Consumidor/segurado:
Consumidor/segurado:
A parte débil na tríade do contrato de seguro do Ramo Vida.
Deveres de Informação do Segurador no Contrato de Seguro de Grupo do Ramo Vida e Consequências da Falta de Cumprimento de Tais Deveres.
Rute Saraiva
(Juiz de direito)
Sumário: I. Introdução. II. Contrato de Seguro de Grupo. III. Aplicação da Lei no Tempo.
IV. Deveres de Informação do Segurador no Contrato de Seguro de Grupo. VI. Cobertura e Cláusulas Contratuais Excludentes. VII. Responsabilidade do Segurador pela Falta de Comunicação do Clausulado Contratual. VIII. Conclusão.
I. Introdução1
O tema que me proponho tratar convoca-nos para a sociedade de consumo em que vivemos, onde os inúmeros contratos que subscrevemos são previamente redigidos pelo “agente económico mais forte”, encontrando-se a autonomia privada manifestamente diminuída. Tal situação agrava-se quando estamos perante “bens ou serviços fundamentais para o bem-estar do indivíduo, em que o mesmo está refém daquilo que lhe é proposto, por não ter liberdade económica para optar por outra alternativa mais favorável aos seus interesses”2.
“O modo normal de formação dos contratos de seguro assenta no recurso a cláusulas contratuais gerais, predispostas unilateralmente pelos seguradores, que
1 Texto escrito de acordo com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).
2 NOVERSA, Vasco, “Deveres de Informação do Segurador no Contrato de Seguro de Grupo”, Dissertação de Mestrado, Universidade Católica Portuguesa, disponível em xxxxxxxxxxx.xxx.xx, Porto, 2016, pp. 6 e 7.
têm um poder negocial mais forte e um maior nível de informação em relação ao funcionamento e regulamentação do mercado dos seguros do que os tomadores de seguro e/ou segurados, que se limitam a aceitá-las sem ter grande margem para as negociar ou alterar, exigindo-se uma especial protecção dos últimos, a qual se sente, exactamente, na imposição de diversos deveres de informação pré-contratuais aos seguradores (…)”3.
Neste tipo de contratos a autonomia privada subsiste apenas pela aceitação do aderente e informações por si prestadas, designadamente, no que respeita ao seu estado de saúde, pelo que face à assimetria de informação detida pelas partes, cumpre aferir como o legislador se propôs ultrapassá-la, designadamente, no que aos contratos de seguro de grupo do ramo vida associados ao crédito à habitação diz respeito.
Efectivamente, há um núcleo específico de interesses a proteger neste tipo de contratos de seguro, sendo o equilíbrio jurídico pretendido alicerçado num corpo normativo de deveres pré-contratuais de informação, que lhe confere especificidades inexistentes na generalidade dos contratos celebrados em outras áreas do direito.
II. Contrato de Seguro de Grupo
A. Noção e Natureza
O contrato de seguro em geral é a “convenção por virtude da qual uma das partes – segurador – se obriga mediante retribuição – prémio – pago pela outra parte
– segurado – a assumir um risco ou conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro, uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado”4.
3 GOMES, Júlio, «O dever de informação do tomador de seguro na fase pré-contratual», II Congresso Nacional de Direito dos Seguros, Memórias, Coordenação de Xxxxxxx Xxxxxxx e X. Xxxxx Xxxxxxx, p. 76.
4 Acórdão do STJ, datado de 15 de Maio de 2008 (disponível in xxx.xxxx.xx.).
No âmbito do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril5 (LCS), refere-se que, de modo a evitar intencionalmente a definição de contrato de seguro, se optou por identificar os deveres típicos do contrato de seguro.
O art. 1.º da LCS enuncia que “por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”.
O contrato de seguro é um contrato bilateral, sinalagmático, oneroso, aleatório, duradouro e tendencialmente formal6.
No que respeita ao contrato de seguro de grupo, a al. g) do art. 1.º do Decreto- Lei n.º 176/95, de 26 de Julho7 (RTS), definia-o como o “seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum”.
Por sua vez, o art. 76.º da LCS define o contrato de seguro de grupo como um contrato que “cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar”.
No RTS exigiam-se duas interligações, a saber, “o conjunto de pessoas entre si” e outra relativa ao “conjunto de pessoas ao tomador”, enquanto na actual LCS apenas se refere esta última, dando lugar ao “vínculo que não seja o de segurar”.
Tal alteração acompanha o regime das legislações estrangeiras, sem qualquer intuito restritivo8.
Como refere o Conselheiro Xxxxx Xxxxx0, a doutrina debate-se há muito com a classificação dos seguros de grupo, oscilando entre a tese segundo a qual apenas existe um contrato de seguro, entre o segurador e o tomador, surgindo depois
5 Designado entre a Doutrina como Lei do Contrato de Seguro.
6 Quanto a esses caracteres e sua precipitação no contrato de seguro, vide XXXXXXX, Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxxx, O Seguro de Vida enquanto tipo contratual legal, Coimbra Editora, pp. 52 e ss.
7 Regime da Transparência nos Seguros, que estabelece regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro.
8 Para mais desenvolvimentos, vide BRITO, Xxxx Xxxxx de, in «Lei do Contrato de Seguro Anotada», 2016, 3.ª Edição, Almedina, art. 76.º.
9 Acórdão do STJ, datado de 13 de Setembro de 2016 (disponível in xxx.xxxx.xx.).
vínculos contratuais entre o tomador e os terceiros aderentes, vínculos a que o segurador é xxxxxx e a tese segundo a qual o contrato de seguro de grupo é apenas um contrato quadro, existindo tantas relações de seguro quantas as adesões, passando pelas construções de um seguro por conta de outrem ou, alternativamente, de um contrato a favor de terceiro.
Xxxxx Xxxxx define o contrato de seguro de grupo “como o contrato celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro a que aderem, como pessoas seguras, os membros de um determinado grupo ligado ao tomador”10, não lhe atribuindo uma natureza jurídica distinta do contrato de seguro em geral. Mais refere que “o seguro de grupo assenta numa relação tripartida. Como vértices do triângulo temos a seguradora, o tomador do seguro e o aderente. A seguradora celebra um contrato com o tomador de seguro. Os membros do grupo aderem a esse contrato. A seguradora garante aos aderentes as coberturas resultantes desse contrato. (…) o contrato celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro cria o quadro em que se desenrolaram as relações de seguro propriamente ditas e que se estabelecem entre a seguradora e os aderentes”.
Por sua vez, Xxxx Xxxxx entende que o seguro de grupo possui uma estrutura suis generis, mais complexa, cuja “amplitude de configurações que pode assumir inviabiliza a aproximação a outra categoria classificatória”11.
Xxxxxxxxx Xxxx Rego caracteriza o contrato de seguro de grupo como aquele que “(i) é celebrado por um tomador; (ii) por conta de vários segurados; (iv) ligados ao subscritor por um vínculo distinto do de segurar; (v) cobrindo cumulativamente (vi) riscos homogéneos de todos os terceiros-segurados; (vii) com perfeita separabilidade; e (viii) sem uma correlação positiva forte entre os riscos dos terceiros-segurados” 12.
10 Intermediação de Seguros e Seguro de Grupo, Almedina, 2007, p. 345.
11 O dever de declaração inicial do risco no contrato de seguro, Almedina, 2013, p. 637.
12 Contrato de Seguros e Terceiros – Ensaio de Direito Civil, Coimbra Editora, 2010, pp. 809 e ss.
Sobre a cadência da formação do contrato deste tipo de seguro lê-se no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 5 de Março de 200913: «I - A formação do seguro de grupo ocorre em dois momentos. Num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo. II - O seguro de grupo assenta numa relação tripartida, entre a seguradora, o tomador de seguro e o aderente».
Em face da noção abrangente do contrato de seguro de grupo, como realça Xxxx Xxxxx dos Reis14, este distingue-se do seguro de grupo individual pelas especificidades respeitantes à estrutura e ao modo de formação do contrato, designadamente, pela:
(i) existência de uma dissociação subjectiva entre o tomador, segurado e segurador;
(ii) prévia identificação e delimitação de um conjunto possível de segurados mediante o recurso a “critérios de elegibilidade”, dos quais se destaca a noção de “grupo”; e
(iii) possibilidade de adesão ao contrato de seguro por diferentes
membros daquele “grupo” ao longo do tempo.
No que aos sujeitos respeita, das definições acima propostas resulta evidente uma estrutura específica, sendo que o seguro de grupo pressupõe uma tríade de sujeitos intervenientes: o segurador, o tomador do seguro e a pessoa ligada ao tomador por um vínculo que não seja o de segurar, o segurado.
No regime anterior à LCS, a seguradora era definida como a sociedade anónima ou a mútua de seguros que assume o risco de certo evento futuro e incerto, devendo observar as condições constantes dos arts. 7.º e ss. do Decreto-Lei
14 Os deveres de informação no contrato de seguro de grupo, disponível em xxx.xxxx.xxxxxx.xx, acesso em 20/09/18.
n.º 94-B/98, de 17 de Abril15 (RGAS) e al. a) do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho (RTS).
O tomador do seguro era a “entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento do prémio” (art. 1.º, al. f), do Decreto-Lei n.º 176/95), sendo o segurado, por seu turno, aquele em cujo interesse o contrato é celebrado (art. 1.º, al. c), 1.ª parte, do Decreto-Lei n.º 176/95). Por sua vez, nos seguros de pessoas surge a figura da pessoa segura: “(…) a pessoa cuja vida, saúde ou integridade física se segura” (art. 1.º, al. c), 2.ª parte, do Decreto-Lei n.º 176/95). Relativamente ao beneficiário, o mesmo era definido como o destinatário da prestação da seguradora em caso de verificação do sinistro (art. 1.º, al. e), do Decreto-Lei n.º 176/95).
O actual regime jurídico do contrato de seguro limita-se a enunciar, quanto aos sujeitos, em sede dos arts. 16.º e 17.º da LCS, a necessária autorização legal do segurador e a figura da representação do tomador do seguro.
Transpondo tais sujeitos para os contratos de seguro de grupo do ramo “vida” associados ao crédito à habitação, temos a entidade seguradora, o tomador do seguro - a instituição bancária/mutuante/beneficiário - e a pessoa ligada ao tomador - o mutuário ou pessoa segura.
Por sua vez, nos termos da Norma n.º 17/95-R, de 12 de Setembro, aprovada pelo Instituto de Seguros de Portugal, no caso de um seguro de grupo pertencente ao ramo “Vida”, o tomador do seguro terá de ser: (i) uma pessoa colectiva, de direito público ou privado; (ii) uma entidade empresarial; (iii) uma entidade ligada às pessoas seguras por um vínculo ou interesse comum anterior e estranho à realização do seguro, tais como associações culturais, desportivas, empresariais, sindicais ou outras (Cap. III, B, 9.)16.
15 Regula as condições de acesso e de exercício da actividade seguradora e resseguradora no território da Comunidade Europeia.
16 Como refere Nuno Trigo dos Reis, cfr. op. cit. na nota 13, “Pode dizer-se que o tomador surge, tipicamente, como: (i) um empregador; (ii) uma organização profissional; (iii) uma associação; (iv) uma entidade financeira; (v) uma empresa que coloque os seus produtos ou serviços no mercado”.
Como bem elucida Xxxx Trigo dos Reis, no contrato de seguro de grupo, o beneficiário pode coincidir com o tomador de seguro, o aderente ou um terceiro. No primeiro caso, tal acontece no contrato de seguro destinado a cobrir os riscos de morte, doença ou de desemprego das pessoas seguras num seguro de grupo associado a contratos de mútuo. No segundo caso, temos como exemplo o seguro destinado a cobrir os riscos de carácter sócio-profissional que garantam prestações de reforma, incapacidade ou invalidez num seguro de grupo celebrado por um empregador a favor dos seus trabalhadores. No terceiro, o exemplo típico é o seguro de vida em caso de morte17.
Mas a definição de seguro de grupo também exige a interligação do grupo ao tomador por um vínculo distinto do de segurar.
Tal interligação pretende afastar a qualificação de seguro de grupo de uma pluralidade de pessoas que, de comum, nada tenham entre si além do propósito de aceder ao seguro. A lógica de tal requisito prende-se com a necessidade de evitar que “um elevado número de pessoas num estado de saúde precário, dedicadas a profissões arriscadas ou que possuam alguma peculiaridade sensível à aferição do risco se organizassem para aderir a um contrato de seguro”18.
Afigura-se-nos que o critério que une os membros do grupo ao tomador possa ser meramente economicista, sendo os aderentes no contrato de grupo do ramo vida associado ao crédito à habitação, por norma, clientes da mesma instituição bancária.
Refira-se, ainda, que a lei não exige qualquer requisito numérico para a qualificação de uma pluralidade de segurados como grupo, pelo que é suficiente um seguro com um total de dois segurados/aderentes, sendo que os contratos celebrados para grupos maiores não perderão a sua natureza em caso de redução. No entanto, os membros do grupo não podem coincidir com um agregado familiar ou um conjunto de pessoas a viver em economia comum, porquanto, nesse
17 Cfr. op. cit (nota 13).
18 Cfr. op. cit (nota 13).
caso, a lei impõe que tal contrato seja havido como singular (art. 176.º, n.º 2 da LCS), o que terá na sua ratio a insuficiente separabilidade dos riscos relativos a este grupo de pessoas.
Mas a definição de seguro de grupo implica, ainda, que estejamos perante a cobertura de riscos homogéneos dos membros do grupo, não obstante os riscos de os segurados serem autónomos entre si.
No que concerne ao seguro de vida, dispõe o art. 183.º da LCS que “No seguro de vida, o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou sobrevivência da pessoa segura.”
Por sua vez, preceitua o art. 184.º, n.º 1, al. a) da LCS, que os seguros complementares dos seguros de vida relativos a danos corporais incluem, nomeadamente, a incapacidade para o trabalho e a morte por acidente ou invalidez em consequência de acidente ou doença.
Assim, os seguros vida em caso de morte são aqueles em que o segurador se obriga ao pagamento, a um beneficiário designado, de um montante, pela morte da pessoa segura durante a vigência do contrato.
Nos seguros de vida em caso de vida, o segurador obriga-se a pagar um capital no final do contrato se a pessoa segura se encontrar viva nessa data.
Por outro lado, os contratos mistos são aqueles que têm dupla garantia, obrigando-se o segurador ao pagamento de um capital, em caso de morte da pessoa segura, no âmbito da vigência do contrato (efectuado aos beneficiários designados) e, em caso de vida desta, no termo do contrato ou em vários momentos pré- definidos da vigência da apólice.19 20
Assim, atentas as especificidades do contrato de seguro de grupo acima enunciadas, considero não estarmos perante um mero contrato-quadro, mas sim perante um verdadeiro contrato de seguro distinto dos demais, o qual é celebrado
19 Vide POÇAS, Xxxx, in “Estudos do Direito dos Seguros”, Xxxxxxx e Xxxxxx, Lda., pp. 33 a 35.
20 Relativamente aos diversos subtipos contratuais do ramo “vida” remeto para o elenco efectuado por Xxxx Xxxxx, in op. cit., pp. 32 a 48.
por um único tomador com o segurador, por conta de vários terceiros segurados, titulares de riscos homogéneos cobertos pelo seguro.
Por último, refira-se que o Instituto de Seguros de Portugal, na sequência da noção de acidente consagrada relativamente ao seguro de acidentes pessoais, adveniente da Apólice Uniforme de Seguros de Acidentes Pessoais, considera “acidente corporal toda a lesão ocasionada por qualquer força externa, súbita, fortuita e violenta que possa causar ao segurado a morte, a invalidez permanente ou a incapacidade temporária para o trabalho”, tem vindo a uniformizá-la no sentido de definir acidente como o “acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a acção de causa exterior e estranha à vontade da pessoa segura e que nesta origine lesões corporais”21.
B. Modalidades
No que respeita à função económica que as partes visam prosseguir com a celebração de um contrato de seguro de grupo, pode dizer-se que se encontram duas concepções distintas:
(i). aquela em que o seguro de grupo surge associado a uma função de previdência, numa lógica de complementaridade ou subsidiariedade em face das atribuições do Estado;
(ii). uma concepção mais ampla, em que o seguro de grupo constitui modalidade especial do contrato de seguro, em razão da sua estrutura objectiva e subjectivamente complexa, que se reflecte nos momentos de formação, execução e extinção do contrato de seguro e dos vínculos entre tomador e segurado.
Na primeira, o seguro de grupo surge associado à relação laboral, como forma de retribuição indirecta do trabalhador, ou complemento dos respectivos benefícios sociais, como são os casos do seguro de vida e o seguro de saúde.
21 XXXXXXX, Xxxx, in “Contrato de Seguro”, pp. 397 a 401.
Na segunda, o seguro de grupo difere do seguro singular pelas especificidades acima referidas, contemplando, quer o ramo vida, quer o ramo não vida22.
No que concerne ao pagamento do prémio, nos termos do disposto no art. 77.º da LCS, o seguro de grupo poderá ser contributivo ou não contributivo23. O contrato de seguro de grupo diz-se contributivo quando do mesmo resultar que os segurados terão de suportar, no todo ou em parte, o pagamento do montante correspondente ao prémio devido pelo tomador do seguro (n.º 2 do art. 77.º da LCS). Poderá também ser acordado que os segurados paguem directamente ao segurador a respetiva parte do prémio (n.º 3 do art. 77.º da LCS).
No que respeita às modalidades de adesão existentes no mercado, numa classificação baseada nos modos de aquisição da cobertura do seguro por cada um dos segurados, distingue-se a cobertura automática daquela que carece de adesão.
Na primeira classificação, os segurados encontram-se cobertos pelo simples facto de pertencerem ao grupo descrito no contrato como grupo seguro, sendo mais frequente nos casos dos seguros de grupo pertencentes ao ramo “Não Vida”, designadamente, nos seguros de responsabilidade civil profissional, ou de danos associados à compra de bens de consumo.
Na segunda, a participação do tomador tem efeito constitutivo, estendendo- se a cobertura a cada um dos segurados somente após a sua adesão ao segurador24. É o que sucede tipicamente nos seguros do ramo “Vida”, designadamente, no seguro de grupo de vida ou doença celebrado pelo empregador a favor dos seus trabalhadores, como forma de remuneração ou estímulo à produtividade; seguro de grupo de vida ou de saúde celebrados por sindicatos ou outras associações em benefício dos respectivos associados; seguro de grupo de vida celebrado por uma entidade financeira ao qual podem aderir os seus clientes.
22 XXXX, Xxxx Xxxxx, cfr. op. cit., na nota 13.
23 A destrinça entre seguros de grupo contributivo ou não contributivo já estava consagrada no art 1.º, als. h) e i) do RTS.
24 XXXX, Xxxxxxxxx Xxxx, cfr. op. cit., na nota 12, pp. 777 e segs.
No que respeita ao risco nos contratos de seguro colectivos verifica-se, igualmente, uma pluralidade de segurados, mas nestes inexiste uma variabilidade do número de elementos do grupo e a determinação do risco corresponde à soma dos riscos que recaem sobre os segurados, enquanto no contrato de seguro de grupo o risco é determinado em função do grupo em si, tendo por base fórmulas específicas25.
III. Aplicação da Lei no Tempo
Nos termos do disposto no art. 7.º do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, a LCS entrou em vigor em 01.01.2009, pelo que a mesma regerá todos os contratos de seguro celebrados após as zero horas do primeiro dia de 2009.
Tal Decreto-Lei aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, tendo revogado, na quase totalidade, o Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de Julho, bem como os arts. 425.º a 462.º do Código Comercial (art. 6.º, n.º 1, als. a) e e), da norma revogatória).
Nos termos previstos no art. 2.º, n.º 1 da LCS, “O disposto no regime jurídico do contrato de seguro aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a entrada em vigor do presente decreto-lei, assim como ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes.
O preceito legal citado encerra o regime geral de aplicação no tempo, correspondente ao art. 12.º do Código Civil, concretizando as especificidades de direito transitório26.
A nova lei aplica-se, na totalidade, aos contratos de seguro celebrados a partir de 1 de Janeiro de 2009, bem como às situações jurídicas constituídas em
25 Remete-se para a lição de Margarida Lima Rego, cfr. op. cit., na nota 12, pp. 777 e segs.
26 Vide anotação do Prof. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx ao art. 2.º do Preâmbulo da LCS Anotada, 2016, 3.ª Edição, Almedina.
momento anterior que perdurem nessa data, tão só no que respeita ao seu conteúdo.
Como se explica no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Dezembro de 201227, a propósito da aplicação no tempo do regime jurídico do contrato de seguro, “(…) não é viável analisar eventuais vícios que afectam o contrato – no que concerne, por exemplo, à forma que deve revestir o contrato, às exigências alusivas às declarações no preenchimento da proposta de seguro e em sede de comunicações das cláusulas respectivas – bem como os respectivos mecanismos de reacção e/ou defesa dos contraentes, à luz dos critérios enunciados na lei nova, que as partes, obviamente, não podiam prever nem, razoavelmente, contar, orientação que sempre decorreria do art. 12.º do Cód. Civil”.
A LCS contém duas normas de aplicação no tempo, a saber: uma para os contratos renováveis, prevista no art. 3.º, e outra que rege para os contratos não sujeitos a renovação, contida no art 4.º.
Na primeira situação, dispõem os números 1 e 2 do art. 3.º que: “Nos contratos de seguro com renovação periódica, o regime jurídico do contrato de seguro aplica-se a partir da primeira renovação posterior à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, com excepção das regras respeitantes à formação do contrato, nomeadamente as constantes dos artigos 18.º a 26.º, 27.º, 32.º a 37.º, 78.º, 87.º, 88.º, 89.º, 151.º, 154.º, 158.º, 178.º, 179.º, 185.º e 187.º do regime jurídico do contrato de seguro”. (n.º 1)
“As disposições de natureza supletiva previstas no regime jurídico do contrato de seguro aplicam-se aos contratos de seguro com renovação periódica celebrados anteriormente à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, desde que o segurador informe o tomador do seguro, com a antecedência mínima de 60 dias em relação à data da respectiva renovação, do conteúdo das cláusulas alteradas em função da adopção do novo regime”. (n.º 2)
27 Disponível in xxx.xxxx.xx.
Deste modo, nos contratos com renovação periódica celebrados antes de 1 de Janeiro de 2019, a lei nova aplica-se a partir da data da primeira renovação ocorrida na vigência do contrato, pelo que poderá ocorrer uma sobrevigência da lei antiga, que continuará a reger o contrato até à referida renovação.
No caso dos contratos não renováveis, preceitua o art. 4.º, n.ºs 1, 2 e 3, que: “Nos seguros de danos não sujeitos a renovação, aplica-se o regime vigente à data da celebração do contrato. (n.º 1)
“Nos seguros de pessoas não sujeitos a renovação, as partes têm de proceder à adaptação dos contratos de seguro celebrados antes da entrada em vigor do presente decreto-lei, de molde a que o regime jurídico do contrato de seguro se lhes aplique no prazo de dois anos após a sua entrada em vigor”. (n.º 2)
3 - A adaptação a que se refere o número anterior pode ser feita na data aniversária do contrato, sem ultrapassar o prazo limite indicado”. (n.º 3)
Relativamente aos contratos de seguro de vida, a regra é a da adaptação obrigatória, estando as partes vinculadas a adaptar os contratos ao novo regime, tendo para o efeito um período máximo de dois anos.
No caso da adaptação contratual referida não ter sido efectivada pelas partes no prazo acima referido, afigura-se-me que a relação jurídica ter-se-á de reger pela legislação transata.
IV. Deveres de Informação do Segurador no Contrato de Seguro de Grupo
A. Dos Deveres de Informação em Geral
A defesa do consumidor/segurado radica no instituto da boa-fé, no que concerne à violação dos deveres de informação pré-contratuais.
Efectivamente, quer na fase negociatória, quer na fase de decisão, a lei impõe que cada parte “deve (…) proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte” (art. 227.º do CC).
Doutrinariamente, têm-se destacado como deveres emergentes da boa-fé, o de informação, de lealdade e de sigilo. O dever de informação decorre da exigência
de um comportamento de acordo com a boa-fé, a que as partes estão adstritas, devendo prestar todos os esclarecimentos necessários à celebração do contrato. É impossível cindir o fundamento do dever e, consequentemente, as consequências da sua violação, do princípio da confiança28.
É comum distinguir-se os deveres de esclarecimento dos deveres de informação na medida em que os primeiros pressupõem um cumprimento espontâneo por parte do devedor, desde que verificada a circunstância que lhe deu origem, enquanto os segundos surgem em consequência de um pedido de informações. Os deveres de esclarecimento têm por finalidade permitir que uma pessoa não aja contrariamente aos seus interesses (tipicamente, uma pessoa carecida de protecção acrescida) e os deveres de informação visam possibilitar ao credor o conhecimento ou exercício dos seus direitos29.
Como refere Xxxxx Xxxxxx Teles30, têm surgido regulamentações mais ou menos extensas de deveres de informação pré-contratuais para determinadas áreas, em que, por se verificar um desequilíbrio acentuado entre partes com múltipla informação e forte poder negocial e partes com menos informação e fraco poder negocial, a lei é mais exigente quanto à amplitude e qualidade de informação a fornecer, como é o caso dos contratos celebrados pelos intermediários financeiros com os seus clientes (art. 7.º, n.º 1, e 312.º e ss. do Código de Valores Mobiliários) e dos contratos celebrados pelas empresas com consumidores (art. 8.º da Lei do Consumidor), como, paralelamente, existem outras áreas do direito que têm ficado sujeitas apenas à regra geral, assente em conceitos indeterminados que têm de ser concretizados casuisticamente, mantendo como denominador comum a boa-fé.
Também no âmbito do regime jurídico do contrato de seguro se estabelecem especificamente deveres pré-contratuais de informação do segurador
28 CORDEIRO, Xxxxxxx, Da boa fé no direito civil, 2.ª Reimp. (2001), Almedina, 1983, p. 583. 29MONTEIRO, Xxxxx Xxxxx, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Almedina, 1989, p. 359, n. 65; XXXXX, Xxx Xxxxxxx, Da responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de informação, Xxxxxxxx, Xxxxx., 0000, pp. 69-70.
30 «Deveres de Informação das Partes», in Temas de Direito dos Seguros: a propósito da nova lei do Contrato de seguro, 2012, pp. 249-273.
(arts. 18.º a 23.º da LCS) e do tomador, devido às exigências especiais de protecção da parte mais débil, adveniente do modo de formação dos contratos de seguro.
B. Deveres de Informação do Segurador
1. Regime anterior à vigência da LCS
Os deveres de informação do Segurador, em geral, no momento anterior à vigência da LCS, encontravam-se dispersos, designadamente, no que ao ramo vida diz respeito, nos arts. 179.º a 181.º do RGAS31, que regulava as condições de acesso e de exercício da actividade seguradora e resseguradora no território da Comunidade Europeia.
Por sua vez, o RTS introduziu um conjunto de regras relativas à transparência nas relações pré e pós contratuais, designadamente, no âmbito dos deveres de informação que em matéria de condições contratuais e tarifárias a constar das condições gerais ou especiais dos contratos de seguro, designadamente, no ramo “Vida” e Seguros de Grupo. Nos termos do 4.º, n.º 4, de tal diploma previa-se que o dever de informar o segurado ou pessoa segura ficasse a cargo do respectivo titular, ou seja, a seguradora, sem prejuízo de o tomador ou o segurado/pessoa segura requererem esclarecimentos à seguradora (art. 4.º, n.º 5), sendo que esta estaria sempre adstrita aos deveres acessórios de informar e de esclarecer, advenientes da boa-fé.
2. Regime posterior à vigência da LCS
O novo regime consagrado na Lei do Contrato de Seguro revogou, nomeadamente, os arts. 425.º a 462.º do Código Comercial; os arts. 132.º a 142.º e
31 O Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, procedeu à reformulação dos aspectos essenciais da legislação portuguesa em matéria de acesso e exercício da actividade seguradora e resseguradora, tendo em vista dois objectivos essenciais: a «codificação» da legislação dispersa relativa ao acesso e exercício da actividade seguradora e resseguradora e a transposição para o ordenamento jurídico português das directivas de terceira geração, relativas à criação do «mercado único» no sector segurador - Directiva n.º 92/49/CEE, de 18 de Junho, para os seguros «Não Vida», e Directiva n.º 92/96/CEE, de 10 de Novembro, para o seguro «Vida».
176.º a 193.º do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril; e os arts. 1.º a 5.º e 8.º a 25.º do Xxxxxxx-Xxx x.x 000/00, xx 00 xx Xxxxx (xx acordo com a norma revogatória ínsita no art. 6.º do preambulo da LCS).
Como refere Xxxxx Xxxxxx Teles32, o art. 18.º da LCS começa por consagrar um dever geral de esclarecimento e informação pré-contratuais a cargo do segurador perante o tomador de seguro no que respeita às condições do contrato a celebrar, concretizando, nas diversas alíneas que o compõem, os elementos que são objecto do mesmo.
Sob a epígrafe de “regime comum”, o art. 18.º da LCS enumera um núcleo mínimo de elementos, considerados essenciais, a serem esclarecidos e transmitidos ao tomador de seguro previamente à celebração do contrato, tais como, a identificação do segurador, incluindo denominação, forma jurídica (se é uma sociedade anónima, mútua, empresa pública ou de capitais públicos, sociedade europeia ou outra) e estatuto legal [al. a)], do objecto do contrato, incluindo o âmbito do risco coberto e as respectivas exclusões e/ou limitações [als. b) e c)], de todos os elementos essenciais relativamente à obrigação principal do tomador de seguro de pagamento do prémio (valor total do prémio ou, não sendo possível, o seu método de cálculo, assim como as modalidades de pagamento do prémio e as consequências da falta de pagamento do mesmo – [al. d)], do agravamento ou melhoria de condições que possam vir a ser aplicados de modo a evitar quaisquer efeitos-surpresa [al. e)], do montante mínimo do capital nos seguros obrigatórios e montante máximo a que o segurador se obriga em cada período de vigência do contrato [als. f) e g)], da duração do contrato e dos regimes de transmissão e de cessação do mesmo [als. h) e i)], do regime aplicável no caso de surgirem patologias com a execução do contrato [al. j)] e do regime relativo à lei aplicável, com indicação da lei que o segurador propõe que seja escolhida [al. l)].
O normativo em apreço está qualificado como de imperatividade relativa, pelo que o respectivo regime apenas poderá ser afastado em benefício de um
regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro – art. 13.º, n.º 1 da LCS), sendo supletiva nos seguros de grande risco (art. 13.º, n.º 2 da LCS).
Também o art. 20.º da LCS impõe a obrigatoriedade, por parte do segurador, em transmitir ao tomador de seguro o nome do Estado em que se situa a sede social e o respectivo endereço, bem como, se for caso disso, da sucursal através da qual o contrato é celebrado e do respectivo endereço, o que deverá ser efectuado de forma clara, por escrito e em língua portuguesa, antes de o tomador do seguro se vincular (art. 21.º da LCS).
Por sua vez, o n.º 5 do art. 21.º da LCS impõe a todos os contratos de seguros, independentemente do ramo de seguro a que respeitem, que a proposta deve conter uma menção comprovativa de que o tomador teve conhecimento das informações referidas no número anterior.
O normativo ínsito no art. 22.º da LCS consagra “um dever especial de esclarecimento a cargo do segurador”, em que o respectivo conteúdo está balizado pelo objecto principal do contrato de seguro - âmbito da cobertura. Como refere a Autora que vimos seguindo, quanto ao objecto deste dever especial de esclarecimento, o mesmo é delimitado, quer pelo n.º 1, quer pela parte final do n.º 2 do art. 22.º da LCS, incidindo sobre o objecto do contrato de seguro, que é o âmbito da cobertura que se pretende contratar, a qual é definida, na maioria dos casos, “quer pela positiva – identificação do risco que se pretende cobrir –, quer pela negativa, mediante a determinação de exclusões, períodos de carência, franquias, regime de cessação do contrato por vontade do segurador, e ainda, nos casos de sucessão ou modificação de contratos, dos riscos de ruptura de garantia. Na primeira parte do n.º 1 do art. 22.º da LCS, estabelece-se um princípio da modulação do dever de esclarecimento em função de certos factores aí previstos”33.
Independentemente do cumprimento de tais deveres, a lei não dispensa a inclusão na apólice de um núcleo mínimo legalmente exigido de informação (art. 37.º da LCS).
Importa, ainda, ter presente, que o art. 3.º da LCS preceitua que “o disposto no presente regime não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais, sobre defesa do consumidor e sobre contratos celebrados à distância, nos termos do disposto nos referidos diplomas”.
Também o art. 19.º da LCS remete para o regime dos contratos celebrados à distância e para o regime de defesa do consumidor.
Assim, quando no processo de formação dos contratos de seguro concorram características que tenham tratamento legal específico ínsito noutros diplomas legais, impõe-se conjugar todos os deveres informativos, os quais deverão acrescer ao estipulado no art. 18.º da LCS.
Deste modo, as regras sobre deveres de informação e comunicação previstas na Lei das Cláusulas Contratuais Gerais34 (LCCG), no Regime dos Contratos Celebrados à Distância35 (RCSFCD) ou, ainda, nos diplomas de defesa do consumidor36, designadamente, na Lei de Defesa do Consumidor (LDC), devem ser convocadas sempre que se verifiquem os seus requisitos de aplicação.
No que à LCCG respeita, a mesma regula, quer as “cláusulas contratuais gerais”, “elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar”, quer as “cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar” (art. 1.º da LCCG). Não há dúvidas de
34 Lei das Cláusulas Contratuais Gerais - Decreto-lei n.º 446/85, de 15 de Outubro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, e novamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho.
35 Decreto-lei n.º 95/2006, de 29 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro, pelas Leis n.º 46/2011, de 24 de Junho e n.º 14/2012, de 26 de Março, e pelo Decreto-Lei n.º 242/2012, de 7 de Novembro, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2002/65/CE, do Parlamento e do Conselho, de 23 de Setembro, relativa á comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores.
36 Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, republicada pela Lei n.º 47/2014, de 28 de Julho.
que, em sede de contrato de seguro, este é o modo mais comum de formação do contrato - adesão pelo tomador do seguro a cláusulas contratuais gerais. Nos termos da LCCG, além de regras de interpretação e de validade específicas, impõem-se especiais deveres de informação e de comunicação ao contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais (arts. 5.º e 6.º da LCCG), sob pena de a sua violação conduzir à exclusão das mesmas (art. 8.º, als. a) e b) da LCCG). Além disso, regula-se o modo como as informações devem ser prestadas, pretendendo garantir que o alcance do teor das mesmas chega ao destinatário.
Por sua vez, quando se tratar de contrato de seguro celebrado à distância com consumidor, o RCSFCD estabelece «o regime aplicável à informação pré- contratual e aos contratos relativos a serviços financeiros prestados a consumidores através de meios de comunicação à distância pelos prestadores autorizados a exercer a sua actividade em Portugal» (art. 1.º do RCSFCD). O diploma define como “contrato à distância”, “qualquer contrato cuja formação e conclusão sejam efectuadas exclusivamente através de meios de comunicação à distância, que se integrem num sistema de venda ou prestação de serviços organizados, com esse objectivo, pelo prestador [al. a)] e “meio de comunicação à distância” engloba “qualquer meio de comunicação que possa ser utilizado sem a presença física e simultânea do prestador e do consumidor” (art. 2.º). Por sua vez, os arts. 11.º a 18.º do RCSFCD impõem diversos deveres pré-contratuais de informação, quer relativos ao prestador de serviços (art. 13.º), quer relativos ao serviço financeiro (art. 14.º), quer relativos ao contrato (art. 15.º), quer sobre mecanismos de protecção (art. 16.º), salvaguardando, ainda, aqueles que estão previstos na legislação reguladora dos serviços financeiros ou no próprio RGES (art. 17.º), os quais têm de ser cumpridos pelo segurador perante o tomador do seguro. Além disso, regula-se a forma e o momento da prestação de informação.
Se estiver em causa a celebração de contrato de seguro celebrado à distância, designadamente, na Internet, impõe-se a aplicação das normas previstas no Regime
Jurídico do Comércio Eletrónico37 (RJCE), o qual transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva sobre Comércio Electrónico.
Por seu turno, sempre que estejamos perante um contrato de seguro que seja igualmente um contrato de consumo, o que ocorre quando o tomador de seguro seja um consumidor, importa aplicar o diploma referente ao Regime de Defesa do Consumidor. Nos termos do art. 2.º, n.º 1 da LDC, “considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”. Um dos direitos consagrados expressamente na LDC é, exactamente, o direito “à informação para o consumo”, sendo que se salvaguarda a aplicação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais ou outra legislação mais favorável para o consumidor (arts. 3.º, al. d), e 8.º, n.º 6 da LDC).
Por outro lado, quando a formação dos contratos de seguro decorra com intervenção de um mediador de seguros, acrescem aos deveres de informação exigidos no arts. 18.º e 20.º da LCS os deveres de informação específicos estabelecidos no regime jurídico de acesso e de exercício da actividade de mediação de seguros38 (RJMS) - art. 29.º da LCS. O dever de esclarecimento para os mediadores de seguros, encontra-se previsto no art. 31.º, n.º 1, als. a), b) e e) do RJMS.
Poderá, igualmente, importar a aplicação do Regime Jurídico aplicável aos
Call Centers39, o qual contém normas sobre “prestação de informação” (art. 8.º).
Acresce ao dever geral de esclarecimento e informação a cargo do segurador perante o tomador de seguro e segurado, os deveres especiais de informação pré- contratual nos seguros de riscos relativos à habitação (art. 135.º da LCS), nos seguros de pessoas com realização de exames médicos (art. 178.º da LCS), nos
37 Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de Janeiro, que procede à transposição da Directiva n.º 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000.
38 Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho.
39 Decreto-Lei n.º 134/2009, de 2 de Junho.
seguros de vida e outros seguros e operações incluídas no ramo “Vida” (art. 185.º da
LCS).
Refira-se, por fim, que nos termos do art. 23.º da LCS, o incumprimento dos deveres de informação e de esclarecimento faz incorrer o segurador em responsabilidade civil nos termos gerais40 (n.º 1) e, em alguns casos, o direito do tomador do seguro à resolução do contrato, a exercer no prazo de 30 dias a contar da recepção da apólice, tendo a cessação efeito retroactivo e o tomador do seguro direito à devolução da totalidade do prémio pago (n.ºs 2 e 3).
C) Deveres de Informação do Segurador no Contrato de Seguro de Grupo
Paradigmático do dever de informar em sede do contrato de seguro de
grupo, o art. 78.º da LCS preceitua, sob a epígrafe “Dever de Informar”, que:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 18.º a 21.º, que são aplicáveis com as necessárias adaptações, o tomador do seguro deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um especimen elaborado pelo segurador.
2 - No seguro de pessoas, o tomador do seguro deve ainda informar as pessoas seguras do regime de designação e alteração do beneficiário.
3 - Compete ao tomador do seguro provar que forneceu as informações referidas nos números anteriores.
4 - O segurador deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.
5 - O contrato de seguro pode prever que o dever de informar referido nos n.º
1 e 2 seja assumido pelo segurador”.
40 Regime de responsabilidade pré-contratual ínsito nos arts. 227.º e 562.º do CC.
Também o art. 4.º do referido Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, impunha expressamente ao tomador de seguro de grupo o dever de informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos no caso de sinistros, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.
Da norma legal transcrita resulta, inequívoco, que o Segurador, em primeira linha, deve informar os segurados quanto a três elementos: (i) as coberturas contratadas e as suas exclusões; (ii) as obrigações e os direitos em caso de sinistro e (iii) as alterações ao contrato em conformidade com um espécimen pré- elaborado.
Efectivamente, se é ao Tomador do seguro que incumbe o ónus de transmitir a informação sobre tais elementos ao Segurado, por maioria de razão, o Segurador tem de certificar-se que os mesmos se encontram expressamente previstos no espécimen pré-elaborado.
Face a tudo ao que vem sendo explanado, considero que uma interpretação literal do preceito legal em causa, no sentido de que apenas ao tomador incumbe proceder à transmissão dos elementos informativos referidos no n.º 1 do art. 78.º da LCS, é contrária ao espírito da lei e ao instituto da boa-fé, senão vejamos.
No preâmbulo da LCS refere-se que “Nos contratos de seguro de grupo em que os seguradores contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador do seguro individual. Como tal, importa garantir que a circunstância de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de proteção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato”.
Por sua vez, a protecção do segurado/consumidor no contrato de seguro de grupo já decorria do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, no âmbito do qual se referia que “A importância da informação do consumidor no novo quadro da actividade seguradora torna, porém, aconselhável que a regulamentação
agora publicada contemple, desde já, certos aspectos do regime contratual que se
encontrem intimamente associados àquela informação”.
Acresce que o regime legal previsto no normativo em apreço não conduz ao afastamento do preceituado nos arts. 18.º a 21.º da LCS, mas antes à sua efectiva aplicação “com as necessárias adaptações”, atenta a estrutura específica do contrato de seguro de grupo.
Atente-se, ainda, no dever adicional de informar imposto no art. 87.º da LCS, para os casos em que o tomador de um seguro de grupo contributivo seja simultaneamente beneficiário, nos termos do qual: “o tomador de um seguro de grupo contributivo, que seja simultaneamente beneficiário do mesmo, deve informar os segurados do montante das remunerações que lhe sejam atribuídas em função da sua intervenção no contrato, independentemente da forma e natureza que assumam, bem como da dimensão relativa que tais remunerações representam em proporção do valor total do prémio do referido contrato”.
Mais se impõe no n.º 2 do preceito legal citado que “Na vigência de um contrato de seguro de grupo contributivo, o tomador do seguro deve fornecer aos segurados todas as informações a que um tomador de um seguro individual teria direito em circunstâncias análogas”, sendo que o incumprimento de tais deveres adicionais faz incorrer o tomador na obrigação de suportar a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda das respectivas garantias, até à data de renovação do contrato ou respectiva data aniversária – n.º 3.
Xxxxx Xxxxxxx00 defende que o art. 78.º da LCS deverá ser interpretado no sentido de reforço da obrigação do tomador do seguro de proceder à prestação de certas informações.
Também Xxxx Xxxxx Xxxx00 considera que o “dever” de informar ínsito no
normativo em apreço não é apenas do tomador do seguro, mas, desde logo, da
41 Op. cit., na nota 2, p. 25.
42 Op. cit., na nota 13.
própria seguradora: não tomando o segurado conhecimento daqueles elementos, os mesmos não lhe serão oponíveis.
Efectivamente, a razão de ser da geometria dos deveres de informação com a configuração normativa referida prende-se com evidentes dificuldades práticas que decorreriam da imposição à seguradora de entregar cópias das condições gerais e especiais a todos os aderentes, por contraponto à maior facilidade de comunicação entre o tomador e aqueles, decorrente de uma relação negocial ou institucional pré-existente.
Esta posição sai reforçada, na medida em que defendo a aplicação aos contratos de seguro de grupo dos arts. 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, atenta a sua condição de contratos de adesão a um clausulado predisposto, matéria que será tratada infra.
Salvaguarda, ainda, o normativo sob análise que, caso o segurador proceda a alterações ao contrato, poderão os segurados, salvo nos casos de adesão obrigatória, denunciar o contrato.
No que respeita à demonstração da transmissão das informações referidas no n.º 1 do art. 78.º da LCS, o ónus da prova incumbe ao tomador, excepto se tiver sido convencionado que o dever de informação aí referido deverá ser assumido pelo segurador, situação em que a este incumbirá demonstrar o seu cumprimento (n.ºs 3 e 5 do art. 78.º da LCS).
Relativamente aos seguros de grupo do ramo vida associados aos mútuos bancários, há ainda que atender aos deveres de informação a prestar ao consumidor impostos pelo art. 4.º do Decreto-Lei n.º 222/2009, de 11 de Setembro. Tal diploma tem na sua génese a preocupação de “assegurar a não imposição aos consumidores de contratos de seguros de vida associados ao crédito à habitação de condições que vão além do que justificaria a preocupação legítima de protecção do interesse dos credores - as instituições de crédito - em verem salvaguardada a satisfação dos seus créditos. Neste contexto, torna-se necessário instituir regras mínimas de funcionamento, de modo a assegurar o cumprimento do imperativo
constitucional de protecção dos direitos dos consumidores, na relação trilateral que se estabelece entre estes, as empresas de seguros e as instituições de crédito aquando da celebração de contratos de seguro de vida associados aos de crédito à habitação”.
Também o art. 3.º da norma regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n.º 6/2008-r, de 24 de Abril, impõe deveres de informação aplicáveis aos seguros de vida com coberturas de morte, invalidez ou desemprego associados a contratos de mútuo.
Veja-se, ainda, a Circular n.º 02/2010, de 25 de Fevereiro, do Instituto de Seguros de Portugal, que recomenda aos seguradores que são parte em contratos de seguro de vida associados a crédito a habitação em vigor o dever de informar por escrito os respectivos tomadores de seguros ou os segurados, no caso de seguro de grupo contributivo, das condições de um contrato de seguro de vida com o conteúdo mínimo, tal como definido no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 222/2009, de 11 de Setembro, sempre que os respectivos contratos não correspondam a esse conteúdo mínimo.
Por último, refira-se que o art. 79.º da LCS preceitua que o incumprimento do dever de informar faz incorrer aquele sobre quem o dever impende em responsabilidade civil nos termos gerais.
VI. Cobertura complementar de “Invalidez Total e Permanente” e cláusulas contratuais excludentes
A. Cobertura
O fenómeno designado por bancassurance consubstancia a ligação entre as Instituições Bancárias e as Companhias de Seguros, com vista ao desenvolvimento de sinergias e economias de sistema, designadamente, na produção- comercialização de seguros de vida.
Os contratos de grupo do ramo “Vida” e respectivos riscos complementares de invalidez, estão ligados a exigências contratuais do mutuante, funcionando como garantia do valor dos empréstimos concedidos.
Como se referiu supra, no que respeita à cobertura do risco contratado no âmbito dos contratos de seguro de grupo do ramo “vida”, os contratos mistos são aqueles que têm garantias, quer em caso de morte, quer em caso de vida, em que o segurador se obriga ao pagamento de um capital, em caso de morte da pessoa segura, e, em caso de vida desta, em vários momentos pré-definidos da vigência da apólice.
Nos contratos de seguro de grupo do ramo “vida”, associados ao crédito bancário, em caso de vida, o segurador obriga-se a pagar o capital, por referência ao valor em dívida no âmbito do mútuo bancário, à data do evento que acometeu a pessoa segura de uma invalidez absoluta e definitiva.
No caso da cobertura complementar obrigatória de “Invalidez Absoluta e Definitiva” da Pessoa Segura, a Seguradora garante o pagamento do capital seguro à instituição bancária, na qualidade de beneficiário.
O conceito de Invalidez Absoluta e Definitiva da Pessoa Segura é modelado pela seguradora e tomador de seguro aquando da negociação e elaboração do “contrato base”, sendo normalmente exigidos para a sua verificação vários requisitos cumulativos. Um consubstanciado num coeficiente correspondente à (i) incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a uma determinada percentagem, tendo por referência a tabela de avaliação de incapacidades permanentes no Direito Civil vigente, outro corresponde à exigência da pessoa segura (ii) ficar impossibilitada de exercer a sua profissão e/ou qualquer actividade remunerada (compatível com os seus conhecimentos e capacidades) e/ou, ainda,
(iii) necessite de apoio permanente de terceira pessoa.
Relativamente ao primeiro dos requisitos apontados, a (i) incapacidade permanente geral, total e definitiva sofrida pela pessoa segura, verifica-se quando, apesar dos cuidados clínicos e dos tratamentos de reabilitação, subsiste no lesado um estado deficitário, de natureza anatómico-funcional ou psico-sensorial, a título de dano definitivo, que deve ser avaliado, relativamente à capacidade integral
[100%], quando significa uma incapacidade total e permanente, representando um compromisso integral da capacidade43.
Refira-se que à pessoa segura bastará alegar a ocorrência do sinistro, sem necessidade de demonstrar que o mesmo ocorreu no âmbito da vigência do contrato de seguro – art. 342.º do Código Civil.
Por sua vez, a demonstração da incapacidade é, por norma, pacífica, estando dependente da respectiva atribuição por junta médica, corporizada no atestado multiusos, na maioria das vezes sindicada, em sede processual, por uma avaliação médico-legal do dano corporal no domínio do direito civil, com referência às diretrizes consagradas no Anexo II do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro. No que respeita aos demais conceitos indeterminados (ii) “incapacidade de exercer qualquer actividade remunerada” e (iii) “apoio permanente de terceira
pessoa”, inúmeras questões se colocam.
Relativamente à (ii) impossibilitada da pessoa segura exercer a sua profissão e/ou qualquer outra actividade remunerada, incumbe à seguradora, ou ao tomador do seguro demonstrar que aquela se encontra apta para o exercício de outra profissão compatível com os seus conhecimentos e capacidades – art. 342.º, n.º 2 do Código Civil – sendo que na dúvida sobre a veracidade do facto alegado, a mesma terá de resolver-se contra quem o facto aproveita - art. 414.º do Código de Processo Civil.
Efectivamente, a conformação das actividades profissionais que as habilitações e preparação técnica da pessoa segura lhe permitem exercer não está sujeita a prova tarifada, sendo a valoração pericial efetuada livremente apreciada pelo Tribunal (art. 389.º do Código Civil), em conjugação com a demais prova produzida.
A prova pericial implica a apreciação de factos através de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou
43 Xxxxxxxx Xx, Clínica Médico-Legal da Reparação do Dano Corporal em Direito Civil, 1992, 90.
quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (art. 388.º do Código Civil).
Assim sendo, “o tribunal pode afastar-se livremente do parecer dos peritos, sem necessidade de justificar o seu ponto de vista, quer porque tenha partido de factos diferentes dos que aceitou o perito, quer porque discorde das conclusões dele ou dos raciocínios em que elas se apoiam, quer porque os demais elementos úteis de prova existentes nos autos invalidem, a seu ver, o laudo dos peritos”44.
Um juízo técnico atendível, no que respeita à possibilidade da pessoa-segura exercer outra profissão “compatível com os seus conhecimentos e capacidades”, exige que os peritos conheçam as habilitações literárias e preparação técnico profissional da mesma, sob pena de ao Tribunal não ser possível sindicar os factos em que basearam o respectivo juízo técnico e, consequentemente, desvalorizar as conclusões periciais elegidas45.
No que respeita ao terceiro requisito acima enunciado - (iii) apoio permanente de terceira pessoa - cumpre densificar tal conceito.
No âmbito do DL n.º 503/99, de 20 de Novembro, que aprovou o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, nos termos do disposto no art. 6.º, sob a epígrafe “Subsídio por assistência de terceira pessoa”, prevê-se que:
“1 - Confere direito ao subsídio por assistência de terceira pessoa a situação resultante de acidente que não permita ao trabalhador praticar com autonomia os actos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas da vida quotidiana sem a assistência permanente de outra pessoa.
2 - Consideram-se necessidades básicas os actos relativos à alimentação, locomoção e cuidados de higiene pessoal.
44 LIMA, Pires de, e XXXXXX, Antunes, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, p. 340.
45A este propósito, vide os Acórdãos do STJ, datados de 18/01/1998, 12/05/2011 e 06/07/2001, disponíveis em xxx.xxxx.xx.
3 - A situação referida no n.º 1 é certificada pelo médico assistente ou pela junta médica nos casos, respectivamente, de incapacidade temporária absoluta ou permanente.
4 - A assistência de terceira pessoa considera-se permanente quando implique um atendimento de, pelo menos, seis horas diárias, podendo ser assegurada através da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário.
5 - O familiar do dependente ou quem com ele coabite, que lhe preste assistência permanente, é considerado terceira pessoa.
6 - Não se considera terceira pessoa quem se encontre igualmente carecido de autonomia para a realização dos actos básicos da vida diária”.
Por vezes, as cláusulas gerais do contrato de seguro concretizam, casuisticamente, em que se consubstancia um “acto elementar da vida corrente” para o qual se exige o apoio de terceira pessoa, como por exemplo, lavar-se: significa efetuar os atos necessários à manutenção de um nível de higiene correto;
- alimentar-se: significa tomar as refeições preparadas e servidas à mesa; - vestir- se: significa vestir-se e despir-se, tomando em consideração o vestuário usado habitualmente; - deslocar-se no interior da sua residência.
Nesta matéria, a posição maioritária da jurisprudência dos tribunais superiores46 é no sentido de que a exigência, num contrato de seguro que cobre o risco de morte e invalidez absoluta e definitiva, da impossibilidade, para além da incapacidade funcional, de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa, não se justifica, consubstanciando um requisito desnecessário à caracterização do concreto estado de invalidez, uma vez que põe em causa a proporcionalidade e equilíbrio do contrato, pelo que tal cláusula tem natureza abusiva.
46 Por todos, vide o Xxxxxxx do STJ, proferido a 7/10/2010, disponível in xxx.xxxx.xx.
Efectivamente, um declaratário médio47, colocado na posição de aderente, não interpretaria o conceito de “invalidez absoluta e definitiva” no sentido de a sua verificação estar dependente da necessidade de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar “actos elementares da vida corrente”.
É que a obrigação de recorrer à assistência permanente de terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente não constitui “uma característica essencial do contrato de seguro mas apenas uma condição específica e meramente acessória a que ficou sujeito o pagamento do capital mutuado”48.
Concluindo, revejo-me no entendimento jurisprudencial maioritário, no sentido de que a cláusula em apreço ofende o princípio do equilíbrio nas relações contratuais e, consequentemente, o princípio da boa-fé (arts. 227.º e 762.º, n.º 2 do Código Civil e arts. 16.º e 17.º da LCCG), pelo que, tratando-se de cláusula expressamente proibida por lei, deverá ser declarada nula (art. 294.º do Código Civil).
B. Cláusulas Excludentes
Por vezes as “exclusões das coberturas” para a “cobertura complementar obrigatória de Invalidez Total e Permanente” são elencadas de acordo com o critério da contribuição ou não da pessoa segura para o desencadeamento do evento.
Exemplificando, como factos intencionais do Tomador de Seguro, Pessoa Segura ou Beneficiário [a], “a tentativa de suicídio” [b], “doenças ou acidentes que sobrevenham à Pessoa Segura em resultado do consumo de bebidas alcoólicas ou de consumo de qualquer tipo de drogas e/ou medicamentos não prescritos pelo médico” [c], “acidentes que sobrevenham à Pessoa Segura quando se verifique uma
47 CORDEIRO, Menezes, Direito dos seguros, Almedina, 2016, p. 488, no sentido de que na interpretação das cláusulas contratuais gerais se deve considerar a opinião de um tomador médio sem especiais conhecimentos técnicos relativos a seguros.
48 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/06/2016, proc. 3953-13.5T2SNT.L1-8, in
taxa de alcoolemia igual ou superior ao limite legalmente estabelecido” [d], “participação, como passageiro ou condutor, em corridas de velocidade, rallies, ou quaisquer outras competições de aeronaves ou veículos a motor, e respectivos treinos” [j], “prática de boxe, alpinismo, aviação, motociclismo, automobilismo, parapente, desportos considerados radicais e outros análogos na sua perigosidade” [k], “acidentes ou doenças anteriores à data da entrada em vigor deste contrato salvo o caso em que tenha havido comunicação formal à Seguradora e expressa aceitação por parte desta, mediante as condições que para o efeito tenham sido expressa e detalhadamente estabelecidas” [l], “consequências de um acto de imprudência temerária ou negligência grave da Xxxxxx Xxxxxx, declarado assim judicialmente, bem como os derivados da participação desta em actos ilícitos, duelos ou rixas, sempre que neste último caso não tenha actuado em legítima defesa ou em tentativa de salvamento de pessoas ou bens” [m], “intervenções cirúrgicas, desde que não resultem necessárias por força de doença ou acidente”
[n] “riscos inerentes à incorporação nas Forças Armadas, Militarizadas, Para- Militarizadas, Policiais e afins” [i].
Como situações objetivas, alheias à vontade do Tomador de Seguro, Pessoa Segura ou Beneficiário, acolhem-se as hipóteses decorrentes de “tornados, tufões, furacões, ciclones, inundações, maremotos, sismos e erupções vulcânicas” [e], “acidentes nucleares ou contaminação radioactiva” [f], “conflitos armados” [g], “assaltos, greves, tumultos, actos de terrorismo, sabotagem, rebelião, insurreição, revolução e guerra” [h], “gripe humana pandémica, doenças infecciosas que resultem de bio terrorismo ou envenenamentos” [p] e “doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja Portadora” [o]49.
Cumpre alertar que no âmbito do elenco das cláusulas excludentes de cobertura podem surgir cláusulas desajustadas ao critério diferenciador, que por
49 Exemplificação retirada do Acórdão do STJ de 02-06-2015, proc. 109/13.0TBMLS.P1.S1, in
tal facto escapam à percepção do aderente, as quais têm sido denominadas pela
jurisprudência como “cláusulas-surpresa”.
O STJ, a este propósito, fez referência, no Acórdão de 2 de Junho de 2015, que ao “excluir-se do contrato de seguro de vida as indemnizações decorrentes de “Doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora”, que se trata de uma situação objectiva, independentemente de culpa, ao lado das restantes, a maioria resultantes de actos culposos ou de eventos exógenos para os quais não contribuiu, a não ser pela escolha do local em que se produziram, introduziu-se uma cláusula que, do ponto de vista da racionalidade lógico- sistemática, se encontra nos antípodas da previsibilidade lógica do autor e que obstou à sua cognoscibilidade, por ser razoável que tenha passado despercebida a alguém colocado na posição de contraente real”50.
Estas «cláusulas-surpresa» podem estar ocultadas, colocadas fora da epígrafe apropriada, desinseridas do contexto sistemático ou racional ou ser redigidas, dissimuladamente, surpreendendo o aderente real, em prejuízo da sua cognoscibilidade formal e/ou material51.
É obrigação do fornecedor de bens e do prestador de serviços pugnar pela redacção, clara e precisa, em caracteres facilmente legíveis, das cláusulas contratuais gerais, incluindo as inseridas em contratos singulares – art. 9.º, nº 2, al.
a) da LDC, pelo que as cláusulas “surpresa” enquadram-se no âmbito do art. 8.º, al.
c) do RJCCG e, consequentemente, devem considerar-se excluídas do contrato. Com efeito, o recurso pelo segurador a clausulado padronizado pré-
elaborado coloca, por regra, o aderente numa situação de desigualdade, quer formal, quer substancial, pelo que deverá ser considerado o mais débil da tríade de sujeitos que compõem o contrato de seguro de grupo.
50 Acórdão referido na nota anterior.
51 XXXXX, Calvão da, Banca, Bolsa e Seguros, Direito Europeu e Português, Tomo I, parte geral, 2.ª ed., Almedina, 2007, p. 170.
Importa, ainda, referir, no que às cláusulas excludentes de “doenças psiquiátricas (de qualquer natureza)” respeita, que as mesmas me suscitam inúmeras reservas. Desde logo, atentos os progressos que a medicina tem realizado nesta área e estando a sua avaliação sujeita a parâmetros elencados na TNI para o dano civil, não vislumbro porque a psiquiatria, juntamente com a neurologia, são sistematicamente objecto de exclusão. Acresce que não se entende qual o alcance da expressão “doenças psiquiátricas de qualquer natureza”, designadamente, se respeita a todo o espectro de doenças do foro psiquiátrico, ou à sua origem.
Efectivamente, impõe-se saber se tal exclusão deverá ser atendível quando a incapacidade advém de uma composição de patologias de natureza diversa, ou quando a perturbação psiquiátrica surge reactivamente a outra patologia.
A incapacidade de que foi acometida a pessoa segura é avaliada, de acordo com a TNI, num todo, para o qual concorrem parâmetros de diversa natureza com coeficientes distintos, pelo que não vislumbro que, em casos concorrenciais, se possa autonomizar o coeficiente referente ao parâmetro da perturbação psiquiátrica.
Assim sendo, parece-me que cláusulas excludentes de “doenças psiquiátricas (de qualquer natureza)”, sem qualquer justificação da sua elegibilidade, nem densificação do alcance da sua exclusão, são atentatórias da boa-fé, ou, pelo menos, cláusulas ambíguas, sendo que na dúvida de qual o seu sentido, deverão ser interpretadas favoravelmente ao aderente (art. 11.º da RJCCG).
VII. Responsabilidade do Segurador pela Falta de Comunicação do Clausulado Contratual
A aferição da responsabilidade do Segurador pela falta de comunicação, por parte do tomador de seguro à pessoa segura/segurado, do clausulado contratual, designadamente, das cláusulas excludentes do risco, implica, necessariamente, a ponderação da aplicação aos contratos de seguro de grupo do regime das Cláusulas Contratuais Gerais.
Os contratos de seguro de grupo do ramo vida são contratos de adesão, radicando a sua especificidade no seu processo de formação, que, como referimos, ocorre em dois momentos: num primeiro momento, é negociado e celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo, consubstanciando uma relação tripartida, entre a seguradora, o tomador de seguro e o aderente.
“O contrato de seguro é predisposto pela seguradora e pelo tomador e são estas entidades que modelam o seu conteúdo: o segurado, por virtude de um vínculo que o liga ao tomador, limita-se a aderir ao contrato objecto de predisposição”52.
No seguro de grupo, o “contrato base” celebrado entre o tomador e o segurador não é de adesão, uma vez que estes podem discutir todo o clausulado e o seu conteúdo; só num segundo momento o contrato assume tal natureza, aquando da fase de adesão pelos segurados a um clausulado pré-estabelecido em relação ao qual não tem poder de modelação do mesmo às suas necessidades individuais.
Tais contratos contêm, por via de regra – “Cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão”53.
Nos contratos de adesão o aderente apenas tem a possibilidade de aceitar ou rejeitar em bloco o conteúdo contratual que lhe é apresentado pelo proponente, donde resulta uma posição negocial débil na medida em que não pode influenciar o núcleo contratual, face aos outros sujeitos, entre os quais existe uma ligação económica de grupo.
Tais contratos têm-se imposto, no âmbito da sociedade de consumo, respondendo a necessidades de contratação em massa, sendo utilizados por agentes económicos de grande dimensão, os quais “superam o modelo tradicional
52 Acórdão do STJ de 14/4/2015, disponível in xxx.xxxx.xx.
53 TELLES, Galvão, Direito das Obrigações, 6ª edição, p. 75.
de proposta-aceitação, em que as partes estavam, senão em plano de estrita igualdade, pelo menos num patamar em que se não diferenciavam de modo acentuado, em virtude de uma negociação cláusula a cláusula”54.
Como se referiu no Acórdão do STJ de 29 de Novembro de 2016 55, o regime das cláusulas contratuais gerais “(…) estabelece deveres de informação a cargo do predisponente; acentua a sua obrigação de agir de boa-fé e de preservar a confiança contratual do aderente, a par de regras especiais no que respeita à integração das lacunas negociais, ao critério hermenêutico de interpretação das declarações de vontade, e à sanção para os vícios de que enferme o contrato ou o processo pré negocial.
Pedra angular do regime jurídico dos contratos de adesão é o dever de informação a cargo do predisponente, assim como o dever de agir de boa-fé, densificados no diploma que rege as cláusulas contratuais gerais, como meio de protecção do contraente mais débil – o aderente”.
Por sua vez, o art. 15.º da LCCG prevê a proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé, sendo que o art. 16.º preceitua que: “Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a
sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”.
Preceitua, ainda, o art. 5.º, n.º 1, do regime das cláusulas contratuais gerais que: “As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las”, sendo que “a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que,
54 Acórdão do STJ de 29/11/2016, disponível in xxx.xxxx.xx.
55 Acórdão do STJ de 29/11/2016, disponível in xxx.xxxx.xx.
tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”(n.º 2), e que “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.”
- (n.º 3).
Por sua vez, o art. 6.º do mencionado diploma impõe ao proponente um dever de informação de acordo com as circunstâncias do contrato, ou seja, tendo em conta o seu conteúdo e complexidade.
Nos termos do art. 8.º do regime das cláusulas contratuais gerais, “Consideram-se excluídas dos contratos singulares a) as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º; b) as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo (...)”
O STJ, no âmbito do Acórdão datado de 14 de Abril de 201556, defendeu que “Mas significará tal disposição [art. 4. °, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho] que nos contratos em que está em causa uma relação tripartida, como o caso dos contratos de seguro de grupo, apenas o banco tomador de seguro está vinculado a esta obrigação de comunicar integralmente as cláusulas do contrato ao segurado?
Os deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos arts. 5.º e 6.º do DL 446/85, de 25 de Outubro, e resultam directamente do princípio da boa-fé contratual consagrado no art. 227.º do Código Civil, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor.
56 Acórdão do STJ de 14/04/2015, proferido no proc. 294/202.E1.S1, que cremos ser posição minoritária, embora a mais recente. Em idêntico sentido, vide os Acórdãos desse Supremo Tribunal de 22/06/2005, proc. 1497/05-1; de 25/10/2012; proc. 24/10.0TBVNG.P1; de 2/12/2013, proc. n.º 306/10.0TCGMR.G1.S1; de 02/06/2015, proc. 109/13.0TBMLD.P1.S1; de 29/11/2016, proc. 1274/15.8T8GMR.S1; de 25/10/2018, proc. 82/15.0T8ALJ.G1.S2; de 10/5/2018, proc. 261/15.0T8VIS.C1.S2; de 18/9/2018, proc. 838/15.4T8VRL.G1.S1; e de 9/3/2021, proc. 1197/16.3T8BRG.G1.S1, disponíveis in xxx.xxxx.xx.
No caso concreto, a fonte do dever de informação da seguradora, para além do princípio da boa-fé, é a lei – artigos 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro – em virtude de o segurado praticar um acto de adesão, limitando-se a aceitar ou a rejeitar em bloco o contrato.
Este acto de adesão do segurado é uma manifestação de vontade do aderente, o que significa que, nos contratos de seguro de grupo, em que existe um acto de adesão do segurado, estamos perante um contrato individual entre cada aderente e a seguradora. Sendo assim, é aplicável ao caso o DL n.º 446/85, de 25/10 para regular as relações entre o segurado e a seguradora.
O facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º 1, do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro. […] Ora, o contexto em que a norma foi elaborada e a razão de ser da lei – o aumento da protecção do consumidor e das garantias de transparência – indicam claramente a funcionalização da relação jurídica entre o Banco e a Seguradora à protecção dos interesses da parte mais fraca do contrato, conforme resulta do Preâmbulo do diploma (DL n.º 176/95, de 26-07), que afirma “A importância da informação do consumidor no novo quadro da actividade seguradora”.
Em sentido contrário, o STJ, no âmbito do Acórdão de 15 de Maio de 2015,57 menciona que “Como repetidamente o Supremo Tribunal de Justiça afirmou, o regime especificamente previsto pelo Decreto-Lei nº 176/95 para o contrato de seguro afasta a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, definido
57 Acórdão do STJ de 15/5/2015, que cremos ser a posição maioritária, embora não a mais recente. Em igual sentido, vide os Acórdãos desse Supremo Tribunal de 22/1/2009, proc. 08B40491; de 20/1/2010, proc. 294/06.8TBOAZ.P1; de 7/10/2010, proc. 651/04.4TBETR.P1.S1; de 12/10/2010, proc.
646/05.0TBAMR.G1.S; | de | 1/1/2011, | proc. | 1443/04.6TBGDM.P1.S1; | de | 29/5/2012, | proc. |
7615/06.1TBVNG.P1.S1; | de | 21/2/2013, | proc. | 267710.6TBBCL.G1.S; | de | 27/3/2014, | proc. |
2971/12.5TBBRG.G1.S1; | de | 9/7/2014, | proc. | 841/10.0TVPRT.L1.S1; | de | 18/9/2014, | proc. |
2334/10.7TBCDM.P1.S1; e de 15/4/2016, proc. 36/12.0TBALD.C1-A.S1, todos disponíveis em xxx.xxxx.xx.
genericamente pelo Decreto-Lei nº 446/85, no que é incompatível com aquele. Assim sucede quanto à definição dos sujeitos do dever de informação.”.
Esta posição, que cremos maioritária, louva-se na estrutura específica do contrato de seguro de grupo - relação triangular – em obediência à qual foi criado um regime especial, nos termos do qual incumbe diretamente ao tomador do seguro informar o segurado, o qual sendo, aparentemente, especial se sobrepõe ao regime regra das cláusulas contratuais gerais.
Posição intermédia parece defender Xxxx Xxxxx dos Reis58, ao considerar que a seguradora cumpre o encargo de informar o futuro aderente ao seguro de grupo com a entrega do prospecto, pelo que o incumprimento do dever de informar só lhe seria oponível quando esta assumisse o dever de fazer chegar a informação ao aderente ou quando o espécimen entregue não corresponda ao conteúdo contratual.
Não me revejo nas duas últimas posições enunciadas, na medida em que não só a LCS remete, subsidiariamente, para o regime das cláusulas contratuais gerais (art. 3.º da LCS) quando os seus pressupostos de aplicação estejam verificados, o que acontece, necessariamente, nos contratos de seguros de grupo, ramo vida, associados ao mútuo bancário com vista à aquisição de habitação, como também não vislumbro que o regime previsto no art. 78.º da LSC, ou no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, seja especial face àquele.
Efectivamente, o regime das cláusulas contratuais gerais é também ele especial face ao regime comum da celebração dos contratos, nos termos do qual a proposta é sempre objecto de negociação antes da aceitação.
Como propõe Vasco Noversa59, deve proceder-se a uma interpretação da LCS de forma harmonizada e conciliável com a LCCG, sem que nenhuma delas afaste a outra, pois outra solução conduziria a resultados contrários à finalidade da LCS e ao princípio geral da boa-fé negocial.
58 Op. cit., nota 13, p. 51.
59 Op. cit., nota 2, p. 38.
Tal é comprovado pelo seu preâmbulo, quando o legislador frisa que “importa garantir que a circunstância de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de proteção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato”.
Acresce que, tal como já referimos, a própria LCS preceitua no seu art. 3.º que “o disposto no presente regime não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais (…)”, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 8.º da LCCG, dever-se-ão considerar excluídas, de qualquer contrato de seguro, as cláusulas não transmitidas aos Segurados nos termos do art. 5.º do mesmo diploma legal, devendo o segurador responder perante o segurado pela falta de informação.
Tal como Xxxxx Xxxxxxx, no que respeita ao regime previsto no art. 78.º da LCS e art. 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, acompanhamos a posição sustentada no citado Xxxxxxx relatado pela Conselheira Xxxxx xx Xxxxxxxxxx00, nos termos do qual “o que o legislador quis (…) foi sanar eventuais dúvidas que se colocassem a propósito dos deveres dos bancos, tomadores do seguro, e resolver conflitos nas relações internas entre bancos e Seguradoras quanto aos seus direitos e deveres recíprocos, mas não afastar, em relação às Seguradoras, o regime previsto no DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, pilar da defesa do consumidor na ordem jurídica.”
Concluindo, quer na vigência do art. 4.º do Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de Julho, quer na vigência do art. 78.º da LCS, uma vez verificados os pressupostos de accionamento da apólice e não tendo o banco tomador, beneficiário do seguro, demonstrado o cumprimento do dever de informação sobre as cláusulas excludentes do risco do contrato de seguro de grupo do ramo vida, não poderá a seguradora opor ao segurando/consumidor/aderente - parte débil da tríade contratual - tais cláusulas para se eximir ao pagamento do capital seguro.
60 Acórdão do STJ cit. na nota 54.
VIII. Conclusão
Retomando a ideia inicial do tema ora tratado, consideramos que a sociedade de consumo em que vivemos, que nos impele à subscrição de um número elevado de contratos previamente redigidos pelo “agente económico mais forte”, designadamente, dos contratos de seguro de grupo do ramo vida associados ao crédito à habitação, exige uma clarificação jurisprudencial no que respeita ao enquadramento jurídico da responsabilidade do Segurador perante a falta de comunicação do clausulado contratual, por parte do Tomador, que permita salvaguardar a parte mais débil da tríade nos referidos contratos – o Consumidor/Segurado.
Nesse sentido, veja-se o pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) perante o Tribunal de Justiça da União Europeia, em 20 de Abril de 202261 (Proc. C-263/22), no qual se elenca a seguinte questão: “No quadro de uma legislação nacional que autoriza o controlo jurisdicional do caráter abusivo das cláusulas que não tenham sido objeto de negociação individual relativas à definição do objeto principal do contrato: (i) O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE, interpretado de acordo com a alínea i) da lista indicativa referida no n.o 3 do mesmo artigo, opõe-se a que, num contrato de seguro de grupo contributivo, a seguradora possa opor à pessoa segurada uma cláusula de exclusão ou de limitação do risco segurado que não lhe tenha sido comunicada e que, em consequência, a pessoa segurada não tenha tido oportunidade de conhecer; (ii) ainda que, simultaneamente, a legislação nacional responsabilize o tomador do seguro pela violação do dever de comunicação/informação das cláusulas pelos danos causados à pessoa segurada, responsabilidade essa, porém, que, em regra, não permite colocar a pessoa segurada na situação em que estaria se a cobertura do seguro tivesse funcionado?”.
61 Publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 18.7.2022.
Sendo o reenvio prejudicial “não apenas um instrumento de garante do carácter partilhado da aplicação de direito da União Europeia e do papel dos tribunais nacionais como tribunais comuns de direito europeu, mas como um garante da igualdade jurídica de todos os cidadãos europeus62”, considero que a decisão do Tribunal de Justiça que vier a recair sobre tal pedido de decisão prejudicial, contribuirá indelevelmente para a clarificação jurisprudencial acima referenciada.
62 XXXXXXXX, Xxxxx, in «O Reenvio Prejudicial Para o TJUE e os Pareceres Consultivos do Tribunal EFTA», Julgar, n.º 35, 2018.