Alvará judicial - Contrato de cessão de direitos hereditários - Registro de imóveis - Propriedade - Transferência - Impossibilidade - Sucessão aberta - Inexistência
Alvará judicial - Contrato de cessão de direitos hereditários - Registro de imóveis - Propriedade - Transferência - Impossibilidade - Sucessão aberta - Inexistência
Ementa: Alvará judicial. Contrato de cessão de direitos hereditários. Registro imobiliário. Objetivo de transferên- cia de propriedade. Impossibilidade. Inexistência de su- cessão aberta.
- O contrato de cessão de direitos hereditários não constitui modo de aquisição da propriedade. Somente depois de concretizado o título de domínio advindo de cessão de direitos hereditários, o que se dá com o re- gistro do formal de partilha, é que adquire o cessionário a qualidade de proprietário do imóvel cedido.
Recurso improvido.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0701.06.162327-1/001 - Co-
marca de Uberaba - Apelantes: Xxxxxxxx Xxxxx e outros
- Relatora: DES.ª HELOÍSA COMBAT
Acórdão
Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incor- porando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimi- dade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 30 de outubro de 2007. - Heloísa Combat - Relatora.
Notas taquigráficas
DES.ª HELOÍSA COMBAT - Conheço do recurso, presentes os seus pressupostos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Trata-se de apelação cível interposta por Xxxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxx, nos autos do alvará judicial por eles ajuizado com o objetivo de regis- trar escritura pública de cessão de direitos hereditários, pretendendo a reforma da r. sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara de Execução Fiscal, Falência e Regis- tros Públicos, que julgou improcedente o pedido inicial. A r. sentença fundamentou-se no fato de que o contrato de cessão de direitos hereditários encerra mera relação obrigacional, razão pela qual não comporta re-
gistro ou averbação a cargo do Registro de Imóveis.
Argumentou, ainda, o douto Magistrado que a par- tilha dos bens relativos aos direitos hereditários adquiridos se efetivou há mais de vinte anos, de forma que os autores deveriam ter adquirido o próprio bem mediante escritura pública de compra e venda, e não os direitos hereditários, o que só é possível quando existir sucessão aberta.
Nas razões apresentadas às f. 51/57, sustentam os apelantes que, conforme prescreve o art. 80, II, do Código Civil, considera-se imóvel, para os efeitos legais, o direito à sucessão aberta.
Enfatizam que, em se tratando de bens imóveis, a sua aquisição se opera pelo registro do título translativo no cartório competente, nos termos do art. 1.227, caput, e art. 1.245, § 1º, da lei civil pátria.
Alegam que a aquisição do domínio ou pro- priedade de coisa imóvel se adquire pela transcrição do título de transferência no registro imobiliário, e não pelo contrato de escritura de compra e venda.
Afirmam que os adquirentes de direitos à herança indivisa apenas se tornam proprietários do todo ou de parte do espólio se transcreverem o título de transferência. Aduzem que a lei não distingue a propriedade por natureza da propriedade por ficção legal, sendo admis-
xxxxx, em ambas as hipóteses, o registro.
Acrescentam que a partilha já se efetivou há quase vinte anos, sendo que o bem ora em litígio restou exclu- sivamente para a Sr.ª Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, sendo irre- levante que a referida herdeira leve a registro o formal de partilha, posteriormente ao registro do imóvel.
Por fim, defendem a propriedade do contrato cele- brado entre eles e a herdeira do de cujus, pois, embora inexistisse à época sucessão aberta frente ao órgão de registro, o proprietário do imóvel era o Sr. Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, que, por já ter falecido, não poderia assinar a escritura pública.
A controvérsia estabelecida neste apelo gira em torno da possibilidade de se registrar no Cartório Imo- biliário a escritura de cessão de direitos hereditários, por meio da qual os recorrentes adquiriram imóvel de uma das herdeiras de Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, que era proprietário do bem.
Consta dos autos que os autores adquiriram em 26.06.06, de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, os direitos here- ditários no espólio de Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx re- lativos ao imóvel, situado no Município de Uberaba, na Fazenda até então denominada, Inhaúmas e, a partir do presente ato, Fazenda Santa Clara, constituído por uma gleba de terras de culturas e campos, com área de oiten- ta e sete hectares e noventa e seis ares, devidamente descrito à f. 26.
Referido imóvel pertence a Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx por força do auto de partilha de f. 11/22, lavrado em 15.04.88, que, no item 8, atribuiu à referida herdeira a propriedade daquele bem.
Ocorre que o mencionado formal de partilha não foi levado a registro e, no Cartório de Imóveis, o bem adquirido pelos autores ainda consta como sendo de propriedade do de cujus Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, o que levou as partes a celebrarem contrato de cessão de direitos hereditários sobre o referido imóvel, ao invés de escritura de compra e venda daquele bem.
Pretendem os requerentes registrar a escritura pública de cessão de direitos hereditários, para assegu- rar o seu direito de propriedade sobre o bem adquirido, tendo em vista que a cedente não promoveu o registro do formal de partilha.
Registre-se, primeiramente, que, no momento da celebração do contrato de cessão de direitos here- ditários, a partilha já estava concretizada há quase dezoito anos, sendo pouco crível que os autores não
TJMG - Jurisprudência Cível
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tivessem conhecimento de que o registro daquele ato ainda não havia sido realizado.
Vale ressaltar que, se os autores celebraram con- trato de cessão de direitos hereditários, e não de compra e venda, é porque sabiam que o formal de partilha não estava registrado e, por conseguinte, o bem não se encontrava, ainda, na propriedade da cedente.
Cabe, contudo, avaliar se é possível registrar no Cartório de Imóveis a escritura de cessão de direitos hereditários, com o fim de transferir a propriedade do imóvel rural nela descrito para os apelantes, cessionários. Ressalte-se que o contrato de cessão de direitos hereditários não constitui modo de adquirir propriedade, uma vez que os herdeiros só podem transferir o domínio
da herança após o registro do formal de partilha.
Somente depois de concretizado o título de domínio advindo de cessão de direitos hereditários, é que adquire o cessionário a qualidade de proprietário do imóvel litigioso.
Com efeito, consta do art. 167 da Lei 6.015/73, extenso rol dos direitos que podem ser objeto de registro no Cartório de Imóveis, não estando ali elencada a ces- são de direitos hereditários.
Observe-se que referido rol é taxativo, não admitindo interpretação extensiva que permita concluir pela possibilidade de se registrar no Cartório de Imóveis o contrato de cessão de direitos hereditários.
Consta, ainda, do item 25 daquele dispositivo a possibilidade de se registrar os atos de entrega de lega- dos de imóveis, dos formais de partilha e das sentenças de adjudicação em inventário ou arrolamento quando não houver partilha.
Desse preceito legal, infere-se não ser possível re- gistrar o contrato de cessão de direitos hereditários sobre determinado imóvel, com o objetivo de transferir a sua propriedade, sendo necessário que haja, primeiramente, registro do formal de partilha, esse sim, devidamente previsto no rol supra-referido.
Também o art. 172 da Lei de Registros Públicos, ao dispor sobre a escrituração no Registro de Imóveis, não menciona o contrato de cessão de direitos hereditários, prescrevendo apenas que:
No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para sua disponibilidade.
Os direitos de transmissão de herança têm natureza meramente obrigacional, não se sujeitando ao registro no Cartório de Imóveis.
Não se olvide que o art. 80, II, do Código Civil de 2002, considera como bem imóvel, para os efeitos legais, o direito à sucessão aberta.
Todavia, trata-se de ficção legal, que não pode ser alegada para o efeito de transferir a propriedade do bem cedido. Essa ficção tem por objetivo estabelecer critérios mais rigorosos na transferência de quinhão hereditário,
tal como a exigência de escritura pública, não tendo o condão de autorizar o registro de imóvel adquirido por cessão de direitos hereditários, antes que o formal de partilha reste aperfeiçoado, o que se dá com o seu re- gistro no Cartório de Imóveis.
É necessário observar também a continuidade do registro público, ou seja, ele deve refletir, com fidelidade, a cadeia sucessiva dos proprietários do bem.
Assim, impõe-se, primeiramente, o registro do for- mal de partilha no Cartório de Imóveis, por meio do qual a cedente, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, adquirirá a pro- priedade do bem objeto da cessão, para, posterior- mente, transferi-lo aos apelantes.
Portanto, não é possível o registro do contrato de cessão de direitos hereditários com o objetivo de trans- ferir o domínio do bem adquirido, que ainda integra a massa, já que não houve registro do formal de partilha.
Nesse sentido, já decidiu este TJMG:
Ação anulatória. Cessão de direitos hereditários. Bem imó- vel. Inventário. Sem anuência de todos os herdeiros necessários. Possibilidade. - O contrato de cessão de direitos hereditários dá direito aos cessionários apenas de se habi- litarem no inventário, uma vez que a cessão de direitos não constitui modo de adquirir propriedade, visto que os herdeiros só podem transferir o domínio da herança após o registro do formal de partilha, pois a universalidade de bens que adquiriram é indeterminada, deixando de ser indefinida somente após a partilha, advindo daí que os herdeiros não se desfizeram da propriedade do bem (Apelação Cível nº 2.0000.00.450025-0/000, Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Xxxxxxx Xxxxxxx, DJ de 18.12.04).
Dúvida. Registro de imóveis. Cessão de direitos hereditários. Procedência. - Segundo dispõem os arts. 167 e 172 da Lei nº 6.015/73, apenas os direitos reais sobre imóveis reco- nhecidos em lei podem ser objeto de registro e averbação concernentes aos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos. - Tratando-se de cessão onerosa de direitos sobre herança, cabe ao cessionário promover o inventário e, posteriormente, obter a adjudicação dos bens deixados. Recurso a que se nega provimento (Apelação Cível nº 1.0000.00.335780-3/000, Sexta Câmara Cível, Rel. Des. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx, DJ de 07.11.03).
Portanto, o contrato de cessão de direitos here- ditários não constitui modo de adquirir propriedade, sendo que somente depois de concretizado o título de domínio, que se dá através do registro do formal de partilha, é que adquire o cessionário a qualidade de proprietário.
Os autores pagaram à herdeira/cessionária a quan- tia de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) pelos direitos hereditários e, caso se sintam prejudicados pela sua inér- cia, podem adotar providências nas vias adequadas.
Com tais considerações, nego provimento ao recurso, para confirmar a r. sentença.
Custas, ex lege.
Votaram de acordo com o Relator os DESEMBAR- GADORES XXXXX XXXXXX e XXXXXX XXXXXXX.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.
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