EXTINÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO: ESPÉCIES, HIPÓTESES DE RESCISÃO E CONSEQUÊNCIAS
EXTINÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO: ESPÉCIES, HIPÓTESES DE RESCISÃO E CONSEQUÊNCIAS
Por: Xxxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx
Advogada em Curitiba. Consultora da JML Consultoria & Eventos Ltda. Pós- graduada em Direito Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pós-graduada em Direito e Gestão das Entidades do Sistema "S", pelo Instituto de Direito Público - Brasília/DF. Atuou como advogada na área de licitações e contratos no Serviço Social do Comércio - PR, pelo período de cinco anos. Palestrante e autora de artigos na área de licitações e contratos.
A extinção do contrato administrativo é motivada por fatos ou atos jurídicos.
Na primeira categoria, põem fim à avença com a Administração Pública o cumprimento do objeto e o exaurimento do prazo. Esses fatos resolvem por completo o contrato, com direitos exercitados e obrigações satisfeitas, em geral.
Ainda na categoria de fatos jurídicos que extinguem o contrato estão o desaparecimento do contratado e o do objeto1.
Em relação aos dois primeiros fatos jurídicos citados vale destacar que no cumprimento do objeto, sua conclusão e recebimento pela Administração é que induzem ao término da avença2. O exaurimento do prazo tem cabimento nos contratos em que a obtenção do serviço é necessária durante determinado lapso temporal, ao final do qual o contrato considera-se cumprido, extinguindo-se.
Uma vez materializados os fatos jurídicos a extinção do contrato independe de manifestação de qualquer das partes e de formalizações também.
Contudo, cabe registrar que eventuais descumprimentos contratuais devem ser verificados e apreciados de imediato para a adoção das providências cabíveis, enquanto ainda vigente o contrato, antes, portanto, do recebimento definitivo e do término do prazo final.
Caso haja alguma pendência não pode a Administração receber o objeto e consequentemente efetuar o pagamento correspondente. Deve estabelecer prazo para correções ou completo cumprimento das obrigações, estendendo o prazo de execução/vigência para tanto, sem prejuízo de eventual multa moratória (a cabível em caso de mora: art. 86 da Lei 8.666/93). E, em caso de inadimplemento cabe a aplicação de penalidades previstas para tanto (art. 87 da Lei 8.666/93) e a rescisão é a medida que se enquadra à espécie.
Os atos jurídicos que extinguem os contratos administrativos são a rescisão administrativa, a consensual e a judicial.
A Lei de Licitações define como poderá se dar a rescisão do contrato:
1 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito administrativo. 13 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 766.
2 O que não afasta a necessidade da fixação de prazos de execução e de vigência compatíveis e suficientes.
“Art. 79. A rescisão do contrato poderá ser:
I - determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior;
II - amigável, por acordo entre as partes, reduzida a termo no processo da licitação, desde que haja conveniência para a Administração;
III - judicial, nos termos da legislação; IV - (Vetado)
§ 1º A rescisão administrativa ou amigável deverá ser precedida de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente. (...)”
A rescisão administrativa é a que resulta de ato unilateral da Administração. Trata-se de cláusula exorbitante e necessária em razão do regime jurídico administrativo aplicável aos contratos administrativos, nos moldes do que prescreve o art. 58, II, da Lei 8.666/93, que os disciplina.
A rescisão amigável decorre de razões de conveniência da Administração com aquiescência do contratado e somente poderá ser aplicada se demonstrado não haver prejuízo ao interesse público (aplica-se o princípio da indisponibilidade do interesse público).
A rescisão judicial, por fim, decorre de decisão do Poder Judiciário, em face de ação proposta por aquele que tiver interesse e direito à rescisão.
A rescisão do contrato administrativo vincula-se às hipóteses e meios tratados na legislação, exigindo-se, para sua formalização, a demonstração, em processo próprio, dos motivos fáticos e jurídicos que a ensejam, acompanhada da devida justificativa e motivação.
Por conseguinte, a Lei de Licitações relaciona as hipóteses que podem justificar a rescisão do contrato, in verbis:
“Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
I - o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos;
II - o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos;
III - a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento, nos prazos estipulados;
IV - o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento;
V - a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia comunicação à Administração;
VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;
VII - o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores;
VIII - o cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas na forma do § 1º do art. 67 desta Lei;
IX - a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil;
X - a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado;
XI - a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato;
XII - razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato;
XIII - a supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras, acarretando modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido no § 1º do art. 65 desta Lei;
XIV - a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;
XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;
XVI - a não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto;
XVII - a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato.
XVIII – descumprimento do disposto no inciso V do art. 27, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Parágrafo único. Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa.” (grifou-se)
Das hipóteses trazidas pela Lei Federal que possibilitam a rescisão do contrato, denota-se que as elencadas nos incisos I a XII, XVII e XVIII são as causas da rescisão administrativa.
Dessas causas, as relacionadas nos incisos I a XI e XVIII são imputáveis ao contratado. Ou seja, situações de descumprimento contratual ou outros fatos atribuídos ao contratado, que permitem a extinção da avença pela Administração e podem ser assim resumidas:
a) Não cumprimento (inadimplemento total das obrigações) ou cumprimento irregular do contrato, que deve ser grave o suficiente para que a Administração promova a contratação de outro particular para dar seguimento às prestações.
b) Lentidão na execução, que autoriza a presunção de descumprimentos em relação aos prazos definidos no contrato. Mas essa presunção deve estar fundada na impossibilidade de cumprimento desses prazos.
c) Demora no início da execução, como indício de dificuldades internas que prejudicarão a prestação do objeto.
Para as hipóteses das alíneas ‘a’ e ‘b’ acima, se houver cronograma físico descumprido a razão para a rescisão será o cumprimento irregular do contrato e será embasada numa das espécies primeiras tratadas, descritas nos incisos I e II do artigo 78.
d) Paralisação da execução, pois a cessação das atividades aptas à execução do contrato após iniciadas indica ruptura dos deveres impostos.
e) Modificação subjetiva na contratação, ocasionada por cessão de posição contratual ou alterações organizacionais na estrutura da empresa contratada. Cada caso deve ser devidamente analisado pela Administração.
f) Desatendimento a determinações e instruções da Administração, relacionando-se, em grande medida, às hipóteses de descumprimentos contratuais.
g) Cometimento reiterado de faltas, configurando uma sucessão de descumprimentos.
Na opinião de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx “a hipótese se configura quando, na execução de sua prestação, o contratado deixar de cumprir as determinações cabíveis, de modo contínuo. A conjugação dos atos dá outro relevo à conduta do particular. Revela ausência de confiabilidade e permite configurá-lo como um potencial causador de prejuízos à Administração e a terceiros.”3
h) Insolvência do contratado, que deve ser formalmente declarada pelo Poder Judiciário e acarretar atuação restrita da empresa no mercado.
i) Dissolução da sociedade, cujas causas estão disciplinadas no Código Civil, artigos 1.044 a 1.051, ou falecimento da pessoa física.
j) Alteração social ou modificação da finalidade ou estrutura da empresa.
l) Exploração irregular do trabalho de menores de idade.
Nas hipóteses elencadas acima que configuram descumprimento de cláusulas do contrato, atribuídas ao contratado, é importante observar que a atuação com dolo (intenção de descumprir) ou culpa (imperícia, negligência ou imprudência) é irrelevante para determinar ou não a rescisão do contrato, mas terá importância para fins de sancionamento e indenização.
Nesse sentido, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx esclarece:
“O descumprimento pode ser: a) com dolo; b) com culpa; c) sem culpa. É doloso quando o contratante particular quer o descumprimento do contrato e nesse sentido age direta ou indiretamente. É com culpa quando a desobediência não decorre de ato ou comportamento intencional visando o descumprimento do contrato, mas de medidas, atos ou comportamentos tomados com negligência, imprudência ou imperícia. É sem culpa quando o contratante particular descumpre a cláusula do ajuste em razão de acontecimentos tidos como fortuitos ou de força maior. A cada uma dessas situações, correspondem as respectivas conseqüências. Assim, quem descumpre o contrato agindo com dolo poderá responder administrativa, civil e
3 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1100.
criminalmente pelos seus atos. O mesmo não ocorrerá se no descumprimento do contrato inexistir dolo ou culpa do inadimplente.”4
Outras causas da rescisão administrativa e que não decorrem da atuação do contratado estão elencadas nos incisos XII e XVII do artigo 78.
A primeira delas invoca razões de interesse público, que envolvem razões de conveniência ou oportunidade da Administração e não transcorre de inadimplemento das partes.
Nas palavras de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
“A Administração está obrigada a demonstrar que a manutenção do contrato acarretará lesões sérias a interesses cuja relevância não é a usual. A ‘alta’ relevância indica uma importância superior aos casos ordinários. Isso envolve danos irreparáveis, tendo em vista a natureza da prestação ou do objeto executado. Ou seja, não se admite a invocação a razões imprecisas e indeterminadas, de cunho duvidoso ou meramente opinativa. Há necessidade de extinguir-se o contrato porque sua manutenção será causa de consequências lesivas.”5
A invocação de tal causa de extinção do contrato deve atender aos requisitos legais, quais sejam: razões de alta relevância, que extrapolem o convencional; amplo conhecimento, que envolve a ciência do contratado; justificadas e determinadas pela máxima autoridade da estrutura hierárquica do ente contratante; e, deduzidas nos autos do processo administrativo.
A hipótese tratada no inciso XVII decorre de caso fortuito ou força maior, que deve albergar a impossibilidade de cumprimento das prestações devidas pelo particular e pela Administração. Deve ser demonstrada a relação de causalidade entre o evento e a conduta da Administração, ao pretender rescindir o ajuste.
Em outras palavras, “a impossibilidade da execução deve derivar de circunstâncias absolutamente estranhas à interferência da Administração Pública”6.
Por fim, citam-se as causas imputáveis à Administração e que podem colocar fim ao contrato. Estão elencadas nos incisos XIII a XVI e assim podem ser resumidas:
a) Redução de quantitativos em volume que supere os limites fixados na norma de modo unilateral. Mas cabe a ressalva de que tal ocorrência importa em nulidade do ato. “Significa que, se a Administração reputar excessivos os quantitativos inicialmente contratados, a única solução será contentar-se com redução nos limites da Lei ou extinguir o contrato nos termos do inc. XII.”7
b) Suspensão da execução por ordem da Administração por prazo superior a 120 dias. Deve ser formalizada por escrito. A paralisação acarretará consequências para o particular que deve ser indenizado pelos danos sofridos e recomposto o equilíbrio econômico financeiro, se rompido comprovadamente.
4 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito administrativo. 13 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 774.
5 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1106.
6 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p, 1112.
7 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1108.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Junior sintetiza que o direito da Administração de rescindir acarreta ao particular dois outros direitos:
“(a) ser ressarcido das despesas que houver tido com mobilizações e desmobilizações decorrentes das suspensões;
(b) não promover a rescisão e optar pela suspensão da execução do contrato até que se remova o fato gerador da suspensão determinada pela Administração.”8
c) Atraso dos pagamentos devidos. Essa hipótese merece análise mais acurada.
Toda contratação deve ser precedida de empenho que assegure o pagamento das despesas no exercício financeiro vigente, devendo-se emitir, ainda, para os contratos que podem ter seus prazos prorrogados, novos empenhos a cada período. A ausência de empenho constitui irregularidade que conduz à anulação.
Ademais, a Administração deve efetuar o pagamento após o adimplemento da obrigação contratual ou de suas parcelas e de seu aceite definitivo, de acordo com o avençado em contrato. A Lei disciplina os prazos e condições específicas para tanto. Vale dizer, o Edital de licitação e o contrato não poderão estabelecer prazo maior que 30 dias para pagamento, contados do adimplemento da obrigação pelo contratado.
Como consequência, uma vez delimitado pelo instrumento convocatório e pelo contrato o prazo e condições para pagamento ao particular pelos serviços prestados, se a Administração ultrapassar referido prazo, observadas as demais condições, ingressará em estado de mora, sujeitando-se às consequências legais previstas ao seu inadimplemento.
Esse ressarcimento devido engloba a aplicação de atualização monetária e juros de mora, nos termos previstos no ajuste, bem como eventuais perdas e danos efetivamente comprovadas, aplicando-se não somente a Lei 8.666/93, como também o Código Civil.
Assim é que a Lei de Licitações prevê no artigo 40, inciso XIV, alínea ‘d’, o dever de o instrumento convocatório do certame prever “compensações financeiras e penalizações, por eventuais atrasos,...”. Reconhece-se, portanto, ao contratado o direito de compensações financeiras na hipótese de atraso de pagamento por parte do entre contratante. Em razão da natureza indenizatória, estendem-se às compensações financeiras os juros de mora9.
O Código Civil dispõe sobre a aplicação de juros e atualização monetária nas situações de mora do devedor, assegurando também a aplicação de perdas e danos para ressarcimento de prejuízos devidamente comprovados.
8 XXXXXXX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Comentários a lei de licitações e contratações da administração pública. 7. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 793.
9 O Código Civil disciplina a matéria nos seguintes artigos:
“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.
“Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.
Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.
Especificamente sobre a indenização por perdas e danos, trata-se de medida apta a ressarcir o particular dos prejuízos causados pela mora da Administração. Eis a norma do Código Civil:
“Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar”.
No que se refere à hipótese de rescisão, ora tratada, portanto, ante atraso no pagamento devido pela contratante tem o contratado o direito de pleitear as compensações financeiras e penalizações previstas em instrumento convocatório/contrato. Ausente essa previsão resta recorrer ao judiciário para obtê- las.
Outrossim, se o atraso no pagamento for superior a 90 dias pode o contratado requerer também, administrativa ou judicialmente, a rescisão do ajuste. Nessa hipótese, como a rescisão não decorre de falha do contratado, tem esse direito de ser ressarcido dos prejuízos devidamente comprovados, dentre outros, conforme estatui o
§ 2º do art. 79 antes transcrito.
Retoma-se a análise das causas de rescisão, com a última a ser citada:
d) omissão de providência indispensável pela Administração, como ausência de liberação da área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos estipulados, assim como das fontes de materiais naturais especificadas.
Essa omissão pode ensejar a suspensão da execução do objeto, até que a providência seja tomada, e, nessa linha, pode relacionar-se à hipótese da suspensão tratada no inciso XIV (suspensão da execução por prazo superior a 120 dias) para fins de aplicação da mesma solução. Deve ser recomposto o equilíbrio econômico- financeiro e indenizado o particular pelas perdas e danos.
Tratadas as hipóteses de rescisão do contrato, cabe destacar que para ser aplicada a rescisão unilateral (ou administrativa) deve restar evidenciada a ocorrência de uma das hipóteses definidas na lei que a fundamentam, em processo administrativo próprio, assegurando-se, previamente, o contraditório e a ampla defesa, cabendo, ainda, recurso contra a decisão final (rescisão), nos termos do disposto no art. 109, I, “e” da Lei 8.666/93.
A ausência de formalidades para a rescisão, em especial sem que seja dada oportunidade para o particular produzir defesa prévia e provas que possam vir em seu benefício, pode invalidar o ato rescisório.
Questão que deve ser estudada é sobre as consequências da rescisão do contrato por razões atribuídas ao contratado ou à Administração.
Se o particular for o responsável pelo fim do contrato, com base em uma das hipóteses estudadas acima (incisos I a XI e XVIII do artigo 78), cabe à Administração retomar o serviço ou o bem objeto do contrato e acionar o contratado para promoção
de reparação dos danos causados. Essa reparação pode se dar com retenção de valores a que tinha direito o contratado ou execução da garantia oferecida, se houver, para pagamento de multas/indenizações regularmente aplicadas/identificadas. Se não forem suficientes as medidas cabe à Administração ingressar em juízo para obter indenização pelos danos sofridos.
Tais consequências foram dispostas no artigo 80 da Lei de Licitações, in verbis:
“Art. 80. A rescisão de que trata o inciso I do artigo anterior acarreta as seguintes conseqüências, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei:
I - assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar, por ato próprio da Administração;
II - ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal empregados na execução do contrato, necessários à sua continuidade, na forma do inciso V do art. 58 desta Lei;
III - execução da garantia contratual, para ressarcimento da Administração, e dos valores das multas e indenizações a ela devidos;
IV - retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração.”
A hipótese tratada no inciso I refere-se ao apossamento do objeto, que deve ter seus limites na propriedade privada, envolvendo somente bens imóveis públicos que possam estar em poder do particular para a execução do objeto.
A segunda consequência prevista pela Lei trata da ocupação de local ou objetos e pessoal para que seja dada continuidade ao contrato. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx reputa estar tal inciso revogado, relacionando-o à hipótese do artigo 58, inciso V, que refere-se aos serviços públicos, que não comportam interrupção10.
De outro turno, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xx assevera que o dispositivo, vigente, não aniquila o domínio e os proprietários dos bens não perdem tal qualidade. Citando Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, o autor destaca:
“Quando a lei afirma que é permitida a ocupação temporária, entenda-se que não é ao arrepio das normas legais, mas sim quando devidamente autorizada... De que modo seja, e sempre que surja o problema, de alguma forma a ocupação é expropriatória. Cabe ao expropriante não só a responsabilidade pelo pagamento do uso da propriedade, como também dos prejuízos decorrentes desse uso.”11
De qualquer forma, somente se aventa a ocupação provisória se houver autorização específica da autoridade competente12.
Sobre a execução da garantia, essa pode ser feita para pagamento de multas regularmente aplicadas13-14 ou, se essa medida não for suficiente para cobertura das
10 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1127.
11 XXXXXXX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Comentários a lei de licitações e contratações da administração pública. 7. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 812.
12 Sinalizada no §3° do mesmo artigo: “§ 3º Na hipótese do inciso II deste artigo, o ato deverá ser precedido de autorização expressa do Ministro de Estado competente, ou Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso.”
13 O que não afasta, inclusive, a incidência de outras penalidades previstas (“Art. 80. A rescisão de que trata o inciso I do artigo anterior acarreta as seguintes conseqüências, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei: (...) III - execução da garantia contratual, para ressarcimento da Administração, e dos valores das multas e indenizações a ela devidos;”(grifou-se)).
perdas e danos sofridos e identificados em processo específico, ser utilizada para ressarcimentos dessas. Ademais, deve a Administração apurar devidamente o montante da dívida e o contratado deve ser questionado antes sobre o pagamento espontâneo.
Para Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
“A Administração deverá ser satisfeita pelo valor da multa e (ou) das perdas e danos. Para tanto, poderá demandar o particular. (...)
Uma vez verificada a rescisão, a Administração tem o dever de definir o montante das perdas e danos sofridos. Para tanto, deverá promover procedimento administrativo, respeitando os princípios já referidos e detalhados do contraditório e da ampla defesa. Uma vez apurado o valor da dívida, seu montante deverá ser exigido do particular que poderá pagar espontaneamente ou não.”15
No que concerne à garantia, segue julgado do Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO DE GARANTIA CONTRATUAL. PROCESSO ADEQUADO.
TUTELA DE CONHECIMENTO PRÉVIA PARA AFERIR-SE O AN DEBEATUR E O QUANTUM DEBEATUR. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. O SEGURO-GARANTIA PRESTADO POR OCASIÃO DA LICITAÇÃO NÃO É TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL.
1. É assente que a "lei enuncia em numerus clausus os títulos extrajudiciais constantes da relação do artigo 585 do CPC. A enumeração exaustiva decorre do fato de que os mencionados títulos autorizam a prática de atos de soberania e de enérgica invasão na esfera jurídico- patrimonial do devedor, razão pela qual não podem os particulares produzirem, de acordo com a vontade individual, uma fonte de atos autoritário-judiciais." (Xxxx Xxx, in "Curso de Direito Processual Civil, Forense, 2001) 2. Tratando-se de apólice de seguro-garantia a Companhia Seguradora "obriga-se a completar à sua custa a obra, o serviço ou o fornecimento, de acordo com as especificações do contrato, ou a pagar à Administração o necessário para que esta transfira a terceiros a conclusão ou a realize diretamente. O que o performance bond garante é a integral execução do contrato segurado, pelos meios e modos que as circunstâncias exigirem, quer pela realização substitutiva, in specie, pela seguradora, quer pelo pagamento do custo restante à Administração, para que esta recontrate ou conclua por seus próprios órgãos o que o contratado originário deixou inacabado.(Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, in “Licitação e Contrato Administrativo” p. 210/211) 3. Isto porque "verificada a rescisão, a Administração tem o dever de definir o montante das perdas e danos sofridas. Para tanto, deverá promover procedimento administrativo, respeitando os princípios já referidos e detalhados do contraditório e da ampla defesa. Uma vez apurado o valor da dívida, seu montante deverá ser exigido do particular que poderá pagar espontaneamente ou não. (...) Quando se tratar da Administração Direta e de autarquia, incidirá o regime jurídico da Lei n.º 6.830. O crédito será caracterizável como fazendário e sua exigência poderá fazer-se através de processo de execução. Mas será necessário o cumprimento dos requisitos legais ali previstos. O título executivo será a certidão de dívida ativa, e não a decisão administrativa que rescindiu o contrato. Quando se tratar das outras
14 “Art. 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato. § 1° A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei. § 2° A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado. § 3° Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente. Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: (...)
II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; (...) § 1° Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente ” (grifou-se)
15 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1128.
entidades da Administração Indireta, o regime jurídico será o comum. A entidade deverá, por isso, promover processo de conhecimento, através do qual obterá título executivo.
Apenas após deter o título executivo é que poderá desencadear a execução. (...)” (Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, in "Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos", p. 557/558) 4. Consectariamente, a exegese do art. 80, inciso III, da Lei n.8.666/93 implica concluir que a expressão "execução da garantia contratual" significa sua "efetivação", via exigibilidade judicial cognitiva. Deveras, a natureza de título executivo não se infere, mas, antes, se afere dos termos inequívocos da lei, máxime porque, as referidas cártulas são fontes de atos de soberania estatal, como sói ser o processo autoritário-judicial de execução.
5. Excepcionalmente, constando da garantia, a quantia líquida e certa devida, admite-se a sua executividade, fato inocorrente in casu.
6. Outrossim, os limites desses atos de autoridade, consubstanciados em meios de coerção e sub- rogação dependem da extensão do crédito, sua certeza, liquidez e exigibilidade. Consequentemente, perdas e danos não são passíveis de execução sem antes serem fixados o an debeatur e o quantum debeatur, à luz dos cânones do due process of law.
7. Decisão assentada em jurisprudência e doutrina processual e administrativa dominantes.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.”16
Por fim, sobre o inciso IV, faculta-se à Administração a retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados, como medida compensatória entre o crédito da Administração pelas perdas e danos e o crédito do particular pelas prestações executadas. Tem preferência tal consequência sobre a execução de garantia.
Por outro lado, caso seja imputável à Administração a rescisão do contrato (hipóteses traçadas nos incisos XII a XVII) aplica-se o §2° do artigo 79 da Lei 8.666/93:
“Art. 79. (...)
§2° Quando a rescisão ocorrer com base nos incisos XII a XVII do artigo anterior, sem que haja culpa do contratado, será este ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito a:
I - devolução de garantia;
II - pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão; III - pagamento do custo da desmobilização.”
Para esses casos, o particular deve ser ressarcido de todos os prejuízos comprovados e, ainda, terá direito à devolução da garantia, se houver, pagamentos devidos até a data da rescisão e pagamento do custo da desmobilização.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Junior advoga existirem duas condições para que o particular possa ser ressarcido:
“O ressarcimento previsto no §2° do art. 79 encontra aplicação sujeita a duas condições cumulativas, a serem apuradas em processo regular: ausência de dolo ou culpa do contratado e comprovação do dano por este sofrido em decorrência da rescisão. À falta de dano e de culpa, não haverá ressarcimento, mas o contratado terá direito às parcelas de que tratam os incisos I, II e III do parágrafo. Presente a culpa, esta ilide tanto o ressarcimento (se houver dano) quanto os demais pagamentos, posto que cabe ao devedor culpado suportar todas as consequências do
16 STJ. REsp 476.450/RJ, Rel. Ministro Xxxx Xxx, Primeira Turma, julgado em 18/11/2003, DJ 19/12/2003.
inadimplemento somente a ele imputável, quer este haja ocorrido ao termo do contrato ou no seu curso (Código Civil de 2002, art. 399 e 397).
A garantia, se consistente em dinheiro, será devolvida em valor atualizado.
Tudo o que houver sido executado até a data da rescisão, sem culpa do contratado ser-lhe-á pago. A contrário senso, não serão devolvidas parcelas correspondentes a etapas não executadas até a data da rescisão se esta se deu por culpa do contratado.
O contratado inocente também fará jus quando da rescisão, ao pagamento do custo de desmobilização...”17
Na mesma esteira Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxx adverte que “se o contratado descumpre cláusula contratual ou comete ilicitude não há lugar para indenização.”18
Percebe-se da leitura da doutrina que a parte inadimplente não terá direito à indenização.
O que deve orientar a Administração e o contratado em relação à rescisão é a análise do caso concreto. Cada situação deve ser amplamente estudada e definido o correto enquadramento nas hipóteses legais para fins de aplicação das consequências adequadas.
Cabe ao contratado sinalizar e formalizar adequadamente o descumprimento de modo oportuno, pois caso esse ato constituia causa de seu próprio inadimplemento não há como solicitar posteriormente indenizações devidas ou outras espécies de ressarcimento. Como trata a expressão em latim “Dormientibus Non Sucurrit Ius”, o direito não socorre aos que dormem.
Mas, como dito, a rescisão de contrato administrativo demanda instauração de procedimento apto a formalizar o término da avença com as informações e documentos necessários a justificar as ações e decisões tomadas, com observância, em todos os casos em que a rescisão for unilateral (administrativa), do contraditório e da ampla defesa. Cabe ao contratado apresentar todas as provas e justificativas que possam excluir ou reduzir sua responsabilidade. Pode, inclusive, questionar a presença dos fatos alegados pela Administração.
Para efeito de aplicação de penalidades em face de inadimplemento (art. 87 da Lei) e das consequências do artigo 80 da Lei de Licitações é primordial apurar detidamente a responsabilização de cada parte, para que não haja prejuízo indevido.
Por certo, a própria Administração contratante pode e deve registrar sua responsabilidade quanto ao descumprimento contratual que ocasionou a rescisão.
Nesse aspecto, cumpre ressaltar que a contratação administrativa produz direitos subjetivos que devem ser respeitados em vista do princípio da segurança jurídica que demanda a apuração de possíveis indenizações devidas.
Sobre o contraditório e ampla defesa já se manifestou o TCU:
17 XXXXXXX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Comentários a lei de licitações e contratações da administração pública. 7. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 806.
18 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx. Eficácia nas Licitações e Contratos. 10. Ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 531.
“No presente caso, a necessidade de motivação e garantia do contraditório e da ampla defesa, para regular utilização do instrumento da rescisão administrativa, ainda que não pudesse, numa interpretação estreita, ser fundada no art. 79, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, o que não me parece ser o caso, reflete, antes de tudo, o exercício do cumprimento de mandamentos constitucional e legal.
A ampla defesa e o contraditório são direitos fundamentais, protegidos pela Constituição Federal, no art. 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Para que a defesa, necessária em processos de rescisão contratual unilateral, possa ser plenamente exercida, há necessidade de que o ato da Administração potencialmente lesivo a direitos do contratado seja adequadamente motivado e que seja observado o direito ao contraditório.”19
Enfim, tem-se que cada parte deve arcar com as consequências de suas ações, nos termos das cláusulas contratuais e normas aplicáveis, apurando-se a responsabilidade de cada qual em processo administrativo competente.
Ainda sobre o tema, cabe asseverar que o descumprimento do contrato por parte da contratada enseja, além da rescisão e das consequências traçadas do artigo 80, já comentadas, a aplicação de penalidades. Trata-se de outra cláusula exorbitante dos contratos administrativos e com a característica da unilateralidade. Somente a Administração contratante pode aplicá-las.
Salienta-se que a aplicação de penalidades depende, a rigor, da prescrição das condutas faltosas e das sanções respectivas no edital e no contrato, pois a ausência de disciplina dessa, com a indicação de seu percentual, inviabiliza sua aplicação20.
Dentre as penalidades estatuídas pela Lei Federal, destaca-se a multa, penalidade de cunho pecuniário que se divide em dois tipos: moratória e compensatória.
A primeira diz-se multa moratória, pois é aplicada em face de atraso (mora) injustificado no cumprimento de obrigação contratual. Será cabível, assim, quando o contratado deixar de cumprir, sem motivo justo, os prazos fixados no contrato, conforme alude o art. 86 da Lei 8.666/9321.
Já a multa compensatória, disposta no artigo 8722, tem por objetivo compensar o prejuízo que a inexecução parcial ou total do objeto do contrato gerar.
Conforme o disposto nos arts. 40, inc. III, 55, inc. VII, in fine, art. 86, caput, e 87, inc. II, todos da Lei 8.666/93, é preciso que tanto a multa moratória como a compensatória sejam previstas no edital e no contrato, inclusive os seus percentuais, sob pena da inviabilidade de aplicação.
19 TCU. Acórdão 1.343/2009. Plenário.
20 De qualquer forma, ao pretender aplicar penalidade ao contratado, deve a Administração sopesar a conduta faltosa e suas consequências para fins de aplicação das demais sanções correspondentes.
21 “Art. 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato.”
22 “Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: (...) II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;”
Cabe ao administrador público, portanto, balizar as hipóteses a serem sancionadas e a pena correspondente nos atos convocatórios de suas licitações e em seus contratos, levando em conta a gravidade da conduta e os prejuízos dela advindos, com respeito aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que permeiam toda a atuação administrativa. Nesse sentido relacionam-se as sanções mais graves às condutas mais reprováveis e, de outro lado, condutas mais leves e que não representem prejuízos são apenadas com as sanções mais brandas23.
Segundo Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, o princípio da proporcionalidade:
“(...) veda a desproporção entre os meios utilizados para a obtenção de determinados fins e a ‘dosagem’ efetivamente requerida para tais fins, para serem concretizados. Pode-se dizer, com segurança, que, por força, do princípio da proporcionalidade, não é licito à Administração Pública valer-se de medidas restritivas ou formular exigências aos particulares além daquilo que for estritamente necessário para a realização da finalidade pública almejada.”24
E, no mesmo sentido, interpreta o Superior Tribunal de Justiça:
“MANDADO DE SEGURANÇA. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE. DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO. CULPA DA EMPRESA CONTRATADA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENALIDADE MAIS GRAVE A COMPORTAMENTO QUE NÃO É O MAIS GRAVE. RESSALVADA A APLICAÇÃO DE OUTRA SANÇÃO PELO PODER PÚBLICO.
Não é lícito ao Poder Público, diante da imprecisão da lei, aplicar os incisos do artigo 87 sem qualquer critério. Como se pode observar pela leitura do dispositivo, há uma gradação entre as sanções. Embora não esteja o administrador submetido ao princípio da pena específica, vigora no Direito Administrativo o princípio da proporcionalidade.
23 A Administração se baliza nas sanções tratadas pela Lei 8.666/03 e Lei 10.520/05 que dispõem, respectivamente:
“Art. 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato. § 1° A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei. § 2° A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado. § 3° Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente.
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I - advertência; II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior. § 1° Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente. § 2° As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis. § 3° A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação.”
“Art. 7º Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.”
24 XXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Processo Administrativo. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 82-83.
Não se questiona, pois, a responsabilidade civil da empresa pelos danos, mas apenas a necessidade de imposição da mais grave sanção a conduta que, embora tenha causado grande prejuízo, não é o mais grave comportamento.”25 (grifou-se)
Sobre a previsão das penalidades no instrumento convocatório e no contrato pontua Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx que:
“A demora injustificada na execução da prestação contratual acarreta, como sanção a ser primeiramente cogitada, a aplicação de multa. Mas essa solução dependerá da previsão editalícia para tanto, sob pena de ser inviável sua exigência. Será impossível, mesmo, a previsão da multa no instrumento contratual, caso não cominada no instrumento convocatório. O instrumento contratual deverá especificar as condições de aplicação da multa. Não se admite discricionariedade na aplicação de penalidades.”26 (grifou-se)
E o Tribunal de Contas da União sinaliza:
“Quanto à cobrança de multas, o contrato deve especificar, no mínimo, o seguinte:
• condições e valores;
• percentuais e base de cálculo;
• prazo máximo para recolhimento, após ciência oficial.
Na redação de cláusulas contratuais referentes à aplicação de multas, deve evitar-se o uso de expressões imprecisas ou que gere dupla interpretação, a exemplo da seguinte informação ‘multa de ATÉ 5%’.
Exemplo de condições precisas:
- Será aplicada multa de 0,05% sobre o valor do contrato, por dia de atraso; e percentual máximo de 10%, por ocorrência.
- Valor correspondente à multa deverá ser recolhido no prazo máximo de 10 dias a contar do recebimento da intimação pelo contratado.”27 (grifou-se)
“Auditoria. Contrato. Deve ser previsto no edital da licitação, bem como no contrato decorrente, de modo claro, as situações que ensejarão a aplicação de penalidades, estabelecendo-se gradações entre as sanções, de acordo com o potencial de lesão que poderá advir de cada conduta a ser apenada. Determinação. (...)
RELATÓRIO (...)
No tocante à previsão de penalidades genéricas, observadas nos editais das licitações e respectivos contratos, (...), considera-se que a não especificação das situações as quais dariam ensejo à aplicação das penalidades e a ausência de gradação para diferentes infrações dificultam a aplicação, nos casos concretos, das penalidades cabíveis, o que prejudica, inclusive, a gestão contratual.
Além do mais, de acordo com o inciso VII do art. 55 da Lei 8.666/1993, são cláusulas necessárias em todo contrato firmado pela Administração as que estabeleçam os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas por descumprimento contratual.
Nesse sentido, a jurisprudência do TCU é de que os contratos administrativos devem conter cláusula de penalidades, indicando a sanção administrativa correspondente à gravidade do evento e o valor gradual das multas, cumprindo à Administração, nos termos da avença,
25 STJ. MS 7.311/DF. Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, DJ de 02/06/03.
26 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1137.
27 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudências do TCU. 4. ed. Brasília, 2010. p. 753.
inclusive nos casos de atrasos, aplicar a punição cabível (Acórdãos nº 669/2008-Plenário; 807/2008-2ª Câmara e 1597/2010-Plenário).
Assim, a inexistência de cláusula que preveja sanções por descumprimento do contrato é irregular, pois vai de encontro à exigência expressa da Lei nº 8.666/1993, (...)
VOTO (...)
12. Manifesto-me, no essencial, de acordo com os pareceres e propostas emitidos nos autos, com os devidos ajustes de forma e de redação, (...)
16. Quanto às propostas contidas nos subitens 3, 4 e 5, do item 5, da instrução transcrita no Relatório precedente, no sentido de expedir alertas às Prefeituras Municipais de São Bernardo do Campo/SP, São Vicente/SP e Guarujá/SP, considero que o comando dos itens da proposta visa a corrigir falhas de natureza formal que implicaram a não observância tanto de princípios constitucionais como de norma legal aplicável à licitação e contratos, como também, normas do FNDE aplicáveis à espécie. Assim, a expedição de determinação para adoção de providências corretivas será mais adequada (...)
ACÓRDÃO (...)
9.1. com fundamento no art. 250, II, do Regimento Interno/TCU, determinar à Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo - SP que: (...)
9.1.2. em atenção ao art. 55, incisos VII, VIII e IX, da Lei 8.666/1993, preveja, tanto no edital quanto no respectivo contrato, situações claras de aplicação das penalidades, estabelecendo gradações entre as sanções de acordo com o potencial de lesão que poderá advir de cada conduta a ser penalizada, observando o disposto no subitem 9.1.5 do Acórdão 2.471/2008-TCU - Plenário, nos acórdãos 669/2008-Plenário, 807/2008-2ª Câmara e subitem 9.2.9 do acórdão 1597/2010-Plenário”.28 (grifou-se)
Outrossim, por força de preceito constitucional29, a aplicação de qualquer sanção exige processo administrativo próprio, no qual seja assegurado ao interessado, previamente, o direito ao contraditório e à ampla defesa, sob pena de nulidade do ato, cabendo, também, recurso contra a decisão final (art. 109).
Por derradeiro, assevera-se que em face do princípio da motivação, todo ato decisório exige justificativa fática e jurídica, sob pena de nulidade.
28 TCU. Acórdão 536/2011. Plenário.
29 Art. 5°, LV da Constituição Federal: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes”.