REAJUSTE E DIFERENÇA DE RETROATIVO EM CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL
REAJUSTE E DIFERENÇA DE RETROATIVO EM CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL
Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxx Xxxxxxx
Assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Trata-se de contrato firmado em 7 de julho de 2011 entre o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e a empresa interessa- da1, cujo objeto é a locação do imóvel que abriga o Fórum dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, além da Vara da Fazen- da Pública da Região Metropolitana de Curitiba.
Em 1º de outubro de 2012, a representante da locadora so- licitou o reajuste do contrato, que lhe foi concedido, nos ter- mos da Apostila nº 1/2012 [anexada ao procedimento]. Em 31 de março do corrente ano [2015], a empresa interessada, pelos seus procuradores, protocolizou o segundo pedido de reajuste contratual. Concomitantemente, reivindicou o pagamento retroativo da diferença de reajuste no período compreendi- do entre outubro de 2013 e a presente data [13/4/2015], sob o argumento de que decorreram 29 meses do último reajuste, circunstância que poderia caracterizar enriquecimento sem causa do poder público.
Alegou, ainda, que no primeiro reajuste o locatário convo- cou-a para uma reunião, a fim de estabelecer novos valores do contrato, e que teria aguardado, nos anos posteriores, convite do Tribunal de Justiça para renovar as tratativas.
É o breve relato.
FUNDAMENTAÇÃO
Quanto ao pedido da locadora, necessário que sejam obser- vadas as cláusulas V e XVI do Contrato nº 30/2011, que disci- plinam o reajuste:
V - DO REAJUSTE CONTRATUAL
5.1. O preço inicialmente contratado poderá ser reajustado mediante prévia negociação entre as partes, observados os valores praticados no mercado e a periodicidade de um ano, contada da data da entrega das chaves, tendo como limite máximo a variação do IGPM-FGV ou, na falta deste, o IPC-FIPE, ou ainda, na falta de ambos, por outro índice que venha a substituí-los.
5.2. O reajuste acima previsto deverá ser solicitado por escrito pelo locador, e somente será devido a partir da protocolização do pedido, não sendo aplicado retroativamente.
XVI - DAS COMUNICAÇÕES
16.1. Qualquer comunicação entre as partes somente terá validade se devidamente formalizada por escrito, por qualquer meio admitido em Direito.
16.2. As solicitações previstas neste termo, no tocante a pagamentos e reajuste do valor da locação, deverão ser protocoladas no Centro de Protocolo Judiciário e Arquivo Geral da Secretaria do Tribunal de Justiça [...].
Note-se que o item 5.2. da cláusula supracitada conven- ciona a forma de requerer o reajuste e a vigência da data do pagamento, dispondo: “[...] O reajuste acima previsto deverá ser solicitado por escrito pelo locador, e somente será devi- do a partir da protocolização do pedido, não sendo aplicado retroativamente”.
O contrato foi firmado em 7 de julho de 2011; a entrega das chaves do imóvel ocorreu em 5 de setembro de 2011; e a periodicidade mínima de um ano da data da entrega das chaves deu-se em 5 de setembro de 2012, ocasião em que a locadora supostamente fazia jus ao direito de reajuste. Ela, então, for- malizou o primeiro pedido em 1º de outubro de 2012, [sendo que] este foi deferido, nos termos da Apostila nº 1/2012 [...]. Já o segundo pedido de reajuste foi protocolizado no dia 31 de março de 2015. Tem-se, de acordo com o item 5.2 do contrato, que o pedido de reajuste somente é devido a partir da data da sua protocolização. Consequentemente, não há que se falar em pagamento de diferença de retroativos.
Quanto ao contrato de locação, verifica-se que possui na- tureza jurídica de “contrato da administração”, preponderan- temente privada. É contrato regido, em sua maior parte, por normas de direito privado – no presente caso, a Lei Federal nº 8.245/1991 (Lei de Locações). Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx corroboram este entendimento:
[...] A administração, em muitos casos, celebra, também, contratos sob normas predominantes do direito privado, caso em que, em princípio, encontra-se ela, a administração, em posição de igualdade com o particular contratante. Costuma-se denominar essa espécie como con- trato administrativo atípico, ou, mais frequentemente, ‘contrato da administração’. Exemplos são os contratos de locação em que a ad- ministração figura como locatária. [...] Em resumo, a doutrina usual- mente emprega a expressão ‘contrato administrativo’ para referir-se aos contratos regidos preponderantemente pelo direito público, nos quais a administração figura em posição jurídica de supremacia, e, em contraposição, o termo ‘contrato da administração’, para aludir aos contratos regidos preponderantemente pelo direito privado, em que a administração está, em princípio, em condição de igualdade jurídica com o particular.”[1]
O artigo 62, § 3º, inciso I, da Lei Federal nº 8.666/1993, estatui: “Aplica-se o disposto nos artigos 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber: I - aos contratos de seguro, de fi- nanciamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, preponderantemente, por norma de direito privado”. Nesse sentido, já que o artigo 62, § 3º, da Lei Federal nº 8.666/1993, apenas se refere à apli- cação dos artigos 55 e 58 a 61, aplica-se preponderantemente à presente locação a Lei Federal nº 8.245/1991 (Lei de Locações), e, subsidiariamente o Código Civil (artigo 79 da Lei Federal nº 8.245/1991).
Estabelece o artigo 55 da Lei Federal nº 8.666/1993: “São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: [...] III - o preço e as condições de pagamento, critérios, da- ta-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critéri- os de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento”. Denota-se que o artigo 18 da Lei Federal nº 8.245/1991 (Lei de Locação) permite às par- tes de fixar de comum acordo cláusulas de reajuste: “É licito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para aluguel, bem como inserir ou modificar cláusulas de reajuste”.
Pois bem. Essas cláusulas, desde que respeitada a ordem pública, serão estabelecidas conforme a vontade das partes, como ocorreu no contrato firmado entre a locadora e o Tri- bunal de Justiça. Durante o Encontro Nacional de Procura- dores Municipais, em 1995, em Belo Horizonte, a doutrina- xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx afirmou: “[...] As cláusulas que tratam de condições de pagamento preço, critério, data-base e periodicidade do reajuste e critérios de atualização monetária das obrigações serão estabelecidas conforme a vontade das partes, desde que respeitada as disposições de ordem pública da legislação concernentes ao Plano Real”.2
A locadora valeu-se do seu direito de requerer o reajuste, que lhe foi concedido pela Apostila nº 1/2012. No entanto, não apre- sentou insurgência quanto ao valor do aluguel, e ficou inerte durante esse prazo (outubro de 2013 até março de 2015), quando fazia jus a novo pedido de atualização, nos termos contratuais. Essa conduta, que é típica de aceitação tácita do contrato sem o novo reajuste (período compreendido entre outubro de 2013 e março de 2015), acarretou a renúncia ao direito.
Tem-se, aqui, um caso típico de aplicação dos institutos “ve- nire contra factum proprium” e “supressio”, uma vez que a lo- cadora, ao permanecer inerte quanto ao seu direito de solicitar o reajuste nos termos contratuais, gerou para o locatário a justa expectativa de que a prerrogativa foi renunciada. Consequente- mente, sua conduta consentiu em renúncia tácita, e a cobrança ofende a boa-fé objetiva. Nesse sentido, confira-se orientação do Superior Tribunal de Justiça:
Civil. Contratos. Dívidas de valor. Correção monetária. Obrigatorie- dade. Recomposição do poder aquisitivo da moeda. Renúncia ao di- reito. Possibilidade. Cobrança retroativa após a rescisão do contrato. Não cabimento. Princípio da boa-fé objetiva. Teoria dos atos próprios. ‘Supressio’.
1. Trata-se de situação na qual, mais do que simples renúncia do di- reito à correção monetária, a recorrente abdicou do reajuste para evi- tar a majoração da parcela mensal paga pela recorrida, assegurando, com isso, a manutenção do contrato. Portanto, não se cuidou propri- amente de liberalidade da recorrente, mas de uma medida que teve como contrapartida a preservação do vínculo contratual por seis anos. Diante desse panorama, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão da recorrente de exigir retroativamente valores a título de correção monetária, que vinha regularmente dispensando, frustrando
uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual.
2. A correção monetária nada acrescenta ao valor da moeda, servindo apenas para recompor o seu poder aquisitivo, corroído pelos efeitos da inflação. Cuida-se de fator de reajuste intrínseco às dívidas de valor, aplicável independentemente de previsão expressa. Precedentes.
3. Nada impede o beneficiário de abrir mão da correção monetária como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo con- tratual. Dada a natureza disponível desse direito, sua supressão pode perfeitamente ser aceita a qualquer tempo pelo titular.
4. O princípio da boa-fé objetiva exerce três funções: i) instrumento hermenêutico; ii) fonte de direitos e deveres jurídicos; e iii) limite ao exercício de direitos subjetivos. A essa última função aplica-se a te- oria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios, como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres con- tratuais, daí derivando os seguintes institutos: ‘tu quoque’, ‘venire con- tra facutm proprium’, ‘surrectio’ e ‘supressio’. 5. A ‘supressio’ indica a possibilidade de redução do conteúdo obrigacional pela inércia quali- ficada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.
6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1202514/RS, j. 21/06/2011, Relatora: ministra Xxxxx Xxxxxxxx (3ª Turma). Julgamen- to: 21/6/2011.
Em casos análogos, assim se manifestaram outros tribunais:
Locação. Ação renovatória. Reconvenção. Falta de interesse de agir. Não caracterização.
Nada obstante o caráter dúplice da ação renovatória, os réus têm faculdade de deduzir pleito reconvencional, desde que tal pretensão não seja possível de ser alcançada automaticamente com a impro- cedência da demanda principal. Requeridos reconvintes que almejam recebimento de diferença decorrente de inadimplemento de reajustes anuais, bem como de utilização de área do imóvel maior do que a con- tratada. Em que pese admissível pedido tal qual formulado, não merece acolhimento. Locadores que, durante a execução do contrato original, não apresentaram insurgência quanto ao valor do aluguel quitado pela inquilina. Inércia qualificada que gera para a locatária a justa expec- tativa de que a prerrogativa foi renunciada, sendo despropositada a tardia cobrança retroativa de diferenças. Situação que viola a boa-fé objetiva, ensejando aplicação dos institutos do ‘venire contra factum proprium’ e da ‘supressio’. Conteúdo obrigacional reduzido. Recurso provido.
(TJ-SP. Apelação 57925820088260129-SP/0005792-58.2008.8.26.0129.
Relator: desembargador Xxxxxxxxx Xxxxxxx - 31ª Câmara de Direito Privado. Julgamento: 7/8/2012. Publicação: 9/8/2012). [...] Contrato de locação. Valor do aluguel. Reajuste contratual. Direito não exercido pela locadora. Impossibilidade de aplicação retroativa.
Comprovado nos autos que a locadora nunca exerceu o direito con- tratualmente assegurado de reajustar o valor locatício, vindo a exigir a diferença somente no curso da execução, mostra-se ilegal a aplicação retroativa do índice de correção previsto: IGPM-FGV.
(TJ-DF. Apelação 769073220098070001-DF/0076907-32.2009.807.0001.
Relatora: desembargadora Carmelita Brasil - 2ª Turma Cível. Publi- cação: 22/9/2010).
[Ação de] despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança. Tendo o locador permanecido inerte por anos, aceitando os pagamen- tos dos aluguéis sem o reajuste contratado e um aluguel mais baixo, [é] de se presumir que os aceitou como corretos, abrindo mão do reajuste e concordando com a redução do aluguel. Indevida é a multa moratória de 10% sobre taxa condominial vencida após a vigência do novo Códi- go Civil. Redução para 2%, nos termos do artigo 1336, § 1º, do Código Civil. Não é devido valor concernente a fundo de reserva, por se tratar de despesa extraordinária, cuja obrigação de pagar é do locador (artigo 22, X, alínea ‘g’, da Lei nº 8.245/1991). Exclusão da cobrança de tal ver- ba. Acessórios, os encargos, entre eles o IPTU, exigem-se com o alu- guel, a obrigação principal. A purgação da mora abrange os aluguéis e encargos vencidos até sua efetivação, além de multa moratória, juros e correção. Efetuando o inquilino depósito insuficiente para purgar a mora e não havendo contestação, mantém-se o decreto de procedência do despejo e a parcial procedência da cobrança. Recurso provido em parte.
(TJ-SP. Relatora: desembargadora Xxxxxx Xxxxx - 29ª Câmara de Di- reito Privado. Julgamento: 7/8/2013).
Ação de cobrança. Contratos de locação para fins não residenciais. Preliminares de nulidade da sentença por ausência de fundamen- tação afastadas. Pagamento dos aluguéis sem o reajuste anual estabe- lecido em cláusula contratual. Aceitação tácita da locadora por mais de cinco anos. Exclusão do direito pelo não exercício. Aplicação da teoria da “supressio”. Apelação da autora provida. Não provido o re- curso adesivo.” (TJ-SP - Apelação 01656891820088260002-SP/ 0165689- 18.2008.8.26.0002. Relator: desembargador Xxxx Xxxxxx - 33ª Câmara de Direito Privado. Julgamento: 16/9/2013. Publicação: 20/9/2013).
Depreende-se que, durante a vigência do ajuste original, a autora tinha conhecimento da forma de proceder a solici- tação de reajuste contratual, visto que requereu de acordo com as cláusulas V e XVI do contrato nº 30/2011 em 1º de outubro de 2012 [...], razão pela qual infundada a alegação de que tenha aguardado por mais de doze meses a convocação do locatário para tratar do reajuste contratual. A tratativa desse objeto está claramente prevista no contrato firmado entre as partes, e a locadora já se utilizou dela em 2012.
Por fim, a hipótese vertente retrata situação em que o adá- gio do “pacta sunt servanda” é sobreposto por outros valores jurídico-sociais atualmente legalizados, como a boa-fé objetiva e a função social do contrato (artigos 421 e 422 do Código Civil). Assim, defeso à locatária pleitear retroativamente o pagamento de valores a título de diferença de reajuste, porquanto, além de não exercidas oportunamente tais prerrogativas, a pretensão é contraditória com a aquiescência que deu ao ter assinado o Contrato nº 30/2011.
Diante das considerações tecidas, no meu entendimento a locadora não faz jus ao pedido de pagamento de diferença retroativa de reajuste.
Considerando as vastas decisões dos Tribunais Superiores, opino pelo indeferimento do pedido de pagamento da diferença retroativa de reajuste formulado pela empresa interessada, [...] com fulcro no artigo 18 da Lei Federal nº 8.245/1991 (Lei de Lo- cação) e das cláusulas V e XVI do contrato nº 30/2011, firmado com o Tribunal de Justiça, bem como na aplicação dos institu- tos do “venire contra factum proprium” e da “supressio”, e da teoria do boa-fé objetiva.
Parecer emitido no protocolo SEI nº 0019625-22.2015.8.16.6000. Data: 13/4/2015.
NOTAS
1 XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx. Direito administrativo descomplicado. 15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 407-408.
2 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. A administração pública como locatária. In: Encontro Nacional de Procuradores Municipais, 21, 1995, Belo Horizonte. Exposição ... Revista de Direito Administrativo, Renovar Fundação Xxxxxxx Xxxxxx, Rio de Janeiro, nº 000, x. 00-00, xxxxx-xxxxxxxx, 0000.