PROCEDIMENTO ARBITRAL CCI 24595/PFF
PROCEDIMENTO ARBITRAL CCI 24595/PFF
CORTE INTERNACIONAL DE ARBITRAGEM DA CCI
MANIFESTAÇÃO SOBRE A LIMINAR CONCEDIDA NO ÂMBITO DA MEDIDA CAUTELAR PRÉ-ARBITRAL DE N. 1014379-79.2019.4.01.3400
CONCEBRA – CONCESSIONÁRIA DAS RODOVIAS CENTRAIS DO BRASIL S.A.
(Requerente)
Vs.
AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES – ANTT
(Requerida)
TRIBUNAL ARBITRAL
Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx
SUMÁRIO
I – CONTEXTUALIZAÇÃO DO CASO 2
II - DA AUSÊNCIA DE PROBABILIDAE DO DIREITO (FUMUS BONI IURIS) 5
II.1 Crise econômica teria afetado o volume de tráfego na rodovia 6
II.2. Mudanças na política de crédito subsidiado dos bancos públicos; 8
II.3 Sentença proferida na ação ordinária nº 0012434-56.2017.4.02.5101 9
II.4 Atraso na emissão e transferência da Licença Ambiental de Instalação 12
II.5 Aumento do limite máximo de tolerância do peso bruto transmitido por eixo, em razão da
edição da Lei nº 13.103/2015 (“Lei dos Caminhoneiros”) 14
II.6 Edição da Instrução Normativa nº 1.731/2017, editada pela Receita Federal e que estabeleceu novas obrigações para as Concessionárias 15
II.7 Alteração da alíquota da CIDE-Combustíveis pelo Decreto nº 8.395/2015 16
II.8 Despesas com estudos e projetos para os contornos rodoviários de Goiânia e de Campo Florido, bem como com o viaduto viário de interligação ao aeroporto de Goiânia-GO 17
II.9 Aumento extraordinário do preço do CAP – Cimentos Asfálticos de Petróleo 18
II.10 Execução de condicionantes ambientais a cargo da ANTT, bem como restauração de segmentos do Sistema Rodoviário a cargo do DNIT 19
II.11 Da inexistência de omissão ou mora administrativa 20
III. DO PERICULUM IN MORA INVERSO 22
1. A AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES – ANTT, já qualificada como Requerida no procedimento arbitral em epígrafe, representada pelos membros da Advocacia-Geral da União infra-assinados, em obediência ao cronograma instituído na Ata de Missão, vem apresentar manifestação sobre o cabimento da revogação da liminar concedida no âmbito da Ação Cautelar Pré-Arbitral de n. 1014379-79.2019.4.01.3400, que tramitou perante a 3ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária do Distrito Federal, pelos fatos e fundamentos jurídicos colacionados a seguir:
2. Trata-se de procedimento arbitral instaurado com vistas à solução de controvérsias decorrentes do Contrato de Concessão relativo ao Edital nº 004/2013 (doc. R-01), que tem por objeto a exploração da infraestrutura e prestação de serviços atinentes ao Sistema Rodoviário da BR-060, BR-153 e BR-262-DF/GO/MG.
3. Sustenta o requerente ter havido uma série de eventos causadores de desequilíbrio do contrato, sem que a Agência tivesse tomado as providências cabíveis para o consequente restabelecimento da equação econômico-financeira.
4. Assim, antes mesmo da formulação de requerimento de arbitragem, propôs a ação cautelar pré-arbitral nº 1014379-79.2019.4.01.3400, que tramita perante a 3ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária do Distrito Federal. Na petição inicial (doc. R-06), listou como eventos causadores de desequilíbrio:
a) crise econômica que afetou o volume de tráfego na rodovia;
b) mudanças na política de crédito subsidiado dos bancos públicos;
c) atraso na emissão e transferência da Licença Ambiental de Instalação;
d) aumento do limite máximo de tolerância do peso bruto transmitido por eixo, em razão da edição da Lei nº 13.103/2015 (“Lei dos Caminhoneiros”);
e) edição da Instrução Normativa nº 1.731/2017, editada pela Receita Federal e que estabeleceu novas obrigações para as Concessionárias;
f) alteração da alíquota da CIDE-Combustíveis pelo Decreto nº 8.395/2015;
g) despesas com estudos e projetos para os contornos rodoviários de Goiânia e de Campo Florido, bem como com o xxxxxxx xxxxxx xx xxxxxxxxxxxx xx xxxxxxxxx xx Xxxxxxx-XX;
h) aumento extraordinário do preço do CAP – Cimentos Asfálticos de Petróleo;
i) execução de condicionantes ambientais a cargo da ANTT, bem como restauração de segmentos do Sistema Rodoviário a cargo do DNIT.
5. Alega ainda que, ao ser obrigada a executar um contrato manifestamente desequilibrado, acabará por não cumprir com as obrigações pactuadas e será duramente apenado pela ANTT, inclusive, com possibilidade de sofrer processo administrativo sancionador passível de aplicação da pena máxima de caducidade da concessão.
6. O juízo da 3º Vara Federal Cível da Subseção Judiciária do Distrito Federal deferiu a medida liminar (doc. R-07), basicamente se atendo à suposta alteração da política de fomento dos bancos públicos. Consta da tutela de urgência o seguinte:
A decisão liminar possui três características básicas : precariedade ; sumariedade de cognição ; inaptidão para formar coisa julgada.
No caso concreto , presentes os requisitos legais para deferimento de pedido liminar . Aqui , há de se registrar o princípio da confiança legítima .
Os empréstimos liberados por banco de fomento não estão sequer próximos dos valores de outrora, o que , sem sombra de dúvidas , muda o equilíbrio econômico-financeiro , elemento de contrato administrativo .
Sendo assim , com base na legitima confiança do administrado, defiro a tutela de urgência nesta ação cautelar (referibilidade comprovada) para assegurar que, até a resolução do desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão – ou seja, pela apreciação dos conflitos decorrentes do desequilíbrio contratual pelo Tribunal Arbitral –, a requerida se abstenha de aplicar penalidades contratuais, incluindo a caducidade, bem como de exigir investimentos questionados nos pleitos de reequilíbrio/revisionais já ofertados, impor novas obrigações de investimento e promover redução tarifária, até o tribunal arbitral se pronunciar , ou a Agência , em sua autotutela buscar solução da lide.
7. Em seguida, confirmou a liminar em decisão assim fundamentada (doc. R-08):
Na espécie, compulsando a documentação constante nos autos, verifico que a parte autora apresentou proposta de revisão do contrato de concessão (fls. 442/485) indicando o desequilíbrio econômico-financeiro que norteava a relação contratual, de modo que, dentre os motivos que contribuíram para o respectivo cenário, aponta descumprimento de obrigações pela Ré – licenciamento ambiental – e de investimentos afetos ao Poder Público.
Contudo, não há notícia nos autos que tais questões foram devidamente apreciadas pela ANTT, logo, entendo razoável que sejam obstadas as medidas gravosas aplicadas pela ré à autora até que seja o contrato e seus termos apreciados na esfera arbitral.
Assim, entendo cabível a concessão das medidas acautelatórias pretendidas pela parte autora até que sejam dirimidas as controvérsias pelo juízo arbitral, notadamente quanto ao desequilíbrio econômico financeiro.
Forte em tais razões, RATIFICO a decisão que antecipou os efeitos da tutela (fls. 106/109), cujos efeitos tornam-se estáveis até revisão posterior judicial, ou resolução arbitral, como a espécie exige.
Declaro extinto o processo, com fundamento no art. 304, §1º[2], do Código de Processo Civil.
8. Percebe-se que, na decisão terminativa (2ª decisão), o magistrado desconsidera a fundamentação do seu antecessor quando da apreciação da liminar (que usava como fundamento a alteração da política de financiamento dos bancos públicos) e justifica a concessão da tutela no fato de a ANTT supostamente não ter apreciado administrativamente os pleitos da Concessionária. Ambos, contudo, sequer fundamentam o periculum in mora.
9. Conforme será demonstrado a seguir, não há nos autos qualquer fundamento apto a manter a tutela cautelar concedida pelo Poder Judiciário.
II - DA AUSÊNCIA DE PROBABILIDAE DO DIREITO (FUMUS BONI IURIS)
10. Nenhum dos eventos listados pelo requerente como causadores de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato pode ser utilizado como fundamento para a manutenção da tutela cautelar. Também não houve mora por parte da ANTT capaz de gerar desequilíbrio do contrato.
11. Quanto aos requisitos para concessão de liminares em arbitragem, importante destacar a doutrina nacional no sentido de que a concessão de tutelas provisórias deve ser fundamentada na análise dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora:
Na arbitragem, a concessão de tutela provisória deve observar também os requisitos do fumus boni iures e do periculum in mora. A Lei de Arbitragem poderia dispor diversamente desses requisitos, mas preferiu silenciar a respeito. Por essa razão, devem- se buscar esses requisitos no direito processual brasileiro (sede da arbitragem). (...) O fundamento não é exatamente este, mas sim o fato de que esses requisitos integram o direito processual brasileiro. Coincidentemente esses requisitos estão dispostos no estatuto processual civil, mas poderiam não estar e ainda assim se aplicariam à arbitragem. (XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Tutela provisória na arbitragem e novo código de processo civil: tutela antecipada e tutela cautelar, tutela de urgência e tutela da evidencia, tutela antecedente e tutela incidental. In 20 anos da Lei de Arbitragem: Homenagem a Xxxxxxxx X. Muniz. Coordenação de Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx.. [et al] (coordenadores). 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 483.)
12. Xxx, assentado que as tutelas de urgência exigem demonstração da plausibilidade do direito invocado, não faz sentido a concessão de liminares com fundamento em tese jurídica frontalmente contrária ao Contrato celebrado pelas partes. Conforme será demonstrado, os eventos de reequilíbrio listados pela requerente: (i) ou se enquadram como risco contratualmente atribuído ao concessionário; (ii) ou já foram reequilibrados e a discussão remanesce apenas quanto ao valor, o que demandaria prova técnica complexa, inviável de ser produzida e apreciada em sede de cognição sumária própria das tutelas de urgência; (iii) ou não foram apreciadas pela ANTT porque a Concessionária ainda não apresentou toda a documentação necessária a que o pleito pudesse ser avaliado.
13. Enfim, se é certo que o moderno direto administrativo não tolera que o Estado tenha prerrogativas de supremacia absoluta em detrimento dos direitos assegurados aos particulares (ainda que em relações especiais de sujeição), também não se pode admitir o outro extremo, qual seja, desconsiderar completamente o contrato e o mérito da análise administrativa das questões sob presunção absoluta de que a Administração Pública erra, age de má-fé ou tem alguma espécie de fetiche em promover a bancarrota das Concessionárias. Por isso, é preciso insistir que este Tribunal avalie concretamente o fumus boni iuris, análise essa que faltou ao Poder Judiciário.
II.1 Crise econômica teria afetado o volume de tráfego na rodovia
14. O contrato de concessão, na subcláusula 21.1.1, é bastante claro ao alocar ao Concessionário o risco pelo volume de tráfego:
15. Assim, ainda que eventualmente tenha havido redução do volume de tráfego e que o volume observado não corresponda às projeções da Concessionária, esta assumiu o risco por esse fato.
16. Veja que o contrato é claro em não admitir reequilíbrio em razão da redução do tráfego, justamente por se tratar de risco alocado à Concessionária. Não se pode admitir que em juízo de cognição sumária próprio das tutelas de urgência, o contrato seja simplesmente desconsiderado com base em argumentos heterodoxos de uma suposta extraordinariedade da redução de tráfego experimentada pela requerente.
17. Xxx, em vez de preservar o texto contratual, pretende a requerente que este Tribunal, em análise perfunctória, afaste a aplicação do contrato em nome de uma suposta e futura demonstração técnica de que suportou evento extraordinário. Mais do que isso, ao pretender existir um direito de reequilíbrio decorrente da variação do tráfego, o Poder Judiciário promoveu verdadeira revisão da matriz de risco do contrato, em ofensa ao pacta sunt servanda e do princípio da vinculação ao instrumento convocatório.
18. Nesse ponto, cabe um esclarecimento adicional. Em nenhum momento houve por parte a ANTT reconhecimento de que a crise econômica afetou de tal monta os contratos de modo a justificar uma ampla revisão contratual. O Ofício do Diretor-Geral interino juntado pela requerente (DOC 12 do requerimento de arbitragem) apenas comunicava a diversas autoridades públicas (Congresso, TCU, MPF, Associações diversas, Ministério dos Transportes etc) a situação precária pela qual passavam boa parte das Concessionárias da 3ª etapa de concessões do PROCROFE e de que a Agência não dispunha dos instrumentos adequados para resolver o problema. Se o caso fosse de simples revisão dos contratos, a ANTT teria o dever de fazê-lo, não encaminhar ofícios. O documento mencionado chama a atenção justamente para essa inviabilidade de a própria Agência tomar a iniciativa de uma verdadeira quebra contratual em desfavor do usuário. Haveria necessidade, em última análise, de autorização legislativa que
permitisse a desoneração dos Concessionários em relação a parte dos encargos assumidos, numa espécie de REFIS RODOVIÁRIO, a depender de um debate amplo no Congresso Nacional.
19. Nesse contexto, é que surge a Medida Provisória nº 800/2017 a qual, embora de constitucionalidade duvidosa, foi editada pela Presidência da República com vistas a permitir o adiamento de algumas obrigações contratuais sem o imediato reequilíbrio contratual em favor do usuário, ou seja, possibilitaria um desequilíbrio temporário do contrato em favor do Concessionário, que se capitalizaria às custas daquele que paga a tarifa de pedágio. Talvez pela gravidade do que a MP 800/2017 representava, não houve sua conversão em lei no parlamento e, por consequência, a ANTT deixou de dar prosseguimento à chamada reprogramação de investimentos.
20. Importante destacar, que referida Medida Provisória dispunha o seguinte:
Art. 1º A Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT poderá realizar, de comum acordo com as concessionárias, a reprogramação de investimentos em concessões rodoviárias federais cujos contratos prevejam concentração de investimentos em seu período inicial, uma única vez, observadas as diretrizes estabelecidas nesta Medida Provisória e na regulamentação específica do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, que definirá os termos e as condições para: (grifo nosso)
21. Embora a Deliberação ANTT nº 91, de 21 de fevereiro de 2018 tenha autorizado a celebração do aditamento, não houve comum acordo com a Concessionária, que se recusou a assinar (nesse sentido, confira-se Informação Eletrônica nº 233/2018/CIPRO/SUINF – doc. R- 09). Ou seja, sequer haviam sido constituídas as relações jurídicas entre as partes, quando a MP perdeu eficácia. Portanto, não há que se falar em aplicabilidade do §11 do art. 62 da Constituição, que assim dispõe:
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.
22. Com a perda de vigência da MP, cai por terra o fundamento jurídico para que a ANTT pudesse quebrar o contrato com vistas a efetivar uma ampla reformulação que favorecesse a Concessionária.
23. Mutatis mutandis, admitir como plausível a tese da Concessionária significa dizer que, como a carga tributária do país é alta, qualquer contribuinte tenha o direito líquido e certo, independentemente de autorização legislativa, de exigir da Receita Federal o reparcelamento de seus débitos em condições favoráveis (REFIS).
24. E mais, conforme será analisado mais à frente, tramita na Subseção Judiciária do Rio de Janeiro ação ordinária nº 0012434-56.2017.4.02.5101 com sentença que já refutou completamente o argumento da Concessionária quanto à suposta justificativa para uma ampla revisão contratual em decorrência da crise.
25. Observa-se, portanto, que a crise financeira não deve ser tomada como fundamento para a manutenção da liminar, na medida em que confronta diretamente o texto contratual.
II.2. Mudanças na política de crédito subsidiado dos bancos públicos;
26. Também no que se refere ao financiamento, a requerente mais uma vez desconsidera a matriz de riscos prevista no contrato, que assim dispõe:
27. O risco do financiamento é do Concessionário. Este, inclusive, pode optar por executar suas obrigações valendo-se de capital próprio. Se houve ou não alteração da política de concessão de financiamentos por parte do BNDES ou dos demais Bancos Públicos, cabe à Concessionária acionar esses bancos públicos, se entender que foi de alguma fora lesada.
28. Ademais, se analisarmos com maior detalhe o documento intitulado “Carta de Apoio dos Bancos Públicos” (DOC 07), observa-se que os próprios bancos condicionaram o financiamento, nos seguintes termos:
O enquadramento das operações e o estabelecimento das condições definitivas do financiamento dependerão da análise econômico-financeira do empreendimento e dos acionistas, à luz das Políticas de Crédito e Operacionais das instituições financeiras.
29. Ora, desde a época da licitação, o Concessionário não tinha qualquer garantia dos Bancos Públicos quanto à liberação de financiamento para o empreendimento. Muito menos a ANTT garantiu esse financiamento. Pelo contrário, nem o edital nem o contrato de concessão forneceram esse respaldo ou geraram qualquer expectativa no Concessionário.
30. E mais, no documento do BNDES juntado pela requerente no âmbito da ação cautelar (doc. R-10), o motivo invocado para cancelamento do financiamento consiste justamente na ausência do cumprimento das condições exigidas pelo Banco, em coerência com o que já havia sido anunciado na Carta de Apoio dos Bancos Públicos. Seguramente, essas questões serão mais bem detalhadas ao longo do procedimento arbitral, mas o que se tem evidente no momento é que a própria Concessionária deu causa ao término do financiamento.
31. Portanto, mais uma vez cabe insistir não ser cabível o reconhecimento de fumus boni iuris quando a tese da requerente contraria frontalmente o texto do contrato e de sentença judicial que em breve transitará em julgado.
II.3 Sentença proferida na ação ordinária nº 0012434-56.2017.4.02.5101
32. Não bastasse toda argumentação expendida acima quanto aos itens II.1 (argumento da crise) e II.2 (argumento da falta de financiamento), importante destacar que tramita na 24ª Vara Federal do Rio de Janeiro a ação ordinária nº 0012434-56.2017.4.02.5101 proposta pela requerente em face da ANTT e do BNDES. Na petição inicial (doc. R-11), pede a requerente o seguinte:
33. Após regular trâmite processual, foi proferida sentença (doc. R-12) que, a um só tempo, descarta as teses da requerente: (i) quanto à qualificação da crise macroeconômica como evento extraordinário apto a garantir a revisão do contrato; (ii) quanto à mudança na política de financiamento. Vejamos alguns trechos da sentença:
Fls. 1.031:
Fls. 1.040:
Fls 1.041:
34. Destaca-se ainda que, ao tempo da apreciação da presente manifestação pelo Tribunal Arbitral, muito provavelmente referida sentença terá transitado em julgado, uma vez que BNDES e CONCEBRA assinaram petição de desistência do recurso protocolada pela própria Concessionária (doc. R-14). Nesse cenário provável, teríamos decisão com
força de coisa julgada, reconhecendo a improcedência das principais teses levantadas pela requerente.
35. Resta evidente, portanto, a ausência de plausibilidade do direito invocado, desta vez respaldada por sentença judicial em vias de transitar em julgado.
II.4 Atraso na emissão e transferência da Licença Ambiental de Instalação
36. No que se refere à obtenção da licença ambiental de instalação, tem razão ao requerente ao afirmar tratar-se de obrigação que incumbiria ao Poder Concedente, nos termos do quanto disposto nas subcláusulas seguintes do contrato de concessão:
5.2 O Poder Concedente deverá:
5.2.1 Obter licença prévia e licença de instalação das Obras de Ampliação de Capacidade e Melhorias do item 3.2.1 do PER, nas condições previstas na subcláusula 10.3.2.
(...)
10.3.2 A licença de instalação prevista na subcláusula 5.2.1 será disponibilizada a Concessionária em prazo compatível para o atendimento das metas anuais de duplicação previstas no item 3.2.1 do PER, de acordo com as seguintes condições.
(i) A licença de instalação necessária ao cumprimento da primeira meta anual das Obras de Ampliação de Capacidade e Melhorias prevista no item 3.2.1 do PER será disponibilizada a Concessionária em até 12 (doze) meses contados da Data da Assunção.
37. Assim, em decorrência de tais atrasos, a ANTT jamais apenou a Concessionária.
38. Por outro lado, o fato de não estar disponível a licença ambiental propiciou uma vantagem econômica ao Concessionário, que teve adiado os desembolsos necessários à realização das obras que dependiam da manifestação dos órgãos ambientais. Como forma deixar o contrato equilibrado, o próprio instrumento contratual traz uma forma automática de reequilíbrio, o Fator D, nos termos seguintes:
22.6.4 A Concessionária declara ter pleno conhecimento e reconhece que: (...)
(ii) o Desconto ou Acréscimo de Reequilíbrio, determinado pela avaliação anual de desempenho e execução de obras, é um mecanismo pactuado entre as Partes para reequilibrar o Contrato nos casos de atraso ou inexecução de obras e serviços ou no caso de antecipação de determinadas obras, e será aplicado de forma imediata e automática pela ANTT;
(iii) a redução ou aumento do valor da Tarifa Básica de Pedágio em decorrência da aplicação do Desconto ou Acréscimo de Reequilíbrio não constitui penalidade contratual ou receita adicional, mas sim mecanismo preestabelecido no Contrato para manutenção do seu equilíbrio econômico-financeiro; (grifo nosso)
39. Esse dispositivo contratual, inclusive, já foi reconhecido como válido em outro processo arbitral (CCI 23238 GSS/PFF), conforme se depreende do documento R-15 em anexo. Na ocasião, pontuou o árbitro de emergência:
40. Quanto aos custos de mobilização e demais despesas, já foram devidamente reequilibradas, conforme reconhecido na Nota Técnica nº 15/2017/GEINV/SUINF (doc. R-16). Vale destacar o seguinte trecho da Nota Técnica nº 25/2017/GEINV/SUINF (doc. R-17):
41. Portanto, houve sim o devido reequilíbrio, tudo conforme determina o Contrato de Concessão. Eventual apuração quanto à correção do valor demandaria análise mais aprofundada ao longo do procedimento arbitral.
II.5 Aumento do limite máximo de tolerância do peso bruto transmitido por eixo, em razão da edição da Lei nº 13.103/2015 (“Lei dos Caminhoneiros”)
42. A alegação de desequilíbrio em razão do aumento do limite máximo de tolerância de peso bruto transmitido por eixo também não procede. No âmbito da 4ª Revisão Extraordinária
do Contrato de Concessão nº 004/2013, aprovada por meio da Resolução nº 5.236, de 14/12/2016, foram incluídos custos operacionais devido ao aumento dos custos de manutenção do pavimento decorrente da Lei 13.103/2015 (Lei dos Caminhoneiros). Nesse sentido, extrai-se da Nota Técnica nº 211/2016/GEROR/SUINF (doc. R-18):
43. Posteriormente, a 6ª Revisão Extraordinária, aprovada por meio da Resolução nº 5.410, de 31/08/2017 (doc. R-19), retificou a alteração da tarifa básica de pedágio de acordo com determinação cautelar do Tribunal de Contas da União – TCU em processo de Representação TC nº 014.318/2015-0, de modo a não utilizar valores superiores aos constantes dos estudos de viabilidade que balizaram o certame do referido contrato de concessão, com o deságio proposto pela licitante vencedora.
44. Veja que a ANTT prontamente reequilibrou o contrato para fazer face ao incremento de custos decorrentes da Lei nº 13.103/2015 e, em seguida, ajustou a conta para atender a determinação do TCU, mas jamais deixou de promover o reequilíbrio. Cabe, contudo, esclarecer que o tema é bastante complexo, motivo pelo qual o reequilíbrio foi efetivado a título provisório, até que a Agência conclua os estudos necessários a aferir a metodologia mais justa para promover esse tipo de reequilíbrio.
II.6 Edição da Instrução Normativa nº 1.731/2017, pela Receita Federal, que estabeleceu novas obrigações para as Concessionárias
45. O pleito de reequilíbrio em decorrência da Instrução Normativa nº 1.731/2017 foi objeto de análise na Nota Técnica SEI nº 377/2019/GEFIR/SUINF/DIR (doc. R-20) e não foi acolhido em razão de inércia imputada à própria Concessionária em apresentar o projeto executivo e orçamento de acordo com as exigências da Resolução ANTT nº 1.187/2005, conforme trecho transcrito a seguir:
46. Note-se que a unidade técnica destacou que “não foi identificado o recebimento por esta Agência [ANTT] do projeto executivo e orçamento de acordo com as exigências da Resolução 1.187/2005, solicitados pela GEFIR por meio do Ofício citado anteriormente”. Para ter atendido seu pleito de reequilíbrio, não pode a concessionária apresentar requerimentos e documentações em desacordo com a regulamentação da ANTT.
47. Dessa forma, mais uma vez percebe-se ter a Concessionária omitido as verdadeiras razões do indeferimento do pleito para induzir a erro o Poder Judiciário.
II.7 Alteração da alíquota da CIDE-Combustíveis pelo Decreto nº 8.395/2015
48. No que se refere às alterações tributárias referentes à CIDE-Combustíveis, o pleito da Concessionária foi devidamente apreciado pela ANTT, porém, indeferido, com fundamento no exposto no Parecer n. 00573/2017/PF-ANTT/PGF/AGU (doc. R-21). Em síntese, foram dois os motivos que levaram ao indeferimento.
49. Primeiramente, a Concessionária não demonstrou que a alteração da legislação tributária tenha impactado no equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Nesse ponto, é preciso registrar que o próprio índice eleito para reajustar a tarifa de pedágio, o IPCA, já contempla em grande medida a variação da CIDE-Combustíveis, conforme esclarecido pela área técnica da ANTT no Ofício nº 87/2016/GEROR/SUINF (doc. R-22):
50. Em segundo lugar, foi observada a norma regulatória que rege as revisões contratuais, a saber, Resolução nº 675, de 04 de agosto de 2004 (doc. R-23), que assim dispõe:
Art. 2º Nas revisões ordinárias serão considerados:
I – relativamente ao exercício anual anterior:(Alterado pela Resolução nº 5172, de 25.8.16)
(...)
c) criação, alteração e extinção de tributos ou de encargos decorrentes de disposições legais, de comprovada repercussão nos custos da concessionária;
51. Perceba que a Concessionária precisa alegar na revisão ordinária do ano seguinte, a alteração na legislação tributária que entende ter impactado no equilíbrio econômico-financeiro do contrato e, no caso concreto, a Concessionária não o fez.
52. Portanto, também quanto à CIDE-Combustíveis, não cabe qualquer reequilíbrio.
II.8 Despesas com estudos e projetos para os contornos rodoviários de Goiânia e de Campo Florido, bem como com o xxxxxxx xxxxxx xx xxxxxxxxxxxx xx xxxxxxxxx xx Xxxxxxx-XX
00. Quanto a esses temas, o contrato já foi reequilibrado, conforme se depreende da análise constante da Nota Técnica nº 010/2018/GEINV/SUINF, itens III.B.d., III.B.e. e III.B.f., que segue anexa (doc. R-24). Descabe aqui, nesse momento de cognição sumária, um maior aprofundamento nas discussões quanto á extensão do reequilíbrio, mas o fato é que a Concessionária foi sim reequilibrada por tais despesas.
II.9 Aumento extraordinário do preço do CAP – Cimentos Asfálticos de Petróleo
54. No caso do aumento supostamente extraordinário do CAP, também não pode prosperar o argumento da Concessionária, uma vez que o contrato é claro em lhe atribuir o risco de variação de preços superior ao índice de inflação eleito para o reajuste tarifário, senão vejamos:
55. Embora o tema tenha sido tratado com maior minúcia no Parecer nº 1.365/2016/PF-ANTT/PGF/AGU (doc. R-25), cabe aqui reiterar que o texto contratual deixa claro que a flutuação dos preços de insumos asfálticos fica à cargo da Concessionária.
56. Ora, é evidente que num contrato de 30 (trinta) anos haverá flutuações no preço do CAP e, da mesma forma que não houve reequilíbrio no caso de aumento, a ANTT jamais baixou a tarifa quando o preço do CAP atingiu suas mínimas históricas. Mais uma vez, a Concessionária pretende privatizar lucros e socializar prejuízos.
II.10 Execução de condicionantes ambientais a cargo da ANTT, bem como restauração de segmentos do Sistema Rodoviário a cargo do DNIT
57. No que se refere às condicionantes ambientais a cargo da ANTT, a requerente limita-se a fazer alegações vazias, sem qualquer detalhamento acerca de qual obrigação se refere e mesmo se houve pleito de reequilíbrio junto à Agência. Também não junta documentos que permitam à requerida identificar qual o motivo da insatisfação da Concessionária.
58. Quanto à restauração de segmentos do Sistema Rodoviário a cargo do DNIT, o tema foi objeto de análise nas já citadas Notas Técnicas nº 15/2017/GEINV/SUINF, de 22/03/2017 (doc. R-16) e nº 25/2017/GEINV/SUINF, de 18/05/2017 (doc. R-17), com destaque para o seguinte trecho da primeira manifestação da ANTT:
59. Dessa forma, mais uma vez, não há que se falar em direito ao reequilíbrio.
II.11 Da inexistência de omissão ou mora administrativa
60. A exposição detalhada das razões pelas quais cada um dos eventos citados pela requerente foi avaliado e o respectivo reequilíbrio contratual indeferido ou deferido parcialmente revela claramente que não houve omissão ou mora administrativa em apreciar todos os pleitos submetidos á ANTT. Repita-se, todos, absolutamente todos os eventos com potencialidade de trazer desequilíbrio contratual foram apreciados.
61. Nos termos da regulamentação que rege a matéria, a já citada Resolução nº 675/2004, esses ajustes contratuais são feitos por ocasião das denominadas revisões ordinárias e extraordinárias. Vejamos as avaliações próprias de cada uma dessas modalidades de revisão:
Art. 2º Nas revisões ordinárias serão considerados: I – relativamente ao exercício anual anterior:
a) as receitas complementares, acessórias ou alternativas à receita principal ou de projetos associados, com base nos valores faturados pela concessionária;
b) os recursos para desenvolvimento tecnológico e verba de laboratório, conforme previsão contratual, quando não utilizados em projetos aprovados pela ANTT;
c) criação, alteração e extinção de tributos ou de encargos decorrentes de disposições legais, de comprovada repercussão nos custos da concessionária;
d) os recursos para aparelhamento da Polícia Rodoviária Federal e demais verbas, conforme previsão contratual, quando não utilizadas integralmente.
II - as diferenças de receita, apuradas entre as datas contratualmente estabelecidas para o do reajuste do ano anterior e do presente, decorrentes de:
a) aplicação, quando da concessão do reajuste anterior, do índice de reajuste tarifário
provisório e do índice definitivo;
b) arredondamento da tarifa do reajuste anterior, conforme previsão contratual;
c) defasagem decorrente de eventual concessão de reajuste tarifário em data posterior ao contrato;
III – as repercussões decorrentes de inexecuções, antecipações e postergações de obras e serviços previstos nos cronogramas anuais do Programa de Exploração da Rodovia
Art. 2º-A. Nas revisões extraordinárias serão consideradas as repercussões:
I - decorrentes, única e exclusivamente, de fato de força maior, caso fortuito, fato da Administração, fato do príncipe ou alteração unilateral do contrato pelo Poder Concedente, em caráter emergencial, ou da ocorrência de outras hipóteses previstas expressamente no contrato de concessão;
II - que resultem, comprovadamente, em alteração dos encargos da concessionária, ou que comprometa ou possa comprometer a solvência da Concessionária e/ou continuidade da execução/prestação dos serviços previstos neste Contrato.
60. Observe que, a depender do evento potencialmente causador de desequilíbrio, a apreciação da ANTT far-se-á no âmbito da revisão ordinária ou no âmbito de revisão extraordinária.
61. Situação diversa ocorre nas chamadas Revisões Quinquenais. Estas, embora possam culminar com uma alteração tarifária, têm por objetivo precípuo adaptar o Sistema Rodoviário, que é dinâmico, às necessidades dos USUÁRIOS, inclusive com participação social destes. Essa adaptação se faz mediante alteração, inclusão, exclusão, antecipação ou postergação de obras ou serviços. Nesse sentido, confira-se o disposto na Resolução nº 675:
Art. 2º-B Nas revisões quinquenais serão consideradas as repercussões decorrentes de modificações por: alteração, inclusão, exclusão, antecipação ou postergação de obras ou serviços, com o objetivo de compatibilizar o PER com as necessidades apontadas por usuários, concessionária e corpo técnico da ANTT, decorrentes da dinâmica do Sistema Rodoviário. (Acrescentado pela Resolução nº 5172, de 25.8.16)
Parágrafo único. Quinquenalmente, a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato deverá ser submetida ao Processo de Participação e Controle Social a fim de garantir o direito de manifestação de todos os interessados. (Acrescentado pela Resolução nº 5172, de 25.8.16)
62. Diferentemente das revisões ordinárias e extraordinárias, que constituem direito da Concessionária de periodicamente ter apreciados pela Agência seus pleitos de reequilíbrio, as revisões quinquenais têm finalidade diversa. Buscam atender pleitos dos USUÁRIOS, não do Concessionário. Evidentemente, se o acolhimento de um pleito do usuário impactar no equilíbrio do contrato, haverá a devida revisão tarifária. Mas o importante é que, se a ANTT, por qualquer motivo, deixar de promover a revisão quinquenal, não há qualquer prejuízo ao Concessionário, na medida em que resta preservado o equilíbrio econômico-financeiro do contrato (justamente porque não houve alteração do contrato) e, por conseguinte, este não pode exigir qualquer conduta
da Agência. O usuário sim tem total interesse nas adaptações do Sistema Rodoviário para satisfação de suas necessidades.
63. Portanto, ao insistir que a ausência de revisão quinquenal prejudicou de alguma forma o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, a Concessionária induziu o Poder Judiciário a erro, tratando a revisão quinquenal como se esta tivesse o mesmo objetivo de reequilíbrio das revisões ordinária e extraordinária.
III. DO PERICULUM IN MORA INVERSO
III.1. Grave lesão à ordem administrativa
64. A tutela de urgência concedida pela 3ª Vara Federal do Distrito Federal determinou que a ANTT se abstivesse de “de aplicar penalidades contratuais, incluindo a caducidade, bem como de exigir investimentos questionados nos pleitos de reequilíbrio/revisionais já ofertados, impor novas obrigações de investimento e promover redução tarifária”.
65. Nos termos proferidos, a decisão judicial efetivamente inviabiliza o exercício da fiscalização estatal do contrato administrativo celebrado, bem como impede o desempenho das competências legais da ANTT em seu papel de ente gestor da concessão federal outorgada, causando grave lesão à ordem administrativa.
66. De fato, a decisão judicial mencionada impossibilita a gestão do contrato de concessão celebrado, conferindo à Concessionária não apenas imunidade pelo inadimplemento de obrigações contratuais já identificadas, mas também permitindo que outros ainda possam ocorrer impunemente. De forma resumida, o Poder Judiciário permitiu que a concessão outorgada pela Administração Pública seja explorada à completa revelia não apenas das normas contratualmente previstas, mas até das disposições legais aplicáveis às atividades do concessionário.
67. Ao assim proceder, o MM. Xxxxx xx 0x Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx invadiu seara indiscutivelmente reservada à Administração Pública, impossibilitando a gestão de atividade concedida, como bem salientado na ementa de caso recentemente julgado pelo E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cujo trecho é adiante transcrito:
A concessão ou a caducidade da concessão são matérias estritamente administrativas e como tal, compete ao Poder Concedente, seu controle finalístico, visando o bem público.
O eventual controle judicial é sempre a posteriori e nunca preventivo ou repressivo da típica atividade administrativa. Além disso, como premissa maior do acórdão, as empresas concessionárias de serviço público não se submetem ao regime restritivo da recuperação judicial ou, pior, da falência; se não podem cumprir com as obrigações assumidas no contrato de concessão, cabe ao poder concedente declarar a caducidade da concessão por inadimplemento contratual.
(BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 22ª Câmara
Cível. Embargos de Declaração em Agravo de Instrumento n. 0008768- 17.2017.8.19.0000. Rio de Janeiro, 26.06.2018)
68. Imunizar o inadimplemento de obrigações contratuais de qualquer consequência sancionatória representa desvirtuamento dos diplomas legais que regem a especial relação entre particular e Poder Público na concessão de bem ou serviço públicos. Equivale a inviabilizar o múnus da Administração como gestora dos interesses coletivos e promotora do bem-estar da sociedade.
69. Assim, ao se requerer que o Tribunal Arbitral revogue a decisão liminar conferida, pretende-se devolver à Administração Pública os poderes administrativos que decorrem do regular exercício de sua atividade fiscalizatória, bem como do cumprimento das regras contratuais e dispositivos legais que as amparam, ressaltando-se que eventuais sanções só são aplicadas pela ANTT após o exercício do direito de defesa, observado o devido processo legal, como determinado pela Constituição e leis que vinculam a atividade da Agência. Mas, há de se ponderar que a mesma Constituição que garante ao administrado direito à ampla defesa em processos administrativos o faz também por considerar que a Administração Pública pode aplicar sanções aos particulares após conclusão de tais processos (art. 5º, LV c/c LIV).
70. Ademais, prevê também a Constituição Federal:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
71. A decisão judicial em comento, ao engessar a atuação da ANTT sobre o contrato de concessão celebrado, invade as competências do Poder Concedente, retira os instrumentos de gestão do contrato previstos em Lei e no ajuste e imobiliza o ativo nas mãos da Concessionária. Esvazia as prerrogativas do Poder Concedente, inclusive em detrimento da vontade do Poder Constituinte Originário, como se percebe pela leitura do inciso I do parágrafo único do art. 175 da Constituição Federal acima transcrito.
72. Essa situação, imposta pela liminar proferida pelo Juízo federal de primeira instância, fragiliza extremamente – o que é intuitivo – o exercício dos poderes regulatório e fiscalizatório da ANTT.
73. As funções regulatória e fiscalizatória da Agência ficam comprometidas se os agentes do setor regulado têm a percepção de que o adimplemento de obrigações durante a execução de contrato de concessão é questão de menor importância, sempre aberta à discussão e paralisação litis limine. É evidente que este tipo de situação enfraquece a Administração Pública, de modo que a liminar do Juízo gera grave lesão à ordem administrativa, com possível efeito multiplicador de caráter antipedagógico para os agentes do mercado, na medida em que cria um incentivo ao não cumprimento do contrato e à eterna contestação de suas cláusulas.
74. Ademais, o acolhimento da tese da extraordinariedade como fundamento para desmerecer a alocação de riscos do contrato gera um debate acerca da situação inversa, ou seja, em casos como da 1ª Etapa de Concessões, nas quais o cenário econômico acabou se tornando muito mais favorável aos concessionários com o passar dos anos, a ANTT será cobrada, sobretudo pelos órgãos de controle, para efetivar um “reequilíbrio” inverso, com redução de tarifas e, em última análise, controle dos lucros do investidor. Num cenário de contratos complexos com milhares de itens impactando no custo da Concessionária aliado à assimetria de informações entre o privado e a Agência tem-se a própria inviabilidade da regulação.
75. O efeito deletério de decisões judiciais cautelares sobre o exercício de competências administrativas foi bem identificado em texto de XXXX XXXXXXXX XXXXXX XXXXXX, de que se retira o trecho adiante transcrito:
Estará a causar grave lesão à ordem administrativa a medida liminar ou a sentença que a pretexto de garantir direito privado, ou interesse secundário de outro ente público (i) interrompa o regular exercício da função administrativa — imperativo da consecução do interesse público; (ii) interrompa ou suspenda a prestação adequada de serviço público;
(iii) transfira para o Magistrado decisão de competência exclusiva daquele legitimado constitucionalmente para o exercício da função administrativa.
(XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. A Lesão à Ordem Pública como Fundamento de Suspensão dos Efeitos de Medida Liminar e de Sentença. Revista Brasileira de Direito Público. v. 3, n. 11, p. 211-219, out./dez. 2005.)
76. Além de limitar indevidamente o exercício das competências da Agência, a decisão judicial proferida traz inegável perigo de irreversibilidade de seus efeitos.
77. Em verdade, é a própria Concessionária quem admite dificuldades financeiras para a execução de suas obrigações contratuais. Tal como já relatado linhas acima, apenas 11% (onze por cento) das obrigações contratuais referentes às obras previstas
no contrato de concessão celebrado foram adimplidas, apesar da aferição integral de tarifas pela Concessionária.
78. A situação irregular da concessionária em relação às suas obrigações põe em dúvida sua capacidade de executar o contrato celebrado nos níveis de qualidade exigidos pelas cláusulas de serviço da concessão, bem como levam ao questionamento sobre sua eventual solvência em caso de julgamento desfavorável pelo Tribunal Arbitral.
79. Nesse passo, a decisão liminar do Poder Judiciário, ao imunizar a Concessionária das consequências jurídicas de seu inadimplemento, permite que os potenciais prejuízos ao serviço público concedido se acumulem durante todo o trâmite da arbitragem, em prejuízo do Poder Concedente (e, por consequência, da sociedade). Mantida a ineficiência operacional da Concessionária nos termos observados, não restará qualquer esperança futura de indenização dos usuários pelos prejuízos apurados no presente processo arbitral.
80. É preciso ressaltar que o mesmo risco não seria observado no caso da revogação da medida liminar em favor da ANTT pelo Tribunal Arbitral.
81. De fato, em caso de eventual derrota da Agência no presente processo arbitral, a Concessionária poderá ser indenizada integralmente de todos os prejuízos sofridos, não havendo que se falar em risco de insolvência do Tesouro Nacional. Desse modo, fica evidente que a medida liminar concedida trouxe evidente perigo de irreversibilidade dos danos causados à sociedade, devendo ser revista pelo Tribunal Arbitral no presente momento.
III.2. Grave lesão ao usuário
82. Não bastasse a completa ausência de plausibilidade do direito invocado e o grave dano à ordem administrativa, é preciso ainda ressaltar que as tutelas de urgência desconsideram completamente toda a razão de ser de um programa de concessões rodoviária, qual seja, atender ao usuário. Este terceiro interessado é completamente ignorado nas decisões emanadas do Poder Judiciário.
83. Conforme documentação que segue anexa (doc. R-26), as liminares vigentes premiam o Concessionário inadimplente, ao permitir a cobrança de um valor de tarifa totalmente desproporcional ao serviço disponibilizado ao usuário. Vejamos alguns dados relevantes.
84. Conforme Parecer 361/2019/GEFIR/SUINF/DIR (doc. R-27), de um total de 647,8km (seiscentos e quarenta e sete quilômetros e oitocentos metros) previstos para duplicação até o 5º ano de concessão, a CONCEBRA duplicou apenas 72,16km (setenta e dois quilômetros
e cento e sessenta metros), ou seja, apenas 11% (onze por cento) do devido. Os recursos destinados a cumprir os 89% (oitenta e nove por cento) das obrigações restantes estão sendo usados obviamente para fazer caixa para a Concessionária e rentabilizar o negócio.
85. Não é demais lembrar que esse altíssimo nível de descumprimento contratual acompanhado da manutenção de um valor de tarifa relativamente alto, põe em xeque o próprio modelo de concessões. O usuário tem a sensação de que melhor seria determinar a realização das obras pelo DNIT. Ou então, imputa à ANTT a pecha de ineficiente, corrupta, instituição idealizada para servir unicamente aos interesses das Concessionárias.
86. Conforme ressaltado pela área técnica, “a título de exemplo, um usuário que transite por todo o sistema rodoviário, no trajeto Belo Horizonte-Goiânia-Brasília (BR-262/BR- 153/BR-060), passando pelas 11 (onze) Praças de Pedágio, ao invés de pagar R$31,90 (trinta e um reais e noventa centavos), valor equivalente ao atual nível de prestação do serviço, permanece a pagar R$50,30 (cinquenta reais e trinta centavos),desembolsando R$ 18,40 (dezoito reais e quarenta centavos) a mais do que deveria por força da determinação judicial.
87. Em exemplo ainda mais gravoso, e com consequências ainda maiores, dados os efeitos sobre a cadeia produtiva do País, um caminhão de 6 (seis) eixos que transite pelo mesmo hoje paga R$301,80 (trezentos e um reais e oitenta centavos) em detrimento dos R$191,40 (cento e noventa e um reais e quarenta centavos) que deveriam ser pagos caso autorizada a revisão tarifária, ou seja, os caminhoneiros nessa situação desembolsam R$110,40 (cento e dez reais e quarenta centavos) a mais por viagem em virtude da decisão judicial.”
88. Veja que estamos tratando de um público altamente heterogêneo de usuários com destaque para uma imensa população de vulneráveis que seguramente desconhecem qualquer meio de tentar reaver o que foi pago a maior. Aliás, trata-se de uma população que terá consciência de estar pagando uma tarifa de pedágio cara, sem ter a mínima noção de que, mesmo a Concessionária estando descumprindo o contrato, o regulador não foi capaz de tomar as medidas cabíveis para a redução tarifária.
89. Enquanto um pouco provável provimento favorável à Concessionária poderia ser facilmente precificado e pago ao Concessionário, os prejuízos causados aos usuários diretos e indiretos são difusos e praticamente impossíveis de serem restaurados.
90. Enfim, o único cenário que traz segurança jurídica essencial para projetos de longo prazo dessa natureza é a revogação da tutela de urgência concedida, em respeito estrito às disposições contratuais.
91. Diante do exposto, com destaque para refutação das teses da requerentena sentença proferida na ação ordinária nº 0012434-56.2017.4.02.5101 (24ª Vara Federal do Rio de Janeiro-RJ) e demonstrada a implausibilidade do direito invocado, bem como o perigo na demora inverso, requer sejam revogadas as tutelas de urgência concedidas pelo Poder Judiciário no âmbito da ação cautelar nº 1014379-79.2019.4.01.3400 (3ª Vara Federal do DF), de modo a restabelecer a Deliberação ANTT nº 964, de 30 de outubro de 2019 (doc. R-28), com eficácia ex tunc.
XXXXX XXXXXXX XXXXXXXXX XX XXXXXX XXXXXXXXX:78803543520
Brasília, 31 de janeiro de 2020.
Assinado de forma digital por XXXXX XXXXXXX XXXXXXXXX XX XXXXXX XXXXXXXXX:78803543520
Dados: 2020.01.31 16:51:45 -03'00'
XXXXX XXXXXXX XXXXXXXXX XX XXXXXX XXXXXXXXX
Procurador Federal
Dados: 2020.01.31 17:02:17 -03'00'
XXXXXXX XXXXXXXXX XX XXXXXXXX:39967298553 Assinado de forma digital por XXXXXXX XXXXXXXXX XX XXXXXXXX:39967298553
XXXXXXX XXXXXXXXX XX XXXXXXXX
Procurador Federal
XXXXXX X. XXXXXXXX XX XXXXXXXXXXX
Procurador Federal
Assinado de forma digital por
XXXXX XXXX XXXXXXXX XXXXX XXXX XXXXXXXX
FREIRE:36961317847
FREIRE:36961317847
Dados: 2020.01.31 17:58:37 -03'00'
XXXXX XXXX XXXXXXXX XXXXXX
Advogado da União
NASCIMENTO:9649147
PRISCILA CUNHA DO
7304
Assinado de forma digital por XXXXXXXX XXXXX DO NASCIMENTO:96491477304 Dados: 2020.01.31 16:58:42 -03'00'
XXXXXXXX XXXXX XX XXXXXXXXXX
Advogada da União
Índice de documentos juntados pela requerida ANTT | |
Número | Descrição |
R-01 | Contrato de Concessão Edital nº 004-2013 |
R-02 | 1º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão |
R-03 | Programa de Exploração da Rodovia - PER |
R-04 | Ata de Missão – sugestão ANTT |
R-05 | Cronograma Processual – sugestão ANTT |
R-06 | Petição inicial da ação cautelar nº 1014379-79.2019.4.01.3400 |
R-07 | Decisão liminar proferida na ação cautelar nº 1014379-79.2019.4.01.3400 |
R-08 | Decisão terminativa proferida na ação cautelar nº 1014379-79.2019.4.01.3400 |
R-09 | Informação Eletrônica nº 233/2018/CIPRO/SUINF |
R-10 | Documento do BNDES, explicitando as razões do cancelamento do financiamento |
R-11 | Petição inicial da ação ordinária nº 0012434-56.2017.4.02.5101 |
R-12 | Sentença proferida na ação ordinária nº 0012434-56.2017.4.02.5101 |
R-13 | Correspondência eletrônica acerca da ação ordinária nº 0012434-56.2017.4.02.5101 |
R-14 | Petição da CONCEBRA de desistência do recurso |
R-15 | Decisão do árbitro de emergência |
R-16 | Nota Técnica nº 15/2017/GEINV/SUINF |
R-17 | Nota Técnica nº 25/2017/GEINV/SUINF |
R-18 | Nota Técnica SEI nº 211/2016/GEROR/SUINF/DIR |
R-19 | Resolução ANTT nº 5.410/2017 |
R-20 | Nota Técnica SEI nº 377/2019/GEFIR/SUINF/DIR |
R-21 | Parecer n. 00573/2017/PF-ANTT/PGF/AGU |
R-22 | Ofício nº 87/2016/GEROR/SUINF |
R-23 | Resolução nº 675, de 04 de agosto de 2004 |
R-24 | Nota Técnica nº 010/2018/GEINV/SUINF |
R-25 | Parecer nº 1.365/2016/PF-ANTT/PGF/AGU |
R-26 | Correspondência eletrônica da área técnica da ANTT |
R-27 | Parecer 361/2019/GEFIR/SUINF/DIR |
R-28 | Deliberação ANTT nº 964, de 30 de outubro de 2019 |