UMA ANÁLISE CRÍTICA DO CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO CRIADO PELA LEI COMPLEMENTAR N. 155/2016 EM COMPARAÇÃO ÀS OUTRAS FORMAS DE ESTRUTURAÇÃO DO INVESTIMENTO-ANJO
FUNDAÇÃO XXXXXXX XXXXXX ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO
XXXX XXXXXXX XXXXXX XXXXX
UMA ANÁLISE CRÍTICA DO CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO CRIADO PELA LEI COMPLEMENTAR N. 155/2016 EM COMPARAÇÃO ÀS OUTRAS FORMAS DE ESTRUTURAÇÃO DO INVESTIMENTO-ANJO
SÃO PAULO 2019
UMA ANÁLISE CRÍTICA DO CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO CRIADO PELA LEI COMPLEMENTAR N. 155/2016 EM COMPARAÇÃO ÀS OUTRAS FORMAS DE ESTRUTURAÇÃO DO INVESTIMENTO-ANJO
Dissertação apresentada à Escola de Direito de São Paulo da Fundação Xxxxxxx Xxxxxx como requisito para aprovação no Mestrado Profissional em Direito da FGV Direito SP
Área de concentração: Direito dos Negócios
Orientadora: Profa. Dra. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Co-orientador: Prof. Mestre Xxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx
SÃO PAULO 2019
Rorato Filho, Xxxx Xxxxxxx. |
Uma análise crítica do contrato de participação criado pela lei complementar n. 155/2016 em comparação às outras formas de estruturação do investimento-anjo / Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx. - 2019. |
121 f. |
Orientador: Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx. Co-orientador: Xxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx. |
Dissertação (mestrado profissional) - Fundação Xxxxxxx Xxxxxx, Escola de Direito de São Paulo. |
1. Anjos (Investidores). 2. Investimentos de capital. 3. Simples (Imposto). 4. Contratos. 5. Direito comercial. I. Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. II. Xxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxxx da. III. Dissertação (mestrado profissional) - Escola de Direito de São Paulo. IV. Fundação Xxxxxxx Xxxxxx. V. Título. |
CDU 347.74 |
Ficha Catalográfica elaborada por: Xxxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx Xxxxxx CRB SP-010191/O |
Biblioteca Xxxx X. Boedecker da Fundação Xxxxxxx Xxxxxx - SP |
UMA ANÁLISE CRÍTICA DO CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO CRIADO PELA LEI COMPLEMENTAR N. 155/2016 EM COMPARAÇÃO ÀS OUTRAS FORMAS DE ESTRUTURAÇÃO DO INVESTIMENTO-ANJO
Dissertação apresentada à Escola de Direito de São Paulo da Fundação Xxxxxxx Xxxxxx como requisito para aprovação no Mestrado Profissional em Direito da FGV Direito SP
Área de concentração: Direito dos Negócios
Orientadora: Profa. Dra. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Co-orientador: Prof. Mestre Xxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx
Data de aprovação: _/ /
Banca examinadora:
Profa. Dra. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx (Orientadora)
FGV Direito SP
Prof. Me. Xxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx (Co-orientador)
FGV Direito SP
Dra. Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Direito USP
Adv. Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx
(Profissional do Mercado)
AGRADECIMENTOS
Ao escrever esses agradecimentos, veio-me à memória a alegria no momento em que fui aprovado no processo seletivo deste tão concorrido curso. Não hesitei, na ocasião, em comunicar aos meus familiares e amigos mais próximos, compartilhando esse pequeno momento de vitória e expectativa de crescimento pessoal e profissional. Era apenas o início dessa tão cansativa, mas enriquecedora jornada que me dispus a enfrentar. Foram horas de viagem, tempo de estudo, momentos de cansaço, solidão e até mesmo tristeza. Não foram uma nem duas as vezes em que me questionei sobre continuar nesse caminho, cujo benefício nem sempre estava claro aos meus olhos e mente. A elaboração de uma dissertação de mestrado profissional exige do aluno uma dedicação acima daquela a que está acostumado. É um desafio não só conseguir fazê-lo, mas principalmente terminá-lo.
Mesmo diante de todos esses obstáculos, consegui seguir em frente, não só pelo sentimento de estar no caminho certo, mas principalmente pelo apoio de pessoas especiais, as quais passo a agradecer.
Aos meus pais, pela educação e capacitação necessária à realização deste mestrado, em especial à minha mãe, por estar sempre preocupada com meu crescimento e com meu estado emocional.
Às minhas irmãs, pelo apoio nos momentos de stress e pela paciência com minha ausência no plano familiar e profissional.
Aos meus cunhados, pelo compartilhamento de conhecimento e pela dedicação à família no período em que estive mais ausente.
Às minhas xxxxxx xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxx, por me lembrarem o real significado da palavra “prioridade”.
À minha tia Xxxxx e ao meu primo Xxxxxx, pelo carinho, estadia e alimentação nas tantas viagens a São Paulo.
Ao meu primo Xxxx Xxxxxxxxx, pela disposição em iluminar o tortuoso caminho do mestrado, compartilhando suas experiências.
Aos meus queridos amigos e amigas, cujas ausências foram sentidas neste período de dedicação quase exclusiva.
A todos aqueles que de alguma forma me apoiaram neste período.
Aos meus inspirados orientadores, pela paciência, inteligência e rigidez oportuna, que me fizeram não só traçar esse caminho de sucesso como também serviram de exemplo de história e dedicação.
E, especialmente, à minha namorada, Xxxxxxxx, que compartilhou toda a angústia e sofrimento desse período de restrições e adaptação de prioridades. Quero, a partir de agora, priorizar a sua felicidade e o seu crescimento.
Amo todos vocês!
“É a dedicação ao trabalho que distingue um indivíduo do outro; não acredito em talentos.”
Euryclides de Xxxxx Xxxxxxx
O trabalho possui o formato de estudo de caso, por meio da análise crítica dos discursos realizados durante o trâmite do PLP n. 25/2007, que deu origem à LC n. 155/2016, e de suas ferramentas legais, em comparação com práticas usuais do mercado. Buscou-se realizar um estudo crítico da Lei Complementar n. 155/2016, que criou o contrato de participação como nova forma de estruturar investimento-anjo, quanto à sua coerência em relação aos próprios objetivos dos legisladores, apresentando eventuais sugestões de aprimoramento da lei e destacando os projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional que guardam relação com a matéria tratada na referida norma complementar. Também se averiguou se o novo instrumento e suas ferramentas legais trouxeram inovações ou melhorias às condições de investimento, em comparação com o contrato de mútuo conversível, sociedade em conta de participação e investimento direito em participação societária, apontando, casualmente, recomendações de ações práticas ao investidor-anjo, como dicas sobre o que não poderia faltar no desenho contratual; indicação de outras ferramentas legais e contratuais com similar finalidade; sugestões da forma de estruturação mais adequada a determinado quesito, com indicação de suas vantagens e desvantagens; recomendações de conduta e limite de atuação fática e jurídica para mitigar risco de responsabilização e não afastar o smart money, entre outras. Ainda que haja necessidade de aprimoramento por parte dos legisladores, o contrato de participação trouxe melhorias e inovações em praticamente todos os quesitos analisados, quais sejam, na liquidez do investimento, no incentivo fiscal e na segurança jurídica em relação ao risco de responsabilização. Apesar das suspeitas levantadas por profissionais do mercado, o novo instrumento não afasta o envolvimento do investidor-anjo como smart money, pelo menos não mais do que as outras formas de estruturação do investimento. Na visão deste pesquisador, a utilidade do contrato de participação deve ser repensada pelos agentes do mercado como alternativa viável para estruturação do investimento-anjo, observando sempre as necessidades e peculiaridades do negócio.
Palavras-chave: Investimento-Anjo. Lei Complementar n. 155/2016. Contrato de Participação. Formas de estruturação.
The work has the format of a case study, through a critical analysis of the speeches made during the process of the PLP n. 25/2007, which gave rise to LC n. 155/2016, and of its legal tools in comparison with usual practices of the market. It had been A critical study of Complementary Law no. 155/2016 was carried out, which created the participation contract as a new way of structuring angel investment, as to its coherence in relation to the legislators’ own objectives, presenting possible suggestions for improvement of the law and highlighting the bills in progress in the National Congress that are related to the matter dealt with in the said complementary norm. It was also examined whether the new instrument and its legal tools brought innovations or improvements to the investment conditions compared to the convertible loan agreement, partnership for participation and investment in equity interest, pointing out, incidentally, recommendations for practical actions angel investor, how, tips on what could not be lacking in contractual design; indication of other legal and contractual tools with similar purpose; suggestions on the form of structuring that is most appropriate to a specific issue, with an indication of its advantages and disadvantages; recommendations of conduct and limit of phatic and legal action to mitigate risk of liability and not to eliminate smart money, among others. Although there is a need for improvement by the legislators, the participation contract brought improvements and innovations, in almost all the analyzed issues, namely, the liquidity of the investment, the fiscal incentive and the legal certainty regarding the risk of accountability. Despite the suspicions raised by market professionals, the new instrument does not rule out angel investor involvement as smart money, at least no more than the other forms of investment structuring. In the view of this researcher, the usefulness of the participation contract must be rethought by market agents as a viable alternative for structuring the angel investment, always observing the needs and peculiarities of the business.
Keywords: Angel Investment. Complementary Law n. 155/2016. Participation Agreement. Structuring forms.
CC Código Civil (Lei n. 10.406/2002)
CDC Código de Defesa do Consumidor
CF Constituição Federal
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CNPJ Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica
Cofins Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
CTN Código Tributário Nacional
CVM Comissão de Valores Mobiliários
EPP empresa de pequeno porte
FIP fundo de investimento em participação
ICVM instrução normativa da Comissão de Valores Mobiliários
IGP-M/FGV Índice Geral de Preços do Mercado, da Fundação Xxxxxxx Xxxxxx IN instrução normativa
IOF Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários
IPCA/IBGE Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IR imposto de renda
IRPF Imposto sobre a Renda da Pessoa
IRPJ Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas
ITBI Imposto de Transmissão de Bens Imóveis ITCMD Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação LC lei complementar
LSA Lei das Sociedades Anônimas
M&A mergers and acquisitions
ME microempresa
PD&I pesquisa, desenvolvimento e inovação
PE private equity
PIS/Pasep Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep)
PLC projeto de lei complementar (Senado Federal)
PLP projeto de lei complementar (Câmara dos Deputados) PLS projeto de lei do Senado
RFB Receita Federal do Brasil
RIR Regulamento do Imposto de Renda
ROFO right of first offer
ROFR right of first refusal
SA sociedade anônima
SCP sociedade por conta de participação
Sebrae Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SRF Secretaria da Receita Federal
VC venture capital
Quadro 1 - Forma de tributação – Contrato de Participação - IN n. 1.719/2017 Receita Federal
.................................................................................................................................................. 63
Quadro 2 - Tributação sobre remuneração, retirada e cessão 68
Quadro 3 - Tributação do simples, aporte e ágio na conversão 69
Quadro 4 - Classificação de risco do envolvimento fático jurídico e blindagem patrimonial .84
Gráfico 1 - Ciclo de financiamento das startups 28
1 DIAGNÓSTICO DA LC N. 155/2016 15
1.1 Projeto de Lei Complementar n. 25/2007 e seus objetivos 15
1.2 LC n. 155/2016 e o contrato de participação 21
1.2.1 Da eliminação de barreiras de investimento 21
1.2.2 Do acesso ao capital inteligente 24
1.2.3 Mecanismos aparentemente incoerentes com os objetivos da LC n. 155/2016 24
2 ALTERNATIVAS AO CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO 27
2.1 Formas de estruturação de investimento 27
2.1.1 Do investimento via participação societária 29
2.1.2 Do investimento via sociedade em conta de participação 30
2.1.3 Do investimento via contrato de mútuo conversível 34
2.2 Mecanismos de eliminação de barreiras de investimento 37
2.2.1 Segurança jurídica quanto aos riscos de responsabilização 37
2.2.1.1 Da responsabilidade pela condição de sócio 39
2.2.1.2 Da responsabilidade pelo exercício de direitos de gerência e voto na administração 42
2.2.1.3 Da responsabilidade pela integralização de capital 46
2.2.1.4 Do responsável pela atividade empresarial 47
2.2.1.5 Da responsabilidade por dívida da empresa e das regras de desconsideração da personalidade jurídica 49
2.2.2 Mecanismos de liquidez do investimento 54
2.2.2.1 Do direito de venda conjunta: tag along 54
2.2.2.2 Do direito de preferência na aquisição das quotas dos demais sócios 56
2.2.2.3 Da transferência de titularidade do aporte para terceiros 57
2.2.2.4 Da remuneração por participação nos resultados 57
2.2.2.5 Do direito de resgate 58
2.2.2.6 A conversão como elemento limitador da liquidez 59
2.2.3 Mecanismos de incentivos fiscais 60
2.2.3.1 Dos veículos de investimento como incentivo fiscal 61
2.2.3.2 Das formas de tributação como incentivo fiscal 62
2.2.3.2.1 Tributação sobre a alienação de titularidade ou a cessão de direito 64
2.2.3.2.2 Tributação sobre a participação nos resultados 64
2.2.3.2.3 Tributação sobre o resgate 64
2.2.3.2.4 Tributação sobre o aporte e o ágio 65
2.2.3.2.5 Do Simples Nacional 67
2.3 Mecanismos de acesso ao capital inteligente 69
2.3.1 Limitações ao aporte de capital via FIP 70
2.3.2 Limites de atuação do investidor-xxxx como smart money 71
2.3.2.1 Tipos de investidores-anjo 73
2.3.2.2 Direitos de voto afirmativo, de veto ou de autorização prévia 77
2.3.2.3 Envolvimento jurídico e fático do investidor 81
3 AVALIAÇÕES, CONTRIBUIÇÕES DE MELHORIA E AÇÕES PRÁTICAS 85
3.1 Melhorias, inovações e sugestões de ação prática 85
3.1.1 Quanto à segurança jurídica do risco de responsabilização 85
3.1.1.2 Integralização do capital social 87
3.1.1.4 Direito de gerência e voto na administração 88
3.1.1.5 Dívida social e desconsideração da personalidade jurídica 88
3.1.1.6 Sugestões de ação prática 88
3.1.2.2 Direito de preferência 91
3.1.2.3 Direito de transferência 92
3.1.2.5 Direito de retirada 93
3.1.2.6 Conversão em participação societária 94
3.1.3 Quanto ao incentivo fiscal 95
3.1.4 Quanto ao acesso ao capital inteligente 97
3.1.5 Vantagens e desvantagens das formas de estruturação de investimento anjo 99
3.2 Incoerências e das sugestões de aprimoramento da legislação 102
3.2.1 Quanto à segurança jurídica do risco de responsabilização 102
3.2.2 Quanto à liquidez 104
3.2.3 Quanto ao incentivo fiscal 106
3.2.4 Quanto ao acesso ao capital inteligente 109
CONCLUSÃO 111
REFERÊNCIAS 114
INTRODUÇÃO
A Lei Complementar n. 155/2016 (LC n. 155/2016) é uma norma paradigmática para os investidores-anjos. Pela primeira vez na história deste país um texto de lei dispõe sobre o aporte de capital em startups1 — mais especificamente, micro e pequenas empresas —, cuja finalidade coaduna-se com o incentivo à inovação e ao investimento produtivo.
Até a promulgação da LC n. 155/2016, não foi possível encontrar nenhuma norma jurídica2 que tutelasse especificamente a relação jurídica entre o investidor-anjo e a sociedade investida, ou melhor, que regulasse o aporte de capital à empresa investida de modo diverso de um simples mútuo (art. 586 et seq. do Código Civil [CC], Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002) ou integralização de capital social.
O investimento-anjo tem um papel fundamental para as startups. Empresas como Facebook,3 Google, Apple, Buscapé e Bematech são apenas alguns exemplos de sucesso deste tipo de investimento.4
Enquanto nos EUA já são mais de 350 mil, no Brasil estima-se a existência de cerca de 7 mil investidores-anjo,5 e a LC n. 155/2016 pode ser vista como um primeiro passo para o crescimento efetivo desta indústria.
A LC n. 155/2016 surge num aparente momento de crise do setor, em que o número de investidores-anjo no Brasil caiu 3% entre os anos de 2015 e 2016, passando de 7.269 para 7.070. Por outro lado, o potencial desse tipo de investimento deve ser ressaltado, pois, no mesmo
1 O conceito de startup é um pouco mais complexo e dependerá muito do contexto e finalidade em que está sendo mencionado. Uma das formas de entender o termo seria por meio de suas características principais, como bem destaca Feigelson: “[…] consideramos como startup a empresa que possui os seguintes elementos: i. Encontra-se em estágio inicial, sendo notadamente carente de processos internos e organização; ii. Possui perfil inovador; iii. Possui significativo controle de gastos e custos; iv. Seu serviço ou produto é operacionalizado por meio de um produto mínimo viável. v. O produto ou ideia explorado é escalável. vi. Apresenta necessidade de capital de terceiros para operação inicial. vii. Utiliza tecnologia para seu modelo de negócios.” (XXXXXXXXX, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Direito das startups. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 24).
2 A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no período próximo, editou duas normas que, apesar de não tratarem especificamente do investimento-anjo, regulam o investimento em empresas startups, como é o caso da regulamentação do Equity Crowdfounding (ICVM 488/2017) e dos novos Fundos de Investimento em Participação
- FIP (ICVM n. 478/2016).
3 XXXX, Xxxxxxxxx. Conheça Xxxx Xxxxxxxxxx, o investidor anjo do Facebook, Uber, Twitter e Snapchat. Canaltech, 9 maio 2017. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxx-xxxxxxxxxx-xxxxxxx-x- investidor-anjo-do-facebook-uber-twitter-e-snapchat-93372. Acesso em: 09 jan. 2019.
4 ANJOS DO BRASIL. O que é investimento anjo? [S.d.]. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxxxxxxx-xxxx.xxxx. Acesso em: 09 jan. 2019.
5 BOOKSTRAT. Investidor anjo. [S.d.]. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx/xxxxx-xxxxxxxx.xxxx. Acesso em: 09 jan. 2019.
período, o aporte médio por investidor aumentou 11%, chegando, entre 2015 e 2016, a um patamar de R$ 120.300,00.6
A falta de incentivos governamentais adequados por meio de políticas de estímulo a este investidor pode ser considerada uma das razões por que o Brasil, dentre os países do BRICS, é hoje um dos que menos detêm potencial de inovação.7 A cidade de São Paulo, que outrora ocupava a 15ª posição entre os ecossistemas mais pujantes do mundo, hoje não está nem mesmo entre as top 20.8
Além do impacto direto à inovação, estudos comprovam que o investimento-anjo tem efeito catalizador, com poder multiplicador de 5,849 na economia e capacidade real de aumentar a probabilidade de sucesso da empresa investida em 30% a 50%.10
O governo federal pode aumentar sua arrecadação, seu crescimento e seus níveis de emprego e renda simplesmente fomentando o investimento-anjo por meio de incentivos fiscais,11 sobretudo considerando que os anjos têm como alvo empresas com alto potencial de crescimento e grande impacto na economia.12
6 ANJOS DO BRASIL. Investimento anjo para startups cresce mesmo com a crise, mas está sob risco. 17 jul. 2017. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxx/xxxxxxxxxxxx-xxxx-xxxx-xxxxxxxx-xxxxxx-xxxxx-xxx-x- crise-mas-esta-sob-risco. Acesso em: 12 maio 2018.
7 “Em relação ao potencial de inovação em empreendedores iniciais (Tabela 5.4), o país com maior percentual de inovação em produto ou serviço é a China (76,9%), seguido pela Índia (62,6%) e pela África do Sul (47,9%). O Brasil apresenta o segundo menor percentual (20,4%) acima apenas da Rússia (17,5%).” (GRECO, Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx (coord.). Empreendedorismo no Brasil: 2016. IBQP, 2017. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/XXXXXXXX_XXXXXXX/xxx/xxx.xxx/000x00xx00x0x00000000x b11a262802/$File/7592.pdf. Acesso em: 30 mar. 2018).
8 STARTUP GENOME. 2017 Global Startup Ecosystem Report. 2017. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx. Acesso em: 12 maio 2018.
9 ANJOS DO BRASIL; GRANT THORNTON. O estímulo como ferramenta para o fomento do investimento em startups: o caso investimento anjo. Nov. 2017. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/0/0/0/0/0000000/xxxxxx_xxxxx_xxxxxxxx_xxxx_xxxxxxxxxxxx_xx_xxxxxxxx_
-_anjos_do_brasil_e_grant_thornton.pdf. Acesso em: 12 maio 2018.
10 XXXX, Xxxxxxx X.; XXXXXX, Xxxx; XXXXXX, Xxxxxxxxxx. The Consequences of Entrepreneurial Finance: A Regression Discontinuity Analysis. Working Paper, n. 00-000, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, 0000. Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx/xxxxxxx/Xxxxxxxxxxx%00Xxxxx/00-000.xxx. Acesso em: 26 mar. 2018.
11 ANJOS DO BRASIL; GRANT THORNTON. Op. cit.
12 O investidor-anjo, em regra, trata-se de um sujeito “possuidor de um high net worth (valor líquido elevado), disposto a investir parte de seus ativos em empreendimentos de alto risco que apresentam um grande potencial de retorno. Eles não investem somente seu próprio capital, mas também sua experiência, normalmente desempenhando papéis fundamentais na formação de uma empresa em estágio inicial de desenvolvimento. Em resumo, a figura do investidor-anjo geralmente possui experiência anterior com a gestão de empresas e normalmente aparece após o empreendedor ter esgotado os recursos disponibilizados por sua família e seus amigos, mas antes de buscar investidores maiores.” (FEIGELSON, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 95).
O Brasil já costuma adotar políticas de incentivo em outros tipos de investimento,13, 14
no entanto, não havia ainda mecanismos de incentivos ao investimento-anjo até a edição da LC
n. 155/2016, que cria o contrato de participação,15 um instrumento de estruturação capaz, em tese, de eliminar barreiras de investimento.
O escopo deste trabalho consiste em elaborar uma análise crítica da LC n. 155/2016 e seus dispositivos, mais precisamente dos seus artigos 61-A a 61-D, para saber se eles estão em conformidade com os objetivos inicialmente traçados pelo legislador, apresentando, quando for o caso, sugestões de aprimoramento da lei.
Além disso, também se verifica se o contrato de participação traz ferramentas legais inovadoras, que de alguma forma melhorem as condições de investimento, em comparação com outras formas de estruturação e à luz dos objetivos traçados pelos legisladores, fazendo, quando possível, recomendações de ações práticas ao investidor anjo.
Para tanto, na primeira seção, retrata-se fielmente todo o debate realizado durante o trâmite do PLP n. 25/2007, que deu origem à LC n. 155/2016, mais precisamente quanto aos aspectos ligados ao investimento-anjo, com o intuito não só de identificar quais foram os objetivos dos legisladores com a criação da norma como também de descrever as ferramentas legais criadas para atender esses desígnios, apontando eventuais incoerências.
Na sequência, desenvolve-se uma análise comparativa das principais ferramentas de cada forma de estruturação do investimento-anjo, em especial via equity (compra de participação societária direta), sociedade em conta de participação e mútuo conversível, à luz dos objetivos traçados pelo legislador da LC n. 155/2016.
Já na terceira seção, apresenta-se uma avaliação da LC n. 155/2016, quanto à sua coerência, inovação e/ou melhoria, eventualmente apontando sugestões de aprimoramento ao legislador e ações práticas ao investidor-anjo.
13 Isenção de imposto de renda sobre ganho de capital, para aqueles que investem em empresas na bolsa de valores com faturamento de até R$ 400 milhões; isenção de imposto de renda sobre rendimento, para aqueles que disponibilizam capital para os fundos de investimento imobiliário e para os fundos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), além dos títulos de infraestrutura, agrícolas (LCA e CRA) e imobiliário (LCI e CRI) e, ainda, para investidores estrangeiros em títulos públicos.
14 ANJOS DO BRASIL. Investimento anjo para startups… Op. cit.; ANJOS DO BRASIL. Proposição para estímulo ao investimento em startups. [S.d.]. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxxxxxx.xxxx. Acesso em: 26 mar. 2018.
15 “O contrato de participação é uma nova criatura jurídica, de natureza híbrida: permite o exercício de alguns direitos tipicamente decorrentes de participação societária (participação nos lucros, direito de preferência, tag along) mas, ao mesmo tempo, exclui expressamente toda e qualquer responsabilidade do investidor por dívidas da sociedade.” (XXXXX, Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxx; LUZ, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A regulação do investimento-anjo no Brasil: comentários e perspectivas a respeito da Lei Complementar 155/2016. 2016. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xx-xxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/xxxxxx-xxxxxxxx-xxx-xx-xxxxxxx%XX%X0x%XX%00x-xx- Investimento-anjo-no-Brasil.pdf. Acesso em: 20 maio 2018, p. 8).
1 DIAGNÓSTICO DA LC N. 155/2016
1.1 Projeto de Lei Complementar n. 25/2007 e seus objetivos
A LC n. 155/2016 originou-se do PLP n. 25/2007,16 de autoria do deputado Xxxxxxx Xxxx, o qual, por sua vez, tinha como foco principal a modificação da Lei Complementar n. 123/2006 (Lei da Micro e Pequena Empresa), numa política denominada “Crescer Sem Medo”.
O principal foco dos debates durante todo o trâmite do processo legislativo girou em torno da criação de incentivos e oportunidades de crescimento para o micro e o pequeno empresário, da facilitação de acesso ao capital e da desburocratização do sistema atual.
Apesar de o projeto ser de 2007, apenas no dia 1º de julho de 2015 se menciona no referido projeto a criação de incentivos para fomentar o surgimento das startups, micro e pequenas empresas inovadoras e disruptivas,17 mais precisamente na forma de substitutivo do parecer final do relator, deputado Xxxx Xxxxxx, da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, porém ainda sob a insígnia de debêntures especiais para capitalização de seus negócios, denominadas “títulos de impulso econômico”.18 Como justificativa19 da inclusão no desenho do projeto de lei do deputado Xxxxxx Xxxxx, apresentavam-se os seguintes termos:
Investimentos em MPE – “anjos”[20]
Propõe-se a inclusão dos artigos 61-A a 61-F, nos moldes do projeto do Deputado Otávio Leite, para criar mais incentivos para o surgimento de empresas inovadoras na área de tecnologia, as chamadas startups. Tais empresas são normalmente concebidas
16 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar n. 25/2007. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxxxxxxxxxxxxxxx?xxXxxxxxxxxxx000000. Acesso em: 23 jan. 2018. 17 A adoção de políticas públicas de incentivo à inovação por meio de micro e pequenas empresas tem sido bastante criticada por pesquisadores como Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Para ela, não se deve confundir inovação com o tamanho da empresa, sendo mais eficiente priorizar empresas jovens que possuem aptidão para inovar. Em suas palavras, “a implicação política é que em vez de dar esmolas para as pequenas empresas esperando que elas cresçam, é melhor oferecer contratos para jovens empresas que já demonstraram ambição. É mais eficaz encomendar tecnologias que exijam inovação do que distribuir subsídios esperando que a inovação ocorra. Em uma época na qual os déficits orçamentários estão limitando os recursos disponíveis, essa abordagem poderia render uma economia significativa para os contribuintes se, por exemplo, acabassem as transferências diretas para as empresas, feitas devido apenas ao seu tamanho, com benefícios fiscais para empresas de pequeno porte e isenções na sucessão de empresas familiares. (Xxxxxxx 2012)” (XXXXXXXXX, Xxxxxxx. O Estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. Tradução Xxxxxx Xxxxxxxxx. São Paulo: Portfolio Penguin, 2014).
18 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar n. 25/2007: parecer. 01 jul. 2015. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxx_xxxxxxxxxxxxxx?xxxxxxxx0000000&xxxxxxxxxXxxxxxxxxx- PLP+25/2007. Acesso em: 24 mar. 2018.
19 Ibidem.
20 Em que pese a palavra “anjos” já ser mencionada no título da justificativa, o termo “investidor-anjo” apenas foi introduzido no texto de lei em 25 de agosto de 2015, após discussão em plenário, conforme parecer do relator da Comissão Especial. (BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar n. 25/2007: parecer do relator, pela comissão especial, às emendas de plenário: subemenda substitutiva global. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxx_xxxxxxxxxxxxxx?xxxxxxxx0000000&xxxxxxxxxXxxxxxxxxx- PLP+25/2007. Acesso em: 24 mar. 2018).
por mentes inovadoras que, com os dispositivos dessa proposta, terão facilitada a associação com parceiros experientes no mundo dos negócios e a disponibilização de capital para aumentar as chances de sucesso do empreendimento.
O objetivo, com a inclusão dos artigos, é remover as barreiras para investimentos em micro e pequenas empresas inovadoras, garantindo um ambiente favorável para investidores e reduzindo o custo de capitalização.
Entre o dia 1º de julho de 2015 (dia em que pela primeira vez se fala em incentivos às startups, porém por meio de título de impulso econômico) e o dia 25 de agosto de 2015 (dia em que pela primeira vez o termo “investimento-anjo” se adere ao texto do projeto), os termos do projeto de lei mudaram profundamente, mais precisamente em seus arts. 61-A a 61-E. Aliás, não apenas houve a inserção da nova figura do investidor-anjo, mas também outras alterações na direção do texto ora em vigência, embora com a manutenção da justificativa do deputado Xxxxxx Xxxxx e ainda sem as limitações de prazos e de regulamentação do Ministério da Fazenda impostas pelo Senado Federal, o que é comentado adiante. Não há, porém, nenhum registro, seja por emenda, seja por reunião ou justificativa, para tamanha mudança nos termos do projeto.21
Em seu discurso proferido no dia da referida inclusão, isto é, na 5ª reunião ordinária da comissão especial, de 1º de julho de 2015,22 o deputado Xxxxxx Xxxxx enalteceu ao menos dois aspectos que merecem destaque e que estão alinhados ao próprio desígnio do PLP n. 25/2007, quais sejam, a dificuldade de acesso ao capital pelas micro e pequenas empresas e a possibilidade de isenção de imposto de renda sobre o lucro de capital para aquele que investe.
21 Em contato com o serviço “Fale Xxxxxxx” xx Xxxxxx xxx Xxxxxxxxx (XXXXXX. Câmara dos Deputados. Fale Conosco. Disponível em: xxxxx://xxxxxx.xxxxxxxx.xxx/xxx/xxxxx/xxxxx_xxxx/xxxxxxxx/xxxx. Acesso em: 30 maio 2019), obtivemos a seguinte resposta: “FALE CONOSCO CAMARA DOS DEPUTADOS - Identificação da demanda: Protocolo: 180121-000001, título: Atas, relatórios, vídeos relacionados ao PLP 25/2007 – Publicação Eletrônica [1. Conforme relatado em resposta à solicitação de protocolo 180118-000145, o termo ‘investidor anjo’ somente foi introduzido no texto do projeto durante a discussão em Plenário. 0.Xx DCD do dia 17/7/2015 foi publicado o parecer da Comissão Especial com o texto (substitutivo) aprovado pela comissão. O termo anjo é mencionado apenas no relatório do Relator; não consta do texto do substitutivo. 0.Xx dia 25/8/2015, a matéria entrou em discussão no Plenário. As emendas de Plenário são apresentadas durante a discussão da matéria, conforme artigos 120 a 122 do Regimento Interno da Câmara. Foram apresentadas emendas de plenário, e o registro das discussões e das votações pode ser consultado na ficha de tramitação do projeto no link abaixo: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxxxxxxxxxxxxxxx?xxXxxxxxxxxxx000000 4.Conforme já informado, a última reunião da Comissão Especial ocorreu no dia 01/07/2015. Não foram localizados registros nem notas taquigráficas de reuniões que tenham tratado da matéria, nas dependências da Câmara dos Deputados, entre essa data e o início da discussão em Plenário, 25/8/2015.], mensagem recebida por xxxxxx.xxxxxxx@xxxxxx.xxxxxxxx.xxx em 22 de jan. de 2018.” (Grifos do original).
22 BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão especial: PLP 025/07: supersimples. Reunião ordinária n. 1042/15. 01 jul. 2015. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxxxxxx.xxx?xxxxxx00&xxxxxxxxx0000/00. Acesso em: 24 jan. 2018.
Já em sessão deliberativa extraordinária, em 1º de setembro de 2015,23 o referido deputado salientou mais uma vez a importância do capital às startups, realçando a inserção do investimento-anjo no texto do PLP n. 25/2007 e lamentando a retirada da isenção tributária para esse tipo de investimento. In verbis:
[…] Não conseguimos aprovar a oportunidade de isenção de capital sobre o lucro. Isso seria certo […] eu queria compartilhar com todos a minha satisfação em termos uma regra nova para os investidores-anjo poderem avançar, poderem aportar capital nas startups, nas inovações de que o Brasil tanto precisa […].
Em 2 de setembro de 2015, foi aprovada em sessão ordinária deliberativa a redação final da Câmara,24 que foi enviada ao Senado para apreciação.
No Senado Federal, em 9 de dezembro de 2015, após designação da senadora Xxxxx Xxxxxxx como relatora da Comissão de Assuntos Econômicos, foi proferido o parecer n. 1.142/201525 ao PLC n. 125/201526 (número do PLP n. 25/2007 no Senado), realçando o investimento-anjo como mecanismo de financiamento que vem ganhando “progressiva relevância na economia contemporânea, em particular na indústria tecnológica e no setor da tecnologia da informação”27 e conceituando de maneira singela a figura do investidor-anjo como sendo “um indivíduo que dispõe de vastos recursos econômicos e os utiliza para financiar diretamente empreendimentos ainda em seu estágio inicial”.28
Em 8 de junho de 2016, foi proferido novo parecer29 de plenário pela relatora, senadora Xxxxx Xxxxxxx, que via a normatização da atividade como uma forma de estimular e proteger o investimento-anjo, destacando que “os investidores-anjo não serão considerados sócios, nem terão qualquer direito de gerência ou voto na administração da empresa. Em compensação, não responderão por qualquer dívida da empresa.”30
23 BRASIL. Câmara dos Deputados. Diário da câmara dos deputados, v. 70, n. 147, 2 set. 2015. Disponível em: xxxx://xxxxxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/x/xxx/xxx0000000000000000000.xxx#xxxxx000. Acesso em: 22 jan. 2018.
24 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar n. 125/2015: redação final da Câmara. Disponível em:
xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxx_xxxxxxxxxxxxxx?xxxxxxxx0000000&xxxxxxxxxXXx0xXXXXx
%3D%3E+PLP+25/2007. Acesso em: 21 jan. 2018.
25 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara n. 125/2015 (complementar): parecer n. 1.142/2015. Disponível em: xxxx://xxxxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxx-xxxxxx/xxxxxxxxx?xxx0000000&xxxxxxxxxxxxxxxxxx. Acesso em: 11 jan. 2018.
26 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara n. 125/2015 (complementar): agenda Brasil 2015. Disponível em: xxxxx://xxx00.xxxxxx.xxx.xx/xxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxx/-/xxxxxxx/000000. Acesso em: 7 fev. 2018. 27 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara n. 125/2015 (complementar): parecer n. 1.142/2015. Op. cit.
28 Ibidem.
29 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara n. 125/2015 (complementar): parecer. Disponível em: xxxx://xxxxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxx-xxxxxx/xxxxxxxxx?xxx0000000&xxxxxxxxxxxxxxxxxx. Acesso em: 24 jan. 2018.
30 Ibidem.
Foi com base nesse parecer do Senado que as críticas começaram a ser proferidas pelos órgãos de governo dos estados, mais precisamente a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, cuja Nota Técnica PLC n. 125/2015,31 direcionada à relatora, expõe o seguinte em seu item 9:
O projeto estabelece a possibilidade de captação de recursos denominados investidores-anjos, sob o argumento de que é um mecanismo de financiamento que vem ganhando progressiva relevância na economia contemporânea, mas o projeto permite — ao contrário do padrão — que pessoas jurídicas também realizem tais aportes e não prevê controles necessários ao bom funcionamento desse mecanismo.
No anexo da nota técnica apresenta-se a seguinte justificativa, propondo-se, ao final, a não criação da figura do investidor-anjo:
[…] cumpre destacar que a regra é que essa captação de recursos (investimento anjo) tenha pessoas físicas como investidores, mas o projeto permite que pessoas jurídicas também realizem tais aportes. Além disso, não estabelece nenhuma forma de controle, limites de valores e isenta de qualquer responsabilidade os investidores. Da forma que foi definida é uma forma de formalização das empresas compostas por interpostas pessoas ou divididas com o objetivo de burlar o limite do Simples Nacional.
Com essa nota, primeiro e único registro de manifestação da Secretaria da Fazenda a que este pesquisador teve acesso durante todo o debate de criação da lei em comento, é possível identificar que a preocupação dos órgãos de arrecadação tributária dos estados era evitar fraudes contra o sistema do Simples Nacional a serem operadas por pessoas jurídicas interpostas.
Com efeito, iniciam-se negociações32 — cujas reuniões não possuem nenhum tipo de registro oficial (ao menos não foi possível encontrar no sítio eletrônico do Senado nem mesmo por meio do serviço de informação ao cidadão33) — com os governos de estados, por meio das
31 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara n. 125/2015 (complementar). Nota Técnica 125/2015 da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Disponível em: xxxx://xxxxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxx- getter/documento?dm=3796984. Acesso em: 09 jan. 2018.
32 “[…] tivemos a oportunidade de aprofundar a discussão do PLC e reunir as colaborações de parlamentares, de entidade representativas do setor, do SEBRAE, dos servidores do Programa Brasil Mais Simples, da Receita Federal, bem como de Governadores e Secretários Estaduais de Fazenda, reunidos conosco e com o Presidente do Senado Federal no último dia 8 de junho de 20 15, entre outros parceiros. Todas essas negociações permitiram um maior aperfeiçoamento do texto, razão pela qual oferecemos à apreciação dos senadores o presente Substitutivo […]”. “[…] Em relação às propostas dos Governadores, por meio dos Secretários Estaduais da Fazenda, retiramos do texto a previsão de ajuste anual das tabelas do Simples Nacional; prevemos a regulamentação dos investidores- anjos pelo Ministério da Fazenda; suprimimos a remissão das multas de obrigações acessórias de empresas extintas por inatividade; e estabelecemos percentuais distintos para a o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e para a Contribuição Sobre o Lucro Líquido nas tabelas de alíquotas, para permitir o cálculos dos valores a serem destinados aos Fundos Constitucionais […].” (BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara n. 125/2015 (complementar): parecer n. 557/2016. Disponível em: xxxx://xxxxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxx- getter/documento?dm=3796415&disposition=inline. Acesso em: 24 mar. 2018. Grifos do original).
33 “Senado Federal. Secretaria de Gestão de Informação e Documentação, Serviço de Informação ao Cidadão -
respectivas secretarias da Fazenda, para colocar alguns limites e formas de controle ao investimento-anjo.
Já no dia 15 de junho de 2016, a relatora apresentou o Parecer n. 557/201634 de plenário, acrescentando que “o Ministério da Fazenda regulamentará a atividade” (de investimento-anjo), e discursou35 no Senado proferindo as seguintes palavras:
Vamos, agora, a uma novidade, que é o investidor-anjo. Esse substitutivo cria mecanismos para estimular e proteger o investidor-anjo. O que é? É uma pessoa que tem um recurso econômico grande e o utiliza para financiar, diretamente, empreendimentos em seu estágio inicial. Nós concordamos com o texto original da Câmara, uma contribuição importante do Deputado Federal Xxxxxx Xxxxx, que normatiza um tipo de financiamento que vem ganhando progressiva relevância na economia contemporânea, em particular na indústria tecnológica e no setor da tecnologia da informação. Muito frequentemente, a gente lê […] São as startups. O investidor coloca o seu dinheiro na startup, e nós vimos que, muitas vezes, principalmente no exterior, elas crescem enormemente. É um estímulo, pois são empresas que não cresceriam, mas o investidor vai ter um olho, escolhe uma empresa e investe o seu dinheiro. Mas eles não serão sócios da empresa, não terão qualquer direito a voto, a gerência, ou a administração. Em compensação, eles não responderão por qualquer dívida da empresa. Se a empresa cresce, ele vai ter lucro, se a empresa vai mal e fecha, ele não é responsável juridicamente. Nós ajustamos o texto para determinar que o Ministério da Fazenda é que vai regulamentar essa atividade.
Nessa mesma oportunidade também foram adicionados ao texto do projeto os limites de prazos de vigência e de remuneração do investimento-anjo, então de 5 anos ambos, possivelmente por exigência do governo federal (secretarias da Fazenda dos estados). O prazo de 7 anos de vigência foi acrescentado ao texto 6 dias depois, em 21 de junho de 2016, conforme novo parecer do plenário da senadora Xxxxx Xxxxxxx — Parecer n. 562/201636 —, com a seguinte justificativa:
[…] Os investidores-anjo não serão considerados sócios, nem terão qualquer direito de gerência ou voto na administração da empresa e poderão firmar contrato de participação com vigência não superior a 7 anos. Em compensação, não responderão por qualquer dívida da empresa. O Ministério da Fazenda regulamentará a tributação sobre retirada do capital investido pelo investidor-anjo.
Atendimento n. 1479085, Publicação eletrônica [Em atenção ao pedido n. 0000490/18/PA, informamos que não existem, nesta Casa, registros da negociação realizada entre o Senado e os Governadores acerca da regulamentação do Investimento Anjo], mensagem recebida por <XXX@xxxxxx.xxx.xx> em 20 de fev. 2018.”
34 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara n. 125/2015 (complementar): parecer n. 557/2016. Op. cit.
35 BRASIL. Senado Federal. Diário Oficial do Senado Federal: ata do Plenário. 16 jun. 2016. Disponível em: xxxxx://xxxxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/XxxxxXxxxxx?xxxXxxxxxx00000&xxxxxxXxxxxxx00000#xxxxxx. Acesso em: 30 maio 2019. Grifos do original.
36 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara n. 125/2015 (complementar): parecer n. 562/2016. Disponível em: xxxx://xxxxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxx-xxxxxx/xxxxxxxxx?xxx0000000&xxxxxxxxxxxxxxxxxx. Acesso em: 24 mar. 2018. Grifos do original.
Em ata da discussão em plenário sobre o Parecer n. 562/2016-PLEN,37 foi possível extrair das principais mudanças realizadas pelo Senado, durante o trâmite da PLC n. 125/2015, o seguinte:
7) Investidor-anjo – art. 61-A e os §§ 1º e 10. Retiramos a previsão de regulamentação do investidor-anjo do caput e incluímos o §10 para dispor que o Ministério da Fazenda poderá regulamentar a tributação sobre a retirada do capital investido. Além disso, definimos que o contrato de participação não poderá ser superior a sete anos;38
De plano já se diga que a redação final do Senado, em relação ao investimento-anjo, foi de fato o texto final do PLP n. 25/2007,39 que veio a se tornar a LC n. 155/2016, razão pela qual não se mencionam os debates posteriores realizados na Câmara.
Com a leitura das justificativas e dos documentos oficiais anteriormente destacados, é possível traçar os objetivos que orientaram os trabalhos dos legisladores e dos agentes envolvidos no trâmite do PLP n. 25/2007 para fomentar o surgimento das startups, empresas inovadoras e disruptivas, e que de alguma forma retratam os problemas que pretendiam enfrentar com a promulgação da LC n. 155/2016, quais sejam, melhorar o acesso dos empreendedores ao capital inteligente, também conhecido como smart money,40 e aprimorar o ambiente de investimentos para os investidores.
No entanto, o que parece, numa análise ainda superficial, é que os termos da lei em muitos dos seus dispositivos acabam entrando em conflito com os próprios objetivos traçados pelos legisladores.
Neste momento, passa-se a analisar o texto de lei aprovado pelo Congresso após trâmite legislativo, para verificar quais as ferramentas criadas pelos legisladores para solucionar os
37 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara n. 125/2015 (complementar): parecer n. 562/2016. Op. cit. Grifos do original.
38 Merece atenção o fato de o contrato de participação ter vigência máxima de sete anos. Qual seria a racionalidade por trás desse prazo? Seria a média do prazo de duração de um contrato de investimento-anjo? Eis aqui um aspecto que pode ser aprofundado em outro trabalho.
39 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar n. 25/2007: redação final. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxx_xxxxxxxxxxxxxx?xxxxxxxx0000000&xxxxxxxxxXXXXXXXxXX NAL+-+PLP+25/2007. Acesso em: 14 jan. 2018.
40 “O dinheiro inteligente, equivalente em português para smart money, deveria ser o alvo de todo empreendedor que busca um aporte, não importando apenas a quantidade de zeros do investimento. A expressão serve para descrever os investidores que não irão aportar somente capital, mas que também serão um diferencial importante para a startup. Eles costumam trazer forte experiência no mesmo mercado em que a startup atua, contribuem com insights importantes sobre o modelo de negócio, complementam o time com conhecimento em uma área crucial para a empresa, apresentam histórico de investimento na área, têm um forte networking junto aos clientes potenciais.” (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS. Entenda o que é
smart money. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxx-x-xxx-x-xxxxx- money,905813074c0a3410vgnvcm1000003b74010arcrd. Acesso em: 23 out. 2018).
problemas identificados, ou seja, para, principalmente, eliminar as principais barreiras de investimento e facilitar o acesso do empreendedor ao capital inteligente. Somente entendendo de que modo o legislador equacionou esses problemas é que será possível compreender se, de fato, há eventuais incoerências com os desígnios da lei.
1.2 LC n. 155/2016 e o contrato de participação
Nesta seção, relatam-se as ferramentas legais utilizadas pela LC n. 155/201641 para incentivar o desenvolvimento das startups por meio de dois objetivos bem definidos pelos legisladores: (1) remoção das barreiras de investimento; (2) facilitar o acesso ao capital inteligente.
Posteriormente essa análise pode nos ajudar a averiguar em que situações o contrato de participação apresenta uma incoerência com os próprios objetivos da LC n. 155/2016.
1.2.1 Da eliminação de barreiras de investimento
Entre as barreiras de investimento que se pretendia superar com o advento da LC n. 155/2016, duas foram identificadas durante o debate legislativo anteriormente descrito: falta de incentivo fiscal e insegurança jurídica quanto ao risco de responsabilização.42 Uma terceira é possível extrair do próprio corpo da lei: baixa liquidez do investimento-anjo.
41 A LC n. 155/2016 criou o contrato de participação e “é perceptível que o legislador objetivou oferecer maior segurança para o investidor-anjo para fomentar esse tipo de investimento em empresas consideradas ME ou EPP. Apesar disso, a Lei entrou na esfera da liberdade negocial das partes que desejam concretizar um investimento ao estabelecer prazos mínimos e valores de retorno, bem como introduzir uma cláusula obrigatória de tag along (art. 61-C, LC n. 123/2006) e direito de preferência. Além disso, inaugurou um instrumento novo para operacionalizar o investimento — o contrato de participação — que mistura conceitos de sociedade e investimento.” (XXXXXXXXX, Xxxxx; NYBO, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 134).
42 Passamos a tratar o risco de responsabilização como o efetivo risco de o investidor, no papel de sócio ou simples credor, ser responsabilizado pessoalmente por dívidas da empresa, comprometendo seu patrimônio pessoal.
Para atender a necessidade de proteção legal aos riscos de responsabilização, aumentando a segurança jurídica43 ao investidor,44 a LC n. 155/2016 dispõe que o investidor- anjo (1) “não será considerado sócio (2) nem terá qualquer direito a gerência ou voto na administração da empresa” (art. 61-A, § 4º, I) e, assim, (3) não responderá por nenhuma dívida da empresa — inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a regra de desconsideração da personalidade jurídica,45 prevista no art. 50 do CC (art. 61-A, § 4º, II),46 desde que (4) não exerça a atividade econômica do objeto social (art. 61-A, § 3º)47 —, assim como o (5) dinheiro investido não será considerado capital social48 (art. 61-A).
43 Uma das formas de conceituar a segurança jurídica está condicionada, em última análise, à previsibilidade das interpretações da norma pelo Poder Judiciário. O atual estado do regime de responsabilidade limitada da sociedade no Brasil é um exemplo claro de insegurança jurídica e imprevisibilidade aqui retratada. “[…] nosso ordenamento jurídico contém regras e princípios regendo a chamada sociedade limitada (antigamente chamada de sociedade por quotas de responsabilidade limitada). Engana-se, contudo, quem supuser que atualmente o regime a viger de fato nessas sociedades simplesmente seja o de responsabilidade limitada. Quando se observa a profusão de regras e princípios estabelecendo percursos jurídicos para a responsabilização de terceiros, e, ademais, e mais importante, quando se considera a interpretação dada a tais regras e princípios pelo Poder Judiciário e pela Administração, já não cabe mais falar propriamente na vigência de um regime de responsabilidade limitada no Brasil […] esse processo de flexibilização da responsabilidade societária de terceiros foi e continua sendo impactante, e em alguns casos traumático. A empresa é claramente o eixo gravitacional da atividade econômica. Segue que mudanças na sua estrutura de responsabilização geram situações inesperadas e como veremos, diversas consequências não pressentidas, incentivos perversos, insegurança jurídica, movimentação política e, em certos casos, quebras de expectativas legítimas.” (XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. O fim da responsabilidade limitada no Brasil: história, direito e economia. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 28). No entanto, não é deste sentido que se está tratando neste trabalho, na medida em que a LC n. 155/2016 é recém-promulgada e não se sabe ainda como será recepcionada pelos Tribunais. O conceito de segurança jurídica utilizado aqui refere-se muito mais ao sentido de proteção legal, blindagem patrimonial ou mesmo barreira ao risco de responsabilização (XXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Startups: aspectos jurídicos relevantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris Direito, 2018, p. 104).
44 A comunidade jurídica não tem certeza de que a norma atingiu a necessária segurança jurídica. Como desafia ao debate o advogado Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx: “Haverá a segurança jurídica almejada pelo legislador, de forma a não responsabilizar o investidor-anjo que cumpra os requisitos legais, mesmo que dependamos da interpretação do poder judiciário?” (XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. A irresponsabilidade do investidor anjo. Jota, 8 maio 2017. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxx.xxxx/xxxxxxx-x-xxxxxxx/xxxxxxx/xx-xxxxxxx-xxx-xxxxxxxx/x-xxxxxxxxxxxxxxxxxx-xx- investidor-anjo-08052017. Acesso em: 31 mar. 2018, p. 03). Por outro lado, Xxxxxxx defende que “a garantia de não responder pelos débitos da empresa confere maior segurança jurídica ao investidor, tornando mais atrativo o investimento-anjo e, por consequência, beneficiando também as empresas que buscam investimentos”. (XXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Op. cit., p. 104)
45 O que é de se estranhar, já que o contrato de participação não forma personalidade jurídica entre o investidor e a empresa investida. Nas palavras de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, “estranha-se o fato de haver qualquer citação ao art. 50 do Código Civil, que trata da desconsideração da personalidade jurídica. Isto porque o contrato de participação firmado entre investidor e startup não cria um sujeito de direito e, consequentemente, personalidade jurídica, de modo que não há o que se desconsiderar. Aliás, a doutrina é uníssona ao ensinar que a desconsideração da personalidade jurídica não se aplica às sociedades sem personalidade jurídica ou aos sócios de responsabilidade ilimitada.” (XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Op. cit.).
46 “A proteção legal se justifica pelo fato do investidor-anjo não ser considerado sócio regular, não possuir participação na atividade relacionada ao objeto social da empresa investida nem possuir direitos relativos à administração da empresa investida.” (XXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Op. cit., p. 104).
47 “Isso garante que o investidor não atuará para a consecução da finalidade da sociedade investida, competindo- lhe apenas o fornecimento de recursos financeiros.” (Ibidem, p. 102).
48 Afastaria responsabilidade por não integralização, por exemplo.
Como incentivo fiscal para o investidor, menciona-se a possibilidade de se (1) aportar capital por meio de pessoa jurídica (art. 00-X, § 0x) x xx xxxxxx de investimento (art. 61-D), na medida em que se pode utilizá-los com o veículo de regime tributário mais favorável.49
Outro benefício fiscal é a (2) manutenção do enquadramento no Simples Nacional50 pelas empresas investidas e/ou à pessoa jurídica investidora, independentemente do valor aportado (art. 61-B), em especial porque este não será considerado capital social nem receita bruta (art. 61-A, caput e § 5º).
Como mecanismos de liquidez do investimento,51 a LC n. 155/2016 incorporou ao contrato de participação (1) o direito de venda conjunta de titularidade (tag along), além de conceder ao investidor-anjo (2) o direito de preferência na aquisição, “caso os sócios decidam pela venda da empresa, […] nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios regulares” (art. 61-C), bem como a possibilidade de (3) transferência da titularidade do aporte para terceiro, ainda que condicionado ao consentimento prévio dos demais sócios (art. 61-A,
49 “A lei garante aos investidores-anjo a possibilidade de reunirem-se em grupos ou mesmo estruturarem os investimentos a partir de uma holding, fomentando modelos lícitos de planejamento patrimonial.” (XXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Op. cit., p. 102).
50 Quando se fala de Simples Nacional, é importante ter em consideração suas principais características: “Ser facultativo — a opção é da empresa; Ser irretratável para todo o ano calendário; Abrange os Tributos: IRPJ, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, IPI, ICMS, ISS e a Contribuição para a Seguridade Social destinada a Previdência Social a cargo da pessoa jurídica (CPP); Recolhimento de Tributos mediante Documento Único de Arrecadação – DAS; Apresentação de Declaração Única Simplificada; e outras […]”. Assim como também suas “limitações, as quais destaca-se (não podem optar): Que tenha outra PJ como sócia (incluindo aqui a SCP); Que seja filial de PJ com sede no exterior; De cujo capital participe pessoa física inscrita como Empresário ou sócia de PJ que tenha optado pelo Simples, desde que a receita bruta global seja superior a R$4.800.000,00 (novo limite da LC 155); Cujo titular ou sócio participe + de 10% do capital de outra PJ não beneficiada, desde que a receita bruta global seja superior a R$4.800.000,00 (ou seja 10% + 4mi e 800); Cujo sócio ou titular seja, administrador ou equiparado, de outra pessoa jurídica com fins lucrativos, desde que a receita bruta global seja superior a R$4.800.000,00; Que participe do capital de outra pessoa jurídica (a ME/EPP é sócia em outra PJ); Constituída sob a forma de sociedade por ações (S.A.); Cujos titulares ou sócios guardem, cumulativamente, com o contratante do serviço, relação de pessoalidade, subordinação e habitualidade. (Incluído pela Lei Complementar n. 147, de 2014); [e outros…]”. Já as startups obteriam os seguintes interesses e vantagens na manutenção do Simples Nacional. “Alternativa para os custos da S.A. Possível Redução da Carga Tributária; Poder se utilizar dos dispositivos dos Novos Artigos 61-A, 61-B 61-C e 61-D da LC 123/2006; Demais benefícios da LC 123/2016.” ( XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxx. Investimento Anjo e Nova Regulamentação do Simples Nacional. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxXXX/XXXXXXXX_00000000000000Xxxxxxxxxxxx00Xxxx00Xxxxxxx00Xxxxxxxx 2023.05.2017.pdf/download. Acesso em: 26 mar. 2018).
51 A baixa liquidez consiste em característica inerente ao investimento-anjo (DEGENNARO, Xxxxx X. Angel Investors and their Investments. 1 dez. 2010. Disponível em: xxxxx://xxxx.xxx/xxxxxxxxx0000000; xxxx://xx.xxx.xxx/00.0000/xxxx.0000000. Acesso em: 30 maio 2019, p. 25) e isso se explica basicamente porque o valor do aporte é utilizado na aquisição de participação societária em empresas limitadas ou de capital fechado, sendo considerado um dos fatores que, em conjunto com o retornos de longo prazo e assimetria informacional, aumenta “o risco na operação, mas também potencializam o retorno recebido pelos investidores” (FEIGELSON, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 100). Toda e qualquer ferramenta contratual ou legal que de alguma maneira afete a liquidez do investimento-anjo, para fins deste trabalho, denomina-se como mecanismos de liquidez.
§§ 8º e 9º); de (4) remuneração por participação nos eventuais resultados (art. 00-X, § 0x, XXX, x
§ 0x); e de (5) saída por meio do resgate (art. 61-A, § 7º).
1.2.2 Do acesso ao capital inteligente
Ao diminuir as barreiras de investimento, as startups naturalmente passam a ter mais acesso ao capital necessário para seu crescimento e desenvolvimento. Por outro lado, necessário verificar o que fez a lei para não só atrair o capital mas incentivar a associação com investidores mais experientes e detentores de conhecimento e expertise, também conhecido como capital inteligente.
Assim, em relação ao acesso ao smart money, há apenas um dispositivo que pode ser considerado como incentivo, o que autoriza a participação de fundos de investimento (art. 61- D). Diante de sua regulamentação e modus operandi, o fundo de investimento pode agregar valor à empresa investida, em especial se considerar que os aportes possivelmente sejam realizados por fundos de private equity e venture capital (PE/VC),52 em que uma das principais características é tomar parte na gestão e nas decisões estratégicas.53
1.2.3 Mecanismos aparentemente incoerentes com os objetivos da LC n. 155/2016
Na medida em que tenta atingir seus objetivos, o legislador, seja para resguardar os interesses do investidor (eliminação das barreiras), seja para atender os interesses de órgãos fazendários (combate à fraude), se viu obrigado a impor limites ao contrato de participação, criando, suposta e incoerentemente, novas barreiras ao investimento por meio desse instrumento, ou seja, afetando a liquidez, a tributação e a busca por capital inteligente.
A diminuição da liquidez do investimento pode ser vista em pelo menos quatro pontos:
(1) o prazo de carência de dois anos para o resgate do investimento (§ 7º do art. 61-A); (2) a impossibilidade de o valor (do resgate) ultrapassar o valor investido devidamente corrigido54 e
52 Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxx apresentam uma distinção prática entre PE e VC: “[…] podemos definir o gênero private equity, de maneira simples, como um investimento de prazo determinado no capital social de uma companhia que não tenha suas ações negociadas no mercado de capitais. O gênero private equity inclui venture capital, operações de buyout, growth capital, mezanino e PIPEs (private investment in public equity). Conforme se pode ver no gráfico abaixo, o gênero private equity pode ser dividido em (i) investimento-anjo, (ii) capital- semente (VC), (iii) estágio inicial (VC), (iv) estágio avançado (VC), (v) buyouts/growth capital (PE), (vi) mezanino e (vi) PIPE.” (XXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxx. Finanças corporativas: aspectos jurídicos e estratégicos. São Paulo: Xxx Xxxxx, 0000, p. 270).
53 Ibidem, p. 268-269.
54 De acordo com o Índice Geral de Preços do Mercado, da Fundação Xxxxxxx Xxxxxx – IGP-M/FGV, ou com o
na forma do art. 1.031 CC (§ 7º do art. 61-A), valendo lembrar que a liquidação55 deve respeitar o percentual de participação definido em contrato; (3) a remuneração do capital investido pelo prazo máximo de apenas cinco anos (apesar do prazo máximo de vigência ser de sete anos) (III do § 4º do art. 61-A), “correspondente aos resultados distribuídos, conforme contrato de participação, (4) não superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade” (§ 6º do art. 61-A).
Foi sentida pelo mercado a ausência de dispositivo legal a regular a hipótese de conversão em quotas sociais do valor aportado por meio de contrato de participação. Há dúvidas sobre se a operacionalização dessa conversão deve sofrer os efeitos limitadores de liquidez acima referidos, em especial se for necessário o investidor fazer o resgate para posteriormente efetuar a compra das quotas.
Com a impossibilidade de possuir direito de gerência ou voto na administração (art. 61- A, § 4º, I), o investidor-anjo, que costuma atuar de maneira mais ativa na empresa investida, pode não utilizar tal instrumento devido ao risco de responsabilização, o que eventualmente afasta o capital inteligente.
O Ministério da Fazenda, por meio de seu poder de regulamentação (§ 10º do art. 61- A), delegou poderes à Receita Federal – RFB, que, por usa vez, criou a Instrução Normativa n. 1.719/2017, vista como desincentivo fiscal,56 uma vez que equipara os rendimentos dos investidores-anjos aos rendimentos e aos ganhos líquidos auferidos nos mercados financeiro e de capitais, presentes na IN RFB n. 1.585/2015, em ofensa clara ao princípio da isonomia (art. 150, II, da Constituição Federal – CF57).
A IN n. 1.719/2017 estabelece forma de tributação idêntica à das aplicações financeiras58 (art. 46 da IN RFB n. 1.585/2015) — ou seja, com alíquota regressiva de 22,5% a 15%,59 conforme prazo de manutenção — e com três fatos geradores de imposto de renda sobre
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IPCA/IBGE. 55 É comum o investidor exigir uma cláusula de preferência na liquidação (liquidation preference clause), para que o seu valor seja liquidado preferencialmente, em relação ao dos demais sócios/investidores, nos casos de liquidação total da empresa. (XXXXXXXXX, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 143).
56 “Sob o ponto de vista tributário, podemos concluir que não houve a instituição de um tratamento diferenciado ou benéfico ao investidor-anjo.” (XXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx. Tributação do investidor-anjo: reflexões e críticas. Jota, 24 ago. 2017. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxx.xxxx/xxxxxxx-x-xxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx-xx- investidor-anjo-reflexoes-e-critica-24082017. Acesso em: 21 out. 2018).
57 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”
58 Por exemplo, fundo de investimento, bolsa de valores e tesouro direto.
59 Com até 180 dias, a alíquota é de 22,5%, sendo reduzida a até 15% se ficar investido por prazo superior a 720 dias.
as retiradas de capital promovidas pelo investidor-anjo, sendo todas tratadas como remuneração e tendo como base de cálculo o ganho de capital: (1) resultados distribuídos60 (art. 2º da IN n. 1.719/2017), a ser apurado na fonte;61 (2) alienação de titularidade,62 apurado pelo próprio investidor; e (3) resgate do valor aportado, também apurado na fonte.
Tais dispositivos podem, então, gerar um efeito reverso, na medida em que, ao invés de incentivar a utilização do contrato de participação, poderão afastar o investidor-anjo, que possui outros instrumentos jurídicos para estruturar seu investimento, sem as limitações legais que supostamente afetam negativamente a liquidez, a tributação e o smart money.
Mais adiante volta-se a analisar tais dispositivos (e a ausência de regra sobre a conversão) para melhor compreensão dos seus efeitos e eventualmente confirmar suas incoerências com os objetivos dos responsáveis pela criação da LC n. 155/2016.
Essas, portanto, são as principais ferramentas legais utilizadas pelo legislador para incorporar seus objetivos, por meio das quais se tentou promover o acesso a capital inteligente pelas startups e eliminar as barreiras de investimento. Na ocasião também foram levantados os pontos que de alguma maneira podem atrapalhar a concretização desses objetivos.
Neste momento, passa-se a explorar as estruturas existentes no mercado, comparando- as com as soluções trazidas pelo contrato de participação, para que seja possível verificar se o instrumento criado pela LC n. 155/2016 possui as melhores ferramentas para atender os objetivos traçados pelos legisladores.
60 A despeito do que prevê o art. 10 da Lei n. 9.249/1995 sobre isenção de IR para distribuição de lucros.
61 O fundo de investimento que ocupar a posição de investidor-anjo não sofrerá retenção na fonte, por possuir regime tributário diferenciado.
62 Assim como o resgate do valor investido, esse fato gerador poderia ter sido tributado como alienação de bens e direitos de qualquer natureza, conforme prevê o art. 21 da Lei n. 8.981/1995. “Nesse ponto, a IN RFB 1.719/2017 também ofende ao princípio da legalidade e ao princípio da isonomia tributária, por haver tratamento diverso a situações semelhantes e por tais hipóteses já serem previamente estabelecidas em lei de modo diverso (artigo 150, incisos I e II, da Constituição Federal.” (XXXXXXX, Xxxx. Os rendimentos do investimento-anjo: ilegitimidade e ilegalidade da regulamentação sobre sua tributação. 12 set. 2017. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxXxxx/00,XX000000,00000- Os+rendimentos+do+investimentoanjo+ilegitimidade+e+ilegalidade+da. Acesso em: 30 maio 2019, 2017)
2 ALTERNATIVAS AO CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO
Com o advento da LC n. 155/2016, procurou-se incentivar o desenvolvimento das startups criando-se um novo instrumento contratual com os objetivos de eliminar as velhas barreiras de investimento e de atrair pessoas experientes para aumentar as chances de sucesso do empreendimento.
Mas será que a lei deu as soluções suficientemente adequadas para atingir esses objetivos, ou seja, será que seus dispositivos possuem conformidade com os desígnios dos legisladores e/ou apresentaram melhorias e inovações úteis ao mercado, se comparados com as alternativas já existentes?
Nesta seção comparam-se as formas de estruturação de investimento já encontradas no mercado com as ferramentas legais criadas pela LC n. 155/2016 para combater os problemas do ambiente de investimento e promover o acesso ao smart money, com intuito de, na seção seguinte, desenvolver um juízo crítico da LC n. 155/2016 quanto aos aspectos de inovação e melhoria acima mencionadas, e, eventualmente, apresentar sugestões de ações práticas ao investidor-anjo.
Mas, primeiro, cumpre trazer uma análise das formas de estruturação já utilizadas pelo mercado, ressaltando seus conceitos, principais características e distinções, que podem ajudar o investidor na escolha mais adequada às suas necessidades e circunstâncias do negócio.63
2.1 Formas de estruturação de investimento
A despeito da controvérsia sobre sua exata conceituação,64 pode-se dizer que as startups são empresas, em geral, jovens e pequenas, de tecnologia e inovação, com alto potencial de crescimento e cujo modelo de negócio é escalável e replicável mundialmente.
Muito em razão do crescimento acelerado, além da falta de recursos próprios e da dificuldade na obtenção de créditos bancários,65 as startups necessitam de financiamento de terceiros, que podem ser classificados em ciclos e tipos de investimentos.
63 Não se pode dizer que existe a melhor forma de estruturar o investimento-anjo, mas sim a melhor estrutura para se adequar às necessidades e às circunstâncias do caso concreto (JÚDICE, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups:
v. 2. Curitiba: Juruá, 2017, p. 68).
64 XXXXXXXXX, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 23-31.
65 Mesmo instituições públicas de fomento, como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não costumam liberar valores sem garantias reais; exigem, no mínimo, demonstração de alguma receita por parte do mutuário (JÚDICE, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 95).
Nada mais clássico para explicar os ciclos e as formas de investimento de uma startup do que o gráfico 1. Xxx se retrata que diferentes tipos de investimento são aportados de acordo com o estágio de maturação da empresa.
Como um dos mais importantes tipos de investimento, os investidores-anjo são basicamente as primeiras pessoas a acreditar no sucesso e na viabilidade econômica das ideias dos empreendedores, ao lado dos fff (family, friends and fools),66 e também assumem o maior risco de insucesso. São aqueles que costumam investir na empresa quando ela está transitando pelo “vale da morte”, período em que sua situação econômica ainda não é sustentável, isto é, ela ainda não encontrou o ponto de equilíbrio, cujo obstáculo a grande maioria não consegue superar.67
Gráfico 1 - Ciclo de financiamento das startups68
66 A abreviatura “fff” se refere a family, friends and fools, pessoas mais próximas dos empreendedores e que também acreditam na ideia, porém sem o smart money e sem a compreensão dos riscos que estão para assumir neste tipo de investimento. (XXXXXXXXX, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 94).
67 Ibidem, p. 8
68 XXXXXX, Xxxxxx. Advogados, startups e o “Vale da Morte”. Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs
– AB2L, 22 jun. 2018. Disponível em: xxxxx://xxx.xx0x.xxx.xx/xxxxxxxxx-xxxxxxxx-x-x-xxxx-xx-xxxxx. Acesso em: 11 jan. 2019.
Os demais estágios de investimento possuem, em tese, uma situação de menor risco, na medida em que se presume que o negócio já está mais estável economicamente, apesar de ainda demandar monitoramento profissional e necessitar de ajustes — seja de gestão ou de governança, seja no produto ou no serviço — para crescer de maneira exponencial.69
Pela elevada taxa de insucesso dos negócios das startups, atrelada à sua própria natureza inovadora, em todas as categorias o investidor deve ter atenção especial na hora de escolher a forma como será estruturado contratualmente o investimento, sobretudo se considerar o risco de responsabilização.70
O modo de tributação de cada instrumento jurídico também é visto pelos investidores- anjo como um dos fatores racionais no momento da escolha da melhor estrutura, razão pela qual será tratado neste trabalho, ainda que de maneira superficial.
Como forma de estruturar o investimento em startups, por serem algumas das mais comuns utilizadas no mercado,71 destacam-se o investimento direto em participação societária, seja por meio da sociedade limitada, seja por sociedade anônima (SA); o investimento por sociedade em conta de participação; bem como o investimento via contrato de mútuo conversível em participação.
2.1.1 Do investimento via participação societária
O investimento em equity, outra forma de dizer “compra e venda de participação societária”, diz respeito à aquisição de quotas sociais ou ações de uma sociedade já existente, que as emite por meio de alteração do contrato social ou do estatuto social, informando a inclusão de novos sócios, que, por sua vez, devem integralizar o capital à sociedade por meio do aporte.
Como toda decisão estratégica, o investimento em startups via participação societária possui vantagens e desvantagens, sendo a mais óbvia destas os ônus e os riscos da condição de sócio. Por ser sócio, não terá apenas os direitos inerentes à função (voto, lucro, retirada, participação nas decisões estratégicas, fiscalização, entre outros), mas também participará das perdas (art. 1.008 do CC), compartilhando riscos em eventual insucesso, inclusive o risco de responsabilização, especialmente se a sociedade investida for limitada.72
69 XXXXXXXXX, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 85.
70 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 1. Curitiba: Juruá, 2016, p. 119.
71 XXXXXXXXX, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 122.
72 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 1. Op. cit., p. 117-118.
Por outro lado, realizar o investimento em equity poderá garantir direitos societários políticos, e assim, a participação mais efetiva e direta do investidor na gestão e na administração da empresa, dependendo da forma como serão negociados as condições e os termos do aporte. A compra de participação direta costuma ser a modalidade menos utilizada,73 em especial quando a sociedade investida é limitada — que, diga-se, é o tipo societário mais
utilizado pelas startups.
Nos casos de investimento em SA74 fechada, em razão de os investidores não possuírem tanto interesse em se envolver com a operação da empresa e ainda por, em tese, não possuírem affectio societatis, o risco de responsabilização recai mais sobre a diretoria do que sobre aqueles que compõem a assembleia ou os conselhos.75 Se o investidor for acionista minoritário sem nenhuma participação executiva, suas chances são mínimas de ser responsabilizado, em que pese o radicalismo da Justiça do Trabalho, mais abaixo retratado com mais detalhe.
Em relação à tributação, dois aspectos devem ser considerados: (1) a remuneração por participação nos resultados e (2) a alienação das quotas ou ações. No primeiro há isenção de imposto de renda (art. 10 da Lei n. 9.249/1995), já no segundo deve-se remunerar o ganho de capital. Se pessoa física, há incidência de uma alíquota progressiva de 15% a 22,5% por alienação de bens e direitos de qualquer natureza (art. 21 da Lei n. 8.981/1995), e, no caso de pessoa jurídica, dependerá do regime adotado,76 lembrando que os fundos de investimento sempre terão um regime diferenciado de tributação.
2.1.2 Do investimento via sociedade em conta de participação
Criada como instrumento para viabilizar a realização de investimento em sociedade empresária, a sociedade em conta de participação (SCP) pode ser vista como uma estrutura
73 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 1. Op. cit., p. 117.
74 “A Sociedade Anônima, regulada pela Lei 6.404/76, é um tipo societário conhecido e largamente utilizado por empresas mais maduras e maiores. O que ainda é novidade, no entanto, é o uso de S/A para startups. A S.A. tem toda uma tramitação própria que não é necessariamente mais complexa do que o da Limitada. Ela só é menos conhecida. Uma vez entendida a lógica e motivos de controle em prol da empresa e dos stakeholders envolvidos, os gestores se encaixam à rotina e tudo passa a ser padronizado. Outro mito que se tem é de que uma S.A. é extremamente cara. De fato, existem alguns custos incrementais, mas nada que inviabilize a operação ou que torne impagável, mesmo num momento inicial da startup. Em suma, as obrigações de um S.A. são a) demonstrações financeiras (lucros/prejuízos, resultados do exercício, fluxo de caixa e balanço patrimonial – dados que toda empresa também limitada deveria ter); b) operação de comando (Assembleia Geral Anual e constituição de Diretoria). Um item a se observar, no entanto, é a composição tributária da empresa. S.A.s não pode ser tributadas pelo Simples Nacional, mas apenas pelo lucro real ou presumido. (LC 123/2006, art. 3º §4º X)”. (XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 53).
75 Ibidem, p. 54.
76 XXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx. Op. cit., p. 03.
intermediária entre o investimento direto em sociedade limitada e o investimento direto em sociedade anônima.77
A SCP (art. 991 et seq. do CC) não é usada para a constituição da própria startup, mas sim com a finalidade de realizar ou receber investimento78 (veículo de investimento), sendo caracterizada pela existência de dois tipos de sócio: o ostensivo/operador e o oculto/ participante (art. 991 CC).
O sócio ostensivo, pessoa jurídica79 ou física, utiliza-se do capital investido nos termos e nas condições do contrato social, exercendo, em seu nome, a atividade econômica prevista no objeto social, por sua própria e exclusiva responsabilidade. O sócio ostensivo terá autonomia administrativa e de gestão para concretizar o objeto social em seu próprio nome, assumindo direitos e obrigações perante terceiros e a eles respondendo pelos eventuais prejuízos.
O sócio oculto, por sua vez, será o fornecedor do capital (dinheiro ou bens), não aparecendo como sócio nem assumindo nenhuma responsabilidade perante terceiros. Apesar de se manter sob sigilo e não poder representar a sociedade, possui direitos e obrigações perante o sócio ostensivo — por exemplo, na participação dos resultados. Por outro lado, não assumirá, em regra, os riscos inerentes ao negócio, desde que aja de acordo com os limites legais (art. 993 do CC).
O risco do sócio oculto é previsível — perder o valor investido80 —, ficando o risco da operação do negócio (fornecedores, funcionários, governo, consumidor, etc.) para o sócio ostensivo, incluindo aqui, ao menos em tese,81 o risco de responsabilização.
O escopo desse instrumento consiste na realização de determinados projetos ou objetos predefinidos,82 lembrando que o investidor, em regra, não possuirá nenhum controle sobre o
77 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 49.
78 Para Feigelson, Xxxx e Fonseca, a SCP é um dos mecanismos usados para formalizar investimentos-anjo: “SCP não se refere à formalização de uma startup em si, mas sim um mecanismo que foi encontrado dentro do ecossistema brasileiro para operacionalizar um investimento, principalmente a modalidade de investimento anjo.” (FEIGELSON, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 123).
79 Sugere-se utilização de uma sociedade com responsabilidade limitada para servir de sócio ostensivo, apesar de tal prática retirar a possibilidade de adesão ao Simples Nacional, tanto da SCP quanto dos sócios (art. 3º, § 4º, I e V, da LC n. 123/2006).
80 A responsabilidade dos sócios de uma SCP está limitada ao dinheiro investido, sem possibilidade de se indenizarem terceiros, salvo situações extraordinárias.
81 Em tese porque, dependendo do envolvimento fático do sócio oculto, ele poderá ser responsabilizado (art. 993, parágrafo único, do CC).
82 Conforme Feigelson, Xxxx e Xxxxxxx, “Xxxx Xxxxxxx ainda considera a SCP como momentânea, ou seja, estabelecida para um fim específico, de modo que, quando concluídos seus objetivos, a sociedade se desfaz, e os rendimentos, se houver, são repartidos, nos termos do contrato avençado anteriormente (MARTINS, 2016)”. (XXXXXXXXX, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 124).
valor investido no negócio e dependerá da expertise e da autonomia do empreendedor para o sucesso.
A SCP pode ser utilizada de duas formas para os fins de uma startup: “(i) para realização de um investimento sindicalizado, ou seja, vários investidores realizando um único aporte na empresa;[83] ou (ii) a operacionalização do investimento por meio da constituição de uma SCP entre a empresa e o investidor[84]”.85 Para fins do presente trabalho, a primeira chamaremos de “SCP Sindicato” e a segunda, de “SCP Participação”.
A ausência de personalidade jurídica dá à SPC um caráter muito mais contratual do que societário,86 no entanto, sua natureza jurídica consiste em uma sociedade não personificada, apesar de ser equiparada a uma pessoa jurídica para fins tributários87 (art. 4º, XVII, da IN RFB n. 1.634/2016 e art. 160 do Decreto-Lei n. 9.580/2018).
Como consequências práticas de não ter personalidade jurídica, destacam-se a falta de responsabilidade patrimonial,88 a desnecessidade de efetuar registro em junta comercial ou cartório89 e a impossibilidade de a sociedade ser titular de direitos90 e obrigações, bem como de se fazer representar processualmente.
83 Uma vez que nessa finalidade a SCP é utilizada para agrupar investidores, sendo um dos investidores o responsável pelo grupo — sócio ostensivo —, duas preocupações são destacadas pelos autores: a primeira é a “garantia que a SCP não se confunda com um fundo de investimento, de fato”, não realizando “qualquer movimento que represente uma oferta pública de suas cotas, nos termos das Instruções CVM n. 400/2003 e 476/2009 […] as cotas da SCP devem ser destinadas exclusivamente àquele grupo fechado de investidores”. E a segunda é a necessidade de se descrever “muito bem no contrato de investimento como será o procedimento pós conversão em participação societária”, considerando o impacto na governança da startup investida (FEIGELSON, Xxxxx; NYBO, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 125).
84 Essa estrutura de investimento, segundo concluem os autores, concede ao empreendedor um risco elevado, uma vez que, por assumir o papel de sócio ostensivo, arcaria com toda a responsabilidade sobre o empreendimento, enquanto, por outro lado, o investidor gozaria de uma proteção proeminente, “pois além de não aparecer oficialmente em nenhum momento, dado o caráter oculto do sócio participante, seu patrimônio investido ainda está protegido em relação a débitos da sociedade perante terceiros” (Ibidem, p. 126).
85 Ibidem, p. 124.
86 Ibidem, p. 124.
87 Segundo Xxxxx Xxxxxxx Júdice, “o Decreto Lei do Imposto de Renda (D3000) contempla que é obrigatório que as SCP tenham um CNPJ para fins de fiscalização do Imposto de Renda, apenas. Essa é a limitação extracontratual existente para as SCPs, de modo que a cada rodada (de investimento) uma nova SCP será editada ou aditada e, em seguida, atualizada na Receita Federal. É lógico, no entanto, que o conteúdo protetivo do investimento será preponderante para se analisar o impacto daquela SCP em específico em novas rodadas de investimento, mas o instrumento em si pode livremente ser editado.” (JÚDICE, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 50).
88 Não possui patrimônio segregado para realização da atividade econômica, sendo que é o patrimônio do sócio ostensivo que responde pelos eventuais passivos e que o capital investido fará parte de um patrimônio especial. A ausência de responsabilidade patrimonial é justificada por Xxxxxxx tendo em vista que os “bens destinados à exploração da atividade social são de titularidade do sócio e não da sociedade, pois as contribuições do sócio participante passam à propriedade do sócio ostensivo, formando patrimônio especial dentro do geral” (JÚDICE, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 1. Op. cit., p. 120).
89 O contrato social vale apenas entre os sócios; é recomendável o registro para fins de segurança jurídica, mas isso não confere personalidade jurídica.
90 Nem mesmo emitir títulos de crédito, abrir contas ou contrair empréstimos. Não terá sede social nem nome
No tocante à tributação, a equiparação à pessoa jurídica para fins tributários91 faz com que tanto a SCP como os seus sócios pessoas jurídicas deixem de se beneficiar do regime tributário do Simples Nacional92 (art. 3º, § 4º, I e VII, da LC n. 123/2006).93
O sócio ostensivo deve manter um controle único, registrando as operações de maneira normal ou em livros esperados,94 nas regras equiparadas às pessoas jurídicas,95 considerando o patrimônio especial da SCP. A remessa dos lucros96 para o oculto (assim como para o ostensivo) terá isenção de IR (art. 10 da Lei n. 9.249/1995), e a alienação das quotas será tributada como ganho de capital por alienação de bens e direitos (art. 21 da Lei n. 8.981/1995, se pessoa física, e regime adotado, se pessoa jurídica).
fantasia.
91 Que, diga-se de passagem, é uma aberração jurídica promovida pela Receita Federal com fins claramente arrecadatórios, porquanto não só fere o que estabelece o art. 993 do CC (“a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica” à SCP), mas também princípios da hierarquia e da cronologia das normas. Ainda que haja possibilidade de se discutir judicialmente essa questão, a verdade é que existe uma insegurança jurídica que acaba por criar um entrave para esse tipo de estruturação (FEIGELSON, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 129).
92 “EMENTA: Optante pelo Simples nacional. Vedação à participação no capital de outra pessoa jurídica. Sociedade em conta de participação (SCP). Equiparação à pessoa jurídica. Para fins tributários, a Sociedade em Conta de Participação – SCP equipara-se a pessoa jurídica. Sendo assim, as microempresas ou empresas de pequeno porte que sejam sócias de SCP não poderão beneficiar-se do tratamento jurídico diferenciado previsto na Lei Complementar n. 123, de 2006, o que implica a exclusão do Simples Nacional. Solução de Consulta vinculada à Solução de Consulta COSIT n. 139, de 3 de junho de 2015.” (BRASIL. Receita Federal. Solução de Consulta DISIT/SRRF10 n. 10024. 22 jun. 2015. Disponível em: xxxx://xxxxxx.xxxxxxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxx0xxxxxxxx/xxxx.xxxxxx?xxXxxx00000&xxxxxxxxxxxxx. Acesso em: 30 maio 2019).
93 “Art. 3º […] § 4º Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar, incluído o regime de que trata o art. 12 desta Lei Complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica: I - de cujo capital participe outra pessoa jurídica; […] VII - que participe do capital de outra pessoa jurídica; […]”
94 Segundo o art. 254 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR), “a escrituração das operações de sociedade em conta de participação poderá, à opção do sócio ostensivo, ser efetuada nos livros deste ou em livros próprios”, observando-se alguns requisitos legais.
95 “Ato Declaratório Interpretativo SRF n. 14, de 04 de maio de 2004, §1º - As SCP são equiparadas às pessoas jurídicas pela legislação do Imposto de Renda, e, como tais, são contribuintes do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).”
96 Vale lembrar que nem sempre o lucro é distribuído, sendo, aliás, a não distribuição muito “comum nos EUA, que focam no reinvestimento da empresa para uma saída maior em caso de venda” (JÚDICE, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 51).
2.1.3 Do investimento via contrato de mútuo conversível
O contrato de mútuo conversível97 é um instrumento híbrido baseado em dívida, com direitos de ordem creditícia (debt)98 (art. 586 et seq. do CC) e de conversão em participação (equity).99 Nesse contrato — mais utilizado pelos investidores-anjo para estruturar seus investimentos —, para simplificar, o investidor empresta determinado valor à sociedade investida,100 com a possibilidade de, no futuro, em um evento de liquidez,101 tal valor, acrescido de juros e correção monetária, ser convertido em participação societária,102 caso o investidor não tenha interesse no simples pagamento da dívida.
Ideal para um cenário de incerteza na viabilidade do negócio, esse instrumento concede ao investidor mais liberdade na contratação das condições e das obrigações,103 não assumindo, por outro lado, nenhum direito ou obrigação inerente à condição de sócio.
97 “O Mútuo Conversível, pode-se dizer, é uma tropicalização das Convertible Notes norte-americanas, as quais representam a constituição de uma dívida da empresa investida para com o investidor, a qual poderá ser convertida em participação societária previamente estabelecida mediante um evento de liquidez — normalmente o ingresso de um novo investidor ou transformação de espécie societária” (JÚDICE, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 1. Op. cit., p. 121).
98 Nem sempre será um simples empréstimo de capital. É possível que o valor emprestado seja também quantificado pelos serviços de consultoria que o investidor prestará à empresa investida. O contrato de mútuo conversível “não se trata de simples mútuo, pois, além do repasse financeiro, há uma obrigação de prestação de serviços de consultoria pela aceleradora nas mais variadas áreas de impacto, como comercial, planejamento, financeiro e jurídico. A prática do mercado de aceleradoras brasileiro tem estabelecido que tal consultoria se soma ao valor do dinheiro mutuado para fins de valor da compra das quotas sociais.” (Ibidem, p. 135).
99 “Um instrumento de débito que pode ser trocado, à opção do portador, por títulos de participação do emissor. Assim como no mútuo convencional, o mutuante (no caso, o investidor) concede determinada quantia financeira ao mutuário (no caso, o empreendedor ou startup), que deverá ser paga pelo mutuário em determinado prazo (vencimento) e com a cobrança de juros. É, dessa forma, um título híbrido, que agrupa certos direitos de dívida (debt) com outros de participação (equity).” (FEIGELSON, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 129).
100 É de extrema importância especificar a finalidade para a qual o valor investido será utilizado, seja como capital de giro, seja como verba para marketing, aquisição de máquina ou realização de determinado projeto.
101 Por exemplo: nova rodada de investimento, vencimento do prazo de mútuo, inadimplência das obrigações assumidas pela investida, entre outros. “É comum, assim, que a conversão seja operada das seguintes formas: (i) obrigatória e automática, quando há a conversão de outro investimento — de terceiro — que seja de, no mínimo, um valor predeterminado em contrato; (ii) facultativa, a qualquer momento que o investidor desejar, mediante notificação à sociedade. (Ibidem, p. 130).
102 A definição dos valores e da quantidade das quotas que representarão o capital investido é uma das peculiaridades desse tipo de investimento, especialmente devido à dificuldade de se realizar a valuation da empresa, que necessariamente deverá ser livre e previamente negociada, e à possibilidade de novos investimentos entre o aporte e a conversão. Sobre o tema, sugere-se a leitura do capítulo 4 da obra de Feigelson, Xxxx e Xxxxxxx (Ibidem).
103 Apesar de não ser sócio, como há liberdade na contratação, é comum, nesse tipo de contrato, o investidor exigir direitos de natureza societária, como participação nas decisões estratégicas que possam de alguma forma colocar em risco o retorno do investimento ou mesmo o direito de retirada do capital emprestado, caso haja qualquer descumprimento das obrigações assumidas ou mudança no rumo dos negócios.
Por não exercer uma posição societária, mas sim de credor, ao menos antes da conversão, o investidor sofre pouco risco de responsabilização,104 a não ser que se envolva ativa e diretamente na tomada de decisões administrativas e de gestão da empresa investida.
O trade-off, comum em instrumentos de conversão, está na valuation flutuante,105 apesar de o investidor mutuante poder fixar o percentual da empresa a ser adquirido no momento da assinatura do contrato de mútuo.106
O investidor também possui alternativa,107 na hipótese de inadimplência das obrigações assumidas pelos empreendedores, de insucesso do negócio e/ou vencimento do contrato, de reaver o valor investido,108 acrescido de juros109 e correção monetária predeterminada e anual. Como forma de remuneração de seu capital, o investidor receberá participação do resultado da sociedade investida (caso opte pela conversão) ou juros prefixados acrescidos de
correção monetária (caso não opte pela devolução do empréstimo).
Quanto aos tributos nesse tipo de investimento, dois fatos são relevantes: (1) o valor investido e (2) o ganho de capital atrelado ao valor investido.
104 “A vantagem de utilização do mútuo conversível é que o investidor não assume desde o início da operação da startup os riscos relativos às suas atividades. Somente virá a integrar o quadro social em casos previstos contratualmente, via de regra associados a uma situação de prosperidade.” (FEIGELSON, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 130).
105 “O investidor faz um empréstimo de 100 mil reais (por exemplo), corrigidos a 18% ao ano, com vencimento para 2 anos. Ao final desses 2 anos, ele terá a possibilidade de a) cobrar a dívida de 100 mil + 18% ao ano (aproximados em 140 mil reais) ou b) converter o saldo atualizado/corrigido em cotas da empresa. Essa escolha, por sua vez, deve considerar a valuation da empresa no momento da conversão. Ou seja, se no ano 2 (vencimento do débito) a valuation da startup for de 10 milhões, os 100 mil corrigidos (aproximadamente 140 mil reais) comprarão 1,4% da empresa. Um benefício normalmente atrelado é a possibilidade de o investidor ter um desconto no valor de mercado da empresa — 20% é um bom número. Neste caso, a valuation de mercado sendo de 10 milhões para o mutuário na Nota Conversível, ela estaria em 8 milhões e assim seus 140 mil reais valeriam 1,75% da mesma. […] No mesmo exemplo, vamos supor que no momento do investimento na empresa (que virá a valer 10 milhões em 2 anos) o seu valor de mercado fosse 900 mil reais pre-money. Com o aporte dos 100 mil, a empresa passaria a valer 1 milhão. Os 100 mil reais, portanto, comprariam 10% da empresa, bem melhor do que os 1,75% a que fará jus o mutuário. A grande diferença, como dito, está na motivação e no risco. O investidor que pegou os 10% está no risco de perder 100% de seu aporte, pois acredita na empresa e está imbuído num retorno maior. Quanto maior o risco, maior o retorno. Já o mutuário quer limitar seu prejuízo com a dívida a ser paga no final dos 2 anos (nesse exemplo) e, portanto, o trade-off é uma possível conversão numa valuation flutuante.” (JÚDICE, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 57).
106 Nos termos da cláusula retirada de uma minuta de mútuo conversível confeccionada por profissionais do escritório Derraik & Xxxxxxx Advogados: “O Empréstimo será convertido com base em um post money valuation que representará [inserir]% ([inserir por extenso] por cento) do capital da Sociedade, mediante a subscrição de ações preferenciais, nominativas e sem valor nominal, com todos os direitos a elas inerentes (“Ações do Credor”). Os Sócios Fundadores desde já renunciam a qualquer direito de preferência com relação à subscrição das ações do credor.”
107 Tal alternativa, na hipótese de insucesso do negócio, pode até não ser concretizada. Desde que previsto em contrato, o credor pode assumir a participação na empresa caso não seja paga a dívida, assumindo a direção e todos os riscos e privilégios da condição de sócio, direito esse chamado de step-in right.
108 Aqui se sugere aos empreendedores atenção ao definir a forma pela qual será efetuado o desembolso dos valores, fixando-se o número de parcelas e o tempo de restituição, para que não comprometa o fluxo de caixa.
109 Respeitada a Lei da Usura.
Nos casos em que o investidor seja pessoa jurídica, haverá incidência de Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários – IOF sobre o valor investido, na medida em que a norma enquadra o empréstimo realizado como uma operação de crédito (art. 2º, I, “c”, do Decreto n. 6.306/2007) com alíquotas de 0,0041%110 ao dia ou de 0,0041%,111 com adicional de 0,38% sobre as operações de crédito, considerando sempre a sociedade investida (mutuária) também como pessoa jurídica.112
Quanto ao eventual ganho de capital, incidirão as normas referentes ao imposto de renda com alíquotas regressivas (22,5% a 15%113), equiparadas às operações de renda fixa (art. 797114 do Decreto n. 9.580/2018 e arts. 37 e 38 da IN RFB n. 1.022/2010).
Quando da conversão em participação em sociedade limitada, se houver diferença entre o valor da aquisição da participação societária e o valor contábil das quotas sociais (ágio), haverá incidência de alíquota de 15% sobre o ganho sobre capital quando os sócios da investida forem pessoas físicas.115 Se forem pessoas jurídicas, a alíquota pode chegar a 34%.
Muito em razão disso é que se recomenda a transformação em SA antes da conversão em participação, uma vez que nesse tipo societário não há incidência sobre o ágio116 (art. 38 do Decreto-Lei n. 1.598/1977 e art. 520, I, do Decreto n. 9.580/2018).
O valor investido, em tese, também não afastaria benefício do Simples eventualmente usufruído pela sociedade investida, pois seria contabilizado como passivo, e não como receita bruta.
Neste momento, após a apresentação das formas de estruturação existentes, passa-se a comparar estas com as ferramentas legais da LC n. 155/2016, analisando cada uma sob a ótica
110 Sobre o valor de cada liberação (quando empréstimo entregue em parcelas), sobre o principal entregue ou colocado à sua disposição, ou, quando previsto mais de um pagamento, sobre o valor do principal de cada uma das parcelas (art. 7º, I e IV, do Decreto n. 6.306/2007).
111 Sobre o somatório dos saldos devedores diários apurados no último dia de cada mês, inclusive na prorrogação ou na renovação (art. 7º, I, do Decreto n. 6.306/2007).
112 Se o mutuário for pessoa jurídica, a alíquota de 0,0041% passa a ser de 0,0082%.
113 Será aplicada a alíquota de 22,50% até 180 dias ou tempo indeterminado; 20% de 181 dias até 360 dias; 17,50%
de 361 dias até 720 dias; 15% quando mais de 720 dias.
114 “Art. 797. As operações de mútuo e de compra vinculada à revenda, no mercado secundário, que tenham por objeto ouro, ativo financeiro, continuam equiparadas às operações de renda fixa para fins de incidência do imposto sobre a renda na fonte (Lei n. 8.981, de 1995, art. 70, caput).”
115 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 95.
116 “Com relação ao valor da contribuição ao capital social, sabe-se que, por razões de ordem negocial, a subscrição das ações ou quotas pode ser realizada tanto pelo valor nominal, se houver, quanto por valor diverso, conforme pactuado entre as partes à luz das circunstâncias do caso concreto. Se a subscrição compreender montante superior ao valor nominal ou ao valor destinado à formação do capital social, apura-se o ágio. No caso da subscrição de ações, nas sociedades anônimas, o ágio deve ser registrado como reserva de capital, nos termos do artigo 182, parágrafo 1º, ‘a’, da Lei n. 6.404/76.” (XXXXXXXXXXX, Xxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. O ágio na subscrição de quotas de sociedade por responsabilidade limitada: aspectos societários e tributários. In: XXXXXXX, Xxxx Xxxxx X. xx Xxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx X. Monteiro de (coord.). Sociedade limitada contemporânea. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, p. 459-482).
dos objetivos traçados pelos legisladores. Somente assim verificar-se-á se o contrato de participação atenderá melhor e de maneira inovadora os desígnios legislativos, bem como averiguar-se-á em que situações determinado instrumento será utilizado como mais adequado para formalizar o investimento-anjo, entre outras recomendações de ação prática.
2.2 Mecanismos de eliminação de barreiras de investimento
Como já dito, um dos objetivos da LC n. 155/2016 consiste na eliminação das barreiras existentes no ambiente de investimento brasileiro, as quais foram enfrentadas pelo legislador em três frentes: progresso quanto à segurança jurídica em relação aos riscos de responsabilização do investidor; melhoria da liquidez do investimento; e criação de incentivos fiscais.
2.2.1 Segurança jurídica quanto aos riscos de responsabilização
Em singelas palavras, quando há normas claras e estabilidade na interpretação e na aplicação das normas pelo Poder Judiciário e pelos órgãos da administração pública, alcança- se a segurança jurídica tão almejada pelos investidores.
A promulgação da LC n. 155/2016 de certa forma colabora com o atingimento desse objetivo, na medida em que se apresentam dispositivos legais para se estruturar o investimento por meio do contrato de participação, ainda mais quando se apresenta de forma clara e previsível as regras de responsabilização sobre dívidas da sociedade investida.
Ainda assim, nenhuma norma é perfeita, e a sensação de segurança só não é maior porque se trata de norma recém-promulgada, cujas interpretações ainda não foram testadas pelo Judiciário.117
Ainda que valiosos os esforços para afastar o risco de responsabilização, é cediço que o grau de envolvimento fático do investidor com a sociedade envolvida é fator primordial para refletir seu risco de responsabilização, o que dependerá da análise do juízo competente, que detém a última palavra quanto ao redirecionamento da responsabilidade.
Todos os tipos societários mencionados são regulados por lei,118 inclusive sua forma de tributação, e, mesmo que seus dispositivos estejam há anos sendo estudados e interpretados,
117 Este pesquisador não encontrou nenhuma jurisprudência sobre a LC n. 155/2016, quanto ao investimento-anjo.
118 As limitadas e as SCP são reguladas pelo Código Civil, e a sociedade anônima, pela Lei das Sociedades Anônimas.
existem pontos com muita insegurança e questões imprevisíveis, como o problema do risco de responsabilização retratado por Xxxxxx.119
A verdade é que a tão sonhada segurança jurídica nada mais é do que uma utopia buscada por todos os juristas, mesmo sabendo-se que o direito é uma ciência de natureza complexa e em constante evolução, como a própria transformação jurisprudencial que vem ocorrendo sob o aspecto da responsabilidade limitada nas sociedades empresárias.120
A atipicidade do contrato de mútuo conversível, em um sistema jurídico de civil law, naturalmente gera uma insegurança jurídica, ainda mais se considerarmos que esse tipo de instrumento raramente chega ao crivo do Poder Judiciário121, razão pela qual a criação do contrato de participação via instrumento normativo consiste em uma inovação legal quanto à segurança jurídica.
A LC n. 155/2016 fez grande esforço para afastar por completo os riscos de responsabilização do investidor, criando uma verdadeira barreira legal ao estabelecer que: ele não será considerado sócio nem terá nenhum direito a gerência ou voto na administração da empresa (art. 61-A, § 4º, I); ele não responderá por nenhuma dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a regra de desconsideração da personalidade jurídica prevista no art. 50 do CC (art. 61-A, § 4º, II); o valor investido não será considerado capital social (art. 61-A); e a atividade constitutiva no objeto social será exercida unicamente por sócios regulares, em seu nome individual e sob sua exclusiva responsabilidade (art. 61-A, § 3º).
Mas por que faz sentido tirar do investidor a condição de sócio ou os poderes de gerência e voto na administração? Qual a relação entre a posição de sócio, com seus direitos inerentes e sua eventual participação na atividade social da empresa, e o risco de responsabilização? Para entender se os mecanismos previstos na LC n. 155/2016 trazem de fato uma melhoria ao ambiente de investimento quanto à segurança jurídica em relação ao risco de responsabilização, é necessário responder a essas indagações.
119 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. O fim… Op. cit.
120 Ibidem, p. 28
121 Este pesquisador encontrou dois julgados que mencionam o termo “mútuo conversível”, sendo que um deles (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 2188488-75.2018.8.26.0000. Rel. Xxxxxx Xxxxxxx, publicado em: 12 fev. 2019) foi utilizado o termo para tentar afastar a condição de sócio do investidor, mas após ter assinado a alteração do contrato social. No segundo (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1010888-12.2017.8.26.0100. Rel. Xxxxxxxx Xxxxxx, publicado em 16 abr. 2019), apenas o menciona como documento que seria assinado, mas que não o foi por circunstâncias alheia à vontade das partes.
2.2.1.1 Da responsabilidade pela condição de sócio
Primeiramente, a condição de sócio é um dos requisitos necessários para redirecionamento de dívidas trabalhistas. Ao tirar essa condição, o legislador especialmente procura evitar que o passivo da sociedade investida afete o patrimônio pessoal do investidor. Por outro lado, o mesmo legislador lhe garante direitos típicos dessa condição, conforme se vê a seguir.
Pode-se conceituar o sócio como aquela pessoa que disponibiliza parte de seu patrimônio pessoal para a formação do capital social e assim assumir direitos e obrigações atrelados ao desenvolvimento econômico da atividade e à finalidade social da sociedade.
Sobre a natureza jurídica dos sócios, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx nos apresenta valiosos ensinamentos:
A natureza da situação jurídica do sócio é sui generis, quer dizer, insuscetível de rigorosa sujeição a um regime jurídico próprio ou aproximado de alguma outra figura jurídica, com vistas à definição de parâmetros que auxiliassem a solução das pendências relativas aos seus direitos e deveres perante a sociedade. Neste sentido, não se revela correto entendê-lo como um proprietário da sociedade empresária — esta sendo pessoa jurídica, é apropriável — ou como seu credor — embora tenha direito a participar dos lucros sociais, em caso de falência, o sócio não poderá concorrer à massa, obviamente, se não dispuser de outro título. Desta forma, o sócio submete-se a um regime jurídico que lhe é próprio, composto por um conjunto de obrigações e direitos que a lei e, por vezes, o contrato social lhe reservam.122
O regime jurídico próprio a ser aplicado aos sócios consiste no Código Civil e na Lei das Sociedades Anônimas – LSA, e neles é possível localizar alguns dos principais direitos inerentes à sua condição, dos quais se destacam os de natureza patrimonial, entre outros também comumente elencados nos contratos sociais:
a) direito de participar dos resultados (arts. 1.006 a 1.008 do CC; art. 109, I, da LSA);
b) direito de participar do acervo em caso de falência (art. 109, II, da LSA);
c) direito de preferência em participar do aumento de capital (art. 1.081 do CC; art. 109, IV, c/c arts. 171 e 172 da LSA);
d) direito de retirar-se da sociedade (art. 1.029 do CC; art. 109, V, c/c art. 137 da LSA);
e) direito de cessão de quotas com consentimento dos demais sócios (art. 1.003 do CC; art. 36 da LSA).
122 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Manual de direito comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 167.
Apesar de dizer que o investidor não será considerado sócio, a LC n. 155/2016 não veda ao investidor o usufruto de nenhum desses direitos patrimoniais e essencialmente societários. Como já dito, ele participará dos resultados e poderá exercer seu direito de resgate e de transferência de titularidade de seu aporte.
Nada impede também o investidor de negociar seu direito de participar no aumento de capital e ainda possivelmente participar da falência como credor quirografário, caso o valor aportado seja ingressado na sociedade como passivo, apesar de não constar expressamente na LC n. 155/2016.
Em relação aos direitos políticos dos sócios, podem-se realçar os seguintes:
a) direito de voto (art. 1.071 et seq. do CC; art. 110 et seq. da LSA), exercido via deliberações em reuniões ou assembleias (art. 1.072 do CC; art. 121 et seq. da LSA), que nas SAs não é considerado como essencial, sobretudo porque pode ser suprimido123 em ao menos duas hipóteses: de acionista em mora (art. 120 da LSA) e de ações preferenciais (arts. 15 e 111 da LSA);
b) direito de participar como membros dos órgãos sociais, caso eleitos: conselho fiscal (art.
1.066 do CC; arts. 161 a 165 da LSA), conselho de administração e diretoria da empresa (arts. 1.010 e 1.061 do CC; art. 138 et seq. da LSA);
c) direito de fiscalização (exame de livros124 e documentos e do estado de caixa da sociedade — art. 1.021 do CC; art. 109, III, da LSA);
d) direito de exigir prestação de contas (art. 1.020 do CC; art. 157 da LSA).
A LC n. 155/2016 não parece vedar o direito do investidor de fiscalizar ou mesmo de exigir as contas perante o administrador. Por outro lado, proíbe expressamente ao menos dois desses direitos: o direito de participar dos órgãos de administração e o de voto. Como se dissesse que a condição de sócio se resume a esses dois direitos.
Por outro lado, nas SCP Participação o investidor será reconhecido como oculto, mas apenas com efeito entre sócios (art. 993 do CC), e deterá diversos direitos essencialmente societários, como o direito de retirar-se da sociedade (art. 1.029 do CC); de ceder suas quotas com consentimento dos demais sócios (art. 1.003 do CC); de participar dos resultados (arts.
123 Os acionistas sem direito de voto podem comparecer à assembleia geral e discutir a matéria submetida a deliberação (art. 125, parágrafo único, da LSA).
124 O acesso aos livros só é garantido legalmente aos acionistas que detêm, no mínimo, 5% do capital social (art. 105 da LSA), podendo, no entanto, ser objeto de negociação.
1.006 a 1.009 do CC); de fiscalizar, por meio do exame de livros e documentos e do estado de caixa da sociedade (arts. 993 e 1.021 do CC); e de exigir prestação de contas (art. 1.020 do CC). Os direitos de administrar ou participar das atividades sociais são sonegados ao investidor também nessas SCPs (art. 993 do CC), de tal modo que, apesar de contar com todos os outros direitos mencionados, não poderá tomar parte nas relações negociais de responsabilidade exclusiva do sócio ostensivo, não respondendo o oculto, em regra, pelas dívidas da sociedade. O oculto, porém, ao contrário do disposto na LC n. 155/2016, possui a
condição de sócio.
Na sociedade limitada, a simples condição de sócio atrai responsabilidade trabalhista, independentemente de sua influência na administração. Já na sociedade anônima, a jurisprudência trabalhista é majoritária no sentido de afastar a responsabilidade do acionista minoritário, preferencialista ou ordinário e costuma redirecionar responsabilidade apenas aos membros da administração125 e do conselho fiscal e ao acionista controlador.126
Eventualmente, o investidor que se utilizar de contratos de investimento (mútuo conversível e de participação) passará a exercer a condição de sócio após o uso do direito de conversão em participação societária, razão pela qual, para fugir da responsabilidade, se costuma prever nesses instrumentos que, no momento da conversão, deverá haver a transformação da sociedade investida em sociedade anônima, passando o investidor à condição de acionista minoritário, geralmente preferencialista.127
125 A posição de administrador da sociedade (sócio ou não), seja limitada, seja SA, como membro do conselho de administração ou da diretoria, atrai também a responsabilidade tributária.
126 “Em se tratando de sociedade anônima, responsabilização pessoal dos participantes da sociedade pelas obrigações da mesma é restrita ao acionista controlador, ao administrador e aos membros do conselho fiscal, conforme disciplina dos artigos117, 158 e 165, todos da Lei n. 6.404 /1976. Impossível a responsabilização de mero acionista minoritário sem poder de gestão pelas dívidas da sociedade anônima.” (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Agravo de Petição n. 0064400-92.2006.5.02.0014. Des. Rel. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx. Acórdão n. 20131231558, publicado em 12 nov. 2013).
127 Em regra, quando da conversão de participação, passa a valer um acordo de acionistas anexo ao contrato de investimento, que prevê que o investidor possuirá ações preferenciais com os seguintes direitos: recebimento de dividendos nas mesmas condições das ordinárias, prioridade de reembolso, preferência na liquidação, direito de conversão em ordinária, direito irrestrito de voto, entre outros, conforme modelo de contrato de mútuo conversível retirado do site da Anjos do Brasil. (ANJOS DO BRASIL. Modelo de contrato de investimento. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxx.xxxx. Acesso em: 16 nov. 2018).
2.2.1.2 Da responsabilidade pelo exercício de direitos de gerência e voto na administração
Como forma de mitigação do risco de responsabilização, a LC n. 155/2016, além de afastar o status de sócio, estabeleceu que o investidor não deverá ter direitos de gerência ou de voto na administração.
É sabido que a pessoa jurídica (leia-se sociedade empresária) age por intermédio de seus órgãos sociais — assembleia ou reuniões de sócios (art. 1.072 do CC), administração (arts.
1.060 a 1.065 do CC) e conselho fiscal (arts. 1.066 a 1.070 do CC), nos casos da limitada; e assembleia geral (art. 121 et seq. da LSA), conselho de administração e diretoria (art. 138 et seq. da LSA) e conselho fiscal (art. 161 et seq. da LSA) nas SAs, lembrando que cada órgão manifesta sua vontade nos limites de sua competência.128
Segundo Xxxxxx,129 “no direito brasileiro, a assembleia geral (órgão deliberativo máximo) tem competência para apreciar qualquer assunto de interesse social, mesmo os relacionados à gestão de negócios específicos” (art. 121 da LSA), porém costuma ser convocada apenas para matérias que lhe são privativas (art. 122 da LSA). Nas limitadas, caso não haja mais de dez sócios, não é obrigatória a constituição de assembleia para tomada de decisões, bastando reuniões de sócios para suprir tal finalidade (art. 1.072 do CC).
Já o conselho de administração, que será sempre composto por pessoas naturais (art.
145), sócios ou não, consiste em:
Órgão deliberativo e fiscalizador integrado por, no mínimo, três acionistas (pessoas naturais), com competência para qualquer matéria do interesse social (de maior envergadura e repercussão), exceto às privativas da assembleia geral. Sua função é agilizar o processo de tomada de decisão.130
Por sua vez, a diretoria coaduna-se com o “órgão executivo da empresa, competindo aos seus membros, no plano interno, gerir a empresa, e no externo, manifestar a vontade da pessoa jurídica, na generalidade dos atos e negócios que ela pratica”,131 o que seria o papel do administrador nas sociedades limitadas.
128 “A Assembleia Geral manifesta-a relativamente à aprovação das contas dos administradores, à definição das normas estatutárias, etc.; o Conselho de Administração o faz quanto à escolha dos diretores, à emissão de novas ações no limite do capital autorizado, entre outras matérias; o Conselho Fiscal, na convocação da assembleia geral, por exemplo e a Diretoria, enfim, diz a vontade da companhia na assinatura de contratos, nas manifestações judiciais e na generalidade dos atos e negócios jurídicos.” (XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de direito comercial:
v. 2: direito de empresa: sociedades. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 195).
129 Ibidem, p. 197.
130 Ibidem, p. 217.
131 Ibidem, p. 229.
O conselho fiscal é o órgão interno,132 composto de sócios ou não (eleitos), com a atribuição de “assessoramento da assembleia geral, na apreciação das contas dos administradores e na votação das demonstrações financeiras” da empresa, lembrando que “sua tarefa cinge-se aos aspectos da legalidade e regularidade dos atos de gestão”.133
É importante ressaltar que todos os poderes atribuídos por lei ou estatutos aos órgãos sociais não poderão ser delegados a outro órgão (arts. 139 e 163, § 7º, da LSA), nem mesmo podem os administradores,134 conselheiros ou diretores ser substituídos em suas funções de modo diferente do previsto em lei ou estatuto (arts. 1.018 do CC e 144 da LSA).
Para distinguir melhor as funções fiscalizatórias dos conselhos fiscal e de administração, vale insistir nos ensinamentos de Xxxxx Xxxxx Xxxxxx:
o conselho de administração, ao fiscalizar os diretores, exerce competências não limitada à legalidade ou adequabilidade contábil dos atos praticados, mas também abrangente da sua economicidade, conveniência, oportunidade e quaisquer outros aspectos que tomar relevantes. Ao conselho fiscal não cabe entrar no mérito da decisão adotada pelos diretores na condução dos negócios sociais, porque ele não os pode substituir na administração da empresa. Já o Conselho de Administração, ao fiscalizar a diretoria, tem poderes para questionar qualquer ato, na forma ou no conteúdo, bem como determinar as correções possíveis, se entender pertinente, ou sustar providências em andamento. Convém recordar, a propósito, que, no Brasil, o Conselho de Administração, embora detenha poderes para tanto, não costuma ingerir-se nos assuntos da diretoria.135
Ao administrador ou aos órgãos de administração136 (conselho administrativo e diretoria, nas SAs) da sociedade, que serão compostos por pessoas naturais, sócias ou não, cabe o poder de gestão, de direção da empresa (interno) e de representação, de manifestação da vontade da sociedade perante terceiros (externo).
Xxxxxxx Xxxxxx conceitua a administração de uma sociedade da seguinte forma:
132 “O conselho tem uma atuação interna, exclusivamente interna. Os destinatários de seus atos são, sempre, outros órgãos sociais. Nem o conselho nem o conselheiro podem tomar a iniciativa de divulgar sua opinião sobre a irregularidade de qualquer ato. Se descobrirem erros, fraudes ou crimes, perpetrados por qualquer administrador ou empregado da companhia, devem comunicá-lo aos órgãos de administração, e quando omissos estes nas providências para a defesa do interesse social, à assembleia geral (Art. 163 VI LSA).” (XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de direito comercial. 11. ed. Op. cit., p. 231).
133 Ibidem, p. 230.
134 Xxxxx Xxxxx Xxxxxx menciona que, para que poderes de administração sejam transmitidos a terceiros estranhos à sociedade, é necessário expressa previsão estatutária. Em suas palavras, a “administração da sociedade cabe a uma ou mais pessoas, sócias ou não, designadas no contrato social ou em ato separado. Elas são escolhidas e destituídas pelos sócios, observando-se, em cada caso, a maioria qualificada exigida por lei para a hipótese (item 3). Para a Sociedade ser administrada por não sócio, é necessária expressa autorização no contrato social. Inexistente esta, só a sócio podem ser atribuídos poderes de administrador.” (XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Manual de direito comercial. 23. ed. Op. cit., p. 190).
135 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de direito comercial. 11. ed. Op. cit., p. 237.
136 “Administradores são os membros do conselho de administração e da diretoria.” (Ibidem, p. 238).
o conceito de administração de uma sociedade pode definir-se, em sentido material, como o conjunto de atos tendentes à realização do objetivo social, noção em sentir demasiado ampla, pelo que aduz: O conceito técnico-jurídico de administração é, pois, um conceito formal, na medida em que o seu traço essencial está no exercício de poderes que produzam efeitos para com terceiros, ou seja, no exercício de poderes de representação. Quer isto dizer que a acepção estrita de administração não se basta com a gestão, existe além disso a representação.137
Xxxxxxx Xxxxxxxxxx diferencia os atos de representação e gestão: “representação é o poder de manifestar externamente, em relação a terceiros, a vontade social. Gestão é o poder de deliberação e decisão dos administradores”.138 E continua:
o poder de representação é mais amplo que o de gestão, pois aquele compreende também a execução das decisões e deliberações que são manifestações da vontade surgidas no âmbito interno da companhia e que, na maioria dos casos, tornam-se eficazes mediante o exercício da representação.139
Os poderes e as atribuições dos administradores podem ser dispostos a contento dos sócios no contrato social (art. 997, VI, c/c art. 1.054 do CC), apesar de a doutrina já ter elencado à exaustão os poderes e os atos típicos dos administradores.140 Seus atos independem de autorização prévia dos sócios, desde que tenham como finalidade a realização do fim social.
Em outras palavras, cabem ao administrador os atos necessários para o regular funcionamento das atividades empresariais de acordo com seu objeto social. Todos os atos que fogem dessa regra — como contratação com partes relacionadas, atos de liberalidade em prejuízo do patrimônio ou do interesse social, distribuição disfarçada de lucro (art. 1.009 do CC) — podem ser considerados condutas culposas de excesso ou desvio de poder ou ofensivas ao estatuto ou a lei, passíveis de responsabilidade pessoal (arts. 1.016 e 1.080 c/c art. 158 da LSA).
O administrador, portanto, é toda pessoa que age em nome da sociedade — gerindo-a internamente ou representando-a externamente, com finalidade de realizar o objetivo social —
137 XXXXXX, Xxxxxxx. Administradores de sociedades. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 20-21, apud XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Das sociedades limitadas. 6. ed. São Paulo: Xxxxxxx, 0000, p. 401.
138 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1982, v. 5, p. 94-95, apud LUCENA, Xxxx Xxxxxxx. Op. cit.
139 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1982, v. 5, p. 94-95, apud LUCENA, Xxxx Xxxxxxx. Op. cit.
140 PONTES DE MIRANDA, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965,
v. 49, parágrafo 5.243-2, p. 406; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo: Xxx Xxxxxxx, 1956, n. 48, p. 102, apud XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Op. cit., p. 419-420, p. 419/420; XXXXXXXXXX, Xxxxxxx. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1982, v. 5, p. 89, apud LUCENA, Xxxx Xxxxxxx. Op. cit., p. 421.
e cujos atos, após ser devidamente nomeado, independem de prévia autorização de todos os sócios e, necessariamente, afetam terceiros.
Ao proibir direitos de gerência ou voto na administração da empresa, infere-se que o legislador esteja proibindo o investidor basicamente de participar diretamente dos órgãos de deliberação (assembleia e reuniões de sócios) e de administração da sociedade, seja como simples administrador nas sociedades limitadas ou SCPs, seja como membro do conselho de administração ou da diretoria, uma vez que somente estes possuem poderes de voto e gestão para “apreciar qualquer assunto de interesse social”141 ou interferir em qualquer ato que entender relevante para a empresa, tanto na forma quanto no “conteúdo, bem como determinar as correções possíveis, se entender pertinente, ou sustar providências em andamento”,142 representando-a perante terceiros.
De outra parte, o sócio oculto na SCP Participação sofre uma restrição ainda mais ampla do que a prevista na LC n. 155/2016, não podendo nem mesmo “tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier” (art. 993 do CC).
Nada impede, por outro lado e em todas as modalidades de investimento, a participação do investidor no conselho consultivo143 ou mesmo um assento de observador (ou seja, sem direito a voto e preferencialmente sem registro em ata) nas reuniões e nas assembleias deliberativas para exprimir sua opinião sobre os rumos da sociedade ou mesmo para fiscalizar os atos da administração, desde que não seja membro efetivo do conselho fiscal.
Vale lembrar que em todas as sociedades será possível firmar acordos parassociais contendo cláusulas de voto afirmativo para determinados temas144 e, assim, de maneira indireta influenciar em questões relevantes e estratégicas, lembrando que há quem diga que tal participação pode aumentar o risco de responsabilização,145 não só por de alguma maneira interferir na gerência e na administração da sociedade, mas porque não há certa segurança jurídica quanto a esse tópico, que não costuma chegar ao crivo do Judiciário.
141 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de direito comercial. 11. ed. Op. cit., p. 197.
142 Ibidem, p. 237.
143 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 47.
144 Alguns temas que poderão ser abordados como objeto de voto afirmativo por parte do investidor, conforme modelo de acordo de acionista retirado da Anjos do Brasil: reestruturação societária; liquidação, dissolução, requerimento de falência, recuperação judicial ou extrajudicial; alteração do objeto social; aprovação ou alteração da política de distribuição de dividendos; venda, oneração ou transferência da totalidade ou de parte substancial dos bens ou direitos; qualquer subscrição ou transferência de ações que cause mudança de controle; constituição e encerramento de sociedades subsidiárias, controladas e coligadas; oferta pública de ações ou outros valores mobiliários; entre outros. (ANJOS DO BRASIL. Modelo… Op. cit.).
145 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 46.
O mesmo raciocínio serve para os contratos de investimentos (de mútuo conversível e de participação), pois se podem incluir algumas obrigações aos empreendedores e direitos de veto ou autorização prévia146 ao investidor até a conversão, com intuito de resguardar a liquidez e proteger o seu investimento. É comum constituir, no momento da conversão, uma obrigação de assinatura de acordo parassocial, cujos termos já serão anexados ao contrato de investimento, contendo as cláusulas de voto afirmativo mencionadas.
O exercício dos direitos de voto afirmativo, veto e autorização prévia pode, então, afetar o risco de responsabilização, mas, por guardar relação também com os limites de atuação do investidor-anjo como smart money, serão tratados mais à frente em tópico específico.
2.2.1.3 Da responsabilidade pela integralização de capital
A LC n. 155/2016 estabeleceu que o valor aportado não será considerado como capital social (art. 61-A) e assim o fez, além de garantir a manutenção do Simples Nacional, para afastar do investidor a obrigação de responder pela integralização do capital social.
Como sabemos, nas sociedades limitadas e nas anônimas o valor aportado por sócios e acionistas será considerado capital social, que será dividido em quotas ou ações (arts. 1.055 e
1.088 c/c art. 15 da LSA), e os sócios, em regra, não respondem pelas dívidas da sociedade, mas respondem solidariamente pelo capital social não integralizado (art. 1.052 c/c art. 1º da LSA). Segundo o ministro Xxxxx Xxxxxx:
Só os valores empregados na formação do capital social, que é subdividido em quotas detidas pelos sócios na proporção dos seus aportes, respondem pelas dívidas sociais. O restante do patrimônio pessoal dos sócios não pode ser atingido pelos credores da pessoa jurídica, permanecendo salvaguardado. A limitação de responsabilidade dos sócios depende, porém, da integralização do capital social.147
Na medida em que o valor aportado, mediante contrato de participação, não se trata de capital social, afasta-se qualquer possibilidade de responsabilizar solidariamente o investidor pela integralização do capital social dos demais sócios. A mesma lógica se dá para o contrato
146 O investidor poderá estabelecer algumas obrigações aos fundadores durante o período anterior à conversão, como: aportar valores investidos no negócio; resguardar e proteger a propriedade intelectual; non compete ou non conflite; bem como requerer o direito de veto ou autorização prévia do investidor para tratar sobre algumas matérias, cujo intuito principal é resguardar a liquidez da sociedade e proteger o seu investimento (empréstimos; operação com potencial de afetar propriedade intelectual; garantias; alteração substancial adversa quanto ao passivo; alteração substancial em práticas empresariais; distribuição de lucros; operação societária que possa afetar a sociedade ou a titularidade de cotas, o negócio, a propriedade e a posse do negócio ou da propriedade intelectual). (ANJOS DO BRASIL. Modelo… Op. cit.).
147 XXXXXX, Xxxxx. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 3. ed. Barueri: Manole, 2009, p. 998.
de mútuo conversível, posto que o valor aportado ingressa na sociedade investida como passivo atrelado a um contrato de crédito.
Nas SCPs o valor aportado também será considerado como capital social e divido em quotas (art. 997, IV, do CC), porém será considerado parte de um patrimônio especial, cujos efeitos valem apenas entre sócios, para fins tributários e de prestação de contas (art. 994 do CC).
É importante lembrar que em todos os tipos societários ora em análise, os sócios em mora ou remissos responderão por execução ou perdas e danos, com possibilidade de exclusão, redução ou transferência de quotas para sócios ou terceiros (arts. 1.004 e 1.058 do CC c/c arts. 107 e 108 da LSA).
2.2.1.4 Do responsável pela atividade empresarial
Como se sabe, o empresário será toda pessoa física (empresário individual) ou jurídica (sociedade empresária) que exerce profissionalmente (pois a exerce de maneira habitual, pessoal e detém o monopólio das informações) uma atividade econômica (pois visa ao lucro) de maneira organizada (articulando os fatores de produção — aportando capital, contratando mão de obra, adquirindo insumo e desenvolvendo/utilizando tecnologia) com intuito de produção e/ou circulação de bens e/ou serviços (art. 966 do CC).
Quando a LC n. 155/2016 estabelece que a atividade constitutiva no objeto social da empresa investida será exercida unicamente por sócios regulares, em seu nome individual e sob sua exclusiva responsabilidade (art. 61-A, § 3º), o legislador não usa da boa técnica conceitual. As confusões com os conceitos de direito empresarial podem acabar por gerar erros de interpretação das intenções do legislador. Aparentemente se misturam os conceitos de sócio e
sociedade, que Xxxxxx assim distingue:
Deve-se desde logo acentuar que os sócios da sociedade empresária não são empresários. Quando pessoas (naturais) unem seus esforços para, em sociedade, ganhar dinheiro com a exploração empresarial de uma atividade econômica, elas não se tornam empresárias. A sociedade por elas constituída, uma pessoa jurídica com personalidade autônoma, sujeito de direito independente, é que será empresária, para todos os efeitos legais. Os sócios da sociedade empresária são empreendedores ou investidores, de acordo com a colaboração dada à sociedade (os empreendedores, além de capital, costumam devotar também trabalho à pessoa jurídica, na condição de seus administradores, ou as controlam; os investidores limitam-se a aportar capital).148
148 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Manual de direito comercial. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 20.
A atividade social constituída no objeto da sociedade nada mais é do que a atividade econômica desenvolvida pelo empresário (individual ou sociedade empresária).
A interpretação sistematicamente coerente do § 3º do art. 61-A da LC n. 155/2016 seria de que a atividade constitutiva no objeto social seria exercida unicamente pela sociedade, e não pelos sócios regulares, ficando sob aquela (e não sob estes) a responsabilidade exclusiva. Do contrário, estaria estabelecida nesse artigo uma hipótese de responsabilidade solidária dos sócios empreendedores como garantidores das dívidas da sociedade, o que pode ser considerado também como um ponto de insegurança jurídica.
Uma interpretação complementar, que encontra guarida na jurisprudência pátria sobre responsabilidade tributária,149 seria de que somente os sócios regulares (leia-se empreendedores) poderiam prestar serviços à sociedade, seja na condição de administrador, seja na de controlador, afastando a responsabilidade do investidor, que serviria apenas como fornecedor de capital.
Numa sociedade, apenas os sócios se obrigam a contribuir para o exercício da atividade econômica previsto no objeto social, quer por aporte de capital, quer por prestação de serviço (art. 981 do CC). O investidor, ora por contrato de participação, ora por contrato de mútuo conversível, não deve exercer nenhuma atividade do objeto social, por estar na posição de credor, e não na condição de sócio, pelo menos não até a conversão.
Na sociedade anônima, são os acionistas controladores os responsáveis legais por efetivamente dirigir as atividades sociais (art. 116 da LSA), tendo como órgãos executivos e deliberativos a assembleia geral (art. 121 et seq. da LSA), a diretoria e o conselho de administração (art. 138 et seq. da LSA), esses dois últimos considerados a administração da companhia.
No que concerne à SCP, a atividade social será exercida unicamente pelo sócio ostensivo, ou seja, a responsabilidade pela atividade econômica será (nos casos de SCP Participação) da sociedade investida (art. 991 da CC).
149 Súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregulaermente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”
2.2.1.5 Da responsabilidade por dívida da empresa e das regras de desconsideração da personalidade jurídica
Todos os dispositivos legais da LC n. 155/2016 já citados (art. 61-A, §§ 3º e 4º, I, II) têm como principal função mitigar os riscos de responsabilização pessoal dos investidores pelas dívidas da sociedade investida, em especial as trabalhistas e tributárias.
A possibilidade de responsabilidade pessoal dos sócios (ou investidores) no exercício da sua função social, além de exemplo de insegurança jurídica, pode ser considerada uma das grandes barreiras de investimento para grande parte dos investidores-anjo no Brasil.150, 151
O empresário que empreender (ou o investidor que investir) sem a noção de que poderá se comprometer com o restante do seu patrimônio pessoal, além daquele segregado para formação do capital social, não está em consonância com o atual regime de responsabilidade.
As sociedades de responsabilidade limitada,152 como o próprio nome diz, deveriam fornecer proteção ao patrimônio pessoal do sócio, atribuindo limitação de reponsabilidade das obrigações sociais — tendo, inclusive, o Código Civil atribuído a responsabilidade ilimitada dos sócios apenas para fins de integralização do capital social (art. 1.052 do CC). Porém, não é essa a realidade brasileira. De fato, a responsabilidade limitada no Brasil há muito vem sendo mitigada, e isso deriva de dois motivos principais: fraude e alocação de riscos.153
De início era a fraude a principal causa excepcional de se desconsiderar o manto da pessoa jurídica. Para Xxxxxxxxx,154 “sem fraude não se desconsidera a personalidade jurídica, sendo extraordinários na ordem jurídica os casos de desconsideração”.
Com a sofisticação da fraude (transferências a laranjas, familiares, sobreposição de holdings, etc.) e a chamada “fuga da responsabilidade”155 pelo empresariado, em conjunto com a necessidade de se dar efetividade às decisões judiciais, passou-se a “enxergar a
150 O risco de desconsideração da personalidade jurídica foi rotulado como barreira ao investimento pela Anjos do Brasil e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em audiência pública no PLP n. 420/2014.
151 “O grande nó surge porque a ilimitação de responsabilidade de sócios cria, assim, um obstáculo ao financiamento e à criação de negócios produtivos.” (XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. O fim… Op. cit., p. 275).
152 No caso brasileiro, as sociedades limitadas (art. 1.052 et seq. do CC) e as sociedades anônimas (Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976 — Lei das Sociedades Anônimas [LSA]).
153 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Menos do que o dono, mais do que o parceiro de truco: contra a desconsideração da PJ para responsabilização de procurador de sócio de empresa. Revista Direito GV. São Paulo, v. 8, n. 1, p. 329-358, jan./jun. 2012, p. 334.
154 DINAMARCO, Candido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 1.183.
155 “Por fuga da responsabilidade entendo da ação ou conjunto de ações estratégicas da empresa que tendem a frustrar a satisfação de um crédito caso haja uma condenação judicial para pagamento.” (XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. O fim… Op. cit., p. 342).
responsabilidade empresarial como parte de um mecanismo de socialização do risco empresarial”.156
A legislação e a jurisprudência evoluíram para combater tais males; ao analisá-las, Xxxxxx encontrou três formas de desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, três formas de redirecionamento de responsabilidade:
a) Típica: em sua maioria está ligada ao combate à fraude;
b) Atípica: fundamentada pela norma geral do art. 50 do CC, mais utilizada também contra abuso, desvio de finalidade e confusão patrimonial (leia-se fraude) e presente com mais frequência na esfera cíveis e relações comerciais.
d) De Interpretação Integrativa: calcada em analogia, costumes, princípios gerais de direito e critérios de equidade, fundamento este utilizado como alocação de risco e mais comum no âmbito da justiça do trabalho, nas relações de consumo e em defesa do meio ambiente.157
Quanto às dívidas de natureza civil (com exceção daquelas decorrentes de prejuízos ao consumidor [art. 28 do CDC], ao meio ambiente, entre outras), predomina a regra atípica de que os sócios (empreendedor e investidor) somente responderão pessoalmente por dívida da empresa se agirem com dolo ou culpa no exercício das suas funções na empresa — mais precisamente, quando agirem com intuito de fraudar credores mediante abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial (art. 50 do CC). No tocante à responsabilidade trabalhista, fundamentada pela forma de interpretação integrativa, a ausência de patrimônio social basta para que a obrigação seja direcionada aos sócios.158 Até mesmo ex-sócios e pessoas estranhas à sociedade já estão sofrendo restrições em seu patrimônio, em prol do princípio da alteridade,159 que proíbe a transferência do risco empresarial ao empregado, e em razão da obtenção de vantagem econômica por meio de
trabalho alheio.160
156 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. O fim… Op. cit., p. 193.
157 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Menos do que… Op. cit., p. 334-335.
158 O cenário é tão radical que operadores do direito dessa área costumam dizer que o código de execução trabalhista possui dois artigos: “Art. 1 - Existe uma dívida. Art. 2 - Alguém vai pagar.”
159 “O princípio da alteridade é empregado para justificar até mesmo o bloqueio de bens de sócios alheios às operações da empresa. Por outro lado, a execução passou a correr não só contra ex-sócios e ex-administradores, mas também contra procuradores, advogados e até mesmo advogados de sócios detentores das chamadas procurações societárias.” (XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. O fim… Op. cit., p. 199). É possível verificar esse entendimento neste julgado: BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Agravo de Petição n. 00825.1992.481.02.00-8. Rel. Xxxxxx Xxxxxxxxxxx. Acórdão n. 20101198188, publicado em 23 nov. 2010.
160 Nas palavras de Xxxxx Xxxxxx: “As cortes trabalhistas passaram adotar interpretações cada vez mais agressivas e que colocavam em segundo plano considerações sobre as características daquele que se aproveita do trabalho alheio. A responsabilização passava assim a estar ligada ao fato de ter obtido ganho econômico em decorrência do trabalho alheio.” (XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. O fim… Op. cit., p. 194). Exemplos de julgados: BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Agravo de Petição n. 01962.2004.444.02.00-4. Rel. Des. Xxxxxx Xxxxxx. Acórdão n. 20101152420, publicado em 18 nov. 2010; BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª
O risco de redirecionamento de débito trabalhista ao sócio depende de apenas um fator: a existência de uma dívida, ou seja, estando a sociedade empregadora impossibilitada de saldar dívida trabalhista, os sócios (empreendedor ou investidor) sofrerão os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, respondendo com seu patrimônio pessoal, com base nos princípios da alteridade, da exploração do trabalho alheio ou do simples obstáculo de ressarcimento de prejuízos (art. 28 do CDC).
Quanto ao sócio acionista, em grande parte dos casos a Justiça do Trabalho tem afastado a responsabilidade dos minoritários. Aliás, nas sociedades anônimas, a responsabilidade trabalhista, em regra, é redirecionada ao acionista controlador e aos membros dos órgãos de administração e de fiscalização da sociedade, como do conselho de administração, da diretoria e do conselho fiscal.161
Xxxxxx apresenta a seguinte conclusão quanto à desconsideração na Justiça do Trabalho:
[…] na Justiça do Trabalho tem se popularizado uma construção jurisprudencial segundo a qual (1) a mera insuficiência patrimonial enseja a desconsideração da PJ;
(2) a desconsideração da PJ se processa para responsabilização de terceiros independentemente de base legislativa expressa; (3) independentemente da comprovação, ou mesmo da suspeita, de ato doloso ou culposo do terceiro a quem se decide responsabilizar; e (4) independentemente de citação e direito de defesa para esse terceiro; e (5) ainda que os tribunais superiores não tenham se manifestado sobre a responsabilização de procurador e ex-procurador de sócio ou ex-sócio em tais circunstâncias, a penhora online e o Renajud já tornam práticas como essas bastante gravosas; […].162
A responsabilidade tributária,163 originalmente concebida apenas em caso de infração à lei, conforme prevê o art. 135 do Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 [CTN]), observando, em regra, a forma de redirecionamento típica, também tende a trilhar o mesmo caminho.
Em que pese o teor do art. 128 do CTN, que reserva apenas à lei a possibilidade de atribuir responsabilidade tributária a terceiro estranho ao contribuinte original, a jurisprudência tem diminuído o grau de exigência para o redirecionamento fiscal, ao menos para fins
Região. Agravo de Petição n. 00547.2002.016.02.00-0. Rel. Des. Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. Acórdão n. 20070988212, publicado em 30 nov. 2007.
161 “Em se tratando de sociedade anônima, responsabilização pessoal dos participantes da sociedade pelas obrigações da mesma é restrita ao acionista controlador, ao administrador e aos membros do conselho fiscal, conforme disciplina dos artigos 117, 158 e 165, todos da Lei n. 6.404/1976. Impossível a responsabilização de mero acionista minoritário sem poder de gestão pelas dívidas da sociedade anônima.” (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Agravo de Petição n. 0064400-92.2006.5.02.0014. Op. cit.).
162 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Menos do que… Op. cit., p. 348.
163 “A responsabilidade tributária é a submissão de pessoa outra que não o contribuinte ao direito do Estado de exigir a prestação da obrigação tributária.” (SALAMA, Xxxxx Xxxxxxxx. O fim… Op. cit., p. 120).
pragmáticos, já que impulsionada pelas inúmeras medidas de constrição de sócios e administradores,164 as quais exercem verdadeira pressão até mesmo sobre aqueles que não cometem conduta culposa ou não estejam na gerência da empresa.165
Até mesmo terceiros estranhos à sociedade já estão sendo demandados por redirecionamento de responsabilidade — por exemplo, advogados de planejamento tributário166
—, situação essa agravada pela falta de segurança jurídica e pela não observância das autoridades, em especial da Receita Federal, aos precedentes firmados pelas cortes superiores.
Nesse contexto, por mais sofisticada que seja, não há estrutura jurídica que possa mitigar o risco de responsabilização por dívidas da sociedade, ainda que não esteja figurando como sócio no contrato social. No entanto, em que pese a realidade draconiana retratada por Xxxxxx, ainda existem resquícios na jurisprudência pátria em que o investidor pode se resguardar, em especial quanto à responsabilidade tributária.
Uma empresa quebrada com pendência tributária tem risco alto de responsabilização do sócio-gerente, em especial quando há dissolução irregular da sociedade,167 que para muitas decisões168 é considerada infração à lei para os fins do art. 135 do CTN, valendo lembrar também, ainda que de difícil produção, a possibilidade de afastar sua responsabilidade caso demonstre que não incorreu nas condutas previstas no mencionado dispositivo, ou seja, em excesso de poder ou infração a lei, contrato social ou estatutos.169
No entanto, quem não está na direção/administração da sociedade não deve ser responsabilizado por eventual redirecionamento,170 mesmo em caso de dissolução irregular. O mesmo pode ser dito ao ex-sócio que transferiu suas quotas regularmente, tendo a empresa
164 BacenJud; CCS-BACEN; RenavanJud; Infoseg; Infojud; Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI); Serasajud.
165 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. O fim… Op. cit., p. 180-182.
166 Ibidem, p. 184.
167 Súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio- gerente.”
168 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 8.838/SP. Rel. Min. Xxxxx Xxxxxx, DJ 27maio 1991; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 7.745/SP. Rel. Min. Xxxxx Xxxxxx, DJ 29 abr. 1991; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 121.021/PR. Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, DJ 11 set. 2000.
169 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 420.663/SC. Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxx, DJ 09 set. 2002, p. 220; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 947.063/RS. Rel. Min. Xxxxxx Xxxxx, DJ 25 set. 2007.
170 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 238.668/MG. Rel. Min. Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, DJ 13 maio 2002; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 591.954/SP. Rel. Min. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, DJ 01 jul. 2005.
continuado normalmente as atividades, desde que, em ambos os casos, não tenha sido cometida alguma fraude de conhecimento do fisco.171
A responsabilidade tributária trata, assim, com isonomia os diferentes tipos de sócio. A desconsideração da personalidade jurídica, em regra, só atinge o sócio responsável pela administração da sociedade (art. 135, III, do CTN) e, ainda assim, desde que tenha praticado atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, sendo a dissolução irregular a prática mais comum de responsabilização (Súmula 435 do STJ). Os demais sócios somente serão responsabilizados se for comprovada sua participação na fraude (art. 50 do CC). Por outro lado, é sempre bom ressaltar a tendência e a evolução da jurisprudência em relativizar os requisitos necessários para o redirecionamento da responsabilidade empresarial, sendo natural presumir que pessoas estranhas ao quadro social e que exerçam de alguma forma poder de administração na sociedade possam ser constrangidas, ainda que apenas por bloqueios
indevidos de seus bens.172 Afinal, se há poder de administração, há risco de responsabilidade.
Ao dizer que o investidor-anjo não será considerado sócio nem terá poderes de gerência ou deliberação, que não exercerá pessoalmente a atividade social e que o valor investido não será aportado como capital social, a LC n. 155/2016 (que possui natureza tributária) evita que o investidor exerça a função de administrador e controlador da sociedade investida, razão pela qual expressamente determina que ele “não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a regra de desconsideração da personalidade jurídica” (art. 61-A, § 4º, II).
Ao passo que a LC n. 155/2016 estabelece diretamente que o investidor não sofrerá com os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, ela procura afastar justamente sua obrigação de arcar com dívidas da sociedade investida. Uma das críticas173 que se faz a esse dispositivo é sua incoerência sistemática, uma vez que, se o investidor não será considerado sócio, não há falar-se naturalmente de desconsideração da personalidade jurídica como meio de responsabilizá-lo.
O risco de responsabilização será sempre maior quando realizado o investimento direto em participação, ao passo que o investimento em SCP ou via mútuo conversível e contrato de participação não se aplica à regra da disregard doctrine, por ausência de personalidade jurídica.
171 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 100.739/SP. Rel. Min. Xxxx Xxxxxxx, DJ 28 fev. 2000, p. 32; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência no Agravo n. 1.105.993/RJ. Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx, DJe 01 fev. 2011.
172 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. O fim… Op. cit., p. 180 et seq.
173 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Op. cit.
O contrato de mútuo e a SCP Participação já traziam essa proteção de redirecionamento de responsabilidade por desconsideração da personalidade jurídica, sendo que não se pode dizer que o contrato de participação se enquadra como uma novidade nesse quesito. Ainda que se possa dizer que há mais segurança jurídica na utilização do contrato de participação, diante da previsão legal, na prática não é possível distinguir a utilidade dessas modalidades quanto ao aspecto da desconsideração, tendo em vista a raridade com que chegam essas questões ao Judiciário.
2.2.2 Mecanismos de liquidez do investimento
Apenas para recapitular, como mecanismos criados para afetar a liquidez do investimento anjo, a LC n. 155/2016 incorporou ao contrato de participação o direito de venda conjunta de titularidade, conhecido como tag along (art. 61-C); o direito de preferência na aquisição das quotas dos demais sócios (art. 61-C); a possibilidade de transferência da titularidade do aporte para terceiro, ainda que condicionado ao consentimento prévio dos demais sócios (art. 61-A, §§ 8º e 9º); a remuneração por participação nos eventuais resultados, limitada a cinco anos e não superior a 50% dos lucros da sociedade (art. 61-A, § 4º, III, e § 6º); bem como a possibilidade de saída por meio do resgate após a carência de dois anos, em valor calculado pelo art. 1.031 do CC, mas que pode ultrapassar o valor investido devidamente corrigido (art. 61-A, § 7º).
2.2.2.1 Do direito de venda conjunta: tag along
O tag along é um direito concedido a um titular de participação societária (em geral minoritário) de vender conjuntamente com outro acionista ou quotista controlador suas quotas, nos mesmos termos e condições ofertadas a este. Em outras palavras, “a cláusula tag along outorga aos minoritários o direito de venderem sua participação quando da alienação do controle (‘direito de saída conjunta’)”.174
No caso da LC n. 155/2016, foi concedido ao investidor o direito de vender sua participação em conjunto com os sócios regulares. Esse direito é muito utilizado em operações de fusões e aquisições (ou mergers and acquisitions, M&A) e visa basicamente defender os interesses do sócio minoritário, e é muito comum sua previsão em instrumentos de estruturação
174 XXXXXX, Xxxxxx. Fusões e aquisições. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 338.
de investimento-anjo, seja em equity, mediante acordo de quotistas (limitada)175 ou acionistas (SA), seja mediante contrato de investimento (mútuo conversível ou contrato de participação).176
Em uma situação de investimento direto em SA, há previsão legal desse instituto no art. 254 da LSA, que prevê o direito de venda conjunta ao acionista minoritário em caso de venda do controle da empresa, benefício esse que pode ser gozado pela sociedade limitada em caso de aplicação subsidiária das normas das SAs.
Outro direito muito utilizado para dar liquidez ao investimento consiste na cláusula drag along, que, ao contrário da tag along, visa proteger os interesses do controlador, na medida em que lhe concede o direito de “arrastar” consigo os minoritários, em caso de venda do controle para um terceiro adquirente.
A cláusula de drag along implica o dever de os sócios venderem suas participações societárias quando um terceiro manifestar interesse em adquirir a totalidade das ações (ou quotas) representativas do capital social (direito de se exigir a venda — previsão de os sócios “serem arrastados”).177
Nos contratos de investimento (de mútuo conversível ou de participação), tais direitos só poderão ser efetivamente exercidos pelos investidores após a conversão em participação societária.178 Não é à toa que tais direitos costumam estar previstos em acordo de quotistas/acionistas anexado ao contrato de investimento.
Vale lembrar que a SCP Sindicato poderá instrumentalizar seu aporte por meio de um contrato de investimento (contrato de participação ou de mútuo conversível); sendo assim, gozaram dos mesmos benefícios e desvantagens atrelados aos respectivos instrumentos. Já a SCP Participações deverá estabelecer um contrato de associação próprio, mas que goza de mais liberdade para confecção, na medida em que não há, na legislação pertinente (art. 991 a 996 do CC), regras sobre venda conjunta.
175 É importante ressaltar que, para que não haja impugnação quanto à validade do acordo de quotistas em sociedade limitada, sugere-se a previsão, em contrato social, de que a sociedade será regida de maneira suplementar pelas Lei das Sociedades Anônimas (art. 1.053, parágrafo único, do CC). (XXXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx; PROENÇA, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Direito societário: tipos societários. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 272). 176 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 1. Op. cit., p. 123-6, 137-138; XXXXXXXXX, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 141.
177 XXXXXX, Xxxxxx. Fusões… Op. cit., p. 339.
178 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 1. Op. cit., p. 137.
2.2.2.2 Do direito de preferência na aquisição das quotas dos demais sócios
O direito de preferência na aquisição das quotas dos demais sócios, também conhecido como right of first refusal (ROFR) e garantido ao investidor (art. 61-C da LC n. 155/2016), na verdade não é um mecanismo de melhoria da liquidez do investimento, mas sim uma espécie de proteção contra novos entrantes ou mudança de controle político. Nas palavras de Xxxxxx Xxxxxx:
O direito de preferência implica que, no caso de uma das partes receber oferta de outros sócios ou de terceiros para adquirir suas ações ou quotas, os demais acordantes poderão o preferir ao ofertante na compra das participações societárias, nas condições oferecidas por este último.179
Esse direito encontra-se de maneira corriqueira nos instrumentos societários constitutivos (SCP, limitada e SA) e nos de investimento em variadas espécies180 e contém, como uma das principais finalidades, a manutenção da proporcionalidade da participação societária entre os sócios signatários.
A SCP, além da liberdade de estabelecer novas regras por meio de contrato de associação, possui também uma proteção legal a novos entrantes, não admitindo novos sócios sem o consentimento expresso dos demais, salvo disposição em contrário (art. 995 do CC).
Como alternativa à interferência negativa sobre a liquidez do investimento, sugere-se a adoção da cláusula de direito de primeira oferta — right of first offer (ROFO) —, que:
Consiste no dever de o sócio que desejar vender suas ações ou quotas oferecê-las primeiramente aos acordantes, sendo certo que, no caso de estes não promoverem a aquisição das participações societárias, o acordante ofertante poderá vendê-las a terceiros, nas mesmas condições oferecidas aos acordantes.181
É importante observar que, assim como na cláusula de tag along, os direitos de preferência previstos em contratos de investimento somente poderão ser efetivamente exercidos após a conversão em participação societária na empresa investida.
179 XXXXXX, Xxxxxx. Fusões… Op. cit., p. 332.
180 Por exemplo, o direito de preferência de subscrição, ou seja, a preferência em participar do aumento de capital nas limitadas (art. 1.081 do CC) e nas SAs (art. 109, IV, c/c arts. 171 e 172 da LSA), cuja principal função nesse caso consista na manutenção do status patrimonial e político.
181 Ibidem, p. 332-333.
2.2.2.3 Da transferência de titularidade do aporte para terceiros
O investidor terá o direito de transferir a titularidade do seu aporte a terceiros, ainda que condicionado ao consentimento prévio dos sócios da investida (art. 61-A, §§ 8º e 9º, da LC n. 155/2016). Esse direito também é conhecido como cláusula de cessão de direitos (quotas, ações ou valores mobiliários) e, para fins tributários, é considerado como uma das modalidades de retirada de capital, devendo incidir os impostos previstos na IN n. 1.719/2017 da Receita Federal.
Há previsão legal na SCP sobre a eficácia da cessão de quotas condicionada à alteração do contrato social e com consentimento dos demais sócios (art. 1.003 do CC).
Nas limitadas, a cessão de quotas entre sócios é livre, salvo disposição em contrário em contrato social ou acordo de quotista. Para validação da cessão a terceiros, é necessária a aprovação de mais de um quarto do capital social (art. 1.057 do CC), salvo disposição diversa. Por sua vez, o direito a negociação das ações nas SAs pode ser limitado pelo estatuto, apesar de, em regra, ser de livre circulação (art. 36 da LSA).
Nos contratos de investimento, costumam-se estabelecer cláusulas de restrição a cessão de direitos ou obrigações, em geral condicionando-se à anuência prévia de todas as partes.
2.2.2.4 Da remuneração por participação nos resultados
A LC n. 155/2016 cria uma forma um tanto peculiar para remunerar um aporte de capital por meio de contrato de investimento: remuneração por participação nos eventuais resultados (art. 00-X, § 0x, XXX, x § 0x), que terá ao menos duas limitações — prazo máximo de cinco anos e valor não superior a 50% dos lucros da sociedade.
Apesar de ser equiparada à participação nos resultados em sociedade, há incidência de imposto de renda sobre a remuneração, que consiste em uma das três modalidades de retirada de capital pelo investidor, a teor do que disciplina a IN n. 1.719/2017.
A participação nos resultados é um direito essencialmente societário, ou seja, todas as sociedades (limitada e SCP: arts. 1.006 a 1.009 do CC; SA: art. 109, I, da LSA182) preveem o direito dos sócios de participarem dos lucros e das perdas sociais, sendo, em regra, em quantia proporcional às quotas ou às ações pertencentes a eles e pelo tempo que durar a relação
182 Liberado por deliberação da assembleia geral ordinária e com limitações e destinações fixadas em lei e no estatuto (art. 189 et seq. da LSA).
societária. Nada impede, porém, que os sócios estabeleçam uma divisão ou destinação diferenciada, desde que não exclua por completo a participação dos resultados.183
Por outro lado, nos contratos de mútuo conversível, antes da conversão, a remuneração incluirá apenas juros, correção monetária e outros encargos.
2.2.2.5 Do direito de resgate
O direito de resgate no contrato de participação coaduna-se com uma espécie de direito de retirada com denúncia vazia, ou seja, sem nenhuma justificativa; o investidor que queira desinvestir pode fazê-lo, obrigando a empresa investida a pagar o valor equivalente à sua participação societária, em uma situação parecida com o cash out.184
Existem, porém, duas limitações impostas pela LC n. 155/2016: que se observe uma carência de dois anos, podendo ser ainda maior caso objeto de negociação pelas partes; e que o valor devolvido seja o equivalente ao valor aportado devidamente corrigido, ou proporcional à avaliação realizada com fulcro no art. 1.031 do CC,185 o que for menor.186
Não se trata de uma novidade legislativa. Os sócios nas limitadas têm seu direito de retirada garantido por lei, independentemente do motivo, desde que a sociedade seja por tempo indeterminado187 (art. 1.029 do CC), sendo que o critério de avaliação da empresa seguirá o valor patrimonial apurado em balanço especial (art. 1.031 do CC), salvo disposição diversa em contrato social ou acordo de quotista. A mesma lógica se aplica à SCP, à qual as regras da sociedade simples também são aplicadas de maneira supletiva (art. 996 do CC).
183 XXXXXX, Xxxxx. Op. cit., p. 967.
184 “O chamado Cash in seria um investimento através do aumento de capital da empresa, aumentando assim o patrimônio investido nela. Neste caso, se emite quotas ou novas ações, que serão então outorgadas para o investidor que realizou o aporte. […] Por usa vez, o mecanismo de investimento através de cash out é feito através da compra da participação societária de um ou mais sócios diretamente. O montante do aporte é depositado diretamente na conta bancária dos sócios, e não beneficia em qualquer momento a empresa.” (JÚDICE, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 111-112).
185 As partes até podem utilizar outro critério de avaliação de empresa, desde que respeitado o limite máximo do valor investido devidamente corrigido.
186 A retirada de capital, independentemente da modalidade, pode afetar o fluxo de caixa da empresa, razão pela qual se recomenda adotar uma forma de pagamento adequada à realidade e à possibilidade da empresa.
187 Uma das formas de se evitar ou dificultar a saída repentina de um dos sócios, comprometendo o fluxo de caixa, consiste em estabelecer um prazo determinado de duração da sociedade, ficando o sócio retirante com a obrigação de apresentar um justo motivo para exercer tal direito. Um outro meio de segurar um sócio é estabelecer nos contratos de investimento ou nos acordos parassociais uma cláusula de lock up, em que uma das partes se obriga a se manter como sócio da empresa investida por determinado tempo (geralmente o investidor exige como obrigação do empreendedor).
Já nas SAs, o direito de retirada está previsto como direito essencial dos acionistas (art. 109, V, da LSA), porém apenas nos casos de recesso ou dissidência (arts. 136 e 137 da LSA), lembrando que a retirada do acionista será por meio de operação de reembolso (art. 45 da LSA).
No contrato de mútuo conversível, antes da conversão há uma situação assemelhada ao direito da retirada, que consiste no vencimento antecipado, geralmente atrelado ao descumprimento de determinadas obrigações ou ao acontecimento de determinados eventos (evento de liquidez, reorganização societária, falência e/ou recuperação judicial, venda de ativos, etc.). Ocorrendo o vencimento antecipado, o devedor se obriga a quitar o valor do mútuo com os acréscimos pactuados. Não há período de carência, apesar de ser possível negociação nesse sentido. Após a conversão, o investidor possuirá direitos atrelados ao tipo societário da empresa investida.
2.2.2.6 A conversão como elemento limitador da liquidez
Não há, na LC n. 155/2016, qualquer dispositivo que verse sobre a hipótese de conversão do valor aportado em participação societária. Mesmo assim, o mercado tem se utilizado de cláusulas de conversão188 nos contratos de participação. Há, porém, dúvidas sobre a forma de operacionalização dessa conversão.
Se na prática a conversão for equivalente a um resgate seguido de uma aquisição de quotas sociais/ações ou mesmo uma dação em pagamento em quotas, os limites de carência de dois anos (§ 7º do art. 61-A) devem ser observados, o que gera uma incongruência com o racional do investimento-anjo.
Como já retratado, o investidor-anjo investe para ganhar com a valorização do equity (do título). Se ele não puder converter seu investimento em participação nos primeiros dois anos de vigência do contrato de participação, mesmo que haja uma valorização da empresa ou mesmo uma nova rodada de investimento dentro desse prazo, cria-se mais um obstáculo real à liquidez do investimento e ao principal interesse do investidor.
Se caracterizado como resgate seguido de aquisição de quotas, além do limite de carência, na conversão haverá necessidade observar a forma de apuração de haveres do art.
1.031 do CC (§ 7º do art. 61-A).
No entanto, a conversão em participação societária não poderia (nem deveria) ser considerada um resgate, tanto para fins tributários quanto para fins contratuais e legais. O § 0x
000 XXXXX XX XXXXXX. Modelo… Op. cit.
do art. 61-A prevê que, no exercício de resgate, os haveres serão apurados na forma do art.
1.031 do CC, dispositivo este previsto na seção da resolução da sociedade em relação a um sócio, ou seja, o próprio legislador equiparou os casos de resgate com a retirada de capital da sociedade.
Na conversão em participação não há retirada de capital da sociedade. A conversão também não deveria ser caracterizada com uma dação em pagamento,189 pois não haveria o adimplemento da prestação inicial, mas sim a criação de uma nova prestação em substituição da anterior.
Pode-se defender,190 assim, que na conversão ocorre uma espécie de novação,191 criando-se, em relação ao investidor e ao empreendedor, novas obrigações relativas à aquisição de quotas sociais mediante contrato de sociedade, em substituição e extinção das obrigações relativas ao contrato de participação, cujos valores econômicos são equiparados e sopesados pela forma de cálculo do valuation, geralmente prevista na cláusula de conversão.
A caracterização de novação afastaria, em tese, as limitações contratuais, uma vez que não se estará satisfazendo a obrigação anterior (pagamento do valor do empréstimo, no caso do mútuo conversível, ou resgate do valor aportado, no caso do contrato de participação), mas sim substituindo essa obrigação por uma nova.
Assim, desde que a conversão seja aperfeiçoada por uma novação, não há que se falar em elemento limitador da liquidez. Caso contrário, ou seja, se efetivada por dação em pagamento em quotas sociais ou mesmo resgate seguida de aquisição de quotas, os limites legais deverão ser observados pelo investidor.
2.2.3 Mecanismos de incentivos fiscais
Para ajudar no planejamento tributário ou simplesmente facilitar a estruturação do investimento, a LC n. 155/2016 autorizou que os fundos de investimento (art. 61-D) e as pessoas físicas e jurídicas (art. 61-A, § 2º) pudessem aportar capital em micro e pequenas empresas por
189 A dação em pagamento “distingue-se da novação, porque acarreta o adimplemento da prestação, diversamente desta última, em que nova obrigação ainda não adimplida substitui a anterior, igualmente não cumprida”. (XXXXXX, Xxxxx. Op. cit., p. 345).
190 Ainda que seja possível defender, esse pesquisador reconhece que se trata de ponto controvertido, que merece um estudo mais aprofundado pela academia.
191 A novação “trata-se, portanto de um modo extintivo, mas não satisfativo, da obrigação. Sua natureza é sempre contratual, pois não pode ser imposta pela lei. Para que a novação caracterize, são necessários os requisitos seguintes: a) existência de uma primeira obrigação; b) uma nova obrigação; e c) intenção de novar (animus novandi).” (XXXXXX, Xxxxx. Op. cit., p. 350). Os requisitos de caracterização da novação estariam presentes, pois há intenção de extinguir a prestação inicial do contrato de participação, sem o devido adimplemento (no caso, resgate do valor), mas por meio da criação de uma outra prestação prevista em contrato de sociedade.
meio do contrato de participação, garantindo manutenção do enquadramento no Simples Nacional às empresas investidas e/ou à pessoa jurídica investidora, independentemente do valor aportado (art. 61-B), uma vez que esse valor não será considerado capital social (art. 61-A) nem receita bruta para fins de enquadramento como micro e pequena empresa (art. 61-A, § 5º).
A LC n. 155/2016 também determinou que o Ministério da Fazenda regulamentasse a tributação sobre retirada do capital investido (§ 10º do art. 61-A), tendo a IN n. 1.719/2017 da Receita Federal estabelecido tributação idêntica às aplicações financeiras (art. 46 da IN RFB n. 1.585/2015), que fixou três fatos geradores de imposto de renda sobre as retiradas de capital:
(1) remuneração por participação nos resultados (art. 2º), (2) resgate do capital (art. 4º) e (3) alienação da titularidade (art. 3º).
2.2.3.1 Dos veículos de investimento como incentivo fiscal
A partir do momento em que o aporte de capital mediante contrato de participação pode ser realizado por pessoas jurídicas e fundos de investimento, a LC n. 155/2016 autoriza a utilização de veículos de investimento que, geralmente, concedem ao investidor algum tipo de benefício fiscal, dentre os quais destacam-se os próprios fundos de investimento e as holdings.
Os fundos de investimento são veículos bastante utilizados para estruturação de aportes de capital. Os conhecidos fundos de venture capital192 costumam investir em empresas com alto risco e potencial de crescimento (startups) e geralmente estruturam seu aporte por meio de fundo de investimento em participação – FIP (ICVM n. 578).193
O FIP conta com eficiência tributária, na medida em que o IR sobre ganho de capital só será tributado na liquidação do fundo, evitando-se o “come quotas”,194 que nada mais é do que o recolhimento antecipado do imposto de renda, a despeito da tentativa recente do governo de equiparar os fundos de investimento a sociedades empresárias, para fins de tributação.195
Como forma de organização das estruturas societárias de gestão e administração diferenciadas, de controle de outras sociedades ou de planejamento sucessório ou proteção
192 “[…] a expressão venture capital é normalmente associada a investimentos de alto risco em empresas em fase inicial (as startups), as quais possuem um enorme potencial de crescimento.” (XXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxx. Op. cit., p. 274).
193 Ibidem, p. 286.
194 XXXXXX, Xxxxxxx. Sem tributar estoque com come-cotas, governo perde interesse. Valor Econômico, 9 abr. 2018. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/0000000/xxx-xxxxxxxx-xxxxxxx-xxx-xxxx-xxxxx- governo-perde-interesse. Acesso em: 20 nov. 2018.
195 BRASIL. Senado Federal. Projeto que modifica tributação sobre fundos de investimento fechados está em análise na CAE. 27 set. 2018. Disponível em: xxxxx://xxx00.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/0000/00/00/xxxxxxx- que-modifica-tributacao-sobre-fundos-de-investimento-fechados-esta-em-analise-na-cae. Acesso em: 01 dez. 2018.
patrimonial, as holdings (arts. 2º, § 3º, 206 a 219 e 243, § 2º, da LSA) também podem ser estruturadas como veículos de investimento e, além dos custos de operação mais baixos do que os dos fundos, possuem benefícios fiscais, como isenção fiscal de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI (art. 156, § 2º, I, da CF) ou de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD no momento da integralização do capital social ou de IR sobre ganho de capital quando a integralização do capital (bens e direitos) for feita pelo mesmo valor declarado no imposto de renda do sócio (art. 23 da Lei n. 9.249/1995).
É possível também se utilizar das vantagens fiscais dos veículos anteriormente citados, para se investir diretamente em participação societária em sociedades limitadas e anônimas (art. 116 da LSA) e em conta de participação, na medida em que a legislação em vigor admite sócios pessoas jurídicas e físicas, lembrando que a própria essência dos FIPs e dos FIPs Capital Semente consiste na
aquisição de ações, bônus de subscrição, debêntures simples, outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas, bem como títulos e valores mobiliários representativos de participação em sociedades limitadas.196
Também não há qualquer impedimento para o FIP estruturar seu investimento via contrato de mútuo conversível.
2.2.3.2 Das formas de tributação como incentivo fiscal
Além da possibilidade de se utilizar de um veículo para gerar mais eficiência tributária para seu investimento, é importante saber se a estruturação do investimento por contrato de participação é mais benéfica do que os meios utilizados pelo mercado no que concerne à forma de tributação.
Como já dito, a LC n. 155/2016 determinou que o Ministério de Fazenda regulasse a retirada de capital dos aportes realizados via contrato de participação, e assim foi editada a IN
n. 1.719/2017 pela Receita Federal, nos termos do quadro 1:
196 Art. 5º da ICVM n. 578.
Fundamento legal | Fato gerador | Base de cálculo | Alíquota | Forma de retenção |
Arts. 2º e 5º | Participação nos resultados | Resultados distribuídos | Alíquota regressiva a partir do aporte: 22,5%, até 180 dias aplicados 20%, de 181 a 360 dias aplicados 17,5%, de 361 a 720 dias aplicados 15%, superior a 720 dias aplicados | Retido na fonte (art. 5º, § 3º) |
Arts. 3º e 6º | Alienação de titularidade — transmissão da propriedade, inclusive cessão de direitos | Diferença positiva entre o valor da alienação e o valor do aporte | Alíquota regressiva a partir do aporte: 22,5%, até 180 dias aplicados 20%, de 181 a 360 dias aplicados 17,5%, de 361 a 720 dias aplicados 15%, superior a 720 dias aplicados | Recolhido pelo próprio contribuinte |
Arts. 4º e 5º | Resgate do valor aportado | Diferença positiva entre o valor do resgate e o valor do aporte de capital efetuado | Alíquota regressiva a partir do aporte: 22,5%, até 180 dias aplicados 20%, de 181 a 360 dias aplicados 17,5%, de 361 a 720 dias aplicados 15%, superior a 720 dias aplicados | Retido na fonte (art. 5º, § 3º) |
Quadro 1 - Forma de tributação – Contrato de Participação - IN n. 1.719/2017 Receita Federal197
A tributação de imposto de renda a que são submetidos os investidores via contrato de participação é praticamente idêntica à tributação das aplicações financeiras de renda fixa e de renda variável (art. 46 da IN RFB n. 1.585/2015198).
Pode-se dizer que o Ministério da Fazenda, por meio da Receita Federal, estabeleceu a tributação quanto aos rendimentos oriundos da participação nos resultados, da alienação da titularidade ou da cessão de direitos relacionados ao contrato de participação e do resgate do valor investido. Também é possível a incidência dos tributos quando do ato de aporte de capital à sociedade investida, momento em que se pode verificar eventual ágio a ser tributado.
197 Elaboração própria
198 “Art. 46. Os rendimentos produzidos por aplicações financeiras de renda fixa e de renda variável, auferidos por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, sujeitam-se à incidência do imposto sobre a renda na fonte às seguintes alíquotas: I - 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento), em aplicações com prazo de até 180 (cento e oitenta) dias; II - 20% (vinte por cento), em aplicações com prazo de 181 (cento e oitenta e um) dias até 360 (trezentos e sessenta) dias; III - 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento), em aplicações com prazo de 361 (trezentos e sessenta e um dias) até 720 (setecentos e vinte) dias; IV - 15% (quinze por cento), em aplicações com prazo acima de 720 (setecentos e vinte) dias.”
2.2.3.2.1 Tributação sobre a alienação de titularidade ou a cessão de direito
A cessão de direitos ou, no caso específico do contrato de participação, a alienação de titularidade, atrai a incidência de imposto de renda sobre a alíquota regressiva de 22,5% a 15%, a depender do tempo de duração do aporte (arts. 3º e 6º da IN n. 1.719 da Receita Federal).
Todas as outras modalidades de investimento possuem forma diferente, mas idêntica entre si, de tributação de imposto de renda em casos de cessão de direitos. Se o investidor for pessoa natural, a alíquota será de 15% a 22,5%, a depender da quantia do ganho (art. 21 da Lei
n. 8.981/1995); se pessoa jurídica, a depender do regime adotado.199 Os fundos de investimento possuem regime próprio de tributação, cuja eficiência já foi destacada anteriormente.
2.2.3.2.2 Tributação sobre a participação nos resultados
A regulamentação pertinente estabelece que, nos contratos de participação, haverá incidência de imposto de renda sobre os valores distribuídos ao investidor a título de participação nos resultados, sob a alíquota regressiva de 22,5% a 15%, a depender do tempo de duração do aporte (arts. 2º e 5º da IN n. 1.719 da Receita Federal).
Os rendimentos de juros e encargos oriundos do contrato de mútuo conversível, antes da conversão, serão tributados pela incidência de imposto de renda nas alíquotas regressivas de 22,5% a 15%, conforme tempo de duração do aporte (art. 797200 do Decreto n. 9.580/2018 e arts. 37 e 38 da IN RFB n. 1.022/2010).
Em relação ao investimento direto em participações societárias (limitadas, SAs ou SCPs), a remuneração por participação nos resultados (leia-se lucro) goza de isenção de imposto de renda (art. 10 da Lei n. 9.249/1995).
2.2.3.2.3 Tributação sobre o resgate
A IN n. 1.719 estabelece que, sobre valor resgatado, incidirá imposto de renda sob a alíquota regressiva de 22,5% a 15%, conforme tempo de duração do aporte (arts. 4º e 5º da IN
n. 1.719 da Receita Federal).
199 PARO, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx. Op. cit., p. 03.
200 “Art. 797. As operações de mútuo e de compra vinculada à revenda, no mercado secundário, que tenham por objeto ouro, ativo financeiro, continuam equiparadas às operações de renda fixa para fins de incidência do imposto sobre a renda na fonte (Lei n. 8.981, de 1995, art. 70, caput).”
Nos investimentos diretos em participação societária, incluindo aqui a SCP, o valor do resgate (valor obtido em razão do exercício do direito de retirada) terá a incidência de imposto de renda na alíquota progressiva de 15% a 22,5%, a depender da quantia de ganho, se o sócio retirante for pessoa natural (art. 21 da Lei n. 8.981/1995201). A tributação da pessoa jurídica dependerá do regime escolhido, e os fundos de investimento possuem regulamento próprio.
Nos casos de mútuo conversível, o vencimento de dívida e a devolução do valor aportado atraem a incidência de tributo idêntica à tributação sobre rendimentos de juros e encargos mencionados na seção anterior, ou seja, de imposto de renda nas alíquotas regressivas de 22,5% a 15%, conforme tempo de duração do aporte (art. 797202 do Decreto n. 9.580/2018 e art. 46203 da IN RFB n. 1.585/2015).
2.2.3.2.4 Tributação sobre o aporte e o ágio
O aporte de capital em uma sociedade pode ser realizado de várias maneiras, entre as quais se destacam, para os fins de identificação dos tributos aplicáveis: (1) o aporte mediante subscrição/integralização do capital social (novas ações ou quotas sociais) ou aquisição de participação societária — equity — e (2) o aporte mediante operação de crédito — debt.
No primeiro caso há a possibilidade da ocorrência de ágio, que nada mais é do que a diferença positiva entre o valor do aporte no momento da aquisição da participação e o valor contabilizado das quotas ou ações.
201 “Art. 21. O ganho de capital percebido por pessoa física em decorrência da alienação de bens e direitos de qualquer natureza sujeita-se à incidência do imposto sobre a renda, com as seguintes alíquotas: I - 15% (quinze por cento) sobre a parcela dos ganhos que não ultrapassar R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais); II - 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento) sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e não ultrapassar R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); III - 20% (vinte por cento) sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e não ultrapassar R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais); e IV - 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento) sobre a parcela dos ganhos que ultrapassar R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).”
202 “Art. 797. As operações de mútuo e de compra vinculada à revenda, no mercado secundário, que tenham por objeto ouro, ativo financeiro, continuam equiparadas às operações de renda fixa para fins de incidência do imposto sobre a renda na fonte (Lei n. 8.981, de 1995, art. 70, caput).”
203 “Art. 46. Os rendimentos produzidos por aplicações financeiras de renda fixa e de renda variável, auferidos por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, sujeitam-se à incidência do imposto sobre a renda na fonte às seguintes alíquotas: I - 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento), em aplicações com prazo de até 180 (cento e oitenta) dias; II - 20% (vinte por cento), em aplicações com prazo de 181 (cento e oitenta e um) dias até 360 (trezentos e sessenta) dias; III - 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento), em aplicações com prazo de 361 (trezentos e sessenta e um dias) até 720 (setecentos e vinte) dias; IV - 15% (quinze por cento), em aplicações com prazo acima de 720 (setecentos e vinte) dias.”
A LC n. 155/2016 estabelece que o valor aportado na sociedade investida por meio de contrato de participação não será considerado capital social (art. 61-A), o que afasta a incidência de impostos sobre eventual ganho de capital em caso de ágio.
Da mesma forma, o valor aportado não será considerado receita bruta para fins de enquadramento como micro e pequena empresa (art. 61-A, § 5º). Nessa situação, há uma lacuna interpretativa, como já destacado na seção sobre segurança jurídica. O fisco poderá considerar o valor aportado receita bruta para fins de incidência dos respectivos impostos sobre o ganho de capital e de acordo com o regime tributário da sociedade investida.
Por outro lado, a literatura especializada tem indicado que o aporte deve ser contabilizado como passivo em categoria especial;204 não sem razão, porém, há quem diga que, pela similitude com o contrato de mútuo conversível, o aporte realizado por pessoa jurídica via contrato de participação pode ser tributado pelo IOF.205
Nos contratos de mútuo conversível em que o mutuante é pessoa jurídica, há incidência de IOF sobre o valor investido, na medida em que a norma enquadra o aporte realizado como uma operação de crédito (art. 2º, I, “c”, do Decreto n. 6.306/2007).
O ágio será tributado sobre o ganho de capital, nos casos de aporte para fins de aquisição de participação (ou conversão dos contrato de investimento) de sociedade limitada.206 Em sociedades anônimas, o ágio recebe tratamento tributário diferenciado, não havendo que se falar em incidência de imposto de renda (art. 38, I, do Decreto-Lei n. 1.598/1977 e art. 520, I, do Decreto n. 9.580/2018).
A tributação do ágio nos contratos de investimento dependerá do tipo societário vigente no momento da conversão. Em caso de ágio na sociedade limitada, incidirá imposto de renda com alíquota de 15% sobre o ganho de capital, lembrando que, se houver a transformação da sociedade em SA antes da conversão em participação, não haverá incidência sobre o ágio.207
204 XXXXX, Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxx; LUZ, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Op. cit., p. 9.
205 XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx xx; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. O investidor-anjo e a tributação de seus rendimentos. Migalhas, 1 set. 2017. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/00,xx000000,00000- o+investidoranjo+e+a+tributacao+de+seus+rendimentos. Acesso em: 20 nov. 2018.
206 Tal entendimento deriva da inteligência dos arts. 6º e 38 do Decreto-Lei n. 1.598/1977, art. 442 do RIR/1999, art. 111 do CTN e art. 18 do Decreto-Lei n. 3.708, de 1919, conforme decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Processo n. 13899.002346/200388. Acórdão n. 9101002.009. 1ª Turma, julgamento 07 out. 2014).
207 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 95.
2.2.3.2.5 Do Simples Nacional
Uma das principais contribuições do contrato de participação para o investimento-anjo consiste na segurança jurídica de que nem a sociedade investida, nem a investidora deixarão de gozar dos benefícios do Simples Nacional em caso de realização de investimento (art. 61-B).
A LC n. 155/2016 apareceu como alternativa de estruturação de investimento-anjo, tendo em consideração o impedimento provocado pela interpretação da Receita Federal de que os sócios de uma SCPs não poderiam aderir ao Simples Nacional, por ser esta equiparada às pessoas jurídicas para fins tributários (Solução de Consulta DISIT/SRRF10 10024, de 22.06.2015 da Receita Federal), como já defendido anteriormente, ainda que haja debate jurídico em aberto quanto a essa questão.208
De qualquer forma, o contrato de mútuo conversível já concedia tal benefício, na medida em que seu aporte não seria enquadrado como receita bruta ou capital social, mas sim como passivo de operação de crédito.
O investimento direto em participação em limitadas ou anônimas não afetará a aderência ao Simples Nacional, por possuir o status de capital social, no primeiro caso, e por vedação legal, no segundo (art. 3º, § 4º, X, da LC n. 123/2006).
A forma de tributação do investimento anjo, seja no aporte, seja na retirada do capital, é fator determinante na escolha da forma de estruturação pelo investidor-anjo. Por isso, cumpre trazer um resumo sobre a diversas formas de tributação incidentes para cada estrutura, conforme quadros 2 e 3.
Remuneração / Distribuição | Resgate / Retirada | Alienação / Cessão | |
Contrato de | IR – alíquotas regressivas | IR – alíquotas regressivas | IR - alíquotas regressivas de 22,5% |
participação | de 22,5% a 15%, a | de 22,5% a 15%, a | a 15%, a depender do tempo de |
depender do tempo de | depender do tempo de | duração do aporte (arts. 3º e 6º da | |
duração do aporte (arts. 2º e | duração do aporte (arts. 4º | IN RFB n. 1.719) | |
5º da IN RFB n. 1.719) | e 5º da IN RFB n. 1.719) | ||
Contrato de mútuo conversível | IR – juros e encargos – alíquotas regressivas de 22,5% a 15%, conforme tempo de duração do aporte (art. 797 do Decreto n. 9.580/2018 e arts. 37 e 38 da IN RFB n. 1.022/2010). | IR – juros e encargos – alíquotas regressivas de 22,5% a 15%, conforme tempo de duração do aporte (art. 797 do Decreto n. 9.580/2018 e art. 46 da IN RFB n. 1.585/2015) | IR – se investidor pessoa natural, de 15% a 22,5%, a depender da quantia de ganho (art. 21 da Lei n. 8.981/1995) IR – se investidor pessoa jurídica, a depender do regime adotado |
IR – se investidor fundo de investimento, regime especial |
continua
208 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 161-177.
continuação
Remuneração Distribuição | / | Resgate / Retirada | Alienação / Cessão | ||
SCP | Isento (art. 10 da Lei n. 9.249/1995) | IR – se investidor pessoa natural, de 15% a 22,5%, a depender da quantia de ganho (art. 21 da Lei n. 8.981/1995) | IR – se investidor pessoa natural, de 15% a 22,5%, a depender da quantia de ganho (art. 21 da Lei n. 8.981/1995) | ||
IR – se investidor pessoa jurídica, a depender do regime adotado | IR – se investidor pessoa jurídica, a depender do regime adotado | ||||
IR – se investidor fundo de investimento, regime especial | IR – se investidor fundo de investimento, regime especial | ||||
Investimento direto em limitada | Isento (art. 10 da Lei n. 9.249/1995) | IR – se investidor pessoa natural, de 15% a 22,5%, a depender da quantia de ganho (art. 21 da Lei n. 8.981/1995) | IR – se investidor pessoa natural, de 15% a 22,5%, a depender da quantia de ganho (art. 21 da Lei n. 8.981/1995) | ||
IR – se investidor pessoa jurídica, a depender do regime adotado | IR – se investidor pessoa jurídica, a depender do regime adotado | ||||
IR – se investidor fundo de investimento, regime especial | IR – se investidor fundo de investimento, regime especial | ||||
Investimento direto em SA | Isento (art. 10 da Lei n. 9.249/1995) | IR – se investidor pessoa natural, de 15% a 22,5%, a depender da quantia de ganho (art. 21 da Lei n. 8.981/1995) | IR – se investidor pessoa natural, de 15% a 22,5%, a depender da quantia de ganho (art. 21 da Lei n. 8.981/1995) | ||
IR – se investidor pessoa jurídica, a depender do regime adotado | IR – se investidor pessoa jurídica, a depender do regime adotado | ||||
IR – se investidor fundo de investimento, regime especial | IR – se investidor fundo de investimento, regime especial |
Quadro 2 - Tributação sobre remuneração, retirada e cessão209
Simples Nacional | Aporte | Ágio na conversão | |
Contrato de participação | Possível (art. 61-B da LC n. 123/2006) | Não tributado. Possibilidade de IOF. | Tributação do ágio a depender do tipo societário após conversão |
Contrato de mútuo | Possível (LC n. 123/2006) | IOF – se investidor pessoa jurídica, alíquotas de 0,0041% ao dia ou de 0,0041% sobre o valor aportado, com adicional de 0,38% (art. 2º, I, c, do Decreto n. 6.306/2007) IOF – se investidor pessoa física, isento (Consulta n. 76/2012 da Receita Federal) | Tributação do ágio a depender do tipo societário após conversão |
continua
209 Elaboração própria.
continuação
SCP | Impossível (Solução de Consulta DISIT/SRRF10 10024, de 22/6/2015, da Receita Federal) | Não tributado | Tributação do ágio a depender do tipo societário após conversão |
Investimento direto em limitada | Possível (LC n. 123/2006) | Não tributado | Tributado – alíquota de 15% – arts. 6º e 38 do Decreto-Lei n. 1.598/1977, 442 do RIR/1999, 111 do CTN e 18 do Decreto-Lei n. 3.708, de 1919 |
Investimento direto em SA | Impossível (art. 3º, § 4º, X, da LC n. 123/2006) | Não tributado | Não incidência – art. 38, I, do Decreto-Lei n. 1.598/1977 e art. 520, I, do Decreto n. 9.580/2018 |
Quadro 3 - Tributação do simples, aporte e ágio na conversão210
2.3 Mecanismos de acesso ao capital inteligente
Por simplesmente melhorar o ambiente de investimento, seja por incentivos fiscais, seja por redução dos riscos de responsabilização, a LC n. 155/2016 aumenta a atratividade do investimento em startup, aprimorando os canais de acesso ao capital pelos empreendedores.
A LC n. 155/2016 ainda procura fazer mais, ao permitir o acesso ao capital inteligente de investidores via FIP211 (art. 61-D), que, como já defendido, possui regras de governança e gestão que agregam valor à sociedade investida.
Por outro lado, estabeleceu-se uma regra que pode ter criado um empecilho à utilização do contrato de participação, quando veda ao investidor-anjo o exercício de direitos na gerência ou de voto na administração da empresa investida, aparentemente conflitando com o aporte via FIP e/ou afastando o investidor-anjo que participa de maneira mais ativa na sociedade investida, limitando o acesso ao capital inteligente, que, como já dito, consiste em um dos objetivos da criação da LC n. 155/2016.
Nesta seção, procura-se verificar se, de fato, o contrato de participação tem maior potencial de afastamento do capital inteligente em comparação com as alternativas existentes no mercado.
210 Elaboração própria.
211 Os FIPs e os FIPs Capital Semente, regulados pela ICVM n. 578, costumam constituir práticas de governança corporativa e de gestão mais sofisticadas, colaborando de maneira mais profissional para o crescimento acelerado das startups.
2.3.1 Limitações ao aporte de capital via FIP
A LC n. 155/2016 é uma alteração do estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte (LC n. 123/2006) e tem com uma das principais funções facilitar o acesso ao capital pelas micro e pequenas empresas, vistas como importantes agentes de inovação e investimento produtivo. Só fará jus aos benefícios previstos na LC n. 155/2016, em especial quanto ao risco de responsabilização, o investidor que aportar valores via contrato de participação nesse tipo de empresa.
Outra condição prevista na LC n. 155/2016 para gozar dos benefícios do contrato de participação consiste na vedação de o investidor possuir direito de gerência ou de voto na administração da empresa investida, o que aparentemente conflita com uma das principais características dos fundos de investimento especializados em investimentos PE/VC: o direito de participar ativamente nas tomadas de decisão estratégicas e de gestão. Como bem ressaltam Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxx:
Uma primeira característica dos investimentos PE/VC é o papel ativo do gestor do fundo em identificar uma companhia com potencial para ser investida, negociar e estruturar a transação, intervir na gestão da companhia e monitorar o portfólio de companhias após a realização dos investimentos. Assim, um investimento PE/VC é consideravelmente diferente de uma seleção passiva de ativos, com a mera compra e retenção dos papéis, sem maiores interações com a companhia investida, como pode acontecer com outras modalidades de investidores.
[...]
Os investidores PE/VC sempre buscarão influenciar a administração da companhia investida, por meio de presença no conselho de administração. Isso se dá porque esses investidores não fornecem apenas capital para a companhia investida, mas também importante aconselhamento em questões financeiras, estratégicas e administrativas, com o objetivo de criar valor ao seu próprio investimento (chamado no jargão de mercado de smart money).212
Os fundos com investimento em PE/VC se utilizam do FIP como seu principal veículo para realizar aporte de capital na sociedade investida.213 Os FIPs são conhecidos por suas estruturas sofisticadas e costumam contribuir, além de com grande quantia de capital, com o conhecimento das melhores práticas em gestão e governança corporativa e com rede de relacionamento qualificada — smart money.
Em todas as modalidades de FIP, deverá haver participação efetiva na gestão e decisões estratégicas da sociedade investida (art. 5º da ICVM n. 578). O FIP classificado como Capital Semente (art. 14, I, da ICVM n. 578) é modalidade especialmente desenhada para investimentos
212 XXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxx. Op. cit., p. 268.
213 Ibidem, p. 272.
em startups, pois ele não poderá investir em sociedades com renda bruta anual maior que R$ 16 milhões (art. 15, I, da ICVM n. 578) e está dispensado de adotar práticas de governança mais refinadas (art. 15, II, da ICVM n. 578).
O FIP costuma possuir regras rígidas de entrada e de saída, com prazos de validade determinados (de dez a vinte anos) e impossibilidade de resgate de cotas. O investidor que se utilizar dos fundos de investimentos poderá contar com uma gestão profissional personalizada e adaptada ao seu perfil de risco, proteger seu nome e patrimônio pessoal, posto que os investimentos passam a ser feitos em nome do fundo, e, principalmente, contar com eficiência tributária, como acima retratado.
No entanto, em que pesem os inúmeros benefícios de se realizar o aporte por meio de fundo de investimento, em especial sua capacidade de smart money, a utilização do contrato de participação via FIP encontra restrições legais em relação à participação na gestão.214
Por outro lado, as outras formas de estruturação, com exceção à SCP, que veda o sócio oculto de “tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiro” (art. 993, parágrafo único, do CC), não possuem qualquer impedimento para receber aportes por meio de FIP.
2.3.2 Limites de atuação do investidor-xxxx como smart money
Como já dito, a LC n. 155/2016 estabeleceu como regra a impossibilidade de o investidor-anjo ter direito de gerência ou de voto na administração e de exercer atividade do objeto social da sociedade investida. Ou seja, em tese não poderá o investidor, quando se utilizar do contrato de participação, atuar em órgãos deliberativos e de administração da sociedade nem devotar trabalho como administrador ou controlador da empresa.
A impossibilidade de participação do investidor na gerência ou na administração da sociedade, ou na atividade social, além do tolhimento de seu direito a voto (art. 61-A, §§ 3º e 4º, I e II, da LC n. 155/2016), pode gerar o afastamento do capital inteligente, ou smart money, que nada mais é do que o dinheiro atrelado ao compartilhamento de muito conhecimento, experiência em fazer negócio e rede de relacionamento.
No investimento-anjo, é comum que o investidor colabore não apenas com seu capital, mas também com uma participação mais ativa no empreendimento, contribuindo diretamente para o crescimento deste, intervindo de alguma maneira na gestão e na administração da empresa e, quando necessário, concedendo conselhos de toda ordem, seja financeiro, seja
214 XXXXX, Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxx; LUZ, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Op. cit., p. 15-17.
estratégico ou apenas administrativo, agregando valor à empresa investida e aumentando sua chance de sucesso.
Por outro lado, falta à grande maioria dos empreendedores experiência em gestão administrativa ou ainda conhecimento acerca do modo de desenvolver e organizar uma empresa para crescer de maneira acelerada. A ajuda de um mentor com experiência e com possibilidade de atuação para ajudar a gerenciar o crescimento e sobreviver num contexto de alta competitividade e pequenas chances de sucesso é vital e marca a natureza essencial desse tipo de investimento.215
A maioria dos investidores-anjo investe para participar do crescimento, agregando valor à empresa investida, e não só para servir de agente financeiro. No entanto, seu envolvimento vai depender de diversos fatores, como tempo disponível em suas tarefas diárias e necessidade da empresa de contar com a expertise do anjo — enfim, do interesse mútuo e da sinergia entre os dois.
A restrição de não participar da gestão ou administração, imposta pela LC n. 155/2016, é ampla e de alguma maneira pode gerar uma gama de interpretações possíveis sobre os limites de atuação e envolvimento do investidor-anjo na sociedade investida. O desafio do operador e estudioso do direito seria colaborar para que, de alguma forma, a intepretação dada a essa restrição seja a mais previsível possível e, assim, aprimorar também a segurança jurídica desse tipo de investimento, em especial considerando que, dependendo do grau de envolvimento ou intervenção na sociedade, poderá acarretar o aumento do risco de responsabilização.
Assim, nesta seção tenta-se criar alguns critérios objetivos para apontar os limites de atuação do investidor-anjo, para mitigar seu risco de responsabilização, incentivando-o a exercer seu papel de smart money.
Para tanto, transcorre-se pelos tipos de investidores-anjo e pelo modo como eles costumam atuar na sociedade investida e aproveita-se para investigar qual a modalidade de investimento mais indicada para seu perfil. Em seguida, apresentam-se os direitos de intervenção indireta216 na sociedade investida previstos em contratos de investimento e acordos parassociais e sua relação com o risco de responsabilização. Por fim, estabelece-se o grau de risco de envolvimento fático e jurídico em cada modalidade de investimento.
215 XXXXXXXXX, Xxx. An Introduction to Angel Investing: A Guide to Investing in Early Stage Entrepreneurial Ventures. Melbourne: Breakthrough Publications, 2009, p. 47.
216 Apresenta-se o status de direito de intervenção indireta aos poderes de voto afirmativo, veto ou autorização prévia previstos em contratos de investimento ou acordos parassociais entre sócios e investidores pois esses poderão influenciar indiretamente a tomada de decisão da administração da sociedade em determinadas matérias
— indiretamente, pois o administrador continua tendo a última palavra e, assim, a responsabilidade pela tomada de decisão, como se explica melhor no decorrer desta seção.
Tudo para, ao final, conseguir responder se o contrato de participação de fato afasta o smart money da sociedade investida e se consiste na melhor alternativa de investimento para o investidor-anjo que pretende também servir de capital inteligente.
2.3.2.1 Tipos de investidores-anjo
Segundo Xxx Xxxxxxxxx,217 pode-se dividir os investidores em dois tipos: ativos e passivos. Investidores mais envolvidos ativamente são aqueles que têm mais tempo e capacidade para ajudar a empresa; já os mais passivos são aqueles que apenas se envolvem em um momento de necessidade extrema.
Um dos principais papéis do investidor-anjo consiste na mentoria dos empreendedores. A falta de experiência em gestão empresarial e de crescimento dos empreendedores faz com que o investidor-anjo seja uma peça importante na engrenagem necessária para as startups terem sucesso no negócio.218 Xxxxx, o envolvimento mais ativo, além de mais benéfico, é mais comum entre os investidores-anjo.
Vamos além do supracitado autor para identificar dois tipos de investidor ativo: aquele que quer tomar parte de todas as decisões, o qual nomeamos de “investidor-anjo gestor”, e aquele que apenas quer acompanhar de perto o investimento e dar conselhos mais ativamente, que chamamos de “investidor-anjo proativo”.
O gestor é aquele que quer estar à frente na tomada de decisões, inclusive no departamento de desenvolvimento e pesquisa, tomando em rédeas curtas os rumos da empresa. Não é papel tão comum, sobretudo considerando que o investidor-anjo, em regra, não possui tempo suficiente para trabalho em tempo integral nem detém mais de 50% de participação. O risco de conflito de interesses entre ele e os empreendedores é também potencializado.219
O proativo é o mais preponderante e útil às startups, na medida em que costuma respeitar as decisões dos empreendedores, evitando desgastes prejudiciais, e também monitora de perto seu investimento, influenciando as tomadas de decisão operacionais e estratégicas de maneira indireta, participando como observador e conselheiro em reuniões de sócios e em assembleias gerais, sem direito a voto. Com seu conhecimento, sua experiência e sua expertise, ajuda a
217 XXXXXXXXX, Xxx. An Introduction… Op. cit., p. 49.
218 Ibidem, p. 21.
219 Ibidem, p. 48.
antecipar problemas, prevendo as necessidades e sugerindo mudanças em prol do crescimento sustentável da empresa.220
Em geral, o proativo ocupa lugar no conselho consultivo,221 auxiliando no processo de governança, e negocia contratualmente poderes de voto afirmativo, veto ou autorização prévia capazes de influenciar indiretamente questões estratégicas e de matérias relevantes ao desenvolvimento da empresa e à proteção do capital investido.
Quanto aos investidores passivos, também podem ser divididos em duas subcategorias:
(1) investidor-anjo financiador e (2) investidor-anjo reativo.
O financiador é aquele que deveria ser o menos desejado pelas startups. Não agrega valor algum além do aporte de capital e costuma ser mais um obstáculo de crescimento, na medida em que não entende seu processo de desenvolvimento. Em geral, as startups apenas aceitam esse tipo de investimento quando não possuem acesso às instituições financeiras, não entendem a verdadeira função do investidor-anjo e/ou estão à beira do vale da morte. Muitos desses investidores podem ser enquadrados na categoria family, friends and fools ou são empresários com muito dinheiro e pouco conhecimento sobre o funcionamento da indústria de venture capital, aumentando o risco de insucesso e de responsabilização.222
O reativo costuma ser um investidor-anjo mais profissional. Controla um grande portfólio e não possui tempo suficiente para acompanhar o dia a dia de todas as empresas investidas. A maior parte do seu tempo é gasta no processo de pesquisa, de avaliação e de negociação de novos investimentos. Aliás, é no contrato de investimento que se definem muitas das suas exigências, como um plano de negócio com metas predefinidas, poderes de voto afirmativo, veto ou autorização prévia. Pode exigir uma cadeira no conselho consultivo, porém
220 XXXXXXXXX, Xxx. An Introduction… Op. cit., p. 47.
221 Em trecho retirado do site da Endeavor Brasil, é possível entender um pouco a importância de um conselho consultivo na vida de uma startup, que pode ser visto também como um órgão paralelo à administração: “Nós sabemos que o empreendedor às vezes é muito sozinho e tem dificuldades em processos decisórios. Por isso, os membros de um conselho consultivo atuam como verdadeiros mentores para os empreendedores na operação da empresa. Um conselho é um grupo de profissionais experientes, geralmente voluntários e convidados pelo empreendedor, que se reúnem periodicamente para discutir questões da empresa que apoiam e sua gestão, dando suporte em escolhas estratégicas, oferecendo ajuda em desafios específicos e ajustando a estrutura organizacional da empresa às necessidades do mercado. Você pode até acreditar que sua empresa não precise de um órgão como esse, ou que ela não seja grande, nem complexa o suficiente para demandar a instituição de um conselho consultivo. No entanto, contar com um grupo como esse é essencial para que sua empresa siga um direcionamento estratégico, para que ela se mantenha fiel aos propósitos iniciais para os quais foi criada, além de manter padrões de accountability (responsabilidade institucional), tendo a quem se reportar para além dos sócios e acionistas, já que o conselho exige um compromisso mútuo.” (ENDEAVOR BRASIL. Como um conselho consultivo pode ajudar minha empresa a crescer? 12 fev. 2015. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx-xx-xxxxxxx/xxxxxxxx- consultivo-pode-ajudar-empresa. Acesso em: 27 nov. 2018).
222 XXXXXXXXX, Xxx. An Introduction… Op. cit., p. 47.
costuma agir apenas quando procurado pelos empreendedores, mormente em tempos de crise ou de extrema necessidade, assumindo nesses casos algumas características do proativo.223
Na visão de Xxx Xxxxxxxxx,224 tanto o proativo quanto o reativo, são considerados diretores não executivos, porém não podem ser equiparados a empregados, gerentes ou administradores, pois não tomam diretamente as decisões operacionais ou estratégicas nem mesmo implementam as decisões da administração. Eles apenas fazem parte do processo decisório, mas não são os tomadores de decisão.
Ao apresentar os quatro tipos de investidor-anjo, parece claro que a LC n. 155/2016 afastou por completo o investidor gestor, na medida em que proíbe que tenha qualquer direito de gerência ou voto na administração. Aliás, para o investidor com essa característica, seria interessante adotar a modalidade de investimento direto em participação societária, e não contratos de investimento. Se o investidor quer participar da gestão e da administração de maneira tão direta, então que seja sócio da sociedade por meio da aquisição de quotas sociais ou ações, assumindo assim todo o risco inerente à atividade empresarial.
Também parece que a LC n. 155/2016 é mais atrativa ao investidor passivo meramente financiador. Para este, o contrato de participação, assim como o mútuo conversível, parece ser uma excelente escolha, desde que sopesadas suas outras características com as necessidades do investidor. A norma incentiva aquela pessoa que quer apostar em uma startup. E diga-se “apostar” pois não possui conhecimento técnico sobre a indústria de PE/VC ou sobre startups, tampouco experiência necessária para agregar valor à empresa, agindo unicamente como uma instituição financeira. Apesar de matematicamente aumentar o número de “investidores-anjo” atuantes, é questionável se esse tipo de investidor gerará os frutos esperados pelos próprios legisladores, sobretudo considerando o real potencial de atrapalhar o desenvolvimento da startup.225
Sugere-se também, como alternativa para o investidor financiador, a utilização de uma SCP com direito de conversão em participação, que proíbe o investidor de tomar parte dos negócios, o mínimo que seja — em especial se a sociedade investida não for beneficiária do Simples —, mas que lhe garante um benefício fiscal de isenção de imposto de renda nas distribuições dos resultados.
Quanto aos dois restantes (proativo e reativo), não se pode ter certeza ainda acerca do modo como o Judiciário (mormente o juízo de responsabilidade trabalhista e tributária) se
223 XXXXXXXXX, Xxx. An Introduction… Op. cit., p. 49.
224 Ibidem, p. 47.
225 Ibidem, p. 47.
posicionará no que diz respeito aos efeitos dos seus “poderes” de influenciar a gestão e a administração de maneira indireta — em especial, se seu exercício afetará de algum modo sua responsabilidade. Independentemente disso, esses dois tipos de investidor-anjo possivelmente procurarão investir por meio de um dos contratos de investimento existentes.
O proativo costuma intervir no dia a dia da sociedade de maneira indireta, seja por meio do conselho consultivo, seja participando como observador/conselheiro de reuniões de sócios ou assembleias gerais, sem registro em ata ou direito a voto. O reativo, por sua vez, costuma influenciar as tomadas de decisão apenas em tempos de crise, em especial quando os rumos da empresa saem do plano negócio previamente definido pelo investidor, ocasião em que passa a assumir uma posição mais proativa.
Ambos costumam negociar a inclusão de cláusulas de poderes de voto afirmativo, veto ou autorização prévia em determinadas matérias relevantes, sobre questões estratégicas que visam especialmente proteger seu investimento.
Nos contratos de investimento (contrato de participação e mútuo conversível) é muito comum estabelecer cláusulas de proteção do investimento, com poderes de voto afirmativo que costumam estar previstos nos acordos parassociais, tomados a efeito quando da conversão em participação societária.226 Há também aquelas que estabelecem poderes de veto ou de prévia autorização para determinados atos (tais como empréstimos ou financiamentos, outorgas de fianças, avais ou quaisquer garantias, alteração do objeto social, etc.), que costumam ser efetivadas ainda na posição de credor.
É importante notar que se está tratando de um poder de voto, veto ou prévia autorização em decisões estratégicas da administração de uma sociedade por uma pessoa estranha à sociedade, na medida em que o investidor não ingressa na sociedade num primeiro momento (pelo menos não até que exerça o direito de conversão). Ainda que seja de difícil identificação, considerando a natureza privada e sigilosa desse tipo de contrato, é importante alertar que o investidor poderia estar usurpando poderes típicos de administrador (arts. 1.010 a 1.021 e 1.060 a 1.065 do CC e art. 142 da LSA) e/ou controlador (art. 1.072 do CC e art. 121 et seq. da LSA) e o faz com aumento das chances de agir contra o objeto social, uma vez que seu interesse será sempre ligado ao retorno do seu investimento, o que aumenta seu envolvimento fático jurídico, potencializando seu risco de responsabilização.
226 XXXXXXXXX, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 139-145.
Dessa forma, para entender melhor os limites de atuação dos investidores proativo e reativo, e assim entender o seu risco de responsabilização, passa-se a discorrer sobre os direitos de intervenção indireta previstos nos contratos de investimento e nos acordos parassociais.
2.3.2.2 Direitos de voto afirmativo, de veto ou de autorização prévia
Como já dito, é corriqueira a previsão, nos contratos de investimento e nos acordos parassociais, de direitos de voto, de veto ou de autorização prévia em determinadas matérias relevantes que possam de alguma forma afetar o investimento.
Xxxxx X. Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxx e Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxx, operadores e estudiosos do direito especializados em estruturação dessa modalidade de investimento, descrevem os direitos de veto ou autorização prévia nos contratos de investimento da seguinte forma:
[…] Em contratos de mútuo conversível em participação societária (tão comuns no universo de investimentos-anjo no Brasil), tornou-se comum o estabelecimento do que se convencionou de “direitos de veto”, ainda que essa expressão seja imprópria no âmbito de um contrato de mútuo.
Isso ocorre porque, nos mútuos conversíveis, os vetos do investidor existem no âmbito dos respectivos direitos creditícios, ou seja, a única sanção que o investidor pode impor aos sócios-fundadores caso estes ignorem ou violem o direito de veto do investidor é antecipar o vencimento antecipado do mútuo (com eventual acréscimo de multa).
Todavia, o investidor não consegue efetivamente impedir que determinadas decisões sejam tomadas e que determinados atos sejam praticados pelos sócios-fundadores, pois não há em regra execução específica para esses direitos (há apenas direito de o investidor exercer seus direitos creditícios).
A restrição imposta pela LC 155 quanto à gerência ou voto na sociedade tem o propósito de impedir que um verdadeiro sócio fundador se “vista” como investidor- anjo, participando da gestão da sociedade, mas ao mesmo tempo sendo protegido pela isenção de responsabilidade prevista na lei.
Ou seja, desde que o contrato de participação não atribua ao investidor-anjo direitos de cunho societário, não nos parece, à primeira vista, haver impedimento legal à criação de cláusulas de vencimento antecipado (observado o prazo mínimo de dois anos do parágrafo 7º) em caso de tomada de decisões ou prática de atos contrários aos interesses do investidor-anjo.227
É interessante aqui notar que há um esforço dos operadores em não conceder aos poderes de veto um cunho societário, possivelmente para não atrair eventual responsabilidade. De qualquer forma, tal posição encontra guarida em Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, que, ao comentar esses poderes de intervenção previstos em acordos firmados entre sócios e investidores, restringe seus efeitos às partes signatárias e não vincula a sociedade, senão vejamos:
227 XXXXX, Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxx; LUZ, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Op. cit., p. 7.
[…] muitos acordos de acionistas estão inseridos em negócios jurídicos de maior amplitude, como os chamados contratos de investimento, que abrangem todo o espectro da formação e de execução de um joint venture, v.g., vinculando signatários à observância de cronogramas de colocação de recursos e sua alocação, etc.
Essas cláusulas que extravasam o âmbito dos acordos de acionistas, tal como previsto na lei societária, não tem nenhuma eficácia perante a sociedade, como reiterado, restringindo-se ao âmbito das obrigações e responsabilidades afetas a eles e cuja eventual execução judicial ou arbitral não deve trazer a sociedade para a respectiva lide. O direito a ser invocado, nesses casos, é o obrigacional, constante do código civil.228
Aliás, sobre direito de voto afirmativo, veto e/ou autorização prévia previsto em acordo de acionistas — instrumento também muito usado como instrumento a latere ao contrato de investimento —, quando celebrado por terceiros estranhos ao quadro social, cumpre trazer a lume os ensinamentos de Xxxxxxxxxx:
A lei vigente apenas regula e estabelece a eficácia junto à companhia e a terceiros dos acordos celebrados entre acionistas.
Temos, assim, que as convenções de (i) controle e (ii) de voto (minoritários) e de (iii) disponibilidade de ações entre acionistas e pessoas estranhas à companhia valem somente entre elas, não sendo oponíveis à companhia nem a terceiros em geral.
Entre nós, a prática tem adotado contratos a latere com bancos de desenvolvimento e de investimento, decorrentes de empréstimos feitos à companhia. Em virtude de ditos financiamentos, acionistas controladores comprometem-se junto à instituição financeira credora a votar em determinadas matérias, consoante diretrizes preestabelecidas no próprio contrato de financiamento ou, então, mediante prévia consulta. Também a disponibilidade de ações emitidas e por emitir tem sido objeto dessas avenças, inclusive no tocante à obrigação de subscrever ou de se abster de fazê- lo nos futuros aumentos de capital.
Por aí se vê a enorme importância de tais acordos laterais e as matérias fundamentais que abrangem. Em se tratando de acordo de controle, a inclusão do financiador somente será válida e eficaz perante a companhia se este for ou tornar-se acionista, mediante subscrição de novas ações ou cessão daquelas de propriedade dos controladores.229
Perceba-se que os poderes de voto afirmativo, veto ou autorização prévia somente terão eficácia deliberativa perante a sociedade se o investidor converter seu direito a crédito em quotas sociais ou ações.
Mesmo após a conversão, continua o referido autor, o acionista minoritário (investidor) não deve responder pelos atos típicos do controlador ou assumir seus deveres (parágrafo único do art. 116 da LSA), sendo certo que o exercício desses poderes só terá validade perante a sociedade se não realizado mediante abuso de direito e se a matéria estiver prevista como relevante e extraordinária em acordo parassocial. In verbis:
228 XXXXXXXXXX, X. et al. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 0000, x. 0, x. 000.
000 Ibidem, v. 2, p. 702.
Como reiterado, neste caso a presença do acionista minoritário financiador no acordo de controle não o reveste do status de controlador, ou seja, não participa ele da comunhão dos controladores para os efeitos de exercer e responder pelo poder de controle e pelo dever fiduciário que daí decorre (parágrafo único do art. 116 LSA). Pelo contrário, a presença do acionista financiador no seio do acordo de controle relativiza o exercício desse mesmo poder-dever por parte da comunhão. Tal ocorre na medida em que o credor acionista pode fazer prevalecer o seu direito de veto sobre a deliberação majoritária obtida em reunião prévia da comunhão, em face, v.g., do requisito com ele convencionado de maioria qualificada.
Em consequência, pode o acionista minoritário financiador que subscreveu o acordo de controle vincular o administrador ou os administradores que o representam nos órgãos da administração para vetar a aprovação da matéria objeto do quórum qualificado com ele estabelecido para a aprovação de determinadas matérias.
Essa vinculação será plenamente eficaz, desde que trata de matéria relevante e extraordinária expressa no respectivo ajuste celebrado com o financiador. Aproveita, nesta hipótese, a absoluta vedação à inespecificidade de desse veto (cláusula vazia). Também será anulável esse veto se configurar abuso do direito do acionista financiador ao exercitá-lo, seja no âmbito da reunião prévia, seja sobretudo, na vinculação dos seus representantes nos órgãos da administração da companhia.230
Caso não realize a conversão, estando ainda na posição de credor e em face da inadimplência, o investidor terá apenas um direito obrigacional indenizável por perdas e danos (art. 389 do CC) combinado com outras penalidades previstas em contrato, como o vencimento antecipado, não havendo que se falar em execução específica contra a sociedade.
Xxxxxxxxxx também chega a mencionar um possível controle externo dos investidores quando se estruturar o investimento com poderes de voto afirmativo, veto ou autorização prévia em questões relevantes, por meio do qual não é possível responsabilizá-los por atos típicos de administrador ou controlador à luz da lei societária. In verbis:
Esse controle externo é, não obstante, exercido indiretamente também pelo voto e pelos acordos de voto. Ocorre que, no caso, o voto não é exercido no interesse próprio do acionista enquanto tal. Trata-se, na espécie, de um controle externo que se utiliza dos votos dos controladores internos ou do comando dos administradores (incumbent board), para participar, através destes, do governo da companhia, ao partilhar ou vetar questões relevantes do âmbito do conselho de administração ou da assembleia geral, visando garantir o crédito ou o investimento.
Não prevê a lei n. 6.404/76, nenhuma responsabilidade do controlador externo. Em consequência, caberá aos controladores internos arcar com essa responsabilidade (art. 117), quando se prestam a, formalmente, exprimir a vontade dos “controladores externos”. O mesmo se diga dos administradores que comandam a companhia com capital disperso.
Os controladores externos são, pois, irresponsáveis perante a companhia, seus acionistas e terceiros em geral ao participarem, de fato, da condução da sociedade.231
Tal entendimento encontra guarida também na legislação societária, na medida em que os poderes atribuídos aos órgãos deliberativos e de administração não podem ser delegados a
230 XXXXXXXXXX, X. et al. Op. cit., v. 2, p. 702.
231 Ibidem, v. 2, p. 592.
terceiros sem autorização do estatuto ou da lei nem ser outorgados a outros órgãos (art. 1.018 do CC e arts. 121, 136, 144 e 163, § 7º, da LSA), ficando a cargo do real administrador a responsabilidade pelos atos de gestão e representação da sociedade.
Não parece possível, pelo menos pelo viés societário, a responsabilidade do investidor que exerça de maneira aleatória e/ou temporária poderes de voto afirmativo, veto ou autorização prévia em matérias relevantes e extraordinárias pelos atos dos administradores ou controladores da sociedade, especialmente porque, em última análise, são estes que tomam a decisão final que vincula a sociedade para todos os efeitos.
E, ainda que se torne sócio minoritário da sociedade e, assim, seja possível a vinculação da sociedade aos seus desígnios, não há previsão legal para redirecionar, repita-se, pelo menos sob a ótica do direito societário, a responsabilidade pelos atos do administrador ou do controlador ao investidor.
Quanto à responsabilidade trabalhista e tributária, a questão é um pouco mais sensível, em especial considerando-se os requisitos atuais necessários para redirecionamento e a liberdade que cada juiz tem de interpretar as normas e o direito segundo suas próprias convicções.
Ainda que não haja lei societária indicando a responsabilidade do acionista minoritário232 ou mesmo que a jurisprudência trabalhista costume afastar sua responsabilidade, se ele estiver exercendo de fato poder de controle ou de administração na empresa o juízo poderá entender que o investidor está apto para sofrer os efeitos do redirecionamento.
Xxxxx, cumpre lembrar que a simples posição de acionista controlador ou administrador gera o redirecionamento de responsabilidade trabalhista. Apesar de não ser possível enquadrar o investidor como controlador quando ainda esteja na posição de credor, as chances de encontrar um juiz capaz de lhe redirecionar responsabilidade aumentam quando ele passa à posição de acionista minoritário, com direito a voto afirmativo.
Além dessa questão jurídica, o grande gargalo de segurança jurídica está no enquadramento do envolvimento fático operacional do investidor para com a sociedade investida, na medida em que serão os acontecimentos do dia a dia que apontarão para o verdadeiro responsável pela gestão.
Assim, passa-se, a seguir, a estabelecer o grau de envolvimento jurídico patrimonial e sua relação com o envolvimento fático operacional do investidor para cada tipo de modalidade
232 Vale lembrar que parte da jurisprudência trabalhista costuma afastar a responsabilidade do acionista minoritário sem poderes de gestão. Se o investidor se tornar sócio minoritário em limitada, ele deverá ser responsabilizado, assim como aumentarão suas chances de redirecionamento se, ainda que na condição de acionista minoritário, exercer eventualmente poderes de gestão.
de investimento, na esperança de auxiliar o investidor na escolha da melhor forma de estruturar seu investimento e no estabelecimento de um limite comportamental para fins de mitigação de risco de responsabilização.
2.3.2.3 Envolvimento jurídico e fático do investidor
Na medida em que o investidor-anjo, cuja principal característica é representada pelo smart money, escolhe sua modalidade de investimento, realiza o aporte de capital e começa a intervir nos rumos da sociedade de maneira indireta, compartilhando conhecimento, expertise e experiência, tomando parte nas decisões operacionais e estratégicas — por exemplo, de contratação da equipe —, representando-a perante terceiros, inicia-se seu envolvimento fático e jurídico com a sociedade, impactando diretamente seu risco de responsabilização.
No contrato de participação, seguindo a lógica de escolha mais adequada para estruturar seu investimento, criada por Xxxxx Xxxxxxx Júdice,233 o grau de envolvimento jurídico- patrimonial234 enquadra-se como baixo, ao menos até a conversão, lembrando que quem se utiliza do contrato de participação não deve (ou não deveria, considerando a vedação legal — art. 61-A, § 4º, I, da LC n. 155/2016) se envolver ativamente com a gestão e administração da sociedade, o que faz com que o grau de envolvimento fático235 ativo do investidor seja também baixo e seu grau de blindagem patrimonial236 seja alto (fator este diretamente afetado pelo eventual envolvimento fático).
233 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 39-70.
234 “A balança de risco vs. envolvimento jurídico não está, portanto, apenas no comportamento fático pós formalização do investimento, mas é decorrência direta da lei, da qual as partes não podem fugir. Não há nada que o sócio faça ou deixe de fazer que mudará o fato legal do seu grau de envolvimento jurídico e risco. E tal consideração deve ser levada em conta quando da decisão de fazer ou não o investimento ou, melhor, como fazer o investimento. […] É fato, no entanto, que em diversas situações o alto envolvimento fático pode aumentar o risco de envolvimento jurídico. A exemplo, um sócio minoritário sem poderes de administração de uma limitada (que a princípio possui proteções legais), vem a efetivamente exercer atos que importem na sonegação fiscal. Mesmo com sua posição minoritária e a ausência de direitos de administração, havendo uma participação ativa na decisão de sonegação, acaba assumindo para si a responsabilidade jurídico-patrimonial da questão.” (Ibidem, p. 41-42).
235 “O envolvimento fático é definido por ações do dia a dia, como exemplo a participação do investidor numa reunião de sócios, ou num Conselho de Administração, ou dando ordem para um funcionário, ou mantendo reunião com contadores, clientes, advogados, e outros profissionais em nome da empresa ou, ainda que sutilmente, ditando as regras de execução do negócio de modo a vir causar efeitos reais que podem, ou não gerar riscos à empresa.” (Ibidem, p. 40).
236 O grau de blindagem patrimonial consiste numa forma de estabelecer o nível de proteção que o patrimônio pessoal do investidor tem em relação às dívidas da sociedade investida. Quanto maior o grau de blindagem, menor é o risco de o investidor responder pelas dívidas com seu patrimônio pessoal. Esta classificação leva em consideração especialmente o envolvimento jurídico do investidor com a sociedade investida, sendo certo que o envolvimento fático tende a afetar negativamente seu status. (Ibidem, p. 39-70).
No investimento direto em limitada, o investidor teria um grau de envolvimento jurídico-patrimonial “médio-baixo”, dado que, apesar do risco tributário baixo (por, em regra, não exercer a posição de administrador) e da previsão legal de limitação de responsabilidade (art. 1.052 do CC), o risco trabalhista (sócio) é elevado, fazendo com que o grau de blindagem patrimonial seja “baixo” e ligando o alerta especialmente para fiscalização constante das obrigações trabalhistas. Caso o investidor queira ter um maior envolvimento fático com a administração da investida, participando mais diretamente da tomada de decisão, das contratações e até da representação perante terceiros, recomenda-se também um monitoramento das obrigações tributárias — afinal, quanto maior o envolvimento, maior o risco de responsabilização.237
Nas SAs, por serem tradicionalmente sociedades de capitais, e não de pessoas (diferentemente das limitadas), apenas o acionista controlador, o administrador e os membros do conselho fiscal costumam ser responsabilizados pessoalmente por dívidas da empresa238 (arts. 117, 158 e 165 da LSA), à luz da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (arts. 28 do CDC e 50 e 1.024 do CC), ainda que com possibilidade de limitação temporal de dois anos (art. 1.032 e parágrafo único do art. 1.003 do CC). Não é comum, por seu turno, o acionista minoritário ser responsabilizado pessoalmente por débitos da empresa, sobretudo quando não possui poderes de gestão ou não participa da administração ou de órgãos deliberativos de maneira mais ativa, o que é caso do investidor que costuma deter ações preferenciais sem direito a voto.239
237 “O envolvimento fático, por sua vez, depende da postura das partes, investidor e investidos, mas é fato que quanto maior o investimento fático de dada pessoa, mais fácil será de enquadrá-la como responsável patrimonial por eventuais passivos empresariais. O envolvimento fático do investidor pode aparecer em decisões de negócio, no ato de contratação de colaboradores, na representação com entes públicos e demais casos. A liberdade em limitadas tende a ser maior para o envolvimento fático do investidor (sendo maior o risco jurídico, natural que queira se envolver para controlar de alguma maneira).” (JÚDICE, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 46).
238 “Ementa: Agravo de Petição. Desconsideração da personalidade jurídica da sociedade anônima. Prosseguimento da execução em face de acionista minoritário. É importante salientar a possibilidade de responsabilização patrimonial dos sócios à luz da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da empresa (art. 28 da Lei n. 8.078/90 e artigos 50 e 1.024, ambos do Código Civil) e inciso II do art. 592 do CPC, observada a limitação temporal prevista no art. 1.032 e o parágrafo único do art. 1.003, ambos do Código Civil. No entanto, em se tratando de sociedade anônima, responsabilização pessoal dos participantes da sociedade pelas obrigações da mesma é restrita ao acionista controlador, ao administrador e aos membros do conselho fiscal, conforme disciplina dos artigos117, 158 e 165, todos da Lei n. 6.404 /1976. Impossível a responsabilização de mero acionista minoritário sem poder de gestão pelas dívidas da sociedade anônima.” (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Agravo de Petição n. 0064400-92.2006.5.02.0014. Op. cit.).
239 No investimento-anjo, o investidor costuma negociar direitos de voto afirmativo atrelados às ações preferenciais, sendo certo que o exercício de tais direitos pode elevar seu risco de responsabilização, como já retratado.
Muito em razão desse cenário, e por também terem limitação legal de responsabilidade (art. 1º da LSA), Júdice240 classifica o grau de envolvimento jurídico patrimonial no investimento direto em SA como “baixo”, ressaltando que o “risco operacional se concentra muito mais na diretoria (que é o órgão social executivo) do que na assembleia ou no conselho”. Como na estrutura organizacional da sociedade anônima, em comparação com a limitada, se restringe a participação executiva aos membros dos órgãos sociais, o investidor tem seu grau de envolvimento fático “limitado”, criando assim um grau de blindagem patrimonial “alto”, desde que, repita-se, não tenha posição executiva e deliberativa na sociedade.
No investimento por meio de SCP Participação, o sócio investidor (oculto) se obriga apenas perante o sócio ostensivo (startup), nos termos do contrato social, ficando somente este obrigado perante terceiro (art. 991, parágrafo único, do CC), ou seja, há proteção legal de responsabilidade, desde que não se envolva no empreendimento.241
Júdice classifica o grau de envolvimento jurídico-patrimonial em SCP como “baixo”, uma vez que o sócio ostensivo assume todo o risco do negócio, e, como “alto”, seu grau de blindagem patrimonial (proteção legal), por ter um risco trabalhista e tributário baixo ao sócio oculto. Logicamente, o grau de envolvimento fático do investidor é “possível”, mas deve ser evitado, uma vez que pode gerar ao investidor “responsabilidade solidária pelas dívidas em cujo nascimento houver tido alguma intervenção, por menor que seja ela”.242
O investidor que aporta por meio de contrato de mútuo conversível não deve responder por dívida da empresa,243 por estar na posição de credor e não na condição de sócio, não havendo que se falar em risco de desconsideração de personalidade jurídica. E, assim, Xxxxxx entende que o risco de envolvimento jurídico patrimonial é “baixo”, enquanto durar a dívida, e correspondente ao tipo societário quando da conversão, assim como classifica como “alto” o grau de blindagem patrimonial, podendo ser afetado pelo grau de envolvimento fático.
240 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. op. cit., p. 53-54.
241 “O parágrafo único do presente artigo, por sua vez, regra a conduta do sócio participante ou oculto, frisando seu direito de fiscalização da administração dos negócios sociais, devendo o sócio ostensivo lhe prestar, periodicamente e conforme o convencionado, contas de tudo quanto realizado, o que mediante ação própria, pode ser exigido em juízo. Em contrapartida, descabe ao sócio participante ou oculto participar de relações com terceiros, atuando diretamente nas tratativas ou na celebração de negócios, assumindo ele a função precípua de fornecedor de capital, despido de poderes de gestão. Caso tal padrão de conduta seja desrespeitado, o sócio oculto ou participante se submete a uma sanção, assumindo, junto com o sócio ostensivo e em favor do terceiro credor, responsabilidade solidária pelas dívidas em cujo nascimento houver tido alguma intervenção, por menor que seja ela.” (XXXXXX, Xxxxx. Op. cit., p. 956).
242 Ibidem.
243 “A vantagem de utilização do mútuo conversível é que o investidor não assume desde o início da operação da Startup os riscos relativos às suas atividades. Somente virá a integrar o quadro social em casos previstos contratualmente, via de regra associados a uma situação de prosperidade.” (FEIGELSON, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 130).
Em resumo, Júdice apresenta uma classificação de risco do envolvimento fático e jurídico, com seu respectivo grau de blindagem, que poderá ajudar na escolha mais adequada da modalidade de investimento, conforme resumido no quadro 4.
Envolvimento jurídico | Envolvimento fático | Grau de blindagem | |
Investimento direto em limitada | Risco médio-baixo | Flexível e aberto | Baixo |
SCP | Baixo | Possível | Alto |
Investimento direto em SA | Baixo | Limitado | Baixo |
Mútuo conversível | Baixo até a conversão | Baixo e perigoso | Baixo/zero |
Contrato de participação | Baixo até a conversão | Baixo e perigoso | Baixo/zero |
Quadro 4 - Classificação de risco do envolvimento fático jurídico e blindagem patrimonial244
244 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 39-70.
3 AVALIAÇÕES, CONTRIBUIÇÕES DE MELHORIA E AÇÕES PRÁTICAS
Neste capítulo, passa-se a apresentar um juízo crítico sobre os mecanismos utilizados pela LC n. 155/2016 para atender a seus objetivos, indicando-se as eventuais melhorias e inovações trazidas pelo contrato de participação quanto aos quesitos de segurança jurídica em relação ao risco de responsabilização, liquidez, incentivo fiscal e acesso ao capital inteligente, em comparação com as demais formas de estruturação de investimento-anjo, bem como recomendando eventuais ações práticas aos investidores-anjo, como, por exemplo, dicas sobre o melhor desenho contratual, indicação de outros mecanismos com similar finalidade, sugestões da forma estrutural mais adequada a determinado quesito, recomendações de conduta e limite de atuação fática e jurídica para mitigar risco de responsabilização.
Na sequência, à luz das suas principais características, apresenta-se um rol simples das vantagens e desvantagens das formas de estruturação do investimento-anjo estudadas neste trabalho, para de alguma maneira auxiliar o investidor-anjo na escolha mais adequada às suas necessidades e às peculiaridades do negócio.
Ao final, destacando-se as incoerências dos dispositivos da LC n. 155/2016 quanto aos seus objetivos, e também à luz dos quesitos acima mencionados, apresentam-se eventuais sugestões de aprimoramento da lei e/ou os projetos de lei capazes de gerar melhorias a determinado quesito e que merecem atenção do legislador.
3.1 Melhorias, inovações e sugestões de ação prática
3.1.1 Quanto à segurança jurídica do risco de responsabilização
A grande contribuição que se esperava da LC n. 155/2016 era na segurança jurídica245 quanto ao risco de responsabilização. Aparentemente, a criação legal do contrato de participação trouxe inovação em relação ao contrato de mútuo conversível (concorrente direto
245 A comunidade jurídica não tem certeza de que a norma atingiu a necessária segurança jurídica. Como desafia ao debate o advogado Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (2017): “Haverá a segurança jurídica almejada pelo legislador, de forma a não responsabilizar o investidor-anjo que cumpra os requisitos legais, mesmo que dependamos da interpretação do poder judiciário?” (XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Op. cit.). Por outro lado, Xxxxxxx e Xxxxxxxx defendem que “a garantia de não responder pelos débitos da empresa confere maior segurança jurídica ao investidor, tornando mais atrativo o investimento-anjo e, por consequência, beneficiando também as empresas que buscam investimentos” (XXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Op. cit., p. 104).
do contrato de participação, por serem ambos contratos de investimento), que se trata de instrumento parcialmente típico (mútuo), no tocante ao risco de responsabilização.
A LC n. 155/2016 trata clara e categoricamente sobre a não responsabilidade do investidor pelas dívidas da empresa, sendo um primeiro passo para a estabilidade de interpretação e aplicação pelo Poder Judiciário e órgãos da administração pública.246
Por outro lado, a imperfeição natural da norma recém-criada gera dúvidas e incertezas quanto à sua interpretação, cuja solução encontra-se no tempo e no trabalho dos operadores e estudiosos do direito.
Como qualquer outra lei recém-criada, ainda existem alguns pontos que merecem atenção do legislador. Não é à toa, como é visto em seção específica, que existem inúmeros projetos de lei que já pretendem alterar sua redação.
A LC n. 155/2016, na tentativa de mitigar o risco de responsabilização, apresentou dispositivos que estabeleciam determinadas características ao valor do aporte, à condição do investidor e/ou às limitações comportamentais e de direito. Foi estabelecido que investidor não seria considerado sócio, não teria direito de gerência ou voto na administração e, assim, não deveria responder por dívidas da sociedade nem sofrer os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica. A lei também dispôs que as atividades sociais seriam exercidas pelos sócios regulares, sob sua única e exclusiva responsabilidade, e que o valor aportado não seria considerado capital social, afastando também a possibilidade de o investidor responder solidariamente pelo capital social não integralizado.
Ainda que se possa dizer que a LC n. 155/2016 tenha inovado ao apresentar ferramentas legais com o intuito de gerar mais segurança jurídica quanto ao risco de responsabilização, mais uma vez não se pode dizer que ela trouxe uma melhoria à indústria, mormente porque no contrato de mútuo conversível o investidor já não exercia a posição de sócio, não tinha obrigação de integralizar capital, não se responsabilizava pela atividade social, não possuía direito à gerência ou ao voto na administração, exceto direitos de intervenção indireta, e, em regra, não respondia por dívidas da empresa nem era objeto de desconsideração da personalidade jurídica.
246 A segurança jurídica está condicionada também, em última análise, à interpretação e aplicação da norma pelo Poder Judiciário. Como retrata Salama, “para que a atividade econômica privada possa florescer, é preciso aumentar a previsibilidade das ações da burocracia estatal. Por aumento da previsibilidade, entenda-se a redução da incerteza sobre o futuro, de modo a torná-lo mais calculável. A lógica, portanto, é a de que, quando o Estado reduz os riscos da atividade empresarial, reduz também o custo de capital das empresas e com isso induz investimentos. E o aumento de previsibilidade […] é criado na medida em que haja uma burocracia profissional e bem aparelhada, porém limitada por regras claras. Aqui está, como se vê, a principal justificativa econômica para o princípio da segurança jurídica.” (XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. O fim… Op. cit., p. 117).
3.1.1.1 Posição de sócio
A simples posição de sócio em sociedade limitada atrai responsabilidade trabalhista. Na sociedade anônima, o acionista minoritário não costuma sofrer a mesma imposição, na medida em que não tem poder de gestão para mudar os rumos da sociedade, mas, se o investidor exercer a posição de acionista controlador, de membro da administração (conselho de administração e diretoria) ou do conselho fiscal, deverá sofrer os efeitos do redirecionamento trabalhista. Por sua vez, a responsabilidade tributária costuma apenas ameaça a condição do administrador, independentemente do tipo societário, ressalvados casos de gestão fraudulenta.
Ao se retirar o status de sócio do investidor-anjo via contrato de participação, não se trouxe nenhuma melhoria nem inovação, pois no contrato de mútuo conversível o investidor também não exerce a posição de sócio. A despeito do afastamento do status de sócio, no contrato de participação o investidor possuirá praticamente os mesmos direitos que um sócio oculto da SCP, lembrando, porém, a existência dos limites de prazo e de percentagem na remuneração por distribuição dos resultados.
3.1.1.2 Integralização do capital social
Tanto por meio de mútuo como por contrato de participação, o investidor não deverá sofrer riscos de responder pela integralização do capital de maneira solidária, não se tratando de um benefício inovador, sendo certo que em todos os tipos societários tal responsabilidade está presente, sofrendo o investidor, inclusive, com a possibilidade de responder por perdas e danos e de ser excluído da sociedade.
3.1.1.3 Atividade social
Não há melhoria e inovação quanto à não responsabilidade do investidor-anjo nas atividades sociais da sociedade investida, na medida em que, quando se está na posição de credor, como ocorre também no mútuo conversível, o investidor não deve exercer a atividade econômica da empresa. Na SCP, o sócio oculto também não deve exercer atividade social, conforme previsão legal (art. 993, parágrafo único, do CC), sob pena de responsabilização.
O mútuo conversível e até mesmo a SCP Participação já possuem essa função de não só afastar o investidor das atividades sociais, como atribuir ao empreendedor a responsabilidade
sobre o desenvolvimento do negócio, desde que, logicamente, não haja interferência do investidor no dia a dia da sociedade.
3.1.1.4 Direito de gerência e voto na administração
A LC n. 155/2016 autorizou o investidor a ter praticamente todos os direitos inerentes à condição de sócio, com exceção do direito de participar da administração da sociedade e das atividades deliberativas. Em outras palavras, infere-se que o problema talvez não seja ele ser sócio, mas sim participar ativamente das deliberações sociais e dos atos de gestão e representação da sociedade.
Ao proibir direitos de gerência ou voto na administração da empresa, infere-se que o legislador esteja proibindo o investidor basicamente de participar diretamente dos órgãos de deliberação (assembleias e reuniões de sócios) e de administração da sociedade, seja como simples administrador na sociedade limitada ou na SCP, seja como membro do conselho de administração ou da diretoria na SA.
Quando a LC n. 155/2016 evita que o investidor tenha direito de gerência ou voto de administração, ela também não traz nenhuma novidade ou melhoria ao mercado, pois tal restrição já é vista, em certa medida, nos casos de investimento por SCP Participação. Assim como no mútuo conversível e na SCP, o investidor no contrato de participação não pode se envolver na administração, sob pena de sofrer com o risco de responsabilização por envolvimento fático.
3.1.1.5 Dívida social e desconsideração da personalidade jurídica
O benefício de não responder por dívida da sociedade e ainda não sofrer os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, apesar de apresentar uma sensação maior de segurança jurídica, não pode ser considerado uma melhoria ou inovação, pois o contrato de mútuo conversível e a SCP, na prática, já continham tal privilégio, especialmente quando não havia gestão fraudulenta por parte do investidor (arts. 50 do CC e 135 do CTN).
3.1.1.6 Sugestões de ação prática
Se o interesse do investidor-anjo consiste na necessidade de ter segurança jurídica em relação ao risco de responsabilização, recomenda-se a utilização de contratos de investimento,
em que se não se ocupa a posição de sócio. Em comparação com o mútuo conversível, o contrato de participação247 oferece ainda mais segurança,248 em razão da sua previsão legal.
O risco de responsabilização não deveria ser um problema em razão da posição de sócio ou acionista, mas sim de seu poder de gestão ou controle, ou melhor, de sua participação direta e de seu controle das deliberações sociais e dos atos de gestão e representação da sociedade, afinal de contas os direitos que foram sonegados no contrato de participação ao investidor são justamente os de exercício das atividades sociais e de gerência e voto na administração, sendo- lhe garantidos os demais direitos de ordem patrimoniais e políticos inerentes a essa figura societária.
Por essa razão, sugere-se também ao investidor, para afastar ainda mais seu risco de responsabilidade, não participar formalmente dos órgãos de deliberação (assembleia e reuniões de sócios e conselho de administração) nem de órgãos executivos com poderes de gestão e representação (administração ou diretoria), não exercer atos de gestão e representação da sociedade e atividades deliberativas, considerados esses um conjunto de atos necessário para o regular funcionamento das atividades sociais, ou seja, necessário para consecução do objeto social.
Se o investidor não tem interesse em participar da administração nem das atividades deliberativas e sociais da sociedade, diminuindo assim seu risco de responsabilização, uma das
247 Recomenda-se sempre constar no instrumento o direito de transformação em sociedade anônima quando da conversão, ocasião em que deve o investidor ocupar a posição de acionista minoritário, sem poder de gestão ou controle da sociedade, tendo em vista a maior proteção ao risco de responsabilização.
248 Há quem defenda que o contrato de mútuo conversível possui segurança jurídica suficiente para justificar ser o mais usado entre os investidores-anjo: “Por questão de segurança jurídica e, principalmente, de proteção patrimonial, os investidores preferem adotar uma estrutura com um contrato de mútuo conversível em investimento em detrimento de uma estrutura de investimento mediante participação societária. Há dois fatores que impactam significativamente a decisão dos investidores de seguir com essa estrutura contratual. Primeiramente, os investidores em uma sociedade limitada (a forma societária mais eficiente em termos de custos de manutenção) passam a figurar como quotistas, compondo o quadro social da empresa. O enquadramento do investidor como quotista, por sua vez, torna-se público, vez que o respectivo documento societário é registrado na Junta Comercial competente (para que tenha eficácia e gere efeitos perante terceiros), o que implica a exposição ao público do investidor como quotista. Dessa forma, caso surjam futuras contingências relativas à empresa investida, há hipóteses em que a responsabilidade limitada do investidor poderia ser desconsiderada, afetando diretamente o patrimônio do investidor, na qualidade de quotistas da sociedade limitada. Em segundo lugar, o investidor, enquanto credor e não quotista, possui prioridade de recebimento sobre o capital social em caso de liquidação ou falência da sociedade investida. Como o risco de se investir em uma startup em estágio inicial é muito elevado se comparado a fases posteriores, esse aspecto assume uma relevância ainda maior. Ademais, o contrato de mútuo permite vincular o desembolso dos investimentos ao cumprimento, pelas startups, de metas predeterminadas pelo investidor. Entretanto, ainda mais importante do que essa primeira característica e questão-chave de toda a estrutura, o contrato de mútuo dá abertura ao investidor em estipular uma cláusula de conversão do empréstimo em capital social na hipótese de uma rodada de investimento posterior (e. g., uma rodada early stage) ou em caso de abertura de capital da companhia investida. Cabe-nos mencionar que os modelos de acordo de acionistas e de estatuto social para o caso de conversão futura do empréstimo em investimento são previamente acordados e anexados ao próprio contrato de mútuo, garantindo ao investidor um nível satisfatório de segurança e previsibilidade de sua situação na companhia após a ocorrência de qualquer evento que desencadeie a conversão.” (XXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxx. Op. cit., p. 276-277).
escolhas mais adequadas consiste no contrato de participação. O contrato de mútuo também é uma alternativa viável, por igualmente manter o benefício do Simples Nacional e por ser o instrumento mais utilizado no mercado.
Por exclusão, o investidor poderá participar ativamente do conselho consultivo e, como observador, das reuniões e assembleias deliberativas, sem, contudo, possuir direito a voto e, preferencialmente, sem constar registro em ata.
Da mesma forma, o exercício de direitos de voto afirmativo, veto ou autorização prévia, como forma de proteger a liquidez do investimento e influenciar matérias relevantes e estratégicas, como anteriormente defendido, não deve ser suficiente para atrair responsabilidade ao investidor.
Os direitos de voto afirmativo, veto ou autorização prévia, comumente previstos nos contratos de investimento e nos acordos parassociais, não possuem status societário, mas sim obrigacional, não tendo o condão de atrair a responsabilidade do administrador ou controlador para o investidor, em especial porque poderes atribuídos por lei ou estatutos aos órgãos sociais não poderão ser delegados a outro órgão (arts. 139 e 163, § 7º, da LSA) e por não poderem os administradores, os conselheiros ou os diretores ser substituídos em suas funções de modo diferente do previsto em lei ou estatuto (arts. 1.018 do CC e 144 da LSA).
Se o intuito do investidor consiste em participar diretamente das atividades sociais, como experto em alguma função, recomenda-se a não utilização dos contratos de investimento ou SCPs, mas sim alguma modalidade de investimento direto, na medida em que o risco de responsabilização na prática será o mesmo e o status de sócio poderá garantir direitos de gerência ou voto na administração.
Ainda que todas essas recomendações devam passar pelo crivo do Judiciário, a verdade é que, ao segui-las, o investidor terá, ao menos, fundamento jurídico para afastar sua responsabilidade.
3.1.2 Quanto à liquidez
O legislador previu cinco tipos de mecanismos que de uma forma ou de outra afetam a liquidez do investimento, quais sejam, o direito de venda conjunta (tag along); o direito de preferência; o direito de transferência de titularidade; o direito à participação nos resultados da sociedade; e o direito de resgate.
No que concerne à liquidez do investimento, pode-se dizer que a LC n. 155/2016 trouxe melhoria ou inovação ao mercado em, ao menos, dois quesitos: forma de remuneração do
capital aportado mediante participação nos resultados e direito de resgate mediante denúncia vazia e, mesmo assim, com restrições legais que merecia ser objeto de alteração legislativa. No entanto, nos demais mecanismos não houve melhoria nem inovação, senão vejamos.
3.1.2.1 Tag along
Em que pese estar em conformidade com os objetivos do legislador, o direito de venda conjunta (tag along) como mecanismo de liquidez é encontrado em todas as formas de estruturação de investimento, ora por expressa previsão legal, ora por previsão contratual.
Ao trazer a previsão legal do tag along, a LC n. 155/2016 não trouxe ao mercado nenhuma novidade, tampouco uma melhoria; pelo contrário, o desenho contratual do tag along é ainda mais sofisticado, estabelecendo a forma como serão operacionalizadas regras de avaliação das quotas, entre outras pertinentes para seu efetivo uso. Mesmo assim, trata-se de garantia legal que concede mais poder de barganha ao investidor, na medida em que não precisará negociar sobre esse direito.
Pode-se convencionar também, mediante competente instrumento, outros mecanismos de saída (desinvestimento) para melhorar a liquidez do investimento, como o direito de opção de venda — put option249 — e o drag along.
3.1.2.2 Direito de preferência
O direito de preferência também não traz nenhuma novidade ou aprimoramento ao mercado, pois, assim como o tag along, já é amplamente utilizado em outras formas de estruturação de investimento, inclusive em contratos sociais, e só poderá ser efetivamente exercido após a conversão do investimento em participação.
Nos casos de tag along, drag along e direito de preferência, recomenda-se que a cláusula seja elaborada com cuidado, estabelecendo-se regras de procedimento e as informações que devem estar previstas na notificação sobre as negociações de venda das ações ou quotas.250
249 “O objetivo da cláusula de put option é dar a um determinado acionista o direito de vender a sua participação para os outros acionistas (que estariam, portanto, obrigados a adquirir as cotas/ações à venda), por um preço e prazo predeterminado, a qualquer momento ou em um momento também predeterminado no ato da assinatura do Contrato de Acionistas. Esta cláusula é muito utilizada por aceleradoras e investidores quando, após converterem seus investimentos em participações e ingressarem na startup, desejam se retirar da sociedade, tendo em vista algum risco que tenham detectado no andamento dos negócios da empresa investida.” (JÚDICE, Xxxxx Xxxxxxx. Direito das startups: v. 2. Op. cit., p. 102).
250 XXXXXX, Xxxxxx. Fusões… Op. cit., p. 339.
3.1.2.3 Direito de transferência
Não é possível também verificar melhoria ou inovação no ambiente de investimento em relação ao direito de transferência de titularidade como mecanismo de liquidez, uma vez que a possibilidade de cessão de direito atrelado ao contrato já há muito é utilizada pelo mercado de investimento e societário,251 sendo que não há muita diferença entre as modalidades de investimento capazes de gerar uma preferência de um sobre o outro quanto a esse quesito.
Trata-se de um mecanismo de saída comum e, se condicionado ao consentimento prévio do empreendedor, sua utilização pode acabar sendo dificultada. Sua inclusão no texto legal só faz sentido para estabelecer que seu exercício não dependerá do cumprimento do prazo de carência de dois anos após o aporte (art. 61-A, § 8º, da LC n. 155/2016).
Recomenda-se ao investidor, para aprimorar a liquidez do investimento, seja nos contratos de investimento, seja nos acordos parassociais, o estabelecimento de livre transferência do direito, ou melhor, que a transferência da titularidade do aporte seja realizada sem o consentimento dos demais sócios.
3.1.2.4 Remuneração
Uma das grandes melhorias às condições de investimento, em relação aos contratos de investimento, consiste na remuneração por distribuição dos lucros garantida ao investidor, mesmo ele não sendo considerado sócio da sociedade investida.
Apesar das limitações legais quanto à quantidade e quanto ao tempo de duração da remuneração por resultados, além de depender da possibilidade e da saúde financeira da sociedade investida, certamente é uma melhoria útil e que traz um diferencial para esta estrutura, especialmente se figurar como sócio for um fator impeditivo, em razão do risco de responsabilização.
Sugere-se ao investidor a contratação de remuneração no patamar máximo de 50% dos lucros da sociedade investida, independentemente da participação eventualmente adquirida, na medida em que é possível convencionar a distribuição de maneira desproporcional.
251 XXXXXX, Xxxxxx. Fusões… Op. cit., p. 330.
A SCP também é uma alternativa viável e segura quanto à remuneração e ao risco de responsabilização, com possibilidade de se estabelecerem regras de distribuição desproporcionais e sem as limitações legais previstas na LC n. 155/2016.
3.1.2.5 Direito de retirada
O direito de retirada é previsto legalmente para todos os tipos societários e também não deve ser visto como uma solução original de liquidez do investimento, visto que pode ser exercido sem qualquer motivação (como ocorre no contrato de participação) tanto nas limitadas como nas SCPs (desde que seus prazos de vigência não sejam por tempo determinado).
Nas limitadas, apesar da possibilidade de resgate também por denúncia vazia (sem justificativa), seu processo é mais burocrático, uma vez que sua eficácia perante terceiros está condicionada ao registro da alteração do contrato social na respectiva junta comercial, após a assinatura dos respectivos sócios. Na SA, o direito de retirada é condicionado a casos de recesso ou dissidência.
Caso a preocupação do investidor seja sair da sociedade quando lhe convier, a melhor estrutura seria o investimento em equity em limitada, apesar da burocracia para se realizar a alteração do contrato social e da possibilidade de risco de responsabilização por dois anos após a retirada (arts. 1.003 e 1.032 do CC).
Nesse caso, quando for necessária assinatura de documento e registro em repartição pública para o efetivo exercício do direito de saída — por exemplo, alteração de contrato social
—, recomenda-se a previsão da cláusula de mandato para assinatura, acelerando-se, assim, o devido protocolo na junta comercial, para os fins de responsabilidade perante terceiros (arts. 1.003, parágrafo único, 1.032 e 1.057, parágrafo único, do CC).
Ainda assim, recomenda-se a previsão contratual ou parassocial da forma como será realizado o valuation da sociedade, para fins de pagamento da quota-parte do investidor que exercer seu direito de saída, para que o procedimento seja mais previsível e célere.
A determinação da LC n. 155/2016 de se calcular a apuração de haveres na forma do art. 1.031 do CC, no momento do resgate do valor aportado, trata-se de norma dispositiva, devendo somente respeitar-se o limite máximo do valor corrigido do aporte, especialmente porque nem sempre será fácil calcular quanto vale uma empresa de tecnologia com base na
metodologia baseada no valor patrimonial,252 razão pela qual se recomenda a estipulação da forma mais adequada ao tipo da sociedade investida.
Se comparado com o mútuo conversível, o contrato de participação deve ser visto como uma melhoria às condições de investimento, na medida em que permite o direito de saída do investimento de maneira imotivada, apesar de limitado à carência de dois anos e ao valor corrigido do aporte.
Vale lembrar que o período de carência é mitigado quando se convenciona cláusula de resgate antecipado em razão de inadimplência contratual, na medida em que ninguém será obrigado a se manter em contrato com parte inadimplente (art. 475 do CC253).
Se a preocupação do investidor consiste em não perder todo o dinheiro investido, em caso de insucesso, recomenda-se o contrato de participação, não só porque possui um mecanismo de saída relativamente fácil de operacionalizar, mas porque o resgate é facilitado ora pela possibilidade de vencimento antecipado da dívida, em caso de inadimplência ou evento de liquidez, ora pela possibilidade de denúncia vazia, sendo certo que a tributação incidirá sobre os rendimentos nas mesmas alíquotas do contrato de mútuo conversível, mas com limite de valor máximo previsto na LC n. 155/2016 (§ 7º do art. 61-A).
3.1.2.6 Conversão em participação societária
A LC n. 155/2016 não regula a conversão, mas sua ausência é sentida pelo mercado, pois existe a possibilidade de se interpretar que a conversão em participação é precedida pelo resgate do valor aportado, com as limitações legais de carência e avaliação máxima do resgate.
Como retratado acima, a conversão não deve ser considerada como um resgate ou dação em pagamento, uma vez que não há retirada de capital da sociedade investida, mas apenas uma
252 XXXXXXXXX, Xxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 219-220.
253 Ao comentar tal artigo, Xxxxxx Xxxxxxxxx ensina que, nos casos de inadimplência contratual, “cabe à parte lesada julgar se o inadimplemento gerou inutilidade da prestação ou se, não obstante o descumprimento, ela ainda lhe é interessante. No primeiro caso, diante do inadimplemento absoluto restará apenas a demanda resolutória.” (XXXXXX, Xxxxx. Op. cit., p. 509). Há quem entenda, porém, que o prazo de carência deva ser observado mesmo em hipóteses de vencimento antecipado, vinculadas, a rigor, à inadimplência contratual: “A disposição legal em questão, em nossa análise, não impede a criação de mecanismos contratuais que condicionem a realização de aportes futuros ou o exercício antecipado do direito de resgate, respeitado o mínimo legal, com base na tomada (ou não) de decisões de cunho gerencial da empresa.” (XXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Op. cit., p. 103). No mesmo sentido, “A restrição imposta pela LC 155 quanto à gerência ou voto na sociedade tem o propósito de impedir que um verdadeiro sócio fundador se ‘vista’ como investidor-anjo, participando da gestão da sociedade, mas ao mesmo tempo sendo protegido pela isenção de responsabilidade prevista na lei. Ou seja, desde que o contrato de participação não atribua ao investidor-anjo direitos de cunho societário, não nos parece, à primeira vista, haver impedimento legal à criação de cláusulas de vencimento antecipado (observado o prazo mínimo de dois anos do parágrafo 7º em caso de tomada de decisões ou prática de atos contrários aos interesses do investidor-anjo.” (XXXXX, Xxxxx; XXXXXXX, Diogo; LUZ, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Op. cit., 2016, p. 7).
troca de direitos, uma espécie de novação, visto que o investidor contrai novas obrigações (atinentes ao contrato de sociedade), substituindo e extinguindo as anteriores (referentes ao contrato de participação).
Dessa forma, não se pode dizer que a conversão afeta negativamente a liquidez do investimento-anjo.
3.1.3 Quanto ao incentivo fiscal
O legislador inicialmente pretendia conceder ao investidor alguma forma de isenção ou dedução sobre ganho de capital, porém já nas primeiras alterações do PLP n. 25/2007 tal benefício foi retirado do texto de lei. Mesmo assim, a LC n. 155/2016 apresentou alguns incentivos fiscais para quem pretende realizar investimento-anjo por meio de contrato de participação, mas de fato apenas uma melhoria, em comparação com as demais estruturas.
O primeiro foi a possibilidade de se utilizar de veículo de investimento (FIPs e holdings) para realizar o aporte, apesar de não ser considerada uma novidade nem um diferencial em relação às demais modalidades.
O segundo consiste justamente na manutenção dos benefícios do Simples Nacional, uma vez que a lei expressamente veda o gozo desse benefício quando o investidor que vira sócio da sociedade investida é pessoa jurídica (art. 3º, § 4º, I, da LC n. 123/2006). No entanto, tal diferencial somente vale em face da SCP, pois no mútuo conversível também não há mudança no regime tributário do Simples, uma vez que o aporte ingressa como passivo.
Para entender o terceiro incentivo — e único que gerou melhoria —, é necessário primeiro conhecer o racional do investimento-anjo.
Considerando que o investimento em startup costuma levar em média sete anos para maturar e, ainda, pelo grande risco que assume, que o investidor espera um elevado e lucrativo retorno,254 é natural que sua escolha da forma de tributação esteja atrelada ao tempo do investimento, na seguinte lógica: quanto mais o tempo passa, mais baixa deverá ser a tributação do seu retorno.
Vale lembrar também que as startups não costumam, ao menos nos anos iniciais, gerar lucros ou, ainda que gerem, costumam reinvesti-los no seu crescimento e no desenvolvimento de tecnologia. Da mesma forma, em caso de insucesso, o investidor já sabe que as chances de
254 XXXXXXXXX, Xxx. Invest to Exit: A Pragmatic Strategy for Angel and Venture Capital Investors. Melbourne: Breakthrough Publications, 2009, p. 5.
perder tudo são consideráveis, razão pela qual ele não prioriza o interesse na participação dos resultados ou mesmo na retirada de seu investimento antes da quebra da sociedade investida.
Para o investidor, a atenção ficará voltada para a forma de tributação na situação de venda de sua participação (ou alienação de titularidade ou cessão de direito) a terceiros. Naturalmente, a alíquota regressiva em relação ao tempo de duração do aporte é mais atraente do que uma alíquota progressiva atrelada ao valor do retorno, razão pela qual pode ser vista como mais vantajosa a tributação prevista na IN n. 1.719/2017 (arts. 3º e 6º) para fins de cessão de direito.
Por essas razões, o investidor quer saber principalmente qual será a tributação quando da venda de sua participação a terceiros, ou seja, a tributação sobre a alienação/cessão de direitos.
Com efeito, em relação a este fato gerador, a tributação nos contratos de participação é mais atrativa quando comparada com as outras formas de estruturação, especialmente se o investidor for pessoa física.
De qualquer forma, se a sociedade investida tem capacidade de distribuir resultados financeiramente interessantes, recomenda-se aportar capital mediante investimento direto em participação societária ou SCP Participação, na medida em que os lucros não serão tributados, lembrando-se de ponderar o risco de responsabilização nessas espécies.
Se o interesse das partes consiste na manutenção do regime de tratamento tributário diferenciado da LC n. 123/2006 (Simples Nacional), os dois contratos de investimento são recomendados.
No investimento direto em limitada também é possível manter esse benefício, a despeito de nessa modalidade se tributar o ágio.
O grande diferencial, em termos tributários, entre os contratos de investimento consiste na incidência de IOF nos casos de operação de crédito, sendo certo que apenas no contrato de mútuo é que se tributa o ato de aporte de capital.
Pode-se dizer que o sistema de tributação do aporte de capital por meio de contrato de participação é o mais benéfico, em comparação com as demais modalidades. A forma de tributação constante na IN n. 1.719/2017, além de xxxxx e previsível, é mais eficiente, se considerado seu racional, para o investidor-anjo pessoa física. Como incentivo fiscal, o contrato de participação traz melhoria às condições de investimento.
3.1.4 Quanto ao acesso ao capital inteligente
A possibilidade de se permitir que os fundos de investimento aportassem valores sem que isso implicasse a saída do Simples Nacional fez com que as sociedades investidas, de certa forma, se aproximassem de investidores mais qualificados, que possuem mais chances de agregar valor à sociedade.
No entanto, qualquer restrição ao acesso de capital inteligente pode ser considerada um obstáculo ao cumprimento do objetivo desenhado pelo legislador e, in casu, paira uma dúvida sobre a incompatibilidade entre a ICVM n. 578 e a LC n. 155/2016,255 em razão de aquela determinar que os fundos devem ter “efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão” (art. 5º da ICVM n. 578), o que, em tese, conflita com a impossibilidade de o investidor participar da administração e das deliberações da sociedade (art. 61-A, § 4º, I, da LC
n. 155/2016), situação que não ocorre nas demais estruturas de investimento-anjo.
Assim, pode-se afirmar que, para fins de facilitação de acesso ao capital inteligente via FIP, a LC n. 155/2016 não trouxe nenhuma melhoria nem inovação, nem mesmo para as micro e pequenas empresas.
Por outro lado, em uma análise jurídica, ao contrário do que se suspeitava inicialmente, a utilização do contrato de participação, criado pela LC n. 155/2016, não afasta o smart money das sociedades investidas — pelo menos não mais do que as outras modalidades existentes no mercado.
O investidor que se utiliza do contrato de participação terá as mesmas limitações de atuação ou direitos de interferência indireta na administração existentes em um contrato de mútuo conversível, por exemplo, já que o envolvimento fático deve ser evitado e o envolvimento jurídico patrimonial possui risco equivalente para ambas as modalidades.
Apenas recapitulando, a LC n. 155/2016, sob a insígnia de afastar o risco de responsabilização, estabeleceu que o investidor não poderia exercer direito de gerência ou voto na administração. No entanto, dos quatro tipos de investidor-anjo, apenas o gestor pretende exercer de fato direitos típicos de administrador. Os demais, em especial o proativo e o reativo
— que, lembre-se, são os que mais representam o smart money —, apenas pretendem influenciar a administração de maneira indireta, ora via reuniões de sócios ou assembleias como observador sem direito a voto e via conselho consultivo, ora por meio de voto afirmativo, veto ou autorização prévia.
255 XXXXX, Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxx; LUZ, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Op. cit., p. 15-17.