O FENÔMENO DA PEJOTIZAÇÃO E A POSSIBILIDADE DE FRAUDE ÀS RELAÇÕES DE TRABALHO
O FENÔMENO DA PEJOTIZAÇÃO E A POSSIBILIDADE DE FRAUDE ÀS RELAÇÕES DE TRABALHO
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxx0 Profº Orientador. Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx
Resumo: O presente artigo tem como principal objetivo analisar as principais finalidades da chamada pejotização nas relações de trabalho frente a reforma trabalhista prevista na Lei n.º 13.467/17. A pejotização, modalidade de contratação que consiste em contratar uma pessoa física como se jurídica fosse, tornou-se mais corriqueira, trazendo à tona possibilidades de fraude às relações de trabalho, tendo em vista que o empregador se vê isento de cumprir as obrigações acessórias do contrato de trabalho e infringindo garantias constitucionais e infraconstitucionais. Por conseguinte, mediante análise de princípios, garantias e direitos trabalhistas, assim como dos pressupostos essenciais da relação de labor, infere-se que o fenômeno da pejotização opera como meio de fraudar obrigações, garantias e direitos laborais.
Palavras-chave: Pejotização. Relações de Trabalho. Reforma Trabalhista.
Abstract: The main objective of this article is to analyze the main purposes of the so-called pejotization in labor relations in the face of the labor reform provided for in Law n.º 13.467/17. Pejotization, a type of contract that consists of hiring an indidual as if it were a legal entity, has become more commonplace, bringing up possibilities of fraud in labor relations, given that the employer is exempt from complying with the accessory obligations of the employment contract and violatinh constitucional and infra-constitucional guarantees. Therefore, by analyzing princliples, guarantees and labor rights, as well as the essential assumptions of the labor relationship, it is inferred that the phenomenon of pejotization operates as a means of defrauding obligations, guarantees and labor rights.
Keywords: Pejotization. Work Relationship. Labor Reform.
1 Acadêmica do curso de Direito da Universidade São Judas Tadeu da Rede Ânima Educação. E-mail: xxxxxxxxxxxxxx@xxxxx.xxx. Artigo apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de Graduação em Direito da Universidade São Judas Tadeu da Rede Ânima Educação. 2022. Orientador: Profº Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx,
1 INTRODUÇÃO
Com a Reforma Trabalhista, Lei n.º 13.467/17, o advento da pejotização ganhou certa relevância ante as questões acerca da terceirização pois, através desse instituto, os empregadores passaram a ter mais autonomia para realizar a contratação de quaisquer serviços terceirizados, favorecendo assim o cenário de contratação de pessoas físicas como se jurídicas fossem, sem que sejam adquiridas as obrigações acessórias do contrato de labor, visto que esse tipo de relação entre as partes não caracteriza vínculo empregatício.
De acordo com Xxxxx Xxxxxxx (2013) a alternativa para superação da crise que a chamada pejotização criou deve ser firmada a fim de manter os direitos trabalhistas para proteger os direitos laborais dos Obreiros que ficam em desvantagem nas relações empregatícias, ainda, a flexibilização dos direitos dos trabalhadores deve ser repugnada, assim como a criação de legislação específica, que estaria legitimando a fraude aos direitos trabalhistas daqueles que tão só são empregados.
A chamada pejotização equivale a contratação de uma pessoa física como se jurídica fosse, em grande parte como Microempreendedor Individual (MEI), através de contratos de prestação de serviços. Esse fenômeno possui certos fundamentos que lhe dão aparência de legalidade, no entanto, é necessário explorar e ponderar quais as vantagens e desvantagens desse instituto para o obreiro em razão da fragilização dos direitos trabalhistas.
O estudo em comento fora confeccionado com uso de doutrinas, análises documentais e de jurisprudências, assim como uso da legislação pátria. No que tange aos fins, trata-se de pesquisa descritiva do tipo qualitativa.
Em continuidade, o presente artigo tem por objetivo levantar, primeiramente, os direitos e garantias fundamentais, posteriormente os pressupostos necessários para distinção entre as relações de emprego e trabalho, em seguida a legalidade do instituto da pejotização e suas vantagens e desvantagens, assim como demonstração das categorias mais afetadas pela ocorrência do fenômeno e por fim, a incidência da precarização nas relações laborais.
1.1 DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Em primeira instância, é de grande valia que se analise os direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores observando também os direitos humanos, isso porque é necessário traçar uma espécie de linha conceitual para prosseguirmos com o tema da
inviabilidade da pejotização decorrente da precarização do trabalho nesta modalidade de contratação.
Quanto aos direitos fundamentais, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx (2001) esclarece que essa é a expressão mais adequada para o estudo da pejotização, pois é reservada para designar, em nível do direito positivo, as prerrogativas e instituições que concretizam em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.
Assim, é possível observar que os direitos e garantias fundamentais integram também o âmago básico do Direito Trabalhista, inclusive quando considerarmos os pressupostos para caracterização da relação de labor. Desta forma, a constitucionalização do Direito do Trabalho é uma forma de assegurar a dignidade humana nos liames trabalhistas.
Segundo Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx (2009), os direitos e garantias fundamentais nas relações de trabalho possuem como fundamento a necessidade de garantia de um mínimo ético que deve ser preservado nos ordenamentos jurídicos e nas relações de trabalho como forma de organização jurídico-moral da sociedade quanto à vida, saúde, integridade física, personalidade e demais bens jurídicos valiosos para a defesa da liberdade e integração dos trabalhadores na sociedade.
Ante o exposto, fica claro que a correta aplicação dos direitos e das garantias fundamentais no âmbito trabalhista favorecem a melhoria, em diversos campos, das condições do trabalhador, e como consequência, o Estado se vê no encargo de asseverar os dispositivos legais visando a melhoria do esmero e o empregador a focar a energia de trabalho baseando-se na dignidade humana do Obreiro e por fim, o trabalhador se vê amparado a requisitar melhores e dignas condições de trabalho.
1.2 ELEMENTOS DE CONFIGURAÇÃO DE EMPREGO E TRABALHO
A fim de falarmos do fenômeno da pejotização é de suma importância diferenciar a relação de trabalho e de emprego, assim como os pressupostos para caracterização de cada umas dessas relações.
À partida, é necessário entender que, tanto às relações de emprego quanto às relações de trabalho, presumem a participação de ao menos duas partes e uma norma jurídica qualificadora, gerando, consequentemente, um vínculo com direitos e obrigações recíprocos.
Quando se trata de relação de trabalho, fala-se de um termo mais abrangedor, no sentido que qualquer prestação de serviços por uma pessoa física em favor de outra, seja física ou jurídica, já caracteriza uma relação de trabalho.
Em contrapartida, a relação de emprego é mais específica, sendo necessário que os serviços sejam prestados sob determinadas condições, justificando assim a aplicação das normas trabalhistas que visam proteger o trabalhador. Dessa forma fica claro que nem todos os trabalhadores possuem uma relação de emprego.
Ainda, parte da doutrina acredita que a expressão “relação de trabalho” é incorreta, visto defenderem que a relação de trabalho abrange quaisquer relações de prestação de serviços, inclusive o não subordinado e a relação de emprego caracteriza a relação entre as partes (empregador e empregador assalariado) e subordinado.
Neste tema, Xxxxxx Xxxxxxx (1993) sustenta que o contrato de representação comercial se situa no plano de colaboração na realização de negócio jurídico, acarretando remuneração de conformidade com o seu resultado útil.
1.3 DA RELAÇÃO DE TRABALHO
Quando se fala de relação de trabalho, trata-se de vínculo jurídico, qualquer que seja, entre uma pessoa física/natural que presta serviços e/ou obras a outra pessoa em troca do pagamento de uma contraprestação.
O doutrinador Xxxx Xxxxx Xxxxxx (2008), relação de trabalho é uma espécie do gênero das relações jurídicas obrigacionais, em específicos daquelas que derivam de um negócio jurídico (contrato e declaração unilateral de vontade) e um dos contratantes obriga-se a fazer (executar) determinado serviço.
Ainda, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (2009) sustenta que a expressão “relação de trabalho” possui um caráter genérico, tendo em vista se referirem à todas as relações jurídicas determinadas especialmente por uma obrigação de fazer em consonância ao trabalho humano. A relação de trabalho pode ocorrer em diversos moldes, alguns como: autônomo, avulso, eventual, voluntário, estágio e até mesmo relação de labor subordinado (relação de emprego).
Cada uma dessas formas apresenta suas devidas características para determinação de seu molde da relação de trabalho.
1.4 DA RELAÇÃO DE EMPREGO
A relação de emprego, em contrapartida, é um contrato entre empregado e empregador para prestação de serviços mediante subordinação, habitualidade e salário/contraprestação, requisitos estes que são observados no artigo 3º da CLT2.
Em continuidade, existem requisitos necessários para a caracterização da relação de emprego, quais sejam: pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade, subordinação e alteridade, importa salientar que esses elementos são cumulativos, razão pela qual devem existir os 5 elementos. A prestação de serviços deverá ser realizada por uma pessoa física ou natural, tendo em vista que os bens tutelas pelo Direito do Trabalho são inerentes à pessoa física e não poderiam ser usufruídos pela pessoa jurídica, conforme entendimento de Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Ainda, as atividades deverão ser realizadas pessoalmente pelo próprio Xxxxxxx, em razão do caráter intuitu personae do contrato em relação ao empregado e devem ser realizadas de maneira não eventual, ou seja, de forma habitual, considerando que o Obreiro irá retornar no dia seguinte (conforme o pactuado em contrato) para o labor.
Além destes, a relação empregatícia presume a contraprestação pelos serviços prestados ao empregador, caracterizando a onerosidade. Ainda, o empregado será subordinado. A legislação brasileira sustenta que o contrato individual de labor tem a possibilidade de ser um acordo tácito ou expresso que corresponde à relação empregatícia. Ainda, as partes possuem autonomia para estipular os termos contratuais para o labor, no entanto, não deve contrapor os dispositivos legais de proteção trabalhista, as convenções coletivas e às decisões dos órgãos competentes.
1.5 DA PEJOTIZAÇÃO
O fenômeno da pejotização é caracterizado pela contratação de uma pessoa física, como se jurídica fosse, para prestação de serviços.
Tal fenômeno se tornou equivocadamente viável a partir da Lei n.º 11.196/2005, especificamente em seu artigo 129 3, assim, ante a possibilidade legal de tal prática, os empregadores passaram a contratar a prestação de serviços intelectuais, com a fachada de
2 Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário
3 Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados de sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei n.
10.406 de janeiro de 2002 – Código Civil.
pessoa jurídica, não gerando relação de emprego e infringindo os princípios do Direito do Trabalho.
Ocorre que essa modalidade de contratação tem se estendido a outros tipos de trabalhadores, deixando de ser um fenômeno exclusivamente para trabalhadores intelectuais. Conforme entende Filho (2019, p. 17), esse fenômeno se caracteriza pela exigência dos empregadores para que seus empregados, agora meros prestadores de serviços, constituam pessoas jurídicas para que possam continuar prestando seus serviços em prol dos tomadores. Em continuidade, sustenta ainda que não apenas a legislação trabalhista é fraudada pela modalidade em comento, mas também há fraudação às legislações previdenciárias e tributárias. A pejotização alcança diversas profissões, não se limitando as profissões intelectuais,
como entendido legalmente, nesse sentido, Resende (2020, p. 262) sustenta:
Tal prática é extremamente comum no cotidiano de algumas profissões, notadamente ligadas à área de tecnologia da informação e saúde, não raro praticamente elimine a oferta de empregos nestes setores. Assim, por exemplo, ao contratar um analista programador, a empresa contratante condiciona a contratação à abertura, pelo trabalhador, de empresa de prestação de serviços, de maneira que, firmando contrato a empresa prestadora de serviços, e não como pessoa física, a tomadora esteja isenta das obrigações trabalhistas e dos encargos sociais respectivos.
Para Reale (1997), as exigências da economia preconizam o triunfo do mercado e impõem a flexibilização das condições de trabalho, como condição para a redução de custos da empresa, o mesmo entendimento é preconizado por Xxxxxxxx (2020, p. 106):
“O mesmo acontece quando o empregado e empregador, de comum acordo, criam uma aparência de prestação de serviços via pessoa jurídica (pejotização) especialmente empreendida com o objetivo de diminuir a incidência de tributação.”
Neste sentido, importa compreender os motivos dos empregados se subjugarem a tais condições da pejotização, visto que seus direitos são minimizados.
Diferente do trabalhador autônomo que possui liberdade para laborar em suas atividades, podendo ter um CNPJ e emitir notas fiscais, por exemplo, o trabalhador pejotizado não se submete a essa modalidade para possuir essa liberdade, mas sim para manter sua contraprestação pelos serviços prestados, a fim de assegurar condições para sua subsistência, conforme entende Filho (2019, p. 18). Ante esse exposto, entende-se que o Obreiro apenas faz o necessário para sua sobrevivência, se sujeitando a regimes que negligenciam seus direitos e a condições inseguras de trabalho.
Xxxxxxxx, ainda, que o empregado é figura hipossuficiente na relação de labor, ficando ele vulnerável a tomada de decisões, visto que sua vontade fidedigna é irrisória.
Ainda, visto que pejotização não se limita apenas aos trabalhos intelectuais, o fenômeno preocupa também os sindicatos dos trabalhadores, pois acreditam que a pejotização dificulta o movimento sindical, tendo em vista que aquele trabalhador não se sindicalizará, nem fará parte de uma classe, além de não poder recorrer ao sindicato para reivindicar seus direitos.
Mesmo que a Lei n.º 11.196/2005 dê fundamento legal para o referido fenômeno, ressalvando que o dispositivo presume a contratação de profissionais intelectuais por meio de pessoa jurídica, nem sempre apenas os profissionais intelectuais usufruem desse tipo de contratação, situações que se tornaram preocupantes e assim com o intuito de estudar, inibir e combater práticas inautênticas/fraudulentas, o Ministério Público do Trabalho criou a Conafret (Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho) através da portaria n.º 386 em 30 de setembro de 2003.
A Conafret busca encontrar procedimentos que auxiliem a fiscalização da pejotização em suas múltiplas facetas.
Muito se questiona acerca da atuação do Ministério do Trabalho e Emprego frente ao fenômeno da pejotização, o órgão em questão possui como parte de suas atribuições, serem defensores do direito administrativo e promotores do direito do trabalho através de fiscalização, sendo responsáveis pelo policiamento da pejotização na esfera trabalhista.
Em suma, a pejotização ganhou forças através da equivocada interpretação do artigo 129 da Lei n.º 11.196/2005, tendo em vista que a prestação de serviços deveria ocorrer de forma eventual, sem subordinação, dando ao prestador de serviços autonomia para realização de suas atividades.
2 PRINCÍPIOS E DIREITOS TRABALHISTAS
Resende (2020, p. 19) explica que o Direito do Trabalho surgiu a fim de reduzir a desigualdade existente entre empregado e empregador, a partir disso entende-se que a finalidade do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador, visto que esse é o elo mais frágil da relação trabalhista.
Segundo Resende (2020, p. 19), os princípios estão ligados aos valores que o Direito visa realizar, servindo como fundamento e sendo responsáveis pela gênese de grande parte das regras que consequentemente devem ter sua interpretação e aplicação condicionadas por aqueles princípios.
O advento da pejotização traz junto a si uma série de lesões aos trabalhadores, ferindo direitos fundamentais, princípios trabalhistas e constitucionais, além da falsa promessa de que a referida modalidade é benéfica à todas as partes da relação contratual.
Ocorre que ao consentir em fazer a transição de pessoa física empregada para pessoa jurídica prestadora da serviços, o empregado, que anteriormente estava resguardado por seus direitos legalmente previstos, passa a não ser mais detentor de tais benefícios.
Nesse processo o Obreiro perde os direitos as seguintes verbas: 13º salário, férias acrescidas do terço constitucional, FGTS, piso salarial, adicionais, além é claro de perder o amparo da Consolidação das Lei Trabalhistas e eventualmente do sindicato de sua categoria.
Consoante a perda de direitos, um dos princípios afetados é o da dignidade humana, haja vista as condições precárias que o Obreiro assume a fim de manter o mínimo para sua subsistência. Além da grave lesão aos princípios também constitucionais da boa-fé e da razoabilidade.
Em contrapartida, um grande aliado dos trabalhadores é o princípio da primazia da realidade dos fatos consoante ao princípio da proteção, este último com subprincípios que auxiliam na proteção dos trabalhadores, quais sejam: norma mais favorável, condição mais benéfica e in dubio pro operário.
Conforme sustenta Resende (2020, p. 31), o princípio da primazia da realidade dos fatos é o trunfo da verdade real sobre a verdade formal, isso porque os fatos para o Direito do Trabalho sempre serão mais relevantes que os ajustes formais. Desta forma, se prioriza o que de fato ocorre, não ficando os fatos subjugados aos termos acordados em contrato. Esse princípio fora consolidado pelo artigo 09º da CLT4.
No âmbito do princípio da primazia da realidade dos fatos, Pereira (2013, 35) afirma
que:
A configuração do vínculo rege-se não pelo aspecto formal, mas pela realidade dos fatos em obediência ao princípio da primazia da realidade, que acarreta a descaracterização de uma relação civil de prestação de serviços, quando presentes os requisitos da relação de emprego.
Em continuidade, temos também o princípio da proteção que engloba outros três princípios, sendo que o objetivo principal é, de fato, proteger o trabalhador tendo em vista a sua hipossuficiência.
4 Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Resende (2020, p. 26) define o princípio da proteção como a aplicação do princípio da igualdade em seu aspecto substancial, segundo o qual igualdade é tratar de forma igual os iguais e de forma desigual os desiguais na medida de suas desigualdades.
Em geral, o Direito do Trabalho busca equilibrar a relação entre empregados e empregadores instituindo meios de proteger o elo mais frágil.
Ao falarmos dos subprincípios de proteção, encontramos o princípio da norma mais favorável preconizando que o critério hierárquico para aplicação das normas não precisa, necessariamente, ser seguido, haja vista que se houver duas ou mais normas passíveis de aplicação ao caso concreto, deve ser aplicada aquela mais benéfica ao empregado.
Quanto à condição mais benéfica, Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx (2016, p.123) discorre que:
(...) a condição mais benéfica se direciona a proteger situações pessoais mais vantajosas que se incorporam ao patrimônio do empregado, por força do próprio contrato, de forma expressa ou tácita consistente esta última em fornecimentos habituais de vantagens que não poderão ser retiradas, sob pena de violação do art. 468 da CLT5
No mesmo sentido, Saraiva (2009, p. 34), sustenta:
O princípio da condição mais benéfica determina que as condições mais vantajosas estipuladas no contrato de trabalho do obreiro, ou mesmo as constantes no regulamento da empresa, prevalecerão, independentemente da edição de norma superveniente dispondo sobre a mesma matéria, estabelecendo nível protetivo menor.
Por fim, o princípio do in dubio pro operário, similar ao entendimento dos princípios anteriores, este também traz consigo a intelecção do mais benéfico ao empregado.
Em análise ao fenômeno da pejotização sob a perspectiva dos princípios apresentados, nota-se que há prejuízos incontáveis quando um empregado pessoa física é contratado como se jurídica fosse, isso porque o Obreiro perde a proteção que diversos meios lhe oferecem, ficando a mercê de uma subordinação mascarada de condição mais benéfica.
Ante o equivocado entendimento do artigo 129 da Lei n.º 11.196/2005, os empregados se tornam partes lesadas da relação empregatícia sob uma falsa ideia de legalidade, isso porque o empregador se beneficia, haja vista a diminuição de encargos a serem pagos, da prática fraudulenta da pejotização.
Em continuidade, considera-se a pejotização prática inautêntica pois está em desacordo com o entendimento dos princípios norteadores do Direito do Trabalho e com o previsto no
5 Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
artigo 03º da CLT6, visto que o dispositivo legal determina os pressupostos para caracterização do empregado que são mantidos mesmo com a condição de pessoa jurídica, ficando assim estabelecida uma relação jurídica enganosa.
2.1 DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO
Em primeira instância é necessário compreender as razões pelas quais o trabalho é precarizado quando da ocorrência da pejotização. Isso porque existem diversos fatores contribuintes, considerando inclusive questões como a globalização e a tecnologia, iniciadas a partir da Revolução Industrial, acontecimento que foi um marco para o Direito do Trabalho. Neste ponto, é possível verificar o aumento da desigualdade e a alta procura dos empregados por trabalhos informais a fim de manter sua subsistência, neste sentido Pereira (2013, p. 24), entende:
A globalização da economia, e consequente aumento da competição, além da revolução tecnológica, determinaram um intendo processo de alteração de paradigmas. No âmbito da gestão empresarial, na ova política industrial trabalha com a ideia de reestruturação de setores sujeitos à condição de competitividade, que consiste em produzir mais com menos empregados.
Neste passo, também é verossímil a alta demanda dos empregadores em busca de maiores qualificações de seus empregados a fim de que o serviço prestado pela menor quantidade de empregados seja suficientemente sublime.
O fenômeno da pejotização traz à tona diversos pontos de importante discussão, no entanto, o principal deles, que engloba tantos outros, é a flexibilização dos direitos e a consequente desregulação deles.
Quando se fala acerca da flexibilização e desregulação de direitos sob a ótica da pejotização, entende-se que há uma tentativa de atenuar a austeridade e desfalcar as normas trabalhistas, respectivamente.
Neste sentido, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx (2009, p. 11-15), entende que:
Antes de se analisar o conceito de flexibilização, é possível dizer que se trata de uma reação aos padrões até então vigentes das legislações que estão em desacordo com a realidade, das legislações extremamente rígidas que não resolvem todos os problemas trabalhistas, principalmente diante das crises econômicas ou outras.
Na mesma percepção, Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx (1994), sustenta que:
6 Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
A flexibilidade do Direito do Trabalho consiste nas medidas ou procedimentos de natureza jurídica que têm a finalidade social e econômica de conferir às empresas a possibilidade de ajustar a sua produção, emprego e condições de trabalho às contingências rápidas ou contínuas do sistema econômico.
Interessante salientar que, conforme amplamente exposto, o Direito do Trabalho é uma ferramenta jurídica que visa proteger e resguardar os trabalhadores, razão pela qual, se entende não haver viabilidade na flexibilização, menos ainda na desregulação, dos direitos trabalhistas, isso porque o trabalhador fica desassistido.
No que concerne a desregulamentação, importa distinguir da flexibilização, isso se entende que a desregulamentação é o Estado quando se suprime quanto aos direitos trabalhistas, Xxxxxxxxxx (2005, p. 159) sustenta que a desregulamentação se refere ao direito coletivo de trabalho, não se aplicando ao direito individual, enquanto a flexibilização está ligada ao direito individual.
Na mesma perspectiva, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx (2006, p. 26-27), entende que:
Desregulamentar significa desprover de normas heterônomas as relações de trabalho. Na desregulamentação o Estado deixa de intervir na área trabalhista, não havendo limites na lei para questões trabalhistas, que ficam a cargo da negociação individual ou coletiva. Na desregulamentação a lei simplesmente deixa de existir. Na flexibilização, são alteradas as regras existentes, diminuindo a intervenção do Estado, porém garantindo um mínimo indispensável de proteção ao empregado, para que este possa sobreviver, sendo a proteção mínima necessária. A flexibilização é feita com a participação do sindicato. Em certos casos, porém, é permitida a negociação coletiva para modificar alguns direitos, como reduzir salários, reduzir e compensar jornada de trabalho, como ocorre nas crises econômicas.
O advento da pejotização traz diversos temas emblemáticos à tona, isso porque existe também a motivação da empresa para utilização de tal modalidade para contratação. Ainda que as desvantagens para os trabalhadores sejam evidentes, muitas empresas, principalmente durante o período pandémico mais crítico, tiveram que diminuir gastos, fazendo cortes de custos em diversas áreas e consequentemente a rescisão contratual de diversos trabalhadores, neste cenário, a pejotização se tornou uma opção para ambas as partes, tanto para empregados que necessitavam manter seus empregos, quanto para empregadores que, visando diminuir custos trabalhistas, previdenciários e tributários, passou a realizar a contratação de prestadores de serviços.
A flexibilização poderia ser objeto de utilização caso ambas as partes, empregado e empregador, estivessem de acordo, assim como se os interesses estivessem em consonância. No entanto, as vantagens da modalidade de pejotização estão quase que totalmente atribuídas ao empregador.
Ainda, importa salientar que ao se falar da flexibilização, não se trata do Direito do Trabalho especificamente, mas sim das condições de labor que são flexibilizadas e consequentemente precarizadas pelo advento da pejotização. Xxxxxxx (2013, p. 33) entende que o objetivo do Direito do trabalho não é ser flexível, mas melhorar as condições do trabalhador. Logo, não se pode falar em flexibilidade do Direito do Trabalho.
Quando o tema precarização do trabalho surge, se compreende por exemplo, a jornada extraordinária sem o respectivo pagamento, ofensas à princípios trabalhistas e constitucionais, desvinculação à normas como a Consolidação das Leis Trabalhistas.
A CLT prevê direitos fundamentais para o trabalhador celetista, sendo alguns deles: licença-maternidade, férias, 13º salário, FGTS, seguro-desemprego, entre outros diversos benefícios que são afastados quando da configuração de pessoa jurídica.
Ainda, as consequências da precarização são vistas, predominantemente, pela negligência do acompanhamento ao empregado, um exemplo é a falta do controle de jornada, que contribuem para a ocorrência de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, inclusive, o burnout.
Por fim, ante toda a situação apresentada pela pejotização, é possível verificar os mais diversos prejuízos trazidos pela modalidade.
2.2 DOS PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA PEJOTIZAÇÃO PARA O TRABALHADOR
A pejotização possuí duas perspectivas para o empregado, quais sejam: positiva e negativo. Isso porque mesmo que o fenômeno da modalidade em comento seja fraudulento as vistas do Direito do Trabalho, ele pode trazer mínimos benefícios para o empregado.
Neste sentido, Xxxxxxx (2013, p. 46), preconiza que:
Como argumentos favoráveis, e eles existem, embora cause estranheza esse raciocínio, partindo da premissa do estudo dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais temos: maior poder de barganha no valor da prestação dos serviços; valorização do profissional, tendo em vista a alta competitividade do mercado e a disputa das empresas pelos bons profissionais; com a redução da proteção trabalhista, as amarras são mitigadas, o que resulta em maiores possibilidade de troca de local de prestação de serviços ou a sua prestação simultânea em mais de um lugar e aumento das vagas de trabalho, em face da redução da carga trabalhista.
Ainda, no que concerne a perspectiva negativa da pejotização, o autor sustenta que:
Inexorável desrespeito aos princípios basilares do Direito do Trabalho, em especial ao princípio da proteção, gênese do estudo da ciência jurídica; ofensa aos direitos fundamentais trabalhistas, em especial à dignidade da pessoa do trabalhador; ofensa
à legislação trabalhista e social; precarização dos direitos trabalhistas; aviltamento da condição social do trabalhador; desregulamentação e flexibilização da proteção trabalhista e incremento do número de horas trabalhadas, tendo em vista a ausência de controle de jornada, que resulta em maior número de acidentes e doenças ocupacionais, bem como redução das horas dedicadas à família, aos amigos, ao lazer e aos estudos.
Ante todo o exposto, é possível concluir que, mesmo havendo pontos positivos, mínimos e irrisórios, os pontos negativos tiram mais de todos os direitos do empregado, inclusive de sua vida pessoal.
2.3 DO ALTO ÍNDICE DE DEMANDAS JUDICIAIS SOBRE O TEMA
Em consonância ao crescimento da pejotização, as demandas judiciais acerca da matéria também se fazem perceptíveis nas mais diversas áreas. As demandas seguem uma espécie de script, pleiteiam, em sua grande maioria, a nulidade e/ou descaracterização do regime de pejotização, com consequente reconhecimento de vínculo trabalhista, pretensões que costumam ser acolhidas pela Justiça Especializada do Trabalho.
O reconhecimento do vínculo empregatício é um dos fatores predominantes quando falamos sobre a pejotização, isso porque, conforme já exposto, os fatos são mais significativos do que o mero contrato que contempla a prestação de serviços entre as partes, e dentro do fator de reconhecimento de vínculo de emprego, a subordinação é o requisito mais perceptível.
Quanto a subordinação, Resende (2020, p. 262) esclarece:
Por sua vez, se estiverem presentes os requisitos caracterizadores da relação de emprego, notadamente a subordinação direta, estará configurada a fraude, mas isso ocorre com absolutamente todas as figuras. Em tese, portanto, cabe a pejotização nos contornos que deram à terceirização. (grifos nossos)
A classe dos professores de cursos preparatórios para o Exame da Ordem e para concursos, com o passar do tempo, sofreram com as modificações das formas de pagamento que seus empregadores disponibilizavam, entre todas essas mudanças, a pejotização veio à tona como uma das opções, fazendo com que os professores criassem uma pessoa jurídica para que pudessem emitir notas fiscais e assim receber os respectivos pagamentos pelo serviço prestado.
Assim, considerando que a tributação da pessoa jurídica pode ser considerada menor que a do empregado autônomo, o professor passa a ser PJ e emitir notas fiscais, inclusive eletrônicas, para prestação de seus serviços educacionais.
Outra categoria grandemente afetada pela pejotização é a classe médica7, que a exemplo da pesquisa de Xxxxx Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxxxx para seu mestrado, foram entrevistados 10 médicos de Salvador e os relatos foram unanimes, empregados obrigados a constituírem pessoas jurídicas como requisito para contratação, muito embora estes profissionais fossem subordinados, sem qualquer autonomia e com seus direitos trabalhistas ceifados.
Os Tribunais Regionais do Trabalho de todo o Brasil8 possuem jurisprudências pacificadas quanto ao tema, deferindo, em grande parte, o reconhecimento do vínculo trabalhista com a nulidade do regime de pejotização.
2.4 DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante todas as informações prestadas e ao objetivo do presente artigo de analisar as principais finalidades do fenômeno da pejotização, assim como a possibilidade de fraude às relações de trabalho e precarização dele, em consonância as referências bibliográficas utilizadas como forma de pesquisa, fora possível constatar os prejuízos sofridos pelo trabalhador.
Sendo possível também, constatar a necessidade de visualizar de forma clara e engenhosa a precarização sofrida com o fenômeno da pejotização e a situação de empregabilidade.
Não sendo justo, ainda, salientar apenas as condições negativas de tal fenômeno, pois condições positivas existem, mesmo que irrisórias.
Ao aderir a pejotização, o empregado renúncia inúmeros direitos, que são indisponíveis e por esse fato são tão valorosos. Com esse fenômeno, o valor do trabalho é minorado, o empregado fica exposto a vulnerabilidade sem o devido resguardo de seus direitos trabalhistas, previdenciários e tributários.
7 RO, 00107913220255010072, 07ª Turma, Relator Xxxx Xxxx Xxxxxx Xxxxxx, DEJT 01/12/2018 – VÍNCULO DE EMPREGO. MÉDICO. PEJOTIZAÇÃO. A celebração de contrato de prestação de serviços através do fenômeno da “pejotização”, com intuito de configurar um suposto trabalho autônomo, somente evidenciou a tentativa da reclamada de mascarar típica relação empregatícia, não restando outra alternativa a não ser declarar incidentalmente a nulidade do contrato de prestação de serviços estabelecido entre a reclamada e a pessoa jurídica da qual a reclamada é socia, com fulcro no art. 9º da CLT, reconhecendo-se a existência do vínculo de emprego entre as partes, na forma do art. 2º e 3º da Consolidação. (grifos nossos)
8 RO – 01002238120215010321, 02ª Turma, Relator Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxxx, DEJT 24/11/2021 – PEJOTIZAÇÃO. RELAÇÃO DE EMPREGO. CONFIGURAÇÃO. Para o desmascaramento da pejotização, assume relevante importância a análise do preenchimento, em especial, dos requisitos da pessoalidade e da subordinação, que se verificou nestes autos, pois o autor cumpria, com pessoalidade, atividades indispensáveis ao funcionamento da reclamada, acatando o poder de direção da empresa, integrando-se aos objetivos do empreendimento e inserindo-se em sua dinâmica, pacificando a existência de autêntica relação de emprego. (grifos nossos).
O trabalhador lutou durante anos para que lhe fossem concedidos os direitos supramencionados, além da agnição à sua condição de elo mais fraco nas relações de emprego, de hipossuficiência.
Ainda, conforme amplamente demonstrado, é possível descaracterizar a pejotização dos vínculos trabalhistas ante a existência dos pressupostos necessários para a caracterização de pessoa física empregada, ainda que a máscara fraudulenta da pejotização esteja presente.
Por fim, cumpre salientar que a pejotização menoriza os trabalhadores, mascara uma relação fraudulenta e se contradiz com os princípios, principalmente, trabalhistas e constitucionais, e com a legislação vigente.
REFERÊNCIAS
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