Contracting out for the institutional development without a competitive process (article 24, XIII of Statute
Contratação sem licitação para o desenvolvimento institucional
(art. 24, XIII da Lei nº 8.666/1993) —
limites e controle*
Contracting out for the institutional development without a competitive process (article 24, XIII of Statute
n. 8.666/1993) — limits and control
Xxxxxx Xxx Xxxxxxxx**
RESUMO
O art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993 autoriza a dispensa de licitação para contratar, com entidade não lucrativa idônea, serviços técnicos especiali- zados para a melhoria do exercício das missões institucionais do órgão pú- blico. Essa hipótese de dispensa não pode ser interpretada restritivamente, nem sujeita a limitações ou formalidades não previstas em lei.
∗ Artigo recebido em 18 de julho de 2014 e aprovado em 7 de agosto de 2014.
∗∗ Professor fundador da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Xxxxxxx Xxxxxx (FGV). Doutor e mestre em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP). Sociedade Brasileira de Direito Público, São Paulo, São Paulo, Brasil. Email: xxxxxx@xxxxxxxx.xxx.xx.
PALAVRAS-CHAVE
Licitação — dispensa — Lei no 8.666/1993, art. 24, XIII — desenvolvimento
institucional — serviços técnicos especializados — contrato administrativo
— subcontratação — anulação — xxxxx xxxxxxxxxxx — ônus da prova — sanção da improbidade — prescrição
ABSTRACT
Article 24, XIII of Statute n. 8.666/1993 authorizes the release from the requirement for tender when contracting out specialized technical services to qualified nonprofit organizations, aiming at the improvement of the exercise of the executive agency’s institutional missions. This hypothesis of release cannot be restrictively interpreted, neither be subjected to limitations and formalities not provided by law.
KEYWORDS
Procurement — hypothesis of release from the procurement’s requirement
— Statute n. 8.666/1993, art. 24, XIII — institutional development — subcontracting — annulment — substantial illegality — burden of proof
— sanction for the violation of administrative probity — limitation period
Introdução
Este estudo analisa o disposto no art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993, de acordo com o qual é dispensada a licitação “na contratação de instituição bra- sileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional (...) desde que a contratada detenha inques- tionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos”.1
O primeiro passo é entender o que justifica a previsão legal dessa hipó- tese de dispensa de licitação (item A). A seguir, é identificar os tipos de ser- viços que podem ser contratados com base nesse dispositivo (item B). Depois, tratar dos requisitos que devem ser atendidos pela entidade a ser contratada (item C).
1 Na pesquisa e análise dos temas deste estudo contei com a colaboração de Xxxx Xxxxxxxx,
Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx, a quem agradeço.
Em seguida, faço algumas ponderações importantes para evitar desvios na discussão sobre o modo de aplicação da norma do art. 24, XIII (item D). No tópico subsequente, discuto como deve ser o procedimento formal de contra- tação, especialmente quanto à justificativa da escolha da entidade e à justifica- tiva do preço (itens E e F).
O próximo tema é o da execução do contrato, analisando-se se pode ou não haver subcontratações e quais seus limites (item G).
Os temas finais estão envolvidos com o controle judicial dessas contra- tações: requisitos para a invalidação judicial e para a sanção de improbidade (item H), ônus da prova quanto à regularidade e à existência de vícios (itens I e J) e prescrição da ação (item K).
(A) A contrataęão sem licitaęão de entidades idôneas atende a importantes valores públicos constitucionais e legais
A dispensa de licitação em favor de entidades não lucrativas de pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional é instrumento da política constitu- cional de apoio público às entidades de ciência, pesquisa, ensino e capacitação tecnológica (CF, arts. 218 e 213, §2o).
É tranquilo na doutrina o reconhecimento de que o objetivo do art. 24, XIII é, cumprindo comando constitucional, permitir o fomento das instituições de ensino, pesquisa e desenvolvimento. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Junior lembra, com precisão: “A lei licitatória cumpre, neste inciso, a ordem do art. 218 da Constituição Federal”.2 A norma permite que a administração dirija a elas suas contratações, o que “vem representando, efetivamente, importante fonte de recursos para essas instituições”.3
No Tribunal de Contas da União (TCU), o ministro Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx
xx Xxxxxx explicou corretamente:
A nosso ver, o propósito do art. 24, XIII, do Estatuto é estimular as ins- tituições que menciona, favorecendo-lhes a obtenção de contratos com o serviço público como forma de ajudar-lhes no seu autocusteio. Com
2 XXXXXXX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 281.
3 XXXXXX, Xxxxx. Contratação direta sem licitação. 5. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 421.
isso, o Estado estará estimulando, em cumprimento aos mandamentos constitucionais, ainda que por via indireta, as ações voltadas para o ensino, a pesquisa e o desenvolvimento institucional.4
Por isso, são inconstitucionais as interpretações que, para assegurar ao setor empresarial lucrativo ou a terceiros a possibilidade de disputa do con- trato por meio de licitação, pretendam restringir artificialmente a aplicabili- dade do art. 24, XIII.
Ao autorizar que a administração escolha instituições idôneas sem lici- tação o art. 24, XIII também levou em conta que, muito frequentemente, licita- ções de serviços técnicos, além de serem por demais demoradas e litigiosas, são incapazes de gerar confiança no vencedor. Por isso, é natural que, nesse campo, a lei atribua ao gestor público, dentro de certos limites, a escolha da instituição a ser contratada diretamente. Não pode o intérprete, por questões políticas ou por preconceito contra os gestores públicos, formular interpreta- ções que, reduzindo artificialmente o exercício dessa competência, contrariem o art. 24, XIII e, assim, a eficiência administrativa (CF, art. 37, caput).
(B) Podem ser contratados diretamente com entidade idônea servięos técnicos especializados para a melhoria do exercício das missões institucionais do órgão público
Quaisquer serviços técnicos especializados do art. 13 da Lei no 8.666/1993 que propiciem a melhoria no exercício das missões institucionais do órgão público — e que não importem na simples terceirização de suas ativida- des administrativas da rotina diária — são compatíveis com os campos da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional e, por isso, podem, a juízo da administração, ser contratados por dispensa de licitação com enti- dade que atenda os requisitos do art. 24, XIII.
Segundo este preceito, é dispensada a licitação “na contratação de insti- tuição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional (...) desde que a contratada dete- nha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos”.
4 Decisão 657/97. Disponível em: <xxx.xxx.xxx.xx/Xxxxxxxxx/Xxxxx/Xxxx/xxxxx%0XXxx%0X 19990509 %5CGERADO_TC-20447.pdf>.
É coerente com a exigência de “reputação profissional” a interpretação de que serviços banais não podem ser contratados, pois eles não supõem qualifi- cação especial (especialização profissional). Logo, o que pode ser contratado é o que a lei chama, no art. 13, de “serviços técnicos profissionais especializa- dos”, incluindo, p.ex., “estudos técnicos” e “planejamentos” (inc. I), “parece- res, perícias e avaliações” (II), “assessorias ou consultorias técnicas” (III) etc.
Os serviços contratáveis com base no art. 24, XIII são “serviços técnicos especializados” que gerem desenvolvimento institucional, isto é, propiciem “melhorias mensuráveis” nas missões de caráter institucional do órgão con- tratante.
Não é contratável com base nessa norma a mera terceirização de atividades administrativas da rotina diária do órgão, pois, como diz a Orientação Normativa AGU no 14/2009, da Advocacia-Geral da União, estas são “destinadas a aten- der às necessidades permanentes” e não, como exige a lei, ao “desenvolvimen- to institucional”. Têm razão Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx quando sustentam haver “desvio de poder” no uso do art. 24, XIII para “realizar contratações de obras, compras e serviços ordinários da vida administrativa.”5
É verdade que a norma não definiu expressamente qual tipo de serviço po- deria ser contratado. Ela se limitou a exigir que a instituição tenha “reputação ético-profissional” em “pesquisa”, “ensino” e “desenvolvimento institucio- nal”. O problema é que não há, na própria Lei no 8.666/1993, um conceito de “desenvolvimento institucional”. Por isso, o tema gerou muita insegurança, e algumas intepretações indevidamente restritivas de órgãos de controle.
Todavia, essas interpretações muito restritivas ficaram superadas, pois o seu sentido veio a ser adequadamente explicitado em lei posterior, que es- clareceu o que se deve entender por serviços de “desenvolvimento institucio- nal”: “os programas, projetos, atividades e operações especiais (...) que levem à melhoria mensurável das condições das” entidades estatais, “para cumpri- mento eficiente e eficaz de sua missão”. A mesma lei disse, de modo expresso, que não podem ser contratadas, por não caberem no conceito de “desenvol- vimento institucional”,
5 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; GUIMARÃES, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Licitação pública. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 423.
atividades como manutenção predial ou infraestrutural, conservação, limpeza, vigilância, reparos, copeiragem, recepção, secretariado, servi- ços administrativos na área de informática, gráficos, reprográficos e de telefonia e demais atividades administrativas de rotina, bem como as respectivas expansões vegetativas, inclusive por meio do aumento no número total de pessoal. (art. 1o, § 1o e § 3o, I da Lei no 8.958/1994, na redação que lhe deu a Lei no 12.349/2010).
Embora a Lei no 8.958/1994 tenha formulado esses conceitos para tratar das relações entre as universidades públicas (Ifes) e as instituições privadas chamadas de fundações de apoio, os dispositivos citados são, por identidade de razão, aplicáveis a todas as contratações do art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993. E isso porque, de um lado, a nova lei apenas positivou a interpretação correta da regra sobre dispensa de licitação e, de outro, a analogia é aqui obri- gatória, dada a omissão da Lei no 8.666/1993 quanto à definição de “desen- volvimento institucional” (quanto ao uso da analogia, v. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 4o). Nesse mesmo sentido, aliás, é a opinião de Marçal Justen Filho6 e a orientação do TCU, segundo a qual, não havendo outras normas, as definições da Lei no 8.958/1994 “podem ser aplicadas às
contratações promovidas por instituições diversas das Ifes”.7
Assim, não pode haver mais dúvida alguma de que o objetivo do art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993 é permitir que o poder público contrate diretamente, sem licitação, com instituições não lucrativas idôneas, a prestação de “serviços técnicos especializados” que propiciem “melhorias mensuráveis” no exercício de suas missões de caráter institucional, não podendo ser contratada com elas a mera terceirização de atividades administrativas da rotina diária do órgão.
É esse o sentido que se deve dar à orientação do Tribunal de Contas da União, em sua Súmula 250, segundo a qual a contratação “com fulcro no art. 24, inciso XIII, da Lei no 8.666/93, somente é admitida nas hipóteses em que houver nexo efetivo entre o mencionado dispositivo, a natureza da insti- tuição e o objeto contratado”.
6 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribu- nais, 2014. p. 439.
7 TCU, Xxxxxxx no 3.019/2012, Plenário, rel. min. Xxxx Xxxxx, x. 8-11-2012.
(C) A lei admite que o objeto social e a reputaęão da entidade contratada sejam abrangentes, desde que pertinentes à contrataęão
O art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993 não exige que o objeto social da en- tidade seja analítico, detalhado e exaustivo, de modo a conter hipótese que corresponda exatamente, em todas as suas especificidades, à dos serviços pretendidos pela administração. Entidade cujos objetivos sejam a pesquisa, o ensino e o desenvolvimento institucional, particularmente em ciências sociais, economia e administração, incluindo a prestação de assistência técnica, dispõe de autorização estatutária abrangente para prestar serviços técnicos ao poder público. Em possuindo reputação e atuação profissional efetiva, ainda que em área abrangente, pode ser contratada para serviços que nela se incluem.
Em vários casos de aplicação irregular do art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993, sobretudo em contratos de universidades públicas com suas “fundações de apoio”, os órgãos de controle têm dito que certo serviço não pode ser contra- tado por não estar “previsto no estatuto” da instituição de apoio. Mas o certo é que a jurisprudência não está exatamente preocupada com questões formais (isto é, em saber se o serviço a contratar está descrito analiticamente no esta- tuto da instituição). O problema é outro: é substancial.
Os controladores criticam, por um lado, e com razão, contratos com ob- jetos excessivamente abertos, os contratos “guarda-chuva”. Criticam também a contratação com instituições “guarda-chuva”, sem objeto social e atuação definidos, isto é, instituições supostamente capazes de fazer qualquer serviço
— desde as consultorias científicas mais sofisticadas até os corriqueiros servi- ços de limpeza e vigilância.
A crítica é correta, pois o art. 24, XIII de fato não permite a terceirização de serviços banais de rotina; do contrário, ele não exigiria que a contratada tenha “reputação profissional”, que supõe alguma especialização, e teria se contentado com a simples “reputação”, sem qualificá-la. Por óbvio, sendo im- possível alguém ter reputação para “qualquer coisa”, o art. 24, XIII também não permite a contratação com instituição cuja reputação profissional não seja no campo em que vai atuar. Ademais, como acentua Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, “não existem instituições de fins gerais”.8
8 Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Comentários à Lei de Licitações, op. cit., p. 441.
Mas, se uma grande, tradicional e respeitada instituição tem reputação profissional abrangente, pois de fato atua em campos profissionais e científi- cos também abrangentes (como a consultoria e a assistência técnica em econo- mia e administração), ela pode sim ser contratada para serviços profissionais especializados bastante diferentes — pois, tendo ampla reputação que os inclui, é sim capaz de atuar com competência em todos eles.
(D) São inconstitucionais e ilegais as interpretaęões preconceituosas e as presunęões contra as dispensas de licitaęão
A licitação não é melhor, mais eficiente, mais desejável, mais honesta, tampouco mais afinada com os princípios constitucionais e legais do que a contratação direta. Licitação e contratação direta são apenas meios distintos para contratar, e seus âmbitos de aplicação são também distintos, nos termos da lei, que deve ser respeitada. A licitação não é um princípio, constitucional ou legal, muito menos um valor absoluto. É simples meio de escolha de par- ceiros contratuais pela administração, aplicável a certos casos, e adequado para eles, mas impertinente para as hipóteses de contratação direta por inexi- gibilidade ou dispensa que, com autorização constitucional (CF, art. 37, XXI, parte final), foram previstas em lei.
Já escrevi anteriormente:
Os intérpretes que, inchando artificialmente a regra da Constituição, promovem a licitação à categoria de verdadeiro princípio o que querem é lhe dar importância e efeito maiores do que o ordenamento expres- samente lhe deu. Depois, com o argumento impressionante de que ali está um princípio, e não uma simples regra, querem impor licitação quando a legislação a dispensa, quando ela não faz nenhum sentido, quando é inviável, etc.9
9 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxx. Direito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 198.
Assim, negam vigência aos arts. 24 e 25 da Lei no 8.666/1993 as interpre- tações que, por reduzirem artificialmente o âmbito definido pela lei para a inexigi bilidade ou dispensa de licitação, consideram como irregular um contrato que, com a devida autorização legal, tenha sido celebrado em procedimento de contratação direta.
É comum, em doutrina e jurisprudência, a afirmação (bem intencionada, mas muito infeliz) de que as hipóteses de dispensa e inexigibilidade teriam de ser interpretadas “restritivamente”, pois seriam “exceções”, a serem tratadas como excepcionalidades. É uma visão equivocada (pois exceção e excepcionalidade evidentemente não se confundem), perigosa (pois gera insegurança indevida para gestores públicos e contratados) e antijurídica (pois compromete a realização de valores públicos que o direito protege, nas normas que se tenta “reduzir” por interpretação).
A interpretação sobre a dispensa e a inexigibilidade de licitação nem tem de ser restritiva, nem ampliativa. Para evitar abusos, ela tem, isto sim, de ser fiel.
(E) A contrataęão direta de servięos com entidades idôneas é um caso de dispensa, não de inexigibilidade de licitaęão
A validade da contratação com base no art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993 não depende de prova de singularidade ou exclusividade dos serviços, ou ain- da de que a licitação seria inconveniente, inadequada ou inviável, pois estes são requisitos para a inexigibilidade (art. 25), não para a dispensa de licitação.
A contratação direta pelo art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993 é válida mesmo se outras entidades ou empresas puderem prestar o mesmo serviço, pois não se trata de inexigibilidade, em que a licitação é inviável. Trata-se de dispensa, em que a lei delega ao gestor público a escolha da entidade contratada, esco- lha essa que não é orientada pelo princípio da igualdade, mas por outros va- lores, como a eficiência e o apoio público às instituições de pesquisa e ensino. Neste sentido manifestou-se o ministro Xxxx Xxxxxxx, do TCU, ao dizer,
sobre o art. 24, XIII: (ele)
enseja a dispensa da licitação, mesmo quando a competição se revela viável. É uma faculdade deferida por lei ao administrador e que não im- plica qualquer ofensa ao princípio da igualdade, já que a Constituição
Federal tutela outros valores além da isonomia, como o desenvolvi- mento do ensino, da pesquisa e da capacitação tecnológica (arts. 218 e 219 da Constituição Federal de 1988, dentre outros).10
Em 2010, o mesmo Tribunal, invocando o Acórdão no 569/2005, reafir- mou:
o art. 24, XIII, da Lei 8.666, de 1993, ao autorizar a dispensa de licitação, mesmo que viável a competição, não levou em conta o critério da com- petitividade, mas sim prestigiou outras circunstâncias e peculiaridades que condicionam e recomendam a contratação direta, como a pesquisa,
o ensino e o desenvolvimento institucional.11
Em 2013, analisando caso de contratação direta pelo art. 24, IV, o Tribunal decidiu: “não há se falar, como aponta a unidade técnica, na realização de um procedimento de disputa para se averiguar a proposta mais vantajosa. Caso assim fosse, não se estaria falando de dispensa de licitação, mas de licitação propriamente dita”.12
No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo: se a empresa con- tratada fosse “a única prestadora do serviço técnico especializado disponível no mercado, seria mesmo inexigível a licitação, nos termos do inciso II do art. 25 da lei 8.666/93” e não hipótese de dispensa.13
Em outro acórdão, afirmou o TJSP:
O Ministério Público sustenta, entretanto, a impossibilidade da dis- pensa de licitação enquanto houver outro concorrente em condições de prestar os mesmos serviços. Todavia, essa exigência não consta dos casos de dispensa enumerados no art. 24 da Lei 8.666/93. (...) Nos casos de dispensa de licitação não há concorrentes. Se a Administração tives- se de observar o princípio de igualdade entre os eventuais prestadores de serviço não haveria dispensa, mas concorrência.14
10 Decisão 172/96. Disponível em: <xxx.xxx.xxx.xx/Xxxxxxxxx/Xxxxx/Xxxx/xxxxx%0XXxx%0X 19961004 %5CGERADO_TC-5477.pdf>.
11 Xxxxxxx no 1.111/2010, Plenário, rel. min. Xxxx Xxxxx, x. 19-5-2010.
12 Acórdão nº 1.157/2013, Plenário, rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx, x. 15/5/2013.
13 TJSP, Apelação Cível nº 0023317-29.2004.8.26.0053, 7ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Xxxxxx Xxxxx, v.u., j. 20/6/2011.
14 TJSP, Apelação nº 341.297.5/0-00, 10ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Xxxxxx Xxxx, x.x., x. 7/8/2006.
(F) A dispensa de licitaęão do art. 24, XIII não é um processo competitivo
Para autorizar a contratação direta, o art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993 contenta-se com que a entidade escolhida tenha “reputação profissional” compatível com o objeto do contrato, sendo ilegal pretender a demonstração, própria apenas da inexigibilidade de licitação, de que “o seu trabalho é essen- cial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto contra- tado” (inciso II do caput c/c §1o art. 25 da Lei no 8.666/1993). Portanto, nessa contratação, para a justificativa, a que se refere o art. 26, parágrafo único, II, da escolha da entidade sem fins lucrativos, bastam: por um lado, a conside- ração da reputação ético-profissional da entidade nos campos da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, e, por outro lado, a confiança subjetiva da administração de que aquela entidade reúne condições para bem realizar os serviços.
Para autorizar a contratação direta na forma do art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993, o art. 26, parágrafo único, II exige da autoridade apenas a expli- citação da “razão da escolha” da entidade, sendo ilegal pretender que a auto- ridade faça um processo seletivo e uma competição entre propostas diversas. No mesmo sentido é a opinião de Xxxxx Xxxxxx. Lembrando que “a invia- bilidade de competição só é requisito da contratação direta por inexigibilida- de”, o autor conclui corretamente que a dispensa de licitação do art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993 é lícita “mesmo existindo várias instituições com igualda- de de condições”, pois essa norma não condiciona a dispensa à “inviabilidade de competição” e “não se pode criar, pela via doutrinária, palavras que não
existem na lei”.15
O procedimento de contratação direta é disciplinado pelo art. 26 da Lei no 8.666/1993 e não tem caráter competitivo, pois é distinto do procedimento da licitação. Nega vigência ao art. 26 a interpretação que considera nula a con- tratação direta só pelo fato de não ter envolvido disputa e comparação entre potenciais interessados e entre propostas de preços.
Não é requisito de validade da contratação com base no art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993 a prévia realização de uma bizarra “licitação informal”, isto é, de uma pesquisa de preços entre potenciais concorrentes, comprovada nos autos do procedimento administrativo por meio de propostas escritas de várias entidades ou empresas.
15 XXXXXX, Xxxxx. Contratação direta sem licitação. 5. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 430.
Ora, os serviços que podem ser contratados com esse fundamento são especiais, serviços técnicos profissionais especializados, e não prestações ro- tineiras padronizadas. A determinação, tanto das características e especifica- ções dos serviços, como de seu preço, envolve negociação intensa e detalhada entre as partes, que tomam tempo e exigem verdadeiro empenho de ambas. Só assim se pode obter certeza e segurança quanto ao que se está realmente propondo (como e quem vai realizar cada etapa do trabalho, quais são os me- canismos internos da entidade para o gerenciamento e controle das atividades etc.). Em suma, a proposta, para ser séria, e para ser analisada seriamente, tem de ser fruto de construção conjunta, de interação e de detalhada pesquisa sobre como de fato opera a entidade proponente.
Seria absurdo exigir que, para cada contratação que cogitasse fazer com base no art. 24, XIII o órgão público mobilizasse equipes de servidores para: buscar 3, 4 ou 5 entidades; pesquisar em detalhe as características de cada uma para criar critérios de comparação entre elas; depois interagir e negociar com cada uma, construindo as propostas; por fim, comparar objetivamente essas propostas, dando-lhes pesos justos.
O custo e o tempo desse trabalho burocrático — dessa “licitação informal”
— seriam grandes e, se isso fizesse mesmo sentido para a Lei no 8.666/1993, ela não teria, no art. 24, XIII, justamente autorizado a contratação sem licitação; teria, como é óbvio, exigido para todos os casos uma licitação formal, de téc- nica e preço, nos moldes do art. 46.
Em suma, se a lei autorizou a dispensa de licitação — isto é, que a administração, ao necessitar de serviços técnicos profissionais especiais para o seu desenvolvimento institucional, escolha de boa-fé uma entidade idônea e negocie com ela um contrato e um preço —, foi exatamente para evitar a licitação, formal ou informal! E isso, claro, porque a lei sabia da dificuldade e custo para, em certos objetos complexos, fazer procedimentos comparativos realmente sérios (como devem ser as licitações por técnica e preço do art. 46). Portanto, é ilegal, por contraditório com a própria ideia de dispensa de licitação para serviços de desenvolvimento institucional, querer impor, como condição para a administração fazê-la, a obrigatória realização de uma espé- cie de “licitação informal”, colhendo-se propostas escritas de vários poten-
ciais competidores.
É verdade que alguns controladores pretendem exigir, como regras, exatamente essa “licitação informal”. Mas é preciso ter muito claro: eles o fazem por temerem a dispensa de licitação prevista em lei e, por isso, pro- curam contorná-la com a inteligente — porém ilegal — estratégia de, via interpretação, exigir em contrapartida uma “licitação informal”.
Xxxxxx argumentará: mas não se está exigindo todo esse trabalho (uma licitação, ainda que informal); tudo o que se pede são umas tantas propostas escritas, para anexar aos autos. Basta mandar e-mails, receber as respostas; qual a dificuldade? É só uma: procedimento desse tipo não é sério e consisten- te, nada demonstra de útil. Quando o que está em causa são serviços especia- lizados para situações especiais, não comuns, “propostas” feitas e aceitas sem profundidade, apenas para constar, são incapazes de servir a uma justificativa séria de preço.
Demais disso, a doutrina16 vem chamando corretamente atenção para o fato de que a Lei no 8.666/1993, para o caso específico da dispensa de licitação do inciso XIII do art. 24, não previu a condição que, de modo expresso, impôs em outros: que a autoridade demonstrasse a compatibilidade do valor do con- trato com os “preços ou valores do mercado” (incisos VIII, X, XX e XXIII). É incorreta, portanto, a exigência, da Súmula 250 do TCU, também para o caso do art. 24, XIII, de que seja “comprovada a compatibilidade com os preços de mercado”.
É firme a conclusão de que não está na lei — ao contrário, viola a lei — a exigência absoluta de uma pesquisa de preços entre potenciais fornecedores para justificar a dispensa do art. 24, XIII.
Isso não quer dizer, claro, que seja lícito contratar por qualquer valor. Mesmo para a dispensa do art. 24, XIII a lei, no art. 26, parágrafo único, III, pede, da autoridade responsável pela dispensa, a “justificativa do preço”, que tem de ser submetida à autoridade superior, e por ela aprovada.
Mas a lei não está pedindo que, em qualquer caso, as autoridades tenham à mão documentos, ou outros meios de prova firme, para “provar” que o pre- ço é correto, não abusivo. Em alguns poucos casos, é sim viável obter esse tipo de “prova” (juntando contratos anteriores semelhantes, montando e compa- rando planilhas de valores por hora etc.). Mas em outros casos isso não é vi- ável, pela impossibilidade ou dificuldade de fazer comparações consistentes e sérias. Nesses casos, para atender à exigência do art. 26, parágrafo único, III, será suficiente o convencimento subjetivo conjunto das duas autoridades, tanto a autoridade que dispensa a licitação, como a que homologa. A lei confia no juízo dos gestores públicos honestos.
A propósito, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou que o proce- dimento mínimo exigido pelo art. 26 para a validade do ato de dispensa de licitação é o envolvimento, no âmbito administrativo, de duas pessoas,
16 P.ex. Ibid., p. 431.
com vista a promover uma maior diligência pelos gestores, evitando-se abusos e desvios de poder... Uma vez reconhecida a situação excepcio- nal, deverá o agente público responsável pela prática deste ato encami- nhar os autos à autoridade superior na hierarquia administrativa, para fins de que seja analisada quanto à forma e ao mérito da contratação.17
Na esfera federal, a norma sobre pesquisa de preços para a contratação de bens e de serviços em geral (Instrução Normativa no 5, de 27 de junho de 2014, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento), além de arrolar vários parâmetros (uso do portal de compras governamentais, pesquisas publicadas em sites especializados, contratações similares com outros entes públicos ou pesquisa com os fornecedores), admite a licitude do preço de contratação que não corresponda à média dos preços pesquisados, ou cuja pesquisa envolva menos de três preços ou fornecedores (art. 2o, §§3o e 5o). A Advocacia-Geral da União, na Orientação Normativa no 17/2011, sobre inexigibilidade de licitação, mas cujo critério é pertinente tam- bém para a hipótese do art. 24, XIII, também admite que outros meios idôneos sejam utilizados para a justificativa do valor.
A conclusão é que o juízo da administração sobre a razoabilidade do pre- ço do contrato do art. 24, XIII pode ser formado por muitos modos diferentes. Assim, quem pretende a anulação desse contrato, por ilegalidade quanto ao preço, não pode se limitar à constatação de que não houve a comparação de várias propostas escritas, ou de que não há elementos objetivos detalhados. Para derrubar o juízo, que tenha sido feito e declarado por duas autoridades administrativas, o crítico é quem tem de demonstrar que o preço é abusivo. O ônus da prova é dele, e não o contrário, pois, nesse caso, há presunção juris tantum de validade do juízo das autoridades administrativas.
O TCU, ao analisar, em contratação do art. 24, XIII, justificativa do valor do contrato que não havia se apoiado em cotação prévia, aceitou que, no caso, a modicidade do preço fosse “presumida, em caráter juris tantum”, “a partir da constatação da adequação dos valores registrados no plano de trabalho, (...) com parâmetros definidos pela legislação aplicável”.18
17 TJSP, Ação Penal no 0059904-05.2010, 15a Câmara de Direito Criminal, rel. des. Xxxxxx Xxxxxxx x Xxxxx, v.u., x. 17-1-2013.
18 Xxxxxxx no 898/2012, Plenário, rel. min. Xxxxxx Xxxxxx, x. 18-4-2012.
(G) A entidade deve executar diretamente o núcleo dos servięos, admitidas subcontrataęões parciais
Não é irregular o fato de a entidade se valer parcialmente de terceiros na execução de contrato a que se refere o art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993, pois ela não está limitada à utilização de bens próprios ou de seus próprios empregados celetistas, desde que se responsabilize direta e inteiramente pela concepção, direção e gerenciamento, que é o núcleo dos serviços. Dentro des- ses limites, o uso parcial de consultores externos ou de fornecedores não con- traria o caráter pessoal da prestação dos serviços pela entidade.
A Lei no 8.666/1993 não tem norma expressa específica a respeito de subcontratação de serviços que tenham sido contratados com base no art. 24, XIII, nem para vedá-la, nem para autorizá-la. A regra comum, para contratos administrativos em geral, é no sentido de que o contrato pode autorizar subcontratações (art. 78, VI). Mas será que essa regra se aplica ao caso do art. 24, XIII?
A resposta é que, na lógica da lei, estão implícitos certos limites. A sub- contratação total do contrato do art. 24, XIII é proibida, por não ser coerente com uma dispensa de licitação feita em função da pessoa contratada (trata-
-se de contratação intuitu personae). Já a subcontratação parcial é possível nos casos e limites em que ela não seja incoerente com a razão da preferência pela contratada (e, portanto, da dispensa de licitação).
Esses limites implícitos vieram a ser explicitados pela Lei no 8.958/1994, art. 1o, §4o, na redação que lhe deu a Lei no 12.349/2010. Segundo esse preceito, nas contratações de serviços para o “desenvolvimento institucional”, “é ve- dada a subcontratação total do objeto dos ajustes (...) bem como a subcontra- tação parcial que delega a terceiros a execução do núcleo do objeto contratado”.
São normais, portanto — pois coerentes com a dispensa de licitação —, as subcontratações parciais de atividades que não constituam o núcleo do objeto contratado.
E quando isso ocorre? Quando, mesmo com a subcontratação, a concep ção, direção e gerenciamento dos serviços permanecem sob a responsabilidade da ins tituição que foi contratada sem licitação pelo órgão público.
O que se espera de uma entidade escolhida, por exemplo, para organizar e aplicar um concurso público não é que faça absolutamente tudo diretamen- te, mas sim que conceba as provas e que selecione e gerencie com competência os fornecedores (gráfica, transportadoras, locais de prova, refeições, socorro
médico, segurança etc.), organizando o conjunto das operações e garantindo sua confiabilidade. Esse é o núcleo indelegável do objeto do concurso: a con- cepção e o gerenciamento. Seria antieconômico, e irrelevante para a boa exe- cução, a entidade ter imensa equipe interna, de empregados celetistas, para absolutamente todas as atividades operacionais, que podem ser realizadas melhor, e com custo menor, por terceiros, desde que sejam bem escolhidos e bem gerenciados, o que cabe à entidade.
Mas, por óbvio, seria ilícito contratar sem licitação, pelo art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993, uma entidade que nunca organizou concurso algum, não tem equipe alguma, não sabe organizar, não quer organizar e não vai organizar. Para que a entidade seria contratada, em um caso assim? Só para fazer serviço burocrático de secretaria, pois, uma vez contratada, ela em seguida subcontrataria tudo para uma só empresa especializada em concursos, que seria a verdadeira responsável pela concepção, direção e gerenciamento do concurso. Mas a função da entidade contratada pelo art. 24, XIII não pode ser apenas de secretaria, burocrática, isto é, não pode ser, em qualquer campo, apenas encontrar e pagar o subcontratado integral, pois este não é um serviço técnico profissional especializado, como exige o art. 24, XIII. Há implícita na lei uma “vedação à intermediação”, para usar as palavras de Xxxxxx Xxxxxx
Filho.19
Por outro lado, em serviços de consultoria especializada é normal que, sempre sob o comando e controle efetivos dos responsáveis da entidade, a equipe de trabalho seja um misto de consultores internos e de consultores sem vínculo trabalhista (prestadores de serviço pessoas físicas ou integrantes de outras pessoas jurídicas), alguns com relação exclusiva ou frequente com a entidade, outros com relação pontual. A inclusão de consultores não cele- tistas na equipe não é proibida, nem configura mera terceirização, desde que a concepção, direção e gerenciamento dos serviços sejam de fato feitos pela entidade, e não simplesmente repassados a terceiros estranhos.
Quando o TCU exige, como condição de licitude da contratação pelo art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993, que a entidade tenha “estrutura própria” para executar os serviços, essa jurisprudência não distingue entre estrutura própria interna e estrutura própria externa. A estrutura da entidade pode per- feitamente ser composta de consultores internos (contratados como celetistas ou como prestadores de serviço) e de consultores externos (prestadores de
19 Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Comentários à Lei de Licitações, op. cit., p. 443.
serviço como pessoa física ou por meio de pessoa jurídica), desde que se trate de uma estrutura existente, real, orgânica, integrada.
Já escrevi anteriormente:
Não é razoável exigir que os prestadores do serviço contratado com- provem vínculo empregatício permanente com a fundação. Tal exi- gência poderia tornar inviável a atividade das fundações, pois a maior parte dos contratos por elas celebrados são temporários e específicos, o que demanda uma intensa reciclagem dos profissionais que fazem parte dos seus quadros.20
Assim, desde que bem compreendida, a jurisprudência do TCU: nem exige que a estrutura seja só de empregados celetistas ou de fornecedores exclusivos (pois também é “própria” a rede de consultores externos que a entidade tenha montado e seja capaz de fazer funcionar com qualidade); nem quer impedir subcontratações parciais que não envolvem o núcleo do serviço. Nesse sentido é a afirmação do ministro Xxxxxx Xxxxxx, do TCU, admitin- do a subcontratação no caso do art. 24, XIII, desde que “para as atividades meramente acessórias, que não impliquem a transferência das atividades do contrato para um terceiro”.21
A jurisprudência, portanto, diz apenas o óbvio: o contrato com a entidade não pode ser simples simulação para permitir o repasse completo dos serviços a terceiros totalmente estranhos a ela. E, claro, a simulação não se presume, nem fica configurada pela só presença de consultores ou prestadores não celetistas na execução. A simulação tem de ser provada de maneira cabal, o que deman- da a análise fina e detalhada do modo como os serviços foram prestados.
É importante notar que o percentual do preço que a entidade, contratada com base no art. 24, XIII, gasta com fornecedores, consultores e prestadores de serviço em geral é, isoladamente, elemento insuficiente para provar a subcon- tratação integral ou a subcontratação do próprio núcleo do objeto.
A subcontratação parcial não se torna ilícita — nem se presume ilícita — por ter valor significativo em relação ao do contrato original (mais de 50%, p.ex.). Em geral, atividades operacionais, que são delegáveis a terceiros, têm
20 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx; XXXXXXXX, Xxxx. Fundações educacionais e licitação. PANTALEÃO,
L. (Org.). Fundações educacionais. São Paulo: Atlas, 2003. p. 258.
21 Acórdão nº 1.443/2013, 2a Câmara, rel. min. Xxxxxx Xxxxxx, x. 26-3-2013.
custo global mais alto do que as de concepção, direção e gerenciamento, as quais são fundamentais e indelegáveis (são o núcleo dos serviços). É o caso dos concursos públicos, em que o grosso dos custos é com o que se subcontra- ta (impressão e transporte de material, com aluguel de locais de prova, com pessoal eventual etc.).
Além disso, em serviços de consultoria, o pagamento de consultores in- ternos não celetistas e de consultores externos integrados à rede da entidade pode envolver percentual elevado do valor recebido pela entidade. Mas nem por isso é menos relevante o trabalho de concepção, direção e gerenciamento, a cargo da própria entidade, apenas por seu custo ser menor do que os demais. A relevância, a característica nuclear da atividade, não tem a ver com seu custo específico. Xxxxx, o caso da obra pública prova ser incorreto medir assim, por seu custo específico, a importância do trabalho de conceber, dirigir e ge- renciar os serviços (o núcleo do objeto), que é o que a empreiteira de fato tem de fazer diretamente. Do preço que uma empreiteira recebe do poder público, a menor parte, correspondente ao chamado BDI, é a remuneração por esse núcleo; a maior (80% ou mais) é para pagar fornecedores e mão de obra, que
pode ser terceirizada.
O grau de importância de uma prestação, no conjunto dos serviços, não se mede por seu custo. Como a atividade nuclear de um contrato não é ne- cessariamente a que envolve mais custos, é errado supor que subcontratações de alto valor caracterizem necessariamente a subcontratação do núcleo dos serviços, ou sejam, por si mesmas, indício de simulação.
Em resumo, a entidade contratada com base no art. 24, XIII não pode subcontratar integralmente o objeto, mas pode fazer subcontratações parciais, desde que, independentemente de seu valor, essas subcontratações não im- portem a delegação completa, a terceiros estranhos, do núcleo dos serviços, isto é, a delegação da própria concepção, direção e gerenciamento dos servi- ços contratados.
(H) Sem vício substancial, não se invalida contrato administrativo do art. 24, XIII já executado, nem se pune o contratado de
boa-fé
Não se pode, sem prova cabal de vício substancial, responsabilizar judi- cialmente entidade que tenha sido contratada na forma do art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993.
A entidade contratada de boa-fé na forma do art. 24, XIII, e que tenha cumprido suas obrigações, não pode sofrer as sanções da improbidade, ou ser por qualquer forma responsabilizada, em virtude de interpretações judiciais redutoras da norma legal, ou ainda por simples insuficiências formais, de res- ponsabilidade da administração, na justificativa da dispensa pela autoridade.
É exatamente o que afirmou o Tribunal de Justiça de São Paulo, em ação de improbidade envolvendo contratação com base no art. 24, XIII. O acórdão concluiu que, tendo sido realizado procedimento administrativo para justifi- cação da dispensa, tendo sido efetivamente prestados os serviços contratados e não havendo prova de prejuízo ao erário, há que se concluir que não houve a prática de ato de improbidade administrativa.22
Em outra oportunidade, o mesmo Tribunal decidiu: “Em nenhum passo se comprovou inadequação do preço, sua ausência de razoabilidade. Ou enri- quecimento ilícito de quem quer que seja”, razão pela qual não há improbida- de administrativa no ato de contratação direta com base no art. 24, XIII, pois a “improbidade administrativa pressupõe um ato ímprobo, desonesto, eivado de má-fé. Corrupção, em última análise. E isso não se percebe nos autos”.23
Não ocorre enriquecimento ilícito da contratada (Lei no 8.429/1992, art. 9o) nem lesão ao erário (art. 10) se os serviços foram prestados e não há prova de preço abusivo. Se não há prova de má-fé, também não se configura improbi- dade por lesão aos princípios (Lei no 8.429/1992, art. 11).
Sobre a configuração dos atos de improbidade administrativa, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) uniformizou a orientação ju- risprudencial a respeito do assunto, na linha da jurisprudência da Primeira Seção, decidindo:
A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento sub- jetivo da conduta do agente, razão pela qual é indispensável, para a sua caracterização, que a conduta do agente seja dolosa (condutas descritas nos artigos 9o e 11 da Lei 8.429/92), ou pelo menos eivada de culpa gra- ve (condutas do artigo 10).24
22 TJSP, Apelação Cível no 0023317-29.2004.8.26.0053, 7a Câmara de Direito Público, rel. des. Xxxxxx Xxxxx, v.u., j. 20-6-2011.
23 TJSP, Apelação no 0018692-23.2008.8.26.0566, 1a Câmara de Direito Público, v.u., rel. des. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, x. 22-2-2011.
24 STJ, AIA 30/AM, rel. min. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Corte Especial, v.u., j. 21-9-2011.
No caso de instituição não lucrativa idônea, a inviabilidade de que pes- soas físicas se apropriem, na qualidade de sócias, de proveito patrimonial da contratação questionada justifica plenamente, nos termos do parágrafo único do art. 12 da Lei no 8.429/1992, a não aplicação da sanção de proibição de contratar, inclusive pelo risco de descontinuidade de atividades de ensino e pesquisa de interesse do próprio Estado e da comunidade.25
(I) Vício substancial não se presume, prova-se
No julgamento da acusação de que a entidade não tinha aptidão para ser contratada na forma do art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993 não se pode consi- derar irregular o contrato se, já tendo ele sido executado — e bem executado, sem subcontratação ilícita do núcleo do objeto —, a entidade houver confir- mado na prática a confiança administrativa em sua aptidão.
Na contratação pelo art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993, a reputação ético-
-profissional da proponente e o juízo convergente de dois gestores públicos diferentes (o que dispensa a licitação e o que homologa o ato — art. 26, caput) justificam a presunção de validade da justificativa de preço que, em função da negociação, foi formulada pela entidade e aceita pela administração, para fins do art. 26, parágrafo único, III, não se podendo decretar irregularidade sem prova cabal, feita pelo autor da ação, quanto à abusividade do preço recebido.
(J) O autor é quem deve provar os vícios substanciais que alega haver no contrato
Na ação envolvendo contrato celebrado com base no art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993, é ônus do autor a prova cabal dos vícios substanciais, com os elementos de fato em que se baseia a acusação de irregularidade (Código de Processo Civil — CPC, art. 333, I), assegurada ao réu a produção de prova útil quanto a esses elementos (CPC, art. 333, II).
25 O STJ, analisando hipótese de improbidade do art. 10 da Lei no 8.429/1992, embora afirmasse a aplicabilidade ao caso das sanções do art. 12, II, ressalvou expressamente: “não é imperiosa a aplicação de todas as sanções descritas no art. 12 da Lei de Improbidade, podendo o ma- gistrado dosá-las segundo a natureza e extensão da infração” (AgRg no REsp no 479.812/SP, rel. min. Xxxxxxxx Xxxxxxx, 2a Turma, v.u., j. 2-8-2007).
O Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu (em ação que julgou a regularidade de contratação com base no art. 24, XIII) que o ônus de produzir prova do dano alegado é do Ministério Público. Além disso, reconheceu que, apesar da conclusão pela ilegalidade da dispensa e, portanto, pela invalidade do contrato, não havia que se falar em condenação ao ressarcimento ao erário, diante da ausência de prova do dano ao erário, da ausência da ocorrência de superfaturamento e da efetiva prestação dos serviços.26
Em outra oportunidade, o TJSP reafirmou que a ilegalidade da contrata- ção com base no art. 24, XIII precisa ser provada, tendo o autor da ação popu- lar o respectivo ônus da prova. A ausência de prova, aliada à efetiva prestação dos serviços e à ausência de prejuízo ao erário, conduz à improcedência da ação.27
Na ação em que se discute a validade de contrato celebrado com base no art. 24, XIII da Lei no 8.666/1993, é nula, por violação do art. 333, I do CPC, a sentença que, tomando como suficientes alegações ou documentos da petição inicial, relativas a fatos refutados pelos réus, presume a inaptidão da entidade para executar o objeto, presume a existência de simulação (para repassar ser- viços e recursos a terceiros), ou presume a abusividade do preço.
Constitui cerceamento de defesa, com violação dos arts. 330, I e 333, II do CPC, o julgamento antecipado da lide, com o consequente indeferimen- to da prova requerida pela entidade sobre as acusações quanto à sua aptidão e atuação efetiva na execução do objeto, quanto à suposta existência de si- mulação para repassar serviços ou recursos a terceiros ou quanto à suposta abusividade do preço.
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, em ação de improbidade em contratação do art. 24, XIII, que o réu tem o direito de produ- zir a prova testemunhal requerida, não podendo ser indeferida em primeira instância, pois ela é necessária, em respeito ao contraditório e à ampla defesa, para que o réu possa comprovar sua afirmação de que não houve má-fé, tam- pouco prejuízo ao erário e locupletamento indevido.28
26 TJSP, Apelação com Revisão no 9154817-54.2009.8.26.0000, 10a Câmara de Direito Público, rel. des. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, v.u., j. 2-4-2012.
27 TJSP, Apelação Cível no 0007105-92.2010.8.26.0223, 6a Câmara de Direito Público, rel. des. Leme de Campos, v.u., x. 31-1-2013.
28 TJSP, Agravo de Instrumento no 0035149-09.2013.8.26.0000, 3a Câmara de Direito Público, rel. des. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx, v.u., x. 6-5-2014.
(K) Prescreve em cinco anos a sanęão judicial de improbidade para o contratado
Segundo o art. 37, §5o da Constituição, a aplicação judicial das sanções por improbidade é sujeita a prescrição, a qual será prevista em lei e indepen- derá do regime da ação de ressarcimento.
Conforme ampla jurisprudência do STJ, a afirmação de que, em função do art. 37, §5o da CF, seriam imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erá- rio (afirmação polêmica, que o Supremo Tribunal Federal não confirmou até o momento), não significa que também seria imprescritível a aplicação das sanções específicas da lei de improbidade, pois para essas há sim prazo legal de prescrição (Lei no 8.429/1992, art. 23).29
O art. 23 da Lei no 8.429/1992 é o dispositivo específico sobre o prazo de prescrição para a sanção judicial da improbidade e, por isso, tem de incidir em toda ação relativa a sanção dessa natureza, seja o réu um agente público ou um particular.
O art. 23 da Lei no 8.429/1992 tem regra especial sobre o termo inicial da contagem da prescrição para a sanção judicial da improbidade apenas para os ocupantes de mandato, cargo em comissão ou função de confiança; para os demais casos, o início da prescrição se conta pelas regras comuns (art. 189 do Código Civil). O prazo prescricional para a aplicação das sanções de improbi- dade deve ser contado individualmente, segundo as regras legais aplicáveis a cada réu.
Tem havido divergência quanto ao termo inicial do prazo de prescrição em ação de improbidade envolvendo ao mesmo tempo particulares, em rela- ção a quem o início da contagem da prescrição se sujeita ao regime comum, e ocupantes de “mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança”, cuja contagem se inicia com o “término do exercício”, segundo o art. 23, I da Lei no 8.429/1992.
O STJ já decidiu que, nesses casos, os prazos prescricionais devem ser contados individualmente, de acordo com as regras próprias de cada réu. É que, mesmo sendo a ação decorrente de um mesmo fato ou contrato, se há vários réus, não só a responsabilidade é sempre apurada individualmente, em função da participação específica de cada um no ilícito, como também as san ções são essencialmente subjetivas, variando segundo as condições de cada réu.
29 AgRg no AREsp no 388.589/RJ, rel. min. Xxxxxxxx Xxxxxxx, 2a Turma, v.u., j. 6-2-2014.
Portanto, não há fundamento adequado para a interpretação de que, nesses casos, a prescrição deveria ser aplicada coletivamente, a partir da saída do último réu do cargo.30
No entanto, tem havido alguma instabilidade na jurisprudência a res- peito do assunto. Em 2006, o STJ acolheu tese do Ministério Público do Rio Grande do Sul em sentido oposto, limitada a este singelo fundamento: “os terceiros não agentes públicos jamais vão responder pelo ato de improbidade administrativa de forma isolada, haja vista que para a ocorrência do ilícito foi imperiosa a participação de um agente público”.31
Porém, a análise da jurisprudência, além de revelar a instabilidade juris- prudencial (a própria ministra Xxxxxx Xxxxxx, p.ex., tem decisões em sentidos diametralmente opostos), também demonstra a escassez de fundamento da tese em favor da unificação da contagem do prazo de prescrição.
De fato, essa tese não explica por que a multiplicidade de réus seria suficiente para a unificação da contagem. Ora, no direito brasileiro, a respon- sabilização é sempre analisada individualmente e sancionada também indivi- dualmente. Nas várias áreas do direito a prescrição é sempre pessoal, segundo regras especiais à condição de cada sujeito. No direito penal, por exemplo, é normal que, nos crimes em coautoria, seja reconhecida a prescrição em favor de um réu (em função de sua idade elevada, p.ex.), mas não de outro.
No caso da ação de improbidade, é impossível a unificação das prescri- ções do servidor e do particular, inclusive porque as sanções de cada um são muito diversas (são incabíveis para a empresa, p.ex., a perda da função públi- ca e a suspensão de direitos políticos). De outro lado, foi a própria lei que fez a distinção da contagem do prazo prescricional para certos agentes públicos (art. 23, I e II), descartando, assim, o regime único (mesmo para os agentes públicos). Por fim, a lei, ao tratar da improbidade praticada por terceiro, não servidor, foi expressa ao dizer que suas disposições seriam aplicáveis “no que couber” (art. 3o), rejeitando, portanto, qualquer aplicação em bloco de suas regras.
A conclusão é que, passados mais de cinco anos do término da execução de
contrato administrativo cuja execução se pretende questionar judicialmente,
30 Confira-se: STJ, REsp no 1.185.461/PR, rel. min. Xxxxxx Xxxxxx, 2a Turma, v.u., j. 1-6-2010; e
REsp no 1.088.247/PR, rel. min. Xxxxxx Xxxxxxxx, 2a Turma, v.u., j. 19-3-2009.
31 REsp. no 704.323, rel. min. Xxxxxxxxx Xxxxxx, 1a Turma, v.u., j. 16-2-2006. Esse entendimento já havia sido suscitado em acórdão do STJ de 2003 (REsp no 457.723/SP, rel. min. Xxxxxx Xxxxxx, 2a Turma, v.u., j. 10-6-2003; v. também AgRg no REsp no 1.159.035, rel. min. Xxxxxx Xxxxxx, 2a Turma, v.u., j. 21-11-2013) e é citado em algumas decisões do TJSP.
está prescrita a ação, nos termos do art. 23 da Lei no 8.429/1992, especificamente quanto à aplicação das sanções de improbidade ao particular contratado.32
Referências
XXXXXX, Xxxxx. Contratação direta sem licitação. 5. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Licitação pública. São Paulo: Malheiros, 2012.
XXXXXXX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública, 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx. Direito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx; XXXXXXXX, Xxxx. Fundações educacionais e licitação. In: XXXXXXXXX, X. (Org.). Fundações educacionais. São Paulo: Atlas, 2003.
32 O Tribunal de Justiça de São Paulo recentemente adotou a data de encerramento da execução do contrato como termo inicial da prescrição na ação para aplicação de sanções ao particular (TJSP, Agravo de Instrumento no 0254657-88.2012.8.26.0000, rel. des. Xxxxxxx Xxxxxx, 13a Câmara, v.u., j. 27-3-2013). O STJ já adotou a data de encerramento da execução do contrato administrativo como termo inicial de prescrição para o particular da ação de anulação do contrato (STJ, EResp 1.079.126/RS, rel. min. Hamilton Carvalhido, 1a Seção, j. 13-12-2010).