BREVES NOTAS SOBRE O CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
BREVES NOTAS SOBRE O
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
INTRODUÇÃO
A crise de 2008 (também conhecida por crise do “subprime”) está intimamente ligada a um instituto jurídico de grande confiabilidade para as instituições de crédito: a hipoteca.
Note-se, não pretendemos afirmar que este direito real tenha sido o responsável pela crise, mas antes que a assente segurança garantística que este instrumento possui criou uma falsa representação para o sistema financeiro que, por meio da titularização, emitiu, em larga escala, valores mobiliários lastreados em créditos hipotecários.
As instituições financeiras apostavam unicamente nos títulos “subprime”1 pela suposta segurança do instituto jurídico da hipoteca.
Contudo, a conjunção de diversos fatores em escala global levou a uma taxa elevadíssima de incumprimento de créditos hipotecários que aliado à forte desvalorização do mercado imobiliário, criou uma crise de confiança no sistema bancário e de desvalorização de ativos classificados como altamente seguros, por representarem continua rentabilidade, culminado na recessão ou congelamento da economia à escala global.
Ora, diante deste quadro recessivo, por todo o mundo foram adotadas medidas distintas, contudo, todas com a matriz única de restabelecer as condições para que o sistema financeiro voltasse a exercer a sua atividade em pleno e, com isto, alavancar a economia, fazendo-a renascer e recuperar para níveis razoáveis.
1 Em sentido amplo, “subprime” é um crédito de risco, concedido a um tomador que não oferece garantias suficientes para beneficiar de taxas de juro mais vantajosas (prime rate). Em sentido restrito, o termo é empregado para designar uma forma de crédito hipotecário (mortgage) para o sector imobiliário, surgida nos EUA e destinada a tomadores de empréstimos que representam maior risco.
Com efeito, é neste seio que surge reforçada uma já antiga modalidade de financiamento: a locação financeira, que se tem revelado essencial para que as empresas, nomeadamente, adquiram os bens necessários ao desenvolvimento da sua actividade.
A locação financeira deve ser vista, assim, como um instrumento de desenvolvimento económico cuja origem está gravada na evolução comercial dos EUA, tendo-se consolidado como contrato autónomo desde a metade do século XX.
Surgiu como alternativa eficaz de financiamento, possibilitando ao locatário a utilização do equipamento ao mesmo tempo que cumpria com a obrigação assumida com a sua locação.
Por outro lado, passou, outrossim, a ser interessante para os financiadores, uma vez que é provida de uma garantia de excelência – a propriedade do próprio bem.
Ao invés de disponibilizarem o dinheiro ao interessado, os financiadores adquiriam o bem pretendido e locavam-no, subsidiando o adimplemento da obrigação financeira, restando aquele como garantia do investimento pois, caso não fosse exercida a opção de compra, poderia ser alienado ou novamente locado a terceiro.
É esta característica de financiamento que eleva a locação financeira a um dos instrumentos jurídicos de maior relevo dentro do cenário mundial hodierno.
NOÇÃO/CLASSIFICAÇÃO/REGIME LEGAL/SUJEITOS
Feitas as considerações históricas necessárias para melhor compreender o berço deste instituto, cumpre agora explicar mais detalhadamente do que se trata, afinal.
O contrato de leasing consiste, tal como resulta do próprio artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho – diploma pelo qual se rege
primordialmente – numa modalidade de financiamento de aquisição de bens2 através da sua aquisição ao fornecedor pela entidade locadora3, seguida da sua locação ao cliente (locatário), pressupondo, o pagamento de uma renda por determinado prazo à sociedade ou instituição locadora e ficando o cliente, no final do referido prazo, com uma “tripla-opção”4 (Art. 7.º Dec.-Lei n.º 149/95):
1) adquirir o bem, pagando o valor residual; 2) restituir o bem, extinguindo o contrato; ou 3) esgotado o prazo convencionado, o cliente (locatário financeiro) pode escolher prorrogar o contrato por um novo período.
Analisada a noção desta figura, retira-se que o mesmo constitui um contrato bilateral5, sinalagmático, oneroso, comutativo, por tempo indeterminado e de execução diferida.
Ora, o contrato de locação financeira goza de um regime próprio (Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho) – tendo alguns preceitos deste diploma sido alterados com a entrada em vigor dos Decreto-Lei n.º 265/97, de
2 de Outubro e, mais recentemente, do Decreto-Lei n.º 285/2001, de 3 de Novembro e do Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de Fevereiro – no entanto, o leasing pode ainda integrar-se no âmbito de aplicação do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro)6.
2 Móvel ou imóvel – Art. 2.º (objecto) e Art. 6.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.
3 A locação financeira encontra-se reservada a determinadas pessoas jurídicas do sistema financeiro: o locador financeiro terá de ser um banco ou uma sociedade de leasing, entidades que estão sujeitas ao rigoroso e imperativo RGICSF (Art. 4.º/1, b); Art. 6.º/1, iii) e Art. 8.º/2 do Decreto-Lei n.º 298/92, que passa pela concessão de autorização pelo Banco de Portugal, tendo em consideração a particular natureza da actividade financeira que tais entidades desenvolvem.
4 Atente-se no termo “opção”: é nula a cláusula que obrigue o cliente a adquirir o bem (Art. 7.º, 1.º parte, e Art. 9.º/1, c) proíbem cláusulas automáticas).
5 O Tribunal da Relação de Coimbra descreveu o contrato de locação financeira, no Acórdão 2677/12.5TBFIG.C1, como tendo estrutura trilateral, diferentemente do que sucede com a locação com opção de compra, locação-venda e venda a prestações com reserva de propriedade. Contudo, importa salientar que, apesar desta estrutura trilateral (locador; locatário e fornecedor), o contrato de leasing é um contrato bilateral. Com efeito, afigura-se-nos correcto considerar o contrato de locação financeira como sendo um contrato complexo, gerador de um feixe de contratos/relações bilaterais autónomas: uma primeira, entre locador e fornecedor, uma segunda, atinente ao locador e locatário (vide Arts. 9.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 149/95), e, eventualmente, uma última, entre o locatário e o fornecedor (v. Art.º 12.º do diploma supramencionado).
6 Em boa verdade, é prática comum os locadores financeiros elaborarem prévia e unilateralmente cláusulas contratuais gerais que se destinam a ser incluídas em todos os contratos de locação financeira que venham futuramente a celebrar.
CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO
No que concerne à forma, os contratos de leasing podem, em regra, ser celebrados por documento particular (Art.º 3.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 149/95).
No entanto, caso o objecto do contrato seja um bem imóvel, exige-se o reconhecimento da assinatura das partes como autênticas (Art.º 3.º, n.º 2, do mesmo diploma) e, na eventualidade de se tratar de um bem sujeito a registo, este deverá ser levado a efeito (n.º 5 do mesmo preceito legal)7.
Relativamente ao já aludido prazo, cujo decurso abre o leque de opções anteriormente elencado (Art.º 7.º do regime em análise), este encontra-se sujeito aos limites previstos no Art.º 6.º: de facto, o prazo de locação de coisas móveis não deve ultrapassar o correspondente ao período presumível de utilização económica da coisa (Art.º 6.º, n.º 1); por outro lado, o n.º 2 do mesmo preceito estabelece um limite máximo inultrapassável e, finalmente, resulta do n.º 3 que, na falta de estipulação de prazo se considera o contrato celebrado pelo prazo de 18 meses ou de 7 anos, consoante se trate de bens móveis ou imóveis.
Neste seguimento, surge uma questão impreterível: a de saber em que momento se inicia a contagem dos referidos prazos.
Ora, a solução resulta expressamente da lei, determinando o Art.º 8.º que o contrato de leasing, por norma, produz efeitos a partir da data da sua celebração (n.º 1), mas que as partes podem, ainda assim, condicionar o início da sua vigência à efectiva aquisição ou construção, quando disso seja caso, dos bens locados, à sua tradição a favor do locatário ou a quaisquer outros factos (n.º 2).
No que ao “preço” (valor residual) diz respeito, segundo disciplinava o revogado Art.º 4.º, a primeira renda deveria ser paga antes de findar o primeiro
7 Este modelo revela-se mais adequado do que o previsto no Dec.-Lei n.º 171/79 – no qual a locação financeira de imóveis tinha de ser efectivada por meio de escritura pública – uma vez que tem menor custo e é mais simples e célere, como exigem as relações comerciais.
ano do contrato, não podendo também as demais rendas ser fixadas em prazo igualmente superior a um ano.
Enfim, no mínimo ter-se-ia a previsão de pagamento de uma renda por ano e esta não podia ser mensurada em valor inferior aos juros decorrentes do período por ela compreendido.
Definia o revogado normativo, portanto, limites temporais e quantitativos mínimos para as rendas.
Por outro lado, previa também no seu Art.º 5.º a possibilidade de redução das rendas proporcionalmente à eventual redução do preço do objecto da locação financeira, caso houvesse incumprimento de qualquer cláusula contratual por parte do fornecedor, do empreiteiro, ou por defeito do bem locado.
Todavia, esta não é mais a realidade actual.
Efectivamente, a lei deixou de prever critérios para a fixação do valor das rendas e tampouco marcos temporais mínimos para o seu pagamento, entendendo-se hoje que essa regulação cabe ao próprio mercado, atendendo à livre concorrência, bem como às peculiaridades de cada caso8.
Isto não significa que as rendas deixaram de ter o conteúdo material de outrora, elas continuam a corresponder à retribuição pelo valor do bem, pelos juros e por eventuais despesas resultantes do contrato, apenas não se encontram determinados os seus prazos.
O RISCO
8 Neste sentido, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 285/2001: “a experiência colhida da aplicação do regime jurídico do contrato de locação financeira (…) tem vindo a demonstrar que a disciplina de certos aspectos desse contrato, hoje regulado por normas imperativas, deve ser regulado pelas regras gerais de direito, quando as partes, no exercício da sua liberdade de conformação do conteúdo negocial, não estabeleçam as cláusulas contratuais que melhor se acomodem aos objectivos que visam prosseguir. Considera-se, pois, que a transparência das condições contratuais e a livre concorrência consubstanciam formas adequadas de acautelar a protecção dos consumidores dos serviços prestados pelas instituições habilitadas à realização de actividades de locação financeira”.
Considerando que é o locatário que beneficia da fruição do bem, será natural que, salvo estipulação em contrário, o risco corra por conta deste, como resulta expressamente do Art.º 15.º do Dec.-Lei n.º 149/95 (“Ubi commoda, ibi incommoda”).
INCUMPRIMENTO
Havendo incumprimento das obrigações de uma das partes, pode a outra socorrer-se dos mecanismos consagrados na lei, designadamente, fazendo cessar o contrato através da resolução (Art.º 17.º do Dec.-Lei n.º 149/95), havendo, nesse caso, que se proceder ao cancelamento do registo, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal.
Para além destes casos em que qualquer das partes pode resolver o contrato ante o incumprimento da outra, a lei prevê, no seu Art.º 18.º, casos específicos de resolução por parte do locador.
Numa palavra: em termos práticos e apesar das características específicas que lhe subjazem, o contrato de leasing não é mais do que um contrato de locação circunscrito a determinados locadores (bancos e sociedades de leasing), com opção de compra (por parte do locatário) no final, onde se estipulam tanto as rendas, como o valor da venda (valor residual).
Tendo a flexibilidade como sua grande vantagem, os contratos de locação financeira estão hoje muito em voga, motivo pelo qual o seu regime continua a convocar, de forma cada vez mais assídua, a doutrina e a jurisprudência no sentido de acompanhar e facilitar a sua aplicação prática.
Em matéria de aconselhamento prévio ou permanente ou em caso de litígio ou de contencioso consulte sempre um advogado.
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