EMENTA
XXXXX XXXXXXXXXX VENOSA - SP406316 RECORRIDO : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO RECORRIDO : UNIÃO
EMENTA
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROGRAMA DE ELETRIFICAÇÃO DE LINHA FÉRREA. CONTRATAÇÃO DE CONSÓRCIO PELA FEPASA. INCORPORAÇÃO PELA RFFSA. RESCISÃO CONTRATUAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SUCESSÃO PELA UNIÃO. TRANSMISSÃO DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA PACTUADA ANTES DA LEI 13.129/2015. SUJEIÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA À ARBITRAGEM. ATO JURÍDICO PERFEITO. BOA-FÉ OBJETIVA. RECURSO PROVIDO.
1. Trata-se na origem de ação indenizatória ajuizada pela extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), sucedida no processo pela União, na qual alega que empresas do Consórcio Brasileiro Europeu (Consórcio CBE) teriam dado causa à rescisão do contrato, firmado no ano de 1976 com a Ferrovia Paulista S.A. (FEPASA), com o fim de realizar a eletrificação das linhas férreas do interior do Estado de São Paulo.
2. O entendimento de que, antes das alterações promovidas na Lei de Arbitragem pela Lei 13.129/2015, era vedado à administração pública sujeitar-se ao procedimento arbitral contraria a orientação dominante na doutrina especializada ao tempo em que essa possibilidade não era explícita na legislação. Também destoa de precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
3. Além de demonstrar que naquele momento já era permitido à administração pública submeter-se à arbitragem, tal orientação, majoritária na doutrina e na jurisprudência da época, evidenciava que, se a União tinha alguma expectativa de afastar o juízo arbitral quando assumiu a demanda proposta pela RFFSA, essa expectativa não era legítima. O fato de a cláusula compromissória ter sido pactuada pela FEPASA antes mesmo da vigência da Lei 9.307/1996 não infirma
4. A possibilidade de que a União negocie interesses patrimoniais disponíveis implica a correlata possibilidade de convencionar a sujeição desses mesmos negócios ao arbitramento. E, ainda que se adotasse a posição oposta, isto é, de que a Lei 11.483/2007, ao declarar a União sucessora da RFFSA, teria mudado o regime do contrato e restringido a liberdade dos contratantes, o que dessa compreensão se poderia inferir, quando muito, seria a proibição de que fossem firmadas novas cláusulas compromissórias. Não se pode concluir, todavia, que aquela alteração legislativa seja capaz de invalidar o compromisso passado, sob pena de ofensa ao ato jurídico perfeito.
5. O fato de a União não ter sucedido a RFFSA na execução do contrato, mas tão somente na pretensão indenizatória decorrente do seu alegado descumprimento, não altera as conclusões anteriores. A cláusula compromissória, conforme entendimento positivado no art. 8º da Lei 9.307/1996 e pacífico em doutrina e jurisprudência, constitui negócio jurídico autônomo, que tem justamente a finalidade de permitir a resolução de disputas, expressando a vontade das partes de que o juízo arbitral permaneça competente durante as controvérsias envolvendo o contrato.
6. No caso dos autos, exsurge o impedimento ético-jurídico de que se reclame indenização pelo descumprimento do contrato e, ao mesmo tempo, pretenda- se descumprir a cláusula compromissória nele inserida. Aplica-se o consolidado entendimento que determina a transmissibilidade da convenção de arbitragem em caso de sucessão.
7. Recurso especial provido, a fim de acolher a preliminar de convenção de arbitragem e extinguir o feito sem resolução do mérito.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, a fim de acolher a preliminar de convenção de arbitragem e extinguir o feito sem resolução do mérito, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxx xx Xxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 11 de junho de 2024.
MINISTRO XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX
Relator
XXXXX XXXXXXXXXX VENOSA - SP406316 RECORRIDO : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO RECORRIDO : UNIÃO
EMENTA
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROGRAMA DE ELETRIFICAÇÃO DE LINHA FÉRREA. CONTRATAÇÃO DE CONSÓRCIO PELA FEPASA. INCORPORAÇÃO PELA RFFSA. RESCISÃO CONTRATUAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SUCESSÃO PELA UNIÃO. TRANSMISSÃO DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA PACTUADA ANTES DA LEI 13.129/2015. SUJEIÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA À ARBITRAGEM. ATO JURÍDICO PERFEITO. BOA-FÉ OBJETIVA. RECURSO PROVIDO.
1. Trata-se na origem de ação indenizatória ajuizada pela extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), sucedida no processo pela União, na qual alega que empresas do Consórcio Brasileiro Europeu (Consórcio CBE) teriam dado causa à rescisão do contrato, firmado no ano de 1976 com a Ferrovia Paulista S.A. (FEPASA), com o fim de realizar a eletrificação das linhas férreas do interior do Estado de São Paulo.
2. O entendimento de que, antes das alterações promovidas na Lei de Arbitragem pela Lei 13.129/2015, era vedado à administração pública sujeitar-se ao procedimento arbitral contraria a orientação dominante na doutrina especializada ao tempo em que essa possibilidade não era explícita na legislação. Também destoa de precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
3. Além de demonstrar que naquele momento já era permitido à administração pública submeter-se à arbitragem, tal orientação, majoritária na doutrina e na jurisprudência da época, evidenciava que, se a União tinha alguma expectativa de afastar o juízo arbitral quando assumiu a demanda proposta pela RFFSA, essa expectativa não era legítima. O fato de a cláusula compromissória ter sido pactuada pela FEPASA antes mesmo da vigência da Lei 9.307/1996 não infirma
4. A possibilidade de que a União negocie interesses patrimoniais disponíveis implica a correlata possibilidade de convencionar a sujeição desses mesmos negócios ao arbitramento. E, ainda que se adotasse a posição oposta, isto é, de que a Lei 11.483/2007, ao declarar a União sucessora da RFFSA, teria mudado o regime do contrato e restringido a liberdade dos contratantes, o que dessa compreensão se poderia inferir, quando muito, seria a proibição de que fossem firmadas novas cláusulas compromissórias. Não se pode concluir, todavia, que aquela alteração legislativa seja capaz de invalidar o compromisso passado, sob pena de ofensa ao ato jurídico perfeito.
5. O fato de a União não ter sucedido a RFFSA na execução do contrato, mas tão somente na pretensão indenizatória decorrente do seu alegado descumprimento, não altera as conclusões anteriores. A cláusula compromissória, conforme entendimento positivado no art. 8º da Lei 9.307/1996 e pacífico em doutrina e jurisprudência, constitui negócio jurídico autônomo, que tem justamente a finalidade de permitir a resolução de disputas, expressando a vontade das partes de que o juízo arbitral permaneça competente durante as controvérsias envolvendo o contrato.
6. No caso dos autos, exsurge o impedimento ético-jurídico de que se reclame indenização pelo descumprimento do contrato e, ao mesmo tempo, pretenda- se descumprir a cláusula compromissória nele inserida. Aplica-se o consolidado entendimento que determina a transmissibilidade da convenção de arbitragem em caso de sucessão.
7. Recurso especial provido, a fim de acolher a preliminar de convenção de arbitragem e extinguir o feito sem resolução do mérito.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso especial interposto por ETE EQUIPAMENTOS DE TRACAO ELETRICA LTDA, CEBRAF SERVICOS LTDA., SCHNEIDER ELECTRIC
BRASIL LTDA, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, no qual se insurgem contra o acórdão do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO assim ementado (fl. 6.434):
PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESCISÃO CONTRATUAL. CONSÓRCIO DE EMPRESAS. PROGRAMA DE ELETRIFICAÇÃO EM CORRENTE CONTÍNUA PARA LINHA FERREA. CONTESTAÇÃO. PRELIMINARES. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. VALIDADE E EFICÁCIA. EXTINÇÃO DA RFFSA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SUCESSÃO PELA UNIÃO DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. AÇÃO PROPOSTA SOMENTE EM FACE DE ALGUNS DOS CONSORCIADOS. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AGRAVO IMPROVIDO.
Nas razões do recurso especial, os recorrentes apontam ofensa ao art.
1.022 do Código de Processo Civil, afirmando que o Tribunal de origem negou eficácia à cláusula compromissória sem considerar os argumentos no sentido de que na época da assinatura do contrato, em 1976, a administração pública já podia submeter disputas sobre direitos disponíveis à arbitragem e de que, no caso dos autos, o direito submetido ao juízo arbitral era disponível. Alegam que houve omissão no acórdão recorrido quanto à alegação de que, estando ausentes as hipóteses de obrigação solidária, a formação de litisconsórcio passivo necessário é obrigatória.
Sustentam que a declaração de ineficácia da cláusula compromissória em relação à União teria ofendido o art. 485, VII, do Código de Processo Civil e os arts. 8º, parágrafo único, e 20 da Lei de Arbitragem.
Defendem que o entendimento adotado pelo Tribunal de origem sobre os efeitos que a incorporação da Rede Ferroviária Federal (RFSSA) pela União tiveram sobre a cláusula compromissória violaria o art. 1º da Lei de Arbitragem e o art. 2º, I, da Lei 11.483/2007.
Apontam divergência entre o acórdão recorrido e as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça nos recursos especiais 1.656.643/RJ, 606.345/RS e 1.075.808/RJ.
O Estado de São Paulo apresentou contrarrazões às fls. 6.611/6.616.
O Tribunal de origem, com fundamento na Súmula 7 do STJ, não admitiu o recurso especial (fls. 6.617/6.623), decisão que foi impugnada pelo agravo interposto às fls. 6.624/6.640.
É o relatório.
VOTO
Trata-se na origem de ação ajuizada em 16/11/1999 pela extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), sucedida no processo pela União, postulando indenização no valor de US$ 72,551,560 (setenta e dois milhões, quinhentos e cinquenta e um mil, quinhentos e sessenta dólares americanos), mediante a alegação de que algumas das empresas do Consórcio Brasileiro Europeu (Consórcio CBE), contratado para realizar a eletrificação das linhas férreas do interior do Estado de São Paulo, teriam dado causa à rescisão da avença.
A controvérsia diz respeito às obrigações decorrentes do Contrato OUT/5037/76, firmado em 23/12/1976 pela FEPASA – Ferrovia Paulista S.A., posteriormente incorporada em 29/5/1998 pela RFFSA, que, por força do Decreto 6.018/2007, sancionado pela Lei 11.483/2007, foi extinta e sucedida pela União, que prosseguiu na demanda ajuizada contra as recorrentes.
As empresas demandadas apresentaram reconvenção e contestação, nessa última requerendo a extinção do feito pela existência de cláusula compromissória e pela necessidade de que a lide fosse integrada por outras participantes do consórcio, na condição de litisconsortes passivos necessários.
Contra a decisão do Juízo de primeiro grau que rejeitou aquelas duas preliminares, a parte recorrente interpôs agravo de instrumento, ao qual o Tribunal de origem negou provimento por meio do acórdão impugnado no recurso especial sob apreciação.
1. Conhecimento do recurso especial
Conforme o acórdão recorrido, as partes incluíram no contrato que firmaram para a eletrificação da Ferrovia Paulista S/A “cláusula compromissória, por meio da qual avençaram que qualquer litígio decorrente do contrato deveria ser resolvido por arbitragem, a ser realizada de acordo com o regulamento da Câmara de Comércio Internacional (‘CCI’)”. Também se consignou no acórdão recorrido, em relação ao contrato e à cláusula compromissória, que “é incontroverso que disposição de igual teor foi mantida em alterações posteriores” (fl. 6.430).
Após delinear tais fatos, o Tribunal de origem, negando provimento ao agravo de instrumento das recorrentes, rejeitou a preliminar de extinção do feito pela existência de convenção de arbitragem pelos seguintes fundamentos (fl. 6.431):
Não obstante o contrato celebrado pela FEPASA, que possuía a natureza jurídica de sociedade de economia mista, após ser sucedida pela Rede Ferroviária Federal, constituída sob a forma de sociedade anônima, fato é que, sucedida a RFFSA pela União, com sua liquidação e, consequentemente, a incorporação de seu patrimônio pela União Federal, o regime jurídico superveniente ao qual foram afetados e estão submetidos àqueles bens públicos, desautorizam a submissão da controvérsia à convenção de arbitragem, pois, quando extinta a RFFSA, por força da Medida Provisória n° 353/2007, convertida na Lei n°11.483/2007, a partir de 22 de janeiro de 2007, a União a sucedeu nos direitos, obrigações e ações judiciais em que era autora, ré, assistente, opoente ou terceira interessada, ressalvadas as ações destacadas pelo inciso II do caput do art. 17, daquela lei, hipótese esta que não é o caso destes autos.
De sorte que, quando da incorporação dos bens pertencentes à RFFSA ao cervo patrimonial da União, não havia qualquer determinação legal permitindo fossem submetidas ao Juízo Arbitral as controvérsias relacionadas aos interesses, direitos e obrigações e aos bens pertencentes à União. Esta possibilidade somente surgiu com as alterações promovidas pela Lei n° 13.129/2015, que entrou em vigor sessenta dias após a sua publicação ocorrida em 27/05/2015.
Consoante à cláusula compromissória, art. 9° do Instrumento Particular de Contrato de Constituição do Consórcio Brasileiro/europeu, pactuada em 30/12/1981, não pode alcançar a União, que não participou daquela avença, nem a convalidou por efeito da sucessão empreendida no ano de 2007 para atender ao interesse público. Outrossim, nesta ocasião sequer havia normal legal autorizadora da submissão da administração pública à arbitragem.
Nesse passo, com a convalidação da sucessão e a incorporação do patrimônio ao acervo de bens da União, o princípio da indisponibilidade do interesse público veda à submissão do controle da avença ao julgamento extrajudicial, pois, sobre a matéria está veda composição amigável ou concessão sobre o patrimônio público, sob pena de malferir regras de direito público, posto que, de regra, são irrenunciáveis e inalienáveis, salvo previsão expressa em condições excepcionais, novamente, sempre observado o interesse público, que não é a hipótese destes autos. Assim considerado, sequer há espaço ao caso aqui em debate para o argumento de que houve violação da boa-fé objetiva inerente a qualquer contrato.
Nas razões do recurso especial, sustenta a parte que "a interpretação atribuída pelo v. Acórdão Recorrido à Lei de Arbitragem conjugada àquela conferida à Lei nº 11.483/2007, que dispôs sobre a extinção da RFFSA e a consequente sucessão de seu patrimônio pela UNIÃO [...] contrariou o artigo 1º da Lei de Arbitragem” (fl. 6.514).
Depreendo desse quadro que o Tribunal de origem adotou uma determinada interpretação sobre a eficácia temporal do art. 1º da Lei 9.307/1996 (“As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”), excluindo do seu âmbito de incidência a União, pelo menos antes da Lei 13.129/2015. Por outro lado, entendeu o Tribunal de origem que o art. 2º, I, da Lei 11.483/2007 ("a União sucederá a extinta RFFSA nos direitos, obrigações e ações judiciais em que esta seja autora [...], ressalvadas as ações de que trata o inciso II do caput do art. 17 desta Lei") alterou o regime jurídico do patrimônio jurídico transferido da RFFSA para a União, conferindo-lhe a marca da indisponibilidade e, com isso, vedando a arbitragem.
Concluo que foi prequestionada a questão alusiva ao momento a partir do qual seria lícito à União submeter-se à arbitragem, bem como que foi prequestionada a questão referente aos efeitos que a sucessão da RFFSA pela União teve sobre a cláusula compromissória.
2. Ausência de negativa de prestação jurisdicional
Verifico que inexiste a alegada violação ao art. 1.022 do Código de Processo Civil, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, segundo se depreende da análise do acórdão recorrido. O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo o julgado de erro material, omissão, contradição ou obscuridade. Destaco que julgamento diverso do pretendido, como neste caso, não implica ofensa ao dispositivo de lei invocado.
Consigno que, no tópico do recurso especial destinado a demonstrar a alegação de ofensa ao art. 1.022 do Código de Processo Civil, a parte recorrente apontou, quanto ao tema "cláusula compromissória", que o acórdão recorrido teria deixado de enfrentar o argumento de que essa cláusula “seria plenamente oponível e, portanto, eficaz em relação à UNIÃO, na medida em que a Lei nº 13.129/2015 possui apenas natureza declaratória daí a existente autorização legal constante do artigo 1º da Lei de Arbitragem para a utilização da arbitragem sobre conflitos decorrentes de direitos patrimoniais disponíveis pelos entes do Poder Público” (fl. 6.509).
Como visto, essa questão foi enfrentada pelo Tribunal de origem e, mesmo que não tivesse sido, o recurso especial também invoca quanto ao ponto o art. 1.025 do Código de Processo Civil, permitindo que esta Corte se pronuncie sobre a matéria.
Outro ponto sobre o qual o acórdão recorrido teria se omitido, segundo aquele tópico do recurso especial, refere-se às alegações de que “as condições específicas para caracterização da excepcional solidariedade passiva entre os membros do Consórcio CBE não estão presentes, com o que a dispensa da formação de litisconsórcio passivo necessário, nos termos postos pela decisão saneadora proferida pelo d. Juízo de primeira instância, não se justifica sob qualquer ângulo sob o qual se veja a questão” (fls. 6.509/6.510).
Tal alegação não merece acolhimento, pois o Tribunal de origem se pronunciou sobre o tema, entendendo que “incide a regra da solidariedade prevista no art. 275 do Código Civil” (fl. 6.433).
3. Sujeição da administração pública à arbitragem antes da autorização legislativa expressa
O entendimento de que antes das alterações promovidas na Lei de Arbitragem pela Lei 13.129/2015 era vedado à administração pública sujeitar-se ao
procedimento arbitral contraria a orientação dominante na doutrina especializada ao tempo em que essa possibilidade não era explícita na legislação. Nesse sentido:
Com efeito, distinguir e vedar a atuação do Estado, impedir que este solucione litígios por arbitragem para as controvérsias originárias de contratos administrativos e que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis representa desconsiderar o comando legal previsto no art. 1º, da Lei nº 9.307/96 (LEMES, Xxxxx Xxxxxxxx, Arbitragem na Administração Pública. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 99).
Consigne-se, finalmente, que a competência para negociar e contratar a respeito de interesses patrimoniais disponíveis de administração pública implica na correlata competência para pactuar preventivamente a solução de controvérsias por meio de arbitramento. Tal é a norma do artigo 1º da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, daí decorrendo que a competência para a escolha das regras de direito (art. 2º. §1º), bem como para escolha dos árbitros (art. 13, § 2º), segue-se como corolário (NETO, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx. Arbitragem nos contratos Administrativos. In RDA nº 209, 1997, pág. 89).
Na medida em que é permitido à Administração Pública, em seus diversos órgãos e organizações, pactuar relações com terceiros, especialmente mediante a estipulação de cláusulas financeiras, a solução amigável é fórmula substitutiva do dever primário de cumprimento de obrigação assumida.
Assim, como é lícita, nos termos do contrato, a execução espontânea da obrigação, a negociação – e, por via de consequência, a convenção de arbitragem – será meio adequado de tornar efetivo o cumprimento obrigacional quando compatível com a disponibilidade de bens. Em suma, nem todos os contratos administrativos envolvem, necessariamente, direitos indisponíveis da Administração” (TÁCITO, Caio. Arbitragem nos litígios administrativos, in Temas de Direito Público (Estudos e Pareceres), vol. 3, Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p. 87).
Na mesma direção, em caso no qual houve profunda discussão sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça assim se manifestou:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PERMISSÃO DE ÁREA PORTUÁRIA. CELEBRAÇÃO DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. JUÍZO ARBITRAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. ATENTADO.
1. A sociedade de economia mista, quando engendra vínculo de natureza disponível, encartado no mesmo cláusula compromissória de submissão do litígio ao Juízo Arbitral, não pode pretender exercer poderes de supremacia contratual previsto na Lei 8.666/93. 2. A decisão judicial que confere eficácia à cláusula compromissória e julga extinto o processo pelo "compromisso arbitral", se desrespeitada pela edição de Portaria que eclipsa a medida afastada pelo ato jurisdicional, caracteriza a figura do "atentado" (art. 880 do CPC).
[...]
5. Questão gravitante sobre ser possível o juízo arbitral em contrato administrativo, posto relacionar-se a direitos indisponíveis.
[...]
7. Deveras, não é qualquer direito público sindicável na via arbitral, mas somente aqueles cognominados como "disponíveis", porquanto de natureza contratual ou privada.
8. A escorreita exegese da dicção legal impõe a distinção jus-filosófica entre o interesse público primário e o interesse da administração, cognominado “interesse público secundário”. Lições de Xxxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx e Xxx. Xxxx Xxxxxxx Xxxx.
9. O Estado, quando atestada a sua responsabilidade, revela-se tendente ao adimplemento da correspectiva indenização, coloca-se na posição de atendimento ao “interesse público”. Ao revés, quando visa a evadir-se de sua responsabilidade no afã de minimizar os seus prejuízos patrimoniais, persegue nítido interesse secundário, subjetivamente pertinente ao aparelho estatal em subtrair-se de despesas, engendrando locupletamento à custa do dano alheio.
10. Destarte, é assente na doutrina e na jurisprudência que indisponível é o interesse público, e não o interesse da administração.
11. Sob esse enfoque, saliente-se que dentre os diversos atos praticados pela Administração, para a realização do interesse público primário, destacam-se aqueles em que se dispõe de determinados direitos patrimoniais, pragmáticos, cuja disponibilidade, em nome do bem coletivo, justifica a convenção da cláusula de arbitragem em sede de contrato administrativo.
12. As sociedades de economia mista, encontram-se em situação paritária em relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do artigo 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de arbitragem para solução de conflitos de interesses, uma vez legitimadas para tal as suas congêneres.
13. Outrossim, a ausência de óbice na estipulação da arbitragem pelo Poder Público encontra supedâneo na doutrina clássica do tema, verbis: (...) Ao optar pela arbitragem o contratante público não está transigindo com o interesse público, nem abrindo mão de instrumentos de defesa de interesses públicos, Está, sim, escolhendo uma forma mais expedita, ou um meio mais hábil, para a defesa do interesse público. Assim como o juiz, no procedimento judicial deve ser imparcial, também o árbitro deve decidir com imparcialidade, O interesse público não se confunde com o mero interesse da Administração ou da Fazenda Pública; o interesse público está na correta aplicação da lei e se confunde com a realização correta da Justiça." (No sentido da conclusão Xxxxx Xxxxxxx, citado por Xxxxxx Xxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx e Xxx Xxxxxx Xxxxxxxx, em artigo intitulado "Da Validade de Convenção de Arbitragem Pactuada por Sociedade de Economia Mista", publicado na Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, nº 18, ano 5, outubro-dezembro de 2002, à página 418).
14. A aplicabilidade do juízo arbitral em litígios administrativos, quando presentes direitos patrimoniais disponíveis do Estado é fomentada pela lei específica, porquanto mais célere, consoante se colhe do artigo 23 da Lei 8987/95, que dispõe acerca de concessões e permissões de serviços e obras públicas, e prevê em seu inciso XV, dentre as cláusulas essenciais do contrato de concessão de serviço
público, as relativas ao "foro e ao modo amigável de solução de divergências contratuais". (Precedentes do Supremo Tribunal Federal: SE 5206 AgR / EP, de relatoria do Min. XXXXXXXXX PERTENCE, publicado no DJ de 30-04-2004 e AI. 52.191, Pleno, Rel. Min. Xxxxx Xxxxx. in RTJ 68/382 - "Caso Lage".Cite-se ainda MS 199800200366-9, Conselho Especial, TJDF,
J. 18.05.1999, Relatora Desembargadora Xxxxx Xxxxxxxx, DJ 18.08.1999.)
15. A aplicação da Lei 9.307/96 e do artigo 267, inc. VII do CPC à matéria sub judice, afasta a jurisdição estatal, in casu em obediência ao princípio do juiz natural (artigo 5º, LII da Constituição Federal de 1988).
16.É cediço que o juízo arbitral não subtrai a garantia constitucional do juiz natural, ao contrário, implica realizá-la, porquanto somente cabível por mútua concessão entre as partes, inaplicável, por isso, de forma coercitiva, tendo em vista que ambas as partes assumem o "risco" de serem derrotadas na arbitragem. (Precedente: Resp nº 450881 de relatoria do Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, publicado no DJ 26.05.2003)
17. Destarte, uma vez convencionado pelas partes cláusula arbitral, o árbitro vira juiz de fato e de direito da causa, e a decisão que então proferir não ficará sujeita a recurso ou à homologação judicial, segundo dispõe o artigo 18 da Lei 9.307/96, o que significa categorizá-lo como equivalente jurisdicional, porquanto terá os mesmos poderes do juiz togado, não sofrendo restrições na sua competência.
18. Outrossim, vige na jurisdição privada, tal como sucede naquela pública, o princípio do Kompetenz-Kompetenz, que estabelece ser o próprio juiz quem decide a respeito de sua competência.
19. Consequentemente, o fumus boni iuris assenta-se não apenas na cláusula compromissória, como também em decisão judicial que não pode ser infirmada por Portaria ulterior, porquanto a isso corresponderia verdadeiro "atentado" (art. 879 e ss. do CPC) em face da sentença proferida pelo Juízo da 42ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro.
[...]
(MS 11.308/DF, relator Ministro Xxxx Xxx, Primeira Seção, julgado em 9/4/2008, DJe 19/5/2008 – sem destaque no original.)
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, na apreciação do conhecido "Caso Lage", declarou a constitucionalidade do art. 4º do Decreto-Lei 9.521/1946, ao estabelecer que "A União pagará pela incorporação dos bens e direitos especificados no art. 2º uma indenização correspondente ao justo valor que ditos bens e direitos tinham na data em que entrou em Vìgor o Decreto-lei nº 4.648, de 2 de 8 Setembro de 1942, e o respectivo 'quantum' será fixado pelo Juízo Arbitral a ser instituído de acôrdo com o disposto no art. 12 do presente Decreto-lei". O julgado recebeu a seguinte ementa:
INCORPORAÇÃO, BENS E DIREITOS DAS EMPRESAS ORGANIZAÇÃO LAGE E DO ESPOLIO DE XXXXXXXX XXXX. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA DE IRRECORRIBILIDADE. JUROS DA MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. LEGALIDADE DO JUÍZO ARBITRAL, QUE O NOSSO DIREITO SEMPRE ADMITIU E CONSGROU, ATÉ MESMO NAS
CAUSAS CONTRA A FAZENDA. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. LEGITIMIDADE DA CLÁUSULA DE IRRECORRIBILIDADE DE SENTENÇA ARBITRAL, QUE NÃO OFENDE A NORMA CONSTITUCIONAL. 3. JUROS DE MORA CONCEDIDOS, PELO ACÓRDÃO AGRAVADO, NA FORMA DA LEI, OU SEJA, A PARTIR DA PROPOSITURA DA AÇÃO. RAZOAVEL INTERPRETAÇÃO DA SITUAÇÃO DOS AUTOS E DA LEI N. 4.414, DE 1964. 4. CORREÇÃO MONETÁRIA CONCEDIDA, PELO TRIBUNAL A QUO, A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DA LEI N. 4.686, DE 21.6.65. DECISÃO CORRETA. 5. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGOU PROVIMENTO.
(AI 52.181, relator Ministro Xxxxx Xxxxx, Tribunal Pleno, DJ 15/2/1974)
Mais do que apenas demonstrar que não havia vedação à arbitragem antes da Lei 13.129/2015, essa diretriz, majoritária na doutrina e na jurisprudência da época, evidencia que, se a União tinha alguma expectativa de afastar o juízo arbitral quando no ano de 2007 sucedeu a RFFSA na demanda proposta em 16/11/1999, tal expectativa não era legítima.
Por outro lado, o fato de a cláusula compromissória ter sido pactuada pela FEPASA antes da vigência da Lei 9.307/1996 não infirma esse entendimento, pois, nos termos da Súmula 485 do STJ: "A Lei de Arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição."
4. Manutenção do compromisso arbitral após a sucessão pela União
O fundamento adotado no acórdão recorrido de que a sucessão da União atrairia um regime de indisponibilidade incompatível com a arbitragem não encontra amparo na doutrina, que, fazendo clara distinção entre direitos disponíveis e interesse público, indica na realidade o oposto:
“Sempre que puder contratar, o que importa disponibilidade de direitos patrimoniais, poderá a Administração, sem que isso importe disposição do interesse público, convencionar cláusula de arbitragem” (XXXX, Xxxx Xxxxxxx. Arbitragem e contratos administrativos, p. 20).
“Cabe a arbitragem sempre que a matéria envolvida possa ser resolvida pelas próprias partes, independentemente de ingresso em Juízo. Se o conflito entre o particular e a Administração Pública é eminentemente patrimonial e se ele versa sobre matéria que poderia ser solucionada diretamente entre as partes, sem que se fizesse necessária a intervenção jurisdicional, então a arbitragem é cabível. Se o conflito pode ser dirimido pelas próprias partes, não faria sentido que não pudesse também ser composto mediante juízo arbitral sob o pálio das garantia do devido processo” (XXXXXXXX, Xxxxxxx. Arbitragem e parceria público-privada, in Parcerias público-privadas – um enfoque multidisciplinar, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 343).
“O argumento de que a arbitragem nos contratos administrativos é inadmissível porque o interesse público é indisponível conduz a um impasse
insuperável. Se o interesse público é indisponível ao ponto de excluir a arbitragem, então seria indisponível igualmente para o efeito de produzir contratação administrativa. Assim como a Administração Pública não disporia de competência para criar a obrigação vinculante relativamente ao modo de composição do litígio, também não seria investida do poder para criar qualquer obrigação vinculante por meio contratual. Ou seja, seriam inválidas não apenas as cláusulas de arbitragem, mas também e igualmente todos os contrato administrativos” (XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Curso de direito administrativo, 11. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015, p. 824-825).
Mesmo que se adotasse o entendimento contrário, isto é, de que a Lei 11.483/2007, ao declarar a União sucessora da RFFSA teria mudado o regime do contrato, o que dessa compreensão se poderia inferir, quando muito, seria a proibição de que fossem firmadas novas cláusulas compromissórias. Não poderia, todavia, esse entendimento invalidar o compromisso passado, sob pena de ofensa ao ato jurídico perfeito. Nesse sentido:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CADERNETA DE POUPANÇA - CONTRATO DE DEPÓSITO VALIDAMENTE CELEBRADO - ATO JURÍDICO PERFEITO - INTANGIBILIDADE CONSTITUCIONAL - CF/88, ART. 5º, XXXVI - INAPLICABILIDADE DE LEI SUPERVENIENTE À DATA DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE DEPÓSITO, MESMO QUANTO AOS EFEITOS FUTUROS DECORRENTES DO AJUSTE NEGOCIAL - RE NÃO CONHECIDO. CONTRATOS VALIDAMENTE CELEBRADOS - ATO JURÍDICO PERFEITO - ESTATUTO DE REGÊNCIA - LEI CONTEMPORÂNEA AO MOMENTO DA CELEBRAÇÃO.
- Os contratos submetem-se, quanto ao seu estatuto de regência, ao ordenamento normativo vigente à época de sua celebração. Mesmo os efeitos futuros oriundos de contratos anteriormente celebrados não se expõem ao domínio normativo de leis supervenientes. As conseqüências jurídicas que emergem de um ajuste negocial válido são regidas pela legislação em vigor no momento de sua pactuação. Os contratos - que se qualificam como atos jurídicos perfeitos (RT 547/215) - acham-se protegidos, em sua integralidade, inclusive quanto aos efeitos futuros, pela norma de salvaguarda constante do art. 5º, XXXVI, da Constituição da República. Doutrina e precedentes. INAPLICABILIDADE DE LEI NOVA AOS EFEITOS FUTUROS DE CONTRATO ANTERIORMENTE CELEBRADO - HIPÓTESE DE RETROATIVIDADE MÍNIMA - OFENSA AO PATRIMÔNIO JURÍDICO DE UM DOS CONTRATANTES - INADMISSIBILIDADE.
- A incidência imediata da lei nova sobre os efeitos futuros de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradora do ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade injusta de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláusula constitucional que tutela a intangibilidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas. Precedentes.
[...]
(RE 204.769, relator Ministro Xxxxx xx Xxxxx, Primeira Turma, julgado em 10/12/1996, DJ 14/3/1997 – sem destaque no original).
Não tem relevância o fato de que a sucessão da União, no caso dos autos, ocorreu sobre uma ação indenizatória já em curso, que tem como causa de pedir o
alegado descumprimento do contrato. Isso porque, conforme entendimento positivado no art. 8º da Lei 9.307/1996 e pacificado em doutrina e jurisprudência, a cláusula compromissória constitui um negócio jurídico autônomo, que tem justamente a finalidade de permitir a resolução de disputas, expressando a vontade das partes de que o juízo arbitral permaneça competente durante as controvérsias envolvendo o contrato. A propósito:
O princípio da autonomia da cláusula compromissória privilegia a manutenção da vontade das partes em submeter os conflitos relacionados a determinada relação contratual à arbitragem, tutelando a integridade da convenção de arbitragem. O enfoque recai na intenção das partes em criar um negócio jurídico específico para dirimir eventuais conflitos decorrentes ou relacionados de outra relação jurídica, reforçando a efetividade da própria cláusula compromissória.
[...]
Da natureza especial desse negócio jurídico, cuja razão de ser é justamente permitir a resolução de disputas, é de se presumir que a intenção dos contratantes ao prevê-lo é a de que esse negócio permaneça válido e eficaz independentemente de pleitos como inexistência, invalidade ou ineficácia da relação jurídica base (FICHTNER, Xxxx Xxxxxxx ... [et. al.]. Convenção de arbitragem: parte geral. 1a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 578).
Além disso, contraria a boa-fé objetiva que a União, por um lado, postule indenização pelo descumprimento do Contrato OUT/5037/76 e, por outro, queira afastar a cláusula compromissória nele inserida.
As exigências da boa-fé devem moldar também a conduta processual das partes, inclusive no exercício do direito de ação, como defende Menezes Cordeiro:
Nestas condições, a aplicação da boa-fé e do abuso do direito, nos domínios processuais civil, não oferece quaisquer dúvidas. Desde logo tal ocorre no plano substancial do processo. As ações judiciais intentadas contra a confiança previamente instilada ou em grave desequilíbrio, de modo a provocar danos máximos a troco de vantagens mínimas, são abusivas: há abuso do direito de ação judicial (in Litigância de má-fé, abuso do direito de ação e culpa in agendo. Coimbra: Almedina, 2014, p. 145).
5. Transmissão da cláusula compromissória
Seja pela validade da cláusula compromissória, seja pela imposição ético- jurídica de que sejam preservadas as legítimas expectativas dos contratantes, deve-se aplicar no caso dos autos o entendimento que preconiza a transmissibilidade desse tipo de cláusula em caso de sucessão:
Não obstante, em certas situações a doutrina e a jurisprudência - judicial e arbitral - admitem a extensão dos efeitos da cláusula
compromissória a não signatários. Um caso mais óbvio é o dos sucessores dos cessionários e dos sub-rogados em contratos que contenham cláusulas compromissórias. Embora não tenha havido pactuação expressa da cláusula compromissória, a nova parte da relação contratual a recebe no estado em que ela se encontrava, entrando nos sapatos do contratante original e, portanto, sujeito dos mesmos direitos e obrigações, inclusive no tocante à cláusula arbitral. Em tais hipóteses, por sinal, é tecnicamente mais apropriado falar-se em transmissão, do que propriamente em extensão, da cláusula compromissória à nova parte (XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx. Os contratos conexos, as garantias e a arbitragem na indústria do petróleo e do gás natural. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, n. 29, p. 173, abr./jun. 2011).
No mesmo sentido: "ao cessionário, também, impõem-se os efeitos do compromisso ou da cláusula arbitral, salvo se excetuado no ato negocial de transmissão" (XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Cláusula compromissória. In: XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx; XXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx (coord.). Aspectos fundamentais da Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 220).
E, ainda, o Enunciado 16, aprovado na 1ª Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, Coordenado pelo Ministro Xxx Xxxxxx:
16. O adquirente de cotas ou ações adere ao contrato social ou estatuto no que se refere à cláusula compromissória (cláusula de arbitragem) nele existente; assim, estará vinculado à previsão da opção da jurisdição arbitral, independentemente de assinatura e/ou manifestação específica a esse respeito.
Essa posição já foi acolhida pela Corte Especial do Superior Tribunal de
Justiça:
SENTENÇA ESTRANGEIRA. JUÍZO ARBITRAL. CONTRATO INTERNACIONAL FIRMADO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI DE ARBITRAGEM (9.307/96). ACORDO DE CONSÓRCIO INADIMPLIDO. EMPRESA BRASILEIRA QUE INCORPORA A ORIGINAL CONTRATANTE
. SENTENÇA HOMOLOGADA.
1. Acordo de consórcio internacional, com cláusula arbitral expressa, celebrado entre empresas francesa e brasileira.
2. A empresa requerida, ao incorporar a original contratante, assumiu todos os direitos e obrigações da cedente, inclusive a cláusula arbitral em questão, inserida no Acordo de Consórcio que restou por ela inadimplido.
3. Imediata incidência da Lei de Arbitragem aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que firmados anteriormente à sua edição. Precedente da Corte Especial.
4. Sentença arbitral homologada.
(SEC n. 831/FR, relator Ministro Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, Corte Especial, julgado em 3/10/2007, DJ de 19/11/2007, p. 177 – sem destaque no original.)
6. Conclusão
Fixada a competência do Juízo arbitral, com a consequente extinção do processo judicial sem resolução do mérito, ficam prejudicadas as demais alegações deduzidas no recurso especial.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, a fim de, com fundamento no art. 485, VII, do Código de Processo Civil (art. 267, VII, do Código de Processo Civil de 1973), declarar extinto o feito sem resolução do mérito.
É voto.
Fl.__________
Superior Tribunal de Justiça S.T.J
CERTIDÃO DE JULGAMENTO PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2020/0106399-6 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 2.143.882 / SP
Números Origem: 00548349819994036100 199961000548348 50007024020174030000
PAUTA: 11/06/2024 JULGADO: 11/06/2024
Relator
Exmo. Sr. Ministro XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. XXXXX XXXXXX XXXXXX XXXXXXXX
Secretária
Bela. XXXXXXX XXXXXX XXXXX XXXXXX
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : ETE EQUIPAMENTOS DE TRACAO ELETRICA LTDA RECORRENTE : CEBRAF SERVICOS LTDA.
RECORRENTE : SCHNEIDER ELECTRIC BRASIL LTDA ADVOGADOS : XXXXXXXX XXXXXX - SP083943
XXXXXXX XXXXXX XXXXXX - DF013134 XXXXXXX XX XXXXX XXXX - SP343113 XXXXX XXXXXXXXXX VENOSA - SP406316
RECORRIDO : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO RECORRIDO : UNIÃO
ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO -
Contratos Administrativos
SUSTENTAÇÃO ORAL
Assitiu ao julgamento o Dr. XXXXXXXX XXXXXX, pela parte RECORRENTE: ETE EQUIPAMENTOS DE TRACAO ELETRICA LTDA e OUTROS
Sustentaram oralmente o Dr. XXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX, pela parte RECORRIDA: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO e o Dr. XXXXXX XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, pela parte RECORRIDA: UNIÃO
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A PRIMEIRA TURMA, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, a fim de acolher a preliminar de convenção de arbitragem e extinguir o feito sem resolução do mérito, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxx xx Xxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator.
X0000000000000000;0098@ 2020/0106399-6 - REsp 2143882
Documento eletrônico VDA41927298 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): XXXXXXX XXXXXX XXXXX XXXXXX, PRIMEIRA TURMA Assinado em: 11/06/2024 15:31:49
Código de Controle do Documento: 39A34AC0-15C1-4951-A956-2EA9BC7D3B18