Contract
Trata-se o presente de considerações sobre a ordem cronológica de pagamento constante na Lei de Licitações e Contratos aplicada a toda a Administração Pública.
Assim foram vislumbradas algumas hipóteses de, s.m.j., possibilidade, as quais serão objeto da presente análise, sob forma de parecer.
A primeira consiste na análise quanto à viabilidade de se retirar da “fila” de recebimento pelos credores de determinada instituição, fornecedores que possuem a receber da Administração valores de cifras muito mais elevadas, comparado com outros fornecedores.
O desiderato de tal medida é o travamento que o valor - de cifra muito elevada - acarreta no pagamento de pequenos fornecedores. Isto porque, a existência de nota fiscal de valor elevado, por vezes, impossibilita o pagamento deste próprio compromisso financeiro, como de todos os outros que estão na ordem subseqüente de pagamento, qual seja a ordem cronológica.
Ainda com relação à questão supra vislumbra-se se os valores retidos em caixa, com o propósito exclusivo para pagamento de empregados e débitos tributários, estariam dentro da hipótese legal de quebra de ordem cronológica, uma vez que tais valores constantemente são resguardados para fazer frente a tais despesas.
A segunda hipótese trata da quebra de ordem cronológica para pagamento de prestador de serviço específico que, em razão da natureza da prestação, bem como pelos termos contratuais, as quais se submeteram, enseja a possibilidade de se efetuar quebra.
É a síntese do necessário. Passo a opinar
Primeiramente, antes de ingressar pontualmente nos pontos específicos, suscitados acima, mister a inauguração do presente parecer com as questões inerentes ao bem tutelado de referido instituto – ordem cronológica de pagamento.
I - ORDEM CRONOLÓGICA – finalidade do instituto
A ordem cronológica é instituto previsto em Lei e que vincula a Administração Pública a efetuar os pagamentos aos fornecedores em conformidade com a exigibilidade dos créditos que se apresentem ao pagamento.
Tal instituto, no que tange ao pagamento de contratos administrativos, está previsto no art. 5º da Lei 8.666/93. Senão vejamos:
Art. 5o Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada. (g.a)
Utilizando-se da hermenêutica, o que se deve ser efetuado de forma, literal, sistemática, teleológica e lógica, extrai-se do diploma legal a necessidade da Administração em não privilegiar terceiros em detrimento de outros interessados que se encontrem em situação de prevalência por uma questão de ordem – exigibilidade dos créditos.
Nessa interpretação deve ser aplicado alguns princípios inerentes a esta área da Ciência do Direito – Direito Administrativo. Sendo ululante a atribuição dos princípios da isonomia, impessoalidade e o da moralidade ao caso, ora em comento.
Para, de forma resumida, explicitar a inserção dos princípios da igualdade e impessoalidade ao presente caso utilizo-me das palavras esclarecedoras de Carmem Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, in Princípios Constitucionais da Administração Pública, Del Rey, Belo Horizonte, 1994, p.154, “A igualdade é direito e o seu titular é o indivíduo ou cidadão. A impessoalidade é dever e quem titulariza é a Administração Pública. Ambas obrigam. Aquela obriga todas as pessoas públicas e privadas, físicas e jurídicas. Esta obriga o Estado a ser neutro, objetivo e imparcial em todos os seus comportamentos. A impessoalidade garante que a Administração seja Pública não apenas no nome, mas principalmente em
cometimentos, e que o bem politicamente buscado seja o de todos e não aquele comum a um grupo de pessoas eventualmente ocupantes dos cargos do Poder”
No que tange ao princípio da moralidade é salutar destacar que sua ofensa enseja irregularidade na aplicação dos princípios da lealdade e da boa-fé. Contudo deve-se salientar, conforme orientação do Mestre Xxxxxx Xxxxxxxxxxx, do qual tenho a honra de prestigiar inúmeras palestras ministradas no curso de especialização da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que o princípio da moralidade não é uma remissão à moral comum, mas está reportado aos valores morais albergados nas normas jurídicas.
Destarte, a ofensa às normas jurídicas poderá ser aferida ou identificada na medida em que pontuarmos a finalidade da lei, ou seja, qual o seu espírito e qual bem tutelado deve ser atingido.
Como é cediço no ordenamento jurídico, as leis, em regra, possuem aplicação de caráter geral e abstrato e é nesse prisma que entendo estar o dispositivo do art. 5º supra transcrito protegendo a coletividade, livrando-as dos desmandes do mal administrador, evitando deixar ao alvedrio a possibilidade de recebimento de valores com a exigibilidade já em grau de eficácia máximo1.
Nesse sentido manifesta-se o Ilustríssimo Professor Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrações, 11ª Edição, pg. 80:
O referido art. 5º consagra o dever de a Administração liquidar suas dívidas segundo a ordem cronológica. Ou seja, é inquestionável que a Administração tem que cumprir os prazos e satisfazer as dívidas segundo as regras previstas em Lei ou no contrato. Mas, ademais disso, está constrangida a
1 Nesse diapasão se faz necessário acrescentarmos a lição de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, in comentários à lei de licitações e contratos administrações, 12ª edição, pg. 106, o qual distingue os graus de eficácia de atos administrativos, inerente a exigibilidade de créditos. Vejamos: “No grau de eficácia máximo, o sujeito ativo dispõe não apenas do direito subjetivo e da pretensão, mas nasce para ele também o direito de exigir coativamente a conduta devida. Sob um certo ângulo, a eficácia máxima coincide com o nascimento do direito de ação – na acepção de um direito material, inconfundível com o direito abstrato de agir. O grau de eficácia máximo se aperfeiçoa quando o sujeito passivo deixa de cumprir o dever, após verificado evento previsto na Lei ou por ato de vontade como limite para o cumprimento espontâneo do dever jurídico. Talvez se pudesse considerar que o grau máximo de eficácia se instala após configurado o inadimplemento, mas essa construção vai sendo superada pelas novas acepções processuais (que defendem a ampliação da utilização do direito de ação, inclusive para prevenir a ocorrência do inadimplemento).
No exemplo utilizado, o grau máximo de eficácia surgiria após o prazo limite para o adimplemento espontânea da prestação derivada do contrato administrativo.”
observar uma ordem cronológica, de tal modo que não dispõe de discricionariedade para escolher a ordem de preferência para pagamento. O dispositivo retrata um plus, no que tange à disciplina do cumprimento das obrigações por parte da Administração. Não apenas há o dever de liquidar a dívida, dentro dos prazos preestabelecidos, como também não há margem de liberdade para escolher quem será beneficiado antes.
Resumindo e colocando de forma simplista podemos dizer que a ordem cronológica se impõe como medida restritiva de privilégios de credores na Administração Pública.
Contudo, ao mesmo tempo que a Lei dispõe sobre referida impossibilidade – quebra de ordem cronológica - prevê a possibilidade de exceção à regra.
Tal exceção somente será permitida quando presentes relevantes razões de interesse público, mediante justificativa das autoridades competentes, sob pena de incorrerem referidas autoridades na pena de detenção e em multa.2
Cumpre abrir um parêntese para fazer uma crítica ao legislador vez que a expressão “relevantes” em “relevantes razões de interesse público” me parece totalmente descabida e redundante. Ora, desconheço, pela própria noção de interesse público, conforme passarei a demonstrar mais adiante, alguma hipótese de que o interesse público não seja relevante.
No Direito Administrativo deve-se perquirir sempre a harmonia do Estado Democrático de Direito, o qual se faz, dentre outras formas, buscando o interesse da coletividade, ou seja, este é o desiderato da norma e da essência do próprio Direito. Assim, não há que se falar em relevantes razões de interesse
2 Lei 8666./93 - Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais.
público, vez que o interesse público é o que é almejado em todas as relações do Direito Administrativo.
Pois bem - dando continuidade – estará, assim, à autoridade competente vinculada a deliberar sobre a quebra da ordem de pagamento somente nesta hipótese – razão de interesse publico – emitindo, por conseguinte o competente ato administrativo.
Os atos administrativos para alcançarem a sua plenitude, devem estar preenchidos legalmente de todos os seus requisitos, quais sejam: sujeito, forma, conteúdo, motivo, finalidade e vontade.
Nesse ínterim, leciona Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx:
Sujeito é o autor do ato; quem detém os poder jurídicos administrativos necessários para produzi-lo; forma é o revestimento externo do ato: sua exteriorização; objeto é a disposição jurídica expressada pelo ato: o que ele estabelece. A expressão, com este sentido, é infeliz. Seria melhor denominá-la conteúdo. Motivo é a situação objetiva que autoriza ou exige a prática do ato; finalidade é o bem jurídico a que o ato deve atender. Vontade é a disposição anímica de produzir o ato, ou, além disto, de atribuir-lhe um dado conteúdo.3
Assim, os atos administrativos para existência, validade e eficácia deve também preencher os requisitos acima aludidos.
Outrossim, deve-se esclarecer que o ato administrativo como normativo administrativo de ordem secundária – de competência do executivo - submete-se a observância de lei de ordem primária - no caso ao art. 5º da lei 8.666/93 e seus consectâneos legais. Lembre-se que nesse – na lei – a norma tem caráter geral e abstrata enquanto que, naquele – ato administrativo – se perfaz de forma individual e concreta.
Portanto, ocorrerá ato de quebrar a ordem cronológica, ato contínuo a subsunção do fato à norma, observados os requisitos legais do ato.
Ultrapassada a exposição sobre ato jurídico e a previsão legal sobre a possibilidade quebra deve-se perquirir qual o fato jurídico que configuraria “razões de interesse público”.
3 Xxxxxxxx xx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito Administrativo. Malheiros. 25ª ed. São Paulo, p. 384
Conceituar interesse público não é das tarefas mais fáceis. Isto porque, a priori, interesse público é aquele que atinge uma coletividade, ou seja, não se pode privilegiar o interesse de um indivíduo.
Destarte, dentro do interesse público deve haver inúmeros interesses individuais, uma vez que o interesse de todos se compõe com o interesse de cada uma das partes da sociedade.
É natural que a busca da preservação do interesse da coletividade por vezes se contraponha ao interesse individual, pois é da natureza do próprio conceito de interesse público, ou seja, o coletivo em detrimento do individual.
Para auxílio da conceituação, mais uma vez, se faz necessário a transcrição dos ensinamentos de Bandeira de Mello. Vejamos:
O que fica visível, como fruto destas considerações, é que existe, de um lado, o interesse individual, particular, atinente à conveniências de cada um no que concerne aos assuntos de sua vida particular – interesse, este, que é o da pessoa ou grupo de pessoas singularmente consideradas - , e que, de par com isto, existe também o interesse igualmente pessoal destas mesmas pessoas ou grupos, mas que comparecem enquanto partícipes de uma coletividade maior na qual estão inseridos, tal como nela estiveram os que os precederam e nela estarão os que virão a sucedê-los nas gerações futuras. Pois bem, é este último interesse o que nomeamos de interesse de todo ou interesse público. Não é, portanto, de forma alguma, um interesse constituído autonomamente, dissociado do interesse das partes e, pois, passível de ser tomado como categoria jurídica que possa ser erigida irrelatamente aos interesses individuais, pois, em fim das contas, ele nada mais é que uma faceta dos interesses dos indivíduos: aquele que se manifesta enquanto estes – inevitavelmente membros de um corpo social – comparecem em tal qualidade. Então, dito interesse, o público – e esta já é uma primeira conclusão -, só se justifica na medida em que se constitui em veículo de realização dos interesses das partes que o integram no presente e das que o integrarão no futuro. Logo, é destes que, em última instância, promanam os interesses chamados públicos.
Donde, o interesse público deve ser conceituado como o
interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em
sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem. 4(grifo de agora)
Pois bem, traçado esse panorama sobre legislação, conceitos e hermenêutica aos atos que envolvem o instituto da quebra da ordem cronológica, os quais entende-se ser salutar para que se possam analisar os casos pontuais trazidos a lume, passa-se a analisar os questionamentos nos tópicos subseqüentes.
II – DA POSSIBILIDADE DE RETIRADA DE VALORES DE CIFRAS ELEVADAS DA ORDEM CRONOLÓGICA
Antes de ingressar no tema de retirada de fornecedor da “fila” da ordem cronológica de pagamento mister esclarecer a questão sobre valores retidos em caixa para pagamento de empregados e tributos.
II. a. – Da preferência dos créditos trabalhistas e tributários
Pois bem, para análise de tal questionamento, primeiramente, passa- se a relembrar o dispositivo legal – que trata da ordem cronológica – com os devidos grifos. Veja-se:
Art. 5o Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada. (os grifos não fazem parte do original)
A leitura do art. 5º da Lei 8.666/93 não deixa dúvidas ao dispor de forma taxativa quais as obrigações que estão sujeita a estrita ordem de pagamento. São elas, os pagamentos das obrigações relativas:
4 Xxxxxxxx xx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito Administrativo. Malheiros. 25ª ed. São Paulo, pags. 60/61
1- ao fornecimento de bens; 2- locações;
3- realizações de obras; e 4- prestações de serviços.
Veja-se que, da relação acima transcrita, não constam as obrigações tributárias, nem tampouco as obrigações relativas ao pagamento de empregados, com vínculo empregatício. Com relação a esta última hipótese – pagamento de empregados – uma pessoa mais desavisada que não guarda certa intimidade com a presente matéria poderia questionar se o pagamento de empregado não seria uma obrigação relativa e prestação de serviços.
Ao meu ver a resposta é não!!!
Poderia num sentido lato até ser argumentada tal hipótese, contudo, não no presente contexto. Isto porque a própria Lei 8.666/93 em seu artigo subseqüente – art. 6º, que trata das definições - exemplificou as hipóteses de prestação de serviços:
Seção II
Das Definições
Art. 6o Para os fins desta Lei, considera-se: (...)
II - Serviço - toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico- profissionais; (g.a)
Percebe-se que as hipóteses ali elencadas não guardam qualquer similitude com a hipótese vislumbrada.
Não obstante a argumentação supra, inclusive para que se possa por uma “pá de cal” nessa discussão, passa-se a transcrever o conceito de prestação de serviço, segundo o Ilustre e festejado Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
Rigorosamente, a expressão “serviço” pode ser utilizada como um gênero, para abranger diversas espécies entre as quais se encontra inclusive a figura da “obra”. Sob esse enfoque, o serviço consiste no objeto de uma obrigação de fazer, que impõe a um sujeito o dever de aplicar os seus
esforços, os seus recursos intelectuais e os seus esforços físicos para desempenhar certa atividade, envolvendo ou não a utilização de instrumentos, materiais e o trabalho de terceiros. Pode ser conceituado como a prestação por pessoa física ou jurídica de esforço humano (físico-intelectual), produtor de utilidade (material ou imaterial), sem vínculo empregatícios, com emprego ou não de materiais, com ajuda ou não de maquinário. 5(grifo e destaque de agora)
Sem embargo, a questão fica, ao meu ver, sem margens para discussão no momento em que o doutrinador especifica o elemento “sem vínculo empregatício” como caracterizador do conceito de serviço exposto na Legislação.
A rigor, nem poderia ser de outra forma a interpretação, ora em comento. Veja-se que a priorização no pagamento de tais débitos – empregados e tributos- já faz parte, não só da legislação como do próprio direito consuetudinário, que vigora em nosso ordenamento jurídico.
Segue abaixo exemplo de Leis clássicas que dispõe sobre o tema:
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-Lei 5.452/43)
Art. 449 - Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa.
§ 1º - Na falência constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito.
Código Tributário Nacional – CTN (Lei 5.172/66)
CAPÍTULO VI
Garantias e Privilégios do Crédito Tributário
SEÇÃO II
Preferências
Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho.
5 Xxxxxx Xxxxx, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos - 12ª ed. - São Paulo : Dialética, 2008. p. 119.
Consigna-se que a figura a ser acobertada pelo art. 5º é a da Contratada, ou seja, aquele que tenha se submetido à Lei de Licitações e não referente à relação entre empregado e Administração Pública, nem muito menos entre Administração Pública e Fisco.
Assim, tendo em vista todo o exposto sou da opinião que o pagamento de empregados e dos tributos não configura hipótese de ordem cronológica.
Destarte, não se deve, nem sequer, em falar de quebra cronológica de pagamento pois as hipóteses em comento não estão no rol de hipóteses listadas pela Lei. Ato contínuo, não há, portanto, a configuração da subsunção do fato concreto a hipótese legal pré-determinada pelo legislador.
II. b. – Da retirada de fornecedor específico da ordem cronológica
Conforme já mencionado foi vislumbrada sobre a viabilidade de se retirar da ordem cronológica de recebimento, fornecedor que têm a receber da Administração valores de cifras muito mais elevadas, comparado com outros fornecedores.
A retirada de referido fornecedor da ordem cronológica configura-se, em conformidade com o já exposto no tópico anterior, em quebra de ordem cronológica.
Tal quebra de ordem tem como justificativa a possibilidade de se liquidar outros compromissos financeiros com diversos fornecedores distintos.
Para melhor ilustrar a situação acima, insere-se abaixo situação hipotética de ordem cronológica representando-se por uma tabela de contas a pagar:
FORNECEDOR | DOCUMENTO | STATUS | VENCIMENTO | VALOR |
A | NF 1111 | Aprovada | 05/04/08 | R$ 878.300,23 |
B | NF 1212 | Aprovada | 07/08/08 | R$ 238,21 |
C | NF 1313 | Aprovada | 07/08/08 | R$ 1.106,78 |
D | NF 1414 | Aprovada | 10/08/08 | R$ 732,40 |
E | NF 1515 | Aprovada | 10/08/08 | R$ 48,00 |
F | NF 1616 | Aprovada | 15/08/08 | R$ 69,69 |
G | NF 1717 | Aprovada | 17/08/08 | R$ 5.432,02 |
H | NF 1818 | aprovada | 26/08/08 | R$ 1.116,30 |
Imagine-se, então, a hipótese de contas a pagar acima criada. Acrescenta-se o fato da empresa ter em caixa, no dia 26/08/08 – data de vencimento da última nota fiscal - a quantia de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais).
Veja-se que pelo dispositivo constante do art. 5º da Lei 8.666/93 a empresa não poderá arcar com nenhum pagamento, vez que o primeiro da “fila” está impossibilitando o pagamento de todos os outros fornecedores.
É nessa hipótese que se questiona sobre a possibilidade de quebrar a ordem em favor dos outros fornecedores em contraposição ao interesse de um indivíduo.
Ao meu ver a resposta para esse caso é no sentido da possibilidade, desde que conjugada com alguns fatos específicos e de caráter excepcionalíssimo.
Nota-se que, na hipótese apresentada, caso fosse quebrada a ordem cronológica, haveria possibilidade de quitar os débitos com todos os demais fornecedores, os quais inclusive são, aparentemente, de menor porte e, ainda, sobrar recursos no caixa da empresa.
A situação aqui apresentada é justamente inversa a que a doutrina e a legislação visa coibir, ou seja, o favorecimento de determinado indivíduo, pessoa física ou jurídica.
Veja o Comentário do Ilustre Conselheiro do tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, in Comentários e Jurisprudências sobre a Lei de licitações Públicas, 3ª ed. , São Paulo: Xxx Xxxxxxx, 1999, p. 64, nota 86.
O pagamento privilegiado de faturas públicas constitui-se em fonte de ilicitude, com empresas de grande porte político ultrapassando credores mais frágeis, gerando grave problema para os negócios do Estado. A implementação desta disposição pode constituir-se em favor da moralização dos atos da Administração.
A rigor, o que se apresenta na hipótese apresentada é justamente situação antagônica ao mencionado pelo X.Xxxxxxxxxxx. Não há privilégio para fornecedores com maior influência política.
Também, não há que se falar em ato para prejudicar determinado indivíduo mas sim de atender o interesse de uma coletividade. É natural que ao atender o interesse de uma coletividade acabe por desagradar o interesse de determinado indivíduo, situação esta que naturalmente pode ocorrer conforme definição de interesse público já exposta no tópico anterior (I).
Nesse sentido cumpre mencionar que a quebra de ordem cronológica para casos de pequeno valor já foi invocado em outros casos especiais, como v.g. os casos dos precatórios.
O privilégio dado às obrigações de pequeno valor foi inserido na Carta Magna com o advento da Emenda Constitucional n.º 30 de 2000. Vejamos:
Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
(...)§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
Em que pese tal dispositivo não ser aplicado à hipótese, ora em comento, pode-se perceber a preocupação do legislador em privilegiar credores de pequena monta a ponto de inserir tal dispositivo no corpo da própria Constituição Federal.
Assim, é que se entende pela configuração da razão de interesse público na hipótese suscitada, possibilitando, portanto, a quebra da ordem cronológica.
Contudo, mister esclarecer que tal quebra deve ser corroborada com fatores determinantes que comprovem que aqueles pagamentos, com vencimentos posteriores, deverão ser privilegiados em detrimento do mais antigo, sendo que essa análise deverá ser efetuada individualmente no caso concreto e em
conformidade com os princípios do Direito Administrativo – em especial ao da isonomia, legalidade, impessoalidade, moralidade e razoabilidade.
III – DA QUEBRA DA ORDEM CRONOLÓGICA REFERENTE A DETERMINADO CONTRATO
A segunda análise a ser feita é quanto a possibilidade de quebra de ordem cronológica aos pagamentos oriundos da contraprestação aos serviços prestados por meio de instrumento contratual firmado entre Administração Pública
– CONTRATANTE - e instituição de ensino - CONTRATADA.
Referido contrato teria como objeto, conforme cláusula contratual “a contratação de serviços especializados para realização dos Cursos, que visa capacitar os executivos da CONTRATANTE, com as necessárias habilidades gerenciais, para atuarem de maneira integrada no âmbito da empresa e com seus clientes e com a sociedade.”
Assim, a Administração Pública estaria contratando determinada instituição para disponibilizar cursos de capacitação para seus empregados.
Não obstante, para que o empregado pudesse participar de referido curso, seria necessário firmar termo de responsabilidade com a Administração Pública, no qual se estabelece que a Administração Pública subsidiará parte dos valores, sendo que a diferença será descontada do empregado na fonte pelo empregador.
Referido ajuste foi aceito por todos os empregado participantes do curso, sendo que os descontos já estariam sendo efetuados mensalmente.
Com base nas informações acima e na natureza jurídica do instituto da ordem cronológica entendo ser possível expedir ato de quebra, uma vez que a peculiaridade da presente contratação enseja tal medida, conforme se passa a aduzir.
Pois bem, conforme já exposto nos tópicos anteriores a quebra da ordem cronológica é uma exceção devendo ocorrer somente quando presentes razões de interesse público.
A rigor, a retirada de uma empresa (indivíduo) da fila de recebimento, para que este possa ser privilegiado no recebimento, deve ser repudiada por ofensa aos princípios da isonomia, impessoalidade e moralidade,
podendo ocorrer, em algumas hipóteses, a responsabilidade cível (ressarcimento ao erário), administrativa (lei de improbidade administrativa) e criminal (art. 92 da Lei 8.666/93) do agente que deu causa.
Contudo, o dispositivo legal em comento, qual seja, art. 5º da Lei 8.666/93, prevê a possibilidade de quebra da referida ordem cronológica, sendo que havendo a subsunção do fato concreto à hipótese legal, não há que se falar em ofensa à legislação e, conseqüentemente, em cominações de responsabilidades inerentes a eventual ilegalidade.
O primeiro ponto que deve ser levantado para se vislumbrar a quebra da ordem cronológica é o fato da empresa ter o direito de rescindir unilateralmente o contrato firmado com a Contratante.
Tal possibilidade somente é possível quando a Contratante, no caso a Administração Pública, esteja em atraso no pagamento por um período superior a 90 (noventa) dias.
Assim, tal informação – o período da mora – é salutar para eventual quebra de ordem cronológica, pois estando o pagamento dos valores do contrato à empresa em atraso, por culpa exclusiva da Contratante, por mais de noventa dias, o direito de rescindir unilateralmente o contrato encontrará amparo na própria Lei de Licitações. Veja-se:
Art. 78 Constituem motivo para rescisão do contrato: (...)
XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;
Vislumbrada a hipótese de rescisão ou até suspensão do contrato não há como deixar de denotar o caráter de grande relevância desta conseqüência. Neste caso, não só pela empresa quanto pelos empregados atingidos pela rescisão. A descontinuidade do curso, o conhecimento que deixou de ser implementado, o tempo e o gasto em vão, são alguns dos prejuízos a serem experimentados pelos partícipes.
Contudo, em que pese a possibilidade supramencionada, o que, ao meu ver, s.m.j., já teria o condão de invocar a quebra de ordem cronológica, poderia ser suscitado que outros contratantes também estariam em situação similar, qual seja, em atraso no recebimento de seus pagamento por mais de noventa dias.
Contudo, deixo de adentrar no embate sobre tal diferenciação – de fornecedores em situação similar – pois, no presente caso, encontra-se situação que, não bastasse os argumentos acima aduzidos, difere-se das demais contratações, qual seja: o fato dos empregados estarem sendo descontados efetivamente na fonte pelo curso ministrado, tendo a Administração Pública a obrigação de repasse desses valores à instituição Contratada.
Segue abaixo transcrições de parte do termo de responsabilidade assinado por todos os empregados que participam do curso:
(...)
3. Que conhecendo o preço total do curso, de R$ 17.714,29 (Dezessete mil, setecentos e quatorze reais e vinte e nove centavos), será pago da seguinte forma:
(...)
• 20% (vinte por cento) por minha conta, ou seja: R$ 295,24 (Duzentos e noventa e cinco reais e vinte e quatro centavos), por mês, perfazendo um total de R$ 3.542,86 (três mil, quinhentos e quarenta e dois reais e oitenta e seis centavos), limitado no entanto, ao percentual de até 3% (três por cento) do valor do meu salário nominal, a serem pagos em 12 (doze) parcelas consecutivas, vencendo a primeira parcela em 28 de agosto do corrente ano. Na hipótese de não se alcançar o valor indicado, caberá à Administração Pública, arcar com a diferença;
(...)
Autorizo desde já o débito do valor estipulado diretamente na minha folha de pagamento, sendo que, na ocorrência de uma das hipóteses de desligamento da Administração Pública acima elencadas, que permitam a continuidade no curso, me comprometerei a prosseguir com os pagamentos referentes ao curso, através de promissórias a serem por mim emitidas. (...)
Consigna-se o fator vinculatório das cláusulas constantes do termo de responsabilidade para adesão e fruição do objeto do instrumento contratual firmado entre Administração Pública e Contratada.
Não obstante, o fato trazido a lume transforma o pagamento de tais valores retidos como prioridade, vez que, na hipótese de não se efetuar o repasse à empresa, pode ser suscitado até a ocorrência de peculato (art. 312 do código Penal).
Tal análise advém dos efetivos descontos efetuados e do não adimplemento contratual.
Ato prudente seria a alteração do regime de retenção da fonte dos empregados que participam do curso de forma que os mesmos somente sejam descontados quando do efetivo pagamento à empresa.
IV - CONCLUSÃO
Após exposição de alguns conceitos que permeiam o Direito Administrativo e, mais especificamente, o instituto da ordem cronológica, os quais contribuíram para estender o presente parecer entendendo ser salutar para exame da matéria - CONCLUO pela possibilidade de se efetuar a quebra de ordem cronológica para os dois casos apresentados.
Primeiramente, com relação ao tópico II. a. entendo não haver óbice algum para a reserva de dinheiro em caixa para pagamento de empregados e tributos, vez que tais atos não estão contemplados na hipótese legal de ordem cronológica disposta no art. 5º da Lei 8.666/93. Muito pelo contrário, vejo que tal medida é prudente e salutar para o bom andamento da Administração Pública pois tais valores preferem a quaisquer outros, conforme norma específica transcrita.
Segundamente, com relação ao tópico II. b., deve-se esclarecer que se trata de análise em hipótese, sendo que os casos concretos devem ser trazidos pontualmente para expedição de parecer específico, pois, conforme já exposto, o ato somente poderá ser expedido após subsunção do fato concreto a hipótese legal.
Cumpre, ainda com relação ao caso acima, sugerir seja efetuado algumas análises preliminares antes da emissão do ato da efetiva quebra da ordem cronológica, quais sejam:
1- Verificar se a retirada de valores vultuosos da ordem cronológica não seria mais prejudicial a empresa, tendo em vista o direito do credor de solicitar eventuais encargos em razão da mora (juros e multa). Lembrando-se que tal análise é adstrita área que detenha conhecimentos financeiros e
comerciais da empresa, não se esgotando, portanto, numa análise meramente de Direito;
2- Por prudência, sugiro tentativa de extrair da empresa prejudicada na ordem cronológica um “de acordo” ou “ciente” na preterição de seu pagamento, uma vez que tal medida eximiria que órgãos fiscalizadores alegassem prejuízo a qualquer interessado.
3- Por fim, entendo prudente a definição ou estipulação de um valor que seja considerado como sendo de cifra elevada para utilização de parâmetro.
No que tange ao segundo caso, esposado no tópico III, devido a uma hipotética situação de inadimplência da Administração Pública perante a Contratada, bem como pelas características sui generis que norteiam o contrato administrativo entendo presente o requisito para efetivação da quebra cronológica de pagamento em favor da Contratada, adstrito aos valores retidos por força dos termos do instrumento contratual assinado entre empregados e Administração Pública, até que seja efetuada a mudança no regime de retenção.
Por derradeiro, lembro que todos os atos de quebra de ordem cronológica deverão ser devidamente publicados, sob pena dos órgãos de controle apontarem vícios no ato administrativo por aquele ser requisito formal deste. No mais, o ato deverá ser assinado pela autoridade competente.
Este é o parecer, sub censura. São Paulo, 07 de julho de 2009
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OAB/SP 198.538
Membro Efetivo da Comissão de Direito Administrativo da OAB/SP