PARTE II
PARTE II
a) ANÁLISE DOS CONTRATOS ENVIADOS PELO MF/PGFN:
O Ministério da Fazenda enviou à CPI1 cópias de instrumentos contratuais resgatados junto à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional2. Relativamente ao período analisado neste capítulo - de 1970 a 1982 – constam 108 contratos de endividamento externo que compreendem operações de crédito externo com aval da União, contraídas pelo setor público junto a bancos públicos, privados, organismos internacionais e totalizam o montante de US$ 9,024 bilhões.
Considerando que o Banco Central informou que o total de ingressos3 no período de 1970 a 1982 somam US$ 114 bilhões, os contratos enviados pelo MF/PGFN constituem uma ínfima parte do valor contratado no período, correspondente a apenas 7,92% dos empréstimos. Tal discrepância é significativa, mesmo ponderando-se que tais US$ 114 bilhões incluem a dívida externa do setor privado, de estados e dos municípios.
A CPI elaborou uma planilha com os contratos recebidos do Ministério da Fazenda4. Para análise foram selecionados, por amostragem, os cinco contratos de maior valor no período, dentre os contratos enviados à CPI:
DATA | VALOR (US$)5 | DEVEDOR | CREDOR | PROJETO FINANCIADO |
23/07/1976 | 746.298.762 | Furnas Centrais Elétricas SA | KFW – Kreditanstalt Fur Wiederaufbau | Usinas nucleares Angra 2 e Angra 3 |
24/10/1978 | 700.000.000 | Cia Siderúrgica de Tubarão | Bank of Tokyo e outros | Contrato de empréstimo enviado à CPI não informa |
27/10/1982 | 600.000.000 | Companhia Vale do Rio Doce | Bank of America | Contrato de empréstimo enviado à CPI não informa |
28/07/1980 | 400.000.000 | Eletrobrás | Morgan & CIA | Contrato de empréstimo enviado à CPI não informa |
21/06/1982 | 300.000.000 | Eletrobrás | Bank of America e outros | Contrato de empréstimo enviado à CPI não informa |
SOMA | 2.746.298.762 |
A amostra de apenas 5 contratos selecionados dentre os enviados pela PGFN é bastante significativa, pois corresponde a 30,43% do valor dos 108 contratos enviados à CPI, relativos ao período analisado de 1970 a 1982.
1 Aviso no. 326/MF, de 28/09/2009, com Memorando PGFN/PGA no. 4848/2009, de 25/09/2009
2 Procuradoria Geral da Fazenda Nacional é o órgão responsável pela autorização dos empréstimos externos, conforme Decreto 24.036/34, art. 104, letra “d”
3 Cifra decorrente da soma dos “Desembolsos” anuais informados na Tabela Dívida Externa Total elaborada pelo Banco Central para atender à CPI, Ofício 8982009-BCB-Secre, de 03/11/2009, e Nota Técnica Depec-2009/248, de 30/10/2009
4 Planilha juntada no Anexo IV da presente Análise Preliminar
5 Moedas distintas do dólar foram convertidas para o dólar norte-americano mediante a utilização dos parâmetros disponíveis no site do Federal Reserve Bank xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx/XXXXXXXX/X00/Xxxx/xxxxxxx0000.xxx, na data do contrato.
Consultando os pareceres jurídicos da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional que foram encaminhados à CPI6, correspondentes aos referidos contratos constata-se que somente o parecer relativo ao endividamento de Furnas apresenta maiores detalhes do projeto financiado e das operações de crédito decorrentes de Acordo de Cooperação Técnica. Os outros quatro pareceres são bem resumidos e informam, de maneira genérica, a destinação dos recursos, conforme quadro a seguir. As taxas de juros pactuadas eram variáveis:
DEVEDOR | DESCRIÇÃO DA DESTINAÇÃO DOS RECURSOS CONSTANTE DO PARECER DA PGFN | TAXA DE JUROS PACTUADA |
Furnas Centrais Elétricas SA | Destinado ao financiamento de bens e serviços para unidades Angra 2 e Angra 3 , da Central Nuclear Almirante Xxxxxx Xxxxxxx...decorrente do Acordo entre o Brasil e a Rep. Federal da Alemanha sobre Cooperação no Campo dos Usos Pacíficos de energia Nuclear, feito em Bonn, Alemanha, em 27 de junho de 1975 | - Parcial I de DM 350 milhões: taxa de 7,25 a. a - Parcial II de DM 1.850 milhões: as taxas serão fixadas pelo Kreditanstald em 1 de março, 1 de junho, 1 de setembro e 1 de dezembro de cada ano civil |
Cia Siderúrgica de Tubarão | Destinado a financiar parte das despesas decorrentes da construção de usina siderúrgica em Tubarão, Espírito Santo | 1 ¼% acima da LIBOR para a tranche A e 1 3/8% para as tranches B |
Companhia Vale do Rio Doce | Para o financiamento parcial do Programa Carajás-Ferro | Não informada no Parecer da PGFN. Cópia do contrato enviado pela PGFN faltando justamente as páginas 2 e 3 das quais xxxxxxxxxx as taxas pactuadas |
Eletrobrás | Para aplicação no financiamento parcial da construção de usinas hidrelétricas no Brasil | 1 3/8% a. a. acima da LIBOR |
Eletrobrás | Destinado a financiar em parte os custos com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, como parte integrante do programa de expansão dos sistemas elétricos do país, a cargo da Eletrobrás | Alternativas: - 1 7/8 a. a. acima da maior entre: a) PRIME RATE do Agente, ajustada a “pari passu” b) Média semanal dos certificados de depósito para 90 dias, no mercado secundário, ajustada de acordo com os “current mandatory reserve requirements and FDIC insurance premiuns” - 2 1/8% a. a. sobre a LIBOR semestral cotada pelos bancos de referência |
Observou-se, adicionalmente, a cobrança de taxas diversas e onerosas, de compromisso (cobradas sobre o valor não liberado do empréstimo), de contratação, de crédito, além de cláusulas que elegem foro estrangeiro, dentre outras, cuja quantificação não foi possível nessa fase dos trabalhos, mas constitui tarefa necessária, ainda a ser realizada. A análise de outros contratos encontra-se em elaboração e demonstra a necessidade de realização de auditoria dos processos de contratação do crédito externo, com acesso a outros elementos além do contrato, tendo em vista que este, em muitos casos, é peça estritamente financeira e sua análise isolada não permite verificar a finalidade do crédito, nem a efetiva destinação dos recursos, como no caso de quatro dentre os cinco contratos selecionados acima.
6 Aviso nº. 393/MF, Memorando PGFN/PGA nº. 5449, de 03/11/2009
A maioria dos instrumentos contratuais enviados pelo MF/PGFN à CPI corresponde a contratações junto ao Banco Mundial, BID e BIRD, conforme indicado na listagem elaborada a partir das cópias enviadas, constante do Anexo IV à presente análise Preliminar. Em termos de valor, a parcela mais relevante coube às empresas estatais, que respondem por cerca de 64% do valor dos empréstimos constantes dos contratos enviados à CPI pelo MF/PGFN, no período de 1970 a 1982.
A CPI buscou informações junto ao Ministério do Planejamento sobre os empréstimos e respectiva destinação dos recursos tomados pelas empresas estatais, a partir de 1970 até 2000, tendo em vista a atribuição legal da Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais – SEST, que reunia amplos poderes de controle sobre as fontes e os usos dos recursos das estatais. Em atendimento ao Requerimento de Informações 55/09, aquele Ministério informou à CPI7 que “este Departamento dispõe das informações requeridas somente a partir de 1995, data da implantação do Programa de Dispêndios Globais – PDG no Sistema de Informação das Estatais - SIEST” e que “os controles exercidos por este Departamento sobre os empréstimos tomados por estatais restringem-se apenas ao aspecto orçamentário anual, não dispondo, assim, do valor da moeda estrangeira nem das justificativas para os empréstimos contraídos.”
Diante dessa deficiência nos arquivos da Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais – SEST, não foi possível aprofundar a investigação sobre o endividamento das estatais na década de 70 e 80, período em que a participação dessas empresas – que foram submetidas ao processo de privatização na década de 90 - foi extremamente relevante, o que demanda a necessidade de realização da auditoria da dívida prevista na Constituição Federal.
Considerando que os contratos disponibilizados pelo MF/PGFN justificam apenas uma pequena parte (7,85%) do endividamento do período analisado no presente capítulo – 1970 a 1982 - a fim de subsidiar os trabalhos da CPI recorremos à pesquisa de atos legais publicados, tendo localizado diversos decretos autorizativos de contratação de operação de crédito externo, conforme análise a seguir.
b) ANÁLISE DE DECRETOS AUTORIZATIVOS DE EMPRÉSTIMOS EXTERNOS
Os decretos autorizativos de contratação de operação de crédito externo localizados, relativos ao período de 1970 a 1980, foram relacionados no Anexo I da presente análise preliminar. Da leitura dos respectivos atos, depreende-se que os mesmos não contêm o necessário detalhamento das operações e teriam que ser analisados juntamente com os contratos respectivos.
Procedendo-se ao cotejo dos mencionados decretos relacionados no Anexo I da presente análise preliminar com o conjunto de contratos enviados a esta CPI da Dívida Pública pelo MF/Procuradoria Geral da Fazenda Nacional8, verificou-se que foram
7 Memorando nº. 253/2009/MP/SE/DEST, de 12 de novembro de 2009.
8 Aviso 326/MF de 28/09/2009, juntamente com Memorando PGFN/PGA 4848, de 25/09/2009
enviados os contratos correspondentes a apenas 7 (sete) decretos listados no Anexo I9. Diante disso, foi solicitado ao Banco Central e ao Ministério da Fazenda o envio dos contratos faltantes10, cujo pedido foi parcialmente atendido pelo Ministério da Fazenda em 11 de dezembro de 200911.
Os empréstimos autorizados por meio dos mencionados decretos indicados no Anexo I somam a cifra de US$ 8,520 bilhões12, quantia que justifica apenas 7,4% dos ingressos informados na tabela “Dívida Externa Total”, enviada pelo Banco Central a esta CPI13, o que demonstra a necessidade de aprofundamento dos trabalhos para o esclarecimento das cifras relacionadas à origem do endividamento externo na década de 70 (mesmo considerando que tal Xxxxxx “Divida Externa Total” inclui o endividamento externo privado, e de estados e municípios).
Dentre os decretos autorizativos de contratação de crédito externo no período, foram selecionados aqueles relativos à autorização para emissão de bônus da dívida externa brasileira, tendo em vista que a análise dos relatórios14 das comissões anteriores, do Congresso Nacional, não chegaram a abordar esse aspecto do endividamento externo brasileiro.
Justamente em meio à excessiva abundância de recursos no mercado financeiro internacional, o Brasil efetuou a emissão de Títulos da Dívida Externa no exterior, por meio de instituições financeiras privadas na década de 70, em relevantes montantes, cujos títulos seriam controlados pelo Banco Central, conforme relação de Decretos selecionados por amostragem:
9 Os 7 contratos enviados somam US$ 1.118.928.693 e dentre estes encontra-se o contrato no valor de US$ 700 milhões que faz parte da amostra de 5 contratos objeto desta análise
10 Ofício no. 117/09-P, dirigido ao Banco Central e Ofício 118/09-P dirigido ao Ministro da Fazenda, que reitera a solicitação constante do Requerimento de Informações no. 11, letra “b”, votado pela CPI.
11 Aviso Nº. 480/MF, com o Memorando PGFN/PGA/Nº. 6123, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional
12 Valores de moedas distintas foram convertidas para o dólar norte-americano mediante a utilização dos parâmetros disponíveis no site do Federal Reserve Bank xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx/XXXXXXXX/X00/Xxxx/xxxxxxx0000.xxx, na data da edição de cada Decreto.
13 Tabela da Dívida Externa total envidada a esta CPI, e reproduzida no Anexo III da presente análise preliminar que aponta total de ingressos no montante de US$ 114 bilhões
14 Análise dos relatórios das comissões anteriores objeto do Capítulo I do presente Informe
CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS EXTERNOS MEDIANTE A EMISSÃO DE TÍTULOS CONTROLADOS PELO BANCO CENTRAL | |||||||
DECRETO | DATA | VALOR | MOEDA | FINALIDADE | CREDOR EXTERNO | CONTRA- TANTE | GARAN- TIDOR |
70.130 | 07/02/72 | 30.000.000,00 | US$ | Fins previstos no art. 8º da Lei nº 5.000, de 24/05/1966. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Deutsche Bank, como lider de um Sindicato de Bancos | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
71.084 | 12/09/72 | 100.000.000,00 | DM | Para fins previstos no artigo 8º, da Lei nº 5.000, de 24 de maio de 1966. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Sindicato de bancos liderados pelo Deutsche Bank | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
31.359.759,16 (*) | US$ | ||||||
71.315 | 06/11/72 | 35.000.000,00 | US$ | Para fins previstos no artigo 1º, da Lei nº 1.518, de 24 de dezembro 1951, e no artigo 8º, da Lei nº 5.000, de 24 de maio de 1966. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Sindicato de instituições financeiras norte- americanas liderado por Xxxxxx Read & Xx.Xxx., Kuhn Loeb & Co., e Lazard Frères & Co. | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
72.863 | 28/09/73 | 10.000.000.000,00 | Y | Para os fins previstos no artigo 1º da Lei nº 1.518, de 24 de dezembro de 1951, e no artigo 8º, da Lei nº 5.00, de 24 de maio de 1966. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de instituições financeiras japonesas lideradas por The Namura Securities Co. Ltd., The Daiwa Securities Co. Ltd. e Yamaichi Securities Co. Ltd. | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
37.650.602,41(*) | US$ | ||||||
75.020 | 02/12/74 | 25.000.000,00 | US$ | Para os fins previstos no art. 1º, item 1, do Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de banqueiros liderados pela Kuwait Investment Company S.A.K., Arab Finance Corporation S.A.L., e Intra Investment Company S.A.L. | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS EXTERNOS MEDIANTE A EMISSÃO DE TÍTULOS CONTROLADOS PELO BANCO CENTRAL | |||||||
DECRETO | DATA | VALOR | MOEDA | FINALIDADE | CREDOR EXTERNO | CONTRA- TANTE | GARAN- TIDOR |
76.553 | 05/11/75 | 75.000.000,00 | US$ | Para os fins previstos no art. 1º, item 1, do Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de instituições financeiras lideradas por Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxx, Fenner & Smith Incorporated e Banco do Brasil S/A | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
78.247 | 16/08/76 | 10.000.000.000,00 | Y | Para os fins previstos no art. 1º, do item 1, do Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de instituições financeiras japonesas lideradas por The Namura Securities Co. Ltd., The Daiwa Securities Co. Ltd., Yamaichi Securities Co. Ltd. e Nikko Securities Co. Ltd. | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
34.440.005,51 (*) | US$ | ||||||
78.313 | 26/08/76 | 100.000.000,00 | DM | Para formações de reservas internacionais, em moeda estrangeira, nos termos do artigo 8º do Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de instituições financeiras lideradas pelo Deutsche Bank Aklengellschaft | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
39.649.498,43 (*) | US$ | ||||||
78.940 | 15/12/76 | 75.000.000,00 | US$ | Formação de reservas internacionais em moeda estrangeira nos termos do artigo 8º do Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de entidades financeiras lideradas pelo Deutsche Bank Aktiengessellschaft, Frankfurt, Alemanha. | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
79.551 | 19/04/77 | 150.000.000,00 | DM | Nos termos do Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de instituições financeiras lideradas pelo Deutsche Bank Akltiengesselschaft, Frankfurt, Alemanha | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
63.269.782,35 (*) | US$ |
CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS EXTERNOS MEDIANTE A EMISSÃO DE TÍTULOS CONTROLADOS PELO BANCO CENTRAL | |||||||
DECRETO | DATA | VALOR | MOEDA | FINALIDADE | CREDOR EXTERNO | CONTRA- TANTE | GARAN- TIDOR |
79.904 | 04/07/77 | 75.000.000,00 | US$ | Para os fins previstos no art. 1º, item I, do Decreto-Lei número 1.312, de 15 de fevereiro de 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de instituições financeiras lideradas por Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxx, Fenner & Smith Incorporated, Deutshe Bank Aktiengesellschaft, The First Boston Corporations, Salomon Brothers, Banque Nationale de Paris, Union Bank of Switzerland (Securities) Limited e Banco do Brasil S.A. (Ag. Londres) | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
80.555 | 11/10/77 | 20.000.000.000,00 | Y | Para os fins previstos no art. 1º, do item 1, do Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974. § 1º e §2º. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de Instituições financeiras liderado por The Nomura Securities Co. Ltd., Daiwa Securities Co. Ltd., The Nikko Securities Co. Ltd., e Yamaichi Scurities Co. Ltda. | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
77.579.519,01 (*) | US$ | ||||||
80.763 | 21/11/77 | 100.000.000,00 | SwFr | Para fins previstos no art. 8º, do Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de instituições financeiras , sob a liderança de Swiss Bank Corporation, Union Bank os Switzerland e Swiss Credit Bank. | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
45.479.352,37 (*) | US$ | ||||||
81.211 | 12/01/78 | 200.000.000,00 | DM | Termos do Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Entidades financeiras lideradas pelo Deutsche Bank Aktiengesselschaft. | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
93.839.440,72 (*) | US$ | ||||||
81.680 | 18/05/78 | 75.000.000,00 | DFls | Para fins previstos no art. 8º, do Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de Instituições financeiras lideradas pelo Algemene Bank Nederland NV | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
US$ | |||||||
82.492 | 27/10/1978 | 100.000.000,00 | SwFr | Para fins previstos no art. 8º, do Decreto-lei | Grupo de Instituições financeiras lideradas pelo Union Bank of | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS EXTERNOS MEDIANTE A EMISSÃO DE TÍTULOS CONTROLADOS PELO BANCO CENTRAL | |||||||
DECRETO | DATA | VALOR | MOEDA | FINALIDADE | CREDOR EXTERNO | CONTRA- TANTE | GARAN- TIDOR |
66.489.361,70 (*) | US$ | nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Switzerland, Swiss bank Corp. e Swiss Credit Bank | ||||
82.819 | 11/12/1978 | 150.000.000,00 | DM | Para fins previstos no Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de Instituições financeiras lideradas pelo Deutsche Bank Aktiengesellschaft | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
78.851.916,10 (*) | US$ | ||||||
83.050 | 17/01/1979 | 40.000.000.000,00 | Y | Para fins previstos no art. 1º, do item I, do Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de instituições financeiras japonesas lideradas por The Namura Securities Co. Ltd., The Daiwa Securities Co. Ltd., Yamaichi Securities Co. Ltd. e Nikko Securities Co. Ltd. | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
203.252.032,52 (*) | US$ | ||||||
83.694 | 05/07/1979 | 200.000.000,00 | DM | Termos do Decreto-lei nº 1.312, de 15 de fevereiro 1974. Os títulos da dívida externa emitidos serão controlados pelo Banco Central | Grupo de Instituições financeiras lideradas pelo Deutsche Bank Aktiengesellschaft | Ministro da Fazenda | República Federativa do Brasil |
104.302.477,18 (*) | US$ | ||||||
SOMA US$ 1.266.163.747,46 |
(*) Para possibilitar a soma dos montantes dos títulos da dívida externa emitidos por meio dos decretos acima listados, as emissões de títulos que constavam em moedas distintas foram convertidas para o dólar norte-americano mediante a utilização dos parâmetros disponíveis no site do Federal Reserve Bank xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx/XXXXXXXX/X00/Xxxx/xxxxxxx0000.xxx, na data da edição do decreto.
Mediante Requerimento de Informações no. 59/09 a CPI solicitou informações acerca do valor efetivamente auferido pelo Brasil por meio das emissões de títulos da dívida externa objeto dos precitados decretos, sobre as condições financeiras dos títulos emitidos - valor das comissões e taxas cobradas pelas instituições financeiras intermediárias, e demais condições não detalhadas nos citados decretos - bem como o valor e demais condições de resgate e os controles que o Banco Central efetuou em cumprimento aos respectivos decretos.
Cumpre ressaltar, adicionalmente, que não haviam sido encaminhados a esta CPI, pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional15, os contratos correspondentes às emissões de títulos objeto dos decretos acima listados, no montante de US$ 1,266
15 Memorando PGFN/PGA/No. 4848/2009, de 25.09.2009, enviado com Aviso no. 326/MF de 28.09.2009 em atendimento ao Requerimento de Informações no. 11.
bilhão, tendo sido reiterado o pedido especificamente em relação aos mesmos mediante Ofício nº 118/09-P, desta CPI. As precitadas operações de emissão de títulos da dívida externa na década de 70 não foram objeto de nenhuma das comissões anteriores do Congresso Nacional.
Conforme assinalado no quadro acima, todos os decretos dispunham que os títulos emitidos seriam controlados pelo Banco Central. Em 03.12.2009 o Banco Central entregou16 resposta ao Requerimento nº. 59. Relativamente aos registros contábeis relacionados ao “controle” dos títulos da dívida externa emitidos com base nos decretos listados no quadro acima, informou o seguinte:
“II – uma vez que os registros dos títulos da dívida externa na contabilidade não foram realizados de forma segregada para cada um dos decretos discriminados no ofício, não foi possível estabelecer correspondência entre os decretos e cada uma das contas;”
Na mesma data, o Banco Central enviou a Nota Técnica Desig/Gabin-07/200917, à qual foi juntado um quadro demonstrativo, no qual foram prestadas as informações solicitadas sobre os títulos da dívida externa objeto dos decretos localizados, sem, contudo disponibilizar qualquer documento de respaldo para tais informações. Cumpre ressaltar que os contratos relativos a essas operações já haviam sido requeridos por meio do Requerimento 11/09, tendo o Banco Central informado à CPI o seguinte18:
“Contratos de emissões de títulos da dívida externa brasileira por intermédio de bancos privados internacionais a partir de 1970, vigentes e liquidados: conforme entendimentos com o Ministério da Fazenda/STN, esse item será atendido por aquele Ministério, que detém todas as informações a respeito.”
Juntamente com a resposta ao requerimento de informações nº. 59 foi enviada grande quantidade de cópias de demonstrativos contábeis em retificação e substituição a informações contábeis anteriormente prestadas por meio da Nota Técnica Deafi- 2009/54, que por sua vez são referentes ao Requerimento nº. 44. O pedido de substituição de informações contábeis anteriormente prestadas denota inconsistência das informações previamente apresentadas à CPI, o que demanda o aprofundamento das investigações.
Em 11.12.2009 o Ministério da Fazenda enviou à CPI o Aviso Nº. 480/MF, com o Memorando PGFN/PGA/Nº. 6123, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, e documentação anexa ao mesmo, em resposta aos Ofícios 118 e 119/09-P.
Analisando-se os documentos enviados, relacionados aos decretos acima listados, depreende-se que dentre os 19 decretos de emissão dos títulos da dívida externa na década de 70, constam apenas 6 contratos assinados e, ainda assim, sem a identificação do representante brasileiro ou faltando folhas do contrato, conforme indicado no quadro seguinte, referente à conferência dos documentos enviados.
16 Ofício 980.2/2009-BCB-Secre, juntamente com Nota Técnica Deafi-2009-61, de 26.11.2009
17 Ofício 980.2/2009-BCB-Secre, ao qual foi também anexada a Nota Técnica Desig/Gabin-07/2009
18 Ofício 783/2009-BCB-Secre e Nota Técnica Derin-2009/121, de 23.09.2009
Verificou-se que nos demais casos foram enviadas apenas minutas de contratos ou apenas cópia de oferta no exterior, conforme quadro a seguir, restando apenas parcialmente atendido o requerimento de informações da CPI. Das cópias enviadas, foram examinadas as condições delas constantes, conforme também indicado no mesmo quadro a seguir:
Análise dos documentos enviados pelo MF/PGFN-Aviso 480 | ||||
Decreto | Valor | Moeda | Documento enviado | Condições pactuadas |
70.130 | 30.000.000,00 | US$ | Cópia assinada; Contrato de emissão de títulos no valor de DM 100 milhões | Emissão por 96,5%; Bancos poderiam ofertar por 99%; Diferença de 2,5% ficaria para bancos e “comissões de praxe em favor de terceiros”; Juros de 6,75%; Todas as despesas, taxas e comissões, inclusive despesas jurídicas; Comissões de 0,25% sobre pagamentos de juros e 0,125% sobre pagamento de principal e 0,10% sobre pagamento de principal e juros ao agente pagador |
71.084 | 100.000.000,00 | DM | Cópia de outro contrato de 1976, 4 anos após o decreto. | Emissão a 96,3/4%, mas bancos podem oferecer até por 99,25 %; Diferença de 2,5% destinada aos bancos; Juros de 8,75 %; Todos os recursos necessários para o cumprimento do contrato; Comissões de 0,25% sobre pagamentos de juros e 0,125% sobre pagamentos de principal |
31.359.759,16 (*) | US$ | |||
71.315 | 35.000.000,00 | US$ | Minuta sem assinaturas de acordo datado de 29/06/1978, portanto não correspondente ao decreto | |
72.863 | 10.000.000.000,00 | Y | Minuta sem assinaturas | Juros de 8,25%; Comissão Agente 0,3 % dos juros e 0,2 % do valor de face do principal |
37.650.602,41 (*) | US$ | |||
75.020 | 25.000.000,00 | US$ | Minuta sem assinaturas | Minuta com espaços em branco, sem especificar as condições |
76.553 | 75.000.000,00 | US$ | Cópia de outra oferta em que o agente era Manufacures Hannover Trust Company of NY no valor de $ 50 milhões, juros de 10% | |
78.247 | 10.000.000.000,00 | Y | Minuta sem assinaturas | Emissão por 99% do valor de face; Comissão de 1,9%; Juros 9% a.a.; Todas as despesas + Y 18.500.000,00 |
34.440.005,51 (*) | US$ | |||
78.313 | 100.000.000,00 | DM | Cópia apenas de oferta no exterior, datada de 27/07/1977 no valor de $85.000.000,00 | Emissão por 98% do valor de face; Juros 9%; Condiçõess dos bônus – faltando folhas da oferta |
39.649.498,43 (*) | US$ | |||
78.940 | 75.000.000,00 | US$ | Minuta sem assinaturas, datada de 12/05/1976, anterior ao decreto, no valor de $ 50.000.000,00 | Juros de 10%; Comissão de 10% |
79.551 | 150.000.000,00 | DM | Minuta sem assinaturas | Emissão de 97 5/8% do valor de face; |
Análise dos documentos enviados pelo MF/PGFN-Aviso 480 | ||||
Decreto | Valor | Moeda | Documento enviado | Condições pactuadas |
63.269.782,35 (*) | US$ | Juros de 7,75 E31%; Comissão de 2 3/8%; Todas despesas e taxas; Comissões de 0,25% sobre pagamentos de juros e 0,125% sobre pagamentos de principal | ||
79.904 | 75.000.000,00 | US$ | Minuta sem assinaturas. "oferta no exterior em 30/06/77, anterior ao decreto. Min. Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx | A minuta enviada não contém as condições financeiras da emissão, tendo indicado apenas espaços em branco |
80.555 | 20.000.000.000,00 | Y | Contrato com assinatura, faltando folhas | Emissão por 99,95%; Comissão de serviços 0,15%; Juros 9,2%; Despesas |
77.579.519,01 (*) | US$ | |||
80.763 | 100.000.000,00 | SwFr | Cópia assinada, sem identificação da assinatura do representante do Brasil. | Emissão por 99,5%; Juros de 5%; Comissão de 2,5% para serviços; Comissão de Agente de 0,5%; Comissão de 0,25% para listas; 2,15% de taxas suíças |
45.479.352,37 (*) | US$ | |||
81.211 | 200.000.000,00 | DM | Cópia do contrato em alemão, contendo assinaturas | Emissão por 97,625 %, mas os bancos poderiam ofertar por 100% e a diferença ficaria para os bancos; Juros de 6,75 %; Todas as despesas, taxas; Comissão de Agente de 0,25% sobre juros e 0,125% sobre pagamentos de principal |
93.839.440,72 (*) | US$ | |||
81.680 | 75.000.000,00 | Dfls | Cópia assinada, sem identificação da assinatura do representante do Brasil | Emissão por 99,5%; Juros de 7,5%; Comissão de Agente 0,5%; Comissão Bancos e Dealers 1% |
35.254.999,33 | US$ | |||
82.492 | 100.000.000,00 | SwFr | Cópia assinada, sem identificação da assinatura do representante do Brasil | Emissão por 99,5%; Juros de 4,25%; Comissão de 2,5% despesas; Comissão 0,5% Agente; Comissão 0,25% lista; 0,755 sobre juros; 0,30% sobre principal |
66.489.361,70 (*) | US$ | |||
82.819 | 150.000.000,00 | DM | Cópia de outra oferta feita em 1980 | |
78.851.916,10 (*) | US$ | |||
83.050 | 40.000.000.000,00 | Y | Cópia com assinaturas, apenas de contrato com agentes comissionados no valor de Y 30 bilhões - divergente do decreto - sem identificação do representante do Brasil | |
203.252.032,52 (*) | US$ | |||
83.694 | 200.000.000,00 | DM | Cópia apenas de oferta no exterior datada de 30/01/1978, um ano e meio anterior ao decreto | |
104.302.477,18 (*) | US$ | |||
TOTAL | US$ 1.226.418.746,79 |
As condições negociadas nas emissões de títulos se mostraram excessivamente onerosas, tendo em vista o volume de comissões pactuadas além das taxas de juros.
Observa-se, adicionalmente, inconsistência em relação à informação prestada pelo Banco Central no quadro anexo à Nota Técnica Desig/Gabin-07/2009, na qual informou que o valor efetivamente ingressado no país teria correspondido a 100% dos valores aprovados nos respectivos decretos. Da leitura dos documentos enviados pela PGFN à CPI, depreende-se que em quase todos os casos o valor da emissão dos títulos ficou abaixo dos 100%, conforme indicado no quadro acima. A referida contradição constitui sério indício de falta de controle interno, confirmada pelo próprio Banco Central por meio do Ofício 980.2, onde informou que “não foi possível estabelecer correspondência entre os decretos e cada uma das contas”, embora fosse o órgão designado, por decreto, para controlar os títulos da dívida externa então emitidos.
c) RESOLUÇÕES DO SENADO FEDERAL
A outra fonte de informação a que recorremos a fim de buscar as justificativas para o elevado endividamento dos anos 70 até 1982 foram as Resoluções do Senado Federal que aprovaram a contratação de crédito externo, conforme tabela constante do Anexo V à presente análise preliminar. Constata-se que o Senado analisou somente dívidas contratadas por estados e municípios que totalizaram a cifra de US$ 7,015 bilhões no período analisado. Tal cifra justificaria apenas 6,1% dos ingressos informados na tabela “Dívida Externa Total”, enviada pelo Banco Central a esta CPI19.
d) INFORMAÇÕES PRESTADAS PELO BANCO CENTRAL
O Banco Central enviou à CPI20 arquivo magnético contendo planilha de dados identificados como “Endividamento externo registrado”, “Operações do setor público, sem garantia do Governo Federal, registradas no período: 1970 a fev/2001”. Somando- se os valores das operações ali indicadas, relativas ao período analisado, de 1970 a 1982, obtém-se o montante de US$ 16,957 bilhões.
A planilha enviada pelo Banco Central à CPI por meio do Ofício 945 continha apenas as seguintes informações: número do certificado de registro, data, valor, moeda, devedor, credor e país, não identificando o objetivo do empréstimo nem as condições pactuadas. Foi então reiterado o pedido mediante Ofício 121/09-P, de 25.11.2009, por meio do qual a CPI solicitou informações sobre a fonte dos dados indicados na planilha enviada, bem como cópia dos registros originais; as condições básicas dos empréstimos (taxa de juros e prazo de amortização), a natureza dos empréstimos e o agente fiscal; a relação entre os empréstimos listados na mesma e as operações de curto prazo, que haviam sido informados apenas por saldo na tabela da Dívida Externa Total, e cópias de alguns contratos.
Em resposta, o Banco Central informou21 o documento relativo à fonte dos dados somente a partir de 1996 (para operações de importação financiada) e 2001 (para
19 Tabela da Dívida Externa total envidada a esta CPI, e reproduzida no Anexo III da presente análise preliminar que aponta total de ingressos no montante de US$ 114 bilhões no período de 1970 a 1982. Mesmo considerando-se que esta tabela inclui o endividamento externo privado, além do de estados e municípios.
20 Ofício 0945/2009-BCB/Secre, de 17.11.2009
21 Ofício 1006/2009-BCB-Secre, de 9 de dezembro de 2009 e Nota Técnica Desig/Gabin-10/2009
empréstimos em moeda), quando passou a ser realizado registro no Sistema de Registro Declaratório Eletrônico (RDE) – Módulo de Registro de Operação Financeira (ROF). Não informou o documento relativo à fonte dos dados informados anteriores a essas datas, como havia sido solicitado pela CPI, mencionando apenas o mecanismo de emissão de certificados numerados sequencialmente e inclusão em sistemas informatizados, sem especificar os respectivos sistemas ou livros antes existentes. Nessa oportunidade, foi enviado novo CD à CPI, no qual foram incluídas as colunas relativas às condições pactuadas (taxa de juros) e natureza dos empréstimos.
Analisando-se os dados enviados pelo Banco Central, relativos às operações do setor público, sem garantia do Governo Federal, registradas no período de 1970 a 1982, objeto do presente capítulo, constatou-se que 86,4% do valor dos empréstimos foram tomados a taxas flutuantes22 e apenas 13,6% dos valores foram tomados a taxas fixas.
Em relação à natureza de tais empréstimos, verificou-se que 54% dos empréstimos se destinaram a “capital de giro” e 36% corresponderam a empréstimos tomados por bancos para repasse. Os outros 10% eram referentes a financiamento de importações (7%) e outros tipos de empréstimos junto ao BID ou emissão de títulos.
Constata-se, assim, que os dados dessa amostra de dados de dívidas sem aval da União enviadas pelo Banco Central à CPI demonstram a opção adotada no período, de buscar recursos no plano externo, assumindo-se os riscos inerentes às oscilações de variáveis alheias ao controle interno – câmbio e taxas de juros – como se verificou na prática.
Embora já tivesse sido solicitada a especificação da natureza e condições dos empréstimos informados, conforme acima descrito, em 27.11.2009 o Banco Central entregou à CPI23 outro arquivo em meio magnético contendo “os registros existentes no Banco Central, referentes ao Registro de Empréstimos Externos, a exemplo da Relação dos Certificados de Registro de Capitais Estrangeiros registrados junto ao FIRCE (publicados em Boletim mensal do BC), diferenciando-se os relativos às operações originais e às decorrentes de transferências ou renovações de operações já registradas”.
A planilha enviada indicava apenas o número do registro, data, valor, moeda, devedor, credor e país, não identificando o objetivo do empréstimo nem as condições pactuadas, não permitindo análise acerca da natureza do endividamento. Tal como na planilha anteriormente enviada, não se sabe se estariam aí incluídas operações de curto prazo, que foram informadas apenas por saldo na tabela da Dívida Externa Total.
A CPI reiterou o pedido para a complementação dos dados relativos aos empréstimos24, para que fossem acrescentadas informações sobre a natureza jurídica do devedor e do credor, o garantidor e encargos acessórios, tendo o Banco Central enviado à CPI planilha eletrônica em CD contendo informações adicionais25.
22 LIBOR em 85,34% dos casos, PRIME em 0,94% e outras em 0,12%
23 Ofício 975/2009-BCB-Secre, de 26.11.2009
24 Ofício 156/10-P, de 18/01/2010
25 Ofício 049/2010-BCB/Secre, de 27/01/2010 e Nota Técnica Desig/Gabin-03/2010
O Requerimento xx. 00/00, xxxxx “x”, xxxxx solicitado a cópia completa dos Registros de Contratos (Acordos e demais Compromissos, Notas, Empréstimos) de Dívida Externa efetuados junto ao Banco Central (em forma de livro, fichas ou outro instrumento), no período de 1970 até 2008. O envio das planilhas eletrônicas pelo Banco Central, em resposta ao referido requerimento, ainda não permite uma análise completa sobre a origem do endividamento, o que demandaria aprofundamento das investigações. O que foi possível verificar foi a relevância dos empréstimos tomados pelo setor privado internacional, conforme mencionado a seguir, no presente capítulo.
Outra fonte de informação consultada pela CPI foram os Relatórios publicados pelo Banco Central, que evidenciam a relevância das contratações de empréstimos em moeda, amparados na Lei 4.131 no período, conforme demonstrado em gráfico no item 1.2.2.1, cujo controle ficava inteiramente a cargo do Banco Central.
e) RELEVÂNCIA DO SETOR PRIVADO INTERNACIONAL ENTRE OS DEVEDORES DA DÍVIDA EXTERNA BRASILEIRA NA DÉCADA DE 70:
Visando a obter dados sobre a natureza do endividamento, foram pesquisados outros aspectos relevantes relacionados ao crescimento da dívida externa, em sua origem, tais como os empréstimos intercompanhias e o endividamento privado.
A CPI de 198326 chegou a indicar que tais empréstimos constituiriam um dos aspectos de ilegitimidade da dívida:
“Um outro componente da dívida externa cuja legitimidade caberia questionar é o endividamento das filiais de empresas estrangeiras com suas matrizes ou agentes financeiros associados.”
Conforme tabela a seguir27, o endividamento externo crescente na década de 70 iniciou-se com forte participação do setor privado, que em 1972 representava 75,1% dos ingressos referentes a empréstimos em moeda realizados ao amparo da Lei 4.131/62:
26 Relatório da CPI de 1983 – Objeto de Análise Preliminar no. 4, apresentada aos parlamentares da atual CPI da Dívida Pública
27 “Dívida Externa e Política Econômica”, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx, Instituto de Economia da UNICAMP, 1999, pág. 114
Empréstimos em moeda (Lei n. 4131/62) | ||||||||||
Estrutura dos ingressos brutos anuais segundo a propriedade do capital tomador | ||||||||||
1972/81 | ||||||||||
Discriminação | 1972 | % | 1973 | % | 1974 | % | 1975 | % | 1976 | % |
US$106 | US$106 | US$106 | US$106 | US$106 | ||||||
Público | 623,1 | 24,9 | 1.130,9 | 39,7 | 1.098,0 | 35,3 | 1.900,9 | 50,4 | 1.953,3 | 51,1 |
Privado | 1.874,4 | 75,1 | 1.718,3 | 60,3 | 2.011,5 | 64,7 | 1.872,1 | 49,6 | 1.872,7 | 48,9 |
Total | 2.497,5 | 100,0 | 2.849,2 | 100,0 | 3.109,5 | 100,0 | 3.773,0 | 100,0 | 3.826,0 | 100,0 |
Discriminação | 1977 | % | 1978 | % | 1979 | % | 1980 | % | 1981 | % |
US$106 | US$106 | US$106 | US$106 | US$106 | ||||||
Público | 2.500,5 | 51,5 | 5.317,4 | 60,2 | 6.642,9 | 76,8 | 3.687,0 | 76,6 | 5.285,5 | 69,6 |
Privado | 2.356,9 | 48,5 | 3.511,5 | 39,8 | 2.007,4 | 23,4 | 1.124,1 | 23,4 | 2.311,1 | 30,4 |
Total | 4.857,4 | 100,0 | 8.828,9 | 100,0 | 8.650,3 | 100,0 | 4.811,1 | 100,0 | 7.596,6 | 100,0 |
Fonte dos dados brutos: Registros efetuados junto à fiscalização e registro de capitais estrangeiros – FIRCE, do Banco Central do Brasil |
É importante ressaltar, inicialmente, que a tabela acima, extraída da publicação referenciada, revela que os registros disponíveis no FIRCE-Banco Central continham muitas outras informações além das enviadas à CPI por meio das planilhas relativas a “Operações do setor público, sem garantia do Governo Federal” e a “os registros existentes no Banco Central, referentes ao Registro de Empréstimos Externos”.
A partir da análise da tabela acima, constata-se que o total de ingressos da dívida externa pública por meio da Lei 4.131/62 – que exigia a formalização de contrato e era autorizada pelo Banco Central – atingiu R$ 21 bilhões somente no período de 1972 a 1979.
No que se refere à dívida externa privada, o volume de empréstimos em moeda tomados ao amparo da Lei 4.131/62 alcançou a relevante cifra de US$ 17,2 bilhões no período de 1972 a 1979, sendo que grande parte deste valor foi tomado por empresas internacionais sediadas no Brasil, como se analisa a seguir.
É relevante ressaltar que ao detalhar a composição do “Setor Privado” que recorreu a empréstimos externos depreende-se que este era predominantemente composto por instituições estrangeiras privadas, conforme tabela a seguir28, que demonstra a participação do Setor Privado Externo nas captações de empréstimos no período de 1972 a 1981:
28 “Dívida Externa e Política Econômica”, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx, Instituto de Economia da UNICAMP, 1999, página 119
Empréstimos em moeda (Lei n. 4131) | ||||||||||
Captações brutas anuais realizadas pelo setor privado, segundo a propriedade do capital do tomador | ||||||||||
1972/81 | ||||||||||
Discriminação | 1972 | % | 1973 | % | 1974 | % | 1975 | % | 1976 | % |
US$106 | US$106 | US$106 | US$106 | US$106 | ||||||
Setor Privado | 1874,4 | 75 | 1718,3 | 60 | 2011,5 | 65 | 1872,1 | 50 | 1872,7 | 49 |
Privado Nacional (*) | 680,6 | 27 | 655,6 | 23 | 431,8 | 14 | 234,8 | 6,2 | 139,5 | 3,6 |
Privado Externo (*) | 1193,8 | 48 | 1062,7 | 37 | 1579,7 | 51 | 1637,3 | 43 | 1733,2 | 45 |
Internacionais (*) | 1004 | 40 | 860,2 | 30 | 1330,9 | 43 | 1384,7 | 37 | 1511,3 | 40 |
Estrangeiras (*) | 47,5 | 1,9 | 68,4 | 2,4 | 121,3 | 3,9 | 75,5 | 2 | 49,7 | 1,3 |
Conglomerados (*) | 37,5 | 1,5 | 19,8 | 0,7 | 52,9 | 1,7 | 109,4 | 2,9 | 53,6 | 1,4 |
Joint- Ventures (*) | 104,8 | 4,2 | 114 | 4 | 74,6 | 2,4 | 67,7 | 1,8 | 118,6 | 3,1 |
Setor Público | 623,1 | 25 | 1130,9 | 40 | 1098 | 35 | 1900,9 | 50 | 1953,3 | 51 |
Total | 2497,5 | 100 | 2849,2 | 100 | 3109,5 | 100 | 3773 | 100 | 3826 | 100 |
Discriminação | 1977 | % | 1978 | % | 1979 | % | 1980 | % | 1981 | % |
US$106 | US$106 | US$106 | US$106 | US$106 | ||||||
Setor Privado | 2356,9 | 49 | 3511,5 | 40 | 2007,4 | 23 | 1124,1 | 23 | 2311,1 | 30 |
Privado Nacional (*) | 292,6 | 6 | 465,5 | 5,3 | 554,1 | 6,4 | 176,2 | 3,7 | 427,7 | 5,6 |
Privado Externo (*) | 2064,3 | 43 | 3046 | 35 | 1453,3 | 17 | 947,9 | 20 | 1883,4 | 25 |
Internacionais (*) | 1695,2 | 35 | 2357,3 | 27 | 1228,3 | 14 | 500,4 | 10 | 1459,9 | 19 |
Estrangeiras (*) | 63,1 | 1,3 | 53 | 0,6 | 8,7 | 0,1 | 43,3 | 0,9 | 61,3 | 0,8 |
Conglomerados (*) | 97,1 | 2 | 282,5 | 3,2 | 138,4 | 1,6 | 120,3 | 2,5 | 164,1 | 2,2 |
Joint- Ventures (*) | 208,9 | 4,3 | 353,2 | 4 | 77,9 | 0,9 | 283,9 | 5,9 | 198,1 | 2,6 |
Setor Público | 2500,5 | 52 | 5317,4 | 60 | 6642,9 | 77 | 3687 | 77 | 5285,5 | 70 |
Total | 4857,4 | 100 | 8828,9 | 100 | 8650,3 | 100 | 4811,1 | 100 | 7596,6 | 100 |
(*) Valores estimados a partir da amostra do setor privado. Fonte dos dados brutos: Registros efetuados junto à fiscalização e registro de capitais estrangeiros – FIRCE, do Banco Central do Brasil |
Tais instituições e empresas multinacionais passaram a utilizar fortemente os empréstimos provenientes de bancos privados internacionais como uma ferramenta não somente de aumentar ganhos financeiros, mas também visando a escapar da tributação sobre remessas de lucros vigente à época:
“Além das vantagens quanto a prazos e custos, os empréstimos em moeda nos moldes da Lei n. 4131 mostraram-se especialmente atrativos às empresas de capital externo, de vez que passaram a representar o mecanismo de burla das restrições quanto à remessa de lucros originária de investimentos estrangeiros realizados no país.29”
A relevância dos empréstimos tomados pelo SETOR PRIVADO ao amparo da Lei 4.131, em comparação com o total de ingressos desta modalidade e, por sua vez, desta em relação ao total de ingressos da dívida externa no período são demonstradas na tabela a seguir. A tabela compara os dados compilados por Xxxxxxxx (em base a registros disponibilizados pelo FIRCE/Banco Central) com a informação prestada pelo Banco Central à atual CPI da Dívida Pública, relativa aos “Desembolsos” anuais relativos à Dívida Externa Total30:
Ano | Ingressos Anuais (Dívida Externa contratada ao amparo da Lei 4.131) | Total Ingressos Anuais (Dívida Externa Total informado pelo Banco Central) | Participação percentual dos ingressos anuais amparados pela Lei 4.131, no total de Ingressos da Dívida Externa (%) | Ingressos Anuais SETOR PRIVADO (Dívida Externa contratada ao amparo da Lei 4.131) | Participação percentual dos ingressos anuais do SETOR PRIVADO amparados pela Lei 4.131, no total de Ingressos desta Lei (%) | |
I | II | III = I/II | IV | V = IV/I | ||
1972 | 2.497,5 | 4.375,0 | 57,09% | 1.874,4 | 75,05% | |
1973 | 2.849,2 | 4.555,0 | 62,55% | 1.718,3 | 60,31% | |
1974 | 3.109,5 | 7.058,0 | 44,06% | 2.011,5 | 64,69% | |
1975 | 3.773,0 | 6.136,0 | 61,49% | 1.872,1 | 49,62% | |
1976 | 3.826,0 | 8.042,0 | 47,58% | 1.872,7 | 48,95% | |
1977 | 4.857,4 | 8.766,0 | 55,41% | 2.356,9 | 48,52% | |
1978 | 8.828,9 | 14.284,0 | 61,81% | 3.511,5 | 39,77% | |
1979 | 8.650,3 | 11.992,0 | 72,13% | 2.007,4 | 23,21% | |
1980 | 4.811,1 | 12.440,0 | 38,67% | 1.124,1 | 23,36% | |
1981 | 7.596,6 | 18.123,0 | 41,92% | 2.311,1 | 30,42% |
Fonte: Colunas I e IV: Dados compilados por Xxxxxxxx Xxxx: Fonte dos dados brutos: Registros efetuados junto à fiscalização e registro de capitais estrangeiros – FIRCE, do Banco Central do Brasil. Coluna II: Nota Técnica Depec- 2009/248, de 30/10/2009, enviada à CPI com Ofício 898/2009-BCB/Secre, de 03/11/2009 pelo Banco Central do Brasil
Constata-se, a partir dos dados demonstrados, que interesses de instituições financeiras, bancos privados internacionais e empresas multinacionais sediadas no Brasil, aliados ao impressionante excesso de liquidez existente no mercado financeiro internacional foram fatores determinantes para o crescimento da dívida externa brasileira, sem contrapartida em bens e serviços ao país, o que representa significativo dano ao patrimônio público, conforme cálculo estimado em US$ 223 bilhões, demonstrado nos itens seguintes do presente capítulo.
29 “Dívida Externa e Política Econômica”, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx, Instituto de Economia da UNICAMP, 1999, pág. 130
30 Nota Técnica Depec-2009/248, de 30/10/2009, enviada com Ofício 898/2009-BCB/Secre, de 03/11/2009
Embora comissões parlamentares que analisaram o endividamento externo no Congresso Nacional tenham abordado os temas do excesso de liquidez internacional e da co-responsabilidade dos credores na acumulação da dívida externa brasileira, conforme trechos dos relatórios finais destacados a seguir, nenhuma medida concreta foi tomada a partir dessas constatações, cabendo à atual CPI da Dívida Pública resgatar esses importantes aspectos presentes na origem do endividamento externo brasileiro, com reflexos na evolução da mesma:
“As causas imediatas que explicam o crescimento da liquidez internacional, numa primeira fase, após 1950, são os persistentes déficits incorridos pelos EUA nas suas contas externas e no conseqüente acúmulo de grandes saldos financeiros nos Bancos Centrais dos países mais desenvolvidos e também nas empresas transnacionais, que se tornam ainda mais expressivas quando o governo norte-americano decide suspender a convertibilidade do dólar em ouro”31.
“Os dados disponíveis demonstram que os déficits comerciais dos países desenvolvidos para com os países produtores-exportadores de petróleo foram repassados, via superávits comerciais, aos países em desenvolvimento não- exportadores de petróleo. O possível confronto entre os países produtores- exportadores e os países consumidores de petróleo foi evitado, assim, pelo endividamento dos países em desenvolvimento, através da reciclagem dos petrodólares.” (...) “O engajamento dos países em desenvolvimento nesse processo foi possibilitado, obviamente, pelos bancos internacionais, que concediam os empréstimos; endossado pelo FMI, que acompanhava a avaliava, anualmente, as economias dos seus membros; e, encorajado pelos governos dos países credores, que deram apoio político à estratégia de crescimento econômico com financiamento externo. Torna-se evidente, desta perspectiva, que a crise da dívida externa do Terceiro Mundo envolve a co- responsabilidade dos devedores e dos credores.”32
É importante ressaltar que embora a captura de economia brasileira pelos bancos privados também tenha sido amplamente abordada pelas comissões parlamentares anteriores, conforme trecho destacado a seguir (que acusa a significativa predominância da atuação dos bancos privados na dívida externa brasileira), nenhuma das comissões anteriores cuidou de efetuar a conciliação entre os montantes registrados do endividamento externo com os valores objeto dos “refinanciamentos” realizados a partir de 1983, sendo fundamental o aprofundamento dos trabalhos de investigação:
31 CPI da Dívida em 1983 - Relatório Final votado em setembro de 1984, de autoria do Deputado Xxxxxxxxx Xxxx, Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito criada mediante o Requerimento nº 8/83 destinada a apurar as causas e conseqüências do elevado endividamento brasileiro e o acordo FMI/Brasil. Projeto de Resolução Nº 338, de 1985, publicado no Diário do Congresso Nacional de 03/09/1985, Suplemento. – Resumo objeto de Análise preliminar no. 4, apresentada à atual CPI.
32 Relatório FHC No. 1/1989 - Relatório Final da “Comissão Especial do Senado Federal para a Dívida Externa”, criada mediante Requerimento Nº 17/1987 para “examinar a questão da dívida externa brasileira e avaliar as razões que levaram o Governo a suspender o pagamento dos encargos financeiros dela decorrentes, nos planos interno e externo”, cujo Relatório Final apresentado pelo Senador Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx foi aprovado na referida Comissão Especial em 23 de agosto de 1989 (página 6). – Resumo objeto de Análise preliminar no. 1, apresentada à atual CPI.
“Com o crescimento da liquidez internacional, a partir dos anos 70, em mãos principalmente dos agentes financeiros privados formados por cerca de 1500 bancos, a estrutura da dívida dos países em desenvolvimento se altera em direção do sistema Financeiro Internacional não governamental. No caso do Brasil, esse sistema torna-se credor de 87% da dívida registrada, a maior parte contratada em moeda e a taxas de juros flutuantes.”33
Essa captura atingiu não somente o Brasil, mas várias outras nações que aceitaram servir de receptáculo para o excesso de recursos financeiros existentes em poder dos bancos privados internacionais e permitiram o forte ingresso desses recursos sob a forma de empréstimos a taxas flutuantes. Segundo Xxxxxxxx:
“Nesse sentido, a economia brasileira, ao elevar seus níveis de endividamento externo, nada mais fez do que acompanhar um movimento geral que envolveu diferentes economias “em desenvolvimento” num momento em que o euromercado buscava novos clientes fora dos Estados Unidos e Europa. Por outras palavras, a economia brasileira foi “capturada”, juntamente com várias outras economias, num movimento geral do capital financeiro internacional em busca de oportunidade de valorização.”34
I.2.2.3 - CONCLUSÕES SOBRE A NATUREZA DA DÍVIDA NO PERÍODO 1970-1982
Diante do exposto, mesmo recorrendo às diversas fontes de informação antes mencionadas, a investigação sobre a natureza do endividamento no período de 1970 a 1982 foi apenas parcial, tendo em vista a deficiência de documentos disponibilizados à CPI.
Das análises efetuadas, foi possível concluir que a parcela mais relevante do endividamento externo brasileiro no período 1970 a 1982 foi a dívida contraída junto a bancos privados internacionais, que ofereciam taxas de juros aparentemente atraentes, porém, flutuantes, além de períodos de carência. O forte crescimento da dívida externa no período iniciou com forte componente de dívidas do setor privado, seguida de expressivo endividamento das empresas estatais, que foram objeto de privatização na década seguinte.
A documentação disponibilizada à CPI comprovou o impressionante endividamento de empresas estatais, correspondente a cerca de 64%35 do valor total dos contratos disponibilizados pelo MF/PGFN e a 73%36 do valor total dos decretos localizados, bem como a utilização de taxas flutuantes na imensa maioria dos contratos de estatais enviados pelo MF/PGFN.
33 CPI da Dívida em 1983 – Relatório Final
34 “Dívida Externa e Política Econômica”, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx, Instituto de Economia da UNICAMP, 1999, página 24
35 Anexo IV à presente Análise Preliminar
36 Anexo I à presente Análise Preliminar
Os dados informados pelo Banco Central por meio das planilhas enviadas à CPI, relativas aos “registros existentes no Banco Central, referentes ao Registro de Empréstimos Externos”37, constituem importante fonte de informação a ser aprofundada, tendo em vista que os dados parciais indicam que o Banco Central era o principal órgão de controle do endividamento externo no período, marcado principalmente por empréstimos realizados com base na Lei 4.131/62 e Resolução 63, que representavam a maior parcela da dívida contraída no período, conforme gráfico elaborado por essa assessoria.
Finalmente, não foi possível efetuar a conciliação entre os dados obtidos nas diversas fontes de informações analisadas, acima mencionadas, com as estatísticas apresentadas pelo Banco Central38, tendo em vista que as estatísticas não foram apresentadas de forma segregada por tipo de dívida, como solicitado pela CPI, e os dados dos relatórios anuais publicados pelo Banco Central divulgaram apenas dados relativos aos estoques dessas dívidas e ainda possuíam divergências em relação aos dados estatísticos apresentados pelo Banco Central à CPI39.
A dificuldade em justificar incrementos da dívida externa brasileira foi mencionada em livro publicado por Xxxxxxxx Xxxx que, referindo-se ao significativo incremento da dívida externa no biênio 1977/78, revelou que “somados os déficits das contas de mercadorias e de serviços produtivos chega-se a um déficit global de US$ 3,8 bilhões no biênio (...) na verdade, a pressão para a tomada de empréstimo, descontada a contribuição líquida do ingresso de capital de risco, não supera a marca dos US$ 2,7 bilhões. O confronto desse valor com os US$ 13,5 bilhões relativos à contratação líquida de capitais de empréstimo deixa evidente que o acréscimo da dívida ocorrido no período novamente pouco tem a ver com o financiamento do ‘hiato de recursos’. Ou, por outras palavras, revela o caráter predominantemente financeiro da tomada de novos recursos externos.”40
Verificando-se a tabela “Indicadores Externos” constante do Anexo Estatístico do Livro recentemente publicado pelo Tesouro Nacional41, constata-se que de fato o saldo da Dívida Externa Bruta saltou de US$ 37.952 milhões em 1977 para US$ 52.187 milhões em 1978, apresentando um incremento de 73% (US$ 14.235 milhões) de um ano para o outro. Importante notar que a mencionada tabela publicada pela STN não informa a parcela da dívida do setor privado e do setor público responsável por esse relevante acréscimo. Tal informação só passou a constar da referida tabela a partir de 1979, quando a dívida externa total apresentou o saldo de US$ 55.803 milhões, sendo US$ 32.364 milhões do setor público e US$ 23.439 milhões do setor privado.
37 Ofícios 945 e 975 BCB/Secre, complementados com Ofício 049/2010 BCB/Secre
38 Anexo III à presente Análise Preliminar
39 Divergências indicadas no Requerimento de Informações nº. 72, item 3, explicadas pelo BC como sendo referentes a parcelas de dívidas de curto prazo não registradas no BC.
40 “Dívida Externa e Política Econômica”, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx, Instituto de Economia da UNICAMP, 1999, página 29
41 “Dívida Pública: A Experiência Brasileira”, vários autores, dentre os quais colaboradores do Tesouro Nacional e do Banco Mundial, publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional, 2009, Tabela à Página 467.
Especialmente no ano de 1979, há indícios sobre a contratação de um “empréstimo jumbo”42 diretamente pelo Tesouro Nacional junto a um pool de bancos internacionais. Conforme Requerimento de Informações nº. 54/09, da atual CPI da Dívida Pública, foram solicitadas informações sobre o referido empréstimo à Secretaria do Tesouro Nacional, não tendo o mesmo sido respondido até a presente data.
Todas as dificuldades em obter informação, aliadas às inconsistências entre dados obtidos constituem evidências acerca da necessidade de aprofundamento das investigações e a realização da auditoria da dívida prevista na Constituição Federal, especialmente devido ao fato de que as negociações com bancos privados internacionais ocorridas na década seguinte corresponderam meramente a renegociações dessas dívidas originais.
I.3 - RELAÇÃO ENTRE O CRESCIMENTO DA DÍVIDA INTERNA NA DÉCADA DE 70, EM DECORRÊNCIA DA ACELERAÇÃO DO ENDIVIDAMENTO EXTERNO, E A VIABILIZAÇÃO DE GANHOS ESPECULATIVOS
É importante ressaltar como o endividamento público tem historicamente propiciado ganhos especulativos impressionantes por parte do setor privado, cabendo transcrever trecho de importante depoimento do Prof. Xxxxxx Xxxxx à CPI da Dívida de 1983, no qual mencionou dados exatamente do período 1977/78, quando se verificou relevante elevação do estoque da dívida, como mencionado em item anterior da presente análise preliminar.
Adicionalmente, é importante observar as circunstâncias de elevação de taxas de juros internas, que provocou o crescimento acelerado da dívida interna no período analisado, ao mesmo tempo em que permitiu vultosos ganhos especulativos:
“A descrição da relação entre endividamento externo e interno no período é bem sumariada no depoimento do Professor Xxxxxx Xxxxx na CPI, do qual pode ser extraído o seguinte trecho cuja frase final, com uma bela imagem poética, resume toda a dramaticidade dos dois grandes vetores da atual crise: “Em 1977/78 a nossa política econômica passou a estimular o endividamento externo como uma decisão de política econômica. É o período em que Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, como Ministro, pratica a seguinte política: internamente, ele eleva violentamente o patamar da taxa de juros e busca reduzir o custo dos recursos contratados externamente. Ele o faz apertando internamente a circulação monetária, usando os mecanismos de refinanciamento da dívida interna para forçar a taxa de juros para cima, liberando de qualquer controle a taxa de juros interna e, externamente, mantendo a taxa de câmbio brasileira correndo por baixo da taxa de inflação. Volta a crescer o endividamento externo, apesar de o Brasil não ter, no biênio 77/78, nenhum desequilíbrio comercial. Durante esse período, as piores dimensões da armadilha especulativa já estão
42 “Dívida Externa e Política Econômica”, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx, Instituto de Economia da UNICAMP, 1999, pág. 117
inteiramente visíveis. Durante esses anos especular em cruzeiros tem um prêmio, dado que é possível, endividando-se em moeda estrangeira, ganhar uma diferença expressiva por aplicações financeiras internas. Pura e simplesmente um empréstimo externo é contratado e aplicado no mercado financeiro interno e com o ganho de uma expressiva diferença. Claro que, ao fazer isso, quando entram dólares, está se expandindo a quantidade de cruzeiros. Ao expandir a quantidade de cruzeiros, a política monetária enxuga os cruzeiros, a dívida pública cresce, aumenta a circulação de títulos. Todo o sistema está se inchando especulativamente.... Durante esse período é como se tivesse dado o empurrão definitivo nas duas bolas de neve. A bola de neve da dívida externa e a bola de neve da dívida pública interna se despregaram das encostas das montanhas e passaram, a partir daí, a rolar alucinadamente”.
“É claro que a montagem desse sistema de atrelamento, favorecendo a entrada de recursos, fossem quais fossem as condições externas e fossem quais fossem as conseqüências da entrada, só seria possível através de um entrelaçamento de interesses entre os agentes governamentais, os banqueiros, nacionais e internacionais, e todos os intermediários e especuladores.”
O excesso de liquidez externa e a busca de ganhos especulativos contribuiu para o agravamento do processo inflacionário brasileiro, ou seja, o crescimento da inflação interna na década de 70 foi uma conseqüência direta do excesso de empréstimos externos com viés estritamente financeiro, promovendo o desarranjo das contas internas, conforme analisado pela CPI da Dívida de 1983:
“Um determinante para o processo de endividamento do Terceiro Mundo foi a farta disponibilidade de divisas no mercado financeiro internacional à procura de aplicação rentável.
...
... ao invés de ser imputada a desvios ou erros da política monetária, a inflação assume um sentido internacional de adiar a crise da realização do capital, que não encontra aplicações produtivas nos países desenvolvidos. Concomitantemente a proliferação dos investimentos diretos, as aplicações puramente financeiras nos países do Terceiro Mundo passam a constituir-se em alternativa de aplicação desse excesso de liquidez, cujo montante irá crescer substancialmente com elevados excedentes de divisas gerados em decorrência da elevação de preços do petróleo.43”
43 Relatório Final votado em setembro de 1984, de autoria do Deputado Xxxxxxxxx Xxxx, Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito criada mediante o Requerimento nº 8/83 destinada a apurar as causas e conseqüências do elevado endividamento brasileiro e o acordo FMI/Brasil. Projeto de Resolução Nº 338, de 1985, publicado no Diário do Congresso Nacional de 03/09/1985, Suplemento.
I .4 – IMPACTO DO AUMENTO UNILATERAL DAS TAXAS DE JUROS
No presente item se analisa o impacto da elevação unilateral das taxas de juros internacionais que, conforme cálculos projetados pela CPI, foi estimado um dano ao patrimônio público de cerca de US$ 223 bilhões, cujo ressarcimento deveria ser buscado pelos órgãos competentes.
Ao final de 1979 se verificou o acirramento da elevação unilateral da taxa de juros por decisão unilateral do Federal Reserve Bank norteamericano (que estipulava o valor da “Prime” em um movimento conjunto com uma Associação de bancos privados de Londres que definiam a “Libor”). O comportamento idêntico dessas taxas é evidenciado no gráfico seguinte. Cabe ressaltar que a conformação acionária do Federal Reserve Bank se constitui por doze bancos federais, que por sua vez estão absolutamente controlados pelas corporações financeiras mais importantes dos Estados Unidos, como Chase Manhattan Bank, Citibank, Goldman Sachs, JP Morgan, Bank of America44. Este fato demonstra a inter-relação da banca privada internacional a nível mundial, evidenciada no gráfico a seguir.
Gráfico - Taxa de Juros Internacionais
Segundo o princípio Rebus sic Stantibus previsto no Direito Internacional, o incremento significativo das taxas de juros internacionais representa um cambio
44 Identificados no caso Xxxxx vs. Estados Unidos (Registro Federal, 2ª Serie, volume 680, pág. 1239, 1982. A Corte declarou: “Cada Banco da Reserva Federal é uma corporação separada possuída por bancos comerciais em sua região. Os bancos comerciais com participação acionária elegem dois terços dos nove membros da Junta Diretiva de cada banco.
fundamental de circunstancias, o que permite ao devedor questionar seus pagamentos, conforme artigo 62 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 196945.
O impacto da elevação dos juros pode ser medido tomando-se a série agregada da Dívida Externa Total (pública e privada), no período de 1970 a 2008, enviada pelo Banco Central46, que apresentou o saldo final da dívida externa a cada ano, após indicar os empréstimos, amortizações e outros fatores. A tabela também indica os juros devidos, pagos, refinanciados (ou seja, pagos por meio de novos empréstimos) e atrasados a cada ano.
Tomando-se a tabela enviada pelo Banco Central, foi realizada uma simulação47, supondo-se que as taxas de juros tivessem sido mantidas em 6% ao ano, patamar no qual estavam antes da alta unilateral das taxas de juros pelos EUA a partir de finais dos anos 70. Em tal simulação, considerou-se que os juros pagos e refinanciados (ou seja, pagos por meio de novos empréstimos) além de 6% do estoque inicial da dívida em cada ano foram utilizados para o pagamento do principal da dívida.
Desta forma, chegou-se ao seguinte gráfico, que mostra o brutal impacto da alta unilateral das taxas de juros pelos EUA, que provocou o crescimento exponencial da dívida. Caso as taxas de juros tivessem sido mantidas em 6% ao ano, toda a dívida externa teria sido paga em 2005, e hoje o país ainda teria um crédito de US$ 25 bilhões frente aos credores internacionais. Essa estimativa demonstra uma perda de cerca de US$ 223 bilhões, o que evidencia a necessidade de aprofundar as investigações a fim de buscar o ressarcimento dos danos provocados ao patrimônio público.
45 Artigo 62
Mudança Fundamental de Circunstâncias
1. Uma mudança fundamental de circunstâncias, ocorrida em relação àquelas existentes no momento da conclusão do tratado e não prevista pelas partes, não pode ser invocada como causa para a extinção ou a retirada do tratado, a menos que:
a) a existência dessas circunstâncias tenha constituído uma condição essencial do consentimento das partes em se obrigarem pelo tratado; e
b) essa mudança tenha por efeito a transformação radical da natureza das obrigações ainda pendentes de cumprimento em virtude do tratado.
3. Se, nos termos dos parágrafos anteriores, uma parte pode invocar uma mudança fundamental de circunstâncias como causa para a extinção ou retirada do tratado, pode também invocá-la para suspender a execução do tratado.
46 Informações enviadas por meio do Ofício 898/2009-BCB/Secre, que enviou a Nota Técnica DEPEC – 2009/248, dia 3 de novembro de 2009. Cabe ressaltar que o Banco Central não incluiu os chamados empréstimos intercompanhias na tabela enviada. Daí o fato de que o estoque da dívida externa em 2008 tenha sido de somente US$ 198 bilhões, e não US$ 267 bilhões, conforme consta em outra tabela do Banco Central.
47 Anexo II à presente Análise Preliminar
Dívida Externa Total (Pública e Privada) – US$ Milhões
Fonte: Nota Técnica DEPEC – 2009/248. Elaboração própria.
Dados disponíveis no Anexo II à Análise Preliminar Nº. 5 da CPI da Dívida Pública.
Apesar de o Brasil ter pago, a título de juros e amortizações, US$ 144 bilhões a mais do que recebeu de empréstimos, ainda assim a dívida subiu de US$ 5,4 bilhões em 1970 para US$ 198 bilhões em 200848.
Observe-se que no cálculo da transferência líquida de US$ 144 bilhões não foram computados os onerosos pagamentos decorrentes de comissões diversas (de compromisso, de agente, de negociação, de facilidade, dentre outras), taxas e gastos com o Comitê de Bancos, com os bancos privados, organismos internacionais e gastos de emissão de bônus, cujo detalhamento quantitativo não foi possível realizar no curto espaço de tempo da CPI, por ausência de informações detalhadas e demais limitações expostas. O Banco Central apresentou à CPI informações parciais referentes a comissões e gastos com endividamento externo que foram contabilizados no SIAFI, no período de 1987 a 2008, totalizando US$6,31 bilhões no período. Somando-se tais gastos, verifica-se que foi feita uma transferência líquida de US$150,31 bilhões, e ainda devemos US$ 282 bilhões49 ao exterior.
É relevante mencionar que por ocasião da CPI de 1983 o Ministro Xxxxxx Xxxxxxx apresentou análise semelhante, na qual expôs as perdas decorrentes da elevação das taxas de juros, conforme Relatório Final daquela CPI, objeto da Análise Preliminar Nº. 4, apresentada à atual CPI da Dívida.
O gráfico acima mostra que a dívida externa atual é resultado de contundente indício de ilegalidade: a violação do princípio do Direito Internacional constante no
48 O valor de US$ 198 bilhões não considera os empréstimos intercompanhias. A Dívida Externa Total em 31/12/2009 alcançou a cifra de US$ 282 bilhões.
49 Considerando a dívida externa total informada nas séries temporais do Banco Central, que inclui os empréstimos intercompanhias.
Artigo 62 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Segundo o mencionado artigo, uma mudança fundamental de circunstâncias, ocorrida em relação às existentes no momento da conclusão de um tratado, e não prevista pelas partes, pode ser invocada como causa para extinguir um tratado ou dele retirar-se, caso a existência dessas circunstâncias tiver constituído uma condição essencial do consentimento das partes em obrigarem-se pelo tratado; e essa mudança tiver por efeito a modificação radical do alcance das obrigações ainda pendentes de cumprimento em virtude do tratado.
Embora o impacto da elevação unilateral das taxas de juros internacionais tenha sido amplamente tratado pelas comissões parlamentares anteriores50, conforme trechos destacados a seguir, na prática não chegaram a ser adotadas medidas visando a reparar o dano causado às finanças do país em decorrência dessa atitude do FED norte-americano. Diante disso, seriam recomendáveis providências concretas em relação a essa dívida e a todas as demais dívidas – inclusive internas – contraídas para viabilizar o excessivo pagamento da dívida externa onerada pela elevação das taxas de juros.
Em relação ao impacto da elevação unilateral das taxas de juros, merecem ser destacadas algumas das citações constantes dos relatórios de comissões parlamentares anteriores:
I .4.1 – CPI DA DÍVIDA DE 1983 – Relatório Dep. Xxxxxxxxx Xxxx00:
“As taxas de juros internacionais que, em termos reais, foram negativas durante os exercícios de elevada liquidez, ascendem fortemente quando ocorre a contração desta liquidez.”
“Furtado situa o começo do desmantelamento do sistema financeiro doméstico nessa época, quando o governo, para manter o afluxo de recursos externos, elevou as taxas de juros internas para acompanhar sua ascensão a nível internacional, o que praticamente levou à imobilização dos investimentos produtivos na economia, atraídos rapidamente para as mais rentáveis especulações financeiras.”
“O Prof. Xxxxxx Xxxxxx em seu depoimento afirmou que ‘aproximadamente 50% da dívida é originária apenas de juros’. Em depoimento na Escola Superior de Guerra, o Ministro Xxxxxx Xxxxxxx apresentou o seguinte quadro de perdas decorrentes da elevação da taxa de juros:”
50 Conforme resumo constante da Análise Preliminar 1 a 4, apresentadas à CPI da Dívida Pública
51 Objeto de Análise Preliminar no. 4, apresentada à atual CPI da Dívida Pública
TABELA V.3
ACRÉSCIMOS DE ENCARGOS DO BRASIL COM A ALTA DA TAXA DE JUROS
US$ BILHÕES
ANO | JUROS BRUTO PAGOS (a) | Aplicando o coeficiente 0,0668 sobre o total da dívida de cada ano (b) | Diferença Anual de Juros Pagos e que seriam pagos se os Juros se mantivessem ao nível da taxa de 1973 (c ) = (a) – (b) | Diferença Acumulada de Juros (d) = (ct) – (ct – 1) |
1973 | 839,5 | 839,5 | 0,0 | 0,0 |
1974 | 1370,1 | 1146,7 | 223,4 | 223,4 |
1975 | 1862,7 | 1414,2 | 448,5 | 671,9 |
1976 | 2090,9 | 1735,8 | 355,1 | 1027,0 |
1977 | 2462,4 | 2140,1 | 322,3 | 1349,3 |
1978 | 3343,8 | 2906,5 | 437,3 | 1786,6 |
1979 | 5347,5 | 3333,6 | 2013,9 | 3800,6 |
1980 | 7457,0 | 3597,0 | 3860,0 | 7660,5 |
1981 | 10305,2 | 4102,2 | 6203,0 | 13863,5 |
1982 | 12550,6 | 4652,9 | 7897,7 | 21761,2 |
1983 | 10262,6 | 5432,1 | 4830,5 | 26591,7 |
(b): Juros que seriam pagos anualmente, quando mantida a mesma relação de juros efetivamente pagos sobre o total da dívida registrada de 1973.
Fonte: Banco Central do Brasil – Extraído do pronunciamento do Sr. Ministro Xxxxxx Xxxxxxx na Escola Superior de Guerra em 14/06/1984
“Xxxxxxx Xxxx afirma que a parte legítima da dívida externa brasileira corresponde a aproximadamente 33 bilhões de dólares em fins de 1982. Concluir-se-ia que os 36 bilhões de dólares adicionais, contabilizados pelos bancos internacionais e aceitos pelo governo seriam ilegítimos, por serem decorrentes de uma decisão unilateral do governo norte-americano em manter o dólar sobrevalorizado para a cobertura de seus déficits.”
I.4.2 – Comissão Especial do Senado Federal – Relatório Senador Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx00:
“O quadro externo começou a sofrer alterações a partir do chamado segundo choque do petróleo em 1979.” (Página 7)
“Embora as economias centrais tenham sido administradas com rédeas curtas após o segundo choque do petróleo, os países em desenvolvimento iniciaram os anos 80 às voltas com uma crise que, diferentemente das tradicionais, não refletia uma crise de centro, mas sim a elevação das taxas de juros provocada pelos Estados Unidos. A América Latina, em especial, após um período continuado de crescimento de 6% ao ano, na média, foi lançada pelo choque
dos juros num período de estagflação que se prolonga até o presente.” (Página 8- grifo nosso)
“Como os débitos externos brasileiros haviam sido contratados basicamente a taxas de juros flutuantes, o choque dos juros provocou uma elevação da dívida sem contrapartida real de bens e serviços. A partir desse momento, a dívida externa brasileira assume um caráter eminentemente financeiro: os novos empréstimos na verdade, são obtidos para rolar em grande medida e a nível agregado os juros e as amortizações.” (Página 8 – grifo nosso)
“... A diferença, porém, é que o impacto dos juros sobre juros elevou a dívida bruta de US$43,5 bilhões em fins de 1978 para US$70,2 bilhões em dezembro de 1982. A contrapartida real de bens e serviços não-fatores nesse período foi de apenas 14,9 bilhões de dólares, como veremos em seguida.” (Página 9 – grifo nosso)
“Simulações do Banco Central, com base nas condições contratuais da dívida registrada (Prazo médio total de carência e amortizações de 103 meses, resultante da média de 57 e 46 meses, respectivamente, para o período de 1980/85); na “Libor” real média da ordem de 1,49% ao ano em 1960/79; na taxa média de juro flutuante verificada nos mercados internacionais e em uma hipótese razoável sobre taxas de juros fixa de 8,5% ao ano sugerem que o “efeito da alta de juros” entre 1979-86 sobre o estoque da dívida acumulado até 1986 é da ordem de US$24,8 bilhões de dólares a 49,9 bilhões de dólares. (Vide Tabelas na pág. 28). Grosso modo, pode-se afirmar que entre ¼ e a metade da dívida externa brasileira referem-se a juros sobre juros, sem qualquer contrapartida real de bens e serviços para o país. Por outro lado, o mercado secundário de títulos da dívida externa sabiamente registra operações com um deságio da ordem de 2/3 do valor de face. Esse dado, por si só, indubitavelmente corrobora os resultados das simulações acima referidas.” (Página 10 – grifo nosso)
“O impacto dos juros sobre a dívida externa está, portanto, umbilicalmente ligado também ao movimento de preços dos produtos de exportação dos países em desenvolvimento não exportadores de petróleo.” (Página 11)
I.4.3 – Comissão Mista do Congresso Nacional – Relatório Senador Xxxxxx Xxxxx00:
Conclusões:
...
6 - Alguns desses atos enquadram-se no princípio da responsabilidade pelos danos, de larga aceitação internacional. Não se pode esquecer, a propósito, que nos acordos de Xxxxxxx Xxxxx, em benefício de uma posição hegemônica, os Estados Unidos assumiram uma responsabilidade face à comunidade internacional no que concerne à adoção do dólar como moeda de conta. E que agravam esta responsabilidade ao desvincular o dólar do valor do ouro, durante a administração Xxxxx. Ao realizar uma política de combate à sua inflação interna através do aumento da taxa de juros, por decisão do Federal
Reserve Board, em vez de utilizar outros remédios ao seu alcance, como a redução do déficit interno, os Estados Unidos correram conscientemente o risco de provocar o agravamento das dívidas em dólar em todo o mundo. Provocaram, assim, a chamada crise da dívida externa, que atingiu até mesmo países desenvolvidos, como a França, na época do primeiro mandato do presidente Xxxxxxxxx, e criaram uma situação insustentável para as nações em desenvolvimento, entre elas o Brasil. Tivemos nossa dívida aumentada de maneira significativa, sem que a esse aumento correspondesse o aporte efetivo de recursos externos. Passamos a dever não o que tomamos emprestado, mas uma quantia fixada aleatoriamente, sem a nossa participação. – (grifo nosso)
I.4.4 - Comissão Mista do Congresso Nacional – Relatório Dep. Xxxx Xxxxxxx00:
Efeito da elevação das taxas de juros reais, “promovida pelas políticas monetária e fiscal do governo dos EUA, cuja estimativa atualizada, efetuada pelo Banco Central, conforme constante do anexo V [Simulações], por solicitação do Relator, é de US$ 34 a 62 bilhões, ou seja, de 30 a 60% do saldo total registrado ou 50 a 90% da dívida bancária, como demonstrado nos Quadros IX [Efeito da elevação da Taxa de Juros sobre a Dívida Externa Brasileira] e X [Balança Comercial e Indices de Preço] seguintes .”
…
“É evidente que os excedentes de juros cobrados leoninamente num contrato de empréstimo devem ser encarados como amortização compulsória e antecipada do principal.” (grifo nosso)
Apesar dessas importantes constatações e deliberações do Congresso Nacional acerca do impacto da elevação unilateral das taxas de juros internacionais, nenhuma providência concreta foi adotada, passando o país a enfrentar fortes dificuldades para cumprir os pagamentos dos encargos da dívida, ao mesmo tempo em que desorganizava internamente a economia, elevando também as taxas de juros internas, como registrou o ilustre economista Xxxxx Xxxxxxx em seu depoimento à CPI da Dívida de 1983, antes mencionado.
À medida em que as taxas de juros internacionais se elevavam e a crise se agravava, os bancos cerravam as linhas de crédito e dificultavam a captação de recursos essenciais para o cumprimento das obrigações, provocando um agravamento do quadro, conforme ensinamentos de Xxxxxxxx:
“No final do ano de 1980, a captação de recursos no mercado financeiro internacional mostrava-se cada vez mais difícil, o que obrigava o BC a aceitar sucessivos aumentos nos spreads praticados nas operações de empréstimos externos. A gravidade do quadro externo se tornava claramente manifesta no início de outubro, quando – faltando cerca de US$3bilhões para o fechamento
do balanço de pagamentos – os bancos internacionais retraíam fortemente o ritmo de seus negócios com tomadores brasileiros.”55
“...foram adotadas várias medidas destinadas a ampliar a tomada de empréstimos externos. Assim, logo em janeiro, as autoridades limitavam em 5% o crescimento dos empréstimos realizados em cruzeiros pelos bancos comerciais e de investimento no decorrer do primeiro trimestre. Tal medida visava acelerar a captação de recursos através da Resolução 63. Simultaneamente o Conselho Monetário Nacional determinava a liberação total das taxas de juros praticadas por aquelas instituições financeiras. (...)Em março era fixado o percentual de 9,5% para a expansão das operações ativas em cruzeiros pelos bancos comerciais e de investimento para o segundo semestre, o que significava a continuidade da política de aperto de crédito interno, visando forçar a captação de recursos externos. Ao mesmo tempo eram flexibilizadas, ainda mais, as operações de repasse através da Resolução no. 63, com a ampliação do prazo para a reaplicação de 15 para 60 dias”56
A forte compressão do crédito doméstico, associada às demais medidas indutoras, resultou em tomadas maciças de empréstimos no mercado financeiro internacional. Contudo, como será discutido no Capítulo 3, parcela significativa dos recursos tomados pelas instituições financeiras passou a ficar estocada no BC, por falta de tomadores finais, o que nada mais era do que uma das faces mais contraditórias da própria política recessiva como política de ajuste do balanço de pagamentos.”57
Assim, além das providências necessárias em relação ao questionamento da elevação unilateral das taxas de juros, cabe questionar a legitimidade do próprio governo que optou pelos empréstimos externos a juros flutuantes, dado que representavam Governos de Fato, e não de Direito, pois se mantinham pela força das armas e da repressão aos que contra ele se insurgiam. Tal fato também deve ser apresentado aos fóruns competentes.
I .5 – OUTROS ASPECTOS RELEVANTES
I .5.1 - DESVALORIZAÇÃO DOS PRODUTOS NACIONAIS
Paralelamente às dificuldades de crédito internacional ainda se verificou na época a deterioração nos termos de intercâmbio comercial internacional, com a atitude protecionista dos países mais desenvolvidos que reduziram expressivamente suas importações, além da desvalorização dos preços dos produtos brasileiros no mercado internacional.
55 “Dívida Externa e Política Econômica”, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx, Instituto de Economia da UNICAMP, 1999, pág. 106
56 “Dívida Externa e Política Econômica”, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx, Instituto de Economia da UNICAMP, 1999, pág. 110
57 “Dívida Externa e Política Econômica”, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx, Instituto de Economia da UNICAMP, 1999, pág. 112
“O economista Xxxxx estima que o custo médio da dívida externa, entendido como tal a relação entre os juros líquidos pagos ao exterior e a dívida bruta média, elevou-se de 4,7% em 1973 para 7,1% em 1978, e 14,7% em 1982, e que o Índice de Intercâmbio em 1983 equivale a quase a metade do que era a cinco anos atrás.
Comparando o resultado real do comércio brasileiro com o saldo estimado na hipótese de permanência do índice de relações de troca de 1978, corrigindo os saldos reais pela inflação do dólar, Serra estimou o custo decorrente da deterioração nos termos de intercâmbio em US$ 31.935 milhões no período de 1978 a 1982.
Considerando a hipótese de permanência da taxa média de juros no nível de 1978 (7,1%), avaliou em US$ 15.509,5 milhões o custo derivado do acréscimo da dívida de 1979 a 1982. Em conjunto, a degradação dos termos de troca e a elevação das taxas de juros teriam acarretado uma perda para a economia brasileira de cerca de US$ 48 bilhões, praticamente a metade da dívida externa.”58
Em seu Relatório59, Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx também ressalta a ligação “umbilical” entre os termos de troca e as taxas de juros:
“O impacto dos juros sobre a dívida externa está, portanto, umbilicalmente ligado também ao movimento de preços dos produtos de exportação dos países em desenvolvimento não exportadores de petróleo.” (Página 11)
“A partir de 1983, a questão da dívida adquire nova dimensão. Segundo a Programação do Setor Externo (PSE) submetida pelo Brasil aos banqueiros em Nova York em dezembro de 1982, a economia brasileira é direcionada para a obtenção de US$6 bilhões de superávit comercial, com uma previsão de déficit em transações correntes de US$6,5 bilhões. Como os juros dos débitos externos previstos para 1983 estava na casa dos US$10 bilhões, fica claro que a partir desse momento o Brasil marchava para a chamada “transferência líquida de recursos reais para o exterior”, com o fim específico de cumprir o serviço da dívida externa.” (Página 11 – grifo nosso)
“Vem à tona, então, o dilema de um país subdesenvolvido: como compatibilizar seu crescimento econômico com a transferência de renda real para o Exterior. Em outras palavras, como pode um país pobre, de repente, passar a financiar os países ricos, transformando-se de importador em exportador de capitais?” (Página 11)
A conseqüência lógica e fatal desse encadeamento de fatores foi a crise financeira internacional deflagrada em 1982, com a quebra do México e de todos os demais países que se submeteram ao endividamento agressivo dos anos 70.
58 CPI DA DÍVIDA DE 1983
59 Comissão Especial do Senado, 1987
Nesse contexto, o Fundo Monetário Internacional começa a negociar o primeiro de uma série de Acordos “Stand by”, em “apoio” ao “Plano Financeiro de 198360” e ao “Programa de Estabilização Social”61, o que originou a adoção de ajuste fiscal baseado em um conjunto de medidas recessivas que aprofundaram ainda mais a crise financeira e econômica.
I .5.2 - CO-RESPONSABILIDADE DOS CREDORES
A co-responsabilidade do Fundo Monetário Internacional e dos Bancos Privados Internacionais no processo de endividamento agressivo que levou à crise financeira de vários países, consta do Relatório de FHC:
“Os dados disponíveis demonstram que os déficits comerciais dos países desenvolvidos para com os países produtores-exportadores de petróleo foram repassados, via superávits comerciais, aos países em desenvolvimento não- exportadores de petróleo. O possível confronto entre os países produtores- exportadores e os países consumidores de petróleo foi evitado, assim, pelo endividamento dos países em desenvolvimento, através da reciclagem dos petrodólares.” (página 6 – grifo nosso)
“O engajamento dos países em desenvolvimento nesse processo foi possibilitado, obviamente, pelos bancos internacionais, que concediam os empréstimos; endossado pelo FMI, que acompanhava a avaliava, anualmente, as economias dos seus membros; e, encorajado pelos governos dos países credores, que deram apoio político à estratégia de crescimento econômico com financiamento externo. Torna-se evidente, desta perspectiva, que a crise da dívida externa do Terceiro Mundo envolve a co-responsabilidade dos devedores e dos credores.” (página 6 – grifo nosso)
Além de destacar a responsabilidade das instituições financeiras internacionais, é importante mencionar a estratégia utilizada pelos bancos comerciais – privados internacionais - que estimularam o endividamento por meio da oferta de elevados empréstimos com taxas aparentemente atraentes (porém flutuantes) e extensos períodos de carência, o que fazia parte da sedução para o endividamento excessivo. Na realidade, esta estratégia só avantajava aos próprios bancos privados, que assim garantiam a cobrança de juros sobre o montante total do empréstimo por um período mais extenso e de forma permanente, provocando o constante crescimento do montante da dívida em decorrência da rolagem e da incidência de juros sobre juros. Tal fato demanda o aprofundamento das investigações dessa origem da dívida externa, que foi o ponto de partida para as negociações posteriores, até os dias atuais.
60 CERQUEIRA, CERES AYRES – Dívida Externa Brasileira: Processo Negocial 1983-1996. Banco Central do Brasil, 1977, páginas 155 a 161, nas quais foi reproduzido o “Telex enviado à Comunidade Financeira Internacional em 21/12/1982” que menciona o “1983 Brazilian Financing Plan”
61 O “Programa de Estabilização Econômica e Social-1982” se relaciona ao “Plano de Financiamento de 1983” e ao “Acordo Stand-by com o FMI”, e marca o ponto de partida da ingerência dos organismos internacionais, particularmente do FMI, mediante a instrumentação de medidas econômicas, políticas, sociais e institucionais no Brasil, a pretexto de gerir a administração da dívida externa.
I .6 – ARTICULAÇÃO DOS BANCOS PRIVADOS – FORMAÇÃO DO COMITÊ ASSESSOR
O endividamento agressivo da década de 70 impactado pela elevação das taxas de juros internacionais levou todos os países que aderiram à política de financiamento via endividamento externo a intensas dificuldades de pagamento. Como conseqüência deste panorama os bancos privados internacionais fecharam as linhas de crédito ao país, “num momento de concentração de pagamentos o ingresso líquido de recursos passou a ser negativo, praticamente inviabilizando a continuidade e a normalidade dos pagamentos ao exterior.(...) As linhas de crédito para os bancos brasileiros foram subitamente cortadas apesar de sua sólida reputação de administração profissional.”62
Nesse cenário de crise financeira internacional provocada principalmente pela alta unilateral das taxas de juros internacionais, os bancos privados internacionais cerraram as linhas de crédito e criam o “Comitê Assessor”, formado por 14 bancos63, liderados pelo Citibank, que passou a funcionar como instância pela qual teria que passar todo o trâmite para a renegociação das dívidas externas brasileiras – públicas e privadas - assumindo o Brasil todos seus gastos, conforme mencionado no Relatório FHC:
“Cabe neste ponto uma referência em maior detalhe ao Comitê Assessor. Criado em 1983, por inspiração dos credores bancários com a concordância e a participação do governo brasileiro, o Comitê Assessor, na prática, demonstrou ser um instrumento dos bancos para a defesa de seus interesses.” (Página 90)
“Apesar de o Comitê Assessor funcionar mais como um cartel dos bancos, com uma atuação nem sempre isenta, o governo brasileiro, desde o início de 1983, paga todas as despesas relacionadas com as reuniões efetuadas em Nova York.
O Banco Central, durante os últimos cinco anos, arcou com gastos consideráveis. Ainda recentemente, na reunião do Conselho Monetário Nacional de 27 de janeiro, o Presidente do Banco Central procurou legalizar essa situação, aprovando decisão que autoriza o Banco a gastar US$ 5,4 milhões para cobrir despesas de comunicação, de viagens de primeira classe para executivos dos bancos credores, hotéis e até de alimentação desses funcionários.” (Página 91)
Foi justamente o Comitê Assessor64, amparado em exigências do FMI e do Clube de Paris, que preparou os documentos para os sucessivos pacotes de negociações
62 CERQUEIRA, XXXXX XXXXX – Dívida Externa Brasileira: Processo Negocial 1983-1996. Banco Central do Brasil, 1977
63 Comitê Assessor formado pelos bancos: “Lloyds Bank Internacional, Citibank N.Y., The Chase Manhattan Bank NA, Chemical Bank, Bank of America National Trust and Savings Association, Arab Banking Corporation, Bank of Montreal, Bank of Tokyo, Bankers Trust Company, Credit Lyonnais, Deutsche Bank, Manufacturers Hannover Trust Co, Morgan Guaranty Trust Co, Union Bank of Switzerland.
64 Evidências da articulação entre os bancos privados internacionais, FMI e Clube de paris em várias passagens do Relatório da Comissão Especial do Senado (Relatório FHC), especialmente às páginas 32; 56/57; 58/59; 60; 62; 84; 90; 112; 123, conforme Análise Preliminar I
da dívida externa com bancos privados na década de 80, que ficaram conhecidos por “Fases” I, II, III, IV e V, objeto do Capítulo seguinte.
Tais fatos são relevantes, pois ferem o princípio do necessário equilíbrio entre as
partes.
I.7 - ILEGITIMIDADES OBSERVADAS NO CAPÍTULO I
Da análise preliminar realizada sobre a origem do endividamento externo no período de 1970 a 1982, em base às informações disponíveis e considerando as diversas limitações anteriormente mencionadas, foram detectadas diversas ilegitimidades que demandam o aprofundamento das investigações, tendo em vista que o endividamento desse período determinou as negociações seguintes que influenciaram a evolução da dívida externa até os dias atuais.
• Das análises efetuadas, foi possível concluir que a parcela mais relevante do endividamento externo brasileiro no período 1970 a 1982 foi a dívida contraída junto a bancos privados internacionais, que ofereciam taxas de juros aparentemente atraentes, porém, flutuantes, além de períodos de carência. O forte crescimento da dívida externa no período iniciou com forte componente de dívidas do setor privado, seguida de expressivo endividamento das empresas estatais, que foram objeto de privatização na década seguinte.
• Ausência de informações estatísticas do Banco Central, desagregados por tipo de dívida externa (Multilateral, Bilateral e Comercial), demonstrando séria deficiência de controle interno daquela autarquia;
• Divergências entre saldos da tabela produzida pelo BC para atender a CPI e saldos publicados em relatórios anuais publicado pelo Banco Central, que foram esclarecidas de forma genérica à CPI;
• Contratos de empréstimo de valor relevante, dos quais constavam aspectos estritamente financeiros, sem especificar o objeto do endividamento;
• Cobrança de taxas onerosas de compromisso, de contratação e de crédito, sobre o montante dos empréstimos;
• Deficiência nos arquivos da Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais – SEST, do Ministério da Fazenda, impossibilitando o aprofundamento da investigação sobre o endividamento das estatais na década de 70 e 80, período em que a participação dessas empresas – que foram submetidas ao processo de privatização na década de 90 - foi
extremamente relevante, o que demanda a necessidade de realização da auditoria da dívida prevista na Constituição Federal;
• Ausência de parte dos contratos relativos à emissão de bônus da dívida externa na década de 70, que foram autorizados mediante decretos, e informação do BC acerca da impossibilidade de identificar os registros de tais decretos em sua contabilidade;
• Comprovação deficiente da natureza da dívida externa na década de 70, considerando que os contratos enviados pela PGFN, os decretos localizados e as resoluções do Senado Federal justificam apenas uma pequena parcela dos ingressos informados nas estatísticas apresentadas pelo Banco Central à CPI. O Banco Central foi o principal órgão controlador do endividamento externo no período, tendo enviado à CPI planilhas em CD, não disponibilizando acesso a livro no qual deveriam ser registrados os certificados de registro;
• Predominância do setor privado internacional (empresas multinacionais e bancos) no início do endividamento agressivo da década de 70, segundo livro publicado65, respaldado em dados do Banco Central/FIRCE;
• Viabilização de ganhos especulativos com o endividamento externo, dada a diferença entre as taxas de juros internacionais e as internas – reflexo desse excesso de empréstimos na inflação do período;
• Ilegalidade da elevação unilateral das taxas de juros internacionais pelo FED norteamericano, o que provocou dano ao patrimônio público estimado em US$ 223 bilhões, demandando o aprofundamento das investigações para o devido ressarcimento ao Brasil;
• Desvalorização dos produtos de exportação brasileiros e seu impacto no cumprimento das obrigações referentes ao endividamento externo;
• Co-responsabilidade dos credores, conforme mencionado em comissões anteriores do Congresso Nacional;
• Articulação de bancos privados internacionais, resultando em desequilíbrio entre as partes na negociação.
I . 8 – CONCLUSÃO e RECOMENDAÇÃO
65 “Dívida Externa e Política Econômica”, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx, Instituto de Economia da UNICAMP, 1999
A análise preliminar da origem do endividamento externo brasileiro, relativo a operações realizadas no período de 1970 a 1982, contou com sérias limitações, como antes mencionado, tendo apontado diversas ilegitimidades, resumidas acima, que devem ser devidamente apuradas.
Foi possível evidenciar que o endividamento externo da década de 1970 foi o ponto de partida do processo de formação da dívida externa brasileira, que submetida à elevação das taxas de juros internacionais a partir de 1979 chegou à crise de 1982, dando margem a onerosas negociações e conversões futuras, que influenciam o endividamento atual.
É recomendável que as investigações prossigam, a fim de determinar, com a necessária transparência, a origem do endividamento externo registrado no período examinado, especialmente diante da ausência de acesso da CPI a informações fundamentais relacionadas ao registro da dívida junto ao Banco Central, bem como ausência de acesso a contratos e informações relevantes sobre o expressivo endividamento das estatais no período.
É recomendável que a ilegalidade da alta unilateral das taxas de juros seja enfrentada, pois esse aspecto já foi objeto de denúncia recorrente por todas as comissões parlamentares que se dedicaram ao tema do endividamento externo, sem um resultado prático até o momento.
Adicionalmente diante das diversas ilegitimidades constatadas no período examinado, é recomendável o aprofundamento das investigações, dada a relevância dos fatos para a evolução do processo de endividamento externo brasileiro, que provocou graves conseqüências sociais.
A principal conclusão do exame do endividamento do período leva à NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DA AUDITORIA DA DÍVIDA PREVISTA NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, tendo em vista a necessidade de elucidar os aspectos fundamentais do endividamento público que não puderam ser desvendados pela atual CPI, dado o exíguo prazo de seu funcionamento e as diversas limitações indicadas.
Brasília, 25 de março de 2010
Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx
Auditora Fiscal da Receita Federal do Brasil Requisitada para Assessorar a CPI da Dívida Pública
Xxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx
Auditor Interno da Caixa Econômica Federal Requisitado para Assessorar a CPI da Dívida Pública