Contract
ANÁLISE DO CONTRATO DE FORNECIMENTO DE CANA-DE-AÇÚCAR: HISTÓRICO, CARACTERÍSTICAS, CONCEITO, PARTES, ESTRUTURA, FUNÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E RISCOS TRABALHISTAS
Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx
Doutor pela USP e Professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP.
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Breves considerações sobre o contrato de fornecimento em geral. 3. Análise do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar. 3.1. Histórico do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar no Brasil. 3.2 Características do objeto do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar. 3.3. Conceito do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar. 3.4. As partes do contrato de fornecimento de cana-de- açúcar. 3.5. Estrutura do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar. 3.6. Função do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar para os contraentes. 3.7. Classificação do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar. 3.8. Diferenças entre o contrato de fornecimento de cana e outras modalidades contratuais. 3.9. Fatores que determinam a escolha do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar em vez de outros contratos agrários. 3.10. Riscos trabalhistas decorrentes do contrato de fornecimento de cana-de- açúcar. 3.10.1 – Terceirização irregular da atividade fim do empresário da indústria sucroenergética. 3.10.2 – Formação de grupo econômico de fato. 3.10.3 – Aplicação da teoria do “domínio do fato” para responsabilização trabalhista do empresário da indústria sucroenergética. 3.10.4 – Fatores que podem mitigar o risco trabalhista decorrente do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar. 4. Conclusões. 5. Bibliografia.
Palavras-chave: contrato de fornecimento de cana-de-açúcar; histórico; conceito; função, classificação e riscos trabalhistas
1. Considerações iniciais
A indústria da cana-de-açúcar vem passando por inúmeras transformações na última década, algumas decorrentes de leis1 e fiscalizações sociambientais mais rígidas e onerosas, outras resultantes de decisões judiciais energéticas2, sem contar o surgimento de grandes grupos ecônomicos de capital nacional e estrangeiro nesse setor.
Na última década, a indústria também visualizou boas perspectivas de crescimento do mercado interno e externo do etanol, as quais, no entanto, vem sendo frustradas pela política do governo federal, pautada no subsídio à gasolina, que acaba elidindo a vantangem competitiva do seu produto, combustível menos poluente e oriundo de fonte renovável.
Inúmeras são as dificuldades que marcam a atividade do empresário da indústria sucroenergética3. Dentre elas, podemos destacar as relacionadas à produção de sua matéria-prima (cana-de-açúcar), que depende de grandes extensões de áreas agricultáveis, com solos, topografia e clima compatíveis com a lavoura canavieira.
E a produção dessa matéria-prima demanda uma rede de contratos.
Podemos dizer que a matéria-prima da indústria da cana-de-açúcar poderá ser suprida de várias formas.
Uma delas é cultivá-la em área de propriedade indústria socroenergética, o que chamamos de “cana de área própria”, ou seja, cana oriunda de área de propriedade da usina.
1 Dentre outras, podemos destacar a Lei Estadual paulista nº 11.241/2002 (eliminação gradativa das queimadas de cana), a NR-31 (regras envolvendo segurança, saúde e meio ambiente do trabalho rural), Portaria MTE nº 540/2004, revogada pela Portaria interministerial nº 2/2011 (cadastro de empregadores que submetem seus trabalhadores a condições análogas à de escravo), Lei n 12.619/2012 (lei dos motoristas), Lei da Balança (transporte de cana do campo para a indústria).
2 Dentre outras, podemos destacar as da Justiça Federal cancelando as autorizações de queima de cana emitidas pela CETESB em várias regiões do Estado de São Paulo, como a de Piracicaba (tornando sem efeito a Lei Estadual paulista nº 11.241/2002 e o Protocolo Agroambiental de 2007), além das decisões oriundas do Tribunal Superior do Trabalho envolvendo insalubridade decorrente do calor excessivo no campo, enquadramento como rurícola para todos os empregados da agroindústria (OJ 419-SBDI-1), horas “in itinere” etc.
3 A palavra “sucroenergético” é um neologismo setorial, não previsto no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) e nos principais dicionários do nosso vernáculo, criada em substituição ao termo “sucroalcooleiro” e que se refere, atualmente, ao açúcar, álcool (etanol) e bioenergia (energia elétrica oriunda da queima do bagaço da cana-de-açúcar). Enfim, três energias oriundas da mesma matéria-prima, ou seja, açúcar (alimento), etanol (combustível) e bioenergia (eletricidade) oriundos da cana-de-açúcar.
Outra forma de abastecer a indústria da cana-de-açúcar é por meio do contrato de arrendamento agrícola, ou seja, alugando de terceiros áreas para o cultivo da lavoura canavieira mediante o pagamento de um preço fixo ao seu proprietário. O contrato de arrendamento rural é regido pelo artigo 95 da Lei nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra), regulamentado pelo Decreto nº 59.566/19664.
A indústria sucroenergética tem ainda a possibilidade de contratar parceria agrícola com o proprietário da área rural, partilhando tarefas relacionadas ao cultivo da cana-de-açúcar e os respectivos resultados de sua colheita. O contrato de parceria agrícola está disciplinado pelo artigo 96 da Lei nº 4.504/1964 (Estatuto de Terra), também regulamentado pelo Decreto nº 59.566/19665.
Outra forma de abastecer a indústria com cana-de-açúcar é adquirir essa matéria- prima de produtores independentes, ou seja, aqueles que cultivam essa lavoura e negociam a sua produção com as usinas existentes no decorrer de cada safra canavieira. Trata-se de típica venda e compra mercantil, também conhecida no setor sucroenergético como “compra spot de cana”, ou seja, para entrega imediata da cana pelo produtor e correspondente pagamento à vista pela usina. Porém, esse mercado “spot” somente se mostra viável em regiões onde existem duas ou mais usinas interessadas na compra da cana-de-açúcar de produtores independentes, ou, em regiões onde existe demanda garantida, pois, do contrário, o produtor corre o risco de não conseguir vender a cana que cultivou, principalmente em momento de crise do setor sucroenergético, ou de excesso de oferta dessa matéria-prima numa determinada safra.
Existe ainda uma quinta possibilidade, qual seja, o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar, em que o proprietário do imóvel rural, ou seu possuidor, vende a cana- de-açúcar para a indústria sucroenergética. É uma venda para entrega futura, com duração de um ou mais ciclos de cana-de-açúcar (cinco anos ou mais). É essa relação contratual que será objeto do estudo proposto no presente artigo. Procuremos analisar o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar em suas mais variadas vertentes do direito
4 Sobre o contrato de arrendamento rural, consultar: XXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx X. X. Contratos no direito agrário. 5. ed. Porto Alegre: Síntese, 2000, p. 144-211; XXXXXXX, Xxxxxx. Contratos agrários: aspectos polêmicos. São Paulo: Saraiva, 2009; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Manual didático de direito agrário. Curitiba: Juruá, 2010, p. 393-444.
5 Sobre o contrato de parceria agrícola, consultar: XXXXXX, Wellington Pacheco. Contrato de parceria agrícola. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999; XXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx X. X. Contratos no direito agrário. 5. ed. Porto Alegre: Síntese, 2000, p. 247-291; XXXXXXX, Xxxxxx. Contratos agrários: aspectos polêmicos. São Paulo: Saraiva, 2009; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Manual didático de direito agrário. Curitiba: Juruá, 2010, p. 393-444.
comercial (histórico no Brasil, conceito, partes, função, classificação, razões para sua escolha), além dos riscos trabalhistas para a usina que venha a adotá-lo como suprimento de sua matéria-prima.
2. Breves considerações sobre o contrato de fornecimento em geral
O fornecimento é um dos contratos indispensáveis para o abastecimento de matérias-primas, mercadorias e produtos necessários para a continuidade da atividade industrial ou comercial do adquirente. Em outras palavras, podemos dizer que por esse tipo de contrato o fornecedor se obriga a cumprir prestações periódicas e continuadas ajustadas com o adquirente, por um preço fixo ou a ser fixado, durante um período determinado ou indeterminado.
De forma sintética, Xxxxxxx Xxxxx entende que pelo contrato de fornecimento “uma das partes obriga-se a prestações periódicas ou contínuas de coisas contra pagamento de correspondente preço”6. Em outras palavras, para racionalizar o suprimento dos insumos mais importantes para a sua atividade e, assim, reduzir os riscos de desabastecimento, os empresários celebram contratos de compra e venda de execução periódica ou contínua, os chamados contratos de fornecimento7.
Nesse contexto, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx entende que a função do contrato de fornecimento de insumos8 em geral “é estabilizar determinados aspectos da relação negocial, poupando as partes de renegociações periódicas sobre eles e possibilitando o cálculo empresarial relativamente ao suprimento de insumos (para o comprador) ou garantia de demanda (para o vendedor)”9.
No Brasil, o contrato de fornecimento é tido como atípico, ou seja, não existe lei específica regulamentando-o e disciplinando as obrigações dos contraentes, como ocorre, por exemplo, com a compra e venda, regida pelos artigos 481 a 532 do Código
6 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 285.
7 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de Direito Comercial: Direito de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, 3 v., p. 71; XXXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Contratos mercantis. 10 ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 253.
8 No conceito de insumos, para Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, encontram-se desde instalações, equipamentos, veículos, logiciários até matéria-prima para transformação industrial ou mercadorias para revenda (Curso de Direito Comercial: Direito de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, 3 v., p. 70).
9 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de Direito Comercial: Direito de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, 3 v., p. 72.
Civil (Lei nº 10.406/2002)10. Oportuno lembrar que o projeto do novo Código Comercial brasileiro (PL 1.572/2011) traz como uma das espécies de contrato empresarial o de fornecimento11.
3. Análise do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar
3.1. Histórico do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar no Brasil
Várias são as formas de cultivar a terra. Dentre as formas convencionais, o proprietário e senhor da terra pode fazê-lo diretamente, pode instituir parceira com algum agricultor ou, ainda arrendar a terceiros.
Com o descobrimento do Brasil em 1500, os portugueses passaram a fazer a ocupação do seu território fundando culturas agrícolas, já que não podiam adotar simples feitorias comerciais, como na Índia, visto que não havia naquela época produtos naturais ou mesmo industriais suficientes para manter uma organização e escambo regular na terra descoberta. Nesse cenário, a empresa escolhida para a colonização das terras do Brasil foi a indústria açucareira12. Para Celso Furtado, o êxito dessa grande empresa agrícola foi determinante para a continuidade da presença dos portugueses em território brasileiro13.
Antes mesmo do descobrimento do Brasil, Portugal já se preocupava com a atividade de lavrar a terra, inclusive vislumbrava a possibilidade de os senhores das
10 Na Argentina, a doutrina também o classifica como “un contrato no legislado” (XXXXXXXX, Xxxxxxx X. Concepto y función del contrato de suministro, LL, 1989-A-1074; XXXXXX, Xxxx X. Contratos comerciales modernos. 3. ed. Buenos Aires: Astrea, 2005, p. 584. 1 v. Curiosamente, os Estados Unidos, um país do sistema da common law, possui regulação do contrato de fornecimento no art. 2º da Uniform Commercial Code (UCC) (MUGUILLO, Xxxxxxx X. Suministro. In: ETCHEVERRY, Xxxx Xxxxxx. Derecho Comercial y Económico: Contratos. Buenos Aires: Astrea, 1995, p. 159). Já na Itália, o contrato de fornecimento é legislado, especificamente nos artigos 1.559 a 1.570 do Código Civil (AZEVEDO, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado – Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 000, x. 000, xxx. 1998).
00 X XX 1.572/2011 é de autoria do Deputado Federal Xxxxxxx Xxxxxxx e traz dos seguintes dispositivos relacionados ao contrato de fornecimento: art. 340. Fornecimento é o contrato empresarial pelo qual as partes acordam sobre uma ou mais cláusulas de uma sucessão de contratos de compra e venda mercantil que pretendem celebrar; art. 341. Os investimentos do empresário em sua empresa, na expectativa do retorno que estima ter em razão do fornecimento, são feitos por seu exclusivo risco (Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxx_xxxxxxxxxxxxxx?xxxxxxxx000000&xxxxxxxxxXXx0000/0 011>. Acesso em 19 set. 2013).
12 XXXXXXXX, Xxxxxxx X. História Econômica do Brasil. 2. ed. São Paulo: 1944, 1. v., p. 192.
13 XXXXXXX, Xxxxx. Formação Econômica do Brasil. 16. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1979, p. 9-12.
vinhas lavrarem-na de meia, a terço e a quarto com os colonos. Já no ano de 1184, se falava em “colonos parceiros”, ou “colônias parciárias”. No direito luso-brasileiro14, essa parceria agrícola era prevista no Livro IV, Título 76, das Ordenações Afonsinas (período de 1446 a 1512), no Livro IV, Título 60, das Ordenações Manuelinas (período de 1512 a 1603) e no Livro IV, Título 45, das Ordenações Filipinas (período de 1603 a 1850)15.
Não se falava ainda de contrato de fornecimento, principalmente nos moldes atualmente encontrados no Brasil do século XXI.
Alguns autores vislumbram a origem do contrato de fornecimento em geral na venda e compra por grosso16, prevista nos artigos 191 e 219 do Código Comercial de 1850, como também no artigo 19, § 1º, do Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, dispositivos legais esses já revogados17.
Por volta de 1870, já independente de Portugal, o açúcar brasileiro alcançava altos preços no mercado externo e o Reino Unido tinha interesse em estimular a proliferação de fábricas de açúcar no Brasil para atender à demanda por esse produto. Nesse cenário, o governo brasileiro procurou incentivar o crescimento das indústrias de açúcar no território nacional. Assim, por meio do Decreto nº 2.687/1875, veio conceder juros reduzidos às companhias que se propusessem a estabelecer engenhos centrais para a fabricação do açúcar de cana no Brasil. Surgem então os conhecidos “engenhos centrais”, ou simplesmente “centrais” 18.
Com o crescimento do número desses engenhos e o aprimoramento de seus equipamentos industriais, a demanda por cana-de-açúcar aumenta, o que acabou determinando os primeiros conflitos entre os usineiros e os produtores dessa matéria- prima e, por consequência, a intervenção do Estado. Assim, no fim do Império e no
14 Vale lembrar que a legislação portuguesa, especificamente as Ordenações Filipinas, continuou sendo adotada no Brasil, mesmo após a sua independência, até o surgimento do Código Comercial brasileiro de 1850 (VAMPRÉ, Spencer. Tratado Elementar de Direito Comercial. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1922, 1 v., p. 33).
15 XXXXXXX, Xxxxxx de. Parceria Agrícola: In: . Tratado de direito privado: parte especial: direito das obrigações. Atualizado por Xxxxx Xxxxxxx. São Paulo: Saraiva, 2012, 45 t., p. 311-313.
16 A compra e venda em grosso (atacado), ao contrário da venda e compra a varejo (retalho), é aquela em que o comprador ou o vendedor adquire a mercadoria em larga escala, em geral não negociando com pequenas quantidades (MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 137).
17 XXXXX XXXXXXXXX, Xxxx xx. Da compra e venda no direito comercial brasileiro. São Paulo, s/d, p. 295 apud BULGARELLI, Waldírio. Contratos mercantis. 10 ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 254.
18 XXXXXXXX, Xxxxxxxx. O direito da agro-indústria açucareira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, p. 6-7.
início da República (15.11.1889), o Estado não concedia autorização para a instalação de “engenhos centrais” sem a aprovação prévia do contrato de fornecimento de cana-de- açúcar, instrumento de regulação das relações entre os usineiros e seus lavradores19.
As relações entre os senhores de engenho e os seus fornecedores de cana-de- açúcar (lavradores), mesmo depois da abolição da escravatura (13.05.1888) e até o aparecimento das primeiras centrais-açucareiras, eram marcadas pela exploração e desigualdade. Por exemplo, os senhores de engenho não prestavam conta ao lavrador da cana-de-açúcar que lhes fora entregue na safra, ou deixavam parte da receita do lavrador em suas mãos, a título de empréstimo, para lhe pagar na safra futura com a entrega da cana. Muitas vezes os senhores mandavam cortar a cana do lavrador e carregá-la para o engenho, mas deixavam de moê-la oportunamente, gerando lhe prejuízo20. Era uma relação nitidamente feudal, uma contrafação cabocla da corvée21, que a Revolução Francesa aboliu desde 178922.
Em 1933, por meio do Decreto nº 22.789, é criado o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), por meio do qual o Estado passa a intervir no mercado interno, fixando preços, monopolizando as compras, regulando também o transporte, o manuseio e a armazenagem do açúcar e do álcool23. O IAA era uma entidade autárquica da administração pública federal, vinculada ao Ministério da Indústria e Comércio naquela época.
Por meio do Decreto-lei nº 3.855, de 21 de novembro de 1941, é criado o Estatuto da Lavoura Canaviera (ELC), composto de 179 artigos dispondo sobre os mais variados aspectos envolvendo os fornecedores de cana-de-açúcar e as usinas de açúcar e
19 Xxxxxxxx Xxxxxxxx indica vários decretos aprovando o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar para determinados “engenhos centrais”: a) Decreto nº 10.172, de 26.01.1889, engenho central de São Pedro, localizado no município de Monções, Província do Maranhão; b) Decreto nº 10.209, de 16.3.1889, engenho central do Coronel Xxxxxxx Xxxx xx Xxxxxx Xxxxxx, localizado no município de Japaratuba, Província de Sergipe; c) Decreto nº 10.218, de 30.3.1889, engenho central de Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx de Assumpção Neves e Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx, localizado no município de Pau d´Alho, Província de Pernambuco (O direito da agro-indústria açucareira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, p. 6-7).
20 LIMA SOBRINHO, Xxxxxxx. Problemas econômicos e sociais da lavoura canavieira. São Paulo: Pimenta de Melo, 1941, p. 7-8.
21 Trabalho forçado com baixa remuneração, ou mesmo sem remuneração, muitas vezes realizados em troca do não pagamento de impostos (ex. manutenção de estradas).
22 XXXXXXXX, Xxxxxxxx. O direito da agro-indústria açucareira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, p. 10.
23 REZENDE, G. C.; XXXXXX, X. A agricultura brasileira na década de 80: crescimento numa economia em crise. Rio de Janeiro: IPEA, 1993.
álcool24, com o objetivo de estabelecer um melhor equilíbrio nas relações contratuais estabelecidas entre eles. Esse Estatuto era um instrumento de proteção ao fornecedor de cana em relação às usinas.
Conforme o art. 1º do Decreto-lei nº 3.855/1941, considera-se fornecedor todo lavrador que, cultivando em terras próprias ou alheias, haja fornecido, diretamente ou por interposta pessoa, cana-de-açúcar a uma mesma usina, durante três ou mais safras consecutivas. Segundo o art. 1º, § 1º, desse Decreto-lei, na definição de fornecedor estão compreendidos os parceiros, os arrendatários, bem como os lavradores sujeitos ao risco agrícola.
Dentre outras, merecem destaque as seguintes disposições do Estatuto da Lavoura Canavieira (ELC), encontradas no extenso Decreto-lei nº 3.855/1941, já com as alterações trazidas pelo Decreto-lei nº 6.969/1944: a) somente gozarão das vantagens desse Estatuto os fornecedores pessoas físicas que dirijam, a título permanente, a exploração agrícola da cana-de-açúcar ou as sociedades cooperativas de lavradores, devidamente organizadas (art. 2º)25; b) não são tidos como fornecedores de cana os trabalhadores assalariados, os lavradores de engenhos, os acionistas, sócios ou proprietários das usinas ou destilarias, incluindo seus parentes até o 2º grau (art. 3º); c) os engenhos, usinas e distilarias que recebem canas de fornecedores são obrigados, sob pena de multa, a apresentar, devidamente preenchidos, os mapas e boletins de modelo aprovado pelo IAA, ao qual competirá organizar o cadastro geral dos fornecedores de cana (arts. 11 e 12); d) os proprietários ou possuidores de usinas são obrigados a receber dos seus fornecedores a quantidade de cana que fosse fixada pelo IAA (art. 17); e) os fornecedores são obrigados a entregar à usina a que estejam vinculados a quantidade de cana que for fixada pelo IAA (art. 18); f) o IAA poderá estabelecer, para cada região, as normas pelas quais se devem regular o modo e o tempo do fornecimento, bem como as questões relativas à entrega e pesagem da cana (art. 22); g) os recebedores e fornecedores poderão regular, em contratos tipos pelo IAA, o modo e a forma do fornecimento e da exploração agrícola, bem como as questões relativas à irrigação, fornecimento de adubos, assistência técnica e financeira aos lavradores e assuntos
24 Até a fixação do salário mínimo dos trabalhadores na lavoura canavieira e na indústria de açúcar e álcool dependia da manifestação do IAA, conforme se verifica do art. 90 desse Estatuto.
25 Pessoas jurídicas decorrentes de sociedades empresárias não gozariam dos benefícios do Estatuto da Lavoura Canavieira.
correlatos (art. 24); h) o IAA, a requerimento dos usineiros ou dos fornecedores, intervirá, provisoriamente, na usina ou destilaria que, sem motivo justificado, devidamente comprovado, ou em consequência de falência, insolvência ou execução judicial, paralisar a respectiva atividade industrial, pôr mais de oito dias (art. 28); i) as usinas ou destilarias são obrigadas a manter, em seus estabelecimentos, balanças próprias, fiscalizadas pelo IAA para a pesagem da cana que lhes são destinadas por seus fornecedores, sob pena de multa (art. 32 e 36); j) a usina ou destilaria que se recusar a receber as canas do fornecedor, ou não as receber na proporção devida, ou insistir na recusa, ficará obrigada a ressarcir o dano sofrido pelo mesmo, sem prejuízo de ter a sua cota de produção reduzida pelo IAA (art. 39 e 40), que poderá ser repassada a outra usina ou destilaria que se comprometer a receber a cana do fornecedor; k) o fornecedor que deixar de entregar, durante uma safra, parte ou a totalidade de sua quota de fornecimento à usina ou destilaria a que esteja vinculado, terá o seu limite reduzido à quantidade de cana que haja efetivamente entregue, se a falta for parcial, ou perderá os direitos que lhe são reconhecidos neste Estatuto, se a falta for total (art. 43); l) as usinas utilizarão, na fabricação de sua quota de açúcar, um volume de canas próprias até ao máximo de 60% da respectiva limitação, a menos que apresentem percentual superior na data da publicação desse Estatuto; assim, a matéria-prima indispensável para a fabricação dos outros 40% da quota da usina será, obrigatoriamente, recebida de fornecedores (art. 48)26; m) o IAA somente concederá a montagem de novas usinas, desde que as mesmas se organizem sob o regime da absoluta separação entre atividade agrícola e industrial (art. 54)27; n) todo o açúcar produzido pela usina ou engenho, além do limite autorizado para a safra, pertence ao IAA (art. 61)28; o) a quota de fornecimento adere ao fundo agrícola em que se encontra a lavoura de cana que lhe deu origem e a de açúcar acompanha o estabelecimento industrial que o fabrica (art. 68); p) o preço da cana será calculado de acordo com o preço do açúcar ou do álcool (conforme se trate de quota para transformação em açúcar ou álcool), considerando ainda o coeficiente de rendimento industrial médio das fábricas de cada estado, a riqueza em
26 Segundo o art. 74, § 2º, do Estatuto da Lavoura Canavieira, as destilarias não estavam sujeitas à limitação da origem da cana-de-açúcar para a produção de álcool, ou seja, sujeitas à limitação do suprimento de cana própria até o máximo de 60% do volume total por ela industrializado.
27 Enquanto vigeu o Estatuto da Lavoura Canavieira, as usinas e destilarias não podiam organizar-se como agroindústria, em que há união da atividade agrícola e industrial.
28 Essa restrição volta-se apenas ao açúcar, não alcançando o álcool combustível produzido pelas usinas ou destilarias.
sacarose e a pureza das canas fornecidas (art. 87); q) os contratos realizados pelos proprietários ou possuidores de fundos agrícolas destinados principalmente a cultura de cana com fornecedores serão inscritos no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição competente, mediante certificado expedido pelo IAA (art. 91); r) o fornecedor que não for proprietário da terra por ele explorada terá direito à renovação do contrato de fornecimento de cana, escrito ou verbal, em virtude do qual haja adquirido aquela qualidade (art. 99); s) não havendo acordo entre os interessados quanto ao direito ou às condições de renovação do contrato, qualquer das partes poderá submeter o litígio ao pronunciamento dos órgãos de conciliação (Comissões de Conciliação) ou julgamento (Comissão Executiva) vinculados ao IAA29 (art. 100), não podendo as partes recorrerem à justiça ordinária antes de esgotar os recursos administrativos (art. 108); t) fica instituída, para o financiamento dos fornecedores30, a taxa de Cr$ (um cruzeiro) por tonelada de cana, que incidirá sobre toda a produção de cana efetivamente entregue por eles às usinas ou destilarias (art. 144)31.
A Lei nº 4.071, de 15 de julho de 1962, em seu artigo 1º, obrigava as usinas de açúcar e as destilarias de álcool a emitir, no ato da entrega da cana pelo fornecedor, documento registrando o seu peso, classificação e preço da tonelada fixado anualmente pelo IAA32. Essa mesma Lei obrigava a usina ou destilaria, que não realizasse o pagamento da cana quinzenalmente, a emitir a favor do fornecedor nota promissória rural no valor correspondente, acrescido de juros de 1% ao mês. O artigo 6º dessa Lei possibilitava às entidades de recebedores e fornecedores de cana estabelecer em contratos ou convênios coletivos, desde que homologados pelo IAA, o modo e a forma do fornecimento de cana às usinas ou destilarias, bem como o seu pagamento.
29 De acordo com art. 102 do Estatuto da Lavoura Canavieira, o laudo ou decisão dos órgãos de conciliação ou julgamento será inscrito ou averbado no Registro de Imóveis da circunscrição a que pertencer o fundo agrícola. Vale registrar ainda que, de acordo com o artigo 112 do Estatuto da Lavoura Canavieira, serão adotados nos julgamentos dos conflitos entre os fornecedores e recebedores de cana as suas disposições, a equidade e, subsidiariamente, o direito comum e os usos e costumes (art. 112).
30 O produto da arrecadação desta taxa será destinado principalmente ao financiamento da entressafra dos fornecedores, sendo que o remanescente será aplicado assistência à produção e no melhoramento das condições de vida do trabalhador rural (art. 150 e 151 do Estatuto da Lavoura Canavieira).
31 Segundo o art. 64 da Lei nº 4.870/65, essa taxa é tornada ad valorem e fixada em 1,5 (um e meio por cento) sobre o preço oficial da tonelada de cana, destinando-se às cooperativas de crédito de fornecedores, aos órgãos regionais específicos de representação dos mesmos e à respectiva Federação dos Plantadores de Cana do Brasil.
32 De acordo com o art. 2º da Lei nº 4.071/62, o IAA emitirá a tabela de preço para a tonelada de cana em cada Estado, considerando o preço oficial do açúcar cristal tipo “standard” na condição P.V.U. (posto vagão ou veículo na usina), o rendimento industrial médio de cada Estado e as categorias das respectivas usinas e destilarias.
Em 30 de novembro de 1964, é editada a Lei nº 4.504, conhecida como o Estatuto da Terra, que dentre diversos outros assuntos, disciplinou os contratos de arrendamento rural e parceria agrícola (arts. 95 e 96), mas nada tratou do contrato de fornecimento agrícola. Essa lei, no que tange ao arrendamento rural e parceria agrícola, foi regulamentada pelo Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 196633.
A Lei nº 4.870, de 1º de dezembro de 1965, ao dispor sobre a produção açucareira, a receita do IAA e sua aplicação, trouxe, dentre outras inúmeras disposições, as seguintes relacionadas ao fornecedor de cana: a) o preço da tonelada de cana fornecida às usinas será fixado, para cada Estado, por ocasião do Plano de Safra, com base nos custos de produção (art. 10), acrescidos da parcela correspondente a percentagem da participação do fornecedor no rendimento industrial, considerado, para esse fim, o teor de sacarose e pureza da cana34 que fornecer (art. 11); b) a entrega da cana pelo fornecedor, em condições de moagem, far-se-á dentro de 48 (quarenta e oito) horas do respectivo corte (art. 11, § 4º); c) no caso em que o retardamento da moagem, além do prazo referido no parágrafo anterior, ocorrer por culpa da usina recebedora, será considerado válido o teor máximo de sacarose e pureza da cana do fornecedor, apurado na usina até a data do fornecimento (art. 11, § 5º); d) as usinas são obrigadas a receber os contingentes totais de cada fornecedor de acordo com as quotas aprovadas pelo IAA (art. 15); e) as usinas são obrigadas a moer a cana dos seus fornecedores no período de 150 (cento e cinquenta) dias efetivos de moagem, na região Centro-Sul e, até 180 (cento e oitenta) dias, na região Norte-Nordeste, sob pena de responder por perdas e danos, além de multa de 50% sobre o valor da cana que deixou de receber (art. 16, §§ 2º e 3º);
f) ficam os produtores de cana, açúcar e álcool obrigados, segundo o art. 36 dessa lei, a aplicar, em benefício dos trabalhadores industriais e agrícolas das usinas, destilarias e fornecedores, em serviços de assistências médica, hospitalar, farmacêutica e social, importância correspondente no mínimo, às seguintes percentagens: de 1% (um por cento) sobre preço oficial do saco de açúcar de 60 (sessenta) quilos, de qualquer tipo; de
33 Sobre os contratos de arrendamento rural e parceria agrícola, consultar: XXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx X. X. Contratos no direito agrário. 5. ed. Porto Alegre: Síntese, 2000, p. 144-211 e 247-291; XXXXXXX, Xxxxxx. Contratos agrários: aspectos polêmicos. São Paulo: Saraiva, 2009; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Manual didático de direito agrário. Curitiba: Juruá, 2010, p. 393-444; XXXXXX, Wellington Pacheco. Contrato de parceria agrícola. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
34 Segundo o art. 11, § 3º, da Lei 4.870/1965, o teor de sacarose e pureza da cana, para os fins de pagamento, será apurado na usina recebedora, podendo os fornecedores ou os seus órgãos de representação manter fiscalização nos respectivos locais de inspeção.
1% (um por cento) sobre o valor oficial da tonelada de cana entregue, a qualquer título, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria; de 2% (dois por cento) sobre o valor oficial do litro de álcool de qualquer tipo produzido nas destilarias35.
A partir da Constituição Federal de 1988, inicia-se o período de desregulamentação do setor sucroenergético36, ou seja, o do afastamento do Estado das atividades da agroindústria canavieira nacional. Oportuno lembrar que o artigo 174 dessa Constituição deixa claro que o Estado deve exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento da atividade econômica, sendo esse papel determinante para o setor público e indicativo par o setor privado.
Surge um novo ambiente institucional a partir de 1990, quando se tem a extinção do IAA por meio da Medida Provisória nº 151/1990, transformada na Lei nº 8.029/1990.
Entendemos que todas as legislações editadas no período de 1933 a 1990 envolvendo a produção de cana, açúcar e álcool e que dependiam da ação e intervenção do IAA, como o Decreto-Lei nº 3.855/1941 (Estatuto da Lavoura Canavieira), deixaram de vigorar após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a extinção desse instituto e respectivo regime de preços oficiais para o referidos produtos, estando ainda em vigor o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964) e o decreto que o regulamentou (Decreto nº 59.566/1966)37.
3.2 Características do objeto do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar
35 Esses recursos serão aplicados diretamente pelas usinas, destilarias e fornecedores de cana, individualmente ou através das respectivas associações de classe, mediante plano de sua iniciativa, submetido à aprovação e fiscalização do IAA (art 36, § 1º). A falta de aplicação, total ou parcial, desses recursos sujeita o infrator à multa equivalente ao dobro da importância que tiver deixado de aplicar (art. 36, § 3º).
36 Sobre o histórico da atividade sucroenergética no Brasil, consultar: XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx. Setor sucroenergético e sua adequada regulação: sustentabilidade x viabilidade econômica. Curitiba: Juruá, 2012, p. 21-32.
37 No sentido de que o art. 36 da Lei nº 4.870/1965 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988: COSTA, Xxxxxxx Xxxxx. Contribuição ao Programa de Assistência Social (PAS). Parecer emitido a pedido da UNICA. São Paulo, 1 jul. 2011; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxx. Contribuição ao Programa de Assistência Social (PAS). Parecer emitido a pedido da UNICA. São Paulo, ;
Proc. 0011726-11.2007.4.03.6109, 3ª Vara Federal de Piracicaba/SP, Juiz Federal Xxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxx, DJE 5.07.2012 (Disponível em: <xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxx-xxxxxxxx/>. Acesso 22 set. 2013.
Entendemos que conhecer as características da cana-de-açúcar, sua colheita e sua industrialização auxilia na melhor compreensão do contrato de fornecimento em questão.
A cana-de-açúcar é uma planta semi-perene, o que significa que, após seu plantio, é possível a realização de 5 a 7 safras anuais (um corte por ano) antes de ser necessário o plantio de novas mudas (replantio da cana e reforma do canavial). Após a colheita da cana-de-açúcar, as soqueiras (tocos enraizados da cana) continuam, por meio de suas gemas, dando sequência ao ciclo fenológico dessa cultura agrícola38. As soqueiras são tidas como ativo biológico39, cujo valor é proporcional ao número de cortes faltantes antes da reforma do canavial. Vale dizer, uma soqueira de cana capaz de propiciar mais quatro cortes apresenta valor superior àquela que resultará apenas mais dois cortes.
A cana-de-açúcar não pode ser estocada ou armazenada. Isso porque, logo após a sua colheita, a planta passa a sofrer uma série de processos biológicos e químicos que deterioram a sua qualidade, reduzindo a quantidade de açúcares nela contidos e prejudicando o rendimento do processo industrial na fabricação de etanol e açúcar. Assim, depois de colhida, a cana-de-açúcar deve, em regra, ser processada pela usina o mais rápido possível. Após 72 horas de sua colheita, a perda de qualidade da cana-de- açúcar passa a ser significativa. Essa característica da cana-de-açúcar exige uma logística de transporte eficiente entre o campo e a usina.
Semelhante ao que ocorre em outras culturas, a cana-de-açúcar possui um período ótimo de maturação, que é determinado pelas características fisiológicas da planta e pelo clima. Assim, com vistas à otimização da produção, a colheita deve ocorrer no momento de máxima concentração de açúcares na planta.
A colheita da cana-de-açúcar não pode ser realizada em períodos de elevada umidade do solo, pois isso impossibilita as operações de carregamento e transporte da cana-de-açúcar, além de compactar o terreno e reduzir a produtividade da área nos próximos anos. A colheita, portanto, é fortemente afetada pelo índice pluviométrico observado nos meses de safra.
38 RIPOLI, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Biomassa de cana-de-açúcar: colheita, energia e ambiente. 2. ed. Piracicaba: Esalq, 2007, p. 18.
39 O valor do ativo biológico pode se aproximar do valor da própria terra em regiões onde os imóveis rurais apresentam pequenos valores para venda.
A sua atividade ocorre apenas em um período específico do ano, ou seja, a indústria produz durante a safra (que dura de 6 a 8 meses) todo o açúcar, etanol e energia que serão comercializados ao longo dos 12 meses do ano. No Centro-Sul brasileiro, a safra da cana ocorre no período de abril a novembro, enquanto na Região Norte-Nordeste, cuja produção responde por cerca de 10% do país, a safra ocorre de setembro a março do ano seguinte.
A distância do canavial em relação à indústria é outro levado em conta para aquisição da matéria-prima. Pela necessidade do rápido processamento da cana após a colheita e, principalmente, pelo elevado teor de água contido na planta (o que torna ineficiente o transporte por longas distâncias), o canavial deve estar num raio, aproximado, de 40 quilômetros da indústria processadora (usina).
A usina necessita de grandes extensões de área agricultável para abastecer o seu processo industrial, o que acaba fomentando, ao seu redor, o surgimento da monocultura da cana-de-açúcar.
3.3. Conceito do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar
O Código Civil italiano de 1942, ainda em vigor, define o contrato de fornecimento em geral como sendo aquele pelo qual uma parte se obriga a uma prestação periódica ou continuada de coisa (“prestazioni periodiche o continuative di cose”), recebendo o preço (art. 1.559). O Código Civil brasileiro de 2002 sofreu certa influência do citado código italiano, como, por exemplo, nas questões que envolvem os títulos de crédito e o direito de empresa. Porém, o Código Civil brasileiro de 2002, assim como o de 1916, não dispuseram sobre o contrato de fornecimento. Oportuno mencionar que o Projeto de Lei que visa à instituição do novo Código Comercial (PL 1.572/2011), traz como uma das espécies de contrato empresarial o de fornecimento40.
O Estatuto da Lavoura Canavieira (Decreto-lei nº 3.855/1941), embora já revogado, trazia alguns parâmetros para a definição do contrato de fornecimento de
00 X XX 1.572/2011 é de autoria do Deputado Federal Xxxxxxx Xxxxxxx e traz dos seguintes dispositivos relacionados ao contrato de fornecimento: art. 340. Fornecimento é o contrato empresarial pelo qual as partes acordam sobre uma ou mais cláusulas de uma sucessão de contratos de compra e venda mercantil que pretendem celebrar; art. 341. Os investimentos do empresário em sua empresa, na expectativa do retorno que estima ter em razão do fornecimento, são feitos por seu exclusivo risco (Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxx_xxxxxxxxxxxxxx?xxxxxxxx000000&xxxxxxxxxXXx0000/0 011>. Acesso em 19 set. 2013).
cana-de-açúcar, na medida em que considerava fornecedor todo lavrador que, cultivando em terras próprias ou alheias, entregue, diretamente ou por interposta pessoa, cana-de-açúcar a uma mesma usina, durante três ou mais safras consecutivas (art. 1º)41.
O já revogado Estatuto da Lavoura Canaviera (Decreto-lei nº 3.855/1941) fortalecia o aspecto da prestação continuada no contrato de fornecimento de cana ao exigir do fornecedor que entregasse a matéria-prima a uma única usina durante três ou mais safras consecutivas. Esse Estatuto reforçava dois aspectos da relação contratual: prestação continuada (três ou mais safras consecutivas) e a exclusividade (entrega a uma mesma usina).
Com a revogação do Estatuto da Lavoura Canavieira (Decreto-lei nº 3.855/1941), procuramos construir um conceito para o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar considerando os contratos desta natureza adotados atualmente no setor sucroenergético42.
Nos dias atuais, podemos entender o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar como uma relação contratual em que o fornecedor se obriga, durante o prazo ajustado, a cultivar (segundo padrões de qualidade e quantidade estabelecidos pelo comprador) e entregar anualmente matéria-prima durante a safra canavieira (prestação periódica, sucessiva e descontínua) e, de outro lado, o empresário da indústria sucroenergética a de adquirir essa matéria-prima e pagar o preço pactuado. Existe uma integração entre o fornecedor e o recebedor da cana-de-açúcar, ou seja, entre a empresa agrícola e a empresa industrial (usina). A nosso entender, essa relação se apresente, em regra, como interempresarial, pautada num contrato agroindustrial43.
Entendemos que, atualmente, o contrato de fornecimento traz a estrutura de uma venda e compra de safra futura, mas também a obrigação de fazer por parte do fornecedor, qual seja, de cultivar a cana-de-açúcar segundo padrões de qualidade e quantidade definidos pelo empresário da indústria sucroenergética. Sob esse aspecto, podemos entender que existe uma ingerência do empresário industrial nas atividades de
41 Segundo o art. 1º, § 1º, do Decreto-lei nº 3.855/1941 (Estatuto da Lavoura Canavieira), na definição de fornecedor estão compreendidos os parceiros, arrendatários, bemo como os lavradores sujeitos ao risco agrícola, ou seja, os fornecedores propriamente ditos.
42 Analisamos os contratos padrões adotados pela U.S.J. Açúcar e Álcool S/A e SJC Bioenergia Ltda. no Estado de Goiás e a sua aplicação na prática junto aos respectivos fornecedores.
43 Sobre o contrato agroindustrial, consultar: XXXXXX XXXX, Xxxxxxx. Contratos agroindustriais e a regulamentação legal da produção de biocombustíveis. In: XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx; SAES, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx (org.). Ensaios sobre os biocombustíveis. São Paulo: Annablume, 2010, 2 v., p. 93-95.
cultivo do empresário agrícola (fornecedor de cana), mas não a ponto de eliminar a autonomia deste na organização de sua atividade, como compras de equipamentos, máquinas e insumos para a lavra da terra, além da contratação de mão-de-obra.
Também entendemos que o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar está sujeito aos fatores naturais e climáticos, ou seja, o seu plantio e cultivo poderão ser prejudicados por excesso ou falta de chuva num determinado período, sua colheita poderá se atrasar em função da continuidade das chuvas numa determinada época, dentre outras consequências decorrentes dos eventos da natureza.
Diferentemente de outros contratos de fornecimento, como, por exemplo, o de energia elétrica e gás encanado, as prestações do contrato de fornecimento de cana-de- açúcar são periódicas e não contínuas. São periódicas porque a entrega da cana-de- açúcar oriunda de uma determinada área rural é realizada uma única vez no ano pelo fornecedor à usina. São descontínuas porque não há entrega dessa matéria-prima na entressafra e nos meses em que a cana não estiver apta à sua colheita. A periodicidade do fornecimento de cana-de-açúcar envolve intervalos regulares, correspondentes a uma safra canavieira. Em outras palavras, não é possível, tecnicamente falando, colher a cana de uma mesma área duas ou mais vezes no mesmo ano.
No contrato de fornecimento de cana-de-açúcar, a data da colheita da cana-de- açúcar e sua respectiva entrega é definida nos termos pactuados pelas partes contraentes. Em regra, essa data é definida pela usina que irá industrializar a cana-de- açúcar. Isso porque é a usina quem deverá desenvolver o cronograma de recebimento da cana-de-açúcar durante a safra canavieira, a fim de estabelecer um fluxo que evite a falta ou o acúmulo dessa matéria-prima num determinado momento. A falta de cana implica o atraso na industrialização e o seu acúmulo resulta em perda de sua qualidade, já que a cana colhida e não processada pela usina no prazo de 72 horas terá redução em seu ATR44 (quantidade de açúcar) e respectivo preço.
44 O sistema de pagamento da cana adotado pelo CONSECANA utiliza como base a qualidade da cana- de-açúcar expressa pela concentração total de açúcares (sacarose, glicose e frutose) recuperáveis no processo industrial e expressa em quilograma por tonelada de cana. Esse conjunto de açúcares é denominado Açúcar Total Recuperável (ATR) contido em uma tonelada de cana (XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxx. Remuneração da tonelada de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. Informações Econômicas, SP, v.37, n.2, p. 58, fev. 2007).
3.4. As partes do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar
O contrato de fornecimento de cana-de-açúcar traz, de um lado, o fornecedor dessa matéria-prima e, do outro, o comprador dela, no caso, a empresa que irá industrializá-la.
O fornecedor costuma ser o proprietário ou possuidor do imóvel rural em que será cultivada a cana-de-açúcar a ser futuramente entregue ao comprador. Esse fornecedor pode ser um simples agricultor pessoa física, um empresário individual, ou, ainda, uma sociedade empresária por ele constituída para o desenvolvimento das atividades agrícolas. É possível também que diversos fornecedores de uma determinada região formem um condomínio rural para plantio e cultivo da cana-de-açúcar. A carga tributária, a dimensão do negócio, dentre outros fatores, serão determinantes para a escolha de um desses modelos. Em regra, a concepção atual envolvendo o fornecimento de cana, acaba impondo a figura do fornecedor empresário, aquele que desenvolve a empresa agrícola com objetivo de lucro, ou seja, organiza o seu capital e a mão-de-obra para o cultivo da cana-de-açúcar.
A outra parte do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar é o comprador dessa matéria-prima, que pode ser uma usina de açúcar, uma usina de açúcar e álcool, uma usina de açúcar, álcool e cogeração de energia elétrica a partir do bagaço da cana (biomassa), uma destilaria de etanol, uma indústria de bebidas (ex. indústria de cachaça), dentre outras empresas que utilizam dessa matéria-prima em seu processo industrial. O presente artigo analisará principalmente o fornecimento de cana-de-açúcar para as usinas de açúcar, álcool e energia elétrica (cogeração), que denominamos empresas da indústria sucroenergética.
3.5. Estrutura do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar
Segundo Xxxxxxxx Xxxxxx, é possível encontrar no pensamento de Xxxxxx Xxxxxxxxx uma advertência para a necessidade de o jurista estudar um instituto tanto sobre o prisma de sua estrutura normativa como de sua função econômica, conforme inferimos da seguinte passagem:
O vínculo entre direito e economia assim entendido constituiu a premissa para uma imposição metodológica mais rigorosa da atividade do jurista, o qual, ao estudar um instituto, deve observar, ao mesmo tempo, sua estrutura normativa e sua função econômica. A exigência dessa dupla pesquisa nascia do fato, bem conhecido dos estudiosos do direito comparado, de que uma função idêntica pode freqüentemente ser exercida por estruturas distintas, ou vice-versa, uma mesma estrutura pode vir a assumir, em épocas diferentes, funções diferentes45.
Nesse sentido, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx faz uma comparação interessante entre um instituto de Direito e uma máquina para destacar o seu aspecto estrutural e funcional:
Que fazemos quando queremos observar uma máquina? Oriento-me deste modo. A primeira questão que se propõe em tal caso é: para que serve? Isso quer dizer que se a considera, antes de mais nada, pelo lado de sua função; fixa-se a atenção sobre o opus que ela proporciona. É uma máquina de escrever ou uma máquina de coser? Depois vem outra pergunta que muda a posição do observador: como está feita? Esse é o ponto de vista da estrutura. A distinção que comecei a estabelecer entre o lado funcional e o lado estrutural dos institutos jurídicos não é mais do que uma questão de multiplicação dos pontos de vista na observação, isto é, multiplicação das imagens resultantes da observação como remédio àquela inferioridade de nossa percepção, pela qual toda imagem, em relação a seu objeto, é parcial.46
Assim, procuraremos desenvolver uma análise estrutural do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar.
O estudo de qualquer aspecto do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar parte de um dado específico, ou seja, de um elemento característico dele, no caso, a venda da referida matéria-prima do fornecedor para a indústria sucroenergética. Em outras palavras, em princípio, não há fornecimento de cana-de-açúcar sem a venda e compra dessa matéria-prima.
Em hipótese, poderíamos pensar em duas estruturas distintas para o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar. Na primeira, o fornecedor se obriga a ofertar a cana- de-açúcar que produzir na safra, podendo, contudo, a indústria sucroenergética, de forma discricionária, aceitá-la ou não. Na segunda, o fornecedor expressa imediatamente o seu consentimento na entrega das safras futuras de cana-de-açúcar e a
45 XXXXXX, Xxxxxxxx. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. Barueri: Manole, 2007, p. 250-251.
46 XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Metodologia do direito. Tradução Xxxxxxxxx X. Pachoal. 3. ed. Campinas: Bookseller, 2005, p. 52.
indústria sucroenergética declara, por sua vez, que aceita recebê-la durante o prazo contratual ajustado.
No primeiro caso, o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar seria um contrato preliminar (pré-contrato ou pactum de contrahendo) de posteriores contratos de individuais de compra e venda. O fornecedor, por um lado, se obriga a ofertar à indústria sucroenergética a cana-de-açúcar que produzir na safra, em virtude do compromisso de exclusividade. A indústria sucroenergética, por sua vez, se reserva a faculdade de aceitar ou recusar todas ou parte da produção do fornecedor. Enfim, a aceitação da indústria sucroenergética geraria a efetivação da venda e compra, enfim, o contrato definitivo, enquanto o contrato de fornecimento, propriamente dito, o contrato preliminar.
Não concordamos com a tese do contrato preliminar para o fornecimento de cana-de-açúcar, na medida em que descaracteriza, pois implica numa fragmentação jurídica de uma operação unitária sobre o aspecto econômico, sem contar que desvirtua o caráter instrumental da entrega periódica da cana frente ao contrato de fornecimento. Ademais, a indústria sucroenegética está obrigada a adquirir a cana-de-açúcar durante o prazo ajustado, além de cumprir um conjunto de obrigações próprias e derivadas do contrato de fornecimento.
Defendemos que o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar é um contrato definitivo, do qual nascem direitos e obrigações para ambas as partes no momento em que é assinado.
Os atos de entrega periódica da cana-de-açúcar não são atos isolados nem independentes, mas sim atos de cumprimento de uma operação unitária envolvendo o contrato de fornecimento. Em outras palavras, esses atos de entrega periódica da cana- de-açúcar não constituem uma atividade negocial diferente, mas simplesmente momentos de realização do contrato definitivo. Nesse contexto, entendemos que a estrutura contratual do fornecimento de cana-de-açúcar envolve uma compra e venda global da cana-de-açúcar das safras futuras, com efeitos obrigatórios para ambas as partes contratantes. Enquanto contrato definitivo, a entrega da cana-de-açúcar em cada safra, durante a vigência do contrato de fornecimento, não depende de um novo ato negocial a ser formalizado entre o fornecedor e a indústria sucroenergética.
3.6. Função do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar para os contraentes
Para os fornecedores dessa matéria-prima, esse contrato tem por função garantir um comprador para o ciclo da cana-de-açúcar cultivada em sua propriedade rural, que envolve seis a sete anos após o plantio.
Já para as empresas compradoras da cana-de-açúcar, o contrato de fornecimento mostra-se um importante instrumento para assegurar o constante e regular abastecimento de sua indústria com essa matéria-prima, indispensável para o processo de produção de açúcar, álcool combustível (anidro e hidratado) e energia elétrica, dentre outros bens. Vale dizer, o contrato de fornecimento nesse caso garante a disponibilidade constante da matéria-prima indispensável para a atividade industrial das empresas do setor sucroenergético.
Esse contrato tem por função estabilizar o fornecimento de matéria-prima47, por seu produtor, para sua transformação pela indústria sucroenergética. Tem-se a estabilização da relação contratual tanto para o fornecedor quanto para a indústria, na medida em que esta acaba tendo garantia de suprimento de cana-de-açúcar e aquela garantia de compra da matéria-prima que produziu.
3.7. Classificação do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar
Segundo Xxxx Xxxxxxx:
O interesse dessa categorização é ressaltar as qualidades de cada contrato. Devidamente classificados, conhecem-se as peculiaridades desses acordos para, com esse conhecimento, saber-se dos seus efeitos. Assim, basta que se tenha a classificação de um contrato para que se saiba como se formou, as obrigações que gerou, as vantagens atribuídas às partes, a certeza quanto à contraprestação, os requisitos exigidos para a sua validade, a sua posição na relação jurídica criada, a modalidade de sua execução, o papel que tem, em relação ao outro, um dos participantes do contrato e, finalmente, se a existência do contrato tem princípios legais a regulá-la ou não48.
47 Entendem que a função do contrato de fornecimento em geral é estabilizar determinados aspectos da relação negocial: XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de Direito Comercial: Direito de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 72; XXXXXXXX, Xxxxxxx X. Suministro. In: ETCHEVERRY, Xxxx Xxxxxx. Derecho Comercial y Económico: Contratos. Buenos Aires: Astrea, 1995, p. 160.
48 XXXXXXX, Xxxx. Contratos e obrigações comerciais. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 85.
Assim, considerando as características que entendemos presentes no contrato de fornecimento de cana49, passamos a classificá-lo da seguinte forma: a) consensual, já que o vínculo contratual se forma mediante simples manifestação da vontade do fornecedor e do recebedor da cana-de-açúcar, resultante de uma proposta e de uma aceitação; b) bilateral e não unilateral, já que o contrato gera obrigações tanto para o fornecedor como para o recebedor da cana-de-açúcar, ou seja, para aquele, a de entregar essa matéria-prima anualmente durante as safras ajustadas contratualmente e, para este, o de recebê-la e pagar o preço correspondente pactuado no contrato; c) oneroso e não gratuito, na medida em que o recebedor adquirirá a cana-de-açúcar mediante o pagamento do preço ajustado contratualmente; d) comutativo e não aleatório50, na medida em que as prestações e as contraprestações das partes contratantes são certas desde o momento em que o contrato é celebrado, muito embora o preço esteja sujeito às variações do CONSECANA51, que poderá redundar em valores maiores ou menores àqueles inicialmente estimados; a nosso entender, a existência de perspectivas de vantagens para ambas as partes no momento em que é celebrado é determinante para qualifica-lo como comutativa; e) não solene ou não formal, na medida em que não se exige a forma escrita, muito embora seja a usual entre as partes contratantes, principalmente quando existem cláusulas de exclusividade no fornecimento de cana52; em outras palavras, a forma escrita não é obrigatória e sim aconselhável, além do que, na prática, mostra-se sempre presente; f) de adesão, visto que as empresas sucroenergéticas adotam, em regra, um contrato padrão, com termos e cláusulas já pré- estabelecidos, dando assim ao fornecedor de cana-de-açúcar pouca margem para discussão sobre o seu conteúdo; ou seja, em regra, não existe uma igualdade entre as
49 Consideramos nossa experiência na análise e elaboração de contratos desta natureza durante os dez anos que estamos prestando assessoria jurídica para algumas usinas do setor sucroenergético nos Estados de São Paulo e Goiás.
50 Xxxx Xxxxxxx entende que quando se compra a colheita de um campo de trigo, que pode existir se o campo produzir o trigo, ou deixar de existir, caso não produza, está diante de um contrato aleatório (Contratos e obrigações comerciais. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 88 e 152). No mesmo sentido: XXXX, Xxxxxxx. Obrigações e contratos. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 232).
51 Sobre o sistema de pagamento da cana adotado pelo, consultar: XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxx. Remuneração da tonelada de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. Informações Econômicas, SP, v.37, n.2, p. 58, fev. 2007.
52 Segundo Waldirio Bulgarelli, o contrato de fornecimento não é solene e será exigido instrumento escrito somente quando nele estejam previstos os pactos de preferência ou de exclusividade (Contratos mercantis. 10 ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 256). Xxxxxxxxx Xxxxxxxx também entende que a exclusividade pode ser pactuado no contrato de fornecimento em geral (Manual de Derecho Civil y Comercial. Buenos Aires: 1971, 5 v., p. 153).
partes no que se refere ao princípio da autonomia de vontade, de modo que seria possível a aplicação da regra segundo a qual as cláusulas dúbias seriam interpretadas em favor do fornecedor de cana-de-açúcar, dado que, nos chamados contratos de adesão, a interpretação deverá ser feita em favor da parte aderente53; g) atípico54, na medida em que não existe atualmente55 no ordenamento jurídico brasileiro uma lei que regulamente o contrato de fornecimento em geral, muito menos o contrato de fornecimento de cana- de-açúcar, ou seja, que traga os direitos e obrigações das partes contratantes; contudo, vale observar que o contrato de fornecimento reúne as características do contrato de compra e venda56 previsto nos artigos 481 a 504 do Código Civil, muito embora essa observação não tenha o condão de afastar a sua atipicidade; h) de trato sucessivo ou execução continuada, visto que as prestações não se realizam em um só momento, seja logo após a conclusão do contrato, ou num momento posterior (contrato instantâneo), pelo contrário, se prolongam no tempo; em outras palavras, o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar envolve prestações periódicas e sucessivas, isto é, repetição ou continuidade das prestações durante o prazo convencionado entre as partes; i) intuito personae, na medida em que as qualidades das partes contratantes são consideradas no momento da contratação, tais como a capacidade financeira e econômica, além da reputação que gozam no local onde estão estabelecidas; as pessoas com quem contratam são determinantes para a celebração do ajuste, tanto assim que quando o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar prevê a possibilidade de a indústria sucroenergética redirecionar a matéria-prima do fornecedor para outra unidade industrial, aquela obriga- se solidariamente com esta a pagar o preço ajustado contratualmente; por outro lado, a
53 Art. 423 do Código Civil: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”.
54 Art. 425 do Código Civil: “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.
55 O Estatuto da Lavoura Canavieira (Decreto-lei nº 3.855/1941), revogado com a extinção do IAA e respectiva desregulamentação do setor sucroenergético, definia as obrigações e os direitos dos fornecedores de cana e das usinas. Assim, é possível entender que o contrato de fornecimento de cana-de- açúcar teria uma tipicidade sócio-jurisprudencial, que poderá se converter em tipicidade legal se o legislador resolver intervir e regular novamente esse contrato (XXXXX, Xxxxxxxx. El contrato. Lima: Gaceta Jurídica, 2009, p. 396). No ambiente social moderno, as causas de negócios são típicas no sentido de que, embora não sendo taxativamente indicadas pela lei, devem, no geral, ser admitidas pela consciência social, como correspondendo a uma necessidade prática legítima, a um interesse social duradouro, e, como tais, são consideradas dignas de tutela jurídica. A tipicidade social é muito mais elástica do que a tipicidade legislativa, na medida em que remete para as valorações econômicas ou éticas da consciência social (BETTI, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Campinas: Servanda, 2008, p. 280-281).
56 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 285.
indústria sucroenegética confia em determinado fornecedor, que demonstra capacidade econômica, financeira e agronômica de desenvolver o cultivo da cana-de-açúcar; dificuldades nesta natureza impactam negativamente a qualidade da matéria-prima a ser entregue à usina; significa para a indústria sucroenergética que a obrigação de cultivar e fornecer a cana-de-açúcar deve ser cumprida por determinado fornecedor, em quem foi depositada a sua confiança, e não por outro; j) interempresarial, na medida em que a relação contratual se estabelece, em regra, entre dois empresários com escopo de lucro57, de um lado, o fornecedor de cana-de-açúcar, que requer organização empresarial para o desenvolvimento de sua atividade agrícola, e, do outro, a agroindústria ou indústria sucroenergética; a nosso entender, o fornecedor de cana-de- açúcar poderá ou não requerer sua inscrição do Registro Público de Empresas Mercantis, conforme previsto no artigo 971 do Código Civil; k) agrícola-mercantil ou agroindustrial, tendo em vista que o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar tem natureza agrária (sujeito aos fatores naturais e climáticos) e comercial, mas regime jurídico cível, já que o Código Civil regulamenta a venda e compra mercantil (arts. 481 a 532), gênero contratual do qual deriva o fornecimento; l) nominado, posto que possui um nomen iuris, ou seja, muito embora inexista atualmente uma lei específica regulamentando esse tipo contratual no Brasil, os usos e costumes e a legislação pretérita e esparsa adotam o termo contrato de fornecimento de cana-de-açúcar58; m) exclusividade, tendo em vista que, em regra, o fornecedor se obriga, durante o prazo contratual ajustado, a entregar a cana-de-açúcar que produziu a uma única indústria do setor sucroenergético; a exclusividade somente alcança o fornecedor e não a indústria recebedora, que realizará inúmeros contratos desta natureza com outros fornecedores, como forma de garantir o volume de cana que precisará em seu processo industrial, ou seja, estabilizar o suprimento da matéria-prima para sua indústria; n) colaboração
57 Contratos interempresariais, isto é, aqueles em que os partícipes têm sua atuação plasmada pela procura do lucro, ou seja, escopo de lucro bilateral (FORGIONI, Xxxxx X. Teoria geral dos contratos empresariais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 29-46).
58 A maioria da doutrina brasileira traz o contrato nominado como sinônimo de contrato típico (MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 90; XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo, SP: Saraiva, 1995. 3 v., p. 74-75; XXXX, Xxxxxxx. Obrigações e contratos. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 232), com o que não concordamos, na medida em que adotamos um critério mais restrito, ou seja, a tipicidade é determinada pela existência de lei que defina as obrigações dos contratantes, enquanto o termo nominado aplica-se para o contrato cujo nome apenas é adotado pela legislação, pelos usos e costumes, mas sem a devida regulamentação.
(associação ou colaborativos)59, não no sentido de contribuir para a formação de mercado para o produto objeto do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar60, mas determinada pelos serviços de apoio que a indústria sucroenergética disponibiliza a seus fornecedores, que vão desde a concessão de adiantamento financeiros, auxílio na escolha da melhor qualidade de cana a ser utilizada e das técnicas agronômicas voltadas ao plantio e tratos culturais, dentre outros benefícios que possam contribuir para fomentar a cultura canavieira; a indústria sucroenergética orienta o fornecedor ao cumprimento da NR-3161 (norma regulamentadora de segurança e saúde do trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura), à não utilização de mão-de-obra infantil ou em condição análoga à de escravo; nesse contexto, as partes contratantes passam a compartilhar objetivos, passam a ter interesses convergentes, a estabelecer uma parceria colaborativa, deixando apenas de ser uma simples entrega de produto em troca de dinheiro.
3.8. Diferenças entre o contrato de fornecimento de cana e outras modalidades contratuais
Entendemos que o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar traz certas semelhanças com o contrato de compra e venda, também tido como contrato de escambo, caracterizado pela fórmula preço contra a coisa. Diríamos que o contrato de fornecimento traz a compra e venda em sua essência, porém, não se resume apenas a ela. Percebemos que o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar é mais complexo que uma simples venda e compra de matéria-prima. A nosso entender, o contrato de fornecimento de cana traz uma obrigação de dar e também uma obrigação de fazer. O fornecedor assume a obrigação de cultivar a cana-de-açúcar segundo os padrões técnicos determinados pela indústria do setor sucroenergético (obrigação de fazer) e de
59 Xxxxx Xxxxxxxx adota a terminologia contratos de associação, de colaboração ou colaborativos para alguns contratos empresariais (Teoria geral dos contratos empresariais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 176).
60 Segundo Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, o fornecimento não é contrato de colaboração empresarial, porque o comprador não tem a obrigação jurídica de contribuir para a formação de mercado para o produto objeto de contrato (Curso de direito comercial. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, 3 v., p. 73).
61 A Norma Regulamentadora nº 31, conhecida como NR-31, foi aprovada pelo Ministro do Trabalho e Emprego, por meio da Portaria nº 86, de 03 de março de 2005, alterada pela Portaria nº 2.546 de 14 de dezembro de 2011 (Disponível em: < xxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/xxxxxxxxx.xxx>. Acesso em 28 ago. 2013).
entregar essa matéria- prima anualmente (obrigação de dar). Segundo Xxxxx Xxxxxxxxx, o fornecimento seria uma venda complexa62, com o que concordamos.
O contrato de fornecimento de cana-de-açúcar diferencia-se também do contrato de compra e venda com entregas parceladas, pois neste existem várias entregas oriundas de uma única obrigação, enquanto que naquele existem obrigações distintas, correspondentes às entregas periódicas63.
Diferentemente do que ocorre nos contratos de arrendamento rural e parceria agrícola, no contrato de fornecimento de cana-de-açúcar não há cessão de uso do imóvel rural para a indústria do setor sucroenergético efetuar o cultivo. O fornecedor é quem irá plantar e cultivar a cana-de-açúcar a ser entregue à indústria do setor sucroenergético. O arrendamento rural e a parceria agrícola são contratos típicos, cujas obrigações das partes estão previstas em lei (Estatuto da Terra)64, enquanto o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar é atípico, não legislado. O proprietário do imóvel rural não assume o risco do negócio agrícola no contrato de arrendamento, muito embora ele acabe dele participando no contrato de parceria agrícola e no contrato de fornecimento de cana-de- açúcar65.
Messineo coloca o contrato de fornecimento em geral ao lado do contrato de locação66. Porém, a nosso entender, o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar não se confunde com contrato de locação de obra ou contrato de prestação de serviços. A prestação de serviços envolvendo o cultivo da cana-de-açúcar na área do fornecedor, entendida como obrigação de fazer, é acessória da obrigação principal, que é de dar, ou seja, de entregar a cana-de-açúcar nos prazos estipulados em contrato. Conforme já dito, o contrato de fornecimento tem por objetivo o abastecimento da indústria sucroenergética com cana-de-açúcar, ou seja, a obrigação principal é a de entregar essa matéria-prima, podendo o plantio, cultivo e corte da cana-de-açúcar ser realizado, a
62 Da compra e venda no direito comercial brasileiro. São Paulo, s/d, p. 295 apud BULGARELLI, Waldírio. Contratos mercantis. 10 ed. São Paulo: Atlas, 1998, x. 000.
00 XXXXXXXXXX, Waldírio. Contratos mercantis. 10 ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 255.
64 O arrendamento rural e a parceria agrícola são regidos, respectivamente, pelos artigos 95 e 96 da Lei nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra), regulamentados pelo Decreto nº 59.566/1966.
65 Sobre os contratos de arrendamento rural e parceria agrícola, consultar: XXXXXX, Wellington Pacheco. Contrato de parceria agrícola. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999; XXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx X. X. Contratos no direito agrário. 5. ed. Porto Alegre: Síntese, 2000; XXXXXXX, Xxxxxx. Contratos agrários: aspectos polêmicos. São Paulo: Saraiva, 2009; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Manual didático de direito agrário. Curitiba: Juruá, 2010, p. 393-444; XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxx. Contratos agrários: uma visão neo-agrarista. Curitiba: Juruá, 2008.
66 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de Derecho Civil y Comercial. Buenos Aires: 1971, 5 v., p. 150.
critério do fornecedor, de forma manual, semi-mecanizada ou totalmente mecanizada, isto é, com uma grande ou pequena mobilização de mão-de-obra para a execução desses serviços por parte do fornecedor.
De forma geral, o contrato de fornecimento traz certas semelhanças com o contrato de distribuição. Porém, várias diferenças podem ser indicadas entre esses dois tipos contratuais, podendo destacar o objeto (matéria-prima no contrato de fornecimento e bens de capital ou consumo no contrato de distribuição) e a função econômica (o contrato de distribuição visa à colocação do bem junto ao público adquirente enquanto o contrato de fornecimento tem por efeito ligar o produto da matéria-prima ou do insumo ao industrial)67.
Enfim, a nosso entender, o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar é uma compra e venda complexa, que envolve não apenas a entrega dessa matéria-prima na data ajustada (obrigação de dar), mas também uma prestação continuada quanto ao seu cultivo (obrigação de fazer), características essas que resultam em provisionamento da matéria-prima e respectiva estabilização da necessidade da indústria sucroenergética.
3.9. Fatores que determinam a escolha do contrato de fornecimento de cana-de- açúcar em vez de outros contratos agrários
Entendemos que existem vários fatores que levam à escolha do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar em vez de outros contratos agrários, como arrendamento rural e parceria agrícola. Fatores regionais, políticos, econômicos, dentre outros, podem influenciar o empresário do setor sucroenergético na escolha do modelo contratual para o suprimento de cana-de-açúcar para sua indústria.
Em algumas regiões produtoras de cana-de-açúcar, não encontramos o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar. Em outras, existe a utilização dos três citados contratos agrários, além da produção em área própria da usina. Existem ainda regiões em que o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar se sobrepõe aos outros tipos contratuais. Isso varia de região para região, de usina para usina. Não existe uma regra inflexível e determinante para o modelo de negócio.
67 XXXXXXXX, Xxxxx X. Contrato de distribuição. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 102- 103.
Determinar o modelo de negócio envolvendo o suprimento de sua matéria-prima é uma prerrogativa, que a própria Constituição Federal outorga ao empresário da indústria sucroenergética, desde que não fique caracterizado abuso econômico68, ou violação às leis trabalhistas e ambientais69. O artigo 170, caput, da Constituição Federal, adota como fundamentos da ordem econômica no Brasil a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano.
A despeito da determinação do modelo de suprimento de cana-de-açúcar passar pelas mãos dos empresários da indústria sucroenergética, é certo que existem também fatores alheios à vontade deles e que acabam impondo a adoção de um ou outro tipo de contrato agrário para abastecimento de suas unidades industriais com essa matéria- prima.
Em determinados Estados, como é o caso de Goiás, diversos fatores acabaram contribuindo para a adoção do modelo de fornecimento de cana-de-açúcar por algumas usinas que nele vieram a se instalar a partir de 2004. Algumas regiões desse Estado já traziam produtores rurais estabelecidos em grandes áreas, alguns voltados para a pecuária extensiva, outros para a soja, sorgo, milho, dentre outras culturas agrícolas. Enfim, já existia a cultura do produtor agrícola, ou seja, de participar da lavra da terra.
Tendo em vista esse histórico, o Governo do Estado de Goiás e a FAEG (Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás) se posicionaram, quando da expansão do setor sucroenergético nesse Estado (ocorrida a partir de 2004), favoravelmente ao modelo de fornecimento de cana-de-açúcar.
Em função dessa diretriz do Governo Goiano e da FAEG, como também dos pleitos apresentados em audiências públicas pelos produtores rurais das regiões onde seriam estabelecidas novas unidades para industrialização da cana-de-açúcar, passou a
68 No setor da citricultura, o CADE autorizou a fusão das operações de suco de laranja do Grupo Fischer e do Grupo Votorantim no Brasil e no exterior, condicionada à proibição do aumento de verticalização por prazo determinado, ou seja, proibição de aumentar suas áreas cultiváveis de laranja (Ato de concentração nº 08012.005889/2010-74, Rel. Conselheiro Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, j. 14.12.2011).
69 No setor sucroenergético, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região entendeu que não pode ser reconhecida a legalidade dos contratos de arrendamento, sub-arrendamento e parceria agrícola quando, valendo-se de tal artifício, as companhias agrícolas asseguram para si o fornecimento de toda a cana-de- açúcar produzida em terras que eram de sua propriedade, ficando, no entanto, isento das obrigações inerentes à legislação ambiental, previdenciária, securitária, fiscal e trabalhista inerente à mão-de-obra engajada no plantio e no trato da cultura da cana (RO 00557-2005-074-15-00-8, 1ª Turma, 1ª Câmara, TRT 15, Juiz Rel. Xxxx Xxxxxxx Xxxxx, j. 26.10.2007. Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxx.xxx00.xxx.xx/xxxxxxxx/xxx/xXxxxxxxx.xXxxxxxxx?xXxxxXxxxxxxxxXXXXXXXXXXX&xxxxxx c=1322697&pdblink=>. Acesso em: 04 set. 2013).
constar do EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental) que os novos empreendimentos industriais não deixassem de também adotar o modelo de fornecimento de cana-de-açúcar, além do arrendamento rural e parceria agrícola70.
Lembre-se que o EIA/RIMA exige audiências públicas, das quais participam os produtores rurais, os representantes das associações agrícolas, comerciais e industriais, os prefeitos e vereadores, os procuradores do Ministério Público do Trabalho, os auditores fiscais do Ministério do Trabalho, enfim, as autoridades locais e a população em geral.
Outro fator que acaba contribuindo para a adoção do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar é o valor recebido pelo proprietário da terra. O fornecedor de cana- de-açúcar recebe rendas durante o ano bem superiores às que perceberia se celebrasse com as usinas contratos de arrendamento rural ou parceria agrícola. Isso porque o fornecedor de cana-de-açúcar participa do processo produtivo com capital próprio (muitas vezes já utilizados em outras atividades agrícolas, como tratores e implementos agrícolas) e sua expertise agrícola no local, o que acaba reduzindo custos. Ademais, o fornecedor de cana-de-açúcar não se afasta da terra, como ocorre com o arrendamento rural e também com a parceria agrícola. Podemos dizer que existe maior distribuição de renda para os proprietários rurais que adotam o contrato de fornecimento e para o local onde eles adquirem bens e serviços para o cultivo da cana-de-açúcar, além de um aspecto social decorrente da manutenção dos proprietários e suas famílias na zona rural. Vale também destacar as imposições municipais. Por exemplo, a Câmara Municipal aprovou e o Prefeito de Quirinópolis/GO sancionou a Lei nº 2.679, de 18 de setembro de 2007, alterada pela Lei nº 2.685, de 09 de outubro de 2007, que obrigava as usinas de açúcar e álcool a proceder ao beneficiamento de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, da cana plantada nesse município por agricultores em regime de fornecedores. Em outras palavras, obrigava as usinas de açúcar e álcool a industrializar cana-de-açúcar, em volume correspondente a 50% da cana plantada no município de Quirinópolis/GO, advinda de contratos de fornecimento. Os outros 50% poderiam ser
70 Como exemplo, podemos citar o EIA/RIMA elaborado, em 2004, pela USJ Açúcar e Álcool S/A para a construção de sua unidade industrial, denominada Usina São Francisco, no município de Quirinópolis, sudoeste do Estado de Goiás. Nesse EIA/RIMA constou o seguinte: “O empreendimento objetiva também que a oferta de matéria-prima para a produção estimada se dê pela implantação de 39,5 mil hectares de cana-de-açúcar, a maioria dos quais em áreas de produtores rurais terceiros, em modelos de parceria por arrendamento e fornecimento”.
supridos com cana-de-açúcar oriundos de áreas próprias das usinas, contratos de arrendamento rural e contratos de parceria agrícola por elas assinados.
Enfim, conforme demonstramos anteriormente, a escolha de um modelo contratual para suprimento de cana-de-açúcar em vez de outro é determinada por diversos fatores que não única e exclusivamente a vontade do empresário da indústria sucroenergética.
3.10. Riscos trabalhistas decorrentes do contrato de fornecimento de cana-de- açúcar
Por não existir uma lei específica regulamentando o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar no Brasil e considerando a natureza complexa dessa relação contratual, conforme já analisado anteriormente, não raras vezes os Auditores Fiscais do Ministério do Trabalho71, os Procuradores do Ministério Público do Trabalho e a própria Justiça do Trabalho72 têm entendido que esse tipo contratual seria uma forma encontrada pelos empresários do setor sucroenergético para terceirizar a sua atividade fim (cultivo da
71 Auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Estado de Goiás (SRTE/GO) lavraram, em 22.06.2012, os seguintes autos de infração contra a Usina São Francisco por descumprimento de normas trabalhistas por parte do seu fornecedor de cana-de-açúcar: (a) AI nº 020473214, em função do seu fornecedor de cana-de-açúcar ter violado o artigo 13 da Lei nº 5.889/73 c.c. item 31.21.6 da NR-31, ou seja, deixado de dotar de corrimão a escada de acesso ao pavimento superior do alojamento de seu fornecedor de cana-de-açúcar; (b) AI nº 020473222, em função do seu fornecedor de cana-de-açúcar ter violado o artigo 13 da Lei nº 5.889/73 c.c. item 31.23.5.2 da NR-31, ou seja, permitido que os empregados do seu fornecedor de cana utilizassem fogões, fogareiros ou similares no interior do alojamento; (c) AI nº 020473168, em função do seu fornecedor de cana-de-açúcar ter violado o artigo art. 157, inciso I, da CLT c.c. item 1.7, alínea “a”, da NR-1, ou seja, deixado de cumprir disposição legal sobre segurança e medicina do trabalho com relação aos empregados de seu fornecedor de cana-de-açúcar; (d) AI nº 020473150, em função do seu fornecedor de cana-de-açúcar ter violado o artigo 13 da Lei nº 5.889/73 c.c. item 31.23.5.1 da NR-31, ou seja, deixado de dotar o alojamento de armários individuais para guarda de objetos pessoais dos empregados do fornecedor; (e) AI nº 020447990, em função do seu fornecedor de cana-de-açúcar ter violado o artigo 13 da Lei nº 5.889/73 c.c. item 31.23.10 da NR-31, ou seja, permitido a utilização de copos coletivos pelos empregados do fornecedor para o consumo de água potável; (f) AI nº 020447981, em função do seu fornecedor de cana- de-açúcar ter violado o artigo art. 170 da CLT c.c. item 8.3.6 da NR-8, ou seja, deixado de dotar, nos alojamentos, andares acima do solo de guarda-corpo de proteção contra quedas; (g) AI nº 020447965, em função do seu fornecedor de cana-de-açúcar ter violado o artigo 13 da Lei nº 5.889/73 c.c. item 31.23.5.3 da NR-31, ou seja, deixado de fornecer roupas de cama adequadas às condições climáticas locais.
72 O Ministério Público do Trabalho ajuizou ação civil pública contra a Companhia Agrícola Xxxxx Xxxxxxxxxx e Outros para que se abstenham de formalizar contratos de parceria agrícola, assumindo por sua conta e risco os trabalhadores necessários para o desenvolvimento da exploração agrícola da cana de açúcar, em todas as suas fases, em terras próprias e nas terras que arrendou dos proprietários, a qual foi julgada procedente em primeira e segunda instâncias (RO 00557-2005-074-15-00-8, 1ª Turma, 1ª Câmara, TRT 15, Juiz Rel. Xxxx Xxxxxxx Xxxxx, j. 26.10.2007. Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxx.xxx00.xxx.xx/xxxxxxxx/xxx/xXxxxxxxx.xXxxxxxxx?xXxxxXxxxxxxxxXXXXXXXXXXX&xxxxxx c=1322697&pdblink=>. Acesso em: 04 set. 2013).
cana-de-açúcar), o que implicaria em precarização das condições de trabalho do empregado no campo.
Assim, muitas vezes, identificam o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar como locação de mão-de-obra rural ou prestação de serviços agrícolas (ou seja, terceirização irregular da atividade fim por parte dos empresários do setor sucroenergético), outras, entendem que essa relação contratual, em função de suas características, acabam constituindo grupo econômico de fato, o que atrairia a responsabilidade solidária das usinas em relação aos empregados dos fornecedores de cana-de-açúcar.
3.10.1. Terceirização irregular da atividade fim do empresário da indústria sucroenergética
O contrato de fornecimento de cana-de-açúcar, sob o aspecto trabalhista, pode apresentar risco maior ao empresário da indústria sucroenergética, compradora dessa matéria-prima do fornecedor, se comparado aos contratos de parceria agrícola e, principalmente, de arrendamento rural.
Isso porque, nos contratos de arrendamento rural e parceria agrícola, o empresário da indústria sucroenergética é o responsável pelo cultivo da cana-de-açúcar na área de propriedade de terceiro, assim, é ele quem contrata a mão-de-obra necessária para essa atividade e, por consequência, assume os respectivos encargos trabalhistas. É ele o empresário empregador e responsável direto pelo pagamento das verbas trabalhistas, recolhimentos previdenciários e fundiários, como também pela saúde e segurança dos seus empregados.
Em regra, o empresário da indústria sucroenergética possui capacidade econômica e financeira maior que a dos proprietários das áreas rurais em que se cultivam a cana-de-açúcar. Assim, para a visão dos auditores fiscais do Ministério do Trabalho (MTE), procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e, não raras vezes, pelos próprios juízes do trabalho, a substituição de um empregador com maior capacidade financeira, econômica e organizacional por um de menor capacidade empresária para o cultivo da cana-de-açúcar, ou seja, a substituição do empresário da
indústria sucroenergética pelo proprietário do imóvel rural, implica em fragilização da responsabilidade trabalhista e, portanto, maior risco para os empregados rurais.
Na visão de alguns auditores fiscais do MTE e procuradores do MPT, da admissão até a demissão dos empregados dos fornecedores de cana-de-açúcar, os encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais, securitários e a proteção ao meio ambiente do trabalho seriam de responsabilidade exclusiva dos empresários da indústria sucroenergética, que possuem lastro financeiro e econômico muito superior ao dos fornecedores.
Por sua vez, a Justiça do Trabalho tem entendido, em algumas de suas decisões, que os fornecedores de cana-de-açúcar e os compradores dessa matéria-prima ganham com essa relação, enquanto os empregados dos fornecedores ficam fragilizados, enfim, perdem direitos, garantias e benefícios trabalhistas73. Os fornecedores passam a ter garantia de compra da cana-de-açúcar que produzem, enquanto os empresários do setor sucroenergético, garantia de exclusividade no fornecimento de matéria-prima essencial para a sua indústria. Em outras palavras, ganham os fornecedores e os empresários da indústria sucroenergética, mas perdem os trabalhadores rurais empregados no cultivo da cana-de-açúcar em função dessa relação contratual.
73 Muito embora o caso envolvendo a Companhia Agrícola Xxxxx Xxxxxxxxxx apresente substrato fático peculiar (sistema de “parceirização” e não contrato de fornecimento propriamente dito), oportuno analisar o acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. GRUPOS AGRÍCOLAS. NULIDADE DOS CONTRATOS DE PARCERIA E ARRENDAMENTO. Não pode ser reconhecida a legalidade dos contratos de arrendamento, sub-arrendamento e parceria agrícola quando, valendo-se de tal artifício, as companhias agropecuárias transferem a terceiros o seu objetivo social. A fraude se evidencia quando o conjunto probatório revela que, com esta prática, o grupo agrícola assegura para si o fornecimento de toda a cana-de-açúcar produzida em terras que eram de sua propriedade, gerenciando a produção de seus “parceiros” e “arrendatários”, nos termos das cláusulas contratuais com eles ajustadas, no entanto, fica isento das obrigações inerentes à legislação ambiental, previdenciária, securitária, fiscal e trabalhista inerente à mão-de-obra engajada no plantio e no trato cultural da cana. O bem maior que está sendo tutelado é o da coletividade e as relações trabalhistas protegidas pelo Texto Consolidado que, conforme a denúncia apresentada pelo Ministério Público do Trabalho, estão sendo precarizadas. A introdução do intermediário (parceiro/arrendatário) entre as Agropecuárias e os trabalhadores rurais é nula, conforme a Súmula nº 331, I, do C. TST. (RO 00557- 2005-074-15-00-8, 1ª Turma, 1ª Câmara, TRT 15, Juiz Rel. Xxxx Xxxxxxx Xxxxx, j. 26.10.2007. Disponível em: <xxxx://xxxxxxxx.xxx00.xxx.xx/xxxxxxxx/xxx/xXxxxxxxx.xXxxxxxxx?xXxxxXxxxxxxxx PROCESSOCNJ&pidproc=1322697&pdblink=>. Acesso em: 04 set. 2013). Em audiência realizada em 28.08.2013, o Presidente do TST homologou o acordo formalizado entre a Quatá, sucessora da Companhia Agrícola Zillo e da Companhia Agrícola Xxxx Xxxxx e Sobrinhos, e o Ministério Público do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP), por meio do qual a referida empresa assumiu a responsabilidade solidária em relação aos débitos e obrigações trabalhistas dos parceiros agrícolas autônomos (ex- empregados ou não) e a obrigação de pagar o valor de R$ 1 milhão a título de dano moral coletivo (Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx>. Acesso em 04 set. 2013).
Em decorrência do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar, os trabalhadores rurais são contratados por conta e risco dos fornecedores, de modo que não mais mantêm vínculo empregatício direto com o empresário da indústria sucroenergética. Vale dizer, o empresário da indústria sucroenergética continua assegurando para si o fornecimento de toda a cana-de-açúcar produzida na região sem, no entanto, arcar com os ônus trabalhistas inerentes à mão-de-obra engajada no plantio e no trato cultural dessa matéria-prima. Assim, o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar, sob o olhar da Justiça do Trabalho, pode ser entendido com instrumento de fraude ao trabalhador rural na medida em que objetiva resultar a isenção de responsabilidade dos empresários da indústria sucroenergética com relação aos direitos trabalhistas dos rurícolas que laboram na produção da matéria-prima por eles adquiridas. Ademais, a substituição de um sujeito mais forte financeira e economicamente falando por um mais frágil acabará, com o passar do tempo, no entender da Justiça do Trabalho reduzindo ou eliminando os benefícios e garantias que os sindicatos rurais conseguiram para os seus empregados junto ao empresário do setor sucroenergético.
A Justiça do Trabalho tem entendido que, neste caso, a atividade fim das empresas agrícolas ou agroindustriais do setor sucroenergético, por meio de artifícios jurídicos que procuram dar aparência de legalidade, acaba sendo terceirizada.
Assim, o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar, sob o crivo da Justiça do Trabalho, pode ser entendido como um instrumento de terceirização ilegal da atividade fim dos empresários do setor sucroenergético, na medida em que estariam eles se utilizando de empresa interposta (fornecedor) para o cultivo da cana-de-açúcar que até então era por eles realizado. Enfim, estar-se-ia violando o disposto na Súmula nº 331, item IV, do Superior Tribunal de Justiça, de modo que o vínculo empregatício seria formado diretamente com o empresário da indústria sucroenergético, enquanto tomador dos serviços do fornecedor de cana-de-açúcar.
Por outro lado, existe também decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no sentido de que não fora ainda sedimentado o entendimento de que toda e qualquer atividade relacionada ao preparo do solo antes do plantio da cana e ao transporte do
produto final depois do processamento deva ser considerada como atividade-fim da agroindústria setor sucroenergético74.
Oportuno destacar também que existem algumas decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que reconhecem a inexistência de terceirização irregular em contratos de fornecimento de roupas e calçados, que apresentam algumas semelhanças do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar: a) contrato de fornecimento de roupas: costureira de uma microempresa que realizava parte do processo de fabricação têxtil, por meio de contrato de facção75, não consegue responsabilizar a malharia compradora das peças de confecção pelas verbas trabalhistas não pagas por seu empregador, pois o TST entendeu que se trata de relação estritamente comercial e não de terceirização de serviços; enfim, o TST vem reconhecendo a inaplicabilidade da Súmula 331, IV, para o contrato de facção (fornecimento de roupa)76; b) contrato de fornecimento de sapato: auxiliar de produção na empresa vendedora de sapatos não consegue responsabilizar a empresa compradora pelas verbas trabalhistas, pois o TST entendeu não caracterizada a ingerência e subordinação da compradora dos sapatos na atividade da vendedora, sem contar que não existia exclusividade na venda desta para a compradora; o TST também
74 Decisão do Ministro Relator Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx antecipando os efeitos do recurso ordinário interposto pela Usina Conquista do Pontal S.A., determinando a imediata e integral suspensão da decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 732-63.2011.5.15.0127 até que seja concluído o julgamento do recurso ordinário em mandado de segurança. No julgamento, os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do TST, por maioria, deram provimento ao recurso ordinário para deferir integralmente a segurança pleiteada, cujo julgamento traz a seguinte ementa: “RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INAUDITA ALTERA PARS EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. USINA DE CANA DE AÇÚCAR. DETERMINAÇÃO DO ATO COATOR DE CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS EM SUBSTITUIÇÃO À EMPRESA DE TERCEIRIZAÇÃO QUE PRESTA SERVIÇO DE PREPARO DO SOLO ANTES DO PLANTIO E TAMBÉM DE TRANSPORTE DO PRODUTO FINAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA” (TST-RO-313- 02.2012.5.15.0000, SBDI-2 Rel. Min. Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx, por maioria, j. 16.04.2013).
75 O contrato de facção consiste em contrato de natureza híbrida em que há, a um só tempo, prestação de serviços e fornecimento de bens. Trata-se de ajuste que tem por objeto a execução de serviços de acabamento, incluídos aí os eventuais aviamentos, pela parte contratada em peças entregues pela parte contratante.
76 Decisões do TST neste sentido: RR 2.765/46.2011.5.12.0018, Min. Xxxxxxxx Xxxx Xxx, 4ª Turma, DEJT 23/08/2013; 658/0000-000-00-00, Rel. Ministro Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, 1ª Turma, DEJT 26/06/2009; XX - 0000-00.0000.0.00.0000, Rel. Ministro Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, 2ª Turma, DEJT 09/11/2012; 67200-75.2007.5.12.0048, Rel.Ministro Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, 3ª Turma, DEJT 26/08/2011; 382-53.2010.5.12.0011, Rel. Ministra Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, DEJT 29/04/2011; RR-20500-41.2007.5.12.0048, Rel. Ministra Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, 5ª Turma, DEJT 05/08/2011; XX - 00-00.0000.0.00.0000, Rel. Ministro Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, 6ª Turma, DEJT 07/06/2013; XX - 0000-00.0000.0.00.0000, Rel. Ministro Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, 7ª Turma, DEJT 19/04/2013; XX - 0000-00.0000.0.00.0000, Rel. Ministra Xxxx Xxxxx xx Xxxxx, 8ª Turma, DEJT 14/06/2013.
reconheceu a inaplicabilidade da Súmula 331, IV, para o contrato de facção (fornecimento de calçado)77.
A Justiça do Trabalho tem entendido que a terceirização apta a ensejar responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, é a que se dá mediante a contratação de trabalhadores por empresa interposta. Pressupõe, portanto, que o objeto de contratação entre as empresas seja a impropriamente denominada locação de mão- de-obra, o que não se verifica com o contrato de facção, de natureza híbrida, em que há, a um só tempo, prestação de serviços e fornecimento de bens. Nesse contexto, as atividades da empresa contratada desenvolvem-se de forma absolutamente independente, sem qualquer ingerência da empresa contratante. Pensar de forma diferente, também os fornecedores de matéria prima haveriam de ser responsabilizados, em uma cadeia infindável de responsabilizações, numa espécie de dízima periódica que se estenderia ao infinito78.
Enfim, o TST vem entendendo que o contrato de facção não é propriamente um contrato de terceirização de serviços e, por consequência, não se aplica a responsabilidade subsidiária da empresa contratante, prevista no item IV da Súmula 331.
Por que então não deveria ser aplicada a jurisprudência do TST envolvendo o contrato de facção para o contrato de fornecimento de cana? A nosso entender, se a usina não tiver ingerência na atividade do fornecedor, usando-o como empresa interposta para prestação de serviços de cultivo da cana-de-açúcar, o TST deveria sim aplicar o entendimento que vem adotando para o contrato de facção.
3.10.2. Formação de grupo econômico de fato
Primeiramente, oportuno distinguir grupo econômico convencional (grupo de direito) do grupo econômico de fato. O primeiro está disciplinado na Lei nº 6.404/1976 (arts. 265 a 277 da Lei das Sociedades Anônimas) e se configura quando a sociedade controladora e suas controladas se obrigam, mediante convenção, a combinar recursos
77 Decisões do TST neste sentido: RR 106.500/60.2009.5.04.0383, Rel. Ministro Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, 5ª Turma, DEJT 16/08/2013 ; XX 000000-00.0000.0.00.0000, Rel. Ministro Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, 8ª Turma, DEJT 30/11/2012.
78 TST-RR-761.170/01.8, Rel. Min. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, DJU de 18/06/2004.
ou esforços para a realização dos respectivos objetos sociais, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. Em outras palavras, o grupo convencional pode ser entendido como um conjunto de companhias sujeitas a um controle comum mediante convenção formal devidamente registrada na Junta Comercial. Já o grupo econômico de fato, sob o aspecto da lei societária, apresenta as mesmas características do grupo econômico de direito, à exceção da existência de uma convenção formal devidamente registrada na Junta Comercial. Podemos dizer que o grupo econômico de direito é uma entidade jurídica e econômica, enquanto o grupo econômico de fato é uma entidade econômica com relevância jurídica79.
Sob o aspecto do direito econômico, os grupos de fato ganham importância. Tanto o artigo 17 da antiga Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 8.884/1994) como o artigo 33 da nova Lei nº 12.529/2011 (que revogou expressamente a maioria dos artigos da Lei 8.884/1094) rezam que “serão solidariamente responsáveis as empresas ou entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, quando pelo menos uma delas praticar infração à ordem econômica”. Enfim, os grupos econômicos, de fato ou de direito, foram equiparados para fins de responsabilização pela prática de infração à ordem econômica.
Sob a vertente do direito do trabalho, o art. 2º, § 2º, da CLT, reza que “sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”. Esse dispositivo legal impõe solidariedade trabalhista entre as empresas que compõem o mesmo grupo econômico de fato ou de direito. Já o artigo 3º, § 2º, da Lei nº 5.889/1973 (Lei do Trabalho Rural)80 adota um conceito ainda mais amplo que o referido artigo 2º, § 2, da CLT, para responsabilização trabalhista das empresas do mesmo grupo econômico. Ou seja, serão responsáveis solidariamente nas obrigações
79 Consultar: XXXXXX XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Grupo de fato: da legislação societária e concorrencial à legislação trabalhista. In: XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Temas essenciais de direito empresarial: estudos em homenagem a Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 370.
80 Art. 3º, § 2º, da Lei nº 5.889/1973 (Lei do Trabalho Rural): “Sempre que uma ou mais empresas, embora tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de emprego”.
decorrentes da relação de emprego as empresas que estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, mesmo quando cada uma guardar a sua autonomia.
O item 31.3.3.1 da NR-3181, que dispõe sobre a segurança e saúde no trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura, encontra-se assim redigido: “Responderão solidariamente pela aplicação desta Norma Regulamentadora as empresas, empregadores, cooperativas de produção ou parceiros rurais que se congreguem para desenvolver tarefas, ou que constituam grupo econômico”.
Para o direito do trabalho, a caracterização do grupo econômico independe de uma estrutura de subordinação rígida, bastando que haja influência dominante de uma empresa sobre a outra, que pode decorrer, por exemplo, de uma relação de coordenação entre os ente coligados82. Em outras palavras, para proteger o empregado, parte mais frágil da relação de trabalho, adota-se o conceito amplo de grupo econômico de fato, de modo a garantir a solvabilidade dos créditos trabalhistas. Amplia-se o conceito de grupo econômico de fato e, por consequência, a obrigação solidária trabalhista dele decorrente. Anota J. X. Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx que o escopo da obrigação solidária é múltiplo: a) facilitar ao credor o recebimento da prestação, permitindo-lhe exigi-la do devedor que lhe parecer mais próximo; b) resguardar o credor de prejuízos advenientes da insolvência de algum dos devedores; c) proporcionar ao credor um meio de evitar
sucessivas demandas83.
Nesse cenário, resta analisar se a relação entre o produtor de cana-de-açúcar e a usina compradora, instrumentalizada em contrato de fornecimento, caracterizaria ou não grupo econômico de fato e, por consequência, obrigação solidária entre os contratantes com relação às verbas trabalhistas dos empregados do fornecedor. Enfim, saber se a usina assume responsabilidade solidária trabalhista decorrente dos empregados do seu fornecedor de cana-de-açúcar.
Em sentido amplo, poder-se-ia admitir a caracterização de um grupo econômico de fato entre o fornecedor de cana-de-açúcar e a usina compradora dessa matéria-prima. Podemos entender que os fornecedores de cana-de-açúcar e as usinas exercem, isoladamente, empresas originárias que, conectadas em rede, dão vida a uma empresa derivada, da qual são eles partícipes. As empresas originárias são estruturais, enquanto
81 A NR-31 foi aprovada pela Portaria MTE n.º 86/2005, alterada pela Portaria MTE n.º 2.546/2011. 82 RO 20000256840, 2ª Turma TRT 2ª Região. Rel. Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx, DOESP 13.06.200. 83 Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, 1947, v. 6, p. 252.
as derivadas são superestruturais. A caracterização da empresa derivada superestrutural decorre: a) reunião de ativos das empresas originárias (terra, máquinas, insumos agrícolas, recursos etc); b) comunicação dos resultados da empresa derivada para as empresas originárias (quanto maior o volume e melhor a qualidade da cana-de-açúcar, maior o benefício do fornecedor e da usina); c) coordenação técnica e operacional entre as empresas originárias (a usina exerce essa coordenação sobre os seus fornecedores).
3.10.3. Aplicação da teoria do “domínio do fato” para responsabilização trabalhista do empresário da indústria sucroenergética
No julgamento da Ação Penal nº 470, conhecido como “julgamento do mensalão”, o Supremo Tribunal Federal adotou, antes do julgamento dos embargos infringentes, a teoria de domínio do fato para a condenação de vários réus desse processo pela prática de corrupção.
Assim, alguns membros do Ministério Público do Trabalho cogitaram a possibilidade dessa teoria ser estendida a outras questões que não apenas criminais, como para responsabilização judicial das empresas que realizam, de forma derivada e complexa, a terceirização ilegal de suas atividades fins. Seria mais um argumento de defesa para responsabilização trabalhista de todos os empresários da mesma cadeia produtiva.
Muito embora tenha surgido anteriormente, foi com a obra do alemão Xxxxx Xxxxx, em 1963, que a teoria do domínio do fato foi desenvolvida. Em linhas gerais, para esse autor, quem ocupasse uma posição dentro de um chamado “aparato organizado de poder” e dá o comando para que se execute um crime, tem de responder como autor e não só como partícipe, ao contrário do que entendia a doutrina dominante na época84.
Se o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar for entendido como um instrumento adotado pelo empresário da indústria sucroenergética para terceirizar a sua atividade agrícola, poderia então ser a ele imputada, com base na teoria do domínio do fato, a responsabilização pelo descumprimento das leis trabalhistas por parte de seus fornecedores de cana. Assim, por comandar a cadeia de produção da cana-de-açúcar a
84 XXXXX, Xxxxx. Autoria y domínio del hecho. Tradução da sétima edição alemã por Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Madri-Barcelona: Xxxxxxx Xxxx, 2000.
ser por ele industrializada, o empresário da indústria sucroenergética que adotasse o contrato de fornecimento assumiria a responsabilidade objetiva e solidária das obrigações trabalhistas relacionadas aos empregados do seu fornecedor de cana. Enfim, assumiria integralmente a responsabilidade das condições de trabalho no campo, onde a cana-de-açúcar é cultivada.
Não discordamos que a busca incessante da melhoria das condições de trabalho no campo deve ser incentivada, como também que a aplicação de um padrão mínimo homogêneo de direitos e garantias para os trabalhadores de uma mesma cadeia produtiva é desejada. Porém, entendemos equivocada a adoção da teoria do domínio do fato para a responsabilização trabalhista objetiva da indústria sucroenergética com relação aos empregados do seu fornecedor de cana.
Primeiramente, entendemos que essa teoria tem aplicação restrita ao Direito Penal, não podendo de aplicada de forma extensiva, em função de suas características peculiares, a outras áreas do direito para ampliação de condenações. Ademais, a aplicação da teoria do domínio do fato na seara trabalhista, inclusive no caso envolvendo a indústria sucroenergética e seu fornecedor de cana, seria a adoção da responsabilidade objetiva de todos os agentes de uma cadeia produtiva, sem expressa previsão legal.
3.10.4. Fatores que podem mitigar o risco trabalhista decorrente do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar
É certo que cada caso tem as suas peculiaridades e, portanto, deverão ser analisados individualmente. Porém, entendemos que determinados fatores podem contribuir para mitigar o risco trabalhista decorrente do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar: a) quanto menor a ingerência da indústria sucroenergética na atividade de plantio, tratos culturais e corte da cana-de-açúcar do fornecedor, menor o risco trabalhista, ou seja, o risco dela assumir a responsabilidade subsidiária ou solidária dos empregados do seu fornecedor de cana; logo, quanto mais estruturado se apresentar o fornecedor de cana-de-açúcar sob o aspecto organizacional, agrícola, operacional e financeiro, a responsabilidade trabalhista da indústria sucroenergética compradora da cana-de-açúcar restará reduzida; b) que o fornecedor detenha os meios de produção da
cana-de-açúcar, isto é, seja proprietário das terras, máquinas, tratores, equipamentos agrícolas, insumos utilizados no cultivo da cana-de-açúcar, enfim, que tenha capacidade econômica e financeira para responder pelo eventual passivo trabalhista decorrente dos empregados que contratou para o cultivo da cana-de-açúcar; c) que o fornecedor possua grandes áreas de cultivo da cana-de-açúcar, pois o contrato de fornecimento de cana-de- açúcar, em função dos custos envolvidos, mostra-se incompatível com pequenas áreas, a menos que os pequenos fornecedores se reúnam num condomínio agrícola ou numa associação; d) a não existência de cláusula de exclusividade no fornecimento de cana- de-açúcar, ou seja, a liberdade de o fornecedor vender a cana-de-açúcar para a usina que lhe aprouver no momento da colheita, muito embora, na prática, essa cláusula seja encontrada na maioria dos contratos desta natureza, até por interesse do próprio fornecedor, que busca garantir a certeza na venda da sua produção em regiões onde existem apenas uma usina adquirente.
A despeito desses fatores de mitigação do risco, dentre outros que possam ser adotados, entendemos que os riscos trabalhistas continuarão para o empresário do setor sucroenergético, como também para os de outras atividades econômicas, enquanto não existir uma marco regulatório mais preciso para questões nesta natureza. A nosso entender, a aprovação do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 4.330/200485, que disciplina a terceirização, e do Projeto de Lei do Senado nº 330/201186, que trata dos contratos de integração vertical nas atividades agrosilvopastoris, poderá contribuir para reduzir as incertezas e os riscos advindos da responsabilização trabalhista na cadeia produtiva.
85 O Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 4.330, de autorida do Deputado Federal Xxxxxx Xxxxx, foi apresentado em 26.10.2004, e, quase dez anos depois, ainda não foi votado em definitivo pela Comissão de Constituição, de Justiça e de Cidadania. Esse Projeto de Lei dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes (Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxxxxxxxxxxxxxxx?xxXxxxxxxxxxx000000>. Acesso em 26 set. 2013).
86 O Projeto de Lei do Senado nº 330, de 14.06.2011, de autoria da Senadora Xxx Xxxxxx, teve o texto final aprovado, na forma da Emenda 23-CRA, em 05.09.2013, e encaminhado para a Câmara dos Deputados. Esse Projeto de Lei dispõe sobre os contratos de integração, estabelece condições, obrigações e responsabilidades nas relações contratuais entre produtores integrados e integradores nas atividades agrosilvopastoris (Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxx.xxx?x_xxx_xxxxx000000>. Acesso em 26 set. 2013).
4. Conclusões
Procuramos, com o presente artigo, analisar diversas questões envolvendo o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar. Dessa nossa análise, extraímos algumas conclusões, que passamos a registrar nas linhas abaixo.
O Estatuto da Lavoura Canaviera (ELC), criado pelo Decreto-lei nº 3.855, de 21 de novembro de 1941, composto de 179 artigos, dispôs, enquanto vigorou, sobre os mais variados aspectos envolvendo os fornecedores de cana-de-açúcar e as usinas de açúcar e álcool, com o objetivo de estabelecer um melhor equilíbrio nas relações contratuais estabelecidas entre eles. Esse Estatuto foi um instrumento de proteção do fornecedor frente às usinas, que, a nosso entender, vigorou até o momento em que o Instituto do Açúcar e Álcool (IAA) foi extinto, em 1990, por meio da Medida Provisória nº 151/1990, transformada na Lei nº 8.029/1990. Entendemos que, naquela época (1941 a 1990), o fornecimento de cana-de-açúcar foi um contrato típico (tipicidade legislativa) e que atualmente é um contrato atípico, mas com tipicidade social87.
O objeto do contrato de fornecimento apresenta caractéristicas específicas, quais sejam, a cana-de-açúcar é uma planta semi-perene (após o seu plantio, tem-se cinco a sete safras anuais sem necessidade de novo plantio), que somente é colhida durante a safra (6 a 8 meses de cada ano), não pode ser estocada após o seu corte (perde-se qualidade após 72 horas de sua colheita) e nem colhida em períodos de elevada umidade do solo (operações de corte carregamento e transporte ficam comprometidas), como também a distância entre o canavial e a usina é determinante sua aquisição ou não por parte da indústria sucroenergética.
Entendemos o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar como uma relação contratual em que o fornecedor se obriga, durante o prazo ajustado, a cultivar (segundo padrões de qualidade e quantidade estabelecidos pelo comprador) e entregar anualmente matéria-prima durante a safra canavieira (prestação periódica, sucessiva e descontínua) e, de outro lado, o empresário da indústria sucroenergética a de adquirir essa matéria- prima e pagar o preço pactuado. Existe uma integração entre o fornecedor e o recebedor da cana-de-açúcar, ou seja, entre a empresa agrícola e a empresa industrial (relação interempresarial), que envolve uma estrutura de compra e venda de safra futura
87 XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Campinas: Servanda, 2008, p. 280-281.
(obrigação de dar) e também uma obrigação de fazer por parte do fornecedor (produzir cana-de-açúcar segundo os padrões de qualidade e quantidade especificados pela usina). Enfim, a nosso entender, o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar é uma venda complexa, que reúne tanto a obrigação tradicional de dar, como também a de fazer (cultivar a cana-de-açúcar nos padrões indicados pela usina).
O contrato de fornecimento de cana-de-açúcar traz, de um lado, o fornecedor dessa matéria-prima, pode ser um simples agricultor pessoa física (produtor rural), um empresário individual, ou, ainda, uma sociedade empresária por ele constituída para o desenvolvimento das atividades agrícolas. Entendemos que, nos dias atuais, Nos dias atuais, tem-se mais presente a figura do fornecedor empresário, aquele que desenvolve a empresa agrícola com objetivo de lucro, ou seja, organiza o seu capital e a mão-de-obra para o cultivo da cana-de-açúcar. De outro lado, temos o comprador da cana-de-açúcar, a empresa que irá industrializá-la, que, em regra, usina de açúcar, uma usina de açúcar e álcool, uma usina de açúcar, álcool e cogeração de energia elétrica a partir do bagaço da cana (biomassa), uma destilaria de etanol, que deste artigo são denominadas simplesmente empresário da indústria sucroenergética.
Sob o aspecto estrutural, entendemos que o fornecimento de cana-de-açúcar não é um contrato preliminar (pré-contrato ou pactum de contrahendo) com subsequentes contratos individuais de compra e venda, mas sim um contrato definitivo que envolve uma operação unitária sobre o aspecto econômico, ou seja, os atos de entrega periódica da cana-de-açúcar não são atos isolados nem independentes, mas sim atos de cumprimento de uma operação única e definitiva advinda do contrato de fornecimento. Em outras palavras, esses atos de entrega periódica da cana-de-açúcar não constituem uma atividade negocial diferente, mas simplesmente momentos de realização do contrato definitivo. Nesse contexto, entendemos que a estrutura contratual do fornecimento de cana-de-açúcar envolve uma compra e venda global da cana-de-açúcar das safras futuras, com efeitos obrigatórios para ambas as partes contratantes. Enquanto contrato definitivo, a entrega da cana-de-açúcar em cada safra, durante a vigência do contrato de fornecimento, não depende de um novo ato negocial a ser formalizado entre o fornecedor e a indústria sucroenergética.
Sob o aspecto funcional, o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar busca a estabilização da relação contratual tanto para o fornecedor quanto para indústria
sucroenergética, na medida em que esta acaba tendo a garantia de suprimento de cana- de-açúcar e aquela garantia de compra da matéria-prima que produziu.
Classificamos o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar como consensual, bilateral (e não unilateral), oneroso (e não gratuito), comutativo (e não aleatório), não solene ou não formal (sendo aconselhável a forma escrita), de adesão (contrato padrão), atípico (sob o aspecto legal e típico sob o aspecto social), de trato sucessivo ou execução continuada, intuito personae, interempresarial, agrícola-mercantil ou agroindustrial, nominado (possui um nomen iuris), exclusividade, colaboração (associação ou colaborativos).
Entendemos que o contrato de fornecimento traz a compra e venda em sua essência, porém, não se resume apenas a ela. Percebemos que o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar é mais complexo que uma simples venda e compra de matéria-prima. A nosso entender, o contrato de fornecimento de cana traz uma obrigação de dar e também uma obrigação de fazer. O fornecedor assume a obrigação de cultivar a cana-de-açúcar segundo os padrões técnicos determinados pela indústria do setor sucroenergético (obrigação de fazer) e de entregar essa matéria- prima anualmente (obrigação de dar).
Ademais, diferentemente do que ocorre nos contratos de arrendamento rural e parceria agrícola, no contrato de fornecimento de cana-de-açúcar não há cessão de uso do imóvel rural para a indústria do setor sucroenergético efetuar o cultivo. O fornecedor é quem irá plantar e cultivar a cana-de-açúcar a ser entregue à indústria do setor sucroenergético. O arrendamento rural e a parceria agrícola são contratos típicos, cujas obrigações das partes estão previstas em lei (Estatuto da Terra), enquanto o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar é atípico, não legislado. O proprietário do imóvel rural não assume o risco do negócio agrícola no contrato de arrendamento, muito embora ele acabe dele participando no contrato de parceria agrícola e no contrato de fornecimento de cana-de-açúcar.
Entendemos também que o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar não se confunde com contrato de locação de obra ou contrato de prestação de serviços. A prestação de serviços envolvendo o cultivo da cana-de-açúcar na área do fornecedor, entendida como obrigação de fazer, é acessória da obrigação principal, que é de dar, ou seja, de entregar a cana-de-açúcar nos prazos estipulados em contrato.
Apesar de algumas semelhanças, o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar também se diferencia do contrato de distribuição, pois naquele o objeto é matéria-prima e neste bens de capital ou consumo, sem contar que a função econômica na distribuição é a colocação do bem junto ao público adquirente enquanto no contrato de fornecimento é a ligação da matéria-prima ou do insumo ao industrial.
Enfim, a nosso entender, o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar é uma compra e venda complexa, que envolve não apenas a entrega dessa matéria-prima na data ajustada (obrigação de dar), mas também uma prestação continuada quanto ao seu cultivo (obrigação de fazer), características essas que resultam em provisionamento da matéria-prima e respectiva estabilização da necessidade da indústria sucroenergética.
Entendemos que a escolha do contrato de fornecimento em vez de outro modelo de suprimento de cana-de-açúcar é determinada por diversos fatores que não única e exclusivamente a vontade do empresário da indústria sucroenergética, tais como fatores regionais (região de produtores rurais que exigem participar do cultivo), legais (leis que exigem EIA/RIMA, volume de suprimento de cana via fornecedor), políticos (política de governo, decisões sindicais etc), dentre outros.
Por não existir uma lei específica regulamentando o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar no Brasil e considerando a natureza complexa dessa relação contratual, conforme já analisado anteriormente, não raras vezes os Auditores Fiscais do Ministério do Trabalho, os Procuradores do Ministério Público do Trabalho e a própria Justiça do Trabalho têm entendido que esse tipo contratual seria uma forma encontrada pela indústria sucroenergética para terceirizar a sua atividade fim (cultivo da cana-de- açúcar), o que implicaria em precarização das condições de trabalho do empregado no campo.
Adotando-se o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar, os trabalhadores rurais são contratados por conta e risco dos fornecedores, de modo que não mais mantêm vínculo empregatício direto com o empresário da indústria sucroenergética. Vale dizer, o empresário da indústria sucroenergética continua assegurando para si o fornecimento de toda a cana-de-açúcar produzida na região sem, no entanto, arcar com os ônus trabalhistas inerentes à mão-de-obra engajada no plantio e no trato cultural dessa matéria-prima. Assim, o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar, sob uma análise equivocada, pode ser entendido como instrumento de fraude ao trabalhador rural
na medida em que objetiva resultar a isenção de responsabilidade dos empresários da indústria sucroenergética com relação aos direitos trabalhistas dos rurícolas que laboram na produção da matéria-prima por eles adquiridas. Ademais, a substituição de um sujeito mais forte financeira e economicamente falando por um mais frágil acabará, com o passar do tempo, reduzindo ou eliminando os benefícios e garantias que os sindicatos rurais conseguiram para os seus empregados junto ao empresário do setor sucroenergético.
Contudo, entendemos que a terceirização apta a ensejar responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, é a que se dá mediante a contratação de trabalhadores por empresa interposta. Pressupõe, portanto, que o objeto de contratação entre as empresas seja a impropriamente denominada locação de mão-de-obra, o que não se verifica com o contrato fornecimento de cana-de-açúcar, de natureza híbrida, em que há, a um só tempo, fornecimento de bens (obrigação principal) e prestação de serviços de cultivo (obrigação acessória). A nosso entender, as atividades do fornecedor de cana-de-açúcar desenvolvem-se de forma independente, já que proprietários ou possuidores da terra a cultivar, dos tratores, máquinas e demais implementos agrícolas, enfim, do capital necessário para o cultivo da cana-de-açúcar. A indústria sucroenergética apenas auxilia nas técnicas agrícolas que levem a melhor qualidade e maior quantidade da cana-de-açúcar a ser produzida pelo fornecedor. Pensar de forma diferente, também os fornecedores de matéria-prima haveriam de ser responsabilizados, em uma cadeia infindável de responsabilizações, numa espécie de dízima periódica que se estenderia ao infinito.
Enfim, entendemos que o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar traz certas semelhanças ao contrato de facção, que não é dito pelo Tribunal Superior do Trabalho como um contrato de terceirização de serviços e, por consequência, não é aplicada a responsabilidade subsidiária da indústria sucroenergética, prevista no item IV da Súmula 331.
Em sentido amplo, poder-se-ia admitir a caracterização de um grupo econômico de fato entre o fornecedor de cana-de-açúcar e a usina compradora dessa matéria-prima. Podemos entender que os fornecedores de cana-de-açúcar e as usinas exercem, isoladamente, empresas originárias que, conectadas em rede, dão vida a uma empresa derivada, da qual são eles partícipes. As empresas originárias são estruturais, enquanto
as derivadas são superestruturais. A caracterização da empresa derivada superestrutural decorre: a) reunião de ativos das empresas originárias (terra, máquinas, insumos agrícolas, recursos etc); b) comunicação dos resultados da empresa derivada para as empresas originárias (quanto maior o volume e melhor a qualidade da cana-de-açúcar, maior o benefício do fornecedor e da usina); c) coordenação técnica e operacional entre as empresas originárias (a usina exerce essa coordenação sobre os seus fornecedores).
Assim, poder-se-ia cogitar da solidariedade trabalhista entre as empresas que compõe o mesmo grupo econômico de fato, no caso o fornecedor de cana e a indústria sucroenergética, em função do disposto no artigo 2º, § 2º, da CLT, e o artigo 3º, § 2º, da Lei nº 5.889/1973 (Lei do Trabalho Rural). Contudo, a nosso entender, os fornecedores de cana não estão sob a direção, controle ou administração da indústria sucroenergética, pelo contrário, possuem autonomia para desenvolver a empresa agrícola, utilizando-se muitos vezes do seu capital e mão-de-obra própria para desenvolver outras culturas agrícolas que não apenas a cana-de-açúcar. Pensar de forma diferente, ter-se-ia também que admitir a solidariedade trabalhista entre o fornecedor e a indústria que adquire sua soja, seu milho, seu sorgo, centre outras matérias-primas agrícolas. Ademais, a nosso entender, a solidariedade poderia ser aplicada de forma ampla quando o fornecedor efetivamente não paga o salário aos seus empregados, quando ele estiver em estado de insolvência, enfim, quando houver manifesta violação aos direitos dos seus empregados e não mera presunção pautada em algumas irregularidades que possam ser encontradas.
Não discordamos que a busca incessante da melhoria das condições de trabalho no campo deve ser incentivada, como também que a adoção de um padrão mínimo homogêneo de direitos e garantias para os trabalhadores de uma mesma cadeia produtiva é desejada. Porém, entendemos equivocada a tentativa de se valer da teoria do domínio do fato para a responsabilização trabalhista objetiva da indústria sucroenergética com relação aos empregados do seu fornecedor de cana. Por comandar a cadeia de produção da cana-de-açúcar a ser por ele industrializada (posição dominante no chamado aparato organizado de poder), o empresário da indústria sucroenergética que adotasse o contrato de fornecimento assumiria a responsabilidade objetiva e solidária das obrigações trabalhistas relacionadas aos empregados do seu fornecedor de cana. Primeiramente, entendemos que essa teoria tem aplicação restrita ao Direito Penal, não podendo de aplicada de forma extensiva, em função de suas características
peculiares, a outras áreas do direito para ampliação de condenações de outra natureza que não a criminal. Ademais, a aplicação da teoria do domínio do fato na seara trabalhista, inclusive no caso envolvendo a indústria sucroenergética e seu fornecedor de cana, seria a adoção da responsabilidade objetiva de todos os agentes de uma cadeia produtiva, sem expressa previsão legal.
Por fim, entendemos que determinados fatores podem contribuir para mitigar o risco trabalhista decorrente do contrato de fornecimento de cana-de-açúcar: a) quanto menor a ingerência da indústria sucroenergética na atividade de plantio, tratos culturais e corte da cana-de-açúcar do fornecedor, menor o risco trabalhista, ou seja, o risco dela assumir a responsabilidade subsidiária ou solidária dos empregados do seu fornecedor de cana; logo, quanto mais estruturado se apresentar o fornecedor de cana-de-açúcar sob o aspecto organizacional, agrícola, operacional e financeiro, a responsabilidade trabalhista da indústria sucroenergética compradora da cana-de-açúcar restará reduzida;
b) que o fornecedor detenha os meios de produção da cana-de-açúcar, isto é, seja proprietário das terras, máquinas, tratores, equipamentos agrícolas, insumos utilizados no cultivo da cana-de-açúcar, enfim, que tenha capacidade econômica e financeira para responder pelo eventual passivo trabalhista decorrente dos empregados que contratou para o cultivo da cana-de-açúcar; c) que o fornecedor possua grandes áreas de cultivo da cana-de-açúcar, pois o contrato de fornecimento de cana-de-açúcar, em função dos custos envolvidos, mostra-se incompatível com pequenas áreas, a menos que os pequenos fornecedores se reúnam num condomínio agrícola ou numa associação; d) dentro do possível, a não adoção da cláusula de exclusividade no fornecimento de cana- de-açúcar.
A despeito desses fatores de mitigação do risco, dentre outros que possam ser adotados, entendemos que os riscos trabalhistas continuarão para o empresário do setor sucroenergético, enquanto não existir uma marco regulatório mais preciso para questões nesta natureza. A nosso entender, a aprovação do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 4.330/2004, que disciplina a terceirização, e do Projeto de Lei do Senado nº 330/2011, que trata dos contratos de integração vertical nas atividades agrosilvopastoris, poderá contribuir para reduzir as incertezas e os riscos advindos da responsabilização trabalhista na cadeia produtiva.
5. Bibliografia
XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado – Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 000, x. 000-000, xxx. 1998.
XXXXXX, Xxxxxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de parceria rural. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Campinas: Servanda, 2008.
XXXXXX, Xxxxxxxx. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. Barueri: Manole, 2007, p. 250-251.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx>. BRASIL. Senado Federal. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx>.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/>.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Justiça Federal de São Paulo. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxx-xxxxxxxx/>.
XXXXXXXXX, Xxxxxx. Manual do direito do agronegócio. São Paulo: Saraiva, 2013. BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 10 ed. São Paulo: Atlas, 1998.
XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Metodologia do direito. Tradução Xxxxxxxxx X. Pachoal. 3. ed. Campinas: Bookseller, 2005, p. 52.
XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Manual didático de direito agrário. Curitiba: Juruá, 2010.
XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxxx. Setor sucroenergético e sua adequada regulação: sustentabilidade x viabilidade econômica. Curitiba: 2012.
. XXXXX, Xxxxxx Xxxx. Vetor de desenvolvimento. Revista Agronalysis, São Paulo, p. 14-15, jul. 2013.
XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxx. Contratos agrários: uma visão neo-agrarista.
Curitiba: Juruá, 2008.
XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de direito comercial: direito de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, 3 v.
XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Contribuição ao Programa de Assistência Social (PAS).
Parecer emitido a pedido da UNICA. São Paulo, 1 jul. 2011.
XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo, SP: Saraiva, 1995. 3 v.
XXXXXX, Xxxx X. Contratos comerciales modernos. 3. ed. Buenos Aires: Astrea, 2005, 1 v.
XXXXXX XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Grupo de fato: da legislação societária e concorrencial à legislação trabalhista. In: XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Temas essenciais de direito empresarial: estudos em homenagem a Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 370.
XXXXXXX, Xxxxxx. Contratos agrários: aspectos polêmicos. São Paulo: Saraiva, 2009.
XXXXXXX, Xxxxx. Formação Econômica do Brasil. 16. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1979.
XXXXXXXX, Xxxxx X. Contrato de distribuição. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
. Teoria geral dos contratos empresariais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
XXXXXX XXXX, Xxxxxxx. Contratos agroindustriais e a regulamentação legal da produção de biocombustíveis. In: XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx; SAES, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx (org.). Ensaios sobre os biocombustíveis. São Paulo: Annablume, 2010, 2 v., p. 81-100.
XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
XXXXXXXX, Xxxxxxxx. O direito da agro-indústria açucareira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971.
XXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx. Problemas econômicos e sociais da lavoura canavieira. São Paulo: Pimenta de Melo, 1941.
MARQUES, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Direito agrário brasileiro. 6. ed. Goiânia: AB, 2005.
XXXXXXX, Xxxx. Contratos e obrigações comerciais. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
MEDEIROS NETO, Xxxxx Xxxxxxx de. Aspectos polêmicos do agronegócio: uma visão através do contencioso. São Paulo: Xxxxxx Xxxxx, 2013.
MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, 1947, v. 6.
XXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Manual de Derecho Civil y Comercial. Buenos Aires: 1971, 5 v.
XXXXXXX, Xxxxxx de. Parceria agrícola. In: . Tratado de direito privado: parte especial. Atualizado por Xxxxx Xxxxxxx. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 311-327, 45 t.
XXXXXXXX, Xxxxxxx X. Suministro. In: ETCHEVERRY, Xxxx Xxxxxx. Derecho Comercial y Económico: Contratos. Buenos Aires: Astrea, 1995, p. 155-174.
XXXXX, Xxxxxx Xxxx; XXXXX X XXXXXX, Xxxxxxx (Orgs.). Agricultura integrada: inserindo pequenos produtores de maneira sustentável em modernas cadeias produtivas. São Paulo: Atlas, 2010.
XXXXX, Xxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Terceirizando a produção: o caso Zilor em cana-de-açúcar. In: XXXXX, Xxxxxx Xxxx; XXXXX X XXXXXX, Xxxxxxx (Org.). Agricultura integrada: inserindo pequenos produtores de maneira sustentável em modernas cadeias produtivas. São Paulo: Atlas, 2010, p. 83-92.
; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxxx. Vetor de desenvolvimento. Revista Agronalysis, São Paulo, p. 14-15, jul. 2013.
XXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx X. X. Contratos no direito agrário. 5. ed. Porto Alegre: Síntese, 2000.
XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxx. Contribuição ao Programa de Assistência Social (PAS). Parecer emitido a pedido da UNICA. São Paulo, 2011.
REZENDE, G. C.; XXXXXX, X. A agricultura brasileira na década de 80:
crescimento numa economia em crise. Rio de Janeiro: IPEA, 1993.
RIPOLI, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Biomassa de cana-de-açúcar: colheita, energia e ambiente. 2. ed. Piracicaba: Esalq, 2007.
XXXXX, Xxxxxxxx. El contrato. Lima: Gaceta Jurídica, 2009.
XXXXX, Xxxxx. Autoria y domínio del hecho. Tradução da sétima edição alemã por Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Madri-Barcelona: Xxxxxxx Xxxx, 2000.
XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxx. Remuneração da tonelada de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. Informações Econômicas, SP, v.37, n.2, p. 55-66, fev. 2007.
XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Teoria geral do estabelecimento agrário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
; XXXXXXXX, Xxxxxx; SAES, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx (Orgs.). Ensaios sobre os biocombustíveis. São Paulo: Annablume, 2010, 2 v.
SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil. 2. ed. São Paulo: 1944, 1 v.
XXXXXXXX, Xxxxxxx X. Concepto y función del contrato de suministro, LL, 1989-A- 1074.
TRENTINI, Flávia. Teoria geral do direito agrário contemporâneo. São Paulo: Atlas, 2012.
; XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx; XXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx (Orgs.). Ensaios sobre os biocombustíveis. São Paulo: Annablume, 2010, 2 v.
XXXXXX, Xxxxxxx. Tratado Elementar de Direito Comercial. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1922, 1 v.
XXXX, Xxxxxxx. Obrigações e contratos. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.