Contract
XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx; ABREU, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Contratos de planos de saúde: uma leitura e suas construções discursivas. ReVEL, vol. 12, n. 23, 2014. [xxx.xxxxx.xxx.xx].
Contratos de planos de saúde: uma leitura e suas construções discursivas
Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxxx0 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx0
xxxxxxxxxxxx0000@xxxxx.xxx xxxxxxxxxxxxx@xxx.xxx.xx
RESUMO: O gênero “contrato jurídico” tem por finalidade a mediação dos direitos e dos deveres dos indivíduos, a partir da contratação de bens e serviços indispensáveis ao cotidiano de suas atividades. Os textos de planos de assistência à saúde, por oferecerem serviços médicos, são um importante instrumento comunicativo. A compreensão destes, entretanto, por depender de saberes e conhecimentos muito específicos, torna-se ininteligível aos indivíduos que não os adquiriram previamente. Torna-se relevante o entendimento de fatores como a informatividade, a explicitude e os Domínios Discursivos no processamento dos sentidos desses textos, durante a leitura. Consideramos os postulados teóricos de autores como Xxxx e Xxxxxxxxx (1995), Xxxxxxxxx (2007; 2008) e Xxxxxxxx e Xxxxxxxx (1991) para mostrar as propriedades textuais e discursivas desses enunciados. O trabalho tem como objetivo maior mostrar como os conhecimentos são acionados nesses textos, mostrando as dificuldades do processamento dos sentidos, durante a leitura.
Palavras-chave: Contratos jurídicos; Leitura; Sentidos; Texto.
Introdução
É lugar comum o interesse e a importância social dos contratos jurídicos, sabidamente instrumentos mediadores de contratações de bens e serviços essenciais para os indivíduos. Entretanto, embora usados por pessoas de quaisquer classes ou estratos sociais, os tipos de conhecimentos acionados na indicação das informações predispostas nesses textos configuram saberes específicos. Tais conhecimentos
1 Doutora em Língua Portuguesa, UERJ, 2013. Pós-doutoranda e bolsista do CNPQ.
2 Doutora em Linguística, UFRJ. Professora adjunta da UERJ e do CAp. UERJ.
podem não ser acessíveis aos leitores de modo amplo, o que transforma esses textos em leituras ininteligíveis para a maioria daqueles que deles se servem.
A fim de propor um levantamento de alguns fatores de leitura e interpretação dos sentidos nos contratos, elegemos os textos de planos de assistência à saúde, que serão, neste estudo, analisados com a finalidade de delimitar possíveis problemas de interpretação. Ressaltamos que os conhecimentos acionados nesses textos estão vinculados a três domínios discursivos específicos, a saber: o da medicina, o do direito e o da economia, cujos termos e construções sintáticas encerram enunciados munidos de um nível de informatividade elevado. Essas informações, por não serem previsíveis aos leitores leigos, tornam os textos mais implícitos do que explícitos, gerando, consequentemente, desconhecimento dos tipos de riscos e implicações jurídicas aos quais esses indivíduos estão expostos, na negociação.
A fim de fundamentar o recorte analítico requerido para o entendimento da situação-problema exposta, consideramos os conceitos de “explicitude”, “informatividade”, “intertextualidade” e “domínio discursivo”, acolhidos como fatores importantes na análise dos dados. Para embasar teoricamente o presente trabalho, nos apoiamos em alguns autores, cujos trabalhos demonstram pontos centrais de desenvolvimento desses conceitos especificamente, tais quais: Bakhtin (1997), Xxxxxxxx e Xxxxxxxx (1991), Xxxxxxxxx (2007; 2008) Xxxxxxxxxx e Xxxxxxxx (1972) e Xxxx e Travaglia (1995). Os estudiosos mencionados têm em comum trabalhos que se debruçam sobre a interação dos indivíduos por meio da linguagem, em seus diferentes recortes teóricos.
Ressaltamos a importância deste estudo como uma contribuição para a área da Linguística Forense, já que nos propomos a considerar os modos de articulação de saberes textuais e, em contrapartida, das formas de processamento das informações, nos contratos de planos de assistência à saúde. Sublinhamos a importância desse gênero discursivo como instrumento mediador da contratação dos serviços médicos para os cidadãos que escolhem um plano de assistência à saúde, serviço indispensável aos indivíduos e às comunidades.
1. Fundamentação teórica
Um texto contratual é usado para determinar as especificidades requeridas no estabelecimento de um acordo jurídico. Tais detalhamentos implicam fatores
discursivos específicos para essa tarefa, o que nos leva a assumir o conceito de gênero como fundamental na percepção da adequação da linguagem às necessidades interpessoais.
Partindo do pressuposto de que cada forma de uso da linguagem é adequada às necessidades comunicativas dos indivíduos, o gênero corrobora esse escopo interacionista. De acordo com o que postula Xxxxxxx (1997), precursor dos postulados sobre o tema, as atividades de interação dos indivíduos requerem habilidades específicas, dentro dos diferentes usos da linguagem. Por conseguinte, cada um dos gêneros discursivos usados nas situações comunicativas requer dos interactantes atitudes e habilidades linguísticas diferenciadas.
Essas habilidades devem ser moldadas a partir das situações contextuais, de modo que os gêneros funcionem como verdadeiras ferramentas de moldagem discursiva exigidas no curso das trocas interpessoais. A contribuição de Xxxxxxx (1997) é fundamental, pois esse autor dimensionou a condição de aplicabilidade e adequação da linguagem à esfera enunciativa. Isso significa que cada ato de comunicação é considerado um evento, com características e funções únicas, de modo que os gêneros delineiam os comportamentos dos indivíduos inseridos nas diferentes atividades humanas, como postula o autor. Segundo Bakhtin (1997),
Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana (...). O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo temático e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais – mas também, e sobretudo, por sua construção composicional (XXXXXXX, 1997, p. 280).
Podemos inferir, a partir das considerações do autor, que a língua é o código usado na elaboração dos enunciados. Estes têm diferentes utilizações de acordo com as esferas das atividades interpessoais. Os enunciados de que fala Bakhtin (1997) representam, portanto, o evento comunicativo, tal como postulado por Xxxxxxxxxx (1966). Tais eventos são pontuais e individuais, adequados às diversas atividades humanas.
Se as atividades comunicativas, de um modo mais generalizado, corroboram o conceito de gênero, por outro lado, tais manifestações discursivas contêm em si outros elementos, que compreendem o todo do evento comunicativo. Nesse caso, são
aspectos que fazem parte do evento da enunciação: os sujeitos envolvidos na atividade de troca verbal, o contexto enunciativo em que a atividade ocorre e a língua, que incorporará as formas adequadas aos enunciados, de modo a corresponder às necessidades advindas da troca verbal.
É nessa perspectiva de materialização da língua que se encontra o texto, que, tanto oral quanto escrito, requer dos sujeitos habilidades específicas de descodificação, a fim de que estes consigam estabelecer a troca dos sentidos por meio de um código socialmente estabelecido. O texto representa, então, a parte superficial da enunciação. Dessa forma, apenas a partir desse entendimento é que se concretizam as trocas interpessoais. Um texto requer, portanto, por parte do leitor, proficiências leitoras que permitam a esse indivíduo, definitivamente, descodificar os conteúdos expostos na superfície material dos enunciados. O leitor, nesse caso, nunca está passivo diante de um texto, uma vez que deste depende uma parte significativa de sua compreensão cognitiva. A respeito do conceito de texto, cujo componente material subjaz a outras remissões interacionais, mencionamos uma concepção metafórica, segundo a qual
[...] à concepção de texto aqui apresentada subjaz o postulado básico de que o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele, no curso da interação. Para ilustrar essa afirmação tem-se recorrido com frequência à metáfora do iceberg: como este, todo texto possui apenas uma pequena superfície exposta e uma imensa área imersa subjacente. Para se chegar às profundezas do implícito e dele extrair um sentido, fazem-se necessários o recurso aos vários sistemas de conhecimentos e a ativação de processos e estratégias cognitivas interacionais (KOCH, 1995, p. 24).
A metáfora do iceberg, citada por Xxxx (1995), constitui um conceito preconizado por Xxxxxx e Xxxxxxx (1987), ao conceberem o texto como um mediador de sentidos. Dessa forma, tanto os textos orais quanto os escritos possuem, para além da parte aparente da superfície textual, uma série de sentidos implícitos, a serem decodificados a partir dos conhecimentos requeridos na leitura.
A fim de tornar clara a compreensão do processo envolvido na leitura, focaremos um pouco mais alguns fatores ligados ao ato de ler. Nesse caso, invocamos o postulado por Xxxxxxxx e Xxxxxxxx (1991) acerca do conceito de explicitude. Um texto pode ser considerado explícito quando consegue fornecer as informações as quais possibilitem que essas sejam interpretáveis, propiciando que os sentidos sejam construídos pelos indivíduos, fundamentados em conhecimentos e saberes pré- adquiridos. Segundo Xxxxxxxxx (2007, p. 40), “explicitar é oferecer uma formulação
discursiva de tal modo que contenha em si as condições de interpretabilidade adequada ou pretendida”, ou seja, explicitar é fornecer ao leitor as condições necessárias para que ele interprete os sentidos da superfície textual. Salientamos, também, que muito ao contrário do que podemos pensar, predispor informações de forma exagerada ou prolixa no texto não corresponde à explicitação.
Um exemplo disso pode ficar claro na explicação de Xxxxxxxxx (2007), segundo o qual, para um texto ser explícito, deve predispor as informações de modo a “dizer de forma interpretável a partir das condições presentes (ou inferíveis) no universo discursivo em andamento, seja ele no formato do discurso oral ou escrito. Explicitar equivaleria a criar condições de acesso” (2007, p. 40). As condições de acesso citadas por Xxxxxxxxx (2007), mencionando o conhecimento prévio em leitura, estão ligadas à capacidade de os leitores serem conduzidos pelo autor, que, considerando o tipo de conhecimento prévio requerido para determinados enunciatários, está criando possibilidades de esses indivíduos poderem resgatar os sentidos a partir de um “conhecimento previamente partilhado” (XXXX; TRAVAGLIA, 1995) entre os interactantes.
Nesse caso, a explicitude do texto está diretamente ligada ao processo dialógico de produção dos sentidos, pois existe a necessidade de o enunciador explicitar as informações de modo adequado ao seu enunciatário, considerando-o como coconstrutor dos sentidos.
Quando nos referimos ao processo dialógico de produção dos sentidos, rechaçamos a ideia de que a língua, por si só, é capaz de produzir sentidos, já que a língua não é uma entidade autônoma. Ela apenas existe para ser utilizada na elaboração de enunciados capazes de veicular sentidos aos indivíduos. Ainda citando Xxxxxxxxx (2007, p. 48), é válido mencionar que “a língua é indeterminação com poder estruturante, ou seja, sem ela não se dá a ordenação da experiência, mas em si mesma ela não é a ordem de um universo externo”.
Assim, a língua propriamente dita, apesar de todas as possibilidades de ordenação de sentenças significativas que possui, não explicita significados autonomamente; antes de tudo, esta “ordena as experiências” dos sujeitos que dela fazem uso de modo cooperativo nas situações comunicativas requeridas no uso dos diferentes gêneros discursivos.
A visão de língua como elemento de organização de experiências a partir dos sujeitos que dela fazem uso nas situações de comunicação é outro fator a ser
considerado no que concerne à visão dialógica de produção dos sentidos. No sentido dessa concepção, adotada no presente trabalho, segundo Xxxxxxxx e Xxxxxxxx (1991), a “língua” e, por conseguinte, o “texto” por si só não explicitam. Ambos, com suas propriedades materiais, necessitam da participação dos leitores na aquisição dos sentidos, que deverão, sem maiores impedimentos, acolher como interpretáveis os sentidos predispostos na superfície textual.
É válido mencionarmos o que dizem esses autores, para os quais “o sentido do texto é explícito não quando o que é dito é igual ao que é significado, mas quando o que é dito está calibrado com o que precisa ser dito e o que pode ser assumido (tradução nossa)”3. Nesse caso, essa percepção rechaça completamente a possibilidade de a explicitude de um determinado texto estar ligada apenas às qualidades inerentes à escrituração e à estruturação textual. Assim, depende muito da adequação do texto de acordo com o que poderá ou não ser assumido pelo leitor, conforme tem sido enfatizado neste estudo.
Existe, portanto, uma relação direta entre o que está sendo exposto, linguisticamente, e o conhecimento prévio dos leitores. Os enunciados linguísticos têm, então, uma interpretação que emerge de sua composição, e essa aptidão para a interpretabilidade das informações depende muito dos leitores, na medida em que, lembrando mais uma vez, estes são coconstrutores do texto. A concepção dialógica de que tratam Xxxxxxxx e Xxxxxxxx (1991) para o alcance dos sentidos difere bastante da visão de explicitude que se assenta no fato de ser determinado texto explícito ou não, de acordo com a capacidade dos autores de conseguirem ou não representar suas intenções de modo claro. Para os autores mencionados, “a explicitude e a autonomia textual são essencialmente idênticas e estão correlatadas diretamente com a elaboração do texto” (tradução nossa)4.
A elaboração do texto precisa ser pensada, portanto, de acordo com os saberes dos seus destinatários, de modo que as inferências possam ser realizadas de modo a propiciar o entendimento e manter a troca comunicativa. Ao produzir um texto, partindo do postulado de que essa materialidade é munida da propriedade dialógica, devem-se acolher saberes e conhecimentos partilhados tanto pelo produtor quanto pelos enunciatários/destinatários da mensagem. Nesse caso, domínios discursivos
3 “[…] text meaning is explicit not when is said matches what is meant but rather when what is said strikes a balance between what needs to be said and what may be assumed” (NYSTRAND; WIELMELT, 1991, p. 29).
4 “[…] expliciteness and textual autonomy are essentially identical and correlate directly with the extent of the text elaboration” (NYSTRAND; WIELMELT, 1991, p. 26).
que fazem parte da produção verbal dos falantes em determinadas esferas enunciativas são acionados, naturalmente, conforme os usos linguísticos comuns desses falantes.
A explicitude está relacionada a esses saberes, relativos aos domínios discursivos, sendo esses escopos “as grandes esferas da atividade humana em que os textos circulam” (XXXXXXXXX, 2005, p. 21). Um texto será mais ou menos explícito, consoante o reconhecimento desses domínios discursivos, que são, a priori, instâncias de usos da linguagem nas esferas sociais. O jurídico, o jornalístico, o religioso, o médico, por exemplo, são tipos de domínios discursivos usados pelos falantes quando inseridos nos contextos desses usos sociais.
O acionamento desses domínios discursivos concretiza-se pela utilização de diferentes campos semânticos, que inserem os contratos em uma categoria discursiva diferenciada, já que esses não dependem apenas do conhecimento ligado a uma das áreas mencionadas. Antes de tudo, o gênero contrato jurídico das empresas de assistência à saúde é caracterizado pela imbricação dos três domínios discursivos que fazem parte do escopo linguístico dos três grupos profissionais mencionados, concomitantemente, ao longo dos textos.
A macroestrutura textual dos contratos pode ser evidenciada no esquema a seguir, que representa como o gênero é constituído discursivamente.
Medicina
Economia
Contrato
Direito
Figura 1: Xxxxxxxx discursivos acionados nos textos dos contratos de planos de saúde analisados.
Na Figura 1, ilustramos a composição dos três domínios discursivos que fazem parte da estrutura macrotextual do gênero em tela, pois os textos dos contratos apresentam, na superfície textual, determinados conhecimentos pertencentes a esses três domínios.
Na parte em que são tratadas as especificidades legais dos contratos, são usados conhecimentos que fazem parte da esfera jurídica. Por isso, há uma inserção dos textos na linguagem própria dos profissionais ligados ao Direito. Da mesma forma, quando determinado contrato aborda questões relativas aos serviços de assistência à saúde oferecidos por uma empresa, há uma apresentação de termos próprios da linguagem médica. Já nas cláusulas concernentes ao pagamento das mensalidades e aos reajustes financeiros, ocorre uma inserção dos textos na linguagem própria de profissionais ligados à Economia. A utilização desses conhecimentos, ao longo dos textos, é, a partir de então, o objeto de análise dos dados.
Ao ativar diferentes domínios discursivos nos usos comunicativos, é necessário que esses saberes sejam partilhados, como temos afirmado. Se isso não ocorre, a explicitude fica comprometida, já que os tipos de conhecimentos não são presumíveis pelos indivíduos. Nesse caso, remetemo-nos ao conceito de informatividade, que é, justamente, o fator de textualidade que preconiza essa espécie de calibragem textual.
A informatividade é o fator da coerência que diz respeito à quantidade das informações apresentadas no texto. Isso significa que, quanto mais esperadas as informações, menor o grau de informatividade do texto; quanto menos previsíveis, maior o grau de informatividade. Para Xxxxxxxxx (2008, p. 138), tal fator corresponde ao desenvolvimento de determinado tópico, de acordo com a possibilidade de o texto “referir conteúdos” aceitáveis na situação de interação pressuposta por determinado gênero. Sobre a informatividade, ainda conforme afirma esse autor, deve-se observar que
O essencial desse princípio é postular que num texto deve ser possível distinguir entre o que ele quer transmitir e o que é possível extrair dele, e o que não é pretendido. (...) A rigor, a informatividade diz respeito ao grau de expectativa ou falta de expectativa, de conhecimento ou desconhecimento e mesmo incerteza do texto oferecido (MARCUSCHI, 2008, p. 132).
Desse modo, o maior ou menor grau de expectativa no recebimento de determinadas informações expostas na superfície textual determinará os níveis
informativos do texto. Por conseguinte, a expectativa está ligada ao reconhecimento das informações expostas no texto, requerendo dos indivíduos determinadas habilidades decodificadoras das informações. Por conta da maior ou menor probabilidade de extração dos sentidos e do seu relacionamento com os conhecimentos partilhados no ato enunciativo, quanto menores forem as probabilidades de reconhecimento das informações, menos explícito um texto será
Se um texto contiver apenas informação esperada/previsível dentro do contexto, terá um grau de informatividade baixo (grau 1); se, a par da informação esperada/previsível em um dado contexto, o texto contiver informação imprevisível/não-esperada, terá um grau médio de informatividade (grau 2). Finalmente, se toda informação do texto for inesperada/imprevisível, o texto poderá, à primeira vista, parecer incoerente, exigindo um esforço maior para calcular-lhe o sentido (grau 3 de informatividade) (XXXX; TRAVAGLIA, 1995, p. 81).
Classificam-se, no grau 1, os enunciados que apresentam apenas informações previsíveis, as quais podem até ser constituídas por textos que não acrescentam conteúdos relevantes para o estabelecimento da comunicação. No grau 2, situam-se os enunciados que apresentam informações menos previsíveis que as do nível 1, sendo esses textos caracterizados por um maior balanceamento dos seus conteúdos informativos. Já no grau 3, classificam-se os enunciados com o grau máximo de informatividade. Esses textos se caracterizam pelo elevado nível de imprevisibilidade das informações e exigem um grande esforço dos indivíduos para o cálculo do sentido.
Assim, no intercâmbio entre os saberes textualmente expostos e o acionamento de domínios discursivos, temos uma confluência de fatores, tanto no nível do texto quanto no do discurso, sem os quais a interpretação dos sentidos pode ser comprometida. Resumidamente, expomos os tipos de categorias linguísticas avaliadas na leitura dos contratos.
Texto
Informatividade, intertextualidade e explicitude
Discurso
Acionamento de domínios discursivos
Figura 2: Categorias de texto e discurso e seus fatores na leitura dos contratos de planos de saúde.
Na Figura 2, resumem-se os fatores linguísticos mencionados nos pressupostos teóricos previamente visitados. As características textuais ressaltadas correspondem aos fenômenos da informatividade, da intertextualidade e da explicitude. As características discursivas estão relacionadas aos sujeitos participantes que se manifestam de acordo com os domínios discursivos em que esses indivíduos estão inseridos. As questões relativas aos três fenômenos são interdependentes, conforme tem sido explicado.
O aparecimento de muitos intertextos, oriundos de domínios discursivos diferenciados interferem na elevação dos níveis das informações, gerando, por conseguinte, a ausência da explicitude dos sentidos. As propriedades textuais e discursivas dos diferentes gêneros estão, portanto, diretamente ligadas, inter- relacionando-se e se complementando, na configuração dos sentidos, no ato da leitura.
2. Análise dos corpora
Esta seção visa mostrar alguns indícios linguísticos que podem refletir os motivos para o aumento do nível de informatividade dos contratos de planos de
saúde. Os três exemplos a serem analisados possuem como fatores de aumento de nível informativo o acionamento de conhecimentos discursivos inseridos nos usos próprios de profissionais ligados à Saúde, à Economia e ao Direito.
Nossa análise procura evidenciar que, durante a leitura, quando as informações são mais previsíveis, o texto é mais explícito. Do contrário, quanto menos previsíveis forem as informações, menor é o nível de explicitude. Salientamos que as informações sobre as etapas da contratação constituem informações importantes para a leitura e a assimilação dos sentidos. Essas informações estão relacionadas ao entendimento dos conhecimentos de domínios discursivos específicos.
Dadas essas linhas de estudo, os possíveis danos jurídicos ou financeiros aos contratantes, a saber, os leitores aos quais os textos se reportam, são previamente conhecidos (ou não), na medida em que as informações possam ser processadas, durante a leitura. Destacamos, ainda, que o papel social do gênero “contrato jurídico” pode ser questionado, já que o desconhecimento das informações – integralmente – é elemento condicionado à sua própria funcionalidade. Se um texto não é eficaz na transmissão de informações aos cidadãos aos quais se destina, então, sua função pode ser questionada.
Tendo exposto o tipo de recorte analítico elaborado, passamos à análise dos exemplos, com vistas a demonstrar algumas perspectivas de leitura, a partir dos corpora da pesquisa.
Exemplo 1:
4. 180 (cento e oitenta) dias: Para internações clínicas ou cirúrgicas de caráter eletivo ou programado de qualquer especialidade; sessões de hemodiálise, diálise peritonial (CAPD), quimioterapia, radioterapia, procedimentos terapêuticos em hemodinâmica, nutrição parenteral ou enteral, transplante de rim e córnea; consultas médicas psiquiátricas e psicoterapia breve de crise; nefrolitotripsia extracorpórea; internação hospitalar psiquiátrica, seja esta em unidade clínica ou não; atendimentos de emergências psiquiátricas provocadas pelo alcoolismo ou outras formas de dependência química; e demais exames complementares de diagnósticos, tais como: ultrassonografia obstétrica; tomografia computadorizada; ressonância magnética nuclear; litotripsia ultrassônica; densitometria óssea (...). (Contrato da empresa Assim, p. 15).5
5 Para fins deste estudo, são preservadas as fontes geradoras dos exemplos citados.
No exemplo 1, o produtor do texto expõe para os clientes os diferentes períodos de carências do plano de saúde, que são maiores ou menores, de acordo com a complexidade dos procedimentos médicos que os pacientes podem utilizar. Ao expor os tipos de patologias e as carências a elas relacionadas, citam-se os diferentes procedimentos médicos relativos aos serviços disponibilizados pela empresa. Os serviços são muito específicos, e a linguagem utilizada coaduna-se com os saberes médicos relativos àquelas especialidades.
Para demonstrar os conceitos aos quais aludem os termos destacados, é válido explicar que a “diálise peritonial (CAPD)” é um tipo de diálise em que o indivíduo não necessita ir à unidade médica para realizar o procedimento, pois este se faz na residência do paciente. Os “procedimentos terapêuticos em hemodinâmica” são aqueles que requerem a aplicação de medicamentos nas vias arteriais dos indivíduos. A “nutrição parenteral” é a ministração de um tipo de nutrição por meio venoso, ocorrida, portanto, também por meio das vias venosas dos indivíduos, e a “enteral” é a nutrição feita por via oral. A “nefrolitotripsia” e a “litotripsia” são procedimentos que utilizam o laser. Assim, para exemplificar melhor tais serviços, podemos mencionar que são pertinentes ao tratamento de cálculos renais. Esses serviços médicos têm o sentido vinculado ao conhecimento de saberes específicos, dentro do domínio discursivo da saúde.
Pode-se verificar, também, nesse exemplo, que alguns serviços como “sessões de hemodiálise”, “transplante de rim e de córnea” e “consultas médicas psiquiátricas” categorizam-se como tipos de serviços médicos mais comuns e, por isso, não corroboram níveis informativos elevados, regulando mais a explicitude dos sentidos. Ressaltamos que os níveis de previsibilidade das informações estão veiculados ao maior ou menor conhecimento desses termos, tornando o texto instável, no cálculo da informatividade e da explicitude textual.
Ressaltamos, por conseguinte, que ocorre uma inadequação de ajustes linguísticos para a manutenção dos sentidos, pois o produtor, que expõe para os clientes o que é oferecido pela empresa, utiliza, no mesmo espaço textual, termos com graus de previsibilidade variados. O não entendimento dos períodos relativos aos tipos de carência dos serviços pode gerar conflitos na utilização dos serviços oferecidos. Questionamos, por conseguinte, a elaboração textual dessa parte específica do contrato, pois o entendimento equivocado pode revelar a aquisição de
um produto cujos serviços não serão utilizados do modo como os contratantes/clientes almejam.
Outros termos, oriundos de domínios discursivos específicos, também são imprescindíveis, para que haja o alcance dos sentidos por parte dos leitores, como mostramos no exemplo a seguir.
Exemplo 2:
28.13.4: As mensalidades poderão ser reajustadas, no transcorrer no Contrato, em razão da variação de sinistralidade, ou em virtude de alteração dos custos odontológicos. A alteração desses custos é apurada mediante a aplicação da seguinte fórmula:
Ir = (HO x P4) + (S x P5) + (DG x P8)
Onde:
Ir = Índice de reajuste;
HO = Variação dos preços dos honorários odontológicos; S = Variação dos salários;
DG = Variação dos preços das despesas gerais
P4, P5 e P8 representam o peso de cada um dos respectivos itens na fórmula, validados de acordo com as normas estabelecidas pelo órgão governamental competente. (...). (Contrato da empresa Assim, p. 27).
O exemplo 2, retirado da cláusula que aborda o pagamento das mensalidades, constrói-se a partir da utilização de fórmulas e de termos ligados ao cotidiano de profissionais de áreas como a contabilidade e a administração, acionando o domínio discursivo da economia.
A utilização de sintagmas nominais próprios da área econômica como “variação de sinistralidade”, “índice de reajustes”, além da exposição de fórmulas de cálculos matemáticos como “(HO x P4) + (S x P5) + (DG x P8)” conferem ao fragmento textual uma forte imprevisibilidade do aparecimento de informações.
Ressaltamos que a “variação de sinistralidade” é referente ao acontecimento de qualquer fato que possa promover o aumento na mensalidade do plano de saúde. A “alteração dos custos odontológicos” também é um fator que poderá provocar o aumento na mensalidade do plano, e esse elemento não é explicado pelo produtor do texto. O que pode ser entendido, a partir desses dois sintagmas, é que, além de reajustes financeiros, decorrentes das atualizações financeiras aprovadas pelas
autoridades competentes, a empresa de saúde também aumentará a mensalidade no caso da ocorrência de um sinistro com o cliente/contratante.
A necessidade de uso dos serviços por conta de algum imprevisto que não esteja elencado pelo contrato também pode provocar um reajuste financeiro, que não tem valor especificado, ficando este ligado ao entendimento da fórmula. Além do aumento do nível informativo e, consequentemente, da dificuldade de alcance da explicitude textual, fica também implícito que o acontecimento de imprevistos os quais incidam sobre o uso dos serviços odontológicos, sem ser conhecido pelo leitor leigo, pode ser um elemento de precaução jurídica. Isso se deve ao fato de que, sem saber o real valor dos reajustes, os clientes/contratantes tornam-se sujeitos facilmente manipuláveis quanto a possíveis prejuízos financeiros, já que o reajuste é indicado no texto, ainda que não seja compreendido. Ainda informamos que essa cláusula, especificamente, trata dos reajustes que são feitos pela empresa de saúde no que se refere aos serviços exclusivamente prestados nas especialidades odontológicas. Além da cláusula, o texto ainda explicita, em outra parte, os reajustes dos serviços médicos. O texto informa, portanto, duas formas de aumento das mensalidades que serão repassadas aos clientes/enunciatários.
No plano da assimilação dos sentidos, o nível de explicitude está vinculado ao entendimento do modo como se procede nesses dois tipos de reajustes de mensalidades do plano, os quais serão repassados aos clientes/contratantes.
O exemplo 3 mostra o domínio discursivo próprio da esfera jurídica, com vistas a relacionar o nível de informatividade e explicitude a esses saberes.
Exemplo 3:
(...)
10.3.1 – Os reajustes da Taxa Mensal de Manutenção serão efetivados nos termos da Lei nº 8.880/94, e legislação subsequente, anualmente. Entretanto, em havendo permissivo legal, desde já fica pactuado que a referida mensalidade será reajustada com a menor periodicidade legalmente permitida. (...). (Contrato da empresa Real Doctor, p. 11).
O exemplo 3 foi retirado da cláusula referente aos reajustes e a pagamentos de mensalidades do contrato da empresa Real Doctor. Ressaltamos que, para além de conhecimentos próprios da Economia, cujos cálculos e cujas expressões foram mostrados no exemplo 2, nesses segmentos dos textos, muitas vezes, as construções
sintáticas e a citação de leis podem tornar os excertos altamente informativos e implícitos.
O uso do gerúndio “em havendo permissivo legal”, no caso do exemplo acima transcrito pode indicar a tentativa de amenizar a possibilidade de haver reajustes nas mensalidades em períodos menores do que os anuais, desde que seja aprovada outra lei, além da 8.880/94. Nesse caso, abre-se uma brecha para possíveis reajustes nos valores das mensalidades, originados por outras leis regulamentares. No plano da construção linguística, mencionamos a construção “ficar pactuado”, que indica o acordo entre as partes. A antecipação do adjetivo ao substantivo, na construção “desde já fica pactuado que a referida mensalidade”, reflete uma estruturação sintática mais condizente com o domínio discursivo dos profissionais ligados ao direito.
Ressaltamos que o aparecimento dessas estruturas linguísticas também incidirá sobre o maior ou menor nível de previsibilidade das informações a elas subjacentes, durante a leitura. Para finalizar a análise, o desconhecimento do sintagma "em havendo permissivo legal" acarreta o não entendimento do modo como as cobranças são efetuadas pela empresa e, nesse caso específico, o alto nível de informatividade pode indicar interesses que se situam além da esfera interpretativa. Os tipos de reajustes, se acordados e não interpretados corretamente pelos leitores, podem prejudicar financeiramente os clientes/usuários do plano, o que pode constituir falta de probidade, por parte da empresa.
O uso de palavras do campo semântico do domínio discursivo dos profissionais do Direito, nesse caso, torna implícito o sentido do que está escrito, que poderia ser parafraseado do seguinte modo: “os reajustes da taxa de manutenção mensal serão feitos de acordo com a ‘Lei 8.880/94’. Contudo, se houver uma permissão legal para isso, faremos os reajustes nos prazos mais curtos que a legislação permitir à empresa”.
Defendemos que a opção por essa forma de construção poderia evidenciar mais explicitamente as informações do parágrafo. Essa opção seria mais condizente com o público-alvo desses textos, que se constitui de pessoas que querem adquirir os serviços oferecidos pelas empresas.
Considerações finais
O gênero em questão, embora seja de grande importância para o estabelecimento claro e direto, dos direitos e deveres dos interessados em adquirir serviços médicos importantes, apresenta uma estrutura textual com alto nível de informatividade.
Esse nível informativo elevado decorre do acionamento de diferentes saberes, oriundos dos domínios discursivos do direito, da saúde e da economia. As cláusulas dos contratos constituem as etapas da negociação jurídica e, ao acionar vocábulos próprios da Medicina, construções sintáticas e leis usadas na esfera do Direito, cálculos e saberes da economia, indicam informações importantes aos leitores, dependentes de um conhecimento previamente adquirido, a fim de que os sentidos sejam, de fato, explícitos. Sobre a ativação desses saberes, exigem-se, portanto, diferentes habilidades de leitura, ou a manutenção dos direitos e dos deveres desses leitores poderá ser prejudicada.
Esse gênero possui, pois, grande importância graças à relevância social e ao hibridismo na constituição textual, já que os saberes e conhecimentos acionados vêm de três atividades bastante distintas. A incorporação desses saberes indica um corpus diferenciado e interessante do ponto de vista da análise linguística, por isso, este estudo assume grande importância social. A falta de clareza linguística e o fato de esse gênero ser o mediador de uma situação de interação social imprescindível para a manutenção do direito à saúde foram, portanto, os fatos motivadores do interesse pelo estudo desses enunciados.
O trabalho pode indicar algumas perspectivas de análise em leitura e interpretação dos sentidos textuais. Pode, igualmente, mostrar uma proposta de pesquisa para o escopo da Linguística Forense. Esta vertente de estudos constitui destacada esfera analítica, pois subjazem, em seu bojo, gêneros de grande relevância social.
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ABSTRACT: The genre "juridical contract" aims to mediate the rights and duties of the people, from the procurement of goods indispensable to the daily life of those who need it. The texts of health care plans, by offering medical services are important communication genre. His reading, however, by relying on specific knowledge becomes unintelligible to people who do not understand such knowledge. Becomes relevant understanding of factors such as informativeness, the explicitness and Discourse Domains to scale how is the processing of meanings of these texts, while reading. We consider the theoretical postulates of authors like Xxxx and Xxxxxxxxx (1995), Xxxxxxxxx (2007; 2008) and Xxxxxxxx and Xxxxxxxx (1991) to show some textual and discursive properties that constitute these statements. The work has as objective to show how the knowledge in these texts are activated, showing the difficulties of processing the senses, while reading.
Keywords: Juridical contracts; Reading; Senses; Text.
Recebido no dia 05 de junho de 2014. Aceito para publicação no dia 13 de agosto de 2014.