Contract
Xxxxx Xxxxxxx Benisti
Formas de Reparação do Dano Decorrente da Resilição Unilateral do Contrato
Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Civil Contemporâneo e Prática Jurídica.
Orientadores: Prof.ª Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Prof. Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Rio de Janeiro Setembro de 2023
Xxxxx Xxxxxxx Benisti
Formas de Reparação do Dano Decorrente da Resilição Unilateral do Contrato
Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Civil Contemporâneo e Prática Jurídica. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo:
Prof.ª Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx
Orientadora Departamento de Direito – PUC-Rio
Prof. Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Coorientador Departamento de Direito – PUC-Rio
Prof. Xxxxxxx Xxxxxxx
Departamento de Direito – PUC-Rio
Prof.ª Xxxxxxx Xxxxxxxx
Faculdade Nacional de Direito – UFRJ
Rio de Janeiro, 15 de setembro de 2023.
Todos os direitos reservados. A reprodução, total ou parcial, do trabalho é proibida sem autorização do autor, do orientador e da universidade.
Xxxxx Xxxxxxx Benisti
Bacharel em Direito pela PUC-Rio (2009); Pós-graduada em Direito Civil Constitucional pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ (2012); Advogada com atuação em contencioso cível.
Ficha Catalográfica
Benisti, Xxxxx Xxxxxxx
Formas de reparação do dano decorrente da resilição unilateral do contrato / Xxxxx Xxxxxxx Benisti ; orientadores: Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. – 2023.
84 f. ; 30 cm
Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito, 2023.
Inclui bibliografia
1. Direito – Teses. 2. Resilição unilateral do contrato. 3. Abusividade. 4. Formas de reparação do dano. 5. Dano emergente.
I. Guimarães, Xxxxxxxx Xxxxx. II. Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx xx Xxxxxxx.
III. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Direito. IV. Título.
CDD: 340
Dedico ao meu filho, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, gestado durante a realização desta dissertação.
Agradecimentos
À Professora Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, por ter viabilizado a defesa desta dissertação, que precisou ser adiada por conta do nascimento antecipado do Nuno.
Ao Professor Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, por ter sido mais que meu coorientador e ter me acompanhado inclusive na brusca mudança de tema da dissertação, antes relacionado ao direito existencial e, agora, ao direito patrimonial. As nossas trocas e os seus ensinamentos viabilizaram a realização desta dissertação. Além de referência acadêmica no Direito Civil, o Professor Xxxxx se tornou uma referência de pessoa, por quem terei eterna gratidão pelo rico e generoso acompanhamento no Mestrado.
Aos Professores do Mestrado, em especial às Professoras Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx, com quem tive a oportunidade de estudar disciplinas que me fizeram acreditar, ainda mais, que o Direito Civil Contemporâneo é área do direito capaz de cumprir uma função promocional de tutela da pessoa humana e dar conta das demandas de nossa sociedade pluralista.
Aos Professores Xxxxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, por me inspirarem desde a pós-graduação.
Aos queridos amigos da turma do Mestrado do ano de 2020. Conseguimos estabelecer uma parceria mesmo sem termos tido aulas presenciais, por força da pandemia da covid-19.
Ao Xxxxxxx Xxxxxx, por quem tenho imensurável admiração e com quem trabalho há dezesseis anos. Agradeço por todos os ensinamentos que me tornaram a profissional que sou. Por ter me ensinado a prática da advocacia, pelas lições de vida e até de política. Xxxxxxxx, em seu nome, aos demais membros do escritório Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx.
Às grandes amigas, que me incentivaram e ajudaram a superar as questões que surgiram durante esse processo: Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxx. Ao amigo Xxxxxxxx Xxxxxxxx, pelas trocas, conversas e ajuda com a bibliografia. Minha eterna gratidão por ter estado ao meu lado durante o Mestrado, mesmo também estando vivendo o seu turbilhão de mudanças.
Agradeço aos meus pais, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx, que me permitiram e me incentivaram a cursar a Faculdade de Direito. Ao meu avô, Xxxxxxxx Xxxxxxx, pelo exemplo. Agradeço às minhas queridas irmãs, parceiras
desde sempre e para todo sempre, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxx Benisti.
Ao meu marido, Xxxxxx Xxxxxxxx, pela família que construímos, com amor, cuidado e muita alegria.
Ao meu filho, Xxxx, por me permitir viver a potência da maternidade. Por cada sorriso e cada carinho seu.
Benisti, Xxxxx Xxxxxxx. Formas de reparação do dano decorrente da resilição unilateral do contrato. Rio de Janeiro, 2023. 84 p. (Mestrado em Direito Civil Contemporâneo e Prática Jurídica) – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
O objetivo desta dissertação é analisar a dupla função do parágrafo único do artigo 473 do Código Civil: (i) garantir que a denúncia seja feita após o cumprimento de um período mínimo do contrato, apto a permitir o seu adimplemento satisfativo e a amortização dos investimentos realizados pelo denunciatário e (ii) garantir que o denunciatário seja notificado com antecedência necessária para tomar providências a fim de se preparar para o término do contrato. Tendo em vista os interesses que o parágrafo único do artigo 473 do Código Civil visa tutelar, pretende-se verificar se o referido dispositivo legal deve acarretar a manutenção compulsória do contrato ou o pagamento de indenização por danos materiais e quais danos devem ser indenizados. Para isso, parte-se da análise da resilição unilateral, prevista no caput do artigo 473 do Código Civil, como direito potestativo, distinguindo-a do distrato, da resolução do contrato e da denúncia. Também serão examinadas as hipóteses em que a lei admite a resilição unilateral e a possibilidade de as partes estabelecerem contratualmente a denúncia unilateral do contrato mediante aviso prévio ou pagamento de multa. Em seguida, se examinará a boa-fé objetiva como critério de aferição da abusividade da denúncia; a função do dever de aviso prévio; a função do prazo estabilizador; e os critérios para fixação de prazo razoável. Por fim, o terceiro capítulo irá tratar das formas de reparação do dano decorrente da resilição unilateral do contrato — quais sejam, a execução específica da obrigação e o pagamento de indenização por danos materiais — e dos danos a serem indenizados.
Palavras-chaves:
Resilição unilateral do contrato; abusividade; formas de reparação do dano; dano emergente.
Benisti, Xxxxx Xxxxxxx. Remedies for unilateral termination of the contract. Rio de Janeiro, 2023. 84 p. Dissertação (Mestrado em Direito Civil Contemporâneo e Prática Jurídica) – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This dissertation aims to analyze the double function of the sole paragraph of article 473 of the Civil Code: (i) ensure the termination by notice is made after the fulfillment of a minimum period of the contract, allowing its satisfactory performance and the amortization of the investments made by the reported party, and (ii) ensure the reported party is notified early enough to take action in order to prepare for the termination of the contract. In view of the interests that the sole paragraph of article 473 of the Civil Code aims to protect we intend to verify whether the aforementioned legal provision should result in the compulsory maintenance of the contract or the payment of compensation for material damages, and which damages should be compensated. To that end, we initially analyze the unilateral termination, foreseen in the caption of article 473 of the Civil Code, as a potestative right, distinguishing it from dissolution, contract cancellation and termination by notice. Also examined are the hypotheses in which the law allows unilateral termination and the possibility of the parties contractually establishing the termination by claim of the contract upon prior notice or payment of a fine. Then, objective good faith is examined as a criterion for assessing the abusiveness of the termination by notice; the duty of prior notice; the function of the stabilizing period; and the criteria for setting a reasonable period. Finally, the third chapter deals with the remedies for unilateral termination of the contract — namely, the specific performance of the obligation and the payment of compensation for material damages — and the damages to be compensated.
Keywords:
The unilateral termination of the contract; abuse of right; remedies; emergent damage.
1. O DIREITO À RESILIÇÃO UNILATERAL E AS HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO ARTIGO 473 DO CÓDIGO CIVIL 15
1.1 A distinção entre resolução, resilição, resilição unilateral e denúncia 17
1.2 Hipóteses legais que autorizam a resilição unilateral 26
1.2.1 Efeitos da cláusula contratual que permite a denúncia unilateral do contrato 32
2. OS LIMITES DA RESILIÇÃO UNILATERAL EM FACE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 473 DO CÓDIGO CIVIL 41
2.1 O parágrafo único do artigo 473 do Código Civil e o exercício do direito à resilição 42
2.2 O período razoável de aviso prévio e do prazo estabilizador 54
3 FORMAS DE REPARAÇÃO DO DANO DECORRENTE DA RESILIÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO 60
3.1 A execução específica da obrigação e a tutela indenizatória 60
3.2 Os danos a serem indenizados 69
Introdução
Esta dissertação tem como tema central a resilição unilateral, causa de extinção do contrato superveniente à sua formação.
No capítulo sobre a extinção dos contratos, o Código Civil trata das seguintes causas de extinção, superveniente à formação dos contratos: o distrato1; a resolução do contrato por inadimplemento2; a exceção de contrato não cumprido3; e a resolução por onerosidade excessiva4. Contudo, apenas a resilição e a resolução são formas de extinção dos contratos, uma vez que a exceção de contrato não cumprido acarreta a suspensão da exigibilidade do cumprimento.
A resilição e a resolução são objeto de frequentes controvérsias a respeito do seu significado exato, a revelar a necessidade de, antes de se adentrar na resilição unilateral do contrato, diferenciá-la de outros termos. Assim, neste trabalho, serão abordados a resolução e o distrato, além da resilição, a fim de diferenciar os três institutos.
A resilição é o modo de extinção dos contratos por manifestação de vontade de um ou dos dois contratantes. Há, portanto, resilição bilateral, decorrente da vontade de ambas as partes, denominada de distrato, e resilição unilateral, decorrente da vontade de uma das partes.
A resilição unilateral é prevista no artigo 473 do Código Civil, que dispõe:
A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá
1 Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.
2 Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
3 Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
4 Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.
Como se verifica, embora, em regra, ausente uma justa causa, os contratos não possam ser resilidos unilateralmente por força do princípio da obrigatoriedade dos pactos, o caput do aludido dispositivo prevê o direito potestativo de uma das partes, por simples declaração de vontade, extinguir a relação contratual, nos casos permitidos expressa ou implicitamente por lei.
Os casos em que a lei expressamente a permite são contratos que se baseiam em uma especial relação de confiança, como, por exemplo, o comodato, o mandato e o depósito. A lei implicitamente permite a resilição unilateral nos contratos por prazo indeterminado. Trata-se de uma exceção ao princípio da força obrigatória dos contratos, decorrente da autonomia privada, para que, nos contratos sem prazo, as partes não permaneçam eternamente vinculadas.
Outra hipótese de resilição unilateral do contrato decorre da declaração de vontade manifestada em consequência de cláusula ajustada em contrato bilateral. Tal cláusula poderá ser invalidada, a depender da relação contratual na qual foi pactuada e dos efeitos gerados para o denunciatário.
Como se depreende da leitura do dispositivo legal, o parágrafo único do artigo
473 do Código Civil impõe a suspensão dos efeitos da denúncia antes de transcorrido prazo compatível com determinados investimentos realizados pela contraparte.
O seu fundamento é o princípio da boa-fé objetiva, tutelando-se a legítima expectativa de uma das partes a respeito da continuidade dos contratos de duração sem termo para a sua extinção. Em tais contratos de longa duração, o princípio da boa-fé objetiva tem ainda mais forte incidência, pois o adimplemento é renovado continuamente, exigindo maior cooperação entre as partes, que desejam o prolongamento da relação.
Em vista desse fato, entende-se que a restrição temporal prevista no artigo 473, parágrafo único, do Código Civil deve, de um lado, (i) impor ao denunciante o cumprimento de um prazo mínimo de duração do contrato, que pode ser denominado prazo estabilizador, e, de outro, (ii) vincular o denunciante ao dever de conceder aviso prévio em prazo razoável.
A ratio do prazo estabilizador está associada à necessidade de adimplemento
continuado por certo período nos contratos de longa duração, a fim de alcançar o seu escopo econômico, o que será aferido, dentre outros aspectos, a partir dos investimentos realizados para a execução do contrato.
Já o fundamento do dever de aviso prévio é permitir que o destinatário da denúncia tenha tempo de se preparar para a resilição unilateral, reorganizando ou redirecionando seus negócios a fim de minimizar prejuízos.
Os conceitos indeterminados contidos no artigo 473, parágrafo único, do Código Civil acendem discussões a respeito do alcance do “prazo compatível” e da “natureza e vulto dos investimentos”. As relações contratuais são tão variadas que só parece possível definir os conceitos contidos na norma no caso concreto, mediante fundamentação analítica.
Não concedido o aviso prévio ou não respeitado o prazo estabilizador, haverá abusividade no direito de resilir unilateralmente o contrato. Deve-se indagar, então, qual forma de incidência do parágrafo único do artigo 473 do Código Civil melhor atende a sua função, que não é impedir a denúncia5, mas permitir que o denunciatário não seja surpreendido com uma abrupta extinção do contrato.
Ou seja, garantir (i) que a denúncia seja feita após o cumprimento de um período mínimo do contrato, apto a permitir o seu adimplemento satisfativo e a amortização dos investimentos realizados pela parte denunciada, e (ii) que o denunciatário seja notificado com antecedência necessária para tomar providências a fim de se preparar para o término do contrato.
Assim, o parágrafo único do artigo 473 do Código Civil deve ser aplicado de modo que atenda aos referidos interesses do denunciatário e, por outro lado, com efeitos menos gravosos ao denunciante.
Efetivamente, com a denúncia, o comportamento cooperativo e a confiança naturalmente se esvaem, sendo comum que a performance das partes não seja mais a mesma diante da iminência do fim da relação contratual, o que, obviamente, prejudica o sucesso da atividade contratual. Nesse contexto, a manutenção
5 A denúncia não é, por si só, ato lesivo. Ao tratar do aviso prévio, Xxxxxx Xxxxx deixa claro esse fato: “De tais excertos, vê-se que o evento lesivo é a não concessão do aviso prévio (não é, portanto, o exercício da denúncia). Para aplicação das regras de causalidade, a situação hipotética na qual o denunciado deveria estar sem o evento lesivo corresponde àquela já sem o contrato (pois a extinção do pactuado é lícita), mas com a concessão do aviso prévio em período suficiente para permitir uma transição suave entre a existência do contrato e a sua extinção” (XXXXXXX, Xxxxxx. Aviso prévio e extinção dos contratos empresariais. AGIRE Direito Privado em Ação, 22 fev. 2023. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx/x/xxxxx00. Acesso em 22.02.2023).
compulsória do contrato pode não ser o melhor remédio para as partes.
Não obstante, a doutrina tende a se posicionar pela manutenção compulsória, tanto porque determinada na literalidade do dispositivo legal quanto porque a tutela específica da obrigação é considerada remédio mais eficaz do que a tutela indenizatória, não apenas no Direito Civil mas também no Direito Processual.
Os entendimentos no sentido da reparação do dano por meio do pagamento de indenização, por sua vez, são pautados na necessidade de confiança e cooperação entre as partes para a execução de contratos de longa duração por prazo indeterminado, o que deixa de existir com a denúncia.
Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, há julgados tanto aplicando o parágrafo único do artigo 473 do Código Civil para determinar a prorrogação compulsória do contrato quanto para condenar o denunciante ao pagamento de indenização. Quando opta pelo caminho indenizatório, o Superior Tribunal de Justiça o faz com base na autonomia privada, a fim de impedir que uma das partes seja obrigada a permanecer vinculada, ou por já ter transcorrido longo período de tempo entre a denúncia e a análise do pedido, o que, na prática, pode mesmo inviabilizar a retomada do contrato.
O tema é controvertido e carece de estudos, sobretudo porque não se questiona qual a forma mais efetiva de reparação dos danos causados pela resilição unilateral. Por esse motivo, o presente trabalho pretende investigar qual a interpretação do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil que melhor conforma os interesses das partes à luz da boa-fé objetiva.
No primeiro capítulo, se abordará a resilição unilateral como direito potestativo, distinguindo-a do distrato, da resolução do contrato e da denúncia. Também serão examinadas as hipóteses em que a lei admite a resilição unilateral e a possibilidade de as partes estabelecerem contratualmente a denúncia unilateral do contrato antes do término do prazo mediante aviso prévio.
O segundo capítulo analisará o controle funcional da denúncia, os princípios que o subsidiam, sobretudo a boa-fé objetiva; o prazo de aviso prévio; o prazo estabilizador; a função do dever de aviso prévio e os critérios para fixação de prazo razoável.
Por fim, o terceiro capítulo analisará as formas de reparação do dano decorrente da resilição unilateral do contrato, quais sejam, a execução específica da
obrigação e a conversão em perdas e danos, bem como os danos advindos da resilição unilateral.
1.
O direito à resilição unilateral e as hipóteses de incidência do artigo 473 do Código Civil
Dentre as causas de extinção dos contratos, há as comuns a todos os negócios jurídicos, como a invalidação, o advento do termo ou condição resolutiva e a impossibilidade definitiva e superveniente do objeto; as decorrentes da extinção das obrigações, como a consignação em pagamento, novação, compensação, confusão e remissão; e, por fim, as causas extintivas próprias dos contratos.
Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx separa as causas de extinção do contrato em supervenientes à sua formação e causas concomitantes.6 No segundo grupo estão a nulidade, a anulabilidade, a redibição e o abuso do direito.
O Código Civil trata das causas supervenientes no capítulo sobre a extinção dos contratos, no qual dispõe sobre o distrato (artigo 472 do Código Civil7); a resilição unilateral (artigo 473 do Código Civil8); a resolução do contrato por inadimplemento (artigos 4749 e 47510 do Código Civil); a exceção de contrato não cumprido (artigos 47611 e 47712 do Código Civil) e a resolução por onerosidade excessiva (artigo 47813 do Código Civil).
6 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor
– Resolução. 2ª edição, 2ª tiragem, Rio de Janeiro: AIDE, 2004. p. 11.
7 Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.
8 Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
9 Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.
10 Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
11 Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
12 Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.
13 Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de
Segundo o referido autor, ainda extinguem o contrato a impossibilidade absoluta, a morte do devedor quando a obrigação for personalíssima, a prescrição da pretensão ou a preclusão do direito (decadência) e o abuso do direito na execução do contrato14. Essas demais causas estão previstas em outras disposições esparsas15.
Neste trabalho, que tem como tema central a resilição unilateral, serão abordadas a resolução e o distrato, a fim de diferenciar os três institutos.
Efetivamente, o contrato bilateral é pensado para ser cumprido sem que se permita a nenhuma das partes, ausente uma justa causa, a escolha pelo fim da relação contratual antes do término do prazo estipulado. Trata-se do princípio da força obrigatória do contrato.16
No entanto, conforme preceitua o artigo 473 do Código Civil,17 alguns tipos contratuais autorizam a resilição unilateral em situações previstas expressa ou implicitamente em lei. Esse último caso geralmente ocorre nos contratos por tempo indeterminado e de execução continuada, pois a contratação eterna iria de encontro à liberdade individual. O fundamento da resilição unilateral também pode ser a perda da confiança nos contratos que possuem esse pressuposto, como o mandato. Em todos os casos, o direito à resilição unilateral decorre da tutela da autonomia privada, como expressão das liberdades fundamentais asseguradas no
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
14 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor
– Resolução. 2ª edição, 2ª tiragem, Rio de Janeiro: AIDE, 2004. p. 11.
15 “Assim, a prescrição está regulada nos arts. 189 e s.; a decadência é tratada quando o Código dispõe sobre os direitos e, desde logo, prevê o prazo para a sua extinção, de que são exemplos os arts. 501, 505, 513, parágrafo único, e 1.614; a impossibilidade absoluta superveniente está prevista no art. 234 (perda da coisa, sem culpa), no art. 248 (impossibilidade da prestação do fato, sem culpa), no art. 250 (impossibilidade da abstenção, sem culpa). A morte do credor extingue a obrigação feita em razão da sua vida (obrigação alimentar por ato ilícito), e a morte do devedor faz cessar o contrato que dispunha sobre sua prestação pessoal (art. 248, que prevê a impossibilidade da prestação, sem culpa)” (Xxxxxx, p 11.).
16 XXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 52: “Com efeito, poder-se-ia mesmo questionar se a extinção ad nutum do contrato mediante resilição afigura-se compatível com a teoria contratual contemporânea, plasmada por princípios que, somando-se à autonomia privada, à relatividade e à obrigatoriedade dos pactos, instrumentalizam a incidência dos valores constitucionais sobre o direito dos contratos.”
17 Artigo 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
âmbito das relações privadas.18
A distinção entre resolução, resilição, resilição unilateral e denúncia
A extinção dos contratos, como dito, é tratada no Capítulo II do Código Civil, que versa sobre a resilição, a resolução, a exceção de contrato não cumprido e a resolução por onerosidade excessiva. Contudo, apenas a resilição e a resolução são formas de extinção dos contratos.
A exceção de contrato não cumprido acarreta a suspensão da exigibilidade do cumprimento, e não a extinção do contrato, a denotar que não deveria constar no Capítulo II do Código Civil.
O referido capítulo também possui outra impropriedade, no que diz respeito à redação do artigo 473, que consta na seção equivocadamente denominada distrato, e, gerando ainda mais confusão, utiliza três outros diferentes termos: resilição unilateral, denúncia e denúncia unilateral.19
Conforme assevera Araken de Assis, “as discrepâncias terminológicas e conceituais que turvam o heterogêneo panorama da extinção das obrigações cobram seu elevado tributo. É preciso, acentua Pontes de Miranda, limpar-se a linguagem de erros e ambiguidades lastimáveis”.20
Resilição é o modo de extinção dos contratos por manifestação de vontade de um ou dos dois contratantes. Há, portanto, resilição bilateral, decorrente da vontade de ambas as partes, denominada de distrato, e resilição unilateral, decorrente da vontade de uma das partes.21
18 “Ao garantir às partes do contrato por tempo indeterminado o direito à resilição, tutela-se o valor social da livre iniciativa (C.R., art. 1°, IV), facilitando a extinção de relações contratuais cuja preservação não mais se justifica à luz da função econômica e social da atividade. [...] Tal liberdade recebe proteção na medida em que se revela socialmente importante promover a efetividade da função contratual” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 62-63).
19 Ibidem, p. 24.
20 ASSIS, Araken de. Do distrato no novo Código Civil. Revista CEJ, Brasília, nº 24, jan./mar., 2004, p. 59.
21 A respeito da resilição, afirma Xxxxxxx Xxxxx: “Sua forma pura é, assim, o distrato, mas também sucede pela vontade de um só dos contratantes. Há, portanto, resilição bilateral e unilateral” (XXXXX, Orlando. Contratos. 28. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 191).
Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx utiliza apenas o termo resilição, em vez de resilição unilateral, e justifica que sua opção decorre do entendimento a respeito do distrato, asseverando que são figuras distintas: “o distrato, como se sabe, é também chamado de resilição bilateral, sendo tal nomenclatura a única razão para que se utilize a expressão resilição unilateral em vez, simplesmente, do termo resilição”.22
Já a resilição unilateral é um negócio jurídico unilateral extintivo23, uma possibilidade excepcional, uma vez que, em regra, apenas a vontade de ambos os contratantes pode acarretar a extinção do contrato24.
Trata-se de um direito potestativo, também designado de direito formativo, que traduz o poder unilateral de constituição, alteração ou extinção da relação jurídica25. A satisfação do titular do direito potestativo dá-se pela interferência na esfera jurídica de outro titular, que se submete, pura e simplesmente, ao seu exercício.26
Conforme será analisado mais adiante, em hipóteses excepcionais, quando o seu titular atua de modo incompatível com a boa-fé objetiva, é possível identificar
22 “Seguindo na distinção entre o distrato e a resilição: “Configurando-se, portanto, como contrato que, durante a vigência de outro contrato, visa a promover-lhe a extinção, nota-se a inconveniência sistemática de reunir, sob a mesma rubrica da resilição, figuras tão díspares como o distrato e a resilição (unilateral). Esta se apresenta como direito potestativo à extinção do contrato por uma das partes de modo discricionário, ao passo que aquele consiste em contrato mediante o qual as partes, de comum acordo, decidem desfazer o ajuste anterior ainda vigente” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 71/72).
23 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Comentários ao novo Código Civil, volume VI, tomo II: da extinção do contrato. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 239.
24 “A resilição unilateral é tratada, por muitos autores, com cautela. Um dos efeitos do princípio da obrigatoriedade do contrato é, precisamente, a alienação da liberdade dos contratantes, nenhum dos quais podendo romper o vínculo, em princípio, sem a anuência do outro (XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. vol. 3, p. 152-153). No mesmo sentido, XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Manual de Direito Civil Contemporâneo. 5ª ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 472: “A resilição unilateral é, portanto, uma possibilidade excepcional, na medida em que a vontade de apenas um dos contratantes não tem, em regra, a aptidão de desfazer o vínculo criado com base na vontade de ambos”. Em sentido contrário: XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, v. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006,
p. 115: “Não se trata, contudo, de mecanismo excepcional, já que, respeitada evidentemente a obrigatoriedade dos prazos contratuais determinados, ninguém pode ser compelido a manter-se em relação contratual contra a própria vontade”.
25 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Abuso do Direito Potestativo. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Editorial, Belo Horizonte, v. 25, p. 13-15, jul./set. 2020, p. 13.
26 Ibidem, p. 13.
abusividade no direito potestativo de resilir unilateralmente o contrato27, a atrair a incidência do parágrafo único do artigo 473 do Código Civil.
Segundo Xxxxxxx Xxxxx, o fundamento da resilição varia conforme a modalidade do contrato. Nos contratos por tempo indeterminado, presumiria a lei que as partes não quiseram se obrigar perpetuamente:28
Na resilição unilateral dos contratos por tempo indeterminado, presume a lei que as partes não quiseram se obrigar perpetuamente, e, portanto, que se reservaram a faculdade de, a todo tempo, resilir o contrato. O fundamento do poder de resilir seria, assim, a vontade presumida das partes. Outras vezes, o contrato distingue-se pelo elemento fiduciário que encerra, de modo que só subsiste enquanto existe confiança de uma parte na outra. Justo que a lei autorize sua resilição pelo contratante que a perdeu. Por último, os próprios sujeitos reservam-se o direito de arrependimento, assegurando-se a faculdade de resilir o contrato, uma vez se sujeitem ao pagamento de multa prevista especialmente para esse fim.
Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx critica a tese de que haveria presunção da vontade das partes para fundamentar o direito à resilição, uma vez que, no direito contemporâneo, se reconhece a existência de fontes heterônomas que levam à criação de direitos e obrigações, não sendo mais necessário encontrar no poder da vontade uma fonte exclusiva das obrigações contratuais.29
Para o autor, o fundamento garantidor da faculdade de resilir unilateralmente
27 “Afirma-se, nessa direção, que mesmo na atuação unilateral do titular, atribuída por lei ou por contrato a seu exclusivo alvedrio, mostra-se possível identificar cenário de abusividade. A jurisprudência, tanto em processos judiciais como arbitrais, tem registrado numerosos precedentes nesse sentido, ao argumento de que o controle de abusividade deve alcançar também o exercício unilateral daquele que, ao se valer de prerrogativa contratual ou legal, desvirtua a sua finalidade, atuando de modo incompatível com a boa-fé objetiva ou com a função reservada pelo ordenamento ao direito que lhe foi atribuído” (TEPEDINO, Xxxxxxx. Abuso do Direito Potestativo. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Editorial, Belo Horizonte, v. 25, p. 13-15, jul./set. 2020, p. 13).
28 Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx afirma que “o direito de resilir unilateralmente o contrato está fundado em princípio de ordem pública (segundo o qual ninguém pode vincular-se perpetuamente), reforça e protege o princípio da liberdade de contratar, mas, ao mesmo tempo, enfraquece o da observância dos contratos” (XXXXXX XXXXXX, Ruy Rosado de. Comentários ao novo Código Civil, volume VI, tomo II: da extinção do contrato. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 239). XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 28. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 193. No mesmo sentido, XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de. XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de Direito Civil – 4, Contratos - 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 533: “O fundamento da denúncia é a vontade presumida do contratante, presumida no sentido de que não desejou se vincular de forma perene, reservando-se a faculdade de resilir o contrato a qualquer tempo, de forma imotivada, mediante simples declaração de vontade”.
29 XXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 56.
o contrato tão pouco seria a proibição dos vínculos perpétuos30, mas, sim, a tutela da autonomia privada, em sua noção funcionalizada, que se associa aos princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da igualdade substancial, e resguarda, no âmbito contratual, a função social do contrato.31
A resilição unilateral diferencia-se de outras figuras por meio das quais se extingue o contrato. O que a diferencia da resolução é a ausência de qualquer pressuposto associado ao inadimplemento, à impossibilidade de cumprimento não imputável ao devedor ou ao desequilíbrio superveniente do contrato.32
A resolução ocorre nos casos de inexecução e a resilição ocorre por vontade de um ou dos dois contratantes. Nas palavras de Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx: “o direito à resilição pode ser exercido independentemente de qualquer descumprimento contratual da outra parte ou da comprovação de desequilíbrio contratual, bastando a simples manifestação de uma das partes”.33
Em sentido contrário, Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx, acolhendo o entendimento de Xxxxxx de Xxxxxxx, entende que a resilição também se fundaria no descumprimento contratual:
A resolução é um modo de extinção dos contratos, decorrente do exercício do direito formativo do credor diante do incumprimento do devedor. Pode constar de cláusula contratual expressa (resolução convencional, art. 474 do Código Civil); mas, exista ou não previsão contratual, a regra do art. 475 do Código Civil incide sobre todos os contratos bilaterais, autorizando o credor a pedir em juízo a resolução do contrato descumprido (resolução legal).34
30 “Evidentemente, a chamada proibição dos vínculos perpétuos pode ser reconduzida à tutela da autonomia privada – o que efetivamente ocorre na construção proposta por alguns autores –, mas a fórmula, cujo enfoque recai mais diretamente sobre a duração do vínculo, em detrimento do interesse merecedor de tutela, acaba por gerar controvérsias prejudiciais ao estudo do tema e à compreensão da resilição” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré- aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 56).
31 Ibidem, p. 62-63.
32 Conforme Xxxxxxx Xxxxx, “a resolução cabe nos casos de inexecução” e a resilição é “o modo de extinção dos contratos por vontade de um ou dos dois contratantes” (XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 28. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 177 e 191).
33 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Fundamentos do Direito Civil, v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 163.
34 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor
– Resolução. 2ª edição, 2ª tiragem, Rio de Janeiro: AIDE, 2004, p. 11.
Da mesma forma entende Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx, para quem a resolução, em sentido amplo, inclui a resilição e a resolução em sentindo estrito, sendo ambas fundadas no inadimplemento.35
A autora diferencia os conceitos com base nos efeitos produzidos, nos tipos de relação contratual e nos modos do seu exercício:
Nos contratos duradouros e nos de execução diferida, o inadimplemento leva à resilição, pois a eficácia do mecanismo extintivo é ex nunc. Nos contratos instantâneos, cabe a resolução em sentido estrito, pois a eficácia do mecanismo é ex tunc. Ambas compõem o gênero resolução lato sensu.36
A respeito da distinção entre as referidas formas de extinção dos contratos, Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx destaca que, a prevalecer a orientação segundo a qual resolução e resilição seriam fundadas no inadimplemento, tais figuras tornam-se funcionalmente idênticas, com a única diferença de que a resolução atinge as prestações já executadas, exigindo o retorno das partes ao status quo ante, e a resilição gera efeitos ex nunc.37
Além disso, afirma que não pode ser desconsiderado o fato de que o legislador optou pelo termo resilição exclusivamente no artigo 473 do Código Civil, que não se relaciona à inexecução do contrato, e por resolução nos artigos 475 e 47838.
O autor também demonstra que, nos contratos por tempo indeterminado, não haveria resolução em hipótese nenhuma, mesmo no caso de inadimplemento, pois a extinção de tais contratos não produz efeitos ex tunc.39
35 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. Resilição parcial e cessão de contrato, In: Revista dos Tribunais. Abr-jun/2021, p. 12.
36 Ibidem, p. 12.
37 XXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 42.
38Ibidem, p. 42.
39 “[...] a separação entre resolução e resilição com base apenas nos efeitos produzidos em relação às prestações realizadas gera, ao fim e ao cabo, situação em que o mesmo fato jurídico pode dar origem a direitos diversos – resolução ou resilição –, a depender da classificação do contrato quanto ao modo de execução. Explica-se: nos contratos por tempo indeterminado não haveria resolução em hipótese alguma, tendo em vista que mesmo a extinção fundada no inadimplemento de tais contratos não produz efeitos ex tunc. Desse modo, segundo a orientação sob exame, o direito exercido em virtude do inadimplemento de obrigação essencial que tornou impossível o atingimento do escopo contratual seria o mesmo direito franqueado, por exemplo, à parte que,
Assim, parece claro que os termos resolução e resilição possuem fundamentos e funções diferentes. A extinção do contrato mediante resolução tem como causa a inexecução por um dos contratantes40. Mediante resilição, a simples manifestação da vontade de uma das partes, excluída a possibilidade de inadimplemento.
O Superior Tribunal de Justiça também diferencia resolução e resilição nos termos acima explicitados, conforme se verifica do voto da Ministra Xxxxx Xxxxxxxx no Recurso Especial nº 1.634.077/SC:
a) resolução, a qual cabe nos casos de inexecução do contrato, que pode se dar de modo voluntário (culposo) ou involuntário, e opera retroativamente, de modo a extinguir o contrato com efeito ex tunc; b) resilição, que é o modo de extinção do contrato por vontade de um ou dos dois contratantes, sendo que esta última modalidade denomina-se distrato.41
Com relação aos efeitos, enquanto a resilição possui efeitos ex nunc, na resolução o efeito varia. Se o contrato for de execução única, a resolução opera ex tunc, se for de execução de duração, os efeitos são ex nunc.42 Assim, a resolução pode atingir as prestações já executadas, exigindo o retorno das partes ao status quo ante. A resilição preserva as prestações executadas até o momento de seu exercício.43
Xxxxx Xxxxx Xxxxxx de Xxxxxx adota o seguinte conceito de resolução do contrato:
Resolução é a maneira de se extinguir relações jurídico-contratuais por decorrência de impossibilidade de prestação. Seja a impossibilidade voluntária ou involuntária, haverá resolução. Ela, em regra, impõe efeitos terminativos ex tunc, mas isso não é sempre verdade. Seu marco definidor é o conceito de impossibilidade de
após mais de vinte anos de execução bem-sucedida do contrato, opta por sua extinção, tendo em vista nova estratégia comercial pautada por contingências de mercado” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 42).
40 “Tem-se daí que a indenização é a regra na hipótese de resolução, sendo, ao revés, na resilição, a exceção” (XXXXXXXX, Xxxxxxx. Validade e efeitos da resilição unilateral dos Contratos, In: Revista dos Tribunais. Soluções Práticas, vol. 2, nov./2011, p. 4).
41 STJ. REsp 1.634.077/SC, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, Terceira Turma, julgado em 09/03/2017. DJe 21/03/2017.
00 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 28. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 181.
43 XXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Op. Cit., nota 39, p. 42.
cumprimento do contrato, entrando aí o inadimplemento absoluto, a onerosidade excessiva, os casos de frustração do fim do contrato e até de caso fortuito ou de força maior.44
O direito à resolução pode constar de cláusula resolutiva expressa, resultante da autonomia privada, ou tácita, decorrente de regra legal, previstas, respectivamente, nos artigos 47445 e 47546 do Código Civil. A resolução pela cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito, enquanto a tácita depende de ação judicial.
Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxx Terra ensina que o fundamento da cláusula resolutiva expressa é a autonomia privada dos contratantes e explica a sua importância:
A cláusula resolutiva expressa encerra relevante mecanismo de alocação e disciplina dos riscos contratuais, que não se restringem ao inadimplemento absoluto. E mesmo quanto à configuração do inadimplemento absoluto, a cláusula resolutiva expressa permite aos contratantes avaliar, ex ante, a relevância das várias obrigações assumidas para a consecução do resultado útil programado, disciplinando, dessa forma, os efeitos do seu descumprimento. A qualificação do inadimplemento idôneo a provocar a resolução é definida de comum acordo, por ambas as partes.47
Há de se concluir, portanto, que resolução e resilição são conceitos que não podem ser confundidos, sob pena de se cometer equívocos na qualificação dos atos
44 ARAÚJO, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx de. Prorrogação compulsória de contratos a prazo. Tese (Doutorado em Direito Civil) - Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 50.
45 O artigo 474 do Código Civil, denominado de cláusula resolutiva expressa, trata da possibilidade de as partes, no exercício da autonomia negocial, preverem para quais obrigações o inadimplemento irá autorizar a resolução do contrato pela outra parte: “Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial”.
46 Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos. Sobre a cláusula resolutiva tácita, vide Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx xxxxxx, Xxxxx Xxxxx BANDEIRA: “A alusão a uma suposta cláusula tácita revela, a rigor, resquício de concepção voluntarista em que as situações jurídicas subjetivas relacionadas ao contrato deveriam decorrer exclusivamente da vontade das partes, a exigir o recurso à noção de cláusulas tácitas. O direito à resolução por inadimplemento, nos termos do art. 475 do Código Civil, portanto, não depende de previsão em cláusula tacitamente extraída do contrato, podendo ser exercido sempre que configurado descumprimento contratual culposo, associado à impossibilidade da prestação ou à perda do interesse útil do credor” (XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Fundamentos do Direito Civil, v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 163).
47 TERRA, Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Cláusula resolutiva expressa. 1ª reimpressão – Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 59.
de autonomia privada e na solução a ser dada aos problemas associados a cada modo de extinção dos contratos.48
Por fim, chega-se ao conceito de denúncia, cujo significado também se revela controvertido.49 Leciona Xxxxxxx Xxxxx que o poder de resilir é exercido mediante declaração de vontade da parte a quem o contrato não mais interessa, designada de denúncia. Os seus efeitos são produzidos a partir do momento em que chega ao conhecimento da outra parte. “É, portanto, declaração receptícia de vontade”.50
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx difere completamente a denúncia da resilição unilateral. A primeira seria o “negócio jurídico pelo qual, unilateralmente, é exercido o poder de fixar um termo ou um prazo para, com eficácia ex nunc, finalizar uma relação jurídica duradoura, originariamente concebida sem prazo determinado”51.
A resilição, por sua vez, “supõe que o contrato tenha tempo determinado e, não obstante isso, pelo exercício desse poder, a relação jurídica seja interrompida antes de finalizado o tempo inicialmente previsto para o vínculo”52. Ou seja, para o autor, “a denúncia evita que se continue a relação, a resilição desfaz a eficácia a partir de determinado ponto”.53
Outra definição dos termos é dada por Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx, para
48 “Nessa direção, afirma-se que a função determina a estrutura, não o inverso, o que significa dizer, em relação ao problema ora examinado, que mesmo a retroatividade ou não dos efeitos da resolução e da resilição não pode ser aprioristicamente fixada. A preservação ou não dos efeitos deverá observar eventuais interesses merecedores de tutela, tal como hoje se reconhece, por exemplo, no âmbito da teoria das invalidades” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 44).
49 “Não obstante a existência de dissenso doutrinário, o legislador adotou o vocábulo denúncia como sinônimo de resilição unilateral e procedimento pelo qual ela se comunica com a outra parte”. (XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de. XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de Direito Civil – 4, Contratos - 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 533)
50 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 28. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 193.
51 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, A denúncia e a resilição: críticas e propostas hermenêuticas ao art. 473 do CC/02 brasileiro. In: Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo, v. 3, nº 7, p. 95-117, abr./jun., 2016, p. 98.
52 Ibidem, p. 104.
53 Ibidem, pp. 94-95. No mesmo sentido, XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Contratos empresariais de colaboração: a resilição unilateral e a proteção dos investimentos. 2020. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, p. 48: “Trata-se de distinção pertinente, pois a denúncia permite que o contrato não seja prolongado no tempo de modo infinito em razão de seu prazo indeterminado; enquanto a resilição encerra um contrato que se prolongaria no tempo até um determinado prazo, previamente estipulado”.
quem não havia necessidade de a Lei Civil incluir a figura da resilição, pois o vocábulo não teria sentido unívoco nem mesmo na França, país que lhe deu origem, sendo utilizado tanto no sentido empregado no artigo 473 do Código Civil quanto no de resolução.54 Bastaria, portanto, a sistematização da denúncia, já prevista na Lei de Locações.55
Já Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx afirma que o Código Civil se utiliza do termo resilição para indicar a figura da denúncia, que também produz efeitos ex nunc, mas que, diferentemente do que ocorreria com a resilição, não se funda no inadimplemento.56
O próprio legislador utiliza o termo denúncia, em alguns casos, para se referir à resolução do contrato motivada por justa causa (denominada de denúncia cheia), como ocorre na Lei de Locações.57
A respeito da denúncia cheia, Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxx Bandeira esclarecem:58
54 XXXXX XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Resolução, rescisão, resilição e denúncia do contrato: questões envolvendo terminologia, conceito e efeitos, In: Revista dos Tribunais, v. 882, pp. 73-85, abr., 2009, p. 96 e 98-99.
55 Art. 6º. O locatário poderá denunciar a locação por prazo indeterminado mediante aviso por escrito ao locador, com antecedência mínima de trinta dias.
Art. 7º. Nos casos de extinção de usufruto ou de fideicomisso, a locação celebrada pelo usufrutuário ou fiduciário poderá ser denunciada, com o prazo de trinta dias para a desocupação, salvo se tiver havido aquiescência escrita do nuproprietário ou do fideicomissário, ou se a propriedade estiver consolidada em mãos do usufrutuário ou do fiduciário.
Parágrafo único. A denúncia deverá ser exercitada no prazo de noventa dias contados da extinção do fideicomisso ou da averbação da extinção do usufruto, presumindo - se, após esse prazo, a concordância na manutenção da locação.
Art. 8º. Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.
§ 2º A denúncia deverá ser exercitada no prazo de noventa dias contados do registro da venda ou do compromisso, presumindo - se, após esse prazo, a concordância na manutenção da locação.
56 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. Resilição parcial e cessão de contrato, In: Revista dos Tribunais. Abr-jun/2021, p. 12.
57 Vide, por exemplo, o disposto no artigo 7º da Lei de Locações: “Nos casos de extinção de usufruto ou de fideicomisso, a locação celebrada pelo usufrutuário ou fiduciário poderá ser denunciada, com o prazo de trinta dias para a desocupação, salvo se tiver havido aquiescência escrita do nuproprietário ou do fideicomissário, ou se a propriedade estiver consolidada em mãos do usufrutuário ou do fiduciário”.
58 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Fundamentos do Direito Civil, v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 148.
[...] a chamada denúncia cheia corresponde, a rigor, à resolução do contrato, seja em virtude da previsão contratual que estabelece os eventos cuja ocorrência autoriza o exercício do direito de resolução, seja nas hipóteses em que o legislador definiu previamente os fatos que autorizam a resolução contratual.
Há, também, a denúncia imotivada (denominada de denúncia vazia), exercida por força de autorização legal ou contratual, na qual o contratante não está obrigado a declinar o motivo, como ocorre com a denúncia da locação mediante o pagamento de multa, facultada pelo artigo 4° da Lei de Locações.59
Não obstante o entendimento no sentido de que denúncia e resilição não se equivalham, neste trabalho se entende que ambos os termos possuem a mesma função — de promover a extinção do vínculo contratual independentemente da configuração do inadimplemento —, e o mesmo fundamento — encontrado na autonomia privada —, não havendo nenhum prejuízo na utilização do termo denúncia para se referir à resilição, como ocorre com os demais conceitos vistos acima.60
Hipóteses legais que autorizam a resilição unilateral
A resilição unilateral é uma possibilidade excepcional, prevista “nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita” (artigo 473 do Código Civil).
Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx explica a natureza excepcional da resilição unilateral da seguinte forma:
Um dos defeitos do princípio da obrigatoriedade do contrato é, precisamente, a alienação da liberdade dos contratantes, nenhum dos quais podendo romper o vínculo, em princípio, sem anuência do outro. Por isso é que o art. 473 do Código somente em casos excepcionais admite que um contrato cesse pela manifestação volitiva unilateral61.
59 Art. 4o. Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2o do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.
60 “Tal opção permite evitar controvérsia terminológica estéril na matéria, tendo em vista que ambas as figuras expressam o direito de promover a extinção do vínculo contratual independentemente da configuração do inadimplemento” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 50).
61 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp. 130.
Os casos em que a lei expressamente a permite (primeira parte do artigo 473 do Código Civil) se referem a contratos cuja própria natureza admite a resilição unilateral62, como ocorre com os contratos que se baseiam em uma especial relação de confiança, por exemplo, o comodato63, o mandato64 e o depósito.65
A resilição unilateral recebe designações diversas, tais como resgate, renúncia, revogação e direito de arrependimento, todos “atos unilaterais de natureza extintiva incluídos no conceito de resilição”66, denominados por Xxxxxxx Xxxxx como formas especiais de resilição67 e por Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx como “equivalentes funcionais da resilição”.68
62 Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx afirma que “a permissão legal expressa para a resilição unilateral consta da configuração legal do tipo de contrato, como ocorre com a locação e o mandato”. (XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Comentários ao novo Código Civil, volume VI, tomo II: da extinção do contrato. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 226). Sobre a locação: “Interessante repositório de normas alusivas à resilição unilateral é a lei de locações. Os arts. 6º, 7º e 8º da Lei nº 8.245/91 traduzem hipóteses de denúncia, seja por iniciativa do locatário, como também de terceiros estranhos inicialmente ao contrato” (XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de. XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de Direito Civil – 4, Contratos - 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 534).
63 “No comodato sem prazo convencionado, que é a situação mais ocorrente nesse tipo de contrato, o comodante somente pode resilir o comodato, antes do vencimento do prazo determinado pelo uso, se houver necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz (art. 581). É um caso de resilição vinculado à justa causa estabelecida na lei.” (XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Comentários ao novo Código Civil, volume VI, tomo II: da extinção do contrato. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 226). Ainda sobre o comodato: “No comodato sem prazo, caso o comodatário seja interpelado e constituído em mora, a reintegração de posse poderá ser ajuizada, superado o prazo concedido pelo comodante, sem que aquele tenha se retirado do imóvel” (Ibidem, p. 533).
64 “[...] o art. 682, I, do Código Civil admite, por exemplo, a extinção do mandato por resilição unilateral de uma das partes (a renúncia do mandato pelo mandatário ou a revogação do mandato pelo mandante” (XXXXXXXXX, Xxxxxxxx; TARTUCE, Xxxxxx; XXXXX, Xxxx; XXXX, Xxxxx Xxxxxxx xx; XXXXXXX, Xxxxx. Código Civil comentado – doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 277).
65 “No depósito, o depositário será obrigado a restituir a coisa no momento em que o depositante o reclamar (art. 627). Essa reclamação é modo de resilição unilateral (denúncia)” (XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Op. Cit., nota 63, p. 230).
66 Ibidem, p. 239.
67 “Em determinados contratos (a resilição unilateral) assume feição especial, tomando, conforme o caso, o nome de revogação, renúncia ou resgate” (XXXXX, Orlando. Contratos. 28. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 193).
68 XXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 65. Vide, ainda, XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx. Os contratos que viabilizam o processo de distribuição e os efeitos de sua denúncia unilateral. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013, p. 95: “A denúncia e a resilição unilateral, assim, subdividem-se em outras modalidades, como a revogação,
A revogação, como forma de resilição unilateral, é a do mandato. Conforme disposto nos artigos 682 e 688 do Código Civil, o mandante pode revogar o mandato e o mandatário pode renunciar ao mandato. A revogação da doação não é forma de resilição unilateral, pois o exercício do direito potestativo à extinção da doação é subordinado ao incumprimento de obrigação legal ou contratual pelo donatário, o que, inclusive, a aproxima mais do direito à resolução do contrato.69
O direito de arrependimento, como forma de resilição unilateral, é previsto no artigo 420 do Código Civil70, que trata da possibilidade de as partes se arrependerem do negócio mediante a perda do sinal (arras penitenciais). O direito de arrependimento também pode decorrer da pactuação de multa penitencial, por meio da qual as partes preveem o pagamento de certo valor como consequência da desistência do vínculo obrigacional.71
Sobre a hipótese em que a lei implicitamente permite a resilição unilateral (artigo 473 do Código Civil), essa se refere aos contratos por prazo indeterminado. Trata-se de uma exceção ao princípio da força obrigatória dos contratos, para a preservação da liberdade das partes, garantindo que, nos contratos sem prazo, não tenham que permanecer vinculadas eternamente.
Afinal, a renovação das obrigações dar-se-ia ad eternum caso não fosse conferida aos contratantes a faculdade de extinguir unilateralmente o contrato72,
desistência, o arrependimento, a renúncia ou o resgate, adquirindo, em alguns casos, peculiaridades próprias e regimes diversos da resilição unilateral”.
69 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Fundamentos do Direito Civil, v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 159.
70 Art. 420 do Código Civil: “Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes [...]”.
71 “A multa penitencial consiste, portanto, no ajuste por meio do qual preveem as partes o pagamento de certo valor como consequência da desistência do vínculo obrigacional, comportamento que, nessa hipótese, não caracteriza inadimplemento” (XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Op. Cit., nota 69, p. 159). Xxxxxxxx Xxxxxxx explica, a respeito das arras penitenciais, que constitui um preço combinado para o exercício de um direito: “Aquele, afinal, traduz preço fixado para o exercício de direito potestativo de arrependimento” (SALGADO, Xxxxxxxx. Redução equitativa das arras: para que serve o sinal de confirmação? Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil. Belo Horizonte, v. 25, p. 211-233, jul./set. 2020).
72 “É por isso que os contratos duradouros por tempo indeterminado aceitam, em princípio, o direito de o contratante desligar-se unilateralmente, uma vez que o engajamento perpétuo agride a liberdade individual” (XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Comentários ao novo Código Civil, volume VI, tomo II: da extinção do contrato. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 243). Vide, ainda, XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx. Os contratos que viabilizam o processo de distribuição e os
tornando-se necessário admitir, nos contratos duradouros, que uma parte ponha termo à avença mediante manifestação de vontade.
Como afirma Xxxxxx Xxxxx, o parágrafo único do artigo 473 do Código Civil, ao proteger os investimentos, deixa claro que a hipótese em que a lei implicitamente permite a resilição unilateral é a dos contratos por prazo indeterminado, pois, nos contratos por tempo determinado, pressupõe-se que o prazo contratado seja adequado aos investimentos que serão realizados.73
Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx também justifica a relação entre a indeterminação do tempo e a possibilidade de resilição unilateral afirmando que, nos contratos por prazo determinado, em princípio, “a própria limitação temporal constante do contrato afasta a hipótese da vinculação perpétua”.74
Até porque a extinção unilateral do contrato por prazo determinado sem motivação caracteriza o descumprimento do contrato, e não o exercício do direito de resilir unilateralmente o contrato, ressalvando-se eventuais previsões legais em sentido contrário, como o já mencionado direito do locatário de devolver o imóvel pagando multa.75
Os contratos por prazo determinado renovados sucessivas vezes são considerados contratos de duração com prazo indeterminado.76 Trata-se de entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, que visa coibir a celebração
efeitos de sua denúncia unilateral. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013, p. 94: “Ao contrato normalmente são atribuídas as características da obrigatoriedade e da intangibilidade, corolários do princípio da autonomia da vontade e pilares sobre os quais se ergueu a teoria contratual do século XIX. No entanto, mesmo sob a égide de tal pensamento liberal, constituiria infração ao próprio voluntarismo a impossibilidade de extinguir a relação contratual, especialmente aquela duradoura. Por isso se afirmava que o contrato não constituía vínculo destinado a perdurar eternamente, mesmo não estando previsto, em seu regramento, prazo de duração.”
73 XXXXXXX, Xxxxxx. Aviso prévio e investimentos: o parágrafo único do art. 473 CC, AGIRE Direito Privado em Ação, 04 jul. 2022. p. 2. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx/x/xxxxx00. Acesso em 05.07.2022.
74 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Op. cit., nota 72, p. 264.
75 “Art. 4o. Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2o do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.”
76 Nesse sentido, vide Xxxxxxx Xxxxx: “a recondução tácita de contrato por tempo determinado converte-o em contrato por tempo indeterminado” (XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 28. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 130).
de contratos com prazos curtos, mas destinados a serem renovados sucessivamente com a intenção de afastar a disciplina dos contratos por prazo indeterminado a respeito da concessão de aviso prévio e do pagamento de indenização.
Existem, na legislação, alguns dispositivos legais considerando as renovações sucessivas como prazo indeterminado, como é o caso do artigo 27 da Lei de Representação Comercial77, do artigo 21 da Lei de Concessão Comercial de Veículos Automotores78, do artigo 51, II, da Lei de Locações79 e do artigo 574 do Código Civil80.
A identificação dos contratos por prazo indeterminado, conforme adverte Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, não é instintiva.81 Não estão incluídos na noção de contrato por tempo indeterminado os contratos relacionais e os contratos cativos, que não admitem a resilição unilateral.
Os contratos relacionais partem da premissa de que as relações contratuais devem responder a eventuais mudanças de circunstâncias. Para exemplificar, leia- se a ementa do Recurso Especial nº 1.073.595, no qual a Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, relatora do voto vencedor, entendeu que o contrato de seguro firmado entre um segurado de Minas Gerais com a SulAmérica Seguros de Vida e Previdência S/A deveria ser reconhecido como um contrato relacional:
O contrato sub judice não pode, em hipótese alguma, ser analisado isoladamente, como um acordo de vontades voltado ao estabelecimento de obrigações recíprocas por um período fixo, com faculdade de não renovação. Essa ideia, identificada com
77 Art. 27. § 2°. O contrato com prazo determinado, uma vez prorrogado o prazo inicial, tácita ou expressamente, torna-se a prazo indeterminado.
78 Art. 21. Parágrafo único. O contrato poderá ser inicialmente ajustado por prazo determinado, não inferior a cinco anos, e se tornará automaticamente de prazo indeterminado se nenhuma das partes manifestar à outra a intenção de não prorrogá-lo, antes de cento e oitenta dias do seu termo final e mediante notificação por escrito devidamente comprovada.
79 Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente:
II - o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos;
80 Art. 574. Se, findo o prazo, o locatário continuar na posse da coisa alugada, sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação pelo mesmo aluguel, mas sem prazo determinado.
81 “As dificuldades no tema devem-se, sobretudo, às diferentes categorias de contratos que, possuindo no tempo elemento importante de sua execução, são frequentemente associados à possibilidade de denúncia, sem embargo de não se configurarem necessariamente como contratos de prazo indeterminado” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré- aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 79).
o que Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xx. chamou de ‘contratos descontínuos’, põe de lado a percepção fundamental de que qualquer contrato de seguro oferecido ao consumidor, notadamente por um longo período ininterrupto de tempo, integra o rol de contratos que a doutrina mais autorizada convencionou chamar de contratos relacionais (XXXXXX XX., Xxxxxxx Xxxxx. Contratos relacionais e defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007), ou contratos cativos de longa duração (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005). Nesses contratos, para além das cláusulas e disposições expressamente convencionadas pelas partes e introduzidas no instrumento contratual, também é fundamental reconhecer a existência de deveres anexos, que não se encontram expressamente previstos mas que igualmente vinculam as partes e devem ser observados. Trata-se da necessidade de observância dos postulados da cooperação, solidariedade, boa-fé objetiva e proteção da confiança, que deve estar presente, não apenas durante período de desenvolvimento da relação contratual, mas também na fase pré-contratual e após a rescisão da avença82.
Os contratos cativos, igualmente, não podem ser resilidos unilateralmente. São contratos de longa duração que estão relacionados aos serviços que geram a dependência do consumidor, como é o caso, por exemplo, dos contratos de seguro- saúde.83
A denúncia prevista no artigo 473 do Código Civil também não encontra aplicação nos contratos de execução imediata e diferida, que se caracterizam por serem executados imediatamente após a sua conclusão ou em determinado prazo, respectivamente.84
Restringe-se, portanto, aos contratos de duração (contratos de execução
82 Recurso Especial 1073595/MG, Segunda Turma. Rel. Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, Julgado em 23.03.2011. Sobre os contratos relacionais, Xxxxxxxx Xxxxx de Xxxxx explica o seguinte: Por sua vez, os contratos relacionais produzem um relacionamento extenso e intenso entre as partes, destinado a ter longa duração, plástico, isto é, adaptável à modificação das circunstâncias socioeconômicas em que se materializa, exigindo um alto grau de colaboração entre os interessados. Assinale-se que os contratos relacionais não se identificam inteiramente com uma categoria mais familiar à dogmática jurídica do civil law, qual seja, a dos contratos de duração. Muito embora a duração seja um aspecto recorrente dos contratos relacionais, ela não se afigura suficiente para sua caracterização. Realmente, característica dos contratos relacionais não é apenas a potencial longevidade da relação, mas também a sua complexidade e plasticidade, isto é, a sua capacidade de adaptação às contingências econômicas que afetam os contratantes (XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx de. Contratos de distribuição: vida e morte da relação contratual. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001, p. 42).
83 “A posição de dependência de catividade só pode ser entendida no exame do contexto das relações atuais, em que determinados serviços prestados no mercado asseguram (ou prometem) ao consumidor e a sua família “status”, “segurança”, “crédito renovado”, “escola ou formação universitária certa e qualificada”, “moradia assegurada”, “lazer” ou mesmo “saúde” ou “informação” no futuro”. (XXXXXXX, C. L.; XXXXXXX, X. Vulnerabilidade na era digital: um estudo sobre os fatores de vulnerabilidade da pessoa natural nas plataformas, a partir da dogmática do Direito do Consumidor. Xxxxxxxxxxx.xxx, v. 11, nº 3, p. 1-30, 25 dez. 2022).
84 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 28. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 82.
periódica ou continuada), nos quais:
[...] o alongar-se o adimplemento por uma certa duração é exigência para que o contrato satisfaça os interesses que levaram as partes a contratar, atingindo a sua finalidade, ou seja, é um essenciale negotti. O tempo faz parte, nesses contratos, da sua causa final, ou de sua função, ou de sua causa, sem adjetivação.85
Os contratos de duração podem ser ajustados por tempo determinado ou indeterminado. Para ilustrar a possibilidade de contrato de duração por prazo determinado, Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx menciona o contrato de distribuição, que pode ser celebrado com termo certo. 86
Para que possa haver a denúncia prevista no artigo 473 do Código Civil não basta que o contrato seja de duração, sendo necessário que haja prazo indeterminado.
Logo, a hipótese em que a lei implicitamente permite a resilição unilateral é a dos contratos de duração por prazo indeterminado. Os casos em que a lei expressamente a permite, como dito, dizem respeito aos contratos cuja própria natureza admite a resilição unilateral, como ocorre com os contratos que se baseiam em uma especial relação de confiança, como o comodato, o mandato e o depósito.
Efeitos da cláusula contratual que permite a denúncia unilateral do contrato
Indaga-se se é possível a resilição unilateral do contrato com base em cláusula
85 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Contrato de distribuição – causa final dos contratos de trato sucessivo – resilição unilateral e seu momento de eficácia – interpretação contratual – negócio per relationem e preço determinável – conceito de “compra” de contrato e abuso de direito, In: Revista dos Tribunais, v. 826, ago., 2004, p. 124. No mesmo sentido, VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 86: “Assim, a consecução do escopo negocial estaria vinculada ao prolongamento da execução no tempo, de modo que ‘o protrair-se do adimplemento por certa duração é condição para que o contrato satisfaça os interesses que levaram as partes a contratar. A duração faz parte da finalidade do contrato’”.
86 “Ilustrativamente, o contrato de distribuição, embora configure indiscutivelmente contrato de duração, pode ser celebrado com prazo de dois anos – em período de experimentação –, hipótese em que não será possível às partes valer-se da denúncia. Em definitivo, os contratos de duração, na acepção que lhes tem sido conferida, podem ser limitados no tempo ou prolongar-se indefinidamente, conforme as partes tenham ou não estabelecido termo destinado a assinalar a cessação da obrigação duradoura” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 92).
ajustada em contrato bilateral.87 A rigor, tal cláusula contratual deriva de manifestação válida e legítima decorrente da autonomia privada dos contratantes.
Sobre a autonomia das partes para distribuírem os riscos do contrato da forma que melhor atenda aos seus interesses, deve-se observar a lição de Xxxxx de Xxxxxxx Xxxxxxxx Terra a respeito da cláusula resolutiva expressa:
A gestão levada a cabo por partes paritárias, de forma livre, informada e consciente, revela exercício legítimo da autonomia privada, e deve ser tutelada e executada pelos contratantes, pelo juiz ou pelo árbitro. Em verdade, a alocação dos riscos pelas partes integra o sinalagma, e sua eventual alteração pode comprometer o equilíbrio das posições contratuais. Não por outro motivo, a Lei de Liberdade Econômica expressamente reconheceu – embora sequer precisasse fazê-lo, já que outra não era a conclusão extraída da interpretação sistemática do Código Civil – que “a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada” (art. 421-A, II, CC).88
Normalmente, o exercício da faculdade de resilir unilateralmente o contrato tem sua contrapartida no pagamento de uma compensação pecuniária à parte que se viu privada do contrato, denominada de multa penitencial.89
Outra contrapartida para a resilição unilateral do contrato é o estabelecimento pelas partes de aviso prévio, para que o outro contratante não seja surpreendido com o fim do contrato.90 Se as partes estipularam multa ou aviso prévio para a denúncia,
87 “Compreende-se na resilição voluntária a declaração unilateral de vontade, manifestada em consequência de cláusula ajustada em contrato bilateral, e que produz as consequências do distrato. A notificação é unilateral, mas a cessação do contrato é efeito da vontade bilateralmente manifestada. Esta circunstância tem mesmo levado alguns autores a tratá-lo como resilição convencional” (XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp. 131).
88 TERRA, Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxx e XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. A Cláusula resolutiva expressa como instrumento privilegiado de gestão de risco contratuais. Revista Brasileira de Direito Civil
– RBDCivil, Belo Horizonte, v. 31, nº 1, p. 135-165, jan./mar. 2022.
89 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 28. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 194.
90 “Há que se mencionar, ainda, que as próprias partes podem estabelecer o direito à resilição unilateral em seus contratos. Quando o fazem, é frequente que estabeleçam uma espécie de prazo de ‘aviso prévio’, para que o outro contratante não seja surpreendido com a extinção unilateral do contrato. [...] A resilição unilateral derivará aí não já da lei (implícita ou explicitamente), mas da própria vontade das partes, em exercício legítimo de sua autonomia privada” (XXXXXXXXX, Xxxxxxxx; TARTUCE, Xxxxxx; XXXXX, Xxxx; XXXX, Xxxxx Xxxxxxx xx; XXXXXXX, Xxxxx. Código Civil comentado – doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 276). No mesmo sentido, Xxxxxxx Xxxxx: “O pré-aviso também serve como ferramenta para a alocação de riscos. A prudência recomenda que a possibilidade de rápida (ou lenta) desvinculação seja precificada pelos contratantes, integrando a matriz econômica do contrato. A parte que aceita cláusula contratual determinando o atendimento de certo prazo deve manter-se preparada para cumpri-lo” (XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxx de. Denúncia imotivada dos contratos civis e
em princípio, não haveria mesmo que se falar em surpresa advinda da extinção unilateral do contrato.
No entanto, conforme ocorre com qualquer ato de autonomia privada91, a cláusula prevendo a resilição unilateral do contrato está sujeita a um controle valorativo e nem sempre será válida e legítima.
Xxxxx Xxxxxxxx explica que o poder de denúncia, inclusive quando previsto expressamente no texto contratual, se exercido de forma abrupta — sem a concessão de aviso prévio em tempo razoável —, contrasta com a função econômica, jurídica e social que lhe é própria.92
O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a validade de cláusula contratual prevendo a possibilidade de denúncia do contrato e tendia a fazer prevalecer o disposto no contrato, em detrimento da aplicação do parágrafo único do artigo 473 do Código Civil.
Em 2010, no julgamento do Recurso Especial nº 1.112.796/PR, o Ministro Relator, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, restou vencido, tendo a Quarta Turma dado provimento ao recurso para reformar o acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná. A decisão havia considerado abusiva a resilição unilateral de contrato de distribuição por parte da marca “Antárctica”, efetuada com base em cláusula
suspensão de sua eficácia. Tese apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para obtenção do título de Doutor, São Paulo, 2016, p. 119).
91 Nesse ponto, vale transcrever a lição de Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxx sobre os atos de autonomia privada merecedores de tutela: “Na perspectiva do direito civil-constitucional, mais ainda, o exercício da autonomia privada apenas se legitima perante a ordem jurídica quando conforme à axiologia do sistema. A noção de controle valorativo dos atos de autonomia, em outras palavras, revela-se um pressuposto intuitivo da própria proteção conferida pela ordem jurídica a tais atos. partindo-se de tais premissas, o emprego corrente da expressão “merecimento de tutela” não costuma causar estranheza ao jurista. de fato, afirma-se com frequência que certa pretensão é merecedora de tutela quando se deseja indicar sua compatibilidade com o sistema e, assim, concluir que os efeitos jurídicos pretendidos merecem ser albergados pelo ordenamento. Em sentido lato, portanto, a noção de merecimento de tutela representa justamente o reconhecimento de que a eficácia de certa conduta particular é compatível com o sistema e, por isso, deve ser protegida; trata-se, como se vê, de uma consequência necessária da constatação de que certo ato é lícito do ponto de vista estático ou estrutural e, em perspectiva dinâmica ou funcional, não é abusivo (não constitui o exercício disfuncional de uma situação jurídica)” (XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx de. Merecimento de tutela: a nova fronteira da legalidade no direito civil. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 58, abr./jun. 2014.).
92 “Destarte, o Código considera a denúncia abrupta como risco que ultrapassa a moldura típica do contrato e causa sacrifício econômico desnecessário, contrário à boa-fé. O poder de denúncia (inclusive quando previsto expressamente no texto contratual), se exercido nesses termos, contrastaria com a função econômica, jurídica e social que lhe é própria” (FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx. Contrato de Distribuição. 2 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 477).
contratual que assim permitia.93
O Ministro Relator para acórdão, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, divergiu do Ministro Relator ao entender que a previsão contratual de resilição unilateral não se revestiria de abusividade, não podendo se atribuir ao contrato natureza de “irrescindibilidade”, conforme entendimento até então manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça em casos análogos. Observe-se o seguinte trecho do acórdão:
[...] o voto proferido, determinará a insegurança jurídica no instituto dos contratos, com seríssimas repercussões das atividades comerciais na sociedade brasileira, atribuindo-se a um contrato comercial natureza de irrescindibilidade diante da sanção de penalidades, não obstante previsão contratual e de que “É princípio do direito contratual de relações continuativas que nenhum vínculo é eterno. Se uma das partes manifestou sua vontade de rescindir o contrato – previsão bilateral - não pode o Poder Judiciário impor a sua continuidade”.94
O voto vencido do Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, por sua vez, verificou que, em relações jurídicas de distribuição comercial como a tratada no Recurso Especial, na qual foi imposta exclusividade de distribuição dos produtos da indústria de bebidas, há clara superioridade econômica de uma das partes, devendo a liberdade contratual ser mitigada:
[...] a possibilidade de denúncia "por qualquer das partes" gera uma falsa simetria entre os contratantes, um sinalagma cuja distribuição obrigacional é apenas aparente. Para se verificar a equidade derivada da cláusula, na verdade, devem ser investigadas as consequências da rescisão desmotivada do contrato, e, assim, descortina-se a falácia de se afirmar que a resilição unilateral era garantia recíproca na avença.
O Relator destacou, ainda, que o comportamento reiterado da indústria de bebidas, no sentido de prorrogar por diversas vezes o contrato, somando aos investimentos demandados da distribuidora, gerou quebra de confiança, a ensejar o reconhecimento da abusividade da resilição unilateral perpetrada.95
93 STJ, Recurso Especial nº 1.112.796/PR, Rel. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Relator para Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, julgado em 10/08/2010.
94 STJ, AI 988.736- AGRg. Min. XXXXX XXXXXXXXXX XXXXXX, Quarta Turma, julgado em 23/09/08, DJe 03/11/08.
95 “A denúncia vazia realizada pela recorrente consubstancia, deveras, quebra da confiança, decorrente esta de uma realidade criada por ela própria, mediante comportamento que sinalizava, de fato, a continuidade da avença, ao menos durante um prazo razoável para a recuperação dos investimentos, ou até aonde alcança a expressão "Excelência 2.000". Com efeito, resta claro nos autos que o comportamento reiterado da recorrente, consistente na prorrogação contratual
Em 2017, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça se modificou. No Recurso Especial nº 1.555.202/SP, de Relatoria do Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, a Quarta Turma reconheceu, por maioria, o direito à indenização por danos materiais em favor de uma empresa de cobrança que teve seu contrato com bancos denunciado após onze meses de prestação de serviços, com base em cláusula contratual prevendo a possibilidade de denúncia.96
No mencionado caso, o Superior Tribunal de Justiça considerou legítima a expectativa da empresa na manutenção do contrato, uma vez que os bancos haviam exigido investimentos como condição para a celebração do contrato, denunciado onze meses depois.97
No voto, o Ministro Relator analisou a incidência do parágrafo único do artigo 473 do Código Civil, tendo concluído que o ordenamento jurídico permite a resilição, desde que com o devido respeito à boa-fé objetiva, o que não havia sido observado pela Caixa Econômica Federal.98
Além disso, asseverou que “parece distante da razoabilidade cogitar-se que o interesse exclusivo de uma das partes no desfazimento de um contrato e a previsão objetiva dessa possibilidade sejam suficientes para concluir pela regularidade da resilição e consequente assunção dos prejuízos pela parte que os titularizou”.99
Nesse mesmo sentido, recentemente, no Recurso Especial nº 1.874.358/SP,
iterativa, por duas décadas, somando-se a isso os elevados investimentos realizados pela autora em razão da aderência ao "Projeto Excelência 2.000", a um só tempo, enfraqueceu o direito de resilição unilateral da ré e gerou legítima expectativa na autora de que aquela não mais acionaria a cláusula 13ª, que permitia a qualquer dos contratantes a resilição imotivada do contrato mediante denúncia.” (STJ, Recurso Especial nº 1.112.796/PR, Rel. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Relator para Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, julgado em 10/08/2010).
96 STJ, Recurso Especial nº 1.555.202/SP, Relator Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Quarta Turma, julgado em 13/12/ 2016, DJe 16/03/2017.
97 “A existência de cláusula contratual que prevê a possibilidade de rescisão desmotivada por qualquer dos contratantes não é capaz, por si só́, de afastar e justificar o ilícito de se rescindir unilateralmente e imotivadamente um contrato que esteja sendo cumprindo a contento, com resultados acima dos esperados, alcançados pela contratada, principalmente quando a parte que não deseja a resilição realizou consideráveis investimentos para executar suas obrigações contratuais".
98 “Com efeito, ainda que determinado ato tenha sido praticado no exercício de um direito reconhecido, haverá ilicitude se o fora em manifesto abuso, contrário à boa-fé, à finalidade social ou econômica do direito, ou, ainda, se praticado com ofensa aos bons costumes.” (STJ, Recurso Especial nº 1.555.202/SP, Relator Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, julg. 13 dez. 2016).
99 STJ, Recurso Especial nº 1.555.202/SP, Relator Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, julg. 13 dez. 2016.
de Relatoria da Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, a Terceira Turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que julgava improcedente o pedido formulado por uma prestadora de serviços contra a tomadora, de pagamento de indenização por ter denunciado o contrato, ao entender que o disposto no parágrafo único do artigo 473 do Código Civil somente seria aplicável na ausência de prazo de aviso prévio contratado.
Ao reformar o acórdão do Tribunal paulista, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça aplicou o parágrafo único do artigo 473 do Código Civil, afirmando que a cláusula contratual não poderia ser aplicada, uma vez que não havia transcorrido prazo razoável à recuperação dos investimentos realizados pela outra parte, caracterizando a conduta da tomadora de serviços como abuso do direito:
A regra extraída do parágrafo único do art. 473 do CC/2002 revela que o prazo expressamente avençado para o aviso prévio será plenamente eficaz desde que o direito à resilição unilateral seja exercido por uma parte quando já transcorrido tempo razoável à recuperação dos investimentos realizados pela outra parte para o devido cumprimento das obrigações assumidas no contrato; do contrário, o legislador considera abusiva a denúncia, impondo, por conseguinte, a suspensão dos seus efeitos até que haja a absorção do capital aplicado por uma das partes para a execução do contrato em favor da outra.100
Como se verifica, atualmente, o Superior Tribunal de Justiça só admite a validade da cláusula de resilição unilateral do contrato quando preservada a legítima expectativa da parte denunciada.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro também já afastou previsão contratual estabelecendo o prazo de aviso prévio de sessenta dias para a resilição unilateral do contrato firmado entre a operadora de plano de saúde, AMIL, e uma clínica conveniada. 101
No caso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou que, por se tratar do descredenciamento de uma clínica “apto a causar desequilíbrio na atividade empresarial da recorrida” (a clínica), a ampliação do aviso prévio de sessenta dias previsto na cláusula contratual estabelecida entre as partes seria medida que
100 STJ, Recurso Especial nº 1.874.358/SP, Relatora Xxxxx Xxxxxxxx, X. 17.08.2021.
101 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Agravo de Instrumento nº 0021130- 51.2017.8.19.0000, Relator Desembargador Xxxxx Xxxxxxx. Décima Terceira Câmara Cível. Julgado em 20 de setembro de 2017.
harmonizaria o princípio da autonomia privada com os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.
Vale observar que, na hipótese acima, não parece haver justificativa para invalidar a cláusula consensualmente aposta no contrato, que sequer era de exclusividade. Tanto é assim que, ao julgar caso idêntico, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve o prazo de aviso prévio previsto contratualmente, por entender que foi estatuído “entre dois agentes econômicos que naturalmente visam ao lucro e que tinham plenas condições de preverem as consequências das condições livremente estabelecidas”102.
Hipótese que pode levar à abusividade da cláusula de resilição unilateral é a de desequilíbrio de posições das partes contratantes, como ocorre em contratos de consumo de longa duração relacionados à fruição de bens essenciais, como saúde e educação.
Embora, em tais contratos, a cláusula valha para ambas as partes, geralmente são contratos de adesão, e a resilição perpetrada pelo fornecedor de serviços pode acarretar severos prejuízos ao consumidor.103
Nesse sentido, menciona-se o Recurso Especial nº 1.762.230/SP, no qual a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve um contrato de plano de saúde, impedindo a resilição unilateral com base em cláusula contratual que assim permitia, por considerar inadmissível que “a rescisão do contrato de saúde — cujo objeto, frise-se, não é mera mercadoria, mas bem fundamental associado à dignidade da pessoa humana — por postura exclusiva da operadora venha a interromper tratamento de doenças e ceifar o pleno restabelecimento da saúde do beneficiário enfermo”104.
A decisão asseverou que “deve ser mantida a validade da cláusula contratual
102 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 12ª Câmara Cível, Apelação cível 70056889090, Des.
Rel. Xxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Julgado em 23.04.2015.
103 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de. XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de Direito Civil – 4, Contratos - 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 537: “Enfim, apesar da aparente licitude da cláusula de resilição unilateral com reciprocidade, o próprio sistema consumerista, plasmado na exigência do equilíbrio contratual e na tutela de um sujeito especial e objetivamente vulnerável, culmina por obstaculizar o exercício do direito potestativo de denúncia pelo fornecedor, o que seria fatal para o consumidor nos contratos cativos, relacionados à fruição de bens essenciais, tais como saúde e educação”.
104 STJ, Terceira Turma, Recurso Especial 1.762.230/SP, Mi. Rel. Xxxxx Xxxxxxxx, julgado em 12.02.2019.
que permite a rescisão unilateral do contrato de plano de saúde coletivo, desde que haja motivação idônea”.
A propósito da cláusula contratual que prevê a faculdade de resilição, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx destaca a sua nulidade quando determinada duração do contrato é indispensável para a satisfação dos interesses de uma ou de ambas as partes, ou seja, para o correto adimplemento do contrato.105 O autor também menciona a importância de se verificar se há uma parte dependente economicamente do contrato, situação na qual nem sempre será possível a resilição unilateral.
Xxxxxxx Xxxxxxxx, ao analisar cláusula instituída em contrato firmado por “empresas economicamente desenvolvidas”, admite a sua validade, destacando que a previsão do prazo de antecedência antes da possível extinção do contrato suprimiria a surpresa decorrente da resilição unilateral:
[...] se tratando de negócio no qual os contratantes regularam detalhadamente os meios de extinção de sua relação negocial, estipulando prazo para o exercício da denúncia, inexiste surpresa na extinção unilateral, nada havendo, portanto, que autorize o desprezo à vontade legítima dos contratantes.106
No mesmo sentido é o entendimento de Xxxxx Xxxxx Rehder de Xxxxxx, para quem devem ser observados apenas dois requisitos para a validade da cláusula: (i) a faculdade deve ser de ambas as partes (o que, como visto, não parece resolver o problema do desequilíbrio de posições entre o consumidor e o fornecedor); e (ii) há, necessariamente, que se avisar com antecedência sobre o exercício do direito de resilição.107
105 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, A denúncia e a resilição: críticas e propostas hermenêuticas ao art. 473 do CC/02 brasileiro, In: Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo, v.3, nº 7,
p. 95-117, abr/jun., 2016, p. 99/100: “um poder de desligamento das relações em que determinada duração é indispensável para a satisfação dos interesses de uma ou de ambas as partes e, portanto, seria indispensável tal duração ao correto adimplemento. Nesses casos, seria implicitamente vedado tal poder de desligamento, por contrariar frontalmente um dado essencial ao contrato. Eventual cláusula que garantisse a uma ou a ambas as partes o poder de resilição seria nula.”
106 “Exigir pré-aviso mais longo, em desapreço pela regra convencionada, seria desrespeitar legítima manifestação da autonomia privada – protegida constitucionalmente como princípio fundamental do regime contratual -, sem lastro em qualquer valor de ordem pública que pudesse justificar tamanha interferência em ajuste alcançado, de forma paritária, entre empresas economicamente desenvolvidas.” (TEPEDINO, Xxxxxxx. Validade e efeitos da resilição unilateral dos Contratos, In: Revista dos Tribunais. Soluções Práticas, vol. 2, nov./2011, p. 6).
107 ARAUJO, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, Prorrogação compulsória de contratos a prazo, Tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Direito, São Paulo, 2011, p. 134.
Efetivamente, nos parece que, sendo a relação paritária, há de se presumir que os riscos assumidos pelas partes fazem parte da equação econômica estabelecida pela autonomia privada.108
Contudo, tal como destacado pelo Min. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx no voto vencido proferido no Recurso Especial n.° 1.112.796/PR, em relações não paritárias, devem ser investigadas as consequências da resilição unilateral do contrato, não bastando a presunção de que a resilição unilateral era garantia recíproca na avença que evitaria a surpresa decorrente da denúncia.
108 Nesse sentido, cumpre-se mencionar os artigos 113, §2° e 421-A da Lei da Liberdade Econômica, que buscaram ampliar os espaços de autonomia privada das partes:
Art. 113. § 2º. As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei.”
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
2. Os limites da resilição unilateral em face do parágrafo único do artigo 473 do Código Civil
A resilição unilateral do contrato, como visto, constitui um direito potestativo, ao qual não se contrapõe dever ou prestação. Essa categoria de direitos, anteriormente considerados poderes absolutos, consolidou-se na experiência jurídica brasileira diferenciando-se do direito subjetivo109, que, por sua vez, seria dotado da pretensão de exigibilidade do dever jurídico que lhe é contraposto.
No direito civil contemporâneo, tem sido utilizada categoria mais ampla das posições jurídicas, denominada de situações jurídicas subjetivas, mais compatível com a leitura solidarista do direito contratual, compreendendo direitos que coexistem com deveres, distanciando-se, assim, da concepção de poder absoluto do titular.110
Tal compreensão permitiu examinar as situações subjetivas por uma perspectiva relacional, tratada por Xxxxxx Xxxxxxxxxxx como uma situação complexa que agrega direitos e deveres:
[...] em uma visão conforme aos princípios de solidariedade social, o conceito de relação representa a superação da tendência que exaure a construção dos institutos civilísticos em termos exclusivos de atribuição de direitos.111
Por consequência, o reconhecimento do direito potestativo à denúncia passa a ser submetido a um juízo de abusividade e merecimento de tutela que tem como
109 “Ao contrário da dinâmica do direito subjetivo, a satisfação do seu titular dá-se pela interferência na esfera jurídica de outro titular, que se submete, pura e simplesmente, ao seu exercício” (TEPEDINO, Xxxxxxx. Abuso do Direito Potestativo. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Editorial, Belo Horizonte, v. 25, p. 13-15, jul./set., 2020).
110 A respeito das situações jurídicas subjetivas, ensina Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx: “Ora, referidas como gênero do qual seriam espécies o direito subjetivo, o direito potestativo, o dever jurídico etc., ora associadas à posição mais ampla das partes da relação jurídica – na qual podem coexistir, em cada polo, direitos subjetivos, deveres jurídicos, ônus, faculdades, direitos potestativos, todos integrados no que se tem denominado situação jurídica complexa -, certo é que a noção de situação jurídica afigura-se mais consentânea com a leitura contemporânea do direito contratual
– caracterizada pelo influxo solidarista -, tendo em vista que compreende direitos (subjetivos, potestativos, etc.) cujo exercício vem acompanhado de deveres, afastando-se a vetusta concepção que admitia posições de poder absoluto do titular” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 106).
111 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 728-729.
fundamento justamente a observância de deveres jurídicos.112
Assim, o direito potestativo à resilição encarado como situação jurídica também passa a sofrer limitações.113 O seu controle funcional, como se verá a seguir, tem fundamento, sobretudo, no princípio da boa-fé objetiva.
O parágrafo único do artigo 473 do Código Civil e o exercício do direito à resilição
O parágrafo único do artigo 473 impõe a suspensão dos efeitos da denúncia antes de transcorrido prazo compatível com determinados investimentos realizados pela contraparte:
Artigo 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.
Tanto na doutrina quanto na jurisprudência se reconhece que o referido
112 “Como decorrência de tal concepção, nota-se que o reconhecimento do direito potestativo à denúncia, embora atribua ao seu titular ‘o poder de provocar unilateralmente uma interferência jurídica desfavorável a outro sujeito’, não significa que o titular de tal direito pode exercê-lo sem responsabilidades, ou seja, sem que esteja vinculado também a deveres jurídicos. Ao afirmar a qualificação do direito potestativo como situação jurídica, pretende-se tornar ‘mais evidente a visualização de que o seu exercício experimenta limites que lhe são imanentes, o que de modo algum pode ser afastado pela estrutura particular de tal direito, que prescinde, como visto, da atuação da contraparte para o seu exercício” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 108). Veja-se, ainda, os ensinamentos de Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx: “Decorrendo a eficácia da denúncia do exercício de direito formativo extintivo, resta o outro figurante da relação em estado de sujeição, é dizer: este não mais poderá exigir a manutenção da relação jurídica obrigacional, pois denunciar é fazer cessar a eficácia da relação jurídica. E o exercício do direito de denúncia, embora prima xxxxx xxxxxx, por vezes, pode ser ilícito («abusivo»), isto é: disfuncional aos fins concretos do contrato, à sua causa, às expectativas que, legitimamente, tenha gerado acerca de sua continuidade” (XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 266).
113 “O fato de se prever a resilição como direito potestativo não significa vedação à previsão de consequências jurídicas negociais e legais a partir de seu exercício4, como no caso de indenização ou ineficácia relativa da manifestação de vontade unilateral pela resilição, da concessão de prazo razoável antes do fim da eficácia do contrato, da forma de comunicação da resilição, do reconhecimento de resilição abusiva etc.” (XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Resilição contratual – Relações civis empresariais – Interpretação do art. 473, parágrafo único, CC – Consequências do exercício da resilição unilateral – Indenização x prolongamento do contrato, In: Cadernos jurídicos/Escola Paulista da Magistratura, v. 16, nº 39, pp. 191-199, jan./mar., 2015, p. 191).
dispositivo tem por objetivo a proteção da legítima expectativa de uma das partes a respeito da continuidade dos contratos de duração sem termo para a sua extinção.114 Assim, entende-se que o fundamento legal do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil é o princípio da boa-fé objetiva115, uma vez que a norma tem por escopo garantir que o denunciante aja com lealdade e cooperação mantendo o
114 Nesse sentido, afirma Xxxxxxxx Xxxxxxxxx: “Trata-se essencialmente de um meio de proteção contra a ruptura abrupta ou repentina do contrato em cuja conservação a outra parte tenha objetivamente confiado, por meio de investimentos para sua boa execução” (XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Manual de Direito Civil Contemporâneo. – 5ª ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 473). Da mesma forma, afirmam Xxxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx: “Se em princípio o contratante usa livremente o direito potestativo de resilição unilateral, o ordenamento jurídico não pode permitir que o exercício de tal faculdade lese a legítima expectativa de confiança da outra parte, que acreditou na consistência da relação jurídica a ponto de efetuar razoável dispêndio naquela atividade econômica, mormente em hipóteses em que há longa relação contratual entre as partes, cuja abrupta diminuição da lucratividade provocará imediatas consequências sociais e econômicas” (XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de Direito Civil.
4. 5ª ed., São Paulo: Atlas, p. 572). Vide, ainda, Xxxxxx Xxxxxx: “Trata-se de um juízo objetivo que impõe às partes contratantes um dever de correção e de probidade. Esse dever de correção e probidade deriva do princípio da boa-fé objetiva, que atinge indistintamente todas as fases do processo obrigacional e proíbe, enfaticamente, que sejam frustradas expectativas legitimamente criadas pelo comportamento das partes de um contrato. Trata-se da proibição do comportamento contraditório, proibição essa contida no adágio nemo datur venire contra factum proprium (isto é, ‘ninguém pode validamente agir contra os seus próprios atos’)” (XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Breves Comentários ao Artigo 473 do Código Civil brasileiro. In: ASSIS, Araken de; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxx; XXXX XX., Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx e ALVIM, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx (Orgs.). Direito Civil e Processo: Estudos em homenagem ao Prof. Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 1, pp. 25-35).
115 Xxxxx Xxxxxxxx afirma que o artigo 473, parágrafo único, do Código Civil “dá concreção ao princípio geral que obriga as partes a respeitarem a boa-fé objetiva no trato contratual” (FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx. Contrato de distribuição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014,
p. 314). Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx também condicionam a eficácia da resilição à observância da boa-fé objetiva: “[...] em homenagem ao princípio da boa-fé (art. 422), condiciona-se a eficácia da resilição unilateral, até que tenha transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos” (XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de; XXXXXXX, Heloisa Xxxxxx. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 118).
Xxxxx Xxxxxxxx igualmente utiliza a boa-fé objetiva como fundamento: “Trata-se, portanto, de uma garantia de recuperação dos investimentos fundada na boa-fé objetiva, a cuja observância estão obrigados os contratantes por força do art. 422 do CC/2002” (XXXXXXXX, Xxxxx. A proteção dos investimentos específicos na resilição unilateral do contrato e o risco moral: uma análise do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil. Revista do Instituto do Direito Brasileiro. Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, nº 10, 2014, p. 575-578). Da mesma forma, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxx: “A tutela dos investimentos realizados pelo denunciado encontra fundamento – e daí a positivação do artigo 473 do Código Civil – nos princípios da boa-fé objetiva e, também, da confiança legítima, incidentes no vínculo contratual com o escopo de proteger a legítima confiança daquele que investiu para executar o contrato, o qual foi posteriormente interrompido prematuramente” (XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx. Os contratos que viabilizam o processo de distribuição e os efeitos de sua denúncia unilateral. 2013. Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro para obtenção do título de Mestre em Direito, 2013, p. 120).
contrato por tempo necessário para a amortização dos investimentos feitos pelo denunciatário, bem como que conceda aviso prévio suficiente para não surpreender o denunciatário com a resilição unilateral, permitindo que se prepare para a extinção do vínculo contratual.
Nesse sentido, lecionam Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx:
Cumpre verificar, nessa perspectiva, se o direito de resilir foi exercido de modo compatível com a boa-fé objetiva, tutelando-se a confiança criada na outra parte, como por vezes ocorre quando a relação contratual é regularmente mantida por prazo indeterminado, criando-se expectativa de continuidade do vínculo116.
A boa-fé objetiva, nas palavras de Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx, pode ser descrita como:
Regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração para com os interesses do alter, visto como um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado.
Aí se insere a consideração para com as expectativas legitimamente geradas, pela própria conduta, nos demais membros da comunidade, especialmente no outro polo da relação contratual117.
Na função limitadora do exercício de direitos, impede o exercício do direito de resilição unilateral, quando violador de uma confiança legitimamente suscitada. Na função criadora de deveres anexos à prestação principal, impõe a concessão de aviso prévio118. Atua, ainda, como cânone para a interpretação dos negócios jurídicos.
Nos contratos de longa duração por tempo indeterminado, o princípio da boa-
116 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Fundamentos do Direito Civil. v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 156.
117 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. Resilição parcial e cessão de contrato, In: Revista dos Tribunais.
Abr-jun/2021, p. 12.
118 Vale mencionar a crítica ao termo anexo: “os deveres de conduta, hauridos de equivalentes princípios normativos, não são simplesmente anexos ao dever de prestar adimplemento. A evolução do direito fê-los deveres gerais de conduta, que se impõem tanto ao devedor quanto ao credor, e em determinadas circunstâncias, a terceiros” (LÔBO, Paulo. Direito civil: obrigações, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 81).
fé objetiva tem ainda mais forte incidência119, pois os contratantes não visam o cumprimento de uma obrigação específica que ponha fim ao ajuste, mas, ao revés, desejam o prolongamento da relação no tempo.120
O adimplemento é renovado continuamente, de modo que as relações contratuais prolongadas no tempo exigem uma maior cooperação entre as partes. Além de interesses em conflitos, as partes de tais relações possuem diversos interesses em aliança.121
A boa-fé objetiva terá concreção por meio da aplicação do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, a impedir que uma das partes surpreenda a outra com a denúncia unilateral.122
Quando a denúncia é feita de forma abrupta também se afirma que há violação da cláusula geral de boa-fé objetiva por configurar comportamento contraditório, fazendo-se referência ao venire contra factum proprium123.
Nesse sentido, vale destacar trecho do voto vencido do Ministro Xxxx Xxxxxx
119 Nesse sentido, afirma Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx: “A necessária relação de parceria num contrato destinado a estender-se por longos anos em vista de interesses comuns; o fato de o sucesso de um contraente ao adimplir a sua prestação (e.g., vender os produtos, no contrato de distribuição ou no de agência) importar no sucesso do outro (o distribuidor dos produtos); a confiabilidade na exatidão ao prestar; o prestígio implicado na imagem empresarial, apto a beneficiar ambas as partes; a carga de pessoalidade envolvida; o caráter vital de certas prestações, como no seguro de vida, etc., são fatores que se coligam e acrescem a intensidade da atuação do princípio” (XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed., São Paulo: SaraivaEducação, 2018, p. 266).
Veja-se, ainda, o entendimento de Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx: “Os contratos de duração, por outro lado, obedecem a uma lógica e a um processo diferenciados, em razão da natureza, também duradoura, dos interesses a que visam satisfazer. Neles, o adimplemento não é pontual e não está no final, mas dura (ou se repete) continuadamente. Assim, o que os contratantes desejam não é propriamente o término da relação e a obtenção de um certo resultado final que ele traga, mas sua prolongação no tempo, que é útil a cada uma delas” (XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx. A estrutura do exercício do direito de resilição unilateral de contratos de duração diante da realização de investimentos consideráveis: uma análise da norma do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020, p. 13).
121 XXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 127.
122 “Pelo princípio da boa-fé objetiva, de aplicação imperativa nas relações jurídicas em geral, devem os contratantes delimitar o exercício de seus respectivos direitos pelos objetivos comuns perseguidos na relação contratual, agindo reciprocamente com lealdade, transparência e probidade” (TEPEDINO, Xxxxxxx. A Resilição Unilateral Imotivada nos Contratos Sucessivos, In: Soluções Práticas, Revista dos Tribunais. v. 2, p. 5, nov./2011).
123 “A proibição ao comportamento contraditório, também chamada teoria dos atos próprios, tem sido reiteradamente aplicada pelos tribunais brasileiros para reprimir a adoção de condutas que, embora autorizadas pela lei ou pelo ajuste contratual, afiguram-se em concreto abusivas por lesar a legítima confiança despertada na contraparte a partir da atitude inicial”. (Ibidem, p. 5).
Xxxxxxx no julgamento do Recurso Especial n.° 1.112.796/PR, considerando abusiva a denúncia exercida de acordo com o prazo de aviso prévio previsto contratualmente de sessenta dias, após vinte anos de relação contratual e de a empresa representada ter exigido, pouco tempo antes da denúncia, a realização de investimentos por parte da distribuidora:
De fato, se após vinte anos de relação contratual o autor não mais possuía, genuinamente, nenhuma liberdade de contratação, somando-se a isso a aderência deste ao plano de excelência criado pela concedente - o qual gerou investimentos comprovadamente elevados por parte da concessionária -, encontra-se bem caracterizado no repudiado venire contra factum proprium a conduta da recorrente em rescindir o contrato sem justificativa plausível, apenas por desinteresse comercial, “agraciando” a concessionária, que verdadeiramente era sua parceira comercial, com exíguo prazo de seis meses para a reestruturação de uma empresa que, por duas décadas, serviu-lhe de distribuidora.124
No mesmo voto, o Ministro aplicou a supressio125, nos seguintes termos:
Não fosse pelas razões já expostas, ainda assim o acórdão ora recorrido deveria ser mantido, porquanto a relação jurídica ora analisada está encoberta pela supressio, teoria oriunda da boa-fé, que reduz a eficácia do direito em razão da inércia do titular no decorrer do tempo, ou, ainda, ‘o comportamento da parte, que se estende por longo período de tempo ou se repete inúmeras vezes, porque incompatível com o exercício do direito’.
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, ao comentar o voto acima mencionado, destaca a desnecessidade do recurso à supressio, por ser construção dogmática desnecessariamente complicada e por bastar, para o caso, a quebra de confiança gerada pela denúncia, fundamento do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil.126
124 STJ, Recurso Especial nº 1.112.796/PR, Rel. Min. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Relator para Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, julg. 10 ago. 2010.
125 “A suppressio, portanto, pressupõe o exercício surpreendente de uma posição jurídica cujo abandono o titular já tornara aparente, permitindo o surgimento de uma posição digna de tutela em favor de outrem: a surrectio. Logo, mesmo que determinado direito subjetivo exista, segundo as regras legais, o seu exercício é vedado e paralisado, sob pena de se atentar contra a boa-fé e lesar a confiança no tráfico jurídico” (XXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx. A função de controle da boa-fé objetiva e o retardamento desleal no exercício de direitos patrimoniais (suppressio). Xxxxxxxxxxx.xxx, a. 2. nº 4. 2013).
126 “[...] o fundamento legal da quebra de confiança da denúncia é a própria norma do art. 473, par. ún., sem necessidade de socorro ao instituto da supressio, pois reconhecer a ausência de exercício de posição jurídica pelas declarações negociais aptas a ensejar investimentos pela contraparte reputa-se construção dogmática desnecessariamente complicada ou até mesmo equivocada”.
Conforme afirma Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, a função social do contrato também poderá ser utilizada como fundamento do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, pois a denúncia será igualmente ilegítima quando atingir interesses sociais subjacentes ao contrato:127
Embora se reconheça que as hipóteses de controle de legitimidade com base na função social seriam menos frequentes em relação àquelas em que deverá incidir a boa-fé objetiva, não se pode ignorar a possibilidade de controlar funcionalmente o exercício do direito à denúncia em virtude de interesses sociais subjacentes ao contrato.
Com relação ao abuso do direito como fundamento do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, importante verificar o que a noção de abuso do direito, tratado no artigo 187 do Código Civil, abarca.
Conforme afirma Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx, o abuso do direito deve ser tecnicamente empregado quando há o exercício desmesurado ou desmedido do direito subjetivo, potestativo ou de uma faculdade128. A autora entende que a boa- fé objetiva permite ultrapassar a noção de abuso do direito, construído como conceito residual para abranger situações não enquadráveis no ordenamento jurídico, e definir causa de ilicitude129.
No mesmo caminho, Xxxxx Xxxxxxx explica que basta se recorrer à boa-fé objetiva, e não ao abuso do direito, em boa parte das situações que tratam de limites ao exercício de direitos, uma vez que, ao ser fonte de deveres anexos, a boa-fé objetiva já limita a liberdade individual do destinatário desses deveres:
A boa-fé apresenta, em matéria de limite ao exercício de direitos, papel fundamental, uma vez que, ao ser fonte de deveres anexos como lealdade, colaboração e respeito às expectativas legítimas do outro sujeito da relação jurídica, por evidência lógica limita a liberdade individual do destinatário desses deveres. Este terá, portanto, de exercer os direitos de que é titular, circunscrito aos limites que eles lhe impõem. Em boa parte das situações, contudo, não é necessário recorrer-se ao abuso para
(XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Prorrogação compulsória dos contratos. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 121).
127 XXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 122.
128 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed.
São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 444.
129 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. In: Direito Civil Contemporâneo, São Paulo: Atlas, 2008, p. 91.
solucionar questões colocadas nesse plano, ou seja, relacionadas a tais deveres anexos. Basta, para regular tais situações, o recurso à boa-fé. Em outros casos, contudo, em que esse comportamento descuidado ou ofensivo ao outro sujeito faz- se acompanhar do desborde do fim econômico ou social do direito, podem surgir situações em que se deva falar em abuso, não apenas em violação da boa-fé.130
Parece, então, não ser necessário recorrer ao abuso do direito como fundamento do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil131. Nesse sentido, Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx afirma que se deve recorrer à boa-fé objetiva, de modo a configurar o dever de aviso prévio como um dever anexo a ser cumprido em todos os contratos denunciáveis, e não apenas sob a perspectiva de proibição da denúncia:132
Com efeito, a boa-fé objetiva permite assimilar o dever de pré-aviso como obrigação inerente aos contratos denunciáveis, admitindo que o controle funcional do direito potestativo à denúncia ocorra, não sob a perspectiva meramente negativa (de proibição de comportamento) e patológica típica do abuso do direito, mas por meio do instrumental mais amplo da boa-fé objetiva, princípio que, ao permitir a criação de deveres anexos, atende à complexidade da situação jurídica subjetiva presente nos contratos de duração por tempo indeterminado.133
Sobre a necessidade de concessão de aviso prévio como regra, Xxx Xxxxxx
130 MIRAGEM, Xxxxx. Abuso do direito. Editora Forense: Rio de Janeiro, 2009, p. 143.
131 Em sentido contrário, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx afirma que o aviso prévio é obrigação decorrente da boa-fé objetiva e da vedação do ato ilícito por abuso de direito: “Assim, a concessão de aviso prévio é obrigação do notificante, decorrente da boa-fé objetiva e da vedação do ato ilícito por abuso de direito, e não na existência de investimentos consideráveis” (BONINI, Xxxxx Xxxxxxx. Resilição contratual – Relações civis empresariais – Interpretação do art. 473, parágrafo único, CC – Consequências do exercício da resilição unilateral – Indenização x prolongamento do contrato, In: Cadernos jurídicos/Escola Paulista da Magistratura, v. 16, nº 39, pp. 191-199, jan./mar., 2015, p. 191).
132 “Reconhecendo que há direito à denúncia dos contratos de duração indeterminada e que tais contratos, por sua própria configuração, geram legítima expectativa de continuidade – a exigir, portanto, o dever de pré-aviso para o exercício da denúncia -, parece preferível não recorrer à noção de abuso do direito para a compreensão do fundamento e da dinâmica da obrigação de aviso prévio prevista no art. 473, parágrafo único, do Código Civil. Xxxxxxx, portanto, a afirmação de que não se trata de uma sanção por ato ilícito. Trata-se de uma limitação da posição jurídica” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 140). Também compreendendo que o artigo 473, parágrafo único, do Código Civil é uma decorrência da boa-fé objetiva: “Assim, o parágrafo único do art. 473 e também o art. 720 – este último para o caso específico dos contratos de agência e distribuição – são normas que, delimitando o exercício da denúncia unilateral do contrato por tempo indeterminado, foram originalmente formuladas pelos Tribunais, como ramificações da boa-fé” (XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de; XXXXXXX, Heloisa Xxxxxx. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, v. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 21).
133 VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Op. cit., nota 132, p. 140.
xx Xxxxxx Xxxxxx afirma:
Ainda quando a resilição possa ser exercida ad libitum, mesmo aí deve ser respeitada, em primeiro lugar, a exigência de pré-aviso (...). Se o caso é regulado pelo caput do art. 473, a falta do aviso prévio ou a concessão de prazo insuficiente não fazem ineficaz a manifestação de resilição, mas autorizam o pedido de indenização pelo prejuízo decorrente da falta ou insuficiência. Nada impede que a parte prejudicada ingresse em juízo para obter, em medida cautelar ou antecipação de tutela, a concessão do prazo razoável que o autor da resilição deixou de dar.134
A obrigação de aviso prévio é inerente à relação contratual duradoura por prazo indeterminado, como forma de tutela da legítima expectativa da contraparte na continuidade da relação contratual.135
Interessante notar que diversos dispositivos do Código Civil, ao tratarem da denúncia de contratos duradouros, referem-se ao dever de aviso prévio independentemente de qualquer pressuposto, como, por exemplo, o artigo 599, que versa sobre o contrato de prestação de serviço; o artigo 720, que trata do contrato de agência e distribuição; e o artigo 835, a respeito da fiança.136
O Superior Tribunal de Justiça reconhece que o aviso prévio deve ser regra nos contratos sujeitos à denúncia, mesmo quando o caso envolve a aplicação do
134 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Comentários ao novo Código Civil, volume VI, tomo II: da extinção do contrato. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 246.
135 Antes mesmo do Código Civil de 2002, que previu a regra do artigo 473, parágrafo único, a doutrina já indicava a necessidade de condicionar a resilição unilateral tanto à concessão de aviso prévio como ao transcurso de um tempo mínimo do contrato: “Por sua vez, os contratos por tempo indeterminado passam a ter maior estabilidade, limitando-se a possibilidade de qualquer das partes encerrarem-no a qualquer momento, desconsiderando o interesse da outra. Nesse sentido, construções legislativas e jurisprudenciais estabelecem, por exemplo, a necessidade de se respeitar a posição da outra parte, seja evitando a ruptura abrupta da relação, donde nasce a obrigação de aviso prévio, seja observando um prazo mínimo de duração do contrato, sem o qual não será possível a razoável satisfação dos interesses em jogo. Assim, o contrato por tempo indeterminado, em alguns casos, pode ter uma duração mínima determinável, ultrapassada a qual, aí sim, passaria, de fato, a ser por tempo indeterminado” (XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx de. Contratos de distribuição: vida e morte da relação contratual. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001, p. 152).
136 “Artigo 599. Não havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir da natureza do contrato, ou do costume do lugar, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante prévio aviso, pode resolver o contrato.”
“Artigo 720. Se o contrato for por tempo indeterminado, qualquer das partes poderá resolvê-lo, mediante aviso prévio de noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente”.
“Artigo 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.”.
Código Civil de 1916:
De fato, mesmo o CC/1916, na sua essência, não dispensava a boa-fé e a lealdade entre as partes nas relações contratuais, daí disciplinando no art. 1.056 – invocado na petição inicial, enfrentado no acórdão da apelação, prequestionado e indicado no recurso especial como contrariado – a obrigação de indenizar por parte daquele que deixa de cumprir adequadamente o contrato, tal como ocorreu nestes autos, em que a ré, sem prévio aviso, entrou em contato com as autoras em uma sexta-feira com o propósito de informar que, a partir da segunda-feira seguinte, não mais forneceria o produto objeto da concessão/distribuição. Surpreendidas, portanto, não tiveram tempo de se preparar para a resilição unilateral, reorganizando ou redirecionando seus negócios a outro fornecedor ou a outra localidade, no intuito de minimizar prejuízos, sobretudo diante da contratação de empregados e dos investimentos antigos e/ou recentes feitos para a atividade negocial então desempenhada.
[...]
A prévia notificação com prazo razoável, então, mesmo sob a égide do CC/1916, embora não seja requisito para a validade da extinção contratual, é o elemento referencial para evitar danos e a respectiva obrigação de indenizar.137
Como se verifica, a boa-fé objetiva, por meio do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil de 2002, impede a resilição unilateral sem que o denunciatário tenha tempo hábil para adotar atos com a finalidade de se preparar para a extinção do contrato, reorganizando ou redirecionando seus negócios no intuito de minimizar prejuízos.
Além disso, a restrição temporal prevista no artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, balizado pela boa-fé objetiva, também impede a resilição unilateral antes do cumprimento de um prazo mínimo de duração do contrato.138
A norma, então, deve ser interpretada de modo a abarcar duas hipóteses de
137 Superior Tribunal de Justiça, Quarta Turma, Recurso Especial 1.169.789, Relator Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, julgado em 16.08.2016.
138 Nesse sentido, ensina Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Junior: “São duas as situações a considerar no contrato por tempo indeterminado: a) a primeira diz com o tempo mínimo necessário de execução do contrato, a partir de quando o fornecedor poderá exercer o seu direito de resilir, que em princípio pode acontecer a qualquer tempo. Se o contrato nada dispõe e a lei é omissa (para os contratos de distribuição e de agência existe a regra do art. 720, acima examinada; para outros, há prazo mínimo de vigência), a questão deve ser resolvida à luz dos princípios da boa-fé e da função social do contrato, para garantir, de um lado, o legítimo exercício do direito e, de outro, evitar o exercício abusivo desse mesmo direito, em prejuízo do contratado, que fez investimentos, perdeu outras oportunidades, angariou clientela, contribuiu para a reputação comercial do representado etc.; b) a segunda se refere ao tempo do pré-aviso; isto é, cumprido o tempo mínimo do contrato de duração, a notificação deve conceder ao notificado um período razoável para que se efetive a extinção do contrato, durante o qual serão ultimados os contratos pendentes, colocado o estoque, resolvidas as questões trabalhistas, fiscais e administrativas etc. O parágrafo único do art. 473 refere-se a esta segunda hipótese” (XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Comentários ao novo Código Civil, volume VI, tomo II: da extinção do contrato. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 246).
vedação da resilição unilateral. A primeira se relaciona à ocorrência da denúncia antes do transcurso de tempo necessário para o contrato atingir o seu escopo econômico, incluindo a amortização dos investimentos feitos pelo denunciatário.
A outra hipótese trata da necessidade de, após a denúncia, se conceder prazo razoável para a parte denunciada adotar atos de encerramento do contrato, como, por exemplo, vendendo estoque, buscando novos negócios e reprogramando a produção.139
O período mencionado na primeira hipótese é denominado por Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx de prazo estabilizador e sua ratio está associada à necessidade de adimplemento continuado por certo período nos contratos de longa duração, a fim de alcançar o seu escopo econômico, o que será aferido, dentre outros aspectos, a partir dos investimentos realizados para a execução do contrato.140
O autor afirma que o artigo 473, parágrafo único, do Código Civil não permite inferir com clareza a restrição temporal a que se refere — se ao prazo mínimo de duração do contrato ou ao prazo de aviso prévio — e propõe interpretar a norma em sentido amplo, de modo a abarcar tanto a obrigação de executar o contrato pelo prazo mínimo de duração quanto a obrigação de conceder aviso prévio razoável.141 Essa certa confusão entre o prazo de aviso prévio e o prazo estabilizador
139 “Por outro lado, importa observar que o controle funcional da denúncia abrange, além da restrição temporal consubstanciada no dever de pré-aviso, a restrição temporal traduzida na obrigação de respeitar o prazo mínimo de duração do contrato” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 106).
140 Ibidem, p. 144. No mesmo sentido discorre Xxxxxx Xxxxxx a respeito da limitação do direito de resilir antes do término do prazo estabilizador: “Essa reação justifica-se, pois, não raro, a parte contratante fazia uso desta prerrogativa após um lapso temporal que não havia sido suficiente a que a outra parte obtivesse o retorno dos investimentos levados a efeito visando a contratação ou aqueles que se deram no curso da execução contratual, mormente, e sobretudo, se estes investimentos foram consentidos, ainda que tacitamente, pela outra parte” (BOULOS, Daniel Martins. Breves Comentários ao Artigo 473 do Código Civil brasileiro. In: ASSIS, Araken de; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxx; XXXX XX., Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx e ALVIM, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx (Orgs.). Direito Civil e Processo: Estudos em homenagem ao Prof. Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 1, pp. 25-35). Xxxxxx Xxxxxxx, ao tratar da restrição temporal prevista no parágrafo único do artigo 473 do Código Civil, faz referência apenas à função de “proteção do que se pode chamar de investimentos de confiança, isto é, investimentos feitos por uma das partes na confiança de que o direito à extinção unilateral não seria exercido pela contraparte antes de transcorrido prazo compatível com o investimento realizado” (XXXXXXX, Xxxxxx. Aviso prévio e investimentos: o parágrafo único do art. 473 CC, AGIRE Direito Privado em Ação, 04 jul. 2022. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx/x/xxxxx00. Acesso em 05.07.2022).
141 VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Op. cit., nota 139, p. 149.
também se reflete na jurisprudência, por meio de decisões associando o artigo 473, parágrafo único, do Código Civil ao dever de aviso prévio, mas tratando da hipótese de descumprimento do prazo estabilizador, como é o caso da decisão proferida no Recurso Especial nº 1.874.358/SP, de Relatoria da Ministra Xxxxx Xxxxxxxx.
No julgamento do referido recurso, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que julgou improcedente o pedido formulado por uma prestadora de serviços de condenação da tomadora de serviços ao pagamento de indenização por ter denunciado o contrato “antes de já transcorrido tempo razoável à recuperação dos investimentos realizados pela outra parte para o devido cumprimento das obrigações assumidas no contrato”.142
A decisão levou em conta que o momento em que foi feita a denúncia era incompatível com a possibilidade de recuperação dos investimentos realizados pela outra parte, ou seja, houve violação ao prazo estabilizador do contrato, mas a decisão se referiu ao aviso prévio:
A regra extraída do parágrafo único do art. 473 do CC/2002 revela que o prazo expressamente avençado para o aviso prévio será plenamente eficaz desde que o direito à resilição unilateral seja exercido por uma parte quando já transcorrido tempo razoável à recuperação dos investimentos realizados pela outra parte para o devido cumprimento das obrigações assumidas no contrato; do contrário, o legislador considera abusiva a denúncia, impondo, por conseguinte, a suspensão dos seus efeitos até que haja a absorção do capital aplicado por uma das partes para a execução do contrato em favor da outra.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxx igualmente distingue o aviso prévio do prazo estabilizador, embora não utilize essa denominação para o segundo prazo, denominando-o apenas de “prazo determinado pelo parágrafo único do artigo 473 do Código Civil”.143
O autor diferencia a hipótese do caput, na qual deve haver o aviso prévio como regra, da prevista no parágrafo único, que trata do prazo mínimo de cumprimento do contrato, e afirma que o aviso prévio faz parte do período de
142 STJ, Recurso Especial nº 1.874.358/SP, Terceira Turma. Relatora Xxxxx Xxxxxxxx, julgado em 17.08.2021.
143 COSTA, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx. Os contratos que viabilizam o processo de distribuição e os efeitos de sua denúncia unilateral. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013, p. 120.
desvinculação do contrato, permitindo que o denunciado redirecione a sua atividade, enquanto o prazo estabilizador trata de garantia contra a álea extraordinária, consistente na extinção prematura do vínculo contratual sem a correspondente recuperação dos investimentos implementados durante a relação.144 Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx aponta a função e a importância do aviso prévio nos
seguintes termos:
Em suma, o aviso prévio tem como finalidade proteger a parte destinatária da denúncia contra eventuais danos advindos de uma denúncia abrupta, em especial nas relações por tempo indeterminado – e naqueles em que o tempo inicial determinado é reiteradamente prorrogado ou renovado -, evitando que o exercício livre daquele que denuncia provoque excessiva perturbação na economia do outro contratante, ao qual é dado tempo mínimo, a fim de que possa preparar-se para o término da relação e ter a oportunidade de se reorganizar, readaptar ou recolocar no mercado, em determinados casos.
A importância do aviso-prévio se faz notar, principalmente, nas relações contratuais mais complexas, como é comum nos contratos duradouros – por tempo indeterminado e aqueles cujo prazo é continuamente prorrogado ou renovado – e relacionais.145
Como se vê, o exercício do direito à resilição depende da concessão de aviso prévio razoável, a fim de permitir que a parte que teve o contrato denunciado adote medidas preparatórias para a sua extinção, o que independe da realização de investimentos.
Por outro lado, também se faz necessário, para o exercício do direito à resilição, que o denunciante respeite um limite mínimo de duração do contrato, a fim de garantir a realização do escopo econômico do contrato, esse muitas vezes consubstanciado a partir de investimentos realizados para a execução do contrato.
Como dito, há outras normas que estabelecem tanto o dever de cumprir o
144 “Os prazos de aviso prévio, conforme exposto no item 4.2, supra, e de prorrogação da relação por conta do parágrafo único do art. 473 do Código Civil não se confundem, apesar de parcela da doutrina os tratar como equivalentes. A confusão ocorre porque eles transcorrem exatamente após o exercício da denúncia unilateral e a finalidade deles pode ser satisfeita indiretamente com a outra modalidade de prazo de prorrogação forçada” (COSTA, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx. Os contratos que viabilizam o processo de distribuição e os efeitos de sua denúncia unilateral. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013, p. 120).
145 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx, Denúncia nos contratos privados de assistência à saúde. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018, p. 152.
aviso prévio146 quanto o prazo estabilizador, tal como ocorre com o artigo 720 do Código Civil147 e o artigo 34 da Lei nº 4.886/1965.148
Embora tais normas fixem prazos determinados, eventualmente, “far-se-á necessária a intervenção do magistrado para, diante do silêncio das partes e da inadequação do prazo legalmente previsto ao caso concreto, fixar o período de pré- aviso com fundamento na boa-fé objetiva e no art. 473, parágrafo único, do Código Civil”.149
Logo, reconhecendo-se a boa-fé objetiva como fundamento do dever de aviso prévio, há dois aspectos a serem considerados com relação ao exercício da denúncia. O primeiro relacionado à impossibilidade de “descompromisso imediato de ambas as partes a partir do recebimento da notificação”150, sendo necessário um prazo para adoção de medidas preparatórias extintivas. O segundo relacionado ao cumprimento do contrato por período mínimo apto a permitir o seu adimplemento satisfativo e à amortização dos investimentos realizados pela parte denunciada.
O período razoável de aviso prévio e do prazo estabilizador
Diante da imposição do dever de aviso prévio e de respeito ao prazo estabilizador nos contratos suscetíveis de denúncia, surge a seguinte pergunta: qual prazo seria razoável?
146 “Quando a lei atribui a possibilidade de denúncia ad nutum, nos contratos indeterminados, ela também costuma estabelecer um aviso prévio expresso. Assim é o caso de trinta dias para a locação residencial (art. 6° da Lei 8.245/1991) e de noventa dias para os contratos de agência e distribuição, ‘desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente’ (art. 720 do CC)” (XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx, Denúncia nos contratos privados de assistência à saúde. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018, p. 150).
147 “Artigo 720. Se o contrato for por tempo indeterminado, qualquer das partes poderá resolvê-lo, mediante aviso prévio de noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente”.
148 “Art. 34. A denúncia, por qualquer das partes, sem causa justificada, do contrato de representação, ajustado por tempo indeterminado e que haja vigorado por mais de seis meses, obriga o denunciante, salvo outra garantia prevista no contrato, à concessão de pré-aviso, com antecedência mínima de trinta dias, ou ao pagamento de importância igual a um terço (1/3) das comissões auferidas pelo representante, nos três meses anteriores”.
149 XXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 153.
150 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. Op. Cit., nota 145, p. 152.
Não há uma reposta matemática para a questão. O parágrafo único do artigo 473 do Código Civil faz menção a conceitos abertos151 — “prazo compatível” e “vulto dos investimentos” —, de modo que serão os aspectos da relação contratual que irão determinar o prazo, se será mais ou menos extenso. Sobre a abertura do dever de aviso prévio, Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx destaca que:
Tantas e tão variadas podem ser as relações contratuais suscetíveis de denúncia que a definição de um único prazo em caráter geral e abstrato certamente se revelaria inadequada à maior parte dos casos. Daí a necessidade de conferir ao intérprete maior liberdade na apreciação do suporte fático em concreto, ajustando o tempo razoável conforme a factualidade da relação contratual examinada.152
A fim de estipular critérios para a definição do prazo razoável, deve-se levar em conta a função do dever de aviso prévio — de permitir que o denunciado tome providências para a extinção do contrato ou garantir que o contrato dure o tempo mínimo necessário para atingir o seu escopo econômico — e examinar o caso concreto para aferi-lo à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Nessa direção, leciona Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Junior:
Pondera-se: a) o tempo para a adoção das medidas necessária a que se cumpra o rompimento do contrato, com a terminação dos negócios que se desenvolviam em razão do contrato, liquidação do estoque, pagamento de pessoal, avisos a terceiros, etc.; b) o tempo razoável para que o contratado tenha condições de encontrar nova oportunidade de negócio, redirecionando sua atividade; c) a amortização das inversões e gastos efetuados em razão do contrato. A duração variará em função da complexidade do negócio, do tempo de execução do contrato e do valor dos investimentos.153
Assim, os critérios para definição do tempo razoável — de aviso prévio e do
151 A respeito dos conceitos indeterminados, explica Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx: “Mais ainda, os códigos civis mais recentes e certas leis especiais têm privilegiado a inserção de certos tipos de normas que fogem ao padrão tradicional, não mais enucleando-se na definição, a mais perfeita possível, de certos pressupostos e na correlata indicação pontual e pormenorizada de suas consequências. Pelo contrário, esses novos tipos de normas buscam a formulação da hipótese legal mediante o emprego de conceitos cujos termos têm significados intencionalmente vagos e abertos, os chamados “conceitos jurídicos indeterminados”. (XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. O direito privado como um “sistema em construção”. As cláusulas gerais no projeto do código civil brasileiro. Revista de informação legislativa. Brasília, nº 139. jul./set. 1998).
152 XXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 156.
153 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Comentários ao novo Código Civil, volume VI, tomo II: da extinção do contrato. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 246.
prazo estabilizador — serão substancialmente distintos em cada caso, o que se deve à diversidade de interesses tutelados por cada restrição temporal.154
Para a fixação do prazo razoável de aviso prévio, é necessário, primeiramente, verificar a existência de cláusula contratual ou lei fixando tal prazo para o contrato em questão.
Caso haja previsão contratual, deve-se privilegiar, sempre que possível, o que foi estabelecido pelas partes, em respeito à autonomia privada. Nessa hipótese, a revisão judicial do período de aviso prévio requer ainda maior fundamentação, devendo o magistrado demonstrar os motivos que justificam a alteração do prazo previsto contratualmente.155
Para a verificação da razoabilidade do prazo de aviso prévio também é relevante analisar o tempo de duração do contrato. Quanto mais longo for o contrato, maior deverá ser o período de aviso prévio concedido, por se considerar que a expectativa de continuação da relação jurídica tende a ser acentuada, a exigir mais tempo para o denunciatário se preparar para a extinção do vínculo156.
Outro critério aventado para a configuração do prazo razoável é a existência de exclusividade do contrato, pois, nessa hipótese, a denúncia poderá acarretar grave repercussão sobre a parte que a recebe, a exigir a ampliação do prazo para que se adeque à nova realidade.
Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx afirmam que se deve levar em conta:
(i) o tipo e as características do negócio, como, por exemplo, a existência de exclusividade e o tempo de vigência do contrato; (ii) eventual assimetria (técnica ou econômica) entre as posições contratuais, de modo a permitir que o outro contratante mitigue os prejuízos resultantes do fim daquela relação; ou, ainda, (iii) o interesse social subjacente à execução do contrato, para que se mantenha o transito jurídico
154 “Tantas e tão variadas podem ser as relações contratuais suscetíveis de denúncia que a definição de um único prazo em caráter geral e abstrato certamente se revelaria inadequada à maior parte dos casos. Daí a necessidade de conferir ao intérprete maior liberdade na apreciação do suporte fático em concreto, ajustando o tempo razoável conforme a factualidade da relação contratual” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 156).
155 “A revisão judicial do prazo previsto no contrato, contudo, xxxx xxxx argumentativo ainda maior para o magistrado, que deverá verificar in concreto os fatos que justificam a dilação do pré-aviso acordado” (Ibidem, p. 158).
156 Ibidem, p. 183.
advindo do contrato até que se encontre alternativa à satisfação dos interesses existenciais de terceiros atingidos pela relação contratual.157
As especificidades do mercado em que as partes atuam é critério para a fixação do prazo de aviso prévio, pois, quanto mais restrito o mercado, maior deve ser o prazo, a fim de viabilizar que o denunciatário se prepare para o término do contrato:
Efetivamente, deve variar o período de pré-aviso conforme se esteja diante de contrato cuja execução tenha demandado (i) a aquisição de veículos automotores com potencial de revenda favorável ou (ii) a aquisição de maquinário agrícola utilizado exclusivamente na plantação de certo fruto típico de determinada região do país. Do mesmo modo, quanto mais restrito o acesso a determinado mercado – por exemplo, pelo alto capital inicial exigido – maior deverá ser o prazo de pré-aviso, para que seja verdadeiramente possível, (não abstratamente, mas) consideradas as circunstâncias da relação jurídica examinada, a preparação para o fim do contrato.158
Sob a perspectiva do prazo estabilizador, o tempo de duração do contrato também é um critério para verificar se houve abusividade na resilição unilateral, por frustrar o adimplemento contratual. Quanto mais curta for a duração do contrato, maior deverá ser a dilação do prazo, para assegurar que o denunciatário possa recuperar os investimentos realizados159.
Nesse sentido, no já mencionado Recurso Especial nº 1.555.202/SP, o Ministro Relator Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx destacou:
A particularidade que define o caso ora sob exame, vigência brevíssima do contrato, da mesma forma, é capaz de iludir o contratante no sentido de que a avença não será desfeita naquele momento, justamente porque ainda não decorrido tempo suficiente para a absorção dos investimentos realizados para a execução das obrigações.160
Em perspectiva contrária, o Superior Tribunal de Justiça já afastou, no Recurso Especial n.° 1.112.796/PR, pedido de dilação do prazo com base nos investimentos realizados, justamente porque o contrato vigeu por longo período —
157 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Fundamentos do Direito Civil, v. 3, Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 155.
158 VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 201.
159 Ibidem, p. 179.
160 STJ, Recurso Especial nº 1.555.202/SP, Relator Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, julgado em 13/12/2016.
mais de vinte anos — capaz de permitir a recuperação dos investimentos: “muito embora se façam investimentos, eles são feitos em função também do interesse daquele representado e, evidentemente, isso é diluído ao longo do tempo”.161
Os investimentos, como previsto no próprio artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, devem ser considerados para aferição da necessidade de concessão de mais prazo para a denúncia produzir efeitos. Para o cálculo do prazo, deve-se levar em conta apenas os investimentos diretamente vinculados à execução do contrato.162
Como afirma Xxxxx Xxxxxxxx, correspondem aos custos idiossincráticos, ou seja, aos investimentos específicos para atender às necessidades da contraparte163. Os custos que não são destinados especificamente para determinada clientela podem ser facilmente alocados para outros negócios sendo, portanto, recuperáveis. Ou seja, deverão ser desconsiderados os custos que “(i) vão além do que seria normalmente esperado do revendedor diligente (= ativo e probo), atuante naquele
mercado e/ou (ii) não decorrerem de exigência do fornecedor”.164
Xxxxxx Xxxxxxx propõe os seguintes parâmetros para aferir quais investimentos devem influenciar na verificação a respeito do prazo razoável para a denúncia:
[...] (i) existência de vinculação à natureza do contrato: custos recorrentes, usuais e não vultosos que pertençam ao cotidiano e à normalidade da atividade não estão abrangidos pela proteção; (ii) existência de vinculação à execução do contrato: apenas investimentos realizados especificamente para a execução do contrato denunciado estão protegidos; (iii) adequação comercial: investimentos que não foram realizados de acordo com um padrão de mercado e com o critério do comerciante ativo e probo não devem ser protegidos, pois a regra não se presta a sanar más escolhas empresariais e (iv) a não recuperabilidade dos investimentos:
161 Recurso Especial nº 1.112.796/PR, Rel. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Relator para Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, julgado em 10/08/2010.
162 “[...] os investimentos que influenciam no controle funcional da denúncia – a exigir que o contrato seja executado por um período mínimo – são ‘aqueles especificamente relacionados à execução do contrato’” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 196).
163 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Contrato de distribuição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 473.
164 Ibidem, p. 473.
investimentos que, com a extinção da relação, não possam ser reutilizados ou vendidos.165
Como resume Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, os fatores importantes para se verificar a necessidade de ampliação do prazo de aviso prévio podem ser elencados da seguinte forma:
(i) longo tempo de duração do contrato denunciado;
(ii) grande volume de capital empregado na execução do contrato;
(iii) especificidades e restrições do mercado em que atuam as partes166.
Os critérios para aferição da necessidade de extensão do prazo estabilizador podem ser assim sintetizados:
(i) o curto tempo de duração do contrato em relação aos investimentos realizados;
(ii) a previsibilidade, naquele mercado específico e no momento da contratação, do tempo mínimo necessário para que se tornasse possível obter o retorno dos investimentos realizados;
(iii) a vinculação direta dos investimentos realizados à execução do contrato denunciado167.
165 XXXXXXX, Xxxxxx. Aviso prévio e investimentos: o parágrafo único do art. 473 CC, AGIRE Direito Privado em Ação, 04 jul. 2022. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx/x/xxxxx00. Acesso em 05.07.2022.
166 VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 203.
167 Ibidem, p. 203.
3
Formas de reparação do dano decorrente da resilição unilateral do contrato
Como se viu, para que a resilição não seja abrupta e o denunciatário possa se preparar para a extinção do contrato, impõe-se ao denunciante o dever de conceder prazo razoável de aviso prévio. Além disso, é necessário que se respeite o prazo estabilizador do contrato, ou seja, o período de tempo razoável para que o contrato atinja o seu escopo econômico.168
Em sua redação, o artigo 473, parágrafo único, do Código Civil afirma que “a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”, determinando, portanto, a prorrogação compulsória do contrato.
Ocorre que essa medida nem sempre será a forma mais efetiva de reparação dos danos causados pela resilição unilateral sem a concessão de aviso prévio razoável ou antes de decorrido tempo mínimo de cumprimento do contrato.169
Isso porque os contratos duradouros dependem de uma relação de confiança entre as partes que, inequivocamente, é quebrada após a denúncia. Os prejuízos que poderão decorrer da manutenção compulsória de uma relação sem confiança e cooperação são diversos.
Assim, deve-se perquirir se o pagamento de indenização não seria uma via mais adequada para a reparação dos danos causados pela resilição unilateral.
A execução específica da obrigação e a tutela indenizatória
Com a denúncia, o comportamento cooperativo e a confiança havidos entre
168 VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 149.
169 Xxxxxxx Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxx entende que a escolha é do destinatário da denúncia: “Presentes os pressupostos legais, abre-se uma alternativa para o denunciado. Pode ele preferir entre (i) a execução do contrato por um período adicional ou (ii) indenização por danos emergentes e lucros cessantes450. A escolha é do destinatário, e não do denunciante.” (XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxx de. Denúncia imotivada dos contratos civis e suspensão de sua eficácia. Tese apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para obtenção do título de Doutor, São Paulo, 2016, p. 131).
as partes naturalmente se esvaem. Embora o dever de cooperação inclusive implique no dever de colaborar para mitigar os próprios prejuízos170, na prática, é comum que, após a denúncia do contrato, a performance das partes não seja mais a mesma.
Diante da iminência do fim da relação contratual, é natural que as partes não façam mais esforços em prol da parte contrária, o que, obviamente, repercute no sucesso da atividade contratual.
Por esse motivo, deve-se indagar se a execução específica da obrigação, prevista na literalidade do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, é a forma mais efetiva de atender aos interesses do denunciatário e se pode acarretar ônus excessivo ao titular do direito de resilir unilateralmente o contrato, que poderá vir a sofrer danos decorrentes da insatisfação da contraparte com o término da relação contratual.
Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx afirma que a mesma ratio que acarreta a impossibilidade da prorrogação compulsória de tipos contratuais cuja execução depende da relação de confiança encontra-se presente em diversos contratos duradouros passíveis de denúncia.171
O autor pontua que o denunciante pode acabar assumindo posição de vulnerabilidade diante do denunciatário, que, insatisfeito com o fim do contrato, pode adotar postura desleal.172
170 “Trata-se do chamado dever de mitigar o próprio prejuízo, em vista do qual a parte que alega ter ocorrido descumprimento do contrato deve tomar todas as medidas plausíveis para mitigar o dano sofrido, não agravando a situação do devedor. Do contrário, e malgrado não haja propriamente concausalidade na produção do dano (pois a inércia do credor não causou o prejuízo, apenas permitiu o seu aumento), o devedor poderá pleitear a redução das perdas e danos, em proporção equivalente ao montante do prejuízo que poderia ter sido reduzido pelo credor, mas não o foi” (XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 400).
171 “Do quanto exposto, extrai-se que a mesma ratio que leva a doutrina a afirmar a impossibilidade da prorrogação compulsória após a denúncia de contratos cuja execução depende da relação de confiança entre as partes encontra-se presente em boa parte dos contratos duradouros passíveis de denúncia, nos quais a perda da confiança pode revelar-se igualmente decisiva, inviabilizando a manutenção do contrato” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré- aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 212).
172 “Assim, por exemplo, a prorrogação compulsória do contrato de prestação de serviço de segurança para empresa que explora rede de varejo em área de risco. Nessa hipótese, revela-se compreensível que o comerciante apenas informe à prestadora de serviços que irá interromper o contrato no momento em que já houver ajustado com outra empresa a prestação do serviço de segurança, tornando-se absolutamente disfuncional a exigência de prorrogação do contrato.” (Ibidem, p. 212).
Efetivamente, quando uma das partes perde a expectativa de continuidade do contrato, é provável que passe a pensar de forma individual, seja no sentido de diminuir custos e esforços com a outra ou, até mais grave, atuando de forma contrária aos interesses da outra parte.173
Não obstante esse cenário seja prejudicial à manutenção compulsória do contrato, há entendimento doutrinário e jurisprudencial priorizando a tutela específica da obrigação como forma mais efetiva de reparar os danos decorrentes da denúncia.
Trata-se da forte influência da prioridade que o ordenamento jurídico dá, tanto na Lei Civil quanto na Lei Processual, para a execução específica das obrigações. No Código Civil, vê-se a preferência pela tutela específica nos artigos 249, 251, 464 e 475174. Sobre o tema, transcreva-se a explicação de Xxxxxxxx Xxxxxxxxx:
A preferência por remédios que não promovam o rompimento do vínculo negocial foi expressamente manifestada pelo legislador brasileiro, que registrou, em diversas passagens do Código Civil de 2002, sua simpatia pela execução específica das obrigações (v.g., arts. 249, 251, 464). Bem mais que um instrumento a cargo das preferências do credor, como sugere a literalidade do art. 475, a execução específica deve ser vista como medida prioritária, a ser afastada somente naquelas hipóteses em que já reste comprometida a função concretamente desempenhada pela relação contratual.175
173 “Com a denúncia, o principal incentivo comportamental à atuação colaborativa se dissipa, tendo em vista que o denunciatário não mais possui a expectativa de continuidade da relação e dos ganhos dela advindos, o que antes impulsionava seu comportamento colaborativo. [...] Incrementam-se, ao reverso, os riscos de que, antecipando a extinção do contrato, o agente ou distribuidor se dedique menos, de modo a reduzir seu custo com a promoção dos interesses de um fornecedor ou de sua marca, que podem ser negativamente afetadas pela natural desídia do agente ou distribuidor após a denúncia ou, em cenário mais pessimista, pela atuação deliberada do agente ou distribuidor insatisfeito com a denúncia contratual” (VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 210).
174 “Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível.
Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido”.
“Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos.
Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido”.
“Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.
175 No mesmo sentido, afirma Xxxxxxx Xxxxxxxx: “Dito diversamente, o direito privado, no Brasil e alhures, evoluiu no sentido de buscar, sempre que possível, a execução específica, em favor da efetividade da relação obrigacional, em sua perspectiva dinâmica, funcionalizada aos interesses que o vínculo iuris pretende tutelar” (XXXXXXXX, Xxxxxxx. Inadimplemento contratual e tutela
Na Lei Processual, a preferência pela tutela específica foi incluída pela Lei 8.952/94, que alterou o artigo 461176. O Código atual, por sua vez, a trata no artigo 499177.
A respeito do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx afirma que o legislador poderia ter determinado o pagamento das perdas e danos sofridos pelo denunciatário, mas preferiu lhe atribuir a tutela específica da obrigação, suspendendo a resilição unilateral por período a ser determinado pelo juiz, com a eventual realização de perícia:178
O legislador poderia ter determinado apenas o pagamento das perdas e danos sofridos pela parte que teve prejuízos com a dissolução unilateral do contrato. Preferiu-lhe atribuir uma tutela específica, transformando o contrato, que por natureza poderia ser extinto por vontade de uma das partes, em um contrato comum, valendo essa nova regra pelo prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos. Caberá ao juiz determinar, com a ajuda da perícia técnica se necessário, o prazo em que fica suspenso o direito da parte de resilir unilateralmente o contrato sem qualquer motivação específica. O critério legal é o de proporcionar à parte prejudicada pela resilição unilateral a obtenção do objetivo previsto no contrato, de acordo com a natureza do contrato e dos investimentos realizados.
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx também considera que o artigo 473, parágrafo único, do Código Civil garante a execução específica da obrigação como melhor forma de tutela do denunciatário, por lhe conferir uma imunidade para manter o contrato por prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos, e se refere à resposta indenizatória como medida excepcional.179
específica das obrigações. Soluções práticas de direito, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 142-143).
176 “Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1º. A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.”
177 “Art. 499. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente”.
178 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp.
131.
179 “Nesses casos, em geral, deve-se preservar a relação jurídica pelo tempo necessário ao alcance dos objetivos de proteção da parte contratante submetida ao direito potestativo, nos termos do parágrafo único do art. 473 do CC/2002. A resposta indenizatória deve ser excepcional,
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx afirma que a manutenção compulsória do contrato, por ser modalidade de execução específica da obrigação, acarreta maior segurança jurídica para as partes que a conversão em perdas e danos, que, por sua vez, oferece dificuldade para a quantificação do quantum debeatur.180
Xxxxx Xxxxx Rehder de Araujo privilegia a prorrogação compulsória do contrato e faz referência a outras hipóteses legislativas que se relacionam ao prolongamento de determinadas relações contratuais.181
O autor menciona os seguintes dispositivos legais: artigos 581 (comodato), 592 (mútuo), 599 (contrato de prestação de serviços), 684 (mandato) e 720 (contrato de agencia e distribuição), todos do Código Civil; artigos 46, 47, 50 (os três dispositivos tratam da prorrogação da locação), 51 (renovação do contrato de locação comercial) e 53 (restrição à denúncia do contrato de locação de determinados imóveis, como hospital) da Lei n° 8.245/1991 (Lei de Locações); artigos 21 e 23 (ambos a respeito da concessão comercial entre produtor e distribuidor de veículos automotores) da Lei n° 6.729/1979 (Lei de concessões de veículos automotores); artigo 34 (contrato de representação comercial) da Lei n° 4.886/1965 (Lei dos representantes comerciais); artigo 95 (contrato de arrendamento rural) da Lei n° 4.504/1964 (Estatuto da Terra) e artigos 451, 452, 477 e 487 (os três dispositivos sobre contrato de trabalho) da CLT.182
Priorizando a tutela específica, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxx afirma que o ordenamento jurídico brasileiro a prestigia como instrumento para a efetiva satisfação de direitos, o que justificaria a prorrogação forçada da relação contratual. O autor ressalva, do campo de aplicação do artigo 473, parágrafo único, do
priorizando-se a tutela específica de sobrevida da relação jurídica, para que se preserve a adequada tutela do prejudicado” (XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. A denúncia e a resilição: críticas e propostas hermenêuticas ao art. 473 do CC/2002 brasileiro. Revista de Direito Civil Contemporâneo - RDCC, v. 7, 2016, p. 9).
180 “A prorrogação compulsória, neste sentido, não deixa de ser algo informado de maior segurança jurídica, pois é, de certa forma, uma modalidade de execução específica da obrigação. [...]. Por isto, se substituída a prorrogação compulsória pela reparação em perdas e danos, haveria, outrossim, irretorquível dificuldade na quantificação do quantum debeatur” (XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Prorrogação compulsória dos contratos. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 155).
181 ARAÚJO, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx de. Prorrogação compulsória de contratos a prazo: pressupostos para sua ocorrência. 2011. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2011, p. 25.
182 Ibidem, p. 25.
Código Civil, apenas as relações contratuais em que o elemento da confiança é muito marcante, mencionando as relações personalíssimas.183
Nesse ponto, vale repetir que a confiança é essencial em todos os contratos de longa duração por prazo indeterminado — nos quais incide a denúncia —, uma vez que, em tais relações, as partes agem de forma interdependente e movidas pela expectativa de continuidade do contrato.
A denúncia tende a encerrar, nos contratos de longa duração por prazo indeterminado, o alinhamento de interesses, de modo que a manutenção compulsória desses contratos pode acarretar os mesmos prejuízos destacados pela doutrina em relação aos contratos que têm a confiança como elemento central.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx reconhece o problema e admite que a extensão compulsória do contrato deve ser alternativa ao direito de indenização. Segundo o autor, a escolha cabe ao notificado, “pois eventualmente a manifestação da intenção de pôr fim à relação contratual pela outra parte indica risco econômico à continuação da exploração do objeto do contrato em si”.184
Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, ao tratar do dever de aviso prévio, diferencia o momento anterior ao seu descumprimento do momento patológico. Com o descumprimento do dever de aviso prévio, sustenta que caberá ao denunciatário optar entre promover a execução específica da obrigação ou requerer o valor equivalente185, além de perdas e danos a serem apuradas mediante aferição dos
183 “Na esteira dessa lição, a previsão do art. 473, parágrafo único, do Código vem privilegiar a execução específica e proteger os investimentos, de acordo com o movimento que ressalta a tutela específica dos direitos, abandonando aquela exclusivamente de cunho ressarcitória. [...] Entretanto, a execução específica das obrigações de fazer – por mais privilegiada que seja a sua tutela – encontra obstaculos, como, por exemplo, quando se tratar de obrigação personalísisma. Nesse sentido, os tipos contratuais fundados na confiança são revogáveis ad nutum, isto é, o vínculo contratual pode a qualquer momento ser extinto pela vontade das partes” (XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx. Os contratos que viabilizam o processo de distribuição e os efeitos de sua denúncia unilateral. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013, p. 123).
184 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Resilição contratual – Relações civis empresariais – Interpretação do art. 473, parágrafo único, CC – Consequências do exercício da resilição unilateral – Indenização x prolongamento do contrato, In: Cadernos jurídicos/Escola Paulista da Magistratura, v. 16, nº 39, pp. 191-199, jan./mar. 2015. p. 196.
185 No mesmo sentido, afirma Xxxxx Xxxxxxxx: “Seriam duas as hipóteses: (a) resilição regular, com a concessão do mencionado prazo ou (b) resilição abrupta, sem a concessão do prazo. Neste segundo caso, a eficácia somente operará depois do término do prazo compatível. Mas a contraparte poderá optar pela indenização que auferiria se o contrato continuasse por um prazo razoável, não fora a indevida interrupção da sua execução.” (SANTOLIM, Cesar. A proteção dos investimentos específicos na resilição unilateral do contrato e o risco moral: uma análise do artigo
prejuízos sofridos sem o aviso prévio ou com aviso prévio insuficiente.
No momento anterior, sugere, como remédio mais adequado, que o denunciante possa propor o pagamento do valor equivalente à execução do contrato como uma possibilidade de cumprimento da obrigação de aviso prévio e não apenas uma possibilidade decorrente do seu descumprimento.186
O pagamento do valor equivalente à execução do contrato poderia, a um só tempo, (i) ser capaz de atender ao interesse de quem recebe a denúncia e (ii) ter efeitos menos gravosos ao denunciante que a imposição da manutenção da relação contratual e a quebra da confiança.187
Segundo o autor, a opção pela forma de cumprimento do dever de aviso prévio — prorrogação do contrato ou pagamento do equivalente — deve ser do denunciante, e não do denunciatário, pois este poderia desvirtuar a função do aviso prévio, que é atendida com o pagamento do valor equivalente ao período em que o contrato deveria ser prorrogado, forçando a execução do contrato com o propósito de prejudicar o denunciante188:
A opção de efetuar o pagamento do valor correspondente ao cumprimento, já se destacou, ao mesmo tempo em que assegura a tutela dos interesses da parte que recebe a denúncia, visa a proteger a posição do denunciante, que poderia assumir risco desproporcional ao ser compelido a manter o contrato cuja extinção tinha o direito de promover. Considerando este aspecto, cumpre reconhecer que a opção pela prorrogação do contratou pelo pagamento do equivalente deve ser franqueada (não ao denunciatário, que terá seus interesses igualmente resguardados em ambos os casos, mas) ao denunciante.
Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, se verificam julgados concedendo indenização pela denúncia abusiva, mas quase não há julgados permitindo a prorrogação compulsória do contrato.
Para afastar a manutenção compulsória do contrato, as decisões se limitam a dizer que o Judiciário não pode impor a subsistência de relação contratual de caráter
473, parágrafo único, do Código Civil. Revista do Instituto do Direito Brasileiro. Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, nº 10, 2014, p. 574).
186 Ibidem, p. 219.
187 Ibidem, p. 219.
188 VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Denúncia contratual e dever de pré-aviso. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 222.
continuativo contra a vontade de uma das partes189 e a fazer menção à regra geral de que ninguém é obrigado a manter-se vinculado a outrem por contrato, motivo pelo qual o ressarcimento dos danos provocados é, em muitos casos, a forma viável de composição dos prejuízos.190
Em algumas hipóteses, o Superior Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade de manutenção forçada do contrato, mas a afasta porque transcorrido longo período de tempo entre a denúncia e a decisão.191 Afinal, se já ocorreu a desmobilização da operação — pode, inclusive, ter ocorrido nova contratação — não será mais possível a retomada do contrato.
Concedendo indenização por perdas e danos em decorrência da resilição unilateral do contrato, há o já mencionado Recurso Especial nº 1.555.202/SP, de Relatoria do Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, no qual a Quarta Turma reconheceu, por maioria, o direito à indenização por danos materiais em favor de uma empresa de cobrança que teve seu contrato com bancos denunciado após onze meses, com base em cláusula contratual prevendo a possibilidade de denúncia.192
189 "PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ANÁLISE DE SEUS PRESSUPOSTOS. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7-STJ. CONTRATO COMERCIAL. MANUTENÇÃO. OBJEÇÃO DA PARTE. CONSEQÜÊNCIA. [...] 2 - De outro lado, consoante entendimento pretoriano dominante, em havendo manifestação contrária de uma parte, não pode o Judiciário impor a subsistência de relação contratual de caráter continuativa, tudo se resolvendo no plano indenizatório, caso eventualmente caracterizado abuso de poder. 3 - Recurso especial não conhecido." (STJ, Recurso Especial n° 440.663/SP, Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Quarta Turma, julgado em 16/12/2003).
190 STJ, Recurso especial nº 1.555.202/SP, Relator Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. 4ª Turma, julgado em 13/12/2016.
191 “[...] 5. O art. 473 do CC/2002 disciplina a denúncia injusta do contrato, estabelecendo uma garantia de recuperação dos investimentos, fundada na boa-fé objetiva, a cuja observância estão obrigados os contratantes por força do art. 422 do CC/2002. 6. A regra extraída do parágrafo único do art. 473 do CC/2002 revela que o prazo expressamente avençado para o aviso prévio será plenamente eficaz desde que o direito à resilição unilateral seja exercido por uma parte quando já transcorrido tempo razoável à recuperação dos investimentos realizados pela outra parte para o devido cumprimento das obrigações assumidas no contrato; do contrário, o legislador considera abusiva a denúncia, impondo, por conseguinte, a suspensão dos seus efeitos até que haja a absorção do capital aplicado por uma das partes para a execução do contrato em favor da outra. 7. Hipótese em que, não sendo a suspensão dos efeitos da resilição unilateral determinada em momento oportuno, apto a permitir a recuperação dos investimentos realizados pelas recorrentes, faz-se imperioso determinar o ressarcimento dos valores por elas dispendidos e estritamente necessários ao cumprimento das obrigações assumidas perante a recorrida.
8. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, Recurso especial n° 1.874.358, Min. Rel. Xxxxx Xxxxxxxx, Terceira Turma, julgado em 17/08/2021, DJe 19/08/2021).
192 STJ, Recurso Especial nº 1.555.202/SP, Relator Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Quarta Turma, julgado em 13/12/ 2016, DJe 16/03/2017.
No referido julgado, o Superior Tribunal de Justiça afirmou que a intenção do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil é a tutela específica da obrigação, mas, com base na regra de que ninguém é obrigado a manter-se vinculado a outrem por contrato, considerou o ressarcimento de danos a melhor forma de composição dos prejuízos.193
No sentido favorável à manutenção compulsória do contrato, destaca-se o Recurso Especial nº 972.436 – BA, provido parcialmente pela maioria da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, para manter uma medida cautelar de prorrogação compulsória do contrato concedida cinco anos antes por mais quarenta dias.
No caso, foi asseverado que, conforme o artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, a resilição unilateral não deve ter efeitos antes de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos realizados por uma das partes e que a manutenção compulsória do contrato permite que as partes organizem o término de sua relação negocial com “a possibilidade de ampliar sua base de clientes, de fornecedores e de realizar as rescisões trabalhistas eventualmente necessárias”.194
Embora faça referência ao escopo do prazo estabilizador, de garantir a proteção dos investimentos, a decisão concede um aviso prévio de quarenta dias, a fim de permitir ao denunciatário a adoção de medidas preparatórias da extinção da relação contratual.
O caso demonstra que as decisões judiciais confundem as funções do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil de, repita-se uma vez mais, garantir (i) que
193 “Destarte, ainda que a intenção original do dispositivo do Código Civil seja converter a tutela genérica do ressarcimento de danos em uma tutela específica de conservação temporária do negócio jurídico, buscando fazer com que a denúncia valha apenas após ultrapassado período mínimo de adequação do contrato ao importe dos investimentos, sabe-se que tal viés tem raízes na regra geral de que ninguém é obrigado a manter-se vinculado a outrem por contrato. Sendo assim, a previsão do ressarcimento dos danos provocados é, em muitos casos, a forma viável de composição dos prejuízos”.
194 “A regra do art. 473, par. único, do CC/02, tomada por analogia, pode solucionar litígios como o presente, onde uma das partes do contrato afirma, com plausibilidade, ter feito grande investimento e o Poder Judiciário não constata, em cognição sumária, prova de sua culpa a justificar a resolução imediata do negócio jurídico. Pode-se permitir a continuidade do negócio durante prazo razoável, para que as partes organizem o término de sua relação negocial. O prazo dá às partes a possibilidade de ampliar sua base de clientes, de fornecedores e de realizar as rescisões trabalhistas eventualmente necessárias. Recurso Especial parcialmente provido” (STJ, Recurso Especial nº 972.436 – BA, Rel. Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, Terceira Turma, julgado em 17/03/2009).
o contrato celebrado por prazo indeterminado dure o tempo necessário para obtenção do seu escopo econômico (prazo estabilizador) e (ii) que o denunciatário tenha tempo para reorganizar suas atividades antes da extinção do contrato (aviso prévio).
Como visto, a doutrina majoritária entende que a aplicação do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil acarreta a manutenção compulsória do contrato, em detrimento do pagamento de indenização. Talvez por esse motivo, não há muito estudo a respeito dos danos materiais que devem ser indenizados, se compreendem danos emergentes, lucros cessantes ou ambos, e dos motivos para tanto.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxx afirma que a indenização decorrente da denúncia abusiva por descumprimento do prazo necessário para amortização dos investimentos realizados compreenderá tanto os danos emergentes quanto os lucros cessantes:
Adotando a interpretação literal desse dispositivo, acrescente-se que, na hipótese de o produtor decidir, após a apresentação de notificação de resilição unilateral, simplesmente não mais executar o contrato e de ser comprovado que, quando manifestada a intenção do produtor em cessação do contrato, a denúncia seria ineficaz, ele terá descumprido a avença, o que poderá dar ensejo à conversão de tal descumprimento em perdas e danos, compreendendo-as tanto os danos emergentes, quanto os lucros cessantes relativamente ao período necessário para a amortização dos investimentos, isto é, o que razoavelmente o distribuidor deixou de lucrar nesse período. O valor devido, nesse caso, pelo produtor poderá ser vultoso e ultrapassar até mesmo seus eventuais ganhos auferidos ao longo dessa relação”.195
O referido autor entende da mesma forma quando o descumprimento é do prazo de aviso prévio:
Como corolário desse entendimento, ao não se respeitar o pré-aviso, tanto aquele previsto no contrato, quanto o decorrente de determinação legal, erige-se a obrigação secundária, imputada ao denunciante, de indenizar os danos decorrentes da falta de notificação com prazo adicional da relação. Nesse caso, o produtor será responsável
195 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx. Os contratos que viabilizam o processo de distribuição e os efeitos de sua denúncia unilateral. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013, p. 128.
não apenas pelos danos emergentes causados, mas também pelos lucros cessantes correspondentes ao período em que não foi respeitado o prazo de aviso prévio.196
No mesmo sentido entende Xxxxxxx Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxx:
A mecânica da norma é simples. Presentes os pressupostos legais, abre-se uma alternativa para o denunciado. Pode ele preferir entre (i) a execução do contrato por um período adicional ou (ii) indenização por danos emergentes e lucros cessantes. A escolha é do destinatário, e não do denunciante197.
Igualmente, afirma Xxxxxxxx Xxxxx de Xxxxx:
Resta ainda dizer que a falta de adequado aviso prévio não implica ineficácia de denúncia. A parte prejudicada não poderá, com fulcro apenas nessa razão, postular a continuidade do contrato. Terá pretensão, sim, a ser indenizada pelos prejuízos emergentes e lucros cessantes gerados pela brusca extinção contratual.198
Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, há poucas decisões tratando da indenização devida com a denúncia abusiva e possuem fundamentação bastante rasa.
A respeito do descumprimento do prazo estabilizador, menciona-se o Recurso Especial n.° 1.732.270/PR199. No caso, houve a denúncia imotivada de um contrato de prestação de serviços por prazo indeterminado com apenas dois meses de vigência, ou seja, houve descumprimento do prazo estabilizador.
O Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que afastou o cabimento de lucros cessantes, mantendo apenas o pagamento de indenização por danos emergentes, correspondentes aos valores dispendidos com rescisões de contratos de trabalho e com a aquisição de equipamentos para a prestação de serviços.
196 COSTA, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx. Os contratos que viabilizam o processo de distribuição e os efeitos de sua denúncia unilateral. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013, p. 102.
197 FIGUEIREDO, Xxxxxxx Xxxxx Xxxx de. Denúncia imotivada dos contratos civis e suspensão de sua eficácia. Tese apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para obtenção do título de Doutor, São Paulo, 2016, p. 142.
198 XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx de. Contratos de distribuição: vida e morte da relação contratual. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001, p. 142.
199 STJ, Recurso especial nº 1.732.270/PR, Relator Xxxxx Xxxxxxx, julgado em 1.08.2018.
Ao afastar os lucros cessantes, a decisão apenas destacou que o artigo 473, parágrafo único, do Código Civil visa à recuperação de valores investidos para a execução do contrato:
Contudo, a condenação, a título de lucros cessantes, ao pagamento "do valor mensal de R$ 36.800,00 (trinta e seis mil e oitocentos reais), contados e corrigidos pelo INPC a partir de fevereiro de 2011, até novembro de 2012, acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da sentença", deve ser excluída, tendo em vista que o dispositivo em análise visa resguardar valores perdidos em razão do investimento, mas não os lucros cessantes. O prazo razoável, exigido no dispositivo legal, refere- se ao tempo necessário para recuperar o valor investido para a execução do contrato, e não lucrar. Note-se que, se a apelada não tivesse realizado qualquer investimento, a norma não incidiria no caso concreto.
No julgamento do Recurso Especial nº 1.555.202/SP, o Superior Tribunal de Justiça afastou a indenização por lucros cessantes em caso no qual cinco bancos resiliram o contrato firmado com uma empresa de cobrança onze meses após o contrato ser celebrado e a empresa ter feito vultoso investimento.
A decisão se baseou somente no fato de que, embora o denunciatário tenha pleiteado a prorrogação do contrato, não tendo essa sido deferida, lhe restaria o pagamento dos danos emergentes, correspondentes aos valores investidos:200
Afasto, nesse caso específico, os lucros cessantes, por entender que o ressarcimento dos danos materiais será suficientemente abrangente, uma vez que, na origem, o pedido principal foi de prorrogação do contrato, firme no entendimento de que a manutenção das atividades estaria apta a recompor o prejuízo. No entanto, não tendo havido a prorrogação do contrato, nesse caso, resta ao recorrente a apuração dos valores investidos, com o consequente pagamento do numerário encontrado.
Com relação ao descumprimento do dever de conceder aviso prévio, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de reconhecer a ocorrência de lucros cessantes201. Na hipótese, o STJ afirmou que a denunciatária não teve tempo de se reestruturar antes do término do contrato:
Em relação à rescisão contratual, inconteste nos autos que não houve prévio aviso quanto à intenção do Apelado em resilir o contrato. Dessa forma, entendo ser cabível
200 STJ, Recurso especial nº 1.555.202/SP, Relator Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Quarta Turma, julgado em 13/12/2016.
201 STJ, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 569.413 – PE, Relator Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Terceira Turma, julgado em 16/03/2017.
a indenização por lucros cessantes, tendo em vista a inesperada resilição da avença por parte do Apelado, sem permitir eventual reestruturação no sentido de angariar novos cliente, pois, mesmo restando comprovada a relação comercial com outra empresa sua atividade estava sendo quase que exclusivamente dedicada ao Apelado.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar apelações cíveis tratando dos danos decorrentes da resilição unilateral do contrato efetuada sem o aviso prévio necessário, já se posicionou tanto no sentido de reconhecer apenas a ocorrência de lucros cessantes quanto para admitir o ressarcimento de danos emergentes.
Na apelação cível n.° 0147110-71.2015.8.21.7000, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul afastou os danos emergentes por compreender que todas as despesas incorridas pelo denunciatário já teriam sido amortizadas ao longo dos vinte e cinco anos de prestação de serviços:
Toda e qualquer despesa realizada pelo autor ao longo de 25 anos de prestação de serviços foram justamente para garantir que estes pudessem ser adequadamente prestados, sempre tendo o autor recebido a sua contraprestação pelos transportes realizados. O contrato mantido por eles era bilateral e derivava de uma parceria, que, enquanto perdurou, justificou todos os custos que, até então, se fizeram necessários ao longo dos anos, inclusive, a título de fundo de comércio.202
Por outro lado, reconheceu a ocorrência de lucros cessantes, uma vez que “rompida a relação contratual unilateralmente e sem prévio aviso, o autor não teve tempo para se readequar, procurar outras cargas, garantir a entrada de renda em sua economia”. 203
Na apelação cível n° 0239443-08.2016.8.21.7000204, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu a ocorrência de danos emergentes e de lucros cessantes sofridos pelo denunciatário. Com relação aos lucros cessantes, afirmou que decorreriam da “frustração da expectativa de lucro futuro”, uma vez que a resilição unilateral “causou uma perda considerável dos ganhos da requerente”.
Sobre os danos emergentes, a decisão, sem fundamentar, asseverou ser devido
202 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação cível n° 0147110-71.2015.8.21.7000, Décima Segunda Câmara Cível, Des. Relator Xxxxxxxxx Xxxxxx, julgado em 24/11/2016.
203 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação cível n° 0147110-71.2015.8.21.7000, Décima Segunda Câmara Cível, Des. Relator Xxxxxxxxx Xxxxxx, julgado em 24/11/2016.
204 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação cível n° 0239443-08.2016.8.21.7000, Décima Sétima Câmara Cível, Des. Relator Liége Xxxxxxxxx Xxxxx, julgado em 30/03/2017.
o ressarcimento pelos bens que sobraram no estoque da denunciatária e pelos valores gastos com rescisões trabalhistas.205
No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, há alguns julgados tratando de resilições unilaterais feitas pelas Plataformas 99 e UBER sem a concessão de aviso prévio.206
Em tais casos, o Tribunal entendeu ser possível a resilição unilateral dos contratos de transporte por terem prazo indeterminado, mas reconheceu que a ausência de aviso prévio acarreta a obrigação de ressarcir os lucros cessantes sofridos pelo motorista, por decorrência da abrupta cessação da renda razoavelmente percebida.207
Menciona-se, ainda, interessante julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo
205 “A rescisão contratual de forma unilateral sem concessão de prazo razoável, certamente surpreendeu a empresa autora, que prestava serviços de distribuição de produtos da ré, bem como de assistência técnica, violando o princípio da boa-fé contratual, pois a extinção do negócio jurídico deveria ter sido previamente discutida com a demandante, concedendo-lhe tempo razoável para que esta pudesse reorganizar as suas atividades. Presente o dever de indenizar os prejuízos suportados pela parte autora.
2. Componentes do estoque da empresa da demandante. Em razão da ruptura abrupta do contrato, devem ser indenizados.
3. No que concerne às despesas efetuadas com acertos trabalhistas, entende-se que a ruptura contratual empreendida certamente deu causa à dispensa dos empregados da empresa. Assim, a empresa deve ressarcir os custos decorrentes das demissões efetuadas pela autora, com exceção de um funcionário, cuja demissão é anterior à notificação levada a efeito”.
206 Apelação cível 0064636-31.2018.8.19.0004, Des. Rel. Xxxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxx, Julgamento: 25/11/2021, Décima Sexta Câmara Cível; Apelação cível 0046793-91.2020.8.19.0001, Xxx Xxxxx Xxxxxxxxx, Julgamento: 08/06/2021, Décima Sexta Câmara Cível; Apelação cível 0017511-66.2020.8.19.0014, Des. Rel. Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxx, Julgamento 16/12/2021, Vigésima Sexta Câmara Cível; Apelação cível 0026822-20.2020.8.19.0002, Xxxxxx Xxxxxx Xx Xxxxxxx Xxxxxx - Julgamento: 17/06/2021 - Vigésima Sétima Câmara Cível.
207 Apelação cível. Prestação de serviço de transporte ao público por meio de aplicativo de intermediação digital. Motorista que alega haver sido submetido a descredenciamento unilateral, indevido e sem aviso prévio da plataforma 99 tecnologia ltda. Procedência do pedido para condenar o réu ao pagamento de lucros cessantes e compensação por dano moral. Irresignação do réu.
(...)
4. A possibilidade de resilição unilateral de avença por prazo indeterminado não exime as partes de agirem de forma responsável e mediante denúncia prévia comunicada, a teor do disposto no art. 473, do código civil.
5. Do dano material (lucros cessantes) - como cediço, os prejuízos de ordem material devem ser devidamente comprovados, já que a mera resilição imotivada do contrato não enseja, por si só, o direito de manutenção do pacto ou indenização pela interrupção abrupta do negócio. Contudo, não se pode olvidar que a falta de aviso prévio enseja a injusta cessação da renda razoavelmente percebida e, portanto, prevista, que deve corresponder ao valor médio recebido pelo autor no último ano, a ser pago pelo período de três meses, a contar do bloqueio inicial da conta, a ser apurada em sede de Liquidação de Sentença (Apelação Cível nº 0017511-66.2020.8.19.0014, Vigésima Sexta Câmara Cível, Relator Desembargador Wilson do Nascimento Reis, Julgado em 16/12/2021).
a respeito dos danos decorrentes da resilição unilateral do contrato efetuada sem o aviso prévio necessário. Na hipótese, a 19ª Câmara de Direito Privado deu parcial provimento ao recurso da transportadora denunciada pela Cervejaria Norteña após cerca de 20 anos de vigência do contrato para reconhecer a ocorrência de lucros cessantes, afastando os danos emergentes.208
O Tribunal Paulista afirmou que a resilição unilateral do contrato representa simples decorrência da autonomia negocial, enquanto capacidade do contratante de autorregular os seus interesses, permitindo-lhe a desvinculação do contrato que não mais se revela pertinente à sua atividade.
Assim, não poderia a denunciatária transferir para a parte adversa todas as perdas experimentas pelo encerramento do contrato, até porque algumas despesas inevitavelmente surgiriam com a rescisão, ainda que precedida do necessário aviso prévio.
Desse modo, a 19ª Câmara de Direito Privado afastou os danos emergentes pleiteados, asseverando que os investimentos realizados pela Norteña foram ressarcidos durante o extenso período em que o contrato vigorou.
Neste trabalho, entende-se que o descumprimento do prazo estabilizador deve acarretar apenas o pagamento de indenização por danos emergentes, uma vez que tal prazo tem por função amortizar os custos dispendidos pelo denunciatário com a execução no contrato, na expectativa de que seriam recuperados.
Com relação ao descumprimento do prazo de aviso prévio, entende-se que este ensejará o pagamento de indenização por lucros cessantes correspondentes ao tempo que deveria ter sido concedido de aviso prévio.
Xxxxxx, o fundamento do dever de aviso prévio é permitir que o destinatário da denúncia reorganize ou redirecione os seus negócios enquanto continua usufruindo das receitas advindas do contrato, a fim de se preparar para a sua extinção209.
208 Apelação cível nº 0109819-53.2006.8.26.0100, Des. Rel. Xxxxx xx Xxxxxxxx, 19ª Câmara de Direito Privado. Julgado em 06/06/2016.
209 Deve-se destacar que, para o reconhecimento da ocorrência de lucros cessantes, não basta a mera possibilidade de realização de lucro. Nesse sentido, já se manifestou o STJ: “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. LITERALIDADE DA LEI. VIOLAÇÃO. CONTRATO BANCÁRIO. AÇÃO REVISIONAL CUMULADA COM PEDIDO DE REPARAÇÃO CIVIL. LUCROS CESSANTES. POSTULADO DA RAZOABILIDADE. ART. 402 E 403 DO CÓDIGO CIVIL. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. NECESSIDADE. CÉDULA DE CRÉDITO
Conclusão
Como visto ao longo desta dissertação, a resilição unilateral é considerada forma excepcional de extinção dos contratos, pois contraria o princípio da obrigatoriedade do contrato e só pode ser exercida nos casos em que a lei expressa ou implicitamente a permita.
Os casos em que a lei expressamente a permite se referem a contratos cuja própria natureza admite a resilição unilateral, por se basearem em uma especial relação de confiança, como o comodato, o mandato e o depósito. Os casos em que a lei implicitamente a permite são os contratos de longa duração com prazo indeterminado, nos quais a possibilidade de resilição impede que se tornem perpétuos.
A resilição unilateral, embora usualmente associada a outras figuras, como a resolução, o distrato e a denúncia, não se confunde com elas, pois tem fundamentos e funções diferentes.
A extinção do contrato mediante resolução se dá por inexecução de um dos
INDUSTRIAL. JUROS. CAPITALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Ação rescisória visando à rescisão de acórdão proferido em ação revisional de contrato de mútuo cumulada com pedido de indenização por perdas e danos em decorrência do atraso na liberação de algumas parcelas do financiamento. 2. A ação rescisória fundada em erro de fato pressupõe que a decisão tenha admitido um fato inexistente ou tenha considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido, mas, em quaisquer dos casos, é indispensável que não tenha havido controvérsia nem pronunciamento judicial sobre ele (art. 966, § 1º, do CPC/2015). 3. A violação de literal disposição de lei que autoriza o ajuizamento de ação rescisória é aquela que enseja flagrante transgressão do "direito em tese". 4. A configuração dos lucros cessantes exige mais do que a simples possibilidade de realização do lucro, requer probabilidade objetiva e circunstâncias concretas de que estes teriam se verificado sem a interferência do evento danoso. 5. Reconhecimento dos lucros cessantes fundado em referências genéricas ao laudo pericial, sem a necessária demonstração da relação de interdependência entre os dados colhidos na perícia e o dano supostamente advindo do atraso no repasse dos recursos financeiros. 6. Hipótese em que as respostas do expert, devidamente transcritas no acórdão recorrido, além da imprecisão resultante da reiterada utilização do adjetivo "provável", servem apenas para a comprovação de que houve atraso no repasse de algumas parcelas do financiamento, fato sobre o qual não há nenhuma controvérsia, valendo, ainda, para sustentar a mera probabilidade de que essa mora tenha contribuído para o atraso na implantação do empreendimento. 7. Não se pode conceber que o reconhecimento da existência de lucros cessantes no importe de R$ 1.919.182,23 (um milhão, novecentos e dezenove mil, cento e oitenta e dois reais e vinte e três centavos), em valores de fevereiro de 2002, não esteja apoiado em fundamentos sólidos, notadamente na hipótese em que o empreendimento ainda estava em fase de implantação, ou seja, ainda não havia iniciado seu estágio produtivo. 8. Não pode subsistir a condenação ao pagamento de lucros cessantes baseada em meras conjecturas e sem fundamentação concreta, dada a flagrante ofensa à literalidade dos arts. 93, IX, da CF/1988, 458, II, do CPC/1973 e 402 e 403 do Código Civil. 9. Desde que não seja considerada abusiva, é válida a capitalização dos juros nas cédulas de crédito industrial, mesmo em se tratando de contrato de adesão submetido às normas do Código de Defesa do Consumidor, nos termos da Súmula nº 93/STJ. 10. Recurso especial provido” (STJ, Recurso Especial nº 1.655.090 - MA, Relator Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx, Terceira Turma, julgado em 04/04/2017).
contratantes; a resilição tem como causa a simples manifestação da vontade de uma das partes, excluída a possibilidade de inadimplemento; e o distrato tem como causa a manifestação de vontade de ambas as partes.
Ainda que a resilição seja um direito potestativo, atualmente se reconhece a necessidade de submetê-lo a um juízo de abusividade e merecimento de tutela que tem como fundamento o princípio da boa-fé objetiva. Tal princípio influencia amplamente os contratos de longa duração por prazo indeterminado, como é o caso da grande maioria dos contratos sujeitos à resilição unilateral.
Essa forte influência se justifica pelo fato de que, nos contratos de longa duração por tempo indeterminado, há intensa necessidade de colaboração entre as partes, a fim de se garantir a consecução da finalidade contratual, de modo que as partes investem, às vezes continuamente, na relação. Tal fato também gera uma legítima expectativa de que o contrato não será denunciado abruptamente.
Assim, para a denúncia de tais relações, torna-se necessário observar se foi concedido prazo razoável de aviso prévio e se transcorreu tempo necessário para amortização dos investimentos feitos pelo denunciatário, denominado de prazo estabilizador.
Com relação ao dever de aviso prévio para o exercício do direito à resilição de contratos duradouros, este é previsto por diversas normas do Código Civil, como, por exemplo, o artigo 599, que versa sobre o contrato de prestação de serviço; o artigo 720, que trata do contrato de agência e distribuição e o artigo 835, a respeito da fiança.
O prazo estabilizador também é previsto no ordenamento jurídico, tal como ocorre com o artigo 720 do Código Civil e o artigo 34 da Lei nº 4.886/1965.
A função do dever de aviso prévio é permitir que o destinatário da denúncia tenha tempo de se preparar para a resilição unilateral, reorganizando ou redirecionando seus negócios no intuito de minimizar prejuízos, ou seja, conferir tempo hábil para adoção de atos de encerramento do contrato.
O fundamento do dever de observar o transcurso do prazo estabilizador é permitir que os investimentos feitos pelo denunciatário sejam amortizados.
Como a norma do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil não permite inferir com clareza a restrição temporal a que se refere — se ao prazo mínimo de duração do contrato ou ao prazo de aviso prévio —, a jurisprudência incorre em grande confusão entre as funções do dispositivo legal.
Assim é de se afirmar que deve ser concedido aviso prévio para que o denunciatário possa amortizar os investimentos feitos para a execução contratual, como também se entende que o contrato resilido antes de transcorrido tempo mínimo deve ser prolongado para que a parte se prepare para a sua extinção. Justamente o contrário do escopo das funções do aviso prévio e do prazo estabilizador acima elucidadas.
Sobre os critérios para a definição do tempo razoável de aviso prévio e do prazo estabilizador, deve-se verificar, primeiramente, a existência de cláusula contratual ou lei fixando tal prazo para o contrato em questão. Em caso positivo, a avaliação da razoabilidade do prazo deve partir do estabelecido na lei ou no contrato para, em seguida, se verificar se os fatos apresentados justificam a sua dilação. Desse modo, quanto maior o prazo de duração do contrato, mais longo deve ser o prazo de aviso prévio, por haver maior expectativa de continuidade do contrato.
Sob a perspectiva do prazo estabilizador, quanto mais curta for a duração do contrato, para o qual tiverem sido feitos investimentos, maior deverá ser a dilação do prazo.
Outros critérios aventados para a configuração do prazo razoável são: a existência de exclusividade do contrato e as especificidades do mercado em que atuam as partes, que poderão fazer com que o denunciatário necessite de mais prazo para conquistar novos parceiros e retomar sua atividade.
Com relação aos “investimentos consideráveis”, como critério para definição do prazo, mencionaram-se, ao longo da dissertação, os seguintes parâmetros: (i) existência de vinculação dos investimentos à natureza do contrato: custos recorrentes, usuais e não vultosos que pertençam ao cotidiano e à normalidade da atividade não estão abrangidos pela proteção; (ii) existência de vinculação dos investimentos à execução do contrato: apenas investimentos realizados especificamente para a execução do contrato denunciado estão protegidos; (iii) adequação comercial: investimentos que não foram realizados de acordo com um padrão de mercado e com o critério do comerciante ativo e probo não devem ser protegidos, pois a regra não se presta a sanar más escolhas empresariais; e (iv) a não recuperabilidade dos investimentos: investimentos que, com a extinção da
relação, não possam ser reutilizados ou vendidos.210
Descumprido o dever de conceder aviso prévio razoável ou resilido o contrato antes de decorrido tempo mínimo para amortização dos investimentos, deve-se indagar qual a forma mais efetiva de reparação dos danos causados ao denunciatário.
Embora o entendimento doutrinário majoritário seja no sentido de que a medida prioritária, para fins de aplicação do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, é a que possibilita a prorrogação compulsória do contrato, como visto, é possível que o interesse do denunciatário seja alcançado por meio do recebimento do valor que auferiria caso o aviso prévio, ou o prazo estabilizador, se essa for a causa da abusividade da denúncia, fossem cumpridos.
O pagamento de indenização permitirá ao denunciatário se preparar para o encerramento do contrato, inclusive dispondo de mais tempo por não ter que cumprir as obrigações decorrentes do contrato, ou amortizar os investimentos realizados.
Do ponto de vista do denunciante, evita-se o risco de que sofra danos decorrentes da insatisfação do denunciatário com o término da relação contratual e de eventual comportamento desidioso de sua parte.
Verificou-se que é escassa a doutrina a respeito dos danos materiais que devem ser indenizados. Os autores que tratam do tema afirmam, sem fundamentar, que tanto o descumprimento do prazo estabilizador quanto o descumprimento do dever de aviso prévio acarretam indenização por danos emergentes e lucros cessantes.
Na jurisprudência, tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto dos Tribunais Estaduais, há julgados a respeito do descumprimento do prazo estabilizador e do dever de aviso prévio. Não obstante, tais decisões também não fundamentam devidamente os motivos pelos quais ora reconhecem apenas a ocorrência de lucros cessantes, ora reconhecem apenas a ocorrência de danos emergentes e ora reconhecem a ocorrência de ambos.
Como exposto, nesta dissertação entende-se que o descumprimento do prazo
210 XXXXXXX, Xxxxxx. Aviso prévio e investimentos: o parágrafo único do art. 473 CC, AGIRE Direito Privado em Ação, 04 jul. 2022. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx/x/xxxxx00. Acesso em 05.07.2022.
estabilizador deve acarretar o pagamento de indenização por danos emergentes, uma vez que tal prazo tem por função amortizar os custos dispendidos pelo denunciatário com a execução no contrato, na expectativa de que seriam recuperados.
O descumprimento do prazo de aviso prévio, por sua vez, deve ensejar o pagamento de indenização por lucros cessantes pelo período de tempo que deveria ter sido concedido de aviso prévio, pois o fundamento do dever de aviso prévio é permitir que o destinatário da denúncia reorganize os seus negócios enquanto continua usufruindo das receitas advindas do contrato.
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