a Autora a indemnizasse dos prejuízos sofridos, nos termos do art. 1223.º, daquele Código, a que se aplicaria o disposto nos art.s 562.º ss do mesmo diploma, o que a Ré não pediu, mas a importância paga noutra oficina, para suprir esses defeitos, o que não e a mesma coisa, o que só poderia fazer se tivesse usado, precedentemente, a via executiva, visto se tratar de prestação fungível, podendo então requerer que o facto fosse prestado por outrem à custa da Autora (….)”.
Relativamente a outro acórdão Supremo Tribunal de Justiça164, de 05 Julho 1994, tendo como relator Xxxxxx Xxxxxx, podemos retirar que o contrato, relacionado com a aquisição e instalação de equipamento informático, é considerado um contrato misto de compra e venda e de empreitada.
Ou seja: “I - Face ao conteúdo do contrato celebrado entre a autora e ré, tendo esta o fim de adquirir, para si, um equipamento informático mas, também, que esse equipamento fosse instalado pela autora na sua sede para os fins referidos e com as interligações necessárias para que as suas atividades empresariais fossem sujeitas a tratamento informático, tal contrato é misto, de compra e venda e empreitada; II - No que concerne, propriamente, à instalação do equipamento fornecido pela autora, tal contrato rege-se pelas disposições do contrato de empreitada, segundo os princípios da teoria da combinação; III - Existindo um defeito na obra efetuada pela autora, defeito que a ré denunciou nos termos do art. 1220.º do Código Civil, pedindo a sua eliminação, podia esta ter exigido àquela a preparação e instalação do novo "software" (art. 1221.º, n. 1 do Código Civil) ou, como fez, optar por pedir uma indemnização pelos prejuízos que sofreu derivados da má execução da obra pela autora nos termos dos art.s 1223.º, 798.º e 799.º do Código Civil; IV - É que a recorrente faltou ao cumprimento da obrigação que assumira, sendo de presumir a sua culpa - art. 799 - presunção essa que ela não iludiu”.
Finalmente analise-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães165, de
164 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 085411, de 05–07–1994. Relator: Xxxxxx Xxxxxx.
165 Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães – Proc.º 1829/09.0TBVCT.G1, de 17–05–2011. Relator: Xxxx Xxxxxx.
17 Maio 2011, tendo como relator Xxxx Xxxxxx, que aponta para uma união de contratos, considerando que um contrato está dependente do outro: “ 1º- O acordo, mediante o qual o réu obriga-se a dar à autora a execução do projeto a entregar na Câmara Municipal do Porto ao abrigo do programa RECRIA ou similar, para candidatura a fundos de comparticipação em obras de recuperação e, no caso de tal processo vir a ser aprovado, a entregar à mesma a empreitada global descrita no caderno de encargos que instrui o Processo-Orçamento, configura uma situação de união de contratos ou contratos coligados – um contrato de prestação de serviços (execução do projeto de recuperação) e um contrato de empreitada (consistente na realização das obras de recuperação do prédio do réu); 2.º- Ao contrato de prestação de serviços são aplicáveis, “com as necessárias adaptações”, as regras do mandato, nos termos do art. 1156.º do Código Civil; 3.º- Tendo o contrato de prestação de serviços sido conferido também no interesse da parte obrigada à prestação de serviços, de harmonia com o disposto no art. 1170.º, n.º.2 do Código Civil, não pode a parte que solicitou os serviços revogar o contrato de prestação de serviços sem o acordo daquela, salvo havendo justa causa.
Assim e para concluir não tem havido uma grande uniformidade em termos decisórios na jurisprudência, nomeadamente no que concerne ao enquadramento da noção de obra no contrato de empreitada, levando a que esta seja classificada em sentido restrito, mais vezes e em sentido amplo, menos vezes. Desde a década de 80, do século anterior – mais concretamente a partir do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03 de Novembro 1983 – a jurisprudência em Portugal não tem seguida a mesma linha de congéneres estrangeiros. Em algumas situações, tem-se encaminhado para enquadramento em contratos mistos, coligados e união de contratos, quando está em causa uma obra.
Conclusão
Em face do que se acabou de expor, podem tirar-se as seguintes conclusões:
O conceito de obra por nós defendido é aquele que incorpora a obra corpórea, designadamente material.
O elemento determinante do contrato de empreitada é a prestação característica do empreiteiro, que corresponde à realização de uma certa obra. Esta corresponde a uma prestação de facto material, sendo tradicionalmente qualificada como uma obrigação de resultado.
Além disso, a noção de obra constante do art. 1207.° Código Civil, ao contrário do que normalmente acontece nos Códigos Civis estrangeiros (Espanha, Itália, Brasil, nomeadamente) é, no nosso país, direcionada às coisas corpóreas, dado que o regime da fiscalização (art. 1209.°), da transferência da propriedade (art. 1212.°), das alterações ao plano convencionado (art.s 1214.° ss), e dos defeitos da obra (art.s 1218.° ss), não incidem sobre a criação de obras intelectuais.
Por último, se viesse a abranger as obras intelectuais, o contrato de empreitada passaria a ser uma figura demasiado ampla, esgotando quase completamente o próprio regime da prestação de serviços, não se adequando devidamente às obras intelectuais, razão pela qual existe o Código de Direitos de Autor.
Embora sejamos defensores do conceito de obra corpórea, parece-nos pertinente tecer algumas considerações sobre este assunto. Assim, consoante as situações, a mesma prestação pode corresponder a uma coisa corpórea material ou a uma coisa incorpórea.
Vejamos:
Se alguém encarrega um pintor de lhe pintar o interior da casa, o contrato é
de empreitada, mas se o mesmo pintor, por ser considerado um grande artista na sua função, também ficar incumbido de desenhar e pintar adornos nos pilares de suporte das salas, segundo modelo fornecido pelo dono, manterá a natureza do contrato. Se, porém, o mesmo pintor ficar responsável para, com toda a liberdade e com base no seu espírito artístico e criativo, pintar um fresco na parede, já não poderemos considerar o contrato como de empreitada166. Estaremos perante um contrato de direitos de autor, cujo regime está previsto no CDADC.
A situação referida serve para concluir que a fronteira entre a liberdade de criação e a de execução não é simples, não bastando afirmarmos que o resultado final do trabalho possa consistir exclusivamente em se ter realizado uma obra, estando incluídos tanto o contrato de direitos de autor, como o contrato de prestação de serviços e o contrato de empreitada. Os negócios jurídicos pelos quais alguém se obriga a realizar uma obra intelectual devem reger-se pela vontade das partes, na medida em que não violem eventuais normas imperativas, aplicando-se, em primeiro lugar, as disposições respeitantes ao contrato de Direitos de Autor, e em tudo o que não estiver neste regulado, poderá passar por enquadramento no contrato de prestação de serviços atípico e poderão, ainda, ser aplicadas por analogia algumas disposições do contrato de empreitada, porém, não abrangerá o art. 1229 Código Civil, por não ser aplicável à encomenda de obra intelectual. Relativamente a esta dificuldade de qualificação, convém referir o caso debatido no Supremo Tribunal de Justiça, acórdão de 03 Novembro 1983167, onde era discutido se o contrato pelo qual uma empresa que se obrigara a realizar uma série de doze programas de televisão, para a Rádio Televisão Portuguesa, era de empreitada ou de prestação de serviço.
Deve-se mais referir que, embora sejamos a favor da obra corpórea, não estamos incluídos na forma radical de ver o problema de Xxxxxxx Xxxxxx, que limita o resultado a uma obra de natureza corpórea. Também não concordamos com alguma jurisprudência que caracteriza um contrato de empreitada só pelo facto de
166 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Direito das Obrigações, Vol. III. 5.ª ed., Coimbra: Almedina, 2008, p. 538.
167 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 070604, de 03–11–1983. Relator: Xxxxxx Xxxxxxxx.
envolver, como prestação acessória, ou secundária, a entrega de coisa material que lhe serve de suporte. Uma coisa é a realização da obra intelectual, outra será o suporte da mesma, sendo que, neste caso, o objeto do contrato de produção de filmes é o filme enquanto tal, e não o seu suporte.
Outra situação é aquela em que alguém se obriga a realizar uma construção num terreno que é seu e se compromete a transmitir esse todo, composto pelo terreno e pela construção, a outrem168. Como solução para este caso podemos considerar que existe ao lado da empreitada uma promessa de venda de solo ou da superfície para o dono da obra (união de contratos ou contrato misto), ocorrendo a transmissão da propriedade com a celebração da compra e venda ou após a realização da obra. Os materiais, independentemente, de quem os forneça, vão sendo adquiridos pelo empreiteiro, à medida que vão sendo incorporados no solo, só passando para o dono da obra após a definitiva do imóvel construído169.
Para concluir, o contrato de empreitada não se objetiva de forma mecânica num resultado e assim, estando a lembrar-me da sabedoria e da subjetividade do empreiteiro na feitura dos materiais a aplicar na obra, evidencia-se a dificuldade da sua qualificação, nos casos em que para além da obra material está a ciência da sua criação.
168 Pode tratar-se de um contrato de empreitada ou contrato de compra e venda de bens futuros.
169 Neste trabalho, consultar dificuldades na delimitação da definição “obra”.
170 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx – Xxxxxx e Venda e Empreitada, Contributo para a distinção entre os dois contratos, Revista Ordem dos Advogados, Vol. I, Lisboa: Ordem dos Advogados Portugueses, 1997, pág. 193.
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Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 06A1434, de 11 Julho 2006. Relator: Xxxxxxxxx Xxxxxx.
Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 98B333, de 17 Junho 1998. Relator: Xxxxx Xxxxxxx.
Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 070884, de 08 Novembro 1983. Relator: Xxxxxxx Xxxxxxxxxx.
Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 02A3679, de 06 Maio 2003. Relator: Xxxxxxx Xxxxxxxx.
Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 075672, de 02 Fevereiro 1988. Relator: Xxxxxxx Xxxxxxx.
Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 087094, de 24 Outubro 1995. Relator: Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx.
Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º n.º 073135, de 25 Junho 1986. Relator: Xxxxxxx Xxxxxxx.
Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 070604, de 03 Novembro 1983. Relator: Xxxxxx Xxxxxxxx.
Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 10489/05.6TBBRG, de 26 Outubro 2003. Relator: Xxxxxx Xxxxxx.
Acórdão Supremo Tribunal de Justiça – Proc.º 06A1434, de 11 Julho 2006. Relator: Xxxxxxxxx Xxxxxx.
Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra – Proc.º 1220/06.0TBTMR.C1, de 16 Março 2010. Relator: Xxxxxxxxx Xxxxxxx.
Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra – Proc.º 41053, de 24 Maio 2011. Relator: Xxxxx Xxxxxxx.
Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra – Proc.º 2384/07.OTBCBR.1, de 20 Dezembro 2003. Relator: Xxxxxxxx Xxxxxxx.
Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra – Proc.º 6646/05.3TBLRA.C1, de 20 Novembro 2012.Relator: Xxxxx Xxxxxxx.
Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães – Proc.º 1829/09.0TBVCT.G1, de 17 Maio 2011. Relator: Xxxx Xxxxxx.
Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa – Proc.º 00022487, de 05 Junho 1984. Relator: José Saraiva.
Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa – Proc.º 8057/2007-6, de 08 Novembro 2007. Relator: Xxxxxx Xxxxxxx.
Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa – Proc.º 3270/04.1TVLSB.L2-2, de 14 Abril 2014. Relator: Xxxxxx Xxxxx Xxxxx.
Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa – Proc.º 1641/2007-1, de 18 Setembro 2007. Relator: Xxx Xxxxx.
Acórdão Tribunal da Relação do Porto – Proc.º 0857245, de 09 Fevereiro 2009. Relator: Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx.
Acórdão Tribunal da Relação do Porto – Proc.º 0753641, de 28 Janeiro 2008. Relator: Xxxxxxx Xxxxx.
Sentença de Julgado de Paz – Proc.º nº 454/2004-JP, de 09 Novembro 2004. Relator: Xxxxx Xxxxxxxx.
Sentença de Julgado de Paz – Proc.º nº 970/2008-JP, de 05 Março 2009. Relator: Xxxxx Xxxxxxxx.
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