NOVOS MODELOS DE INVESTIMENTO
NOVOS MODELOS DE INVESTIMENTO
Como a IN 38/2017 e o XX 000/00 alteraram e criaram alternativas aos contratos de investimento nas sociedades limitadas
XXXX XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX
Macaé 2021
XXXX XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX
NOVOS MODELOS DE INVESTIMENTO
Como a IN 38/2017 e o XX 000/00 alteraram e criaram alternativas aos contratos de investimento nas sociedades limitadas
O presente trabalho de conclusão de curso é apresentado como requisito para conclusão do Curso de Bacharel em Direito da Universidade Federal Fluminense, sob a orientação do Professor Doutor Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx.
Macaé – RJ
2021
Dedico esse trabalho a todas as pessoas que passaram em minha vida, de qualquer forma ou sentido, não seria hoje quem eu sou sem que todas as circunstâncias ao longo dessa estrada não tivessem aqui me colocado.
AGRADECIMENTOS
A finalização deste trabalho de conclusão de curso representa muito mais que a mera formalidade exigida para a finalização e conclusão do curso de Bacharel em Direito. Esse trabalho traz consigo experiências pessoais e profissionais adquiridas ao longo dos mais de 05 (cinco) anos de curso na Universidade Federal Fluminense
– ICM, dos quais não seriam tão bons, proveitosos, inesquecíveis e marcantes, não fossem algumas pessoas que estavam meu lado por praticamente toda essa caminhada.
Em primeiro, a minha namorada que por muitos já é denominada como esposa, por ter me apoiado em todos os momentos, desde as difíceis decisões quanto a matéria a ser escolhida para a prova da OAB, quanto aos últimas dias de escrita deste trabalho, quando a cabeça já não funcionava e os olhos ardiam, mas o apoio dela me manteve focado e possibilitou a finalização deste trabalho, e tenho certeza que esse mesmo apoio perdurará por anos a fio, até o final de nossas vidas.
Minha mãe e meu pai que, sem eles nada seria possível já que me deram a vida, mas também me deram muito mais, me deram modelos a serem seguidos, não de ídolos perfeitos, mas de seres humanos que, com todas as nossas, prevalecem bons, determinados e, acima de tudo, implacáveis no amor ao próximo.
Ao meu irmão que mesmo com a distância, permaneceu como uma rocha constante e certeira, independente do dia ou momento, nunca deixando de me dar um bom dia ou um boa noite, e que em qualquer circunstância eu sempre soube que estaria ali, para o que der vier, como sempre foi e sempre será durante toda a nossa vida.
Aos inúmeros amigos, de escola, que moldaram boa parte da minha personalidade até chegar à universidade, e aos que fiz na UFF, por permitiram que esses anos fossem tão leves e cheios de vida, devendo ser pontuado aqui os amigos do Lado A, com certeza vivenciar a 2016.1 não seria a mesma coisa sem vocês, e os incríveis amigos da República Doutrina, que me acolheram em uma família disposta a abraçar, cuidar e moldar os melhores alunos que a XXX Xxxxx já teve.
Por fim, gostaria de estender meus agradecimentos a todos que passaram pela Atlética Doutrinadores, que desde o primeiro dia estavam presentes na minha caminhada pela UFF, assim como a todos os Diretores e membros que passaram pela Destra Assessoria Xxxxxxxx Xx, assim como o meu orientador, Professor Xxxxx
Xxxxxxxx, que toparam uma iniciativa sem precedentes e que rende frutos incríveis até hoje, sem vocês esse trabalho nem sequer existiria.
“O uso de novas tecnologias societárias deve ser estimulado, e não impedido por entraves burocráticos ou regulatórios, especialmente em uma hora em que tanto precisamos de investimentos”
Profª. Drª. Uinie Caminho
RESUMO
É de conhecimento notório que grandes são as dificuldades que o empresário brasileiro enfrenta ao empreender, especialmente na obtenção de investimentos diversos em sua atividade empresária. A IN 38/2017 do DREI tem contribuído para o saneamento dessa deficiência, viabilizando por meio da regulamentação eficiente que novos modelos de investimentos fomentem a circulação de recursos viabilizando ampliação e otimização das atividades econômicas desenvolvidas a partir das sociedades limitadas, permitindo que estas venham a emitir quotas preferenciais ou mesmo manter quotas em tesouraria, a exemplo das sociedades por ações, ampliando de forma significativa os meios disponíveis para que terceiros interessados ou mesmo fundos de investimento privados possam investir recursos de uma maneira mais célere, segura e transparente, proporcionando ao retorno remunerado do capital um significado na busca pela meta de promover justiça social a partir da atividade econômica desenvolvida livremente.
Palavras-chave: atividade econômica, eficiência, investimentos, livre iniciativa, regulamentação
SUMÁRIO
1. A INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 38/2017 1
1.1. A regência supletiva da Lei das S/A na sociedade limitada 2
1.1.1. A emissão de quotas preferenciais em sociedade limitada 3
1.1.1.1 Os efeitos das quotas preferenciais nas sociedades limitadas. 4
1.1.2. A possibilidade da existência de quotas em tesouraria. 5
1.1.3. A criação de Conselhos de Administração nas sociedades limitadas. 6
2. O MARCO LEGAL DAS STARTUPS (PL 146/19) 7
2.1. Definição de Startup 9
2.2. Novas possibilidades de investimento através do MLS 10
3. OS TIPOS DE INVESTIMENTO NAS LTDAS 11
3.1. Modelos mais comuns antes da IN nº 38/2017 e DO XX 000/00 12
3.1.1. Sociedade em Conta de Participação como modelo de investimento 12
3.1.2. Mútuo conversível de quota ordinária 14
3.1.3. Investidor Anjo (LC 155/16) 15
3.2. Novos modelos de investimento 19
3.2.1. Contrato de Vesting 20
3.2.2. Contrato de incubação e aceleração 23
3.2.3. Mútuo conversível de quota preferencial 23
3.2.4. Contrato de investimento por fundo privado (private equity) 28
3.2.5. Stock option 31
4. EMPRESAS LIMITADAS E INVESTIMENTO 34
4.1. O uso das sociedades limitadas por startups. 34
4.2. A segurança nos novos modelos de investimento 35
4.2.1. Segurança para empresa limitada investida 36
4.2.2. Segurança para o investidor 37
4.3. A importância da facilitação aos investimentos em sociedades limitadas 38
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 41
6. REFERÊNCIAS 43
INTRODUÇÃO
O trabalho em questão visa, em um primeiro momento, discorrer sobre a Instrução normativa nº 38/2017 publicada pelo Departamento de registro Empresarial e Integração (DREI) que teve como um dos principais pontos a revisão de suas antigas Instruções Normativas que regulamentavam e proibiam o uso de alguns institutos típicos das Sociedades Anônimas pelas limitadas, ainda que o parágrafo único do artigo 1.0531 do Código Civil já permitisse a regência supletiva da Lei das Sociedades Anônimas.
Com essa mudança a análise do presente trabalho será através de uma comparação histórica inicial entre o uso destes institutos pelas sociedades limitadas ao longo do tempo no ordenamento jurídico brasileiro, como por exemplo a permissão do uso de todos os institutos aqui discutidos através do Decreto Lei nº 3.708/19192, mas que foi revogado posteriormente pelo Código Civil de 2002, para finalmente chegar à publicação da referida IN 38/2017 que trouxe consigo novamente essas possibilidades.
Após essa elucidação, será discorrido de maneira mais detalhada sobre dois dos novos institutos permitidos, a saber: a possibilidade de quotas em tesouraria e criação de quotas preferenciais. Essas inovações trazem grandes mudanças para as Sociedades Limitadas, e em um novo mundo de tecnologias, startups e um direito cada vez mais digital, o presente trabalho irá se debruçar sobre elas apontando novos caminhos nos contratos de investimento, a partir do uso destes novos institutos recém- admitidos, que já eram utilizados antes de sua regulação pelo DREI mas que ao se tornarem Instruções Normativas ganham maior segurança jurídica.
A partir desse aumento na segurança jurídica do uso destes novos dispositivos nas Sociedades Limitadas o legislador e a sociedade perceberam a necessidade de ampliar seus efeitos, até então unicamente atrelados à regras de um órgão administrativo que poderiam ser revogadas ou alteradas, na formulação de uma nova legislação que não apenas permitisse o uso dos institutos típicos de Sociedades Anônimas pelas Sociedades Limitadas, mas que criasse novas possibilidades e
1 Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.
2 Legislação que regulava a constituição das sociedades por quotas de responsabilidade limitada.
modelos de investimento específicos para as Sociedades Limitadas “do futuro”, tendo sido assim apresentado o Projeto de Lei nº 146 de 2019, conhecido popularmente como Marco Legal das Startups (MLS), projeto esse que foi aprovado na Câmara dos Deputados em 14 de dezembro de 2020 e que aguarda sua aprovação no Senado Nacional e que é apresentado de forma breve para que os pontos abordados no projeto também possam ser alvo de discussão ao longo do presente trabalho.
Para trazer melhor elucidação quanto ao teor geral da tese, o próximo passo será apontar os tipos de contrato de investimento que serão abordados, passando então pela Lei Complementar 155/16 (Lei do Investidor Anjo), o uso do mútuo conversível como forma de investimento, e, por fim, os “novos contratos de direito” hoje em dia permitidos pela jurisprudência mas ainda dependentes da aprovação do MLS para que tenham previsão legal expressa, sendo estes os Contratos de Vesting, Aceleração e Incubação, Mútuo Conversível de Quota Preferencial, Investimento por Fundos Privados, e as Stock Option.
Passadas as explicações mais detalhadas de cada parte abordada dentro da tese, o ponto chave será o de interação entre todos estes temas, ampliando a visão sobre as facilidades, peculiaridades e especificidades permitidas nos contratos de investimento a partir dos novos modelos aceitos pela jurisprudência e presentes no MLS, sendo tal visão respaldada sempre em diretrizes concretas quanto a exequibilidade, a responsabilidade de cada parte perante a sociedade e terceiros, as divergências doutrinárias e, se existentes, jurisprudenciais quanto ao tema, bem como sua aplicabilidade nos casos concretos.
Assim, o método de pesquisa utilizado ao longo de todo o trabalho foi o de consulta à bibliografia técnica – teses, livros, legislação e jurisprudência – bem como à bibliografia de divulgação do tema – sites e artigos. Tendo sido necessária a demarcação de alguns limites dentro do estudo apresentado, principalmente no tocante ao recorte quanto ao tipo societário estudado, eis que é muito vasta a bibliografia sobre contratos de investimento e seu uso nas Sociedades Anônimas, sendo a característica do presente Trabalho de Conclusão de Curso o apontamento das novas formas de investimento, e não um debate ostensivo quanto aos métodos já utilizados e devidamente respaldados em legislação, assunto este que já possui vasta coleção de artigos e debates doutrinários a seu respeito.
1. A INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 38/2017
A Lei nº 8934 de 1994 instituiu em todo o território nacional o regramento sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, estando nesse dispositivo legal a expressa criação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI)3, que tem como principais funções o estabelecimento e consolidação das normas e diretrizes gerais do Registro Público de Empresas Mercantis, bem como o de solucionar dúvidas ocorrentes na interpretação das leis, regulamentos e demais normas relacionadas com o registro de empresas mercantis, baixando instruções para esse fim.
É nesse último ponto em relação a possibilidade de se baixar instruções com força legal quanto à aplicação dessas normas dentro das Sociedades Empresárias em seus contratos sociais e demais dispositivos que devem ser apresentados para registro que o presente trabalho tem seu foco inicial.
Durante a vigência da antiga Lei das Limitadas4, com base na previsão do seu artigo 18 era possível e comum a criação de quotas preferenciais dentro dos contratos sociais das sociedades limitadas, em analogia à possibilidade expressa da criação de ações preferenciais nas sociedades anônimas, tendo a doutrina à época entendido como completamente legal esta prática. Porém, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 essa possibilidade se tornou alvo de grandes polêmicas tanto para a doutrina como para a jurisprudência, tendo então o DREI baixado a Instrução Normativa nº 10 de 20135 para sanar essas discussões, proibindo a prática da criação de quotas preferenciais nas sociedades limitadas.
Esse entendimento por parte do DREI foi alvo de grandes críticas de boa parte dos Doutrinadores de Direito Empresarial, como por exemplo Xxxxx Xxxxx Xxxx, hoje atual Diretor Geral do Departamento de registro Empresarial e Integração, já que o artigo 1.007 do Código Civil de 2002 tinha previsão expressa para que o contrato social pudesse estipular a distribuição desproporcional dos lucros entre os sócios, ou seja, estipulava a possibilidade da criação de um estilo de quota societária com
3 Art. 4º da Lei 8934/1994 que teve sua redação alterada pela Lei nº 13.874/2019, popularmente conhecida como a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica.
4 Decreto nº 3.708 de 1919 que foi posteriormente extinto com a entrada em vigor do novo Código Civil de 2002.
5 Em seu Anexo II, item 1.2.16.3 do manual de registro editado pela IN nº 10 de 2013.
preferências sob as demais. Foi então após inúmeros anos de críticas que o DREI lançou a excelente Instrução Normativa nº 38 de 2017, aprovando novos manuais de registro e finalmente retirando a proibição da criação de quotas preferenciais pelas sociedades limitadas de forma expressa em seu texto no item que tange sobre a regência supletiva das sociedades limitadas pela Lei 6.404/19766, conhecida como Lei das Sociedades por Ações.
Além da possibilidade da emissão de quotas preferenciais a IN nº 38/2017 também abriu margem para outras duas práticas societárias de suma importância para as sociedades limitadas, sendo estas a volta da autorização de aquisição de quotas pela própria sociedade para armazenamento em tesouraria e a possibilidade da criação de Conselhos de Administração, instrumentos fundamentais para a ampliação das possibilidades de investimento nas limitadas, mitigando riscos e aumentando as capacidades de recebimento de recursos.
As possibilidades apresentadas e abaixo mais discriminadas – Conselho de Administração, quotas preferenciais e quotas em tesouraria – trazem às sociedades limitadas uma maior adaptabilidade e praticidade frente aos diversos meios e modelos de negócios presentes atualmente no cenário empresarial brasileiro e mundial, tornando esse modelo de sociedade ainda mais atraente, tendo sido inclusive ponto fundamental na proposição do Projeto de Lei nº 6.104 de 2019, que ainda não foi apreciado pela Câmara dos Deputados, mas que tornaria as previsões do IN 38/2017 em relação as possibilidade de quotas preferenciais texto expresso no Código Civil, aumentando ainda mais a segurança jurídica para a utilização deste instituto pelas Sociedades Limitadas.
1.1. A REGÊNCIA SUPLETIVA DA LEI DAS S/A NA SOCIEDADE LIMITADA
Via de regra as normas que regem as sociedades limitadas estão elencadas nos 36 artigos específicos sobre o tema no Código Civil, mais precisamente aqueles entre os artigos 1.052 e 1.087, sendo expresso ainda no artigo 1.053 caput que na omissão de qualquer uma dessas regras será aplicado subsidiariamente as normas da sociedade simples pura, presentes entre os artigos 997 e 1.038 do mesmo Codex.
6 Em seu Anexo II, item 1.4 do manual de registro editado pela IN nº 38/2017.
Não obstante tal previsão, o parágrafo único do mesmo artigo 1.053 dispões que “o contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima” sendo essa uma importantíssima possibilidade adicionada pelo legislador.
Ressalta-se primeiro que a regência supletiva não significa que todas as matérias que não possuam regulação específica no Código Civil em relação as sociedades limitadas estarão automaticamente regidas pela Lei das S/A, uma vez que o princípio regente das sociedades limitadas é o da contratualidade, ou seja, as previsões do Contrato Social tem um caráter impositivo superior ao da regência supletiva na Lei das S/A. Assim fica evidente que existe um limite para até onde as regras das S/A poderão ser aplicadas, sendo esse limite o que estiver disposto no contrato social, podendo apenas serem aplicadas as regras da regência supletiva quando estas forem compatíveis com o regime contratual da sociedade limitada.
No entanto, para a análise presente neste trabalho a regência supletiva se faz crucial, uma vez que a legislação nacional não consegue acompanhar o rápido crescimento econômico e os novos modelos de negócios e de empresas criados ao longo dos anos, sendo então um diferencial enorme a possibilidade da adequação de algumas regras das sociedades anônimas para as limitadas, isso porque uma empresa nascente começar como sociedade anônima no Brasil seria, se não inédito, algo pouquíssimo usual em razão dos altos custos exigidos para a real criação de uma sociedade anônima no país, fato esse escancarado ao analisarmos o número total de sociedades limitadas que hoje totalizam 1.002.017 (hum milhão duas mil e dezessete), ao passo que as sociedades anônimas somam apenas 163.427 (cento e sessenta e três mil quatrocentos e vinte e sete) empresas7.
1.1.1. A emissão de quotas preferenciais em sociedade limitada
Como apontado no texto acima a antiga lei das limitadas permitia que as quotas das sociedades limitadas fossem divididas entre quotas preferenciais e ordinárias, tal qual a lei das sociedades anônimas permite a divisão de suas ações. No entanto, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o dispositivo que
7 Dados retirados do Mapa de Empresas do Governo Federal de 18 de junho de 2020 – disponível em xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx.
mencionava expressamente essa possibilidade foi suprimido dentro do codex legal, tendo o DREI passado a entender pela impossibilidade desse ato.
As quotas preferenciais são aquelas onde o seu possuidor pode receber algumas vantagens, como antecipação do valor de dividendos, preferência de recebimento entre outras, tendo em contrapartida seu direito ao voto retirado dentro da sociedade, deixando de exercer assim qualquer poder sobre as decisões administrativas da empresa.
Apesar de inúmeras divergências de doutrinadores, como Xxxxx Xxxxx Xxxx0 e Xxxxx Xxxxxx0, que sempre pontuaram como um grave erro a interpretação anterior do DREI sobre a impossibilidade do uso de determinados institutos das Sociedades Anônimas pelas Limitadas, ainda que com a previsão da regência supletiva, somente em 2017 com o advindo da Instrução Normativa nº 38 é que foi novamente inserido no meio do direito empresarial brasileiro a possibilidade da emissão de quotas preferenciais em sociedades limitadas.
Essa permissão é ponto chave do presente trabalho, uma vez que as quotas preferenciais puderam passar a ser utilizadas como mecanismo para a inserção de sócios não administradores, ou seja, investidores que pretendiam lucrar com o crescimento de determinado negócio, sem, porém, ter qualquer responsabilidade administrativa.
1.1.1.1. Os efeitos das quotas preferenciais nas sociedades limitadas
Um dos principais pontos positivos trazidos por essa possibilidade é não responsabilização de sócios minoritários ou não administradores face qualquer processo movido contra a empresa da qual fazem parte, sendo muito mais simples distinguir os sócios administradores dos sócios investidores quando existe essa divisão dentro das quotas preferenciais e ordinárias, bem como a previsão desta no Contrato Social da empresa, uma vez que hoje diante de um cenário onde não existia tal possibilidade, o que existe são decisões conflitantes quanto a aplicação do instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica ante sócios minoritários não administradores, onde o Superior Tribunal de Justiça recorrentemente permite tal
8 XXXXX XXXX, Xxxxx. Direito Empresarial. Volume Único. 10ª Edição, São Paulo – SP: Método, 2020 – páginas 355-356.
9 xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/xx-xxxxx-xxxxxxxxxx-xxxxxxxxxx-xxxx
desconsideração10, sendo o uso dos institutos de quotas preferenciais perfeitos para encerrar essa discussão e dar fim a tamanha insegurança jurídica por parte dos investidores.
Deve ser pontuado também que a mera existência no contrato social da divisão das quotas em preferenciais e ordinárias já configura de forma automática aquela Sociedade Limitada como uma sociedade com a regência supletiva nas Lei das S/A, não sendo necessário portanto que exista uma cláusula específica para reafirmar esse tema, devendo ser ressalvado o fato de que há um limite de emissão das quotas preferenciais em uma sociedade limitada, sendo esse o de 50% (cinquenta por cento) da totalidade de suas quotas, não podendo assim existir uma sociedade limitada onde mais da metade de suas quotas seja preferencial, uma vez que tal fato ensejaria em algumas complicações em relação a real administração ou não da empresa, já que apesar de não ter direito a voto a pessoa poderia manipular a empresa através da compra e venda das quotas.
1.1.2. A possibilidade da existência de quotas em tesouraria
Além de liberar a possibilidade de emissão de quotas preferenciais, a Instrução Normativa nº 38/2017 do DREI também deu grande passo para ampliar as possibilidades de investimentos e gestão dentro das sociedades limitadas permitindo a aquisição de quotas (e sua reserva) pela tesouraria da empresa. Esse foi um passo enorme em direção a uma maior autonomia as empresas regidas pelo sistema das sociedades limitadas, uma vez que permite, por exemplo, que na saída de sócias das sociedades limitadas suas quotas sejam adquiridas pela própria empresa, desde que possua recursos para isso ou no saldo de lucros ou nas reservas declaradas das empresas.
Essa aquisição das quotas pela própria sociedade pode acontecer preferencialmente quando os sócios que permanecerem na empresa não tenho recursos pessoais para aquisição das quotas, impedindo assim a entrada de terceiros de má-fé ou até mesmo uma dissolução completa da empresa. Além disso, após a compra das quotas pela própria sociedade estas tem alguns destinos possíveis, sendo
10 STJ – AREsp: 1211646 SP 2017/0303127-1, Relator: Xxxxxxxx XXXXX XXXXXXX, Data de Publicação: DJ 08/02/2018)
estes ou sua manutenção para eventual cessão aos sócios remanescentes, ou mesmo venda para ingresso de novos sócios, desde que respeitado e seguido os dispositivos do contrato social, possibilidade essa onde entra as facilidades para empresas com necessidade recorrente de sócios investidores, uma vez que a própria empresa pode comprar, como acordado no contrato social, as quotas preferenciais de um investidor em uma rodada de investimento inicial para então revender essa quotas à novos investidores em futuras rodadas de investimento maiores.
Por fim, este instituto também pode ser utilizado pelas Sociedades Limitadas como meio para reaver as quotas não realizadas pelos sócios, conforme aponta o parágrafo 4ª do inciso II do artigo 107 da Lei 6.404/76, uma vez que se torna facultado a companhia declarar como caducas as quotas não realizadas, desde que realize por conta própria através da integralização destas quotas com os lucros ou reservas da empresa, possibilidade essa que só se tornou viável com a permissão expressa da existência de quotas em tesouraria, vez que antes de tal fato não seria possível que a própria Sociedade realizasse com seus próprios proveitos as quotas do sócio inadimplente, sendo também possível que ao final dessas transações as cotas em tesouraria serem canceladas e extintas pela empresa, o que resultaria em um aumento nominal no valor das quotas remanescentes dos sócios atuais.
1.1.3. A criação de Conselhos de Administração nas sociedades limitadas
Apesar de não existir previsão expressa no Código Civil sobre a possibilidade de criação de conselhos consultivos ou de administração nas sociedades limitadas, tal possibilidade já foi implementada na jurisprudência, desde que a sociedade em questão esteja sob a regência supletiva da Lei das S/A, possibilidade essa enfim consolidada também através da Instrução Normativa nº 38/201711.
Com os Conselhos de Administração, mais uma vez, se torna muito interessante para empresas com interesse em investidores utilizarem de sociedades limitadas já que investidores sem interesse de gerência política ou direta na administração, mas que possuem algum tipo de expertise nas áreas de atuação, ou em gestão num todo, podem participar do Conselho, sem se responsabilizarem
11 Item 1.2.13.5 do Anexo I da IN 38/2017
diretamente pelas decisões, estão assim eximidos de eventuais problemas jurídicos por má gestão ou confusão patrimonial, facilitando e criando novos meios de seduzir investidores com maior qualidade para a empresa.
Conforme o artigo 14012 da Lei das Sociedades Anônimas, o conselho de administração é escolhido pelos sócios na assembleia-geral, sendo necessária assim necessária a previsão expressa no Contrato Social das Sociedades Limitadas sobre o número máximo ou mínimo de conselheiros, assim como o meio que se dará o processo de escolha e substituição do presidente do conselho e de seus membros, bem como em quais matérias estes terão direito a voto, ou se apenas servirão como conselho consultivo da empresa em determinadas áreas de atuação, trazendo assim toda a possibilidade de que os investidores com expertise em determinados seguimentos possam se estabelecer dentro das empresas, sem porém enfrentarem os riscos ligados aos sócios administradores destas.
2. O MARCO LEGAL DAS STARTUPS
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 146/2019, atualmente conhecido como Marco Legal das Startups se firmou no âmbito legislativo brasileiro em decorrência da crescente necessidade de se regulamentar e incentivar o “empreendedorismo inovador”, uma vez que foi entendido que este é um importante instrumento de desenvolvimento econômico, social e ambiental que deve ser promovido de forma colaborativa pela inciativa pública e privada, sendo um tipo empresarial em constante crescimento no país, conforme a Associação Brasileira de Startups (ABS), que apontou em seu último relatório um crescimento de 207%13 (duzentos e sete porcento) no número de startups entre os anos de 2015 e 2019.
No entanto, é preciso pontuar que apesar do alto crescimento nas Startups no país, o Brasil continuava muito atrás do restante do mundo em relação ao investimento em startups, conforme aponta o estudo feito pela Grant Thornton Brasil14 onde o país conquistou apenas a penúltima colocação entre os países emergentes em relação a porcentagem do PIB alocado para os investimentos em Startup.
12 Art. 140. O conselho de administração será composto por, no mínimo, 3 (três) membros, eleitos pela assembleia-geral e por ela destituíveis a qualquer tempo, devendo o estatuto estabelecer:
13 xxxxx://xxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxx-xxx-xxxxxxxx/
14xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/0/0/0/0/0000000/xxxxxx_xxxxx_xxxxxxxx_xxxx_xxxxxxxxxxxx_xx_xx
artups_-_anjos_do_brasil_e_grant_thornton.pdf
Além disso, o mercado em questão tem se tornado cada vez mais competitivo, atraindo cada vez mais investimento, tendo sido o Brasil o país latino-americano a receber o maior valor em aporte de capital para startups no ano de 2018, conforme os dados organizados pela Associação de Investimento de Capital Privado na América Latina (LAVCA)15, tendo recebido cerca de U$1.4 bilhão (hum bilhão e quatrocentos milhões de dólares) em 2018.
Assim, ficou evidente que não só este era um caminho que seria trilhado pelos empreendedores brasileiros, independente de qualquer regulação específica, como que também poderia vir a se tornar uma importante válvula de escape para a economia em momentos de crise ou estagnação, já que são estes os principais termômetros para o investidor sair da segurança dos ativos tradicionais e buscar o investimento em empresas disruptivas.
Apesar de ainda se tratar de um Projeto de Lei Complementar, o Marco Legal das Startups já teve sua aprovação na Câmara dos Deputados, e no dia 24/02/2021 também foi aprovado no Senado Federal, com algumas modificações no texto, fazendo com que o mesmo retorne para nova aprovação na Câmara, em votação que deve acontecer até antes do meio do ano de 2021, conforme informações prestadas
15 xxxxx://xxxxx.xxx/
pelo Relator do projeto no Senado, o Senador Xxxxxx Xxxxxxxx (PL – RJ)16 , que também deu depoimento sobre a importância do ecossistema das startups para o Brasil:
É um segmento, um ecossistema, da maior importância para o futuro do Brasil, para a juventude e para os empreendedores. Parabenizo a todos os senadores pelo debate democrático e pela conclusão da aprovação do Marco Legal das Startups, atendendo, na sua maioria, ao que pretendia o ecossistema. (Fonte: Agência Senado)
Importante também ressaltar que apesar do entusiasmo geral com o projeto, alguns pontos importantes foram retirados pelo Senado Federal, sendo o mais importante deles a possibilidade do uso de Stock Options17 nas startups, o que diminui parte das possibilidades de investimento possíveis dentro das empresas, tendo sido, porém, adiantado pelo Relator do texto no Senado Federal que tal medida foi feita por ter se entendido que este modelo de investimento é interessante para todos os tipos empresariais no Brasil, não podendo assim estarem restritas apenas as startups, razão pela qual será assunto tratado em outro projeto de lei, específico para esse fim e que englobe mais tipos empresariais.
Com isso, é possível sintetizar os principais assuntos abordados pelo texto do XX 000/0000 em cinco pontos, sendo estes o enquadramento de empresas na definição de startups, as diretrizes de investimento em inovação, o fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação, os programas de ambiente regulatório experimental e a contratação de soluções inovadoras pelo Estado.
2.1. DEFINIÇÃO DE STARTUP
Um dos principais pontos em discussão não só no Brasil, mas ao redor do mundo inteiro é o de como definir uma startup, ou mesmo se é possível traçar critérios específicos e objetivos para delimitar que empresas podem, ou não, ser consideradas startups.
Com isso em mente, o legislador brasileiro tentou delimitar no texto legal a definição direta de startup, ao menos para fins da nova legislação, atribuindo em
16 xxxxx://xxx00.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/0000/00/00/xxxxxx-xxxxxx-xxxxx-xxxxx-xxx-xxxxxxxx-xxxxx- vai-a-camara
17 Opções de ações para funcionários é um rótulo que se refere a contratos de remuneração entre um empregador e um funcionário que carregam algumas características de opções financeiras. Wikipedia (inglês)
primeira mão concepções mais subjetivas quanto ao funcionamento das empresas que podem se enquadrar como tal, finalizando com critérios objetivos referentes aos tipos societários18 que podem ser considerados como startups, receita bruta total para o enquadramento e tempo de inscrição junto ao Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), tudo isso expressamente previsto no artigo 4º da legislação em questão.
Art. 4º São enquadradas como startups as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.
§ 1º Para fins de aplicação desta Lei Complementar, são elegíveis para o enquadramento na modalidade de tratamento especial destinada ao fomento de startup o empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada, as sociedades empresárias, as sociedades cooperativas e as sociedades simples:
I - com receita bruta de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário anterior ou de R$ 1.333.334,00 (um milhão, trezentos e trinta e três mil trezentos e trinta e quatro reais) multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses, independentemente da forma societária adotada;
II - com até 10 (dez) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia; e
III - que atendam a um dos seguintes requisitos, no mínimo:
a) declaração em seu ato constitutivo ou alterador e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços, nos termos do inciso IV do caput do art. 2º da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004; ou
b) enquadramento no regime especial Inova Simples, nos termos do art. 65- A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. § 2º Para fins de contagem do prazo estabelecido no inciso II do § 1º deste artigo, deverá ser observado o seguinte:
I - para as empresas decorrentes de incorporação, será considerado o tempo de inscrição da empresa incorporadora;
II - para as empresas decorrentes de fusão, será considerado o maior tempo de inscrição entre as empresas fundidas; e
III - para as empresas decorrentes de cisão, será considerado o tempo de inscrição da empresa cindida, na hipótese de criação de nova sociedade, ou da empresa que a absorver, na hipótese de transferência de patrimônio para a empresa existente.
Assim, da leitura do caput do artigo em questão é possível perceber que os principais pontos que o legislador tenta trazer para a caracterização de uma startup são a recente operação comercial e a inovação conferida ao modelo e processos de negócio ou aos produtos e serviços oferecidos pela empresa em questão.
18 Empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada, as sociedades empresárias, as sociedades cooperativas e as sociedades simples.
É importante ressaltar que, apesar de ao longo do texto e no conhecimento geral do público, empresas inovadoras geralmente estarem atreladas a inovações tecnológicas com produtos e serviços disruptivos, como foi o caso da Uber19, do iFood20 e de tantos outros aplicativos de serviços que foram lançados nos últimos anos o legislador teve o cuidado de apresentar como possibilidade de startups aquelas empresas que possuem um modelo de negócio inovador, e não somente produtos e serviços, ponto esse de muita valia para o ecossistema de empreendedorismo inovador criado entorno das startups, isso porque muitas das empresas que se consideram startups não criaram necessariamente novos produtos através de tecnologia, mas tão somente criaram novos processos ou meios de gerenciamento em setores empresariais tradicionais, podendo assim essas empresas inovadoras, em seu próprio modelo, serem também enquadradas dentro do Marco Legal das Startups.
2.2. NOVAS POSSIBILIDADES DE INVESTIMENTO ATRAVÉS DO MARCO LEGAL DAS STARTUPS
Um dos principais tópicos dentro do Marco Legal das Startups é a possibilidade do financiamento e investimento das mais variadas formas, inclusive atribuindo novas possibilidades e regramentos facilitadores ao investidor anjo, apesar deste já possuir lei própria21 em vigência no país desde 2016, mas que devido a falta de regulações não era tão aplicada dada a insegurança jurídica quanto ao caráter do investido anjo como sócio ou não da empresa, o que gerava a possibilidade deste responder juridicamente com seu patrimônio pessoal por dívidas e encargos da startup na qual ele investiu.
Além disso, a possibilidade do aporte financeiro por pessoa física ou jurídica, com obrigatório registro contábil, que não resultaria obrigatoriamente como participação em capital social, a depender do instrumento adotado para a captação destes recursos.
Todos esses fatores importam para tentar afastar o risco que o investidor teria ao aplicar suas finanças em uma startup em estar arriscando seu patrimônio particular, uma vez que agora com o texto do Marco Legal das Startups existe a previsão
19 Empresa que permite contratar motoristas particulares via aplicativo para viagens de curta ou longa duração.
20 Empresa de delivery de alimentos, refeições e compras através de aplicativo de celular
21 Lei Complementar nº 155 de 2016
expressa em seu artigo oitavo eliminando, ou ao menos mitigando em grande parte, essa possibilidade.
Art. 8º O investidor que realizar o aporte de capital a que se refere o art. 5º desta Lei Complementar:
I - não será considerado sócio ou acionista nem possuirá direito a gerência ou a voto na administração da empresa, conforme pactuação contratual;
II - não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, e a ele não se estenderá o disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), no art. 855-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, nos arts. 124, 134 e 135 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e em outras disposições atinentes à desconsideração da personalidade jurídica existentes na legislação vigente. Parágrafo único. As disposições do inciso II do caput deste artigo não se aplicam às hipóteses de dolo, de fraude ou de simulação com o envolvimento do investidor.
Assim, com uma proteção legal direta, específica e robusta como a apresentada no projeto de lei em questão, o desenvolvimento do ecossistema de empreendedorismo inovador se torna muito mais fácil e fluído no país, caracterizando cada vez mais o investimento em startups como um meio adequado, seguro e eficaz de se investir, existindo tão apenas os riscos atinentes ao investimento em si, e não possíveis desdobramentos legais que antes pareciam inevitáveis pela falta de uma legislação que os regulamentasse.
3. OS TIPOS DE INVESTIMENTO NAS LTDA
O investimento nas sociedades limitadas é prática comum desde os primórdios do direito brasileiro, existindo essa possibilidade desde a extinta legislação das sociedades limitadas22 que em seu artigo oitavo já previa expressamente a possibilidade da aquisição de quotas liberadas pela própria empresa para captação de investimento.
No entanto, existem alguns modelos de investimento que se tornaram mais comuns em se tratando das sociedades limitadas, seja pela facilidade, seja pela falta de regulação para os outros meios que, hoje, começam a aparecer com maior frequência dada a necessidade de instrumentos mais robustos para reger as relações entre as empresas e os investidores.
3.1. MODELOS MAIS COMUNS ANTES DA IN Nº 38/2017 E DO PL 146/19
22 Decreto Lei nº 3.708 de 1919
As alterações trazidas com as novas disposições da Instrução Normativa nº 38/2017 do DREI e com o Marco Legal das Startups trouxeram grandes mudanças nos modelos de contrato de investimento utilizados pelas sociedades limitadas, não podendo, no entanto, serem desconsiderados os modelos mais tradicionais de investimento, uma vez que continuam passíveis de serem utilizados pela facilidade, comodidade ou mesmo por melhor aplicação a depender do caso concreto.
Aliás, no tocante aos investimentos anteriores ao IN nº 38/2017 e o XX 000/00, necessário destacar a Lei do Investidor Xxxx, de 2016, que antecedeu esses instrumentos na criação de novas possibilidades de investimento, tendo sofrido alterações que facilitam e ampliam seu uso pelo Marco Legal das Startups.
3.1.1. Sociedade em Conta de Participação como modelo de investimento.
Apesar da nomenclatura levar ao entendimento de que a Sociedade em Conta de Participação (SCP) é uma sociedade, na verdade trata-se de um contrato especial de investimento, conforme entendimento de Xxxxx Xxxxx Xxxxxx00 e Xxxxx Xxxxx Cruz24, uma vez que a SCP não possui personalidade jurídica, já que seu ato constitutivo não precisa ser levado a registro na Junta Comercial.
Outros aspectos relevantes para caracterizar a Sociedade em Conta de Participação como um contrato de investimento e não uma sociedade empresária são o fato de que esta não possui necessariamente capital social, bem como também não se liquida por ação de dissolução de sociedade, mas tão somente por medida judicial de prestação de contas, não possuindo também nome empresarial.
Com todos esses aspectos, fica muito difícil entender qualquer posicionamento que tenha a SCP como uma sociedade empresária, inclusive o artigo. 991 do Código Civil25 que apresenta a Sociedade em Conta de Participação na legislação brasileira é explicita em apontar que existem apenas dois tipos de sócios na SCP, sendo o primeiro deles o sócio ostensivo e o segundo o sócio participante,
23 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de direito comercial. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 478. V. 2.
24 XXXXX XXXX, Xxxxx. Direito Empresarial. Volume Único. 10. ed. São Paulo: Método, 2020. P. 332.
25 Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.
Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.
porém toda a atividade constitutiva da dita sociedade só é exercida pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais sócios ocultos apenas dos resultados correspondentes.
Ora, é evidente aqui que a referida “sociedade” existe tão apenas dentro de si própria, entre os sócios envolvidos, ao passo que perante terceiros o único com responsabilidades e autoridade de representar a sociedade é o sócio ostensivo, ficando ainda claro o caráter de contrato de investimento da SCP quando colocado a pontuação de que o sócio ostensivo pode ser pessoa jurídica. O doutrinador Gladston Xxxxxx traz em seu livro26 exemplo prático desta função da SCP como um contrato de investimento:
A Archel Engenharia Ltda., construtora sediada em Porto Alegre, criou uma oportunidade de investimento para terceiros, a qual chamou de Sistema de Investimentos (SIIM) permitindo-lhes investidos nos empreendimentos da construtora. Assim, para cada novo empreendimento imobiliário, a Archel constitui uma sociedade em conta de participação, ficando com um mínimo de 25% das quotas e negociando com terceiros as quotas restantes. O titular de cada quota responde por um percentual das despesas da obra e faz jus a igual percentual nos lucros; quem tiver quotas, que representem 10% do empreendimento, responderá por tal percentual nas despesas da construção e merecerá um décimo dos lucros. A Archel é a sócia ostensiva; a ela cabe vender as unidades (casas, apartamentos etc.) contratar trabalhadores, comprar materiais e construir a edificação. Os investidores são sócios ocultos, que participam das despesas e dos resultados do empreendimento.
Para o mercado e a comunidade em geral, existe apenas o sócio ostensivo
– a construtora, no exemplo -, não a sociedade em conta de participação. Somente o sócio obriga-se com terceiros: trabalhadores, fornecedores, consumidores. Por seu turno, os sócios ocultos também não mantém relação com terceiros, mas suas relações jurídicas estão limitadas ao sócio ostensivo, sendo reguladas pelo contrato que estabeleceram.
Ao ler o exemplo do professor Xxxxxxxx fica muito fácil de entender a motivação em considerar as SCP como modelo de investimento, uma vez que na falta de outros mecanismos é o único modelo onde pessoas naturais ou jurídicas conseguiam investir em determinadas empresas sem arriscar serem responsabilizadas como sócios, podendo ainda dispor contratualmente em como seria feita a distribuição dos lucros e as despesas.
No entanto, ouso da SCP é muito pontual, uma vez que necessita de um objeto social específico para sua realização não tem o costume de ser feita para perdurar, mas tão somente para negócios ou empreendimentos pontuais, razão pela
26 XXXXXX, Xxxxxxxx. Manual de direito empresarial. São Paulo: Atlas, 2005. P. 25.
qual não é utilizada amplamente por investidores que acreditam no potencial de crescimento de médio ou longo prazo da empresa, como é o caso das startupsv Nesse sentido, até é possível sua utilização junto as startups, mas de forma mais contida, apenas para o lançamento de produtos ou serviços pontuais e específicos, e não para captação de investidores que visam capitalizar a empresa como um todo, apostando no seu crescimento ao longo dos anos.
3.1.2. Mútuo conversível de quota ordinária
O mútuo conversível se tornou instrumento comumente utilizados por sociedades limitadas de todos os setores, mas principalmente utilizado por startups desde o princípio do movimento do empreendedorismo de inovação no Brasil. O uso do contrato de mútuo conversível é uma apropriação dos debentures, previstos nos artigos 53 e 54 da Lei das Sociedades por Ações27, neste caso utilizado pelas sociedades limitadas.
A utilização deste mecanismo como instrumento de investimento se popularizou devido a sua praticidade, uma vez que o mútuo nada mais é que a emissão de uma dívida por parte da sociedade, com prazo de vencimento, para captação deste recurso que a empresa ainda não possui, de um investidor pessoa física ou jurídica, podendo ao final do prazo do contrato esse valor investido ser devolvido, com juros e correção, ou convertido em quotas da sociedade, entrando de vez o investidor como sócio da empresa.
Aqui já é possível observar os principais problemas do uso recorrente do Mútuo conversível em casos de investimento, o primeiro deles é que após um prazo pré-determinado, em regra, pode o investidor requerer o pagamento da sua dívida e não a conversão em quotas, e se pensando em uma startup que, em muitos momentos ainda não atingiu o break-even28 depois de uma primeira rodada de investimentos, pode ter que arcar com o pagamento de um valor que não possui. Além disso, o principal motivo para um investidor utilizar o mútuo conversível como modelo de
27 Art. 53. A companhia poderá efetuar mais de uma emissão de debêntures, e cada emissão pode ser dividida em séries.
Art. 54. A debênture terá valor nominal expresso em moeda nacional, salvo nos casos de obrigação que, nos termos da legislação em vigor, possa ter o pagamento estipulado em moeda estrangeira.
28 Ponto onde o custo total de funcionamento e as receitas são iguais, ou seja, a partir desse ponto a empresa passa a realmente lucrar.
investimento é o de não ter qualquer vínculo societário direto com a empresa, afim assim de se eximir de processos trabalhistas ou qualquer outro tipo de problema que pudesse colocar em risco seu patrimônio pessoal no caso de entrar de forma direta no quadro societário da empresa. Porém, no momento da conversão do mútuo em quota, se assim for escolhido pelo investidor, toda essa proteção deixa de existir, passando o Mutuante a ser sócio, não mais existindo a proteção anteriormente possibilitada pelo contrato de mútuo.
Ou seja, o contrato de mútuo conversível em quota ordinária é, como praticamente todos os outros instrumentos tradicionais de investimento em sociedade limitada, uma improvisação causada pelo déficit de regulação e previsões na legislação brasileira para esse tipo de operação, uma vez que a operação de um mútuo tem natureza creditícia, enquanto a sua utilização nesses casos é de uma operação de investimento, ou seja, o valor emprestado pelo Mutuante nesses casos jamais deveria ser a título de empréstimo de fato, mas tão somente a título de investimento.
3.1.3. Investidor Anjo – LC 155/16
O primeiro passo da legislação brasileira na tentativa de se modernizar, ou ao menos tenta aproximar a realidade global dos investimentos e do empreendedorismo de inovação ao ecossistema de empresas no Brasil foi com o advento da Lei Complementar nº 155 de 2016, popularmente conhecida como Lei do Investimento Anjo.
Essa Lei trouxe consigo um novo instrumento de investimento, o Contrato de Participação, que trazia ao investidor anjo, a princípio toda a proteção que a legislação brasileira anterior não possuía, qual seja, a previsão expressa de que o investidor que utilizasse deste mecanismo não seria considerado sócio, ao mesmo tempo em que não teria qualquer direito de administração ou voto na empresa, não respondendo assim por dívidas, inclusive de recuperação judicial, ao passo que poderia ser remunerado por seu investimento com uma espécie de dividendo, que seria pago nos termos acordados no Contrato de Participação.
Enquanto isso, para a sociedade limitada, a legislação em questão não somente ajudava a captar novos investidores pelas facilidades trazidas, mas também
apresentava alguns critérios que trazem mais segurança ao empreendedor, sendo um dos principais deles a vedação expressa ao direito de resgate do valor investido em prazo anterior a 2 (dois) anos do aporte de capital inicial, podendo no Contrato de Participação ser estabelecido um prazo mínimo para retirada ainda maior, trazendo assim um grande equilíbrio entre a empresa e seus possíveis investidores.
No entanto, mais uma vez a legislação brasileira foi na contramão do que apontam os estudos especializados no país29, ao publicar em 21 de julho de 2017 a Instrução Normativa nº 1719 da Receita Federal do Brasil, que regulamentou a tributação sobre o aporte de capital da Lei do Investidor Xxxx.
Essa instrução na época em que publicada foi alvo de muitas críticas do setor empresarial especializado, inclusive de organizações pioneiras no investimento anjo no país como a Startupi e o Anjos do Brasil30, principalmente dos fundos de investimento privados e pessoas físicas que possuíam interesse em realizar aportes constantes em startups como meio de diversificar sua cartela de investimentos, uma vez que a tributação trazida sob o Contrato de Participação foi de uma alíquota regressiva entre 22,5% (vinte dois e meio porcento) e 15% (quinze porcento), de acordo com o Prazo do Contrato de Participação, sendo utilizado como base de cálculo a diferença positiva entre o valor do resgate e o valor do investimento inicial realizado.
Esse tipo de tributação praticamente retirou da linha de frente dos investimentos em startups os apoiadores que possivelmente trariam uma maior quantia de investimento, já que com alíquotas tão altas, um investimento de risco tão alto como é o investimento em startups passou a ser muito pouco interessante para esses grandes nomes, já que, ainda que a startup viesse a dar lucro, o valor final que o investidor receberia seria tolhido, em algumas vezes, em mais de 1/5 (um quinto), existindo assim outros meios de investimento com mais liquidez e menos risco, que poderiam trazer no mesmo período de duração de um Contrato de Participação, o mesmo retorno financeiro.
29 xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx-x-xxxxxxxxxxx/xxxxxx-xxxxxx-xxx-xxxxxxxxx-xxxx- investimento-em-startups-auxiliaria-na-arrecadacao-de-mais-impostos-e-geracao-de-renda/
30 xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xx/0000/00/xxxx-xxxxx-xx-xxxxxxx-xxxxxxx-x-xxxxxxxxxx-xxxx-xxxxxxxxxxxx-xx- startups/
Ademais, a tributação tão alta sobre os lucros dessa operação traz consequências ainda mais preocupantes no que diz respeito a contradição entre a intenção do legislador, que com a LC 155/16 visou trazer mais segurança aos investidores, criando o modelo de Investidor Anjo ao qual não seria diretamente um sócio apenas para fins de melhor regularização da sua não responsabilidade patrimonial, porém um investidor direto na empresa, sendo assim a tributação como feita pela Receita Federal distorce os incentivos criados pelo legislados, uma vez que acaba sendo mais vantajoso ao investidor anjo se tornar um sócio real, já que conforme o artigo 10º da Lei 9.249/95 os lucros ou dividendos das empresas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrada, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, seja pessoa física ou jurídica.
Percebe-se então que a IN 1719/17 da Receita Federal criou essa dicotomia para todo investidor, entre proteger seu patrimônio ao não entrar diretamente como sócio, mas perder renda ao ser tributado ao final e toda operação de investimento, ou se expor ao risco de assumir com o patrimônio pessoal dívidas recorrentes da empresa que se tornar sócio visando assim uma maior arrecadação patrimonial final em decorrência da não tributação dos lucros e dividendos que vier a obter, dicotomia que diminui o número investidores possíveis em startups, uma vez que se diminuí o incentivo para essa modalidade, escolha muito controversa se tivermos em consideração mais uma parte do estudo feito pela Grant Thornton Brasil, o cálculo final do retorno ao país compensaria, mesmo com a existência de renúncia fiscal por parte do país.
Assim, a Lei do Investidor Xxxx se manteve em grande uso entre as startups brasileiras, principalmente para investidores de menor poder aquisitivo que viram nessa lei uma forma de investir em ideias e empresas que tinham um grande potencial, ou ao menos, uma grande ideia, tendo como principal característica a vontade de ver uma empresa disruptiva em determinado setor crescer, sem, porém, ter de se preocupar em qualquer tipo de responsabilidade contratual ou societário, bem como podendo, ao final do Contrato de Participação, se tornar um sócio de uma empresa já consolidada, fugindo aqui, inclusive, dos custos de IOF que seriam cobrados no caso de o investimento ter sido feito através do mútuo conversível, por ser fundamentalmente, como dito no capítulo 3.1.2., uma operação de crédito e não de investimento.
3.2. NOVOS MODELOS DE INVESTIMENTO
Após a LC 155/16 (Lei do Investidor Anjo) ainda se esperava que o Brasil caminhasse em direção a uma legislação mais permissiva em relação as sociedades limitadas, eis que são o modelo mais comum para as startups, dada sua facilidade de abertura, baixa complexidade tributária com o Simples Nacional, e menor número de entraves contábeis.
Foi então com a IN 38/2017 do DREI que um novo mundo de possibilidades para as sociedades limitadas foi aberto, uma vez que as permissões expressas da emissão de quotas preferenciais, a guarda de quotas em tesouraria e da criação dos conselhos de administração sem a necessidade dos conselheiros serem sócios trouxeram consigo não apenas novas aplicações em instrumentos antigos, como o mútuo conversível que agora poderia ser convertido em quota preferencial, retirando aquele antigo problema do investidor passar a responder solidariamente como sócio, mas também importando instrumentos de investimento comumente utilizados ao redor do mundo, e que no Brasil, apesar de utilizados, não possuíam qualquer segurança jurídica, dependendo de esporádicas e esparsas decisões judiciais para entender como poderiam ou não serem aplicados.
Além disso, a Medida Provisória nº 881 de 2019, popularmente conhecida como Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, que foi posteriormente
convertida na Lei nº 13.847 de 2019, também trouxe, se não avanços, confirmações em quesitos de segurança jurídica muito importantes no âmbito de todo o direito contratual do país.
No caso dos investimentos, importante pontuar que o parágrafo 2º do artigo 1º da Lei 13.847/1931 pontua especificamente que todas as normas no país devem sempre ser interpretadas em favor da liberdade econômica e do respeito aos investimentos, primeira previsão legal que trás os princípios do direito privado com foco nos investimentos de qualquer tipo.
Assim, com as novas possibilidades trazidas pela IN 38/2017 em conjunto com a segurança jurídica tutelada pela Lei 13.847/19, os negócios jurídicos empresariais, dentro desses, os investimentos nas sociedades limitadas, se tornaram modalidade ampla e muito mais abrangente, tendo como princípio norteador a livre estipulação entre as partes pactuantes, com aplicação das regras e normas do direito empresarial de forma meramente subsidiária, exceto aquelas normas consideradas de ordem pública, nos termos do artigo 3º, inciso VIII da Lei 13.847/1932, criando assim o ambiente de negócios mais favorável ao crescimento de sociedades limitadas no Brasil.
3.2.1. Contrato de vesting
Em primeira mão, deve ser pontuado que o vesting não é um contrato com previsão expressa na legislação brasileira devendo assim ser considerado um contrato atípico, nos termos do artigo 425 do Código Civil (2002)33, sendo uma cópia de um modelo de contrato do direito norte americano, tendo sido importado também o seu nome, que significa, literalmente, “vestir”, em alusão ao termo “vestir a camisa” popularmente utilizado quando se fala em alguém, geralmente um funcionário de determinada empresa, entrega todo o seu potencial no seu trabalho, entendo o que aquela organização/empresa representa.
31 §2º Interpretam-se em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas. 32 VIII - ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública;
33 Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.
Nesse sentido, o Vesting é um instrumento jurídico onde um indivíduo, normalmente sócio ou colaborador da empresa, recebe de forma progressiva direito a aquisição de participação societária, desde que atinja metas ou premissas pré- estabelecidas neste instrumento jurídico, podendo variar entre premissas como tempo de trabalho, realização de determinado objetivo financeiro, clientes prospectados e o que mais o empresário e seus colaboradores conseguirem pensar, desde que não seja vedado por nenhum ordenamento público.
Apesar de muito similar a outro modelo de investimento comum às Sociedades Anônimas, o stock option, que também será abordado em capítulo posterior deste trabalho, é crucial diferenciar um instrumento do outro, uma vez que no stock option o objetivo principal da sociedade é o aumento de seu capital, com previsão legal expressa no artigo 168, parágrafo 3º da Lei das Sociedades por ações, enquanto o Vesting é um mecanismo que possibilitará a aquisição de direitos dentro de um determinado negócio.
Além disso, a jurisprudência já se deparou em alguns momentos com casos de vesting, tendo um em específico chegado até o Tribunal Superior do Trabalho (TST) que considerou como válida a perda de ações de um determinado funcionário que foi demitido antes de ter sido completado o prazo de carência estipulado em seu contrato de Vesting, cláusula essa apelidada de Cliff ou Cliff hanger, dentro do meio jurídico, por ser uma espécie de carência onde, caso o colaborador ou funcionário não atinja um mínima de tempo dentro da empresa, não é obtida nenhuma compensação pelo Vesting, tendo tal mecanismo contratual sido validado pelo TST, como pode ser observado:
Metodologia de incentivo em comento envolve a concessão de uma cota virtual de ações restáveis após determinado período de tempo[...] desde que atendidas as condições previstas em regulamento, tem-se que o direito de resgatar as ações somente se materializa em direito subjetivo após o final do prazo de carência fixado pelo plano (TST, 2015, online).
Assim, tratando o Vesting de um instrumento contratual atípico, com jurisprudência favorável em uma das cortes superiores do país, seu passou a ser cada vez mais comum dentro do mundo das startups, existindo dois modelos mais comuns de aplicação deste instrumento, o primeiro deles sendo o “tradicional”, onde é estipulado um certo número de metas dentro da função do funcionário ou colaborador
e, conforme estas metas vão sendo atingidas, o funcionário tem direito a adquirir quotas da sociedade, sempre estando pré-estabelecido seus valores e quantidades.
O segundo modelo, não tão comum, mas que é utilizado quando a empresa em questão necessita da expertise do colaborador é conhecida como Vesting reversa, onde é estipulado o direito do colaborador receber suas quotas de forma antecipada, antes de qualquer atingimento de metas, sendo porém estipulado que o seu não cumprimento ao longo do contrato pode resultar na perda das quotas anteriormente adquiridas.
Apesar da doutrina especializada34 em muitos momentos entender o Vesting como um mecanismo que pode possuir diversas formas, como um contrato, termo ou até mesmo apenas uma cláusula, necessário expor que no caso das Sociedades Limitadas é crucial que este instrumento seja sempre utilizado como um contrato autônomo, dada as circunstâncias que a aquisição de quotas deve ser feita, seja para destacar se serão quotas ordinárias ou preferências, ou ainda se as quotas caso não adquiridas mediante a não finalização do Vesting serão devolvidas para a empresa como quotas em tesouraria, ou se serão disponibilizadas para venda aos demais sócios quotistas.
Há de pontuar que existem divergências35 em relação ao uso do Vesting pelas sociedades limitadas, mais precisamente em razão da previsão do artigo 1.055, §2º do Código Civil (2002)36, que traz a proibição expressa da aquisição de quotas através da prestação de serviços.
No entanto, apesar de em muitos casos o Vesting se assemelhar ao previso no referido artigo, é crucial e importantíssima sua diferença, uma vez que se trata de opção de compra de ações, sem qualquer compensação salarial, existindo uma diferença entre opção de compra de ações/quotas e contribuição por intermédio de serviços, já que no contrato de Vesting o que se é ofertado ao colaborador ou funcionário é a integralização como opção de compra, após a conclusão de
34 XXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx. STARTUPS: CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E OS CONTRATOS DE INVESTIMENTO. 2019.
35 ZOLANDECK, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx; FERREIRA, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx. O CONTRATO DE VESTING: UMA ALTERNATIVA PARA SLUCIONAR CONFLITOS DE AGÊNCIA E PARA DAR CONDIÇÃO DE VIABILIDADE ÀS STARTUPS. 2018
36 Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio.
§ 2º É vedada contribuição que consista em prestação de serviços.
determinada meta ou período de tempo junto a empresa, não sendo assim diretamente uma integralização pura e simplesmente pela prestação de serviços, esquivando-se assim da proibição contida no Código Civil (2002), sendo este mais um importantíssimo fator que corrobora com o pensamento de que, no caso das sociedades limitadas, é crucial e indispensável que o contrato de Vesting seja sempre um instrumento autônomo, com todas as previsões possíveis para resguardar da melhor forma possível a startup, seus sócios e colaboradores.
Ressalta-se ainda que, em razão da característica contratual37 das sociedades limitadas, dado que a sua contratualidade confere aos seus sócios e administradores uma maior liberdade, prevalecendo a vontade societária e a autonomia privada das partes envolvidas nos negócios jurídicos empresariais, contribuindo assim para o uso considerado válido dos contratos atípicos, como o Vesting.
3.2.2. Contrato de incubação e aceleração
Essencialmente os contratos entre as empresas denominadas como startups e as sociedades denominas incubadoras ou aceleradoras possuem muitas semelhanças, sendo, porém, necessário pontuar os conceitos distintos entre uma incubadora e uma aceleradora para então poder entender o funcionamento deste contrato.
3.2.2.1. Conceito e finalidade de incubadora de empresas
O primeiro conceito importante de ser pontuado é o do conceito e finalidade das incubadoras, isso porque, em ordem de maturidade da empresa, os primeiros contratos que uma startup faz são com incubadoras, quando ainda estão em processo de ideação do produto ou serviço, ou, se já possuem essa questão definida, usam a incubadora para dar início a venda e maturação no mercado, sem ainda entrarem para efetivamente competir, servindo como teste de nicho dos produtos ou serviços.
A legislação brasileira pontuou essa questão quando a Lei 13.243 de 2016 alterou a redação do artigo 2º da Lei 10.973/2004, popularmente conhecida como Lei
37 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. MANUAL DE DIREITO COMERCIAL – Direito de Empresa. 23. Ed. São Paulo: Saraiva. 2006. P. 156.
da Inovação, classificando Incubadora como: “organização ou estrutura que objetiva estimular ou prestar apoio logístico, gerencial e tecnológico ao empreendedorismo inovador e intensivo em conhecimento, com o objetivo de facilitar a criação e o desenvolvimento de empresas que tenham como diferencial a realização de atividades voltadas à inovação” .
Assim, fica evidente que para o legislador já era clara a existência das incubadoras como empresas ou sociedades de fomento as startups, inclusive pontuadas como necessárias ao desenvolvimento destas, sendo uma das principais razões pelas quais as novas possibilidades trazidas, no caso das incubadoras e aceleradoras pela IN 38/2017, se tornaram tão importantes nos contratos que formalizam essa relação.
3.2.2.2 Conceito e finalidade de aceleradora de empresas
Agora, ao se pontuar o contrato de aceleração, feito entre empresas denominadas como aceleradoras e startups, é necessário conceituar o que seria uma aceleradora e suas finalidades junto ao meio do empreendedorismo de inovação.
As aceleradoras são pessoas jurídicas que impulsionam e literalmente aceleram o crescimento de startup que já estão em atividade plena, com produtos ou serviços prontos para colocação no mercado, ou seja, que já não se encontram em fase de incubação, sendo papel das aceleradores o auxílio das startups em ultrapassar as principais barreiras dentro do ambiente de mercado mais competitivo, não existindo porém hoje na legislação uma definição legal de acelerada de empresas, no entanto existe sim uma normativa infralegal a conceitua. A Portaria nº 721/2012 do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação aponta em seu artigo 3º, II, que as aceleradoras são “pessoas jurídicas dedicadas ao processo de apoio a projetos de empreendedores e empresas nascentes (startups)” .
Temos, assim, que o negócio jurídico celebrado entre aceleradora e startup é essencialmente um contrato atípico que envolve relações jurídicas decorrentes de contratos associativos, financiamento, prestação de serviços e cessão de uso de bens.
Se na relação contratual entre incubadora e startups aflora, de forma mais evidente, o caráter bilateral da relação jurídica (pagamento de remuneração em
contrapartida à prestação de serviços e à locação de espaço e bens), nos negócios jurídicos entre startups e aceleradoras, a relação jurídica aproxima-se à de um contrato associativo.
A aceleradora não recebe pagamento em contraprestação aos serviços por ela prestados, como essencialmente ocorre com as incubadoras, ainda que o valor dos serviços possa, conforme o caso, vir a ser subsidiado. Ela aporta recursos na startup e adquire, em contrapartida, direito de participar no capital social desta sociedade, oponível em face de seus sócios fundadores, que devem, em decorrência, ceder à aceleradora parcela de sua participação societária na startup ou seu direito de preferência na subscrição de aumento de capital da sociedade.
Paralelamente, ambas as partes, aceleradora e startup devem colaborar ativamente para o desenvolvimento da empresa exercida por esta última, colocando em prática as prestações por elas assumidas no contrato de aceleração e acima indicadas de forma sintética.
3.2.2.3. Apontamentos sobre o contrato de incubação e aceleração
Tendo sido apresentados os conceitos e finalidades tanto das incubadoras como das aceleradoras, agora é possível trazer os principais apontamentos sobre os contratos que envolvem esse tipo de empresa de fomento com as novas empresas emergentes, sendo o primeiro deles entender essa relação entre as duas empresas apresentadas, cada qual em seu lado, deste contrato.
De um lado, estão as startups: sociedades em fase pré-operacional ou em fase inicial de desenvolvimento de suas atividades, que têm por objeto a produção de bem ou serviço inovador e que necessitam de auxílio em diversas áreas para desenvolverem todo seu potencial e se tornarem sociedades de grande porte.
De outro, as incubadoras e aceleradoras: organizações que apresentam seus programas de incubação ou aceleração como soluções às startups, que darão o apoio almejado no desenvolvimento de sua empresa, preparando-as para ingressar no mercado sendo essa a realidade que dá ensejo à celebração dos contratos de incubação e de aceleração, sendo possível assim traçar os contornos de sua função social, nos termos do artigo 421 do Código Civil.
Esses contratos tem sua função social relacionada ao seu papel nas relações socioeconômicas e aos motivos que levam as partes de ditos contratos a serem celebrados. Assim, o objetivo principal desses instrumentos é fomentar a inovação e o consequente desenvolvimento econômico do país por meio do estímulo ao empreendedorismo e da otimização das atividades produtivas.
Os contratos celebrados devem, de um lado, buscar permitir que as startups desenvolvam suas atividades empresárias e, por outro, possibilitar que as incubadoras e aceleradoras (principalmente a estas que, no mais das vezes, são sociedades empresárias) tenham retorno financeiro adequado, de modo a estimulá- las a continuar realizando suas atividades, bem como a encorajar o ingresso de outros agentes econômicos nesse setor, devendo haver portanto um equilíbrio entre os benefícios gerados às startups e os incentivos ao desenvolvimento das atividades das incubadoras e aceleradoras.
Outro ponto relevante a ser levado em consideração na interpretação desses contratos é o fato de que, normalmente, são apresentados como verdadeiros contratos de adesão. As startups incubadas ou aceleradas passam por processos de seleção e, ao serem admitidas para incubação ou aceleração, firmam o instrumento contratual que lhes é apresentado pela incubadora ou aceleradora, sem margem para discussão de suas cláusulas.
Dada essa característica, são aplicados de maneira forçosa a estes contratos as normas previstas nos artigos 423 e 424 do Código Civil, que determinam sobretudo, a interpretação do contrato a favor do aderente (startup) e a nulidade de renúncia, também por parte do aderente, de qualquer direito que resulte da própria natureza do negócio celebrado, ou seja, considerando a atipicidade dos contratos, de direitos essenciais atribuíveis a startups que busquem atividades de incubação ou aceleração.
Portanto, cláusulas contratuais que impeçam os objetivos almejados pela startup poderão ter sua validade contestada à luz das mencionadas normas do Código Civil. Isso pode ocorrer tanto nos casos em que a prestação exigida da startup é usual, mas a contraprestação oferecida pela incubadora ou aceleradora foge ao que razoavelmente se pode esperar em negócios da mesma natureza, como quando a contraprestação da incubadora ou aceleradora está de acordo com os usos do mercado, mas a prestação a ser oferecida pela startup é excessiva.
Ao procurar uma incubadora ou uma aceleradora, a startup tem como principal objetivo imediato, desenvolver suas atividades empresárias, do ponto de vista operacional, administrativo e/ou financeiro para, ao fim do período de incubação ou de aceleração, exercer uma empresa com mais chances de sucesso, podendo, assim, gerar mais riqueza, aceitando assim a startup (ou seus fundadores) pagar prestações em dinheiro ou ceder parcela minoritária do capital social da empresa as incubadoras ou aceleradoras, podendo também ter de participar das atividades promovidas pelas empresas de incubação e aceleração, seguindo inclusive uma cartilha de orientações durante um período de tempo pré-determinado em contrato.
As incubadoras e aceleradoras são livres para oferecer seus programas e apresentar as vantagens competitivas que possuírem de modo a atrair as startups que por eles se interessem, sendo a margem para variação nas condições dos negócios jurídicos ainda maiores caso as duas partes sejam empresárias com maior experiência. Deve, contudo, haver equilíbrio entre o que as incubadoras e aceleradoras se dispõem a prestar e o que receberão por parte das startups, pois, mesmo entre empresários, não se pode ser esquecido que são contratos de adesão, e que as aceleradoras e incubadoras se apresentam como organizações que pretendem auxiliar e não prejudicar os fundadores das startups no desenvolvimento do negócio.
Assim, apesar de os contratos deverem ser interpretados segundo a situação particular que regulam, a princípio nos parecem inválidas, por exemplo, cláusulas que (determinem que a propriedade intelectual dos produtos desenvolvidos por uma startup em processo de incubação pertençam integralmente à incubadora, que determinem que a incubadora deverá receber parcela muito elevada do faturamento da incubada ou por prazo muito longo, ou ainda, que atribuam participações societárias (ou direitos inerentes a participações societárias) que acabem por conferir o controle societário de uma startup à sua aceleradora.
3.2.3. Mútuo conversível de quota preferencial
Apesar do contrato de mútuo conversível já ter sido apresentado como um contrato anterior aos novos regramentos aqui tratados, é importante trazer a luz essa pequena, mas importante, modificação nesses contratos, que inclusive trouxeram
ainda mais desuso aos contratos de Investidor Anjo previstos na Lei Complementar 155/16.
Isso ocorre pelo fato de que, como explicado no item referente ao investimento anjo, o principal diferencial trazido pela legislação foi a não responsabilização do investidor como se sócio fosse tendo de ser ressalto a questão referente a tributação dos lucros e da percepção de capital através da realização do investimento feito. Porém, com o advento da possibilidade de as sociedades limitadas poderem emitir quotas preferenciais, a questão referente a não responsabilização patrimonial dos sócios já se tornou possível, isso porque, os sócios proprietários de quotas preferenciais não possuem qualquer gerencia administrativa sobre a empresa, podendo no máximo serem parte de conselho administrativo consultivo.
Com essa possibilidade os investidores que possuem intenção de auxiliar as sociedades como mentores, através do que é comumente conhecido como smart money38, ao mesmo tempo em que pretendem entra para o quadro societário para perceber lucros e dividendos no futuro em que as empresas passem a os realizar, podem assim dar total preferência aos contratos de mútuo conversível em quotas preferenciais.
Assim, a falta de mecanismos mais apropriados, ou ainda, de maiores incentivos para o uso constante dos contratos de participação de investimento anjo acabou trazendo os mútuos conversíveis em quotas preferencias como uso mais comum, devendo apenas ser sempre levado em consideração o disposto nos contratos sociais das empresas aos quais serão feitos os investimentos, uma vez que a previsão de quotas preferências deve ser expressa no contrato social, sob pena de, no momento de apuração de dívidas, serem considerados também os sócios quotistas preferenciais como quotistas ordinários, dada a não previsão em contrato social desse tipo de quotas.
3.2.4. Contrato de investimento por fundo privado
Antes de falar sobre os dois tipos mais comuns de investimento por fundo privado, quais sejam, o Venture Capital e o Private Equity, é necessário pontuar que
38 Smart money ou “dinheiro inteligente”, na tradução para o português, é definido de duas maneiras diferentes: alta quantia de capital aplicada por investidores experientes e bem-informados; ou como a entrada de um investidor, que além de investir, viabiliza a sua experiência profissional em favor da empresa.
os investimentos por fundo privado são muito variados, mas que cobriremos aqui apenas estes dois modelos por serem os mais comuns juntos as startups e empresas emergentes.
Os investimentos por fundo privado são muito comuns na bolsa de valores e no mundo dos mercados mobiliários, sendo utilizados com recorrência para diversificar portifólios de investimento, assim como mitigar os riscos inerentes a qualquer tipo de investimento., sendo este o mesmo modus operandi dos fundos de Venture Capital e Private Equity.
3.2.4.1. O que é Venture Capital
O primeiro tipo de investimento por fundo privado que iremos abordar é o Venture Capital, conhecido também como investimento de capital de risco, que é o investimento feito pelos fundos privados em empresas com alto potencial de crescimento, mas também com alto nível de risco, dada a situação muito embrionária dessas empresas.
Esse tipo de investimento funciona quando um ou mais investidores criam um fundo para pesquisar, selecionar e adquirir participação societária em empresas em crescimento, existindo dois modelos de atuação desses fundos, separados em General Partner39, quando cada participante do fundo consegue, com certa autonomia, escolher as empresas na qual quer investir parte do capital do fundo como um todo, e o Limited Partner40, onde apenas alguns parceiros gerenciam as escolhas das empresas que serão adquiridas, em quanto os demais apenas aportam dinheiro e recebem os lucros, quando os investimento dão certo.
Independente do modelo escolhido, o Venture Capital funciona através da criação da sociedade, que é feito através de um contrato e um estatuto operacional em que são determinadas as porcentagens de investimento de cada participante e suas competências, sendo também estabelecidas a área de atuação, o foco dos investimentos e a visão do empreendimento, definindo após o perfil e fases das empresas que serão admitidas dentro do fundo, separados em Capital Semente, quando as empresas a serem investidas estão apenas em fase de ideação, ou seja,
39 Termo em inglês que no português se traduz para – Parceiro Geral.
40 Termo em inglês que no português se traduz para – Parceiro Limitado.
no papel, incubadoras, para empresas que podem ser incorporadas mas que ainda precisam de maturação no mercado e aceleradoras, quando as empresas que serão investidas encontram-se em funcionamento e operando, mas que precisam melhorar o desempenho para atingir todo o potencial do seu produto ou serviço, tendo como ideia principal a diversificação do risco, ou seja, dividir o fundo e investir em várias startups, com a finalidade de aumentar as chances de retorno econômico.
3.2.4.2. O que é Private Equity
Não diferentes do Venture Capital, os Private Equity são fundos que investem diretamente em empresas, mas que tem como diferencial o investimento em empresas mais maduras, com serviços ou produtos já validados no mercado em que estão inseridos, tendo como objetivo desses fundos potencializar o crescimento da empresa que recebeu o investimento para que se tornem mais valiosas nesse mercado, para que, quando cheguem em um nível de valorização que atinja as premissas do fundo de investimento, essas quotas sejam vendidas para que o investidor receba valores pela sua venda muito maiores do que aqueles originalmente gastos em sua aquisição.
Enquanto o Venture Capital é considerado um investimento de alto risco, o Private Equity é um tipo de investimento um pouco mais conservador, já que as empresas investidas já estão consolidadas e atuando, não correndo o risco da empresa nem ao menos dar certo, sendo o maior risco apenas não ser atingido o crescimento antecipado pelos membros do fundo de Private Equity, que normalmente é alcançado quando as empresas investidas chegam ao ponto de abrirem capital, negociando valores na bolsa de valores e assim rendendo lucros aos investidores iniciais.
3.2.4.3. Contratos de Venture Capital e Private Equity
Diferentemente do que ocorre com os fundos de renda variável convencionais, os fundos de Venture Capital e Private Equity normalmente são estruturados em “condomínios fechados”, ou seja, os investidores compram as cotas e não podem resgatá-las enquanto o fundo estiver ativo. Os cotistas só vão receber o capitalquando
ocorrer o desinvestimento, o que costuma ocorrer apenas de 5 a 10 anos após o início do fundo.
Esse tipo de investimento normalmente é realizado por companhias de participações, gestores, por meio de fundos estruturados para essa finalidade ou, ainda, por investidores individuais que disponham de capital para investir nessa modalidade.
O envolvimento dos fundos na gestão do negócio pode ser maior ou menor, de acordo com o perfil da empresa investida e as suas necessidades. Esse envolvimento também está relacionado com a instalação de estruturas de governança corporativa que viabilizem o crescimento da empresa e protejam os investimentos realizados.
Assim, esse modelo de fundos possuí dois contratos específicos para o seu funcionamento, o primeiro sendo o contrato social que estrutura a relação entre os membros do fundos, desde as tipificações de membros gestores e não gestores, até o período de atividade do fundo e tempo limite para retirada, e os contratos com as empresas que serão investidas, esses um pouco mais complexos e que necessitam de certa expertise, tanto dos lados dos fundos como pelo lado das empresas, já que em muitos momentos as previsões afetam diretamente o negócio investido, como criação de conselhos de administração e até mesmo gerencia direta em alguma parte da empresa investida onde no momento existe uma carência de estrutura.
3.2.5. Stock option
O último modelo de investimento que será abordado é o Stock Option41 que nada mais são do que um meio de retribuir um trabalho feito pelos funcionários de determinada empresa, item de muita valia dentro do mundo das startups.
Se você recebe Stock Options, ou Opções de Compra de Ações de seu empregador, significa que ele está lhe oferecendo o direito de comprar ações da empresa a um preço pré-determinado. Algumas vezes, esse preço tem um desconto sobre o valor das ações quando foram concedidas ou pode usar também como
41 Termo em inglês que no português se traduz para – opção de ações.
referência uma média de valores, por exemplo, a média dos últimos 30 pregões para empresas de capital aberto.
No entanto, como é possível observar, esse modelo de forma expressa parece ser unicamente possível de ser introduzido em sociedades anônimas, uma vez que a nomenclatura é exclusiva para ações, e não quotas, existindo inclusive previsão expressa para essa modalidade de investimento na Lei 6.404/76, mais precisamente em seu artigo 168. Esse era o entendimento razoável até a entrada em vigor da IN 38/2017 do DREI, já que nas Stock Options, o mais comum era que os funcionários ou colaboradores recebessem ações preferenciais da empresa, participando assim dos lucros, mas sem poder de voto ou gerência administrativa.
Então, até antes da Instrução Normativa em questão, as sociedades limitadas não poderiam se beneficiar desse tipo de modelo, uma vez que era expressamente vedado a diferenciação de quotas, existindo apenas as ordinárias, o que mudou com a IN 38/2017, possibilitando, ao menos de forma teórica, que empresas limitadas passassem a se valer do instrumento da Stock Option como meio de beneficiar seus funcionários.
No entanto, problemática recorrente sob esse assunto é a natureza salarial da Stock Option, uma vez que diferentemente da Participação nos Lucros e Resultados (PLR), regulamentado pela Lei 10.101/00, não existe previsão legal quanto à natureza salarial das ações adquiridas pelo empregado por meio da opção de compra.
Nesse sentido, é de suma importância que o Stock Option preencha alguns requisitos para que as ações não adquiram natureza salarial e, consequentemente, para que não atraiam os encargos trabalhistas e previdenciários ao empregador.
Para saber quando a opção de compra adquirirá natureza salarial, é necessário entender o conceito de salário. Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx define salário como “o conjunto de parcelas contra prestativas pagas pelo empregador ao empregado em função do contrato de trabalho”42 .
Sabendo disso, a jurisprudência estabeleceu alguns critérios para afastar a natureza salarial do Stock Option, sendo os principais deles a voluntariedade na adesão ao plano, ou seja, a opção da compra de ações não pode ser obrigatória ou
42 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 16. ed. rev. e atual. – São Paulo: LTr, 2017, p. 799.
imposta em um contrato regular assim que o funcionário entra na empresa ou recebe algum aumento ou promoção, cabendo ao empregado decidir se quer ou não exercer esse direito.
Outro ponto que a jurisprudência aponta é a necessidade da outorga das ações ou quotas ser onerosa, o beneficiário tem que, necessariamente, desembolsar recursos próprios para adquirir as ações, já que se forem obtidas a título gratuito, serão considerados com mera contraprestação pelos serviços prestados, trazendo consigo o peso da verba salarial nas sociedades anônimas, e mais ainda, a ilegalidade nas sociedades limitadas, já que existe a vedação expressa da obtenção de quotas mediante prestação de serviços, no artigo 1.055, parágrafo segundo do Código Civil. Essa necessidade da onerosidade na obtenção das quotas ou ações é premissa para o último critério estabelecido pela jurisprudência, que é o risco na compra das ações, já que assim como um investidor tradicional, o beneficiário do Stock Option deve assumir os riscos do investimento ao adquirir sua participação na empresa, podendo auferir os lucros no caso de bom desempenho, ou compartilhar os
prejuízos caso contrário.
Assim, quando preenchidos esses três requisitos, a Stock Option ganha ares de impessoalidade colocando-se em igualdade com as ações vendidas no mercado indistintamente adquirindo assim seu caráter mercantil.
No entanto, apesar de todas essas possibilidades, o Marco Legal das Startups que possuía a previsão expressa das Stock Options como meios não de remuneração, mas sim de investimento, retirando de vez qualquer possibilidade do enquadramento desse modelo de investimento como salario à título trabalhista, foi emendado no Senado Federal tendo sido retirada a parte do texto legal que tratava exatamente desse tema, que de acordo com o relator Xxxxxx Xxxxxxxx (PL – RJ) , é um instrumento muito importante mas que não é unicamente aplicado às startups, razão pela qual deve ser criado um outro projeto de lei específico para esse fim.
A retirada dessa parte crucial no texto do Xxxxx Legal das Startups foi alvo de duras críticas por inúmeras organizações do setor43, que encaminharam carta aos senadores acusando que, sem a previsão do Stock Option e alguns outros itens
43 xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxx-xxxxx-xxx-xxxxxxxx-xxx-xxxxx-xxxx-xxxxx-xxxxxxx-x-xxx-xxxxxx- avaliam-organizacoes/
retirados pelo Senado Federal, a legislação pode acabar se tornando inócua, já que para essas organizações o Brasil se encontra 20 (vinte) anos atrasado em relação às políticas de estímulo para startups, conforme recomendação da OCDE e já adotadas por dezenas de países, incluindo todos os BRICS, exceto o Brasil, sendo essas emendas um retrocesso que manterá o país no atraso.
4. EMPRESAS LIMITADAS E INVESTIMENTO
A utilização das empresas limitadas como empresas aptas a receberem investimentos de terceiros não é novidade, porém é um modelo que por muito tempo foi pouco utilizado, ficando as sociedades limitadas restritas ao uso por empresas mais tradicionais, de pequeno e médio porte, que não visavam a nenhum momento um investimento externo, alterando seu tipo societário para sociedade anônima sempre que existia um crescimento abrupto ou a possibilidade de grandes investimentos.
Porém essa realidade se alterou com o advento das novas tecnologias, da globalização e da possibilidade de uma empresa com poucos membros, sem uma grande linha de produção, gerar valores cada vez maiores, independentemente do tipo societário, tendo os investidores percebido o potencial de lucrar cada vez mais com esses novos modelos empresariais, razão pela qual a legislação precisou, mesmo que aos poucos, de atualizar para se adequar a essa nova realidade.
4.1. O USO DAS SOCIEDADES LIMITADAS POR STARTUPS
A Sociedade Limitada é o tipo societário mais comum no Brasil e está regulamentada nos artigos 1.052 e seguintes do Código Civil, tendo como principal característica a responsabilidade limitada dos sócios, isto é, somente o patrimônio da sociedade responde por suas obrigações e dívidas.
Outra característica desse tipo societário a sua contratualidade, isto é, a sua constituição se dá através de contrato social escrito onde as partes podem pactuar com ampla liberdade seus interesses e objetivos, podendo escolher o objeto social, capital social, administrador e demais cláusulas importantes ao negócio, como por exemplo, que versem sobre a inclusão ou exclusão de sócios. Além disso é uma sociedade menos burocrática, não sendo obrigatória a publicação dos atos societários
e informações financeiras, sendo esta uma das principais razões pela qual as startups tendem a escolher esse tipo societário para sua formalização.
Quanto ao capital social não há nenhum mínimo ou máximo obrigatório, o que também facilita a criação de uma startup que, em seu momento inicial realmente pode não possuir qualquer capital social necessário para realização de suas atividades.
Além disso, a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor de suas quotas, e agora com as novas regras da IN 38/2017 do DREI e a possível confirmação do Marco Legal das Startups, alguns sócios podem nem ao menos terem qualquer responsabilidade, não respondendo nem por dívidas trabalhistas, já que não estariam inseridos no quadro administrativo, sendo considerados tão apenas como investidores dessas empresas.
Assim o uso cada vez mais recorrente das sociedades limitadas pelas startups traz consigo esse maior foco dos legisladores sobre isso, causando uma maior quantidade de normas que as regulem, uma necessidade latente pelo seu maior uso, porém divergente da sua natureza contratualista originária, já que com cada nova norma e legislação que a regule as atividades das sociedades limitadas, mais se perde a sua característica contratualista.
4.2. A SEGURANÇA NOS NOVOS MODELOS DE INVESTIMENTO
Com essas novas normas voltadas especificamente às sociedades limitadas, ficou mais seguro, para ambas as partes, a realização dos contratos de investimento, ainda mais considerando que para resolução de qualquer entrave que viesse a acontecer seria solucionado pelo judiciário, e dada a grande insegurança jurídica em todo o país, principalmente em razão da inexistência de varas especializadas fora das comarcas das capitais, o que inviabilizava inúmeros meios de investimento nas sociedades limitadas, como por exemplo os fundos de investimento anteriormente tratados.
Assim, hoje é possível que os investimentos nas sociedades limitadas possam ser feitos com uma segurança muito maior, em primeiro ponto em decorrência da possibilidade da emissão das quotas preferenciais, que ausentam de responsabilidade os proprietários das ditas quotas, retirando também o peso da administração da sociedade, criando praticamente um modelo de sócios investidores
dentro das limitadas, personalidade anteriormente apenas possível em uma sociedade anônima.
Além disso, a possibilidade da guarda de quotas em tesouraria pelas sociedades limitadas também trouxe mais uma inovação que facilitou os novos modelos de investimento, uma vez que as sociedades limitadas podem, desde a sua constituição, designar quotas exclusivas para venda ou para serem adquiridas através de investimento externo após o início de suas atividades, facilitando não só o momento no qual o investimento acontecer, mas também as tomadas de decisões nesses momentos, uma vez que já podem estar previamente estipulados no contrato social.
4.2.1. Segurança para empresa limitada investida
Existe, portanto, segurança maior tanto para as empresas limitadas como para os investidores, sendo que a segurança adicional para as sociedades limitadas vem muito de como as novas regras podem ser utilizadas para mitigar possíveis aquisições hostis de investidores.
Essas aquisições hostis são muito comuns nos mercados de ação, quando uma empresa possui muito do seu capital pulverizado na bolsa de valores que é então adquirido por outra empresa que possui algum interesse em seus ativos, sejam eles funcionários, patentes, produtos ou serviços.
Apesar de menos comum, essa aquisição hostil também pode acontecer nas sociedades limitadas, quando um sócio que, a princípio era minoritário, vai aos poucos adquirindo quotas até se tornar o detentor da maior parte deles, ou ao menos, ao ter uma quantidade superior a 25% (vinte e cinco porcento) das quotas, se vê na qualidade de impedir muitas tomadas de decisão importantes para empresa, tendo em visa as regras específicas da sociedade limitada que apontam tal necessidade para se votar sobre a modificação do contrato social ou a incorporação, fusão ou dissolução da sociedade, conforme o inciso I do artigo 1.076 do Código Civil.
Essa negativa de um sócio que é a princípio minoritário pode trazer muitos problemas à uma sociedade, principalmente quando se fala em startups, uma vez que a alteração do contrato social pode acontecer com certa recorrência, em razão da alteração dos serviços ou produtos oferecidos, ou ainda da constante entrada e saída de sócios investidores, sendo a criação de um entrave todas as vezes em que isso
tiver de ser feito uma questão que pode burocratizar em excesso empresas que não possuem tempo suficiente para discutir por questões meramente administrativas, forçando assim no longo prazo com que os outros sócios, para que a empresa como um todo não sofra com esses intermináveis embates, ceda as quotas até esse investidor se tornar majoritário, ou então acabe acatando as suas decisões para que a empresa não fique presa em entraves burocráticos.
Porém, o risco de uma aquisição hostil, movimento tão preocupante para qualquer empreendedor, mas ainda mais para as startups, que muitas vezes tratam de serviços, processos ou produtos inovadores, ou seja, onde perder o controle disso é perder toda uma vida dedicada a ideação e implementação de, muitas vezes, um sonho, foi muito mitigado pelas novas regras e legislações, uma vez que a criação das quotas preferenciais alteram inclusive o funcionamento de como é realizada a votação nas assembleias de quotistas, já que o quórum mínimo para a aprovação é unicamente das quotas com direito a voto, tendo sido inclusive colocado de maneira expressa essa questão na Instrução Normativa nº 80/2020 do DREI, pontuando que nos casos de quórum especificados no artigo 1.076 do Código Civil, serão considerados apenas as quotas ordinárias, no caso das preferenciais não possuírem direito a voto, podendo assim, desde que devidamente estruturado, ser retirado todo e qualquer poder do investidor, ou mesmo de sócios ingressantes de forma posterior a constituição da empresa, realizarem bloqueios sobre assuntos pertinentes, na tentativa de forçar os demais sócios à uma direção que estes não entendem a correta, ou mesmo a venda das quotas para adquirir o controle total da sociedade.
A partir dessa nova diretriz, tem-se a possibilidade de constituição de uma sociedade limitada cujo exercício pleno de controle dependerá apenas da titularidade de quotas sociais com o poder de voto representativas de 37,5% (trinta e sete e meio porcento) do capital social, ou seja, três quartos do capital votante de 50% (cinquenta porcento) . O que permite aos empreendedores uma maior liberdade na definição da estrutura societária de sua empresa, podendo dispor de maiores recursos para aquisição de talentos, sem colocar em risco a sua posição de controla da sociedade.
4.2.2. Segurança para o investidor
No tocante ao investidor, é evidente que existe muito mais segurança após o advento das novas regras atinentes as sociedades limitadas, principalmente aquelas
relacionadas aos conselhos de administração, quotas preferenciais e, no caso do Marco Legal das Startups, apontamentos expressos de que sócios investidores não são e não podem ser responsabilizados nos casos de demandas trabalhistas ou dívidas de credores.
Ou seja, o investidor, ao aportar recursos financeiros em uma startup constituída sob a forma de Sociedade Limitada, garantirá maior segurança ao seu investimento pelo fato de se tornar sócio da empresa, por meio da aquisição de cotas preferenciais.
Ocorre que, antigamente, apesar desse tipo societário dispor que a responsabilidade dos sócios é restrita ao valor de suas cotas, eventualmente, o investidor poderia responder por eventuais passivos da empresa com seu patrimônio particular, principalmente nos casos da chamada “desconsideração da personalidade jurídica”.
Desse modo, se perdia muito da segurança necessária aos investidores, uma vez que o investimento em startups, apesar de alto risco, deveria ser apenas por isso do capital ali inserido, e não do patrimônio pessoal do seu investidor.
Assim, como solução vieram os novos regramentos que, além de facilitar a inserção de novos investidores nas startups, passaram a proteger ainda melhor seu patrimônio extraempresa, e inclusive a proteger seu patrimônio dentro da empresa, já que com a possibilidade de serem adquiridas quotas preferenciais, além de regras próprias no tocante ao seus direitos dentro da sociedade limitada, estas também podem fugir as previsões legais da necessidade de oferecimento destas aos sócios antes de serem oferecidas à terceiros, já que a sua propriedade é resultante tão apenas na distribuição dos lucros da empresa, e não de sua administração.
Assim, com essa vantagem da liberdade na circulação das quotas, no caso da venda, não existe a necessidade latente e imediata de alteração do estatuto da sociedade, além, é claro, da possibilidade de as quotas preferenciais poderem ser atribuídas prioridades no recebimento de lucros e dividendos, facilitando e muito com que os investidores que buscam apenas renda, continuem investindo em startups que utilizam esse tipo societário.
4.3. A IMPORTÂNCIA DA FACILITAÇÃO AOS INVESTIMENTOS EM SOCIEDADES LIMITADAS
O mundo vive tempos que os especialistas chamam de “disrupções tecnológicas”, marcado fortemente por inovações que levam grandes empresas a fecharem suas portas e desaparecerem a partir da oferta de novos e imbatíveis produtos e mercados, tendo sido pontuado pelo engenheiro Xxxxxx Xxxxx00 como algo nunca experimento na história da humanidade.
“É um salto tecnológico que a humanidade nunca experimentou em toda a sua história. Um salto que está transformando não só a forma como se faz, e o que se faz, mas está transformando o próprio ser humano. É quando surge um movimento de transformação com essa dimensão que as startups assumem importância fundamental na sociedade, principalmente no mundo dos negócios. Nenhum país hoje pode ignorar ou deixar de investir nos negócios startups.”
Porém, apesar de todas essas possibilidades, a manutenção para sobrevivência das startups no Brasil ainda é algo muito raro. Um estudo realizado pela aceleradora Startup Farm45 registrou que 74% (setenta e quatro porcento) das startups no Brasil fecham após cinco anos de existência, e entre os principais motivos está a falta de aderência da proposta à necessidade de mercado, muito em decorrência da falta de investimentos iniciais que possibilitem estas empresas tempo de maturação suficiente para entenderem o mercado e se adaptarem as demandas dos clientes e fornecedores.
Assim, apesar da existência de um grande mercado que busca estas inovações, a legislação brasileira que, se não impossibilitava, diminuía e muitos as possibilidades de investimento nas sociedades limitadas, finalmente começou a perceber que a falta de incentivo para os investimentos nesse setor empresarial estava custado cada vez mais caro, não só aos próprios empresários e investidores que poderiam ambos se beneficiar de um novo sistema que permitisse esses investimentos, como todo o país, que deixava de absorver grande demanda de trabalho e, consequentemente, recursos financeiros através de impostos, já que
44 Presidente da Federação Nacional das Empresas de Informática – entidade responsável pela gestão operacional do Programa Nacional de Aceleração de Startups, o Startup Brasil.
45 xxxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxxxx.xxx/Xxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/00-xxx-xxxxxxxx-xxxxxxxxxxx-xxxxxx- apos-cinco-anos-diz-estudo.html
conforme dados da Fundação Kauffman46, hoje as startups são responsáveis pela criação de mais de 50% (cinquenta porcento) de todos os empregos no mundo.
Portanto, considerando a importância das startups para o crescimento de uma nação, os incentivos governamentais são fundamentais, principalmente no tocante a facilitação dos investimentos, uma vez que esta é a parte na qual a maioria dessas empresas fecha, conforme pesquisa realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE)47, que pontuou que 40% (quarenta porcento) das startups que não conseguem se manter no mercado, não se mantêm pela dificuldade de acesso a capital, sendo este o motivo de maior recorrência apontado dentro do estudo.
Assim, se demonstra de maneira clara e objetiva que a facilitação ao investimento nas startups é crucial para que estas possam se manter e desenvolver em empresas que prosperem, trazendo como resultado não só o enriquecimento dos seus sócios e investidores, mas também o crescimento de todo o País, sendo hoje um dos setores mais importantes para o crescimento do PIB dos países emergentes e desenvolvidos, não existindo qualquer motivo para que o Brasil não invista na facilitação desse tipo de investimento, como vem fazendo, ainda que lentamente, com a Lei Complementar 155/16 (Lei do Investidor Anjo), a Instrução Normativa nº 38/2017 do DREI, e o recente Marco Legal das Startups, ainda para ser aprovado pela Câmara e sancionado pelo atual presidente da República.
46 xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxx-xxxxxxxxxxx/
47 xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx-xxxxxx-xxx-00-xxx-xxxxxxxx-xxx-xxxxxxxxx-xx-xxxxxx- no-mercado
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho apresentado tentou trazer como principal questionamento a interação entre os contratos de investimento e as sociedades limitadas, a luz das nova regras e legislações que vem sendo criadas no Brasil.
O principal intuito em abordar essa temática foi o de incluir as sociedades limitadas no rol de possíveis tipos societários para empresas de todos os tamanhos e que visam serem alvos de investimento externo, principalmente aquelas nos ramos de tecnologia e inovação denominadas como startups, dada a característica principal das sociedades limitadas ser a contratualidade, sem o excesso de burocracias existentes para a criação e a manutenção de uma sociedade anônima.
Para tanto foi necessário pontuar, em princípio, o que são as startups e quais são essas novas mudanças que facilitaram o seu surgimento dentro das limitadas, bem como o surgimento de novos tipos de investimento, tendo que antes serem apresentados, ainda que de forma breve, os modelos tradicionais de investimento em sociedades limitadas, sempre também tentando apresentar as razões que faziam com que esses modelos tradicionais não fossem ideais, como por exemplo as inseguranças jurídicas de um contrato de mútuo conversível por quotas preferenciais, ou ainda a imprevisibilidade das sociedades em cotas de participação, que são uma sociedade, mas não são, e que servem apenas para o investimento em um negócio específico ou na criação de um produto específico, nunca como solução para o investimento direto em uma empresa nascente.
A partir daí foi onde começaram a ser apresentados os novos modelos de contrato de investimento, suas principais aplicabilidades, porque foram possíveis com a vigência da nova legislação e, onde ainda falta existir algum tipo de previsão legal para que as startups e todo o ecossistema de inovação no Brasil possa florescer ainda mais.
Por fim, foram apresentados os resultados obtidos dentro do trabalho, quais sejam, o maior nível de segurança nos contratos de investimento junto as sociedades limitadas, maior segurança essa tanto para os empresários e sócios dentro da sociedade, como para os investidores, tendo sido observado que essa facilitação no tocante a segurança era um dos principais pontos faltantes para que mais empresas, organizações e sociedades passassem a investir em maior escala nesse seguimento
das empresas inovadoras, principalmente pelo fato de sua grande maioria ser de empresas organizadas na forma de sociedades limitadas.
Porém, apesar de ter se obtido este resultado dentro do projeto, também foi possível observar que alguns pontos muito importantes para a concretização do ecossistemas de startups como completamente viável e duradouro no país ainda não existem, e que poderiam passar a existir com o novo Marco Legal das Startups, mas infelizmente a legislação original sofreu com inúmeras emendas no Senado Federal, que mitigaram e muito o poder que essa legislação teria para pavimentar de uma vez por todas o setor das startups no Brasil.
No entanto, fica ainda o questionamento sobre os rumos da legislação brasileira e, principalmente, como as novas legislações e instruções serão interpretadas e aplicadas quando confrontadas pelo judiciário, se serão mantidas ou se sofrerão na mão de magistrados que as interpretem como inconstitucionais ou ilegais de alguma forma, ou ainda que deem interpretação diversa àquela pretendida pelos legisladores e por toda a sociedade empresária, sendo essa recepção do judiciário e a consolidação da jurisprudência tema muito importante a ser observado para uma maior compreensão e aprofundamento dos aspectos apresentados neste trabalho.
6. REFERÊNCIAS
XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de direito comercial. 6ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2003.
XXXXXXXXX, Xxxxx; XXXX, X. Xxxx; XXXXXXX, X. Xxxxxx. Direito das Startups. 1ª Edição. São Paulo – SP: Xxxxxxx Xxx, 0000.
XXXXXX, Xxxxxxxx. Manual de direito empresarial. 1ª Edição, São Paulo: Atlas, 2005.
XXXXX XXXX, Xxxxx. Direito Empresarial. Volume Único. 10ª Edição, São Paulo
– SP: Método, 2020
.
BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.
BRASIL. Lei 8.934 de 1994. Dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins.
BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
BRASIL. Projeto de Lei 146 de 2019. Dispões sobre o Marco Legal da Startups.