O Contrato Português Contratual
Universidade de Lisboa
Faculdade de Direito
O Contrato Português Contratual
13.467/2017
de
e no
Trabalho Intermitente
a
Introdução
desta
no Direito
Modalidade
Direito Brasileiro Através da
Lei
Xxxxxxx Xxxxxxxxx
MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICO-LABORAIS
SOB A ORIENTAÇÃO DA PROFESSORA DOUTORA XXXXX XX XXXXXXX XXXXX XXXXXXX
2017
Agradecimentos:
O mestrado em Lisboa era um sonho antigo, que foi interrompido antes de começar, ainda no ano 2000, quando fui aprovada em primeiro lugar no concurso do Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região para o cargo de Juíza do Trabalho Substituta.
Após quase catorze anos de carreira, a ideia surgiu de novo em uma seleção para fazer o XVI Curso Pós-Graduado de Especialização em Direito do Trabalho do Instituto de Direito do Trabalho – IDT, da Universidade de Lisboa, ocasião em que pensei: por que não me inscrever também para o Mestrado?
Assim, extremamente feliz por ter tomado a decisão de que eu seria capaz de cursar o Mestrado e a Especialização ao mesmo tempo, agora é tempo de agradecer.
Agradeço, | primeiramente, à | minha | Orientadora, |
Professora Doutora | Xxxxx xx Xxxxxxx | Xxxxx | Xxxxxxx, que |
tanto me inspirou desde os primeiros dias de aula. Agradeço pela confiança ao me aceitar como orientanda, agradeço pelos ensinamentos e pelo exemplo que foi nessa experiência única que vivi ao cursar o Mestrado em Ciências Jurídico- Laborais.
Sou ainda muito grata ao Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região, onde trabalho desde 01.12.2000, por ter sido autorizada a me afastar da jurisdição por dois anos a fim de realizar este projeto. Esta licença só foi possível graças à Desembargadora Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx, que, enquanto Presidente do TRT8, autorizou minha licença cultural, e aos Desembargadores Xxxxxx Xxxxxx Xxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, que, enquanto Corregedor Regional e
Diretor da Escola Judicial respectivamente, opinaram pela minha liberação. Assim, agradeço imensamente ao três Desembargadores citados pelo apoio e pela confiança.
Não posso deixar de agradecer ainda ao meu colega de Mestrado Xxxxx Xxxxx, cuja ajuda foi imensurável, desde a escolha do tema até a entrega da Dissertação, e por todo o período de pesquisa, sempre disponível e disposto a ouvir, a opinar, e a buscar artigos interessantes. Não tenho palavras para demonstrar minha gratidão pela ajuda tão significativa e inesperada.
Sou ainda muito grata à minha amiga Xxx Xxxxxx Xxxxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx, por ter me aconselhado a cursar o mestrado, por me fazer sair da minha zona de conforto e arriscar.
Devido à necessidade de conciliar a redação da presente Dissertação com o retorno à rotina do trabalho no Brasil, e com a difícil mas gratificante atividade de ser mãe de um lindo e agitado menino, agradeço a todos os amigos que me apoiaram de diversas maneiras, que ficaram com meu filho para que eu pudesse me concentrar para escrever a Dissertação ou ficar no trabalho até mais tarde, que me ajudaram a resolver os problemas do dia a dia de modo que tudo fosse possível mesmo quando parecesse não haver chance de isso tudo dar certo, aos meus servidores e colegas de trabalho que tanto me auxiliaram para que sobrasse algum tempo para estudar. Foram muitos os amigos que ajudaram a multiplicar as horas dos meus dias, aos quais agradeço sem pretensão de citá-los todos. Representando todos estes amigos que sempre estiveram ao meu lado, eu agradeço ao querido casal Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx.
Agradeço à minha amiga Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx pela inestimável ajuda no tocante à língua inglesa.
Enfim, não poderia deixar de citar a minha querida família. Minha mãe, Xxxxx Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxx, uma heroína, um exemplo de vida, sempre disposta a fazer o que fosse necessário para me ajudar. Sempre, sem que parecesse ser qualquer esforço. Foi aquela que, em face de qualquer dificuldade diante de tamanha mudança, sempre se colocou como a solução do problema. Sempre lançou luz no meu caminho quando eu não enxergava. Eu tenho muita sorte. Obrigada mãe. Xxxxxxxx ainda ao meu pai, Xxxxxxx Xxxxxxxxx, por mostrar que a vida pode ser leve mesmo com tanto por fazer, mesmo diante das adversidades. Xxx, obrigada por me mostrares que o copo está sempre meio cheio. Aos dois por me fazerem, desde a infância, ver que trabalho e prazer podem ser a mesma coisa. À minha irmã, Xxxxx Xxxxxxxxx, pela parceria nesse período morando em Lisboa, pelo carinho com meu filhote e por toda a ajuda com que pude contar. Ao meu irmão Xxxx Xxxxxxxxx, por alegrar nossas vidas. Enfim, ao meu filho, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, por ser a luz da minha vida, e ao pai dele, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx, por ter autorizado que eu levasse Xxxxxx à Lisboa por dois anos, pois se assim não fosse, nada disso teria sido possível.
Índice
II – A CRISE DO ESTADO SOCIAL E AS TENDÊNCIAS DE FLEXIBILIZAÇÃO 16
1. Século XIX – A Questão Social 16
2. Século XX – Trinta Anos Gloriosos 18
3. Mudança de Rumo – O Novo Liberalismo 23
III - O CTI EM OUTROS ORDENAMENTOS JUSLABORAIS NA UNIÃO EUROPEIA 31
IV – A INTRODUÇÃO DO CTI NO ORDENAMENTO PORTUGUÊS 42
1.1 - Contrato de Trabalho a Termo 44
1.3 - Lei 4/2008, de 7 de Fevereiro – Contrato de Trabalho dos Profissionais de Espetáculos 47
2. Código do Trabalho de 2009 49
1. Só pode ser celebrado através de um contrato por tempo indeterminado 54
2. Atividade descontínua ou de intensidade variável da empresa 58
3. Prestação de trabalho intercalada por um ou mais períodos de inatividade 61
4.1 - Compensação retributiva em CTI à chamada 65
4.2 – Compensação retributiva em CTI alternado 67
VI – DIFERENÇAS ENTRE O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE E AS DEMAIS MODALIDADES CONTRATUAIS 71
2. CTI x contrato temporário 75
3. CTI x contrato a tempo parcial 76
VII - DIREITOS E DEVERES DO TRABALHADOR INTERMITENTE 81
VIII – QUESTÕES CONTROVERTIDAS 89
1. Períodos de inatividade - Natureza jurídica da compensação retributiva 89
2. Trabalho suplementar no CTI 99
3. Contrato comum pode passar para intermitente? 101
4. Licitude de eventual cláusula de exclusividade 107
5. Afastamento de norma por CCT 109
6. Dever de ocupação efetiva 116
IX – O CONTRATO DE TRABALHO NO DIREITO BRASILEIRO 120
1. Noções básicas acerca do desenvolvimento do Direito do Trabalho no Brasil 120
2. A Constituição Federal de 1988 e o Direito do Trabalho 126
3. Os contratos de trabalho subordinado na CLT 129
X – A INTRODUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE NO BRASIL COM A APROVAÇÃO DA LEI nº 13.467/2017 E AS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA MEDIDA PROVISÓRIA 808/2017 131
1. Metodologia 131
2. A introdução do CTI no Direito Brasileiro – Lei 13.467/2017 132
2.1 – Contrato intermitente como terceira via 133
2.2 – Forma 135
2.3 – Convocação 135
2.4 – Penalidade 137
2.5 – Período de inatividade 139
2.6 – Contraprestação 141
XI – UMA BREVE COMPARAÇÃO ENTRE O CTI PORTUGUÊS E O BRASILEIRO 162
XII - CONCLUSÕES 168
Bibliografia 182
Ac. – Xxxxxxx
ACT - Acordo Coletivo de Trabalho al. - Alínea
art.- Artigo arts. – Artigos Cap. - Capítulo CC - Código Civil
CCT-Convenção Colectiva de Trabalho/Contrato Colectivo de Trabalho
CE – Comissão Europeia Cf. – Conforme
CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CTI – Contrato de trabalho intermitente CRP - Constituição da República Portuguesa CT – Código do Trabalho de 2009
CT2003 – Código do Trabalho de 2003 DL – Decreto Legislativo
ed. – edição
FGTS – Fundo de garantia por tempo de serviço
IRCT – Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho LCCT – Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho LCT - Regime Jurídico do Contrato de Trabalho
LD - Lei dos Despedimentos MP – Medida Provisória
nº - número
nr. – nota de rodapé
Ob.cit.- Obra citada anteriormente
OIT – Organização Internacional do Trabalho p.- Página
pp.- Páginas
QL – Questões Laborais
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TRT8 - Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região TST – Tribunal Superior do Trabalho
Séc. - Século ss. – Seguintes
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça STJ - Supremo Tribunal de Justiça Sum. - Súmula
Trad. – Tradução v.- Versus
vd.- Vide Vol.- Volume
O presente estudo tem por objetivo analisar a estrutura do Contrato de Trabalho Intermitente no Direito Português, bem como a maneira com que esta modalidade contratual veio a ser recentemente introduzida no ordenamento juslaboral brasileiro.
Para tanto, foi necessário primeiramente compreender as transformações históricas, sociais e econômicas responsáveis por alçar o direito do trabalho aos textos constitucionais e, posteriormente, por impulsionar a sua crescente flexibilização.
Diante da constatação de que as relações de trabalho não são mais as mesmas que justificaram a fundação do Direito do Trabalho à época da Questão Social, passou-se ao estudo sobre como se deu a introdução de tal modalidade contratual no Direito Português, com referência expressa à Lei 4/2008, de 7 de fevereiro, restrita aos profissionais de espetáculos, e finalmente com o Código do Trabalho de 2009, que efetivamente instituiu o Contrato Intermitente para a generalidade dos trabalhadores.
Em seguida, a pesquisa se detém a esmiuçar os elementos estruturais do Contrato Intermitente, identificando como tal a) a natureza indeterminada do contrato, b) atividade descontínua ou de intensidade variável, c) a alternância de períodos de atividade com períodos de inatividade, d) a previsão de contrapartida que será retribuição nos períodos de atividade e compensação retributiva em períodos de não trabalho, e, por fim, e) as exigências de forma.
Considerando que pode haver confusão ou sobreposição com outras modalidades contratuais, fez-se necessária uma comparação entre o CTI e outras modalidades como contrato a termo, contrato temporário e contrato a tempo parcial.
Bem compreendidos os limites do contrato de trabalho intermitente, os direitos e deveres dos trabalhadores foram objeto de pesquisa, com a identificação de pontos controvertidos e omissos.
Depois da análise profunda do instituto, foram identificadas questões controvertidas sobre as quais foi feito um estudo mais detido, a fim de buscar soluções e interpretações possíveis.
Nos capítulos seguintes, a pesquisa voltou-se ao direito brasileiro, primeiramente com uma perspectiva histórica, para, enfim, tratar sobre o contrato intermitente instituído pela Lei n.º 13.467/2017 e posteriormente alterado pela Medida Provisória de n.º 808, de 14 de Novembro de 2017.
Ao final, depois de comparar o contrato intermitente brasileiro com o português, chegamos às conclusões finais acerca das questões controvertidas discutidas, acerca das perspectivas para o contrato intermitente em Portugal e no Brasil, ressaltando quanto a este último, uma análise especial sobre a sua legalidade e constitucionalidade.
PALAVRAS-CHAVE: Contrato de Trabalho Intermitente; Direito Português; Direito Brasileiro; flexibilização; segurança no emprego; inconstitucionalidade.
This study aims to analyze the structure of the Intermittent Employment Contract in Portuguese law, and the way this type of contract came to be newly introduced in the Brazilian Labor and Employment law.
To that end, we must first understand the historical, social and economic transformations responsible for anchoring labor law to the constitutional texts and for, later, boosting its increasing flexibility.
Given the fact that labor relations are not the same as the ones that justified the foundation of labor law at the time of the “Social Issues,” we proceeded to the study of the introduction of such a contractual arrangement in Portuguese law, with specific reference the Law 4/2008, of February 7, restricted to performance professionals, and finally with the Labor Code of 2009, which effectively established the Intermittent Contract for workers more generally.
Then, the study focuses on and scrutinizes the structural elements of the Intermittent Contract, identifying as such a) the indeterminate nature of the contract, b) discontinuous activity or activity of varying intensity, c) the alternating between periods of activity and periods of inactivity, d) the forecasting of the exchange between a return for periods of activity and compensatory remuneration for periods of not working, and, finally e) the form requirements.
Given that there may be confusion or overlap with other contractual arrangements, a comparison was needed between the Intermittent Employment Contract and other
arrangement, such as term contracts, temporary contracts and part-time contracts.
Once the limits of the intermittent employment contract are well understood, the study focuses on the rights and responsibilities of workers, along with the identification of controversial and omitted points.
After a deep analysis of the subject matter, controversial issues were identified and further study followed in order to find solutions and possible interpretations.
In the following chapters, the research turned to Brazilian law, first with a historical perspective, to finally deal with the intermittent contract established by Law No. 13,467 / 2017 and later modified by Provisional Measure of 808, of November 14, 2017.
At the end, after comparing the Brazilian intermittent contract with the Portuguese, we come to final conclusions about the controversial issues discussed, about the prospects for intermittent contracts in Portugal and Brazil, and, with respect to the latter, a special analysis of its legality and constitutionality.
KEY-WORDS: Intermittent Employment Contract; Portuguese Law; Brazilian Law; flexibility; job security; unconstitutionality.
O contrato de trabalho intermitente foi inserido no ordenamento jurídico português através do Código do Trabalho de 2009, tratando-se, portanto, de recente modalidade contratual, o que por si só já justificaria a necessidade de estudar o tema.
Contudo, o interesse no assunto vai muito além da sua novidade. Trata-se de modalidade contratual que se ajusta às flutuações do mercado naquelas empresas que exercem atividades descontínuas ou que tenham intensidade variável.
Portanto, pode-se identificá-lo primeiramente como um mecanismo de flexibilização laboral, uma vez que é o empregador quem “gere aquela intermitência”1, definindo, dentro dos parâmetros da lei, quando há trabalho e quando este será paralisado, bem como permite que o empregador, nos períodos de inatividade, reduza consideravelmente a retribuição do trabalhador.
Ao mesmo tempo, o CTI também consiste em um instrumento para reduzir a precarização, haja vista tratar- se de efetivo contrato por prazo indeterminado, evitando a contratação por sucessivos contratos de trabalho a termo, bem como as consequências perversas de tal procedimento.
O CTI é a mais nova modalidade de contrato de trabalho atípico no Direito Português. Como muito bem refere Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, poderíamos ser tentados a “associar precariedade e atipicidade, dado o desfavorecimento estatutário que ambas parecem partilhar”2,
1 J. XXXX XXXXX/X. XXXXX XXXXXXX, Contrato de Trabalho Intermitente, in
A. Xxxxxxx (coord.), XXI Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Coimbra, 2009, pp. 123.
2 M. XXXXXX XXXXXXX, Relações Atípicas de Emprego (A Cautionary Tale),
contudo, a autora ressalta que parificar emprego precário com relação atípica de trabalho seria não apenas “conceptualmente inútil” como “metodologicamente” errôneo34.
A precariedade se manifestaria, então, não na modalidade contratual eleita, mas sim na “síndrome de insegurança, de fragilidade que pode atingir o emprego público ou privado, típico ou atípico, duradouro ou temporário, a tempo completo ou parcial”5.
A flexibilidade, por sua vez, é um conceito empregado de forma tão corrente, com tanta intensidade, seja nas manchetes de jornais, nos noticiários de economia, em projetos de leis, em discursos políticos, “que a sua amplitude e o seu concreto significado quase desapareceram no pântano da ambiguidade dos lugares comuns”6.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx diferencia precarização e flexibilização caracterizando a primeira como “uma síndrome fortuita da relação de emprego” e a segunda como um efeito de contrariedade à rigidez laboral7.
Sendo flexibilização e precarização dois fenômenos tão atuais e de grande relevância para as relações laborais e para o próprio direito do trabalho, uma figura jurídica como o CTI, que traz a possibilidade de adequar o contrato
Tese de Doutoramento, Universidade do Porto, 2014, pp. 42-43.
3 M. XXXXXX XXXXXXX, Relações Atípicas de Emprego, ob. cit., p. 43.
4 “No terreno em que o Direito e a Economia se cruzam, a precariedade reflui assim sobre a regulamentação do trabalho e, por consequência, sobre a própria concepção de relação atípica de emprego, mas sem que a proximidade das duas noções permita a sua sobreposição, uma vez que a conexão entre ambas opera numa via unidirecional. A atipicidade é susceptível de potenciar a precariedade, mas nem a precariedade se deve exclusivamente à existência de relações de emprego não típicas nem a sua categorização pode ser juridicamente significante, ao invés do que acontece com a atipicidade.” M. XXXXXX XXXXXXX, Relações Atípicas de Emprego, ob. cit., p. 50.
5 M. XXXXXX XXXXXXX, Relações Atípicas de Emprego, ob. cit., pp. 44-45.
6 M. XXXXXX XXXXXXX, Relações Atípicas de Emprego, ob. cit., pp. 51.
7 M. XXXXXX XXXXXXX, Relações Atípicas de Emprego, ob. cit., p. 53.
de trabalho às necessidades do mercado, sem no entanto atingir o princípio constitucional da segurança no emprego, desperta atenção e curiosidade.
O contrato de trabalho intermitente é um tema rico, pleno de contradições e ainda pouco estudado.
A sua natureza, que congrega flexibilização com estabilidade, revela uma forma sagaz de adaptação do direito à realidade da vida, uma vez que a necessidade sazonal do trabalho sempre existiu e sempre existirá.
A lei veio então incorporar no cardápio das modalidades atípicas de contratos de trabalho uma modalidade de contrato que permite a adaptação a esta realidade e, ao mesmo tempo, o respeito pelo princípio constitucional da estabilidade e segurança no emprego.
Nos capítulos seguintes pretendo analisar de forma crítica tal modalidade contratual, seus elementos estruturais, suas características e controvérsias no ordenamento jurídico português.
Várias questões serão enfrentadas no decorrer do presente estudo, sendo minha pretensão conseguir analisá- las e respondê-las, ou, na impossibilidade de respondê-las, ao menos provocar a reflexão e o debate a respeito do tema.
15
Por fim, diante da recente introdução do CTI no direito brasileiro através da Lei 13.467/2017, complementada pela mais recente ainda MP 808/2017, como no Brasil a realidade do direito do trabalho é bem diferente da portuguesa, na medida em que inexiste, ao menos de forma ampla, princípio da segurança no emprego, interessa refletir acerca da forma como se configurou o instituto do CTI no Direito Brasileiro, sobre a sua adequação e mesmo sobre a constitucionalidade da utilização da modalidade contratual ora estudada no contexto brasileiro.
II – A CRISE DO ESTADO SOCIAL E AS TENDÊNCIAS DE FLEXIBILIZAÇÃO
1. Século XIX – A Questão Social
No século XIX, o mundo ocidental vivia sob a égide do pensamento liberal, estruturado desde o século anterior através de autores fundamentais como Xxxx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxx- Xxxxxxxx Xxx, Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxx e John Stuart Mill8.
A hegemonia do pensamento liberal se manteve durante o século XIX. Contudo, esse capitalismo liberal sem qualquer restrição, combinado com a revolução industrial, e com a massificação do trabalho assalariado, culminaram em uma grave questão social9 no fim do século, permitindo que tomassem força as críticas a este sistema descontrolado de exploração.
A revolução industrial transformou as relações de produção, potencializando a produtividade com a introdução de máquinas a vapor. Foi o fim da relação pessoal entre mestres e aprendizes, pois para trabalhar nas fábricas não era mais necessário que o trabalhador dominasse o ofício em todas as suas etapas, logo trabalhadores sem qualquer
8Para uma relação das obras mais relevantes de cada autor referido M. XXXXXXX XXXXXXX, Capitalismo, Trabalho e Emprego – Entre o Paradigma da Destruição e os Caminhos da Reconstrução, 2ª edição, São Paulo: LTR, 2015, pp. 73.
9Nas palavras de M. R. Xxxxx Xxxxxxx, Tratado de Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, 3ª ed., Coimbra, p. 43: “por esta época em que o trabalho fabril é já um fenómeno de massas, por força de uma industrialização crescente e suportada pelo êxodo das pessoas para os centros industriais, extremam-se também os abusos dos empregadores sobre os trabalhadores em matéria de tempo e de condições de trabalho e as condições de vida do operariado sofrem uma deterioração sem precedentes. Fica assim demonstrada a fraqueza do dogma da liberdade contratual quando esta é exercitada por sujeitos com um poder económico muito diferente”
qualificação podiam operar as máquinas em linhas de produção. Deu-se, então, a separação entre os trabalhadores e os meios e instrumentos de produção10.
Diante da expansão do trabalho fabril, foi crescente o êxodo de trabalhadores dos campos para as cidades, para suprir a necessidade de mão-de-obra.
As consequências devastadoras da questão social foram desde cedo denunciadas por pensadores de ideologia marxista, e, mais tarde, pela Igreja Católica, especialmente através da Encíclica Rerum Novarum11, em 1891.
É neste contexto que nasce o direito do trabalho, e se funda em dois objetivos: primeiramente, visa reequilibrar a relação havida entre as partes deste contrato tão peculiar, que já não cabia mais nos parâmetros do direito civil12, a fim de proteger a parte mais
10A classe operária era, nas palavras de Xxxxxxxx Xxxxx: “toda uma ralé fatigada, sórdida, andrajosa, esgotada pelo trabalho e pela subalimentação; inteiramente afastada das magistraturas do Estado; vivendo em mansardas escuras, carecida de recursos mais elementares de higiene individual e coletiva; oprimida pela deficiência dos salários; angustiada pela instabilidade do emprego; atormentada pela insegurança do futuro próprio e da prole; estropiada pelos acidentes sem reparação; abatida pela miséria sem socorro; torturada na desesperança da invalidez e da velhice sem pão, sem abrigo, sem amparo”, por A. SÜSSEKIND/D. MARANHÃO/S. VIANA/L. XXXXXXXX, Instituições de Direito do Trabalho, 22ª edição, Vol. 1, São Paulo: LTr, 1993, p. 35.
11M. R PALMA RAMALHO, Tratado I, ob. cit., p. 43: “a Igreja Católica condena firmemente a exploração dos operários pelos industriais e os excessos do Liberalismo económico e apela à protecção e à dignificação do operariado. Já as ideologias marxistas emergentes analisam o quadro descrito a partir de uma perspectiva económica (enfatizando a recondução do trabalho a um factor de produção, a par do capital), na qual fazem assentar o princípio da luta de classes, e apelam ao associativismo sindical, como meio de ultrapassar a debilidade negocial dos operários ao nível dos respectivos contratos de trabalho”.
12 A. SUPIOT, Pourquoi un droit du travail?, Droit Social, n.º 6, Juin 1990, p. 487, “De même, le droit civil et le droit du travail ont finalement la même raison d´ètre, qui est de ‘civiliser’ les relations sociales, c’est-à-dire d’y substituer des rapports de droit aux rapports deforce. Mais tandis que le droit civil des obligations évolue sur un terrain solide – celui du sujet de droit, maître de son corps et de sa volonté. – celui-ci fait défaut en matière de travail
vulnerável da relação de trabalho dependente; contudo, também teve como função primordial a tentativa de estabilizar as tensões sociais e os conflitos advindos como consequência da proliferação do trabalho subordinado e da questão social emergente13.
Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx refere dois processos históricos que foram essenciais à “génese do Direito do Trabalho: primeiro a organização e mobilização do proletariado industrial (movimento operário) a partir da ‘consciência de classe’, que articula uma reacção de auto- tutela colectiva dos próprios trabalhadores face à sua injusta situação; e, segundo, a intervenção do Estado no problema social através de uma legislação protectora do trabalho assalariado (legislação operária)”14.
Nesta origem do Direiro do Trabalho se encontram justamente as normas que visavam a limitação das jornadas de trabalho. Assim, “Esta temática é, pois, como que a marca de origem do Direito do Trabalho, o seu ADN, a sua certidão de nascimento”15.
2. Século XX – Trinta Anos Gloriosos
Já no Século XX, com a profunda recessão que se instaurou nas primeiras décadas, tendo como ápice a quebra
salarié. Ce dernier en effet comporte deux impératifs structuraux que le droit des obligations est incapable de satisfaire et qui l’y rende inopératoire: lóbjectivation du corps humain et la subordination de la volonté”.
13 Para XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXX, O Futuro do Estado Social, Lisboa, 2013, p. 17, “a principal preocupação dos Estados era a manutenção da ordem pública, o controlo do movimento das populações, a gestão do mercado laboral, mais do que propriamente o bem-estar dos mais pobres”.
14 M. C. XXXXXXXXX XXXXX, Direito do Trabalho e Ideologia, Trad. A. XXXXXXX, Coimbra, 2001, p. 24.
15 A. XXXXXXX, Flexibilidade Temporal, in A. XXXXXXXX XXXXXXXXX (coord.), Estudos de Direito do Trabalho em Homeganem ao Prof. Xxxxxx Xxxxxx Xxxx, p. 106.
da bolsa de Nova Iorque, em 1929, e diante das brutais taxas de desemprego, que via de regra passavam dos 20% nos Estados Unidos e em Países Europeus16, o mundo viveu uma fase de ceticismo em relação ao capitalismo clássico, de matiz liberal, pois percebeu-se que a economia não se recuperaria simplesmente através da livre concorrência. Foram abandonados, então, os princípios do liberalismo e o Estado mínimo.
A recuperação do capitalismo, naquele contexto histórico, era urgente, na medida em que surgia, em 1917, uma alternativa concreta ao capitalismo: o socialismo.
Assim, depois da grave crise de 1929, que persistiu pelos anos subsequentes e que foi atropelada por duas guerras mundiais, sobre os escombros do capitalismo liberal “estruturou-se a hegemonia cultural de nova vertente explicativa do funcionamento do sistema capitalista, consubstanciada na escola neoclássica intervencionista ou reformista”17.
Foi com Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx que esta nova teoria “ganhou sistematização e consistência”18, ao publicar A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, em 1936, e a noção do trabalho enquanto valor atinge seu ápice19.
No Xxx Xxxxxxx, o Plano Beveridge (1942) veio fundar o Welfare State20 britânico, que seria financiado
16Segundo M. XXXXXXX XXXXXXX, Capitalismo, Trabalho e Emprego, ob. cit., p. 72, estas circunstâncias foram “provocadas pela gestão descontrolada da economia que o liberalismo tanto elogiava e impunha. A profundidade e a generalização desse desastre, tudo conduziu ao fim da hegemonia dessa matriz de explicação e gerenciamento da vida socioeconômica”.
17M. XXXXXXX XXXXXXX, Capitalismo, Trabalho e Emprego, ob. cit., p. 75. 18M. XXXXXXX XXXXXXX, Capitalismo, Trabalho e Emprego, ob. cit., p. 75. 19idem.
20 “O Estado-providência, também conhecido como Estado de Bem Estar Social ou Welfare State, foi positivado pela primeira vez por Xxxxxxxx. A inauguração dessa nova era ocorreu na Prússia entre 1883 e 1891, inicialmente com a cobertura da doença, acidentes de trabalho e
por todas as pessoas em idade de trabalhar, a fim de que o Estado pudesse outorgar subsídios a doentes, desempregados, reformados e viúvas. Tais prestações não tinham conotação de caridade, mas sim de direitos dos cidadãos. O objetivo de Xxxxxxxxx era combater os cinco grandes males da sociedade, quais sejam, a escassez, a doença, a ignorância, a miséria e a ociosidade, e sustentar que as pessoas tivessem um nível mínimo de vida, abaixo do qual nenhum cidadão deveria viver21.
Com o acordo de Bretton Woods22 (1944), estabelece- se um novo padrão monetário, o ouro-dólar, com garantia de conversibilidade, além da estipulação de taxas de juros baixas e fixas, muitas vezes em percentual inferior à taxa de inflação.
No pós-guerras, os países europeus, bem como o Japão, tinham como prioridade absoluta recuperar-se dos danos sofridos23.
Este foi resumidamente o contexto permitiu trinta anos de crescimento econômico e desenvolvimento social, conhecido como Anos Gloriosos, ou, como denominou Xxxx Xxxxxxxx, “os Anos Dourados”24, durante os quais
invalidez e velhice e mais tarde com a legislação específica sobre condições de trabalho”, XXXXXXXX XXXXXXXXX, Princípio do não retrocesso social. Despedimento em incumprimento das formalidades legais – Acesso ao subsídio de desemprego, QL, Ano XX, n.º 41, 2013, p. 115.
21A. XXXXXX XXX XXXXXX, Vida, Morte e Ressurreição do Estado Social?, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 6, nº 1, Julho de 2013, pp. 42-43, nr. nº 16.
22 XXXXX XXXXXXXXXX, Introdução - Globalização ou ‘pax’ americana?, in Xxxxxxx Xxxx de Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxx (org.), Globalização, Neoliberalismo e o Mundo do Trabalho, Curitiba: IBEJ, 1998, 13.: “Os termos dos acordos consistiam, de um lado, na paridade fixa do dólar com o ouro e, de outro, na taxa de câmbio fixa e ajustável com o dólar para as demais moedas participantes.”
23E. HOBSBAWN, Era dos Extremos – O breve século XX 1914-1991, 2ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 254: “Nos Estados não comunistas, a recuperação também significava deixar para trás o medo da revolução social e avanço comunista”.
24E. HOBSBAWN, Era dos Extremos, ob. cit., p. 253.
desenvolveu-se a estrutura do Estado de bem-estar social, período em que o Estado passou a intervir na economia e a ter responsabilidades inclusive empresariais.
A busca do pleno emprego também foi um corolário defendido no acordo de Xxxxxxx Xxxxx, e na década de 1960, na Europa, o desemprego alcançava em média o índice de 1,5%.
Não se vislumbrando qualquer motivo para duvidar de que “tudo na economia iria para a frente e para o alto eternamente (...) a Europa veio a tomar sua prosperidade como coisa certa”25.
Nessa realidade de pleno emprego, de crescimento econômico e de otimismo, as organizações sindicais ganham força e percebem a conjuntura favorável para buscar melhores condições de trabalho, eis que com o baixíssimo índice de desemprego, inexiste excedente de mão de obra que possa constituir mercado de reserva.
No decorrer do século XX, o direito do trabalho floresceu de maneira vigorosa. Foram estabelecidas condições de trabalho mínimas e reguladas as situações envolvendo acidentes de trabalho, “deveres de cuidado do empregador” face à pessoa do empregado, questões sobre invalidade de contratos, adaptando o regime civilista comum às especificidades dos contratos de trabalho assalariado26.
Ademais, a faceta coletiva decorrente da relação laboral trouxe elementos novos à realidade jurídica, estranhos à relação contratual comum. Os movimentos associativos deixaram de ser objeto de proibição legal, o que permitiu seu fortalecimento e o incremento da negociação coletiva, inclusive com a admissão da greve,
25E. HOBSBAWN, Era dos Extremos, ob. cit. p. 254.
26M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado I, ob. cit., p. 53.
primeiramente como uma liberdade e posteriormente como verdadeiro direito dos trabalhadores27.
Também é nos anos gloriosos que se formam os fundos públicos que vão permitir a conquista de direitos aos trabalhadores nunca antes imagináveis. O Estado passa a investir em educação, com a criação de escolas públicas, com garantia de renda aos pais que mantivessem os filhos na escola; passa a investir em saúde pública, em subsídios ao transporte e à moradia, que se caracterizam como salário indireto, liberando, portanto, grande parte do salário do trabalhador para ser dirigida ao consumo e reduzindo, com isso, os custos das empresas.
O crédito e a estabilidade no emprego são requisitos fundamentais para a aquisição de bens de consumo de alto valor, e foi a equivalência entre a escala de produção e a escala de consumo que permitiu o desenvolvimento do capitalismo nos anos gloriosos28.
O crescimento do âmbito de atuação do Estado era imprescindível naquele contexto, por ser a única hipótese pacífica e democrática de buscar o equilíbrio para o conflito latente entre capital e trabalho, afastando definitivamente os riscos de uma revolução social.
O direito do trabalho tinha nos anos dourados, no seu papel de proteção da parte mais vulnerável e de correção do desequilíbrio entre as partes contratantes, a sua dimensão mais marcante, e esta perspectiva parecia
27M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado I, ob. cit., p. 43.
28Ao falar sobre o direito do trabalho, M. XXXXXXX XXXXXXX, Capitalismo, Trabalho e Emprego, ob. cit., p. 117, pondera que “ao elevar as condições de pactuação da força de trabalho, esse ramo jurídico não só realiza justiça social, como cria e preserva mercado para o próprio capitalismo interno, devolvendo a este os ganhos materiais socialmente distribuídos em decorrência da aplicação de suas regras jurídicas”.
realmente inabalável naquele contexto29.
Segundo Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, “esta fase correspondeu à época da maior pujança na evolução do Direito do Trabalho sob o desígnio da protecção do trabalhador, nas suas duas metas: a universalidade e a intensificação da tutela laboral”30.
Nas palavras de Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx de Lima, “o surgimento do Direito do Trabalho com natureza tutelar representa o mais poderoso instrumento de intervenção do Estado na ordem privada, visando a paz social”31.
3. Mudança de Rumo – O Novo Liberalismo
Ocorre que na primeira metade da década de 70, os Estados Unidos romperam o acordo de paridade ouro-dólar, passando a viger um sistema de câmbios flutuantes, e uma grave crise do petróleo mudou os rumos da história.
Diante deste contexto de crise, e considerando que as políticas de viés keynesiano não lograram êxito em responder de forma célere e satisfatória à estagnação e à inflação que se instalaram, as vozes do liberalismo econômico extremado, como de Friedrich von Hayeck32, que continuaram a condenar as políticas intervencionistas mesmo durante os anos dourados33, ganharam eco.
29M; XXXXXX XXXXXXX, A Precariedade do Emprego – Uma Interpelação ao Direito do Trabalho, Separata do I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Lisboa, 1997, pp. 330-331.
30M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado I, ob. cit., p. 61.
31 XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX XX XXXX, Os Princípios de Direito do Trabalho na Lei e na Jurisprudência, 4ª ed., São Paulo: LTr, 2015, 121.
32 A SUPIOT, Crítica do Direito do Trabalho, Trad. A.XXXXXXXX XXXXXXXXX, Lisboa, 2016, p. 271, ao tratar das ideias de Xxxxx, ressalta que além de por em questão a legitimidade do direito do trabalho, ele “contesta claramente a liberdade sindical ou o princípio do salário mínimo garantido”.
33 E. HOBSBAWN, Era dos Extremos, ob. cit., p. 266: “Eram verdadeiros
A eleição de Xxxxxxxxx Xxxxxxx (1979) na Inglaterra, e de Xxxxxx Xxxxxx (1980) nos Estados Unidos, e ainda um pouco mais tarde de Xxxxxx Xxxx (1982) na Alemanha permitiram que os países que lideravam o capitalismo mundial reorientassem de forma radical as suas políticas macroeconômicas, implementando políticas ultraliberais e abandonando as práticas keynesianas.
Além do contexto de crise e do sucesso eleitoral de líderes defensores de políticas ultraliberais, com a queda do muro de Berlim e a dissolução do império soviético, e consequentemente com o fim da Guerra Fria, ruiu definitivamente o principal contraponto ao capitalismo, que seria a experiência socialista.
O temor da revolução social foi fator determinante para que tivessem sucesso os ideais reformistas que permitiram os anos dourados e o desenvolvimento do Estado de bem-estar social. Contudo, agora sem a ameaça do socialismo, e sem uma corrente consistente de contraponto mesmo dentro do capitalismo, iniciou-se um período de verdadeira hegemonia do pensamento neoliberal ou ultraliberal34, com a valorização do capital financeiro especulativo em detrimento do capital produtivo.
O trabalho, que antes tinha importância central haja vista a expansão da indústria e da produção, nesta nova realidade perde grande parte de sua relevância e
crentes da equação ‘Livre Mercado = Liberdade do Indivíduo’, e consequentemente condenavam qualquer desvio dela, como, por exemplo, A Estrada para a servidão, para citar o título do livro de Xxxxxx publicado em 1944. Xxxxxx defendido a pureza do mercado na Grande Depressão. Continuavam a condenar as políticas que faziam de ouro a Era de Ouro, quando o mundo ficava mais rico e o capitalismo (acrescido do liberalismo político) tornava a florescer com base na mistura de mercados e governos. Mas entre a década de 1940 e a de 1970 ninguém dava ouvidos a tais Velhos Crentes.”
34Para uma explicação didática sobre a construção política da hegemonia
ultraliberal, vd. M. XXXXXXX XXXXXXX, Capitalismo, Trabalho e Emprego, ob. cit., pp. 99-113.
centralidade. O papel do trabalho assalariado não é decisivo para o capitalismo financeiro especulativo.
Da mesma forma, o direito do trabalho, que antes tinha como objetivo máximo a proteção do hipossuficiente na relação laboral, passa a ter, também, o papel de fomentar o emprego e o desenvolvimento da economia. O direito do trabalho estaria, portanto, a serviço da economia.
Nas palavras de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx:
“Se antes a regulamentação do trabalho se continha entre o momento da celebração e da extinção do contrato, agora a normatividade laboral é tomada como um custo económico que há de atenuar a qualquer preço. O ordenamento jurídico-laboral deixou de ser neutro e pede-se-lhe uma função promocional do emprego”35.
Percebe-se não apenas o desprestígio do trabalho enquanto valor, mas um ataque coordenado ao primado do trabalho.
Segundo Xxxxxxx Xxxxxxx:
“A agressividade política de tais lideranças, especialmente de Xxxxxxxx e Xxxxxx, permitiu, por outro lado, um combate frontal ao primado do trabalho e do emprego, que fora hegemônico nas várias décadas precedentes, rompendo o consenso cultural em torno da noção de valor- trabalho. Nesse sentido, a postura bélica e desrespeitosa do thatcherismo com relação ao Direito do Trabalho inglês e ao sindicalismo do país gerou um efeito-
35M. XXXXXX XXXXXXX, Relações Atípicas de Emprego, ob. cit., p. 49.
demonstração de grande importância político-cultural no processo de construção da hegemonia ultraliberalista”36.
Paralelamente a esta desvalorização do primado do trabalho, percebem-se profundas alterações no mundo do trabalho, seja em relação ao surgimento de novos modelos de trabalhadores, distantes daquele trabalhador típico característico da primeira metade do século XX, seja em relação à diversificação de modelo empresarial, que já não mais se pautava na grande empresa de modelo fordista ou toyotista.
No que concerne às transformações referentes aos trabalhadores, Xxxxx Xxxxxxx constata o abalo do que chama de dois dogmas do Direito do Trabalho tradicional: “o dogma da uniformidade do estatuto de trabalhador subordinado; e o dogma da incapacidade genética destes trabalhadores para gerirem a sua vida laboral”37.
Ressalta ainda a mesma autora a perda do protagonismo das entidades sindicais como fator que contribui ao abalo das estruturas do Direito do Trabalho como conhecíamos até então38.
No que tange à realidade empresarial, a partir da década de setenta, paralelamente às transformações macroeconômicas já referidas, constata-se que a globalização e a rápida evolução tecnológica ensejaram uma profunda mudança no paradigma empresarial.
Ora, “a relação laboral típica pressupõe uma economia de base industrial, em desenvolvimento e tendente para o pleno emprego”39, mas esta realidade já não mais
36M. XXXXXXX XXXXXXX, Capitalismo, Trabalho e Emprego, ob. cit. p. 101.
37M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado I, ob. cit., p. 64.
38Idem.
39 M. R. XXXXX XXXXXXX, Ainda a Crise do Direito Laboral: a erosão da
subsistia.
A universalização e a intensificação da tutela dos trabalhadores deixou de ser o mote principal do Direito do Trabalho e tal movimento, segundo Xxxxx Xxxxxxx, “ficou conhecido como a flexibilização do Direito do Trabalho, por pôr em causa a rigidez e o garantismo dos regimes laborais”40.
O Direito do Trabalho afasta-se do seu papel originário de reequilibrar as forças entre capital e trabalho, de proteger a parte hipossuficiente da relação laboral. Passou-se a exigir do Direito do Trabalho que atuasse como instrumento de fomento do mercado de trabalho, como meio de promoção do emprego, subordinando-se, assim, à economia. É preciso que o Direito do Trabalho deixe de proteger o trabalhador para proteger o emprego.
Além disso, pode-se perceber que, em busca de alcançar maiores patamares de competitividade frente ao mundo globalizado, as empresas passam a buscar cada vez mais a especialização.
Assim, ao lado das grandes empresas, passam a atuar empresas menores, que “adoptam formas de organização interna mais flexíveis e menos verticalizadas”41 e o foco na produtividade e nos resultados, aferidos por avaliação de desempenho ou outros mecanismos, faz alterar-se o modo como empregado e empregador se relacionam.42
Interessante ressaltar que não obstante a tendência à especialização, “surgem novas formas de associação empresarial, com destaque para os grupos empresariais e
relação de trabalho “típica” e o futuro do direito do trabalho, in
A. XXXXXXX (coord.), III Congresso Nacional de Direito do Trabalho. Memórias, Coimbra, 2001, 257.
40 M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado I, ob. cit., p. 70.
41 M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado I, ob. cit., p. 67.
42 M. R. XXXXX XXXXXXX, Ainda a Crise do Direito Laboral, ob. cit., p. 259.
assiste-se à deslocalização e à internacionalização da actividade económica, o que também tem reflexos no domínio das relações de trabalho”43.
Xxxxx Xxxxxxx acrescenta ainda que “o acesso maciço ao mercado de trabalho de algumas categorias de trabalhadores, como as mulheres, os jovens ou os imigrantes, que antes tinham uma importância secundária, retirou a dominância ao perfil do trabalhador subordinado típico, alterou o mercado de emprego e veio intensificar algumas necessidades aos trabalhadores (com as quais as empresas passam a ter que contemporizar), como a de maior flexibilização no tempo de trabalho e a da conciliação do papel de trabalhador com outros papéis sociais, como o de estudante ou o de pai ou mãe, por exemplo”44.
Com a mudança dos paradigmas que pautavam a realidade que fez surgir e florescer o Direito do Trabalho, a relação laboral, que antes era rígida e verticalizada, ganha novos contornos. Remuneração por produtividade, horários flexíveis, prestação de trabalho fora do estabelecimento empresarial são exemplos de flexibilização da regulação laboral que decorreram das transformações nos pilares estruturantes das relações de emprego.
Valioso é o trecho abaixo transcrito, de autoria do Professor Xxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx:
“A globalização económica pode assim conduzir a uma perversão no desenvolvimento do Direito do Trabalho, uma vez que, depois de este ter vindo a representar um progresso contínuo nas condições dos trabalhadores, assiste-se no início do séc.
43 M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado I, ob. cit., pp. 67-68.
44 M. R. XXXXX XXXXXXX, Ainda a Crise do Direito Laboral, ob. cit., p. 260.
XXI a algum retrocesso nesta área, que é estimulado pela concorrência entre os países na atracção do investimento estrangeiro, que adaptam a sua legislação laboral em ordem a torná-la mais atractiva para os investidores. Ora, se essa adaptação nalguns casos pode constituir uma resposta adequada à evolução da situação económica, levada ao extremo acabaria por pôr em causa a própria disciplina laboral, fazendo regredir consideravelmente as condições de trabalho”45.
Devido à delimitação do tema objeto do presente estudo, nosso interesse não é, contudo, aprofundar mais no desenvolver do direito do trabalho. Interessa-nos demonstrar, ainda que sucintamente, como se chega à realidade em que caem as certezas acerca dos Direitos Sociais, e onde vemos o avançar da flexibilização dos direitos trabalhistas e sociais, discurso este que se torna praticamente hegemônico nos dias de hoje.
As leis para limitação da jornada de trabalho, que foram as que deram origem ao Direito do Trabalho, são as primeiras a se tornarem objeto de flexibilização.
A desregulamentação e a flexibilização das normas trabalhistas tem sido a tendência nos dias de hoje, “com o surgimento de horários flexíveis ou calculados com base em longos períodos de referéncia, trabalho a tempo parcial, intermitente ou à chamada”, diversificando regimes de trabalho e ainda criando “zonas intermédias entre o
45 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, A precariedade: um novo paradigma laboral?, in J. XXXX XXXXXXXX (coord.), Congresso Europeu de Direito do Trabalho, Coimbra, 2014, p. 42.
trabalho e os tempos livres”46.
Diante de tantas transformações econômicas, macroeconômicas, sociais e tecnológicas, o legislador busca dotar o Direito do Trabalho de modelos contratuais que possam fazer frente aos anseios das empresas. Como afirma Xxxxxx Xxxxxxx:
“A diversidade tipológica da relação laboral transforma-se, assim, num catálogo de 'produtos laborais' à escolha do seu consumidor final – o empregador” (REDINHA, pp. 74)
Neste contexto, foi introduzida em Portugal a modalidade de contratação intermitente de trabalho, através do Código do Trabalho de 2009, não mais restrita aos profissionais de espetáculos, e mais recentemente, mesmo em 2017, o CTI chegou à realidade juslaboral brasileira.
46LEITÃO, Xxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, A precariedade: um novo paradigma laboral?, ob. cit., p. 47.
III - O CTI EM OUTROS ORDENAMENTOS JUSLABORAIS NA UNIÃO EUROPEIA
O CTI, nos diversos países em que é regulamentado, tem em comum a alternância de períodos trabalhados e não trabalhados. Contudo, a modulação do contrato em cada País se dá de forma diferente, com regras específicas e interpretações doutrinárias e jurisprudenciais diversas.
Assim, sem pretensão de fazer um verdadeiro estudo comparado, entendo ser importante visitar o instituto do CTI adotado em outros países da União Europeia, que incorporaram em seus ordenamentos jurídicos esta modalidade contratual antes de Portugal.
1. Itália
O lavoro intermittente ou a chiamata foi instituído no ordenamento jurídico italiano pela Lei Biaggi, em 2003. Foi revogado em 2007 e reintroduzido em 2008, por meio da Lei n. 133 del 200847. Mais recentemente, através do DECRETO LEGISLATIVO 15 giugno 2015, n. 81, foram
introduzidas alterações nas regras atinentes ao CTI italiano.
Em seu Art. 13, define trabalho intermitente nos seguintes termos:
Definizione e casi di ricorso al lavoro intermittente
1. Il contratto di lavoro intermittente é il contratto, anche a tempo determinato, mediante il quale un lavoratore si
47 A. VALLEBONA, Istituzioni di Diritto del Lavoro, Vol. II, Il Rapporto di Lavoro, 7ª ed., 2011, p.749.
pone a disposizione di un datore di lavoro che ne puó utilizzare la prestazione lavorativa in modo discontinuo o intermittente secondo le esigenze individuate dai contratti collettivi, anche con riferimento alla possibilitá di svolgere le prestazioni in periodi predeterminati nell'arco della settimana, del mese o dell'anno. In mancanza di contratto collettivo, i casi di utilizzo del lavoro intermittente sono individuati con decreto del Ministro del lavoro e delle politiche xxxxxxx00.
A lei italiana permite, em qualquer caso, a contratação intermitente de trabalhadores menores de 25 anos e os maiores de 55 anos49, funcionando assim como instrumento de abertura do mercado de trabalho.
O trabalho intermitente, segundo a lei italiana, tem por objeto a prestação do trabalho de modo descontínuo, conforme estabelecido em negociação coletiva. Prevê ainda que na ausência desta, o trabalho intermitente dependerá de regulamentação pelo Ministério do Trabalho.
48 xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxx.xx/xxx/xx/0000/00/00/00X00000/xx, acessado em 19/06/2017.
49 XXXXX XXXXXXX XXXXXXXXX, A Figura do Contrato de Trabalho Intermitente do PL n.º 6.787/2016 (Reforma Trabalhista) à Luz do Direito Comparado, disponível em xxxx://xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx- do-contrato-de-trabalho-intermitente-do-pl-no-6-7872016-reforma- trabalhista-luz-do-direito-comparado/, acessado em 19/06/2017, ressalta que como “a lei foi criada com o intuito de ampliar a geração de empregos, ela dispôs um requisito subjetivo de quem se submete a esse tipo de regime: trabalhadores menores de 25 anos e os maiores de
55 anos”.
Talvez até por causa da motivação inerente à criação do instituto, na Itália o CTI pode se dar tanto em um contrato a termo quanto sem termo50.
Seu traço distintivo é a inexistência de previsão de quantidade de trabalho a ser prestado.
Há dois subtipos de contrato intermitente, sendo o primeiro aquele em que o trabalhador é obrigado a responder às chamadas, recebendo em contrapartida a indenização de disponibilidade e no segundo subtipo o obreiro não se obriga a atender as chamadas, e, por via de consequência, não recebe indenização de disponibilidade.
Xxxxx Xxxx ressalta que no CTI emerge uma nova noção de subordinação, que corresponde a uma redução de direitos e proporcionalmente também dos deveres decorrentes. O trabalhador intermitente, mais senhor de seu tempo, também está mais exposto à ansiedade da imprevisibilidade51.
O estar à disposição justifica a fixação de um valor a ser pago mesmo nos períodos de inatividade, que a lei italiana chama de “indennità di disponibilità”, logo, justifica-se, no direito italiano, apenas nos casos em que haja obrigação de estar disponível52.
No primeiro subtipo, então, o contrato se aperfeiçoa no momento da estipulação, e no segundo, apenas
50 A. XXXXX XX XXXXXXXX, Considerações sobre o trabalho intermitente, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Xxxxxxxx xx Xxxx Xxxx Xxxxxx, Vol. I, Direito e Justiça Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2015, p. 357.
51 XXXX, Xxxxx, Contratto di Lavoro Intermittente e Subordinazione,
Rivista Italiana di Diritto Del Lavoro, I, 2005, p, 116.
52 XXXXXXXXX, Xxxxxxx, ob. cit., p. 749: “Nel lavoro intermittente l’obbligo di disponibilità non costituisce, dunque, un mero obbligo preparatorio all’adempimento di una prestabilita prestazione lavorativa, ma un obbligo principale individuante il sottotipo, pur se funzionale all’altro obbligo principale di lavorare se e quando arriverà la chiamata (...) In conclusione il sottotipo di lavoro intermittente con obbligo di disponibilità integra un contratto a causa complessa che è perfetto al momento della stipulazione (...)”.
no momento do aceite da chamada do empregador por parte do empregado.
Segundo Xxxxxxx Xxxxxxxxx, o primeiro é um contrato de causa complexa enquanto o segundo é um contrato de condição complexa53.
O legislador italiano estabeleceu para o CTI o limite máximo de 400 dias de trabalho a cada três anos civis, que, se ultrapassado, o contrato passa a ser a tempo integral e por prazo indeterminado, exceção feita para a área do turismo, apresentações públicas e espetáculos54.
Estabeleceu ainda o legislador outras restrições à liberdade de contratação, como ao prever a proibição de uso do CTI para substituir trabalhadores em greve, ao vedar seu emprego naquelas empresas que tenham realizado dispensas em massa nos últimos seis meses, ou ainda que tenham feito a suspensão ou redução do horário de trabalho; ou mesmo no caso de empregadores que não tenham realizado a avaliação de risco em matéria de segurança do trabalho55.
O prazo mínimo para a chamada no Direito italiano é de um dia útil, de acordo com art. 15, 1, b) do Decreto Legislativo n. 81.
No que tange à forma escrita, esta é uma exigência ad probationem, sendo que “a falta de contrato escrito implica a utilização de outros meios probatórios da existência do mesmo por confissão, ou prova testemunhal”56.
2. França
53 Vallebona, ob. cit., p. 750.
54 DECRETO LEGISLATIVO 15 giugno 2015, n. 81, item 3 do art. 13.
55 XXXXX XXXXXXX XXXXXXXXX, A Figura do Contrato de Trabalho Intermitente do PL n.º 6.787/2016 (Reforma Trabalhista) à Luz do Direito Comparado, ob. cit.
56 J. XXXXXXXX, O contrato de trabalho intermitente – A relação laboral
cimentada na segurança do emprego através do trabalho descontínuo, QL, nº 35-36, 2010, p. 227.
Na França, o CTI foi introduzido através de uma Ordonnance de 23 de Agosto de 1986. Posteriormente foi suprimido em 1993, tendo sido então restabelecido no ordenamento jurídico Francês pela Lei de 19 de Janeiro de 200057.
Xxxxxxx Xxxxxxx aborda o CTI entre os contratos especiais não precários, justamente por ser “un contrat à durée indeterminée, qui comporte une alternance de périodes travaillées et non travaillées”58.
Assim, da mesma forma que a portuguesa, prevê a lei francesa que o trabalho é permanente, mas a sua natureza demanda a alternância de períodos de trabalho e de não trabalho. Isto posto, o Code du Travail, assim como o CT português, não reconhece ao CTI a possibilidade de com ele conjugar contratação a termo59.
O CTI francês60 é disciplinado no Article L3123-33 e seguintes do Code du Travail. O setor se subdivide em normas que são de ordem pública e aquelas que se situam no campo da negociação coletiva.
É, em princípio, a contratação coletiva que define quais empregos, pela sua natureza, comportam a alternância de trabalho que é característica do CTI61. Assim, os contratos de trabalho intermitentes podem ser firmados em empresas abrangidas por uma convenção ou por um acordo de empresa ou, na sua falta, por convenção ou um acordo setorial estendido que o preveja, nos termos do Art. L.
57J. XXXX XXXXX/X. XXXXX XXXXXXX, Contrato de Trabalho Intermitente, ob. cit., p. 123, nr. 8.
58 A. XXXXXXX, Droit du Travail, 6ª ed., Paris, 2008, p. 378.
59 A XXXXX XX XXXXXXXX, ob. cit., p. 357.
60 Disponível em xxxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxxx.xx, acessado em 16/10/2017.
61 J. XXXXXXXX, O contrato de trabalho intermitente – A relação laboral cimentada na segurança do emprego através do trabalho descontínuo, QL, nº 35-36, 2010, p. 224.
3123-33 que estabelece que “Des contrats de travail intermittent peuvent être conclus dans les entreprises couvertes par une convention ou par un accord d'entreprise ou d'établissement ou, à défaut, par une convention ou un accord de branche étendu qui le prévoit”62.
Como observa Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx, tanto a legislação italiana como a francesa restringem a possibilidade de recurso ao CTI a um certo tipo de atividade, enquanto no Direito Português, isto se dá em função da especificação da organização em que a atividade é prestada63.
No que tange ao tempo de trabalho, a norma francesa, consistente no Art. L. 3123-34, exige que esteja prevista no contrato tanto a duração anual mínima do trabalho quanto a previsão de distribuição deste tempo de trabalho.
Assim, inexiste previsão de CTI à chamada no Direito Francês. A lei ressalva contudo que em alguns setores onde não seja possível a fixação precisa dos períodos e a repartição das horas de trabalho, a convenção ou o acordo deverá estabelecer as condições em que este trabalho será exercido, bem como as situações em que o trabalhador poderá exercer o direito de recusa64.
A legislação francesa ainda estabelece um limite para as horas suplementares, ao prever, no Art. L. 3123-35,
62 Exceção no art. Art. L. 3123-37, para situação em que pode ser firmado CTI mesmo sem negociação coletiva.
63 Ob. cit., pp. 353-354
64 Assim dispõe o Art. L. 3123-38: “Dans les secteurs, dont la liste est déterminée par décret, où la nature de l'activité ne permet pas de fixer avec précision les périodes de travail et la répartition des heures de travail au sein de ces périodes, cette convention ou cet accord détermine les adaptations nécessaires, notamment les conditions dans lesquelles le salarié peut refuser les dates et les horaires de travail qui lui sont proposés.”
que “Les heures dépassant la durée annuelle minimale fixée au contrat de travail intermittent ne peuvent excéder le tiers de cette durée, sauf accord du salarié”.
Para fins de antiguidade são considerados os períodos de inatividade, contudo não há referência legal expressa acerca da remuneração devida nos períodos de inatividade. Entretanto, o art. L. 3123-38 remete à negociação coletiva, estabelecendo que “Il peut prévoir que la rémunération versée mensuellement aux salariés titulaires d'un contrat de travail intermittent est indépendante de l'horaire réel et détermine, dans ce cas, les modalités de calcul de cette rémunération”.
Xxxxx Xxxxxxxx ressalta que “se não se encontrarem reunidas as condições para celebrar um CTI, o contrato de trabalho celebrado será considerado um contrato de trabalho standard e, se o trabalhador o peticionar, o empregador terá de lhe assegurar a remuneração completa”65.
3. Espanha
O contrato de trabalho fijo discontinuo surge no ordenamento juslaboral espanhol com a Lei 63/1997, depois com o Real Decreto 15/98, que tratavam do trabalho a tempo parcial, e por fim com a Lei 12/2001, que tratou especificamente dos contratos fijos discontinuos.
É, no direito espanhol, uma submodalidade do contrato de trabalho a tempo parcial.
Xxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxxxx ressaltam que no quadro normativo espanhol há certa confusão entre trabalho a tempo parcial e trabalho intermitente na modalidade alternada, pois os “trabajos fijos discontínuos que têm datas certas
65 J. CARNEIRO, ob. cit., p. 225.
são contratos a tempo parcial e os que têm datas não previamente determinadas constituem uma modalidade autônoma”66.
O art. 12.3 do Estatuto dos Trabalhadores regula os trabalhos fijos periódicos ou trabajos discontinuos de fecha cierta, enquanto o art. 15.8 do mesmo diploma legal se refere aos trabajos fijos discontinuos ou trabajos discontinuos de fecha incierta, confirmando, assim, a observação de Xxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxxxx acima referida.
Existe a possibilidade de o trabalhador fijo discontinuo ter jornada reduzida, ou jornada a tempo completo, no que difere do direito português que prevê quantidade mínima de meses trabalhados a tempo completo.
Trata-se de um contrato por tempo indeterminado, mas de execução cíclica, de modo que ao término de cada período não se extingue o contrato, sendo este simplesmente interrompido, “formalizando cada temporada un nuevo pacto que, no obstante, responde al mismo nexo originario”67.
Assim como os demais contratos a tempo parcial, o fijo discontinuo também deve ser formalizado por escrito, em modelo oficial, segundo art. 12.4, a) do Estatuto.
O art. 15.8, parágrafo 2º do Estatuto dos Trabalhadores estabelece que deve haver previsão no contrato acerca da duração estimada da atividade, assim como sobre a forma e ordem de chamamento conforme previsão em Convenção Coletiva, devendo constar ainda, mesmo que
66 Contrato de Trabalho Intermitente, ob. cit., p. 123, nr. 7.
67 XXXXXXX XXXXX XXXX/XXXXXX XXXXX XXXXXX, El contrato de trabajo fijo de carácter discontinuo, in Xxxxxxx Xxxx Xxxxx (coord.), Las diversas modalidades de contratación laboral, Valencia: Ediciones Revista General de Derecho, 1999, p. 260. Preceitua ainda que“El contrato fijo discontinuo se ha caracterizado, como ya hemos apuntado, por responder a las necesidades cíclicas de mano de obra de determinados sectores productivos. Dos de estos sectores son el del trabajo agrícola y el de extinción de incendios, entré otros.”, p. 251.
como orientação, a jornada de trabalho estimada bem como a distribuição do tempo de trabalho68.
É possível, ainda, a atualização do contrato a tempo completo para que o trabalhador passe a adquirir a condição de fijo discontinuo, desde que desenvolva “actividades específicas de temporada o campaña y constituyan un colectivo diferenciado del resto de la plantilla de la empresa”69.
Segundo Xxxxxxx Xxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx: “En efecto, la adquisición de la categoría de trabajador fijo discontinuo suele estar condicionada a la concurrencia de determinados requisitos, impuestos por convenio colectivo, relativos a la sucesión en la prestación de servicios por parte del trabajador que pretenda acceder a tal condición, durante cierto tiempo o campañas“70.
Xxxx Xxxxx e Joana Nunes Vicente71 ressaltam que na lei trabalhista espanhola não subsiste o direito de o trabalhador auferir compensação retributiva por ocasião dos períodos de inatividade, nem há previsão legal de quantidade mínima de meses de trabalho.
No entanto, o legislador espanhol teve a cautela de garantir ao trabalhador que não esteja inserido em uma atividade que se repita de forma cíclica, o direito ao chamamento, na ordem e forma determinadas pelos convenios colectivos, sendo que em caso de descumprimento, pode o
68 XXXXXX XXXXXXXXX XXXXXX, La nueva regulación del contrato a tiempo parcial, los trabajos fijos discontinuos, el contrato de relevo y la jubilación parcial, Revista del Ministerio de Trabajo e Inmigración, n.º 44, 2003, p. 117.
69 V. N. XXXX/M. L. XXXXXX, xx. cit., p. 250.
70 Idem.
71 Ob. cit., p. 126, nr. 12.
trabalhador reclamar judicialmente72, garantindo ao trabalhador preterido que a falta de chamamento neste caso se equipare ao despedimento73.
Contudo, não se trata de um direito absoluto. Como ressaltam Xxxxxxx Xxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx, “el llamamiento debe acomodarse a las necesidades de mano de obra que en cada momento se precisen, según la propia actividad de la empresa y las circunstancias que en ella influyen, tales como producción, climatología o crisis de mercado. Esta es la razón por la cual, la no llamada, en el caso de no ser necesaria para la empresa la prestación laboral del trabajador, no merece la calificación automática de despido, tal y como señalan, entre otras, las importantes sentencias del Tribunal Supremo de 27 de septiembre de 1982 o 22 de diciembre de 1993“74.
Assim, só haverá direito a pleitear o despedimento quando reste demonstrada a discriminação do trabalhador, que tenha sido preterido em face de outro de menor antiguidade ou ainda se a atuação da empresa puser em risco a sua própria subsistência, fazendo desaparecer a possibilidade de novos chamamentos.
Muito embora não se estabeleça quantidade mínima de dias de trabalho, o art. 34.1 do Estatuto de los Trabajadores, a jornada de trabalho máxima ordinária deve ser limitada de tal forma que a proporção não supere as quarenta horas semanais e entre cada jornada de trabalho há
72 Art. 12.3, b) do Estatuto de los Trabajadores.
73 X. X. XXXXXX, ob. cit., p. 117: “En cuanto a las consecuencias de la inobservancia del régimen de llamamiento, el art. 15.8 ET recoge también inalterada la clásica regla de asimilación de la falta de llamamiento al despido, otorgando al trabajador la facultad de
«reclamar en procedimiento de despido ante la jurisdicción competente» que – como observa acertadamente Cavas – no puede ser otra que la social.”
74 Ob. cit., p. 257.
de existir um intervalo de pelo menos doze horas de descanso75.
Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx ressaltou que “La Reforma de 2001 sigue reconociendo un papel preponderante a la negociación colectiva, siendo, en consecuencia, el convenio colectivo correspondiente el que determine la forma (verbal, escrita o tácita) y las circunstancias que determinan el orden en que debe producirse el llamamiento”76.
75 V. N. XXXX/M. L. XXXXXX, xx. cit., 265.
76 Ob. cit., p. 116.
IV – A INTRODUÇÃO DO CTI NO ORDENAMENTO PORTUGUÊS
O CTI constitui figura inédita no direito português77, tendo sido introduzido no ordenamento jurídico através do Código do Trabalho de 2009, nos artigos 157.º a 160.º, na Subsecção III da Secção IX, intitulada “Modalidades de contrato de trabalho”.
Como bem afirmou Xxxx Xxxx Xxxxx, “o contrato de trabalho intermitente é um genus composto por duas espécies”78, as quais estão dispostas no número 1 do art. 159.º do CT.
Assim, se as partes estabelecerem datas de início e termo de cada período de trabalho, estaremos diante da primeira espécie, conhecida como trabalho alternado; se, de outra forma, ficar ajustado que o trabalhador deva aguardar convocação do empregador para iniciar o período de atividade, estaremos diante da segunda espécie, o trabalho à chamada.
Desta feita, o quantum da prestação laboral deve ser sempre estabelecido pelas partes, ao fixarem o número de horas ou dias de trabalho, contudo, no trabalho alternado, as partes fixam ainda o “quando” da prestação79, haja vista que estabelecem previamente termos iniciais e finais dos períodos de atividade, enquanto no trabalho à chamada não há prévia definição de quando será prestado o serviço, dependendo, assim, da convocação pelo empregador, que deve observar, necessariamente, o período mínimo de antecedência previsto em lei, 20 dias, ou antecedência
77Em sentido contrário, M. XXXXXX XXXXXXX, A Relação Laboral Fragmentada, - estudo sobre o trabalho temporário, Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra, Coimbra editora, 1995, pp. 69-70
78J. XXXX XXXXX, Contrato de Trabalho, 4ª ed., Coimbra, 2014, p. 145.
79J. XXXX XXXXX, Contrato de Xxxxxxxx, ob. cit., 2014, pp. 145-146.
maior, se assim ajustado pelos contratantes80.
Não obstante o ineditismo da figura ora analisada no ordenamento português, importa perquirir acerca dos instrumentos e das figuras que antecederam esta modalidade contratual e que podem mesmo ter-nos conduzido até o CTI como hoje se encontra tipificado.
1. Figuras anteriores
Em uma realidade juslaboral onde os contratos são, via de regra, firmados por tempo indeterminado, e onde a rescisão contratual depende da configuração de uma justa causa, objetiva ou subjetiva, a vida real encontra dificuldades para se encaixar neste estreito padrão contratual que é o modelo de contrato de trabalho standard, pois necessidades temporárias, transitórias, intermitentes, sazonais sempre existiram.
O Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro já estabelecia, em seu art. 6º, 2, b) que seriam excepcionados dos limites máximos de PNT aquelas pessoas cujo trabalho fosse acentuadamente intermitente ou de simples presença. Nessa hipótese se encontravam os guardas de passagens de nível, conforme Xxxxxxx do STJ, de 22/11/1995 (Matos Canas) 81, onde se conceitua trabalho intermitente como sendo “aquele que, de modo relevante, de forma saliente e facilmente notável, é interrompido durante intervalos significativos”.
Diante da multiplicidade de situações da vida real
80J. XXXX XXXXX, Contrato de Xxxxxxxx, ob. cit., p. 146, ressalva a possibilidade de as partes modelarem fórmulas mistas de trabalho intermitente, mesclando assim períodos preestabelecidos com o trabalho à chamada.
81 Acórdão STJ, de 22/11/1995 (Matos Canas), disponível em xxx.xxxx.xx, acessado em 15/11/2017.
não abarcadas pela modalidade contratual standard, consistente no vínculo de emprego estável, a tempo completo, outras figuras contratuais vieram a ser utilizadas a fim de suprir tais necessidades e a mais popular foi a contratação a termo82, havendo ainda que fazer referência ao contrato temporário e à Lei n.º 4/2008, de 7 de Fevereiro, antes de adentrar propriamente no CTI incorporado no CT de 2009.
1.1 - Contrato de Trabalho a Termo
Apesar de ter sido instituído no ordenamento jurídico português antes da consagração constitucional do princípio da segurança no emprego, o contrato de trabalho a termo veio a adquirir grande importância no Direito Laboral Português especialmente a partir de 1975, época em que ainda era denominado “contrato a prazo”, conforme art. 10.º da LCT, quando constituía ainda praticamente a única modalidade atípica de contrato, já que os contratos “eventual” e “sazonal” consistiam, na realidade, “subtipos do trabalho a prazo”83.
Inicialmente o uso do contrato a termo não se vinculava a critérios legais substanciais, e isto nem se fazia imprescindível, eis que, na época, não havia maiores restrições à demissão, bastando a observância do aviso
82J. XXXX XXXXX, Contrato de Xxxxxxxx, ob. cit., p. 135: “o contrato de trabalho a termo institui uma relação juslaboral atípica devido, justamente, à circunstância dessa relação ter, à partida, os dias contados, pois as partes predeterminam o respectivo ciclo vital. Aquando da celebração desse contrato, as partes estipulam que o mesmo se extinguirá numa certa data (termo certo) ou quando se vier a verificar um determinado evento (termo incerto). É esse aprazamento do contrato que o afasta da regra, do contrato standard, o contrato de duração indeterminada.”
83M. XXXXXX XXXXXXX, Crise Económica, Emprego e Modelos de Contrato de Trabalho: A Alteração do Paradigma do Contrato de Trabalho?, Actas do Congresso Mediterrânico de Direito do Trabalho, 2016, p. 175.
prévio legal.
Contudo, com o advento da primeira Lei dos Despedimentos, através do DL n.º 372-A/75, de 16 de Julho, foi inserida na realidade jurídica portuguesa a proibição dos despedimentos sem justa causa, que no ano seguinte viria a se tornar princípio constitucional através da redação do art. 53.º da CRP, consubstanciado no princípio da segurança no emprego.
Além da rigidez do regime de cessação dos contratos de trabalho, a mesma Lei estabeleceu prazo de quinze dias para o período experimental, pelo que, nas palavras de Xxxxx Xxxxxxx, “não só se tornou mais difícil despedir, como a consolidação do vínculo laboral, que sucede o período experimental, se tornou mais rápida”84.
Assim, as restrições impostas aos despedimentos acabaram por conduzir os empregadores a utilizar os contratos a termo não apenas para suprir necessidades transitórias, mas para escapar à garantia constitucional da estabilidade no emprego.
Como a lei não havia estabelecido requisitos objetivos que condicionassem o uso dos contratos a termo, não havia ilegalidade manifesta nesse procedimento. Contudo, são evidentes os efeitos nefastos desta proliferação descontrolada de contratos a termo, e situações de fraude à lei, com a perpetuação destes vínculos precários para além do que a lei permitia, também se generalizaram.
A precarização das relações laborais em decorrência deste procedimento conduziu ao endurecimento da legislação,
84M. R. PALMA RAMALHO, Contrato de Trabalho a Termo no Sistema Juslaboral Português – Evolução geral e tratamento no Código de Trabalho, in Estudos em Honra de Ruy de Albuquerque, volume II, Coimbra, p. 121.
restringindo as possibilidades de contratação a termo, com a LCCT - DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro85.
Não cabe no presente estudo analisar com maior profundidade o contrato a termo, mas neste momento importa apenas referir a relevância que veio a adquirir aquando da proibição dos despedimentos sem justa causa, eis que desde 1975 vem sendo a modalidade contratual mais utilizada pelos empregadores para escapar ao modelo clássico de relação laboral, mas também ressaltar a consagração do seu caráter excepcional em relação ao modelo padrão consistente na relação de trabalho por tempo indeterminado.
Contudo, além do fato de o contrato a termo ser uma modalidade atípica de contrato de trabalho, e poder atender situações de trabalho sazonal, ele ainda não traz elementos que possam identificá-lo como uma experiência anterior do CTI no sistema jurídico português, uma vez que se destina primordialmente a cobrir necessidades temporárias da empresa, enquanto no CTI, embora descontínuas, as necessidades atendidas são permanentes.
O contrato de trabalho temporário, por sua vez, também se distancia do contrato standard, mas por outro viés. No lugar da relação tradicional entre trabalhador e empregador, temos uma relação tripartida onde a pessoa que contrata não é a mesma onde é empregada a força de trabalho do obreiro.
O contrato de trabalho é celebrado com uma empresa
85 M. R. PALMA RAMALHO, Contrato de Trabalho a Termo no Sistema Juslaboral Português, ob. cit., p. 122, ressalta ter sido esta a primeira vez que o sistema jurídico assumiu de forma expressa a ligação entre o regime de cessação dos contratos de trabalho e a contratação a termo, regulando-os no mesmo diploma.
de trabalho temporário. Contudo, firma-se ainda entre a empresa de trabalho temporário e o utilizador um contrato de utilização.
Não pretendo realizar qualquer análise mais profunda dos contornos do contrato temporário. Contudo, entendo como Joana Carneiro86, quando afirma que o “embrião” do CTI no Direito Português é o contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária, e é neste contexto que interessa mencioná-lo.
O contrato temporário pode ser precário, quando firmado a termo (art. 172.º, a, CT) ou pode ser estável, quando firmado sem termo resolutivo (art. 172.º, a, CT), sendo este último o caso do contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária.
O contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária foi introduzido no ordenamento jurídico português em 1999.
Para António Nunes de Carvalho87, desde então já havia a previsão de um modelo negocial que articulasse tempos de disponibilidade e de trabalho efetivo, mesmo antes do contrato dos trabalhadores de espetáculos.
1.3 - Lei 4/2008, de 7 de Fevereiro – Contrato de Trabalho dos Profissionais de Espetáculos
Desde a década de 1960 o contrato de trabalho dos profissionais de espetáculos já tinha regras específicas, uma vez que esta relação de trabalho é por natureza especial.
Contudo, em 2008 entrou em vigor um novo regime
86J. XXXXXXXX, O contrato de trabalho intermitente – A relação laboral cimentada na segurança do emprego através do trabalho descontínuo, QL, nº 35-36, 2010, p. 206.
87A. XXXXX XX XXXXXXXX, Considerações sobre o trabalho intermitente, ob. cit, pp. 328-329.
jurídico, constante da Lei 4/2008, de 7 de Fevereiro, que veio a ser alterado pela Lei nº 105/2009, de 14 de setembro, com a inclusão do art. 10-A, bem como pela Lei nº 28/2011, de 16 de Junho.
O referido diploma legal se aplica “aos trabalhadores das artes do espetáculo e do audiovisual que desenvolvam uma actividade artística, técnico-artística ou de mediação destinada a espetáculos ou a eventos públicos”88, e rege tanto os contratos de trabalho quanto a segurança social.
Embora o presente trabalho não objetive analisar o regime jurídico89 em questão como um todo, é imprescindível referir que foi neste diploma legal que pela primeira vez no ordenamento jurídico português se introduziu expressamente a figura do contrato de trabalho intermitente90.
Assim, a Lei n.º 4/2008, de 07 de Fevereiro, estabelece no seu art. 8º a possibilidade do exercício intermitente da prestação de trabalho quando o espetáculo público não tenha natureza contínua.
A lei pressupõe ainda a existência de um contrato por tempo indeterminado para que possa ser objeto de intermitência.
88Art. 1.º da Lei 4/2008, de 7 de Fevereiro.
89Para uma análise mais profunda do instituto, XXXXX XXXXX, Da fábrica à fábrica de sonhos – primeiras reflexões sobre o regime do contrato de trabalho dos profissionais de espetáculos, in Novos Estudos de Direito do Trabalho, Coimbra, 2010, 197-231.
90M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 5ª ed., Coimbra, 2014, p. 381, considera que as maiores novidades deste regime jurídico residem justamente na “previsão das figuras do trabalho intermitente e do trabalho em grupo neste sector de atividade”. Já XXXXX XXXXX, Da fábrica à fábrica de sonhos, ob. cit., p. 217, por sua vez, entende que o contrato de trabalho intermitente não seria verdadeiramente uma inovação, uma vez que “uma certa forma de intermitência é também possível no contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária”,.
O acordo para o exercício da intermitência deve ser escrito91, e nele devem estar previstos os períodos de trabalho efetivo, bem como as retribuições devidas nos períodos de atividade e também a compensação retributiva devida aquando da inatividade.
O art. 8.º, n.º2 é claro ao admitir que o acordo de prestação de trabalho intermitente pode ser firmado no início da relação laboral ou durante a sua vigência. Podem as partes estabelecer que a intermitência seja temporária (dentro do contrato por tempo indeterminado) ou que seja definitiva.
Na redação original, a lei previa diferentes percentuais para a compensação retributiva, conforme fosse permitido ou não que o trabalhador exercesse outra atividade profissional nos períodos de inatividade. Contudo, as alterações legislativas posteriores buscaram afinar o CTI das atividades artísticas com o CTI comum que viria a ser previsto no CT de 2009.
Assim, estabeleceu-se que nos períodos de inatividade, a compensação retributiva será de no mínimo 30%, salvo se outra superior for ajustada pelas partes, tendo o trabalhador o direito de exercer outra atividade.
2. Código do Trabalho de 2009
O Código do Trabalho de 2009 inovou não apenas por introduzir novas modalidades contratuais, como o CTI que é objeto do presente estudo, mas também “na sistematização das mais relevantes situações atípicas de emprego no
91Os requisitos formais do CTI estão previstos no art. 10.º, n.º 3 da Lei 4/2008, de 7 de Fevereiro.
catálogo das modalidades do contrato de trabalho”92. Assim, conforme nos ensina Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, os contratos atípicos abandonam a “sombra da ‘atipicidade’ e/ou da ‘especialidade’, para passarem para a luz da ‘normalidade’ legislativa e com isto o sistema jurídico-laboral modifica- se e adapta-se à pluralidade e diversidade dos vínculos contratuais”93.
É, então, apenas no Código de 2009 que vislumbramos efetivamente o contrato de trabalho intermitente ampliado para abarcar a generalidade dos trabalhadores.
O CTI surge como uma nova modalidade contratual, que se adequa, ou melhor, que responde a necessidades especiais dos empregadores, especificamente daquelas empresas que exerçam atividades descontínuas ou com intensidade variável, em atenção ao princípio da salvaguarda dos interesses de gestão94.
Segundo Xxxx Xxxx Xxxxx, trata-se de uma “das mais flexíveis formas de emprego conhecidas pelo ordenamento jurídico-laboral” por “adaptar a prestação de trabalho, de forma elástica, às variadas e mutáveis exigências produtivas da empresa moderna”95.
O CTI está previsto nos artigos 157.º a 159.º do CT de 2009, e consiste, resumidamente, em um ajuste através do qual as partes definem que, em um contrato de trabalho por tempo indeterminado, o trabalho será prestado pelo trabalhador a uma empresa que exerça atividade com
92M. XXXXXX XXXXXXX, Crise Económica, Emprego e Modelos de Contrato de Trabalho, ob. cit., pp. 176-177.
93M. XXXXXX XXXXXXX, Código Novo ou Código Revisto? – A Propósito das Modalidades do Contrato de Xxxxxxxx, XXXXX XXXXXXX XX XXXXXXXX (coord.), Separata de Código do Trabalho A Revisão de 2009, Coimbra, 2011, p. 244.
94 Sobre tal princípio, M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado I, ob. cit., pp.
520 ss.
95J. XXXX XXXXX, Contrato de Xxxxxxxx, ob. cit., p. 145.
descontinuidade ou com intensidade variável, alternando-se períodos de atividade e de inatividade. A quantidade de trabalho é sempre acordada, mas o “quando” pode ser preestabelecido ou não, conforme escolham firmar um CTI alternado ou mediante chamada96.
Não obstante o texto legal evidencie que existem efetivamente duas modalidades de CTI, consoante este já traga, ou não, previamente estabelecidos os períodos de atividade e de inatividade, o legislador português resolveu, abstraindo as claras diferenças, defini-las ambas como CTI, no mesmo regime jurídico97.
No capítulo seguinte, pretendo analisar o CTI a partir de cada um de seus elementos estruturantes, que consistem naquelas características que qualificam o contrato ora analisado como uma modalidade especial de contrato de trabalho, e que sejam comuns às duas modalidades de CTI presentes no referido regime.
96 A. XXXXX XX XXXXXXXX, ob. cit., p. 352, critica a utilização da denominação “trabalho à chamada” por entender que “o regime português de trabalho intermitente aproxima-se fundamentalmente do trabalho alternado, sendo num caso o ritmo de sucessão de ciclos de actividade pré-definido pelas partes e, no outro, determinado unilateralmente pelo empregador” e conclui ser “preferível a formulação mais limitada ‘trabalho alternado sob chamada’ (ou com cláusula de chamada) ou, porventura, o nomen mais neutro ‘trabalho alternado flutuante’.
97J. XXXX XXXXX/X. XXXXX XXXXXXX, Contrato de Trabalho Intermitente, ob. cit., p. 122: “A verdade, porém, é que, considerando a diferença entre as duas espécies uma questão menor, o nosso legislador estabeleceu um regime jurídico unitário para o trabalho intermitente tout court, solução nem sempre adequada”
Através da denominação de elementos estruturais, pretendo identificar aquelas características que compõem a essência da modalidade contratual ora analisada, e que, portanto, a individualizam enquanto modalidade diversa do modelo clássico e a afastam dos demais contratos regulados na mesma Secção.
Para Xxxxx Xxxxxxx de Brito, são três os requisitos para que se possa celebrar validamente o CTI, quais sejam, “(i) o trabalho ser realizado com períodos de inatividade remunerada, (ii) o empregador exercer uma atividade descontínua ou de intensidade variável e (iii) o trabalhador ter um contrato por tempo indeterminado”98.
Tatiana Guerra de Almeida99 também extrai do art. 157.º do CT três elementos específicos do trabalho intermitente, a seguir resumidos: (a) só poder ser celebrado validamente através de contrato por tempo indeterminado; (b) natureza descontínua ou intensidade variável da empresa; (c) prestação de trabalho intercalada por um ou mais períodos de inatividade.
São essenciais, assim, o fato de se caracterizar como um contrato por tempo indeterminado, a natureza causal desta modalidade contratual, que vincula o CTI à atividade descontínua ou de intensidade variável, bem como o fato de que se executa a partir da alternância de períodos de
98 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx/XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx/XXXXXXXXXXX, Xxxxx/BRITO, Xxxxx Xxxxxxx de/DRAY, Xxxxxxxxx/XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx da
- Código do Trabalho Anotado, 10ª ed., Coimbra, 2016, p. 417 (anotação de Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx).
99TATIANA XXXXXX XXXXXXX, O Novo Regime Jurídico do Trabalho Intermitente, in XXXXXXXX XX XXXXXXXX XXXXX e XXXXX XXXXXX XXXXX
(coord.) Direito do Trabalho + Crise = Crise do Direito do Trabalho?, Coimbra, 2011, pp. 348-354.
atividade e de inatividade.
Não se pode olvidar, contudo, do traço marcante do CTI no que concerne à contrapartida. Esta modalidade contratual tem a peculiaridade de prever, no âmbito da execução regular do contrato, uma contrapartida híbrida, como remuneração nos períodos de atividade, e como compensação retributiva100 nos períodos de inatividade, pelo que tal característica não pode deixar de ser apontada como um elemento estrutural do CTI101.
Por fim, há que se falar da forma. É bem verdade que por um princípio de segurança jurídica, a observância da forma exigida por lei é característica da maioria dos contratos conhecidos como atípicos, diante da prevalência do contrato por tempo indeterminado, a tempo completo. Contudo, no caso em apreço entendo por analisar os requisitos de forma também como elemento estruturante, diante de sua relevância para a caracterização deste contrato por tempo indeterminado como um contrato intermitente.
A seguir, analisaremos um a um os elementos acima
100 Há na legislação portuguesa a previsão de pagamento de compensação retributiva no caso de contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária, nos arts. 183.º e 184.º do CT. Segundo A. XXXXXXXX XXXXXXXXX, Direito do Trabalho, 17ª ed., 2014, Coimbra, pp. 150-151, “a ETT celebra com um trabalhador um contrato de trabalho sem termo, ou seja, estabelece com ele um vínculo permanente, ficando com a faculdade (expressamente estipulada: art. 183.º/1-b)) de o ceder temporariamente, através de sucessivos contratos de utilização, a empresas que dele necessitem. (...) haverá ou poderá haver períodos em que não ocorre cedência. Para tais períodos, a lei prevê duas hipóteses: ou o trabalhador presta normalmente trabalho à própria ETT e como tal é remunerado ou, não havendo tal possibilidade, recebe uma ‘compensação’ cujo valor é fixado pela convenção colectiva aplicável (se existir) ou equivale a dois terços da última retribuição auferida ou da remuneração mínima mensal garantida, conforme o mais elevado (art. 184.º/2)”.
101A. XXXXX XX XXXXXXXX, Considerações sobre o Trabalho Intermitente, ob. cit., p. 360, “A existência de uma contrapartida, que consoante os ciclos de execução do contrato assume ora a natureza de retribuição, ora a de compensação retributiva, constitui elemento essencial do contrato de trabalho intermitente”.
referidos.
1. Só pode ser celebrado através de um contrato por tempo indeterminado
A opção do legislador pelo enquadramento do CTI como um contrato por tempo indeterminado demonstra a sua intenção de preservar a estabilidade das relações laborais, pondo fim à insegurança que decorria da sucessão de contratações a termo para atender necessidades descontínuas, por um lado, e ao mesmo tempo permitir que esta relação seja flexível o bastante para se adaptar aos ciclos produtivos e às medidas do empregador para redução de custos.
Há vantagens tanto na perspectiva do empregador quanto na do empregado em que assim seja, pois para o empregador, a possibilidade de alternar períodos de prestação de serviços com outros de inatividade permite a manutenção de “um núcleo de efectivo estável, adaptado e adaptável ao ciclo ou ciclos produtivos da empresa, com redução significativa de custos”102. Já para o trabalhador, há não apenas a vantagem da segurança decorrente da natureza permanente do vínculo, mas também a possibilidade de exercício de outra atividade profissional nos períodos de inatividade.
Não se pode esquecer, ainda, as vantagens para o Estado, uma vez que a estabilização da relação laboral reduz despesas com subsídios de seguro desemprego.
Da redação do dispositivo legal percebe-se que é requisito estrutural do CTI que o contrato seja por tempo
102TATIANA GUERRA DE ALMEIDA, ob. cit., p. 349.
indeterminado, abrangido, portanto, pela garantia decorrente do princípio constitucional insculpido no art. 53.º da CRP.
Alguns doutrinadores, ao buscar compreender a razão de ser desta restrição, entendem, como Madeira de Brito103, que existe verdadeira incompatibilidade estrutural entre o CTI e contratação a termo, vez que a natureza permanente das atividades intermitentes contrapõe-se ao caráter provisório das atividades que autorizam a contratação a termo, de acordo com o art. 140.º, que estabelece que “O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade”.
Xxxxxxx Xxxxxx funda a diferenciação na previsibilidade da descontinuidade ou da intensidade variável. Para ela, enquanto no CTI a situação é “previsível e programável”, no contrato a termo decorrerá da natureza do mercado, de forma “imprevisível ou pouco propensa à programação das necessidades de pessoal no quadro da empresa em questão”104.
Contudo, entendo que a impossibilidade de contratação intermitente mediante contrato a termo não decorre imperiosamente da natureza do contrato, sendo a meu ver verdadeira opção legislativa no sentido de evitar a sobreposição de duas precariedades105.
103MARTINEZ, Xxxxx Xxxxxx/XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx/XXXXXXXXXXX, Xxxxx/BRITO, Xxxxx Xxxxxxx de/DRAY, Xxxxxxxxx/XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx da
- Código do Trabalho Anotado, ob. cit., pp. 417-418 (anotação feita por P. Madeira de Brito).
104TATIANA GUERRA DE ALMEIDA, ob. cit., p. 352.
105M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado II, ob. cit., p. 367, ressalta que a impossibilidade de se acordar um regime de intermitência em um contrato a termo ou temporário decorre da intenção legislativa de “evitar a cumulação de dois regimes de menor tutela na mesma situação laboral”.
É o que se conclui quando se percebe que em outros sistemas jurídicos, como o italiano por exemplo, o trabalho intermitente pode se dar tanto através de um contrato a termo quanto de um contrato por tempo indeterminado106.
Xxxx Xxxxx ainda pondera que caso fossem verificados determinados pressupostos, nada impediria que um contrato intermitente fosse ao mesmo tempo um contrato a termo, como no caso de um trabalhador à procura do primeiro emprego, hipótese que autoriza a contratação a termo, ser admitido para laborar em uma atividade intermitente, vez que em outros casos o legislador permitiu a cumulação de precariedades, como com a possibilidade de o trabalhador em tempo parcial ser contratado a termo. Conclui, no entanto, serem CTI e contrato a termo mutuamente excludentes diante do disposto no n.º 2 do art. 157.º do CT107.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, da mesma forma, embora reconheça que a cumulação de CTI com contrato a termo é vedada conforme direito hoje vigente, não vê “razões ponderosas no sentido de impedir que um trabalhador intermitente não se encontre vinculado à empresa por um contrato a termo, desde que naturalmente, se verifiquem os requisitos materiais que oneram o empregador para a celebração do contrato de trabalho intermitente e do contrato a termo”108.
Seja porque são estruturalmente incompatíveis, seja por mera opção legislativa, fato é que só se admite acordo de intermitência em contrato por tempo indeterminado.
Mas o que fazer se empregador e empregado firmarem
106J. XXXXX, Da fábrica à fábrica de sonhos, ob. cit., p. 221.
107J. XXXX XXXXX/X. XXXXX XXXXXXX, Contrato de Trabalho Intermitente, ob. cit., p. 130-131.
108ANDRÉ ALMEIDA MARTINS, O trabalho intermitente como instrumento de flexibilização da relação laboral: o regime do Código de Trabalho de 2009, in I Congresso Internacional de Ciências Jurídico- Empresariais, Leiria, 2012, p. 87.
contrato em que coexistam cláusula de intermitência e termo?
Primeiramente é importante referir que não se tratam de cláusulas incidentais, mas sim de duas modalidades contratuais diversas e excludentes. Assim, qual dos dois contratos deve prevalecer?
O CTI se destina a atender necessidades permanentes da empresa, embora essa necessidade seja descontínua ou tenha intensidade variável no decorrer do ano.
Já o contrato a termo visa atender necessidade temporária da empresa e só pode ser firmado pelo período estritamente necessário para satisfazer esta necessidade. Em alguns casos, uma reflexão sobre a natureza da necessidade pode auxiliar a solução desse impasse.
Em algumas hipóteses facilmente poderemos perceber a inadequação de uma das modalidades, quando a situação real satisfaça as exigências legais para uma contratação a termo e não as satisfaça para o CTI, ou se verifique o contrário109. Nestes casos, prevalece a modalidade contratual que tiver seus requisitos legais justificados.
Outra hipótese é o caso de as duas modalidades contratuais não serem adequadas ao caso concreto, situação em que também facilmente se conclui que nesses casos o contrato deve ser tido como standard.
O problema se agrava, contudo, quando estivermos diante de uma situação em que se observe a presença dos requisitos de ambas as modalidades contratuais, caso em que
109Caso se trate de um desempregado de longa duração contratado de forma intermitente em um contrato a termo para um empregador que não atue de forma descontínua ou cujo empreendimento não tenha intensidade variável, permanece válido o termo e inválida a cláusula de intermitência. De outro lado, se não houver necessidade transitória, não for caso de primeiro emprego ou desemprego de longa duração, e estiverem presentes os requisitos do CTI, valerá a intermitência e o contrato será tido como sem termo.
as duas seriam admissíveis110.
Como definir, então, qual das modalidades contratuais realmente deve vigorar?
Xxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxxxx sugerem, em forma de questionamento, que se recorra à “vontade hipotética ou conjectural das partes”111, de modo a apurar-se qual das cláusulas seria mais importante para as partes caso soubessem que teriam de escolher entre elas, ou se não fosse possível, direito de opção seria do trabalhador.
No entanto, tendo em vista o princípio constitucional da segurança no emprego, e considerando que o CTI foi instituído com o objetivo de promover tal princípio constitucional mesmo diante da necessidade de flexibilização, entendo que caso haja estipulação de que o contrato de trabalho seja intermitente, havendo elementos factuais que justifiquem tal opção, caso haja a aposição de termo, ter-se-á o termo como não escrito, privilegiando-se assim o emprego estável, ainda que intermitente, em face do precário.
2. Atividade descontínua ou de intensidade variável da empresa
Ser intermitente compõe, evidentemente, a estrutura da modalidade contratual ora analisada, e a define enquanto tal. No entanto, é preciso compreender ao que está condicionada esta intermitência.
É condição sine qua non para a admissibilidade do
110J. XXXXXXXX, O Contrato de Trabalho Intermitente, ob. cit., p. 221, exemplifica como “empresa em início de laboração e com actividade descontínua”.
111J. XXXX XXXXX/X. XXXXX XXXXXXX, Contrato de Trabalho Intermitente, ob. cit., p. 132.
contrato de trabalho intermitente que a atividade empresarial seja descontínua ou que tenha intensidade variável.
Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx observa que no direito português, ao contrário do italiano e do francês, “a possibilidade de recurso à figura é aferida em função da especificidade da organização em que é prestada a actividade”112, e não do concreto tipo de atividade em causa.
É bem verdade que pela letra da lei, pode-se concluir que a descontinuidade ou intensidade relevante para a admissão desta modalidade contratual seria tão somente a atividade empresarial. Contudo, Xxxxx Xxxxxxx pondera, com razão, que embora a lei faça expressa referência à atividade da empresa, não bastaria que a empresa desenvolvesse atividade descontinuada ou de intensidade variável para que estivesse autorizado o recurso ao CTI, sendo imprescindível também que o “contrato daquele trabalhador em concreto tenha como objeto uma atividade desse tipo”113, e exemplifica afirmando que as funções permanentes exercidas em uma empresa que atue em atividades com picos sazonais não podem ser objeto de contratação em regime de intermitência114.
Em princípio, toda atividade é descontínua na medida em que, durante o dia, comporta intervalos de descanso, além de descansos semanais e férias; contudo não é a esse tipo de descontinuidade que se refere no CT ao tratar do CTI.
A descontinuidade a se considerar pode ser total,
112A. XXXXX XX XXXXXXXX, Considerações sobre o trabalho intermitente, ob. cit., pp. 353-354.
113M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado II, ob. cit., p. 367.
114Idem.
quando forem interrompidas todas as atividades da empresa, ou parcial, quando são encerradas apenas partes de suas atividades, em determinados períodos, como por exemplo as atividades com fundamento sazonal115.
Para aferir a descontinuidade, deve ser utilizado um critério de anualidade. É o que defende, com razão, Xxxxx Xxxxxxx, porque “uma empresa que desenvolva uma actividade continuada não pode socorrer-se desta modalidade de contrato de trabalho aproveitando o facto de estar perante uma crise pontual de encomendas, por exemplo” 116.
No que concerne à intensidade variável, Xxxx Xxxx Amado117 ressalta que, diferentemente da primeira condicionante, isto é, a atividade descontínua, ter intensidade variável, ou estar sujeito a flutuações, pode ser um traço característico da maioria das empresas, pelo que ressalta a necessidade de densificação desses conceitos.
Assim, o que seria “intensidade variável” neste
contexto?
Segundo Xxxxxxx Xxxxxx, esta variabilidade deve ser previsível e efetivamente prevista a fim de permitir a organização da prestação laboral para o decorrer do ano, não podendo ser incluídas nas razões para a contratação intermitente aquelas variações que decorram de circunstâncias fortuitas, transitórias ou de mercado118.
Segundo Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, a ideia de intensidade variável deve corresponder a previsíveis ciclos de trabalho, diferenciando, assim, dos requisitos que
115 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx/XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx/XXXXXXXXXXX, Xxxxx/BRITO, Xxxxx Xxxxxxx de/DRAY, Xxxxxxxxx/XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx da
- Código do Trabalho Anotado, ob. cit., p. 417 (anotação feita por P. Madeira de Brito).
116 M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado II, ob. cit., p. 367.
117 J. XXXX XXXXX, Contrato de Xxxxxxxx, ob. cit., p. 148.
118 T. GUERRA DE ALMEIDA, ob. cit., pp. 350-351.
autorizam a contratação a termo119.
Percebe-se, portanto, que situações pontuais de crise não caracterizam atividade de intensidade variável, e não autorizam a utilização da modalidade contratual ora analisada.
3. Prestação de trabalho intercalada por um ou mais períodos de inatividade
É da natureza do CTI que se alternem períodos de atividade com períodos de inatividade.
O legislador português, em observância ao Princípio Protetor, teve o cuidado de estabelecer períodos mínimos de atividade, a fim de garantir o mínimo de ocupação ao trabalhador, e por via de consequências, de rendimentos também, não se admitindo, portanto, contratos zero-hora, como no Direito Britânico.
Assim, em cada período de um ano, pelo menos seis meses devem ser de efetiva atividade, e destes, pelo menos quatro têm de ser de prestação contínua.
A lei não estabeleceu como se deve apurar este período de um ano, se a partir da contratação, ou se deve ser observado o ano civil, de janeiro a dezembro, e nestes casos, não esclarece como deve ser considerada a proporcionalidade, no caso de trabalho iniciado ou findo no meio do ano.
Ficará reservada, então, a solução do impasse, para jurisprudência, ao analisar na prática o que empregado e empregador estabeleceram em contrato. Parece-me, contudo,
119 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx/XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx/XXXXXXXXXXX, Xxxxx/BRITO, Xxxxx Xxxxxxx de/DRAY, Xxxxxxxxx/XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx da
- Código do Trabalho Anotado, ob. cit., pp. 417 (anotação feita por P. Madeira de Brito).
razoável considerar o ano civil e aplicar a proporcionalidade para aferir se o primeiro ano está a observar o mínimo legal de períodos de atividade.
A peculiaridade desta modalidade contratual reside em grande parte na alternância de períodos de atividade e de inatividade, sem que estes últimos configurem suspensão contratual. Pelo contrário, os períodos de inatividade constituem efetivamente períodos de execução do contrato.
É ainda nos períodos de inatividade que as particularidades do CTI se revelam, e os direitos e deveres dos trabalhadores intermitentes nesses períodos merecerão maior atenção e análise em capítulo apartado.
4. Contrapartida
De acordo com o art. 258.º, 1 do CT, retribuição é a prestação a que o trabalhador tem direito como contrapartida pelo seu trabalho.
Xxxxxxxx xx Xxxx Xxxx Xavier120 ressalta o papel que o período normal de trabalho desempenha na “construção do sinalagma contratual” vez que em função da quantidade de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar “se estabelece uma dada retribuição”.
Ocorre que há situações em que a retribuição não corresponde apenas ao trabalho efetivamente prestado, sendo devida também em virtude da disponibilidade, como é o caso dos guardas de passagem de nível, ou mesmo de médicos em plantões em hospitais, quando há o dever de remunerar ainda que não haja trabalho efetivo, e “porque o empregador assume encargos remuneratórios amplos com a celebração do
120XAVIER, Xxxxxxxx xx Xxxx Xxxx, Manual de Direito do Trabalho, Lisboa, 2011, p. 502.
contrato, que não decorrem da prestação da actividade
laboral”121
É bem verdade que a onerosidade é característica essencial de toda relação de emprego, e que à toda prestação laboral corresponde a obrigação de remunerar.
No caso do CTI, entretanto, a modalidade contratual ora analisada traz um diferencial interessante, qual seja, a obrigação de contrapartida mesmo nos períodos de inatividade.
O legislador, ao tratar sobre a forma de remuneração do CTI, chama de retribuição apenas para a remuneração referente aos períodos de atividade. Já quando trata dos períodos de inatividade, preferiu usar a denominação compensação retributiva.
Conforme António Nunes de Carvalho122, a “existência de uma contrapartida que consoante os ciclos de execução do contrato assume ora natureza de retribuição, ora a de compensação retributiva, constitui elemento essencial do contrato de trabalho intermitente”.
Desnecessário, no presente estudo, adentrar em teorias sobre a natureza jurídica da retribuição. No entanto, diante das peculiaridades da compensação retributiva, interessa refletir sobre o que justificaria, no caso, o seu pagamento, uma vez que no período inexiste efetiva prestação de trabalho, bem como sobre qual seria a natureza desse pagamento.
Não é a primeira vez em que o ordenamento jurídico português faz referência a uma compensação retributiva. Há previsão legal desta compensação no caso de lay off123.
Em resumo, o lay off consiste na suspensão dos
121 M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado II, ob. cit, p. 29.
122 A XXXXX XX XXXXXXXX, ob. cit., p. 360.
123 Vd. arts. 294 a 316 do CT.
contratos ou na redução dos períodos normais de trabalho, em situações de crise, quando então os trabalhadores recebem dois terços do seu salário ilíquido, garantido o salário mínimo124.
No caso em análise, contudo, a contribuição retributiva que decorre do CTI não tem o condão de assegurar o pagamento do salário mínimo legal, nem decorre de suspensão contratual como no caso do lay off, mas sim de efetivo cumprimento do ajustado entre os contratantes.
De acordo com o art. 160.º, I do CT, a compensação retributiva devida nos períodos de inatividade poderá ser estabelecida por IRC, devendo observar, no entanto, o mínimo de 20%.
Como exercício da liberdade contratual, não há dúvidas de que percentual maior do que o mínimo legal pode ser estabelecido pelas partes sem necessidade de representação coletiva.
Percebe-se que o legislador tratou da mesma forma a compensação retributiva tanto no CTI à chamada quanto no CTI alternado, muito embora sejam situações bastante diferentes entre si.
O Direito do Trabalho facilmente reconhece em muitos dos seus institutos o direito à remuneração pela disponibilidade, como já mencionado. Assim, compreende-se facilmente a obrigação de pagamento quando estamos diante da situação em que o trabalhador pode ser chamado a qualquer momento pelo empregador, desde que observada, evidentemente, a necessária antecedência de no mínimo 20 dias.
124 Sobre o lay off, guia prático na página da Segurança Social na internet: xxxx://xxx.xxx-
xxxxxx.xx/xxxxxxxxx/00000/00000/0000_xxxxxx/0xxx0000-00xx-00x0-x0x0- 84ba07592e45, acessado em 10/09/2017.
Contudo, não se pode usar o mesmo raciocínio para o CTI alternado, no qual são previamente definidos não apenas a quantidade de trabalho que será prestado, como também efetivamente as datas de início e fim de cada período de prestação laboral.
Mais adiante neste trabalho trataremos mais detidamente sobre a natureza jurídica da compensação retributiva, sendo interessante, neste momento, apenas fazer referência à existência de diferenças fundamentais entre as duas hipóteses de CTI no que tange às razões para pagamento desta contrapartida.
4.1 - Compensação retributiva em CTI à chamada
Percebe-se que o CTI à chamada coloca o trabalhador em uma situação de mais acentuada flexibilidade, na medida em que o ritmo da intermitência é totalmente imprevisível, ficando o trabalhador, portanto, à disposição das necessidades do empregador, aguardando a sua chamada que, desde que obedecida a antecedência mínima legal ou ajustada pelas partes, pode se dar a qualquer momento.
Desta forma, não se pode falar em autodisponibilidade, uma vez que, ao ficar no aguardo de um chamado do empregador, o empregado não é senhor do seu tempo “livre”.
Desta feita, a compensação retributiva devida em CTI ajustado na modalidade à chamada é mais facilmente justificada em face da heterodisponibilidade em que se encontra o trabalhador.
Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, ao falar da maleabilidade do CTI, ressalta que no âmbito deste contrato, “o conceito de heterodisponibilidade tem a
potencialidade de ser estendido para limites que nenhuma outra figura contratual do ordenamento jurídico-laboral permitia até à data”125.
Muito embora a jurisprudência portuguesa se dirija no sentido de entender que “apenas a disponibilidade do trabalhador com presença física no local de trabalho (tempo de permanência) releva para a qualificação como tempo de trabalho”126, não podemos esquecer que o estar à disposição pode constituir-se em uma obrigação contratual, como aliás se constitui no CTI.
É que no CTI, mais especificamente no CTI à chamada, o trabalhador tem duas obrigações principais que se complementam de forma a compor as características essenciais desta modalidade contratual: uma é estar à disposição do empregador para prestar trabalho quando for chamado, de acordo com as necessidades e os interesses da empresa, sendo que a esta obrigação corresponde o dever de o empregador pagar a compensação retributiva; outra é efetivamente trabalhar, quando chamado, tendo o empregador como contrapartida o dever de pagar a retribuição propriamente dita.
Como ressalta Xxxxx Xxxxxxxx que “Este tempo em que o assalariado não está a trabalhar por conta do seu empregador mas deve permanecer disponível para responder à chamada não é tempo livre nem tempo de trabalho”127.
125 A. XXXXXXX XXXXXXX, ob. cit., p. 73.
126 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx/XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx/VASCONCELOS, Xxxxx/BRITO, Xxxxx Xxxxxxx de/DRAY, Xxxxxxxxx/XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx da
- Código do Trabalho Anotado, ob. cit., p. 505 (anotação feita por L. Xxxxxx Xxxxxxxx ao fazer referência a Ac. Do Tribunal de Justiça de 3 de outubro de 2000, proc. C. 303/98 (SIMAP), e outros.
127 J. CARNEIRO, ob. cit., p. 208.
4.2 – Compensação retributiva em CTI alternado
Quando estamos diante da modalidade de CTI que consiste no trabalho alternado, não se pode mais falar em heterodisponibilidade, pois o trabalhador não se encontra à disposição do empregador, eis que sabe exatamente quando deverá retornar ao labor. Tem, portanto, total disponibilidade128 de seu tempo.
Como compreender, assim, na hipótese de trabalho alternado, a obrigação de o empregador pagar seu trabalhador, ainda que em percentual reduzido?
Diz Xxxxx Xxxxxxxx que “a compensação retributiva do trabalhador durante o período de inactividade tem por objectivo mantê-lo disponível para retornar ao trabalho nos períodos fixados ou mediante pré-aviso do empregador”129, contudo ressalta que apenas na modalidade à chamada o trabalhador se encontra em heterodisponibilidade130.
Parece-me possível argumentar que, embora não se possa negar que o trabalhador tenha autodisponibilidade quanto aos períodos de não trabalho, uma vez que já sabe de antemão os períodos em que terá de prestar labor, a compensação retributiva nos períodos de inatividade se justifica na medida em que o trabalhador aceita o prolongamento excessivo destes tempos de não trabalho, aceita este plus de flexibilidade que em um contrato
128 J. CARNEIRO, ob. cit., p. 217, nr. 40: “No trabalho alternado, o período de inactividade não é sequer um período de disponibilidade: o trabalhador está inactivo e não tem de estar disponível para o empregador”.
129 J. CARNEIRO, ob. cit., p. 216.
130 J. XXXX XXXXX/X. XXXXX XXXXXXX, ob. cit., p. 127, ao analisar as espécies do trabalho alternado e do trabalho à chamada, observam que “nos respectivos períodos de inactividade, a situação do trabalhador intermitente é marcadamente distinta: com efeito, este, e não aquele, obriga-se a responder à convocatória do empregador; para aquele, inactividade significará autodisponibilidade, para este, inactividade rima com heterodisponibilidade (o que justifica, de modo muito especial, o pagamento de uma adequada ‘compensação retributiva’)”.
regular inexistiria.
Ademais, com o CTI, o trabalhador admite submeter- se a uma cadência de prestação de serviços que se pauta exclusivamente nos interesses do empreendimento ao qual se encontra vinculado.
Ao contrário do contrato de trabalho a tempo parcial, que tem por escopo buscar conciliar a vida pessoal do trabalhador à possibilidade de exercício de uma atividade remunerada, ao se ajustar um contrato intermitente não se leva em consideração o interesse do trabalhador. Justifica-se, também por este caminho, a existência de uma compensação retributiva pelos períodos de não trabalho.
Ao aceitar, ainda, submeter-se a um contrato que não lhe garante trabalho o ano todo, admitindo não perceber salários completos em todos os meses, mas apenas naqueles em que trabalhar efetivamente, em contrapartida, tem garantida a percepção de um valor mínimo nos meses inativos.
5. Forma
A forma escrita é exigida em todas as modalidades que iniciam no art. 139 do CT, tendo em vista o princípio da segurança jurídica.
As menções obrigatórias são estabelecidas no art.
158.º, 1 do CT.
As partes estipulam os períodos de atividade e de inatividade a tempo completo, devendo ser no mínimo seis meses de atividade por ano, sendo que destes, quatro meses devem ser ininterruptos pelo menos.
A forma exigida em lei é condição de constituição válida do contrato, e não meramente de prova.
Assim, caso não seja observada a forma escrita ou não haja disposição no contrato a estabelecer o número de horas de trabalho ou o número anual de dias de trabalho a tempo completo - isto é, os períodos de atividade e de inatividade - considerar-se-á não estabelecida a intermitência.
Contudo, se, estabelecidos os períodos, estes não respeitarem o mínimo fixado em lei, considerar-se-á ajustado o mínimo.
Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx entende equivocada a existência de soluções diferentes para as duas situações, por acreditar que em ambos os casos o contrato deveria permanecer válido, observando-se, então, o período mínimo de atividade previsto em lei131.
Pois bem, parece-me que a intenção do legislador foi estabelecer que, para que se possa considerar que o ajuste de intermitência ao menos exista, as partes tem que dispor sobre número de horas de trabalho, ainda que de forma equivocada ou a menor.
Ocorre que, no que concerne à ideia de reconstrução do contrato, para que, quando estipule período menor do que o prescrito em lei, se entenda que foi ajustado o mínimo legal, vale ressaltar a crítica certeira de Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx, quando afirma que “a transformação de uma estipulação que determine um único período de curta duração numa faixa de seis meses parece incongruente. E sempre faltará saber se esse período é consecutivo ou interpolado
131 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx/XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx/XXXXXXXXXXX, Xxxxx/BRITO, Xxxxx Xxxxxxx de/DRAY, Xxxxxxxxx/XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx da
- Código do Trabalho Anotado, ob. cit., p. 419 (anotação feita por P. Madeira de Brito).
(e, neste caso, como se distribui), quando se inicia e termina, etc”, ressaltando que, na solução deste impasse não se encontram presentes apenas questões quantitativas, relativas à duração do trabalho, “mas também dimensões qualitativas (distribuição do tempo e organização da sua gestão)”132.
O legislador não traz a solução para a questão, mandando tão somente que se entenda ajustado o período mínimo, sem contudo explicar como se daria no caso de o CTI ter sido firmado de forma alternada, sem que os meses faltantes tenham sido definidos pelas partes contratantes.
Assim, teremos provavelmente nestes casos uma combinação de eventual CTI alternado, conforme os períodos ajustados, com períodos à chamada para completar o mínimo legalmente estipulado para a validade da cláusula de intermitência.
Pois bem, as partes devem estabelecer no contrato as datas de início e fim de cada período de atividade ou a antecedência mínima da chamada, sendo que por lei, o aviso prévio mínimo será de 20 dias.
Não há previsão legal de que a retribuição precise constar do contrato escrito. Da mesma forma, as atividades que serão desenvolvidas não precisam constar do contrato para que o CTI seja válido.
132 A. XXXXX XX XXXXXXXX, Considerações sobre o Trabalho Intermitente, ob. cit., p. 364.
VI – DIFERENÇAS ENTRE O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE E AS DEMAIS MODALIDADES CONTRATUAIS
A comparação entre as diversas modalidades contratuais trazidas no CT auxilia na compreensão de cada um deles, de seus fundamentos, de seus contornos e de seus efeitos.
Muito embora tenham sido considerados historicamente como excepcionais, ou atípicos, diante da nova organização trazida pelo CT em 2009, destes contratos de forma sistemática133.
Assim, nos tópicos a seguir, pretendo analisar os pontos de encontro e de desencontro entre o CTI e as modalidades atípicas que dele mais se aproximem, quais sejam, o contrato a termo, o contrato temporário e o contrato a tempo parcial.
1. CTI x contrato a termo
Por imposição legal, como já vimos, o CTI não pode ser firmado através de um contrato a termo.
Xxxxx do Rosário Palma Ramalho134 preceitua que a diferença residiria no caráter continuado do contrato a termo enquanto o intermitente é por natureza descontinuado. Contudo, esta forma de diferenciação mascara o problema que aparentemente o CTI visa solucionar, que é a sucessão ou reiteração de contratações a termo. Assim, é bem verdade que o contrato a termo, tomado individualmente,
133 Vd. M. XXXXXX XXXXXXX, Relações Atípicas de Emprego (A Cautionary Tale), ob. cit.
134 M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado II, ob. cit., p. 368.
é continuado. Contudo, as sucessivas contratações a termo podem trazer intervalos de inatividade, sendo que nestes intervalos o trabalhador permanece desempregado. Assim, faz-se necessário, então, maior aprofundamento na identificação das diferenças entre estas duas modalidades contratuais.
A diferença principal entre o CTI e o contrato a termo é, efetivamente, de ordem teleológica, porque enquanto o primeiro visa satisfazer necessidades permanentes, o segundo visa atender necessidades temporárias.
Xxxxxxx Xxxxxx tenta diferenciar estas duas modalidades contratuais sustentando que “o recurso ao trabalho intermitente derivará em primeira linha de uma descontinuidade ou intensidade variável que é rígida, altamente previsível e programável”, enquanto que a contratação a termo, referindo-se expressamente à hipótese de trabalho sazonal, derivaria “de uma necessidade temporária, decorrente da natureza do mercado em questão, imprevisível ou pouco propensa à programação das necessidades de pessoal no quadro da empresa em questão”135. Contudo, a autora reconhece que na prática a distinção será difícil e muitas vezes as situações sobrepor-se-ão. Esta sobreposição é o ponto crítico da diferenciação entre as duas modalidades, pois uma questão que permanece em zona cinzenta é o caso das atividades sazonais.
O trabalho sazonal é, na sua essência, trabalho intermitente136.
135 XXXXXXX XXXXXX DE ALMEIRA, O Novo Regime Jurídico do Trabalho Intermitente, ob. cit., p. 352.
136 Cf. Xxxxx Xxxxx, O Contrato de Trabalho a Termo ou a Tapeçaria de Penélope?, in P. XXXXXX XXXXXXXX (coord.), Estudos do Instituto de Direito de Trabalho, IV, Coimbra, 2003, p. 57, nr. 55, o autor ressalta que “O emprego sazonal é um emprego com carácter
Contudo, o CT, ao tratar do contrato de trabalho a termo, estabelece como uma de suas hipóteses de cabimento, conforme art. 140.º, “e)”: “Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima”.
Trata-se, portanto, de zona de contato entre as duas modalidades contratuais ora comparadas, o que nos traz alguns elementos para reflexão.
Sazonal é uma atividade intermitente por natureza137.
Ao tratar sobre trabalho sazonal, Júlio Gomes138 leciona que na sua origem, a ideia de trabalho sazonal guardava referência com “actividades que se repetiam ciclicamente, em função da saison, isto é, da estação do ano”, pondera ainda que no seu “sentido mais rigoroso, abrangia sobretudo actividades agrícolas ou, porventura, actividades noutros sectores, muito marcadas pelo clima: turismo balnear ou turismo de Inverno, por exemplo”. Contudo, relata uma expansão progressiva do conceito para abranger por exemplo “o trabaho nas livrarias, no início da época escolar, ou nas portagens das auto-estradas, aquando das deslocações maciças, por ocasião das férias”.
Pois bem, ao pensar sobre labor sazonal, o exemplo que logo vem à mente é justamente o da agricultura, que,
necessariamente intermitente. Trata-se aqui de uma condição necessária
nas actividades sazonais”.
137 O STJ, em Acórdão de 22/01/1988, cuidou do conceito de trabalho sazonal, ressaltando a ideia de regularidade e periodicidade da intermitência, conforme épocas do ano: “No trabalho ‘sazonal’ a necessidade de mão de obra resulta de acrescimo de trabalho que se verifica regular e periodicamente, em determinadas epocas do ano. No trabalho "eventual" este acrescimo e meramente ocasional ou esporadico, isto e, não e regular, não e periodico, nem tem conexão com as epocas do ano, podendo verificar-se em qualquer altura.”
138 Cf. J. XXXXX, O Contrato de Trabalho a Termo ou a Tapeçaria de Penélope?, ob. cit., p. 57.
por conta dos períodos de safra e entressafra, intercala períodos em que há necessidade de mais mão de obra, de menos ou até de nenhuma mão de obra, sendo tal alternância plenamente previsível; muito embora, como se pode perceber, a intermitência e a sazonalidade vão muito além disso.
Assim, é de se perguntar se a contratação de empregado em atividade sazonal deve ser feita a termo, na forma do art. 140.º, “e” do CT, ou através de CTI, por se tratar de uma empresa que exerce atividade com descontinuidade ou com intensidade variável.
O método teleológico acima mencionado não nos auxilia na solução desse dilema, posto que embora o CTI se diferencie do contrato a termo por se destinar a atividades permanentes, e a atividade sazonal seja não apenas permanente como previsível, a lei, ao referir este tipo de atividade como uma das hipóteses de contratação a termo, não observou o que dispunha o item 1 do mesmo artigo, onde fica estabelecido que o contrato a termo só poderia ser celebrado para a satisfação de atividade temporária.
O direito do trabalho tem como raiz fundamental o princípio da proteção, pois sua origem histórica é justificada pela necessidade de proteger o trabalhador hipossuficiente, que não tem condição de atuar em pé de igualdade com o empregador no estabelecimento das condições de contrato e de trabalho.
Ademais, a constituição portuguesa, ao vedar a despedida arbitrária, instituiu como regra o princípio da segurança no emprego, onde o princípio da proteção se manifesta, de forma mais marcante.
Desta feita, se estamos diante de duas modalidades contratuais mutuamente excludentes, e de uma situação fática que nos permite a utilização de qualquer delas, o
que se deve fazer? Cabe ao empregador a decisão sobre qual contrato adotar?
Diante da força do princípio da segurança no emprego, que restringe o despedimento à condição de última ratio, entendo que estando presentes os requisitos para a contratação intermitente, esta é a modalidade que deve ser utilizada.
Contudo, se estivermos diante de uma situação em que não seja viável a observância dos períodos mínimos de labor exigido no CTI, de seis meses de atividade, sendo pelo menos quatro consecutivos, admitir-se-ía a contratação a termo, pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade.
Com esta solução, evitar-se-ía o risco propalado por Xxxx Xxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx de privação de conteúdo útil do art. 140.º2 e) do CT139 bem como abrir-se- ia espaço para a utilização prática do CTI em atividades sazonais que, como já referido, são intermitentes por natureza e no mais das vezes são necessidades permanentes da empresa, embora com alternância de períodos de atividade e de inatividade, estimulando-se, assim, a constituição de vínculos estáveis.
2. CTI x contrato temporário
A maior diferença entre estas duas modalidades contratuais reside no fato de que o contrato temporário envolve vínculo tripartido, enquanto o CTI se dá através da relação laboral direta entre empregado e empregador.
Da mesma forma que fez em relação ao contrato a
139 Ob. cit., p. 134.
termo, o legislador vedou a possibilidade de conjugar o contrato temporário com o CTI.
Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx ressalta que podem ocorrer semelhanças “se o contrato para prestação de contrato temporário for celebrado por tempo indeterminado, já que, neste caso, o trabalhador temporário intercala períodos de actividade (para um ou mais utilizadores) com períodos de inactividade no seio da empresa de trabalho temporário140. É o caso do contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária, do qual tratamos no item 1.2 do Capítulo IV deste estudo.
Interessante ressaltar neste tópico a diferença entre a previsão legal do art. 184.º/2-a do CT, que garante ao trabalhador temporário, no período sem cedência, dois terços da última retribuição ou da retribuição mínima mensal garantida, consoante o que seja mais favorável, e o que dispõe o art. 160.º/1 do mesmo diploma legal, ao estabelecer que o trabalhador intermitente tem garantido mensalmente o mínimo 20% da retribuição base nos períodos de inatividade.
3. CTI x contrato a tempo parcial
Não haveria maiores dificuldades em estabelecer a diferença entre estas duas modalidades contratuais se o contrato a tempo parcial permanecesse com a mesma configuração que tinha no Código do Trabalho de 2003, isto é, tendo a semana como unidade de medida.
Contudo, no CT atual foi introduzida, no art. 150.º, 3 a possibilidade de contratação a tempo parcial a
partir do módulo de referência anual, criando o chamado
“tempo parcial vertical anual”.
Assim, o trabalho a tempo parcial hoje causa mais preocupação na diferenciação com o CTI, posto que as partes têm maior liberdade para distribuir o PNT, podendo inclusive haver períodos de descontinuidade, vez que a distribuição pode ser semanal ou mesmo ter base de cálculo anual.
É no contrato de trabalho por tempo parcial anual que encontramos a situação mais limítrofe, posto que a base anual de distribuição da PNT também é característica do trabalho intermitente.
Segundo Xxxxx do Rosário Palma Ramalho141, as duas figuras podem ser distinguidas considerando-se que no trabalho a tempo parcial não haveria propriamente períodos de inatividade em que o trabalhador se mantenha à disposição do empregador para retomar o trabalho, razão pela qual a sua retribuição é apurada tendo em conta tão somente a sua atividade. Assim, no contrato a tempo parcial, não há remuneração ou qualquer compensação pela inatividade.
Contudo, quando estivermos diante de um CTI que se dê por períodos fixos, conhecido também como trabalho alternado, e não da modalidade de CTI à chamada, a distinção é bem mais difícil, haja vista que o trabalhador intermitente que já tem previamente fixados os períodos de atividade não fica na disponibilidade do chamado do empregador nos períodos de inatividade, pelo que a situação em muito se assemelha ao trabalho a tempo parcial anual.
Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx observa que o legislador parece ter se inspirado no regime de trabalho a tempo
141Tratado II, ob. cit, p. 368.
parcial para regular o trabalho intermitente142.
O trabalho a tempo parcial é a única modalidade atípica de contrato de trabalho que não se vincula a qualquer motivação que a legitime, isto é, não se trata de um contrato causal. Isto se justifica pela ratio subjacente a esta modalidade contratual, que se destina a concretizar a conciliação da vida pessoal com a vida profissional, a possibilitar a compatibilização do trabalho com a vida estudantil, que se firma como instrumento de tutela da maternidade ou da paternidade, ao permitir que mães e pais consigam compatibilizar a realização profissional com o efetivo acompanhamento de seus filhos, e que objetiva a inclusão de pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho. É o que se conclui do disposto no art. 152.º, que estabelece, em seu n.º 1, que os IRCT’s devem prever “preferências em favor de pessoa com responsabilidades familiares, com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica ou que frequente estabelecimento de ensino”.
O CTI, por sua vez, é regido exclusivamente pelas necessidades da empresa. O ritmo da prestação é regido tão somente no interesse do empregador.
Além da questão atinente à motivação do contrato, o trabalho a tempo parcial dispensa o pagamento de compensação retributiva nos períodos em que não haja prestação de serviço. Desta forma, a sua utilização é mais simples e mais barata do que o CTI.
De acordo com Xxxx Xxxx Xxxxx, não é a mera existência de interrupções que define o contrato como intermitente, já que no contrato a tempo parcial também se observa a mesma estrutura, especialmente naquele contrato a
142 A. XXXXX XX XXXXXXXX, ob. cit., p. 363.
tempo parcial anual. O que diferencia o CTI do contrato a tempo parcial, segundo o autor, é, acima de tudo, o fato de que no CTI “quem gere aquela intermitência, quem marca o ritmo, é o empregador, a quem caberá definir quando se trabalha e quando se paralisa a actividade, quando o trabalhador está on e quando estará em stand-by (trabalho à chamada)”143.
Parece-nos que o contrato de trabalho a tempo parcial, quando estabelecidos os períodos a partir de um parâmetro de anualidade, fará esvaziar as chances de utilidade prática da contratação intermitente na modalidade alternada, por ser mais vantajosa para o empregador em vários pontos144.
Primeiramente, o fato de o contrato a tempo parcial não ter natureza causal, isto é, não demandar que a atividade prestada seja eminentemente intermitente, abre as possibilidades para a sua utilização em detrimento do CTI.
A falta de exigência de haver labor por pelo menos quatro meses seguidos também conta como vantagem para o contrato a tempo parcial, pois esta exigência caracteriza efetivamente uma restrição da liberdade de contratação imposta pelo legislador à utilização do CTI, que embora se justifique dada a relevância da remuneração para o sustento do trabalhador, acaba por onerar o empregador, caso a atividade empresaral de fato não demandasse todo esse período de trabalho contínuo, ou que se tratasse de atividade que exigisse distribuição do trabalho no ano de forma diversa da que a lei preconiza.
143 J. XXXX XXXXX/X. XXXXX XXXXXXX, Contrato de Trabalho Intermitente, ob. cit., p. 123.
144 Esta preocupação foi ressaltada na parte conclusiva da dissertação de mestrado de Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, O Contrato de Trabalho Intermitente, Dissertação de Mestrado inédita orientada pelo Professor Doutor Xxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx, Universidade de Lisboa, 2010, p. 97.
Ademais, a contratação a tempo parcial não traz consigo qualquer obrigação de pagamento de compensação retributiva nos períodos de inatividade, embora o vínculo permaneça em vigor mesmo quando não haja trabalho, pelo que desonera o empregador do ônus que teria se firmasse CTI, e contribui imensamente para o esvaziamento das hipóteses de utilização do CTI.
António Nunes de Carvalho145 observa que não há qualquer fundamento “para que apenas num dos casos se considere imperativo o pagamento de uma compensação pelos períodos de não trabalho”, e sugere uma interpretação conjugada dos números 1 e 3 do art. 150.º com o regime do CTI, de forma que, “quando envolva ciclos descontínuos de actividade e inactividade” se possa “exigir a aplicabilidade conjunta das normas reguladoras do trabalho intermitente.
Assim, defende o autor a possibilidade de conjugação dos dois institutos, afirmando que terá lugar a aplicação do regime do trabalho intermitente sempre que a menor duração semanal do PNT não possa sustentar a diferenciação de regimes146.
De fato, não há vedação legal expressa como há nos casos de contrato a termo e temporário, pelo que concluo que a interpretação supramencionada é a única que permite que o CTI não perca o sentido de existir.
145 A. XXXXX XX XXXXXXXX, ob. cit., p. 347.
146 Idem.
VII - DIREITOS E DEVERES DO TRABALHADOR INTERMITENTE
Neste capítulo, abordaremos alguns dos principais direitos e deveres do trabalhador intermitente.
Para tanto, é necessário observar que há direitos e deveres que só se mantêm nos períodos de atividade.
Desta feita, passo a analisá-los conforme o momento contratual.
1. Períodos de atividade
Os direitos e deveres dos trabalhadores intermitentes em períodos de atividade se confundem com os direitos e deveres dos trabalhadores sem intermitência, pois enquanto há efetiva prestação de serviços, o trabalhador recebe os salários ajustados, equiparando-se em direitos e deveres aos trabalhadores a tempo completo.
Mais especificamente no tocante à retribuição, Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx ressalta que muito embora inexista uma cláusula de paridade, ou de não discriminação, como se pode ver na disciplina do contrato a tempo parcial, no art. 154.º, ou do contrato temporário, no art. 185.º, a regra “não pode deixar de ser a mesma: o trabalhador terá direito à retribuição que for praticada para quem desempenhe funções correspondentes àquela para que foi contratado”147, logo a intermitência não pode ser motivo para discriminar trabalhadores.
Diante da situação peculiar que se verifica no CTI, em que a prestação laboral é interrompida por períodos de inatividade, podem ser necessárias algumas adaptações148 em
147 A. XXXXX XX XXXXXXXX, ob. cit., p. 361.
148 Exemplos de adaptações são referidos por A. XXXXX XX XXXXXXXX, ob
relação a certos direitos e deveres, a exemplo do trabalho suplementar, em que pode ser necessário estabelecer limites máximos proporcionais à duração anual do trabalho.
Outras hipóteses em que pode haver alguma dificuldade que demande adequações seriam os casos de prêmio por produção ou assiduidade, e nas avaliações para promoção na carreira. Nestes casos, deve ser levada em conta a proporcionalidade decorrente do trabalho intermitente.
Como ficaria ainda o regime de adaptabilidade? No caso, seria necessário restringi-la ao ciclo de trabalho149.
E quanto à marcação dos períodos de férias? As férias teriam de ser agendadas dentro dos períodos de atividade ou poderiam ser ajustadas nos períodos em que o trabalhador se encontra inativo? A lei não traz resposta a este questionamento, e, considerando que se trata de período de não trabalho, manifestar-me-ei mais a fundo sobre este ponto no tópico a seguir, onde irei tratar dos direitos e deveres relativos aos períodos de inatividade.
Pois bem, a ausência de experiências de utilização desta modalidade contratual restringem as soluções a hipóteses doutrinárias, sem possibilidade de recorrer a situações concretas nem a soluções reais encontradas pela jurisprudência.
Contudo, salvo adaptações pontuais da legislação a uma lógica de proporcionalidade, a partir da intermitência ajustada, devem ser observadas as normas trabalhistas aplicadas à generalidade dos contratos.
cit., pp. 365-366.
149Neste sentido entende A. XXXXX XX XXXXXXXX, ob cit., p. 366.
2. Períodos de inatividade
Como já referimos anteriormente, os períodos de inatividade não são períodos de suspensão contratual. Pelo contrário, são períodos de efetiva execução do contrato.
Muito embora não haja polêmica quanto ao afirmado acima, interessa referir algumas similaridades entre os períodos de inatividade no CTI e os períodos de suspensão contratual.
É o caso, por exemplo, da afirmação do item 1 do art. 295.º, segundo o qual durante a redução ou suspensão ficam mantidos os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham efetiva prestação de serviços, que equivale ao que dispõe o item 4 do art. 160.º, onde o legislador afirma expressamente o princípio da manutenção dos direitos, deveres e garantias das partes que não pressupõem prestação de trabalho.
Em ambos os casos, também, o tempo de inatividade é considerado para efeitos de antiguidade (art. 295.º, 2).
Ora, no CTI, os períodos de inatividade devem ser computados na antiguidade do trabalhador, vez que não correspondem a períodos de cumprimento efetivo do contrato nos moldes ajustados pelos contratantes.
O art. 295.º, 3 autoriza a cessação do contrato no período de suspensão.
Da mesma forma, nada impede que o CTI possa ser denunciado, na forma da legislação pertinente, ainda que durante o período de não trabalho.
A grande diferença é que no caso do CTI, nos períodos de inatividade “não ocorre nenhuma vicissitude que obste à prestação de uma actividade em abstracto devida”150,
150 A. XXXXX XX XXXXXXXX, ob. cit., p. 366.
pois o contrato se concretiza com a alternância de períodos de atividade e de inatividade, conforme ajustado no contrato pelas partes.
Pelo que se pode facilmente perceber, as situações que merecem maior atenção estão justamente nos períodos de inatividade.
Pois bem, segundo o art. 160.º do CT, o trabalhador intermitente tem direito a uma compensação retributiva que corresponda a no mínimo 20% da remuneração normal.
Já tivemos a oportunidade de tratar desta compensação retributiva no capítulo relativo aos elementos estruturais, e voltaremos a fazê-lo aquando da análise das Questões Controvertidas, no tocante à sua natureza jurídica, pelo que neste ponto limito-me a referir a sua previsão enquanto direito do trabalhador intermitente nos períodos de inatividade.
Além disso, o trabalhador intermitente tem direito ao subsídio de natal e de férias. Os termos do cálculo dos subsídios de natal e de férias estão estabelecidos no item
2 do dispositivo legal mencionado acima, e devem se dar considerando a média das retribuições e compensações retributivas dos últimos doze meses.
Interessante ressaltar a diferença de abordagem da Lei 4/2008, de 7 de Fevereiro, que estabelece, em seu art. 8.º n.º 6 c), que o trabalhador intermitente terá direito “Aos complementos retributivos, designadamente subsídios de férias e Natal, calculados com base no valor previsto para a retribuição correspondente ao último período de trabalho efectivo”, ou seja, recebe as férias como se fosse período de atividade.
No caso do CTI objeto do presente estudo, contudo, as parcelas são apuradas a partir da média obtida
considerando-se tanto as retribuições pagas ao trabalhador quanto as compensações retributivas, e não a apenas a remuneração dos períodos efetivamente laborados.
Ainda no que concerne às férias, a legislação silencia quanto ao momento de sua concessão. As férias devem ser gozadas dentro dos períodos de atividade ou nos períodos de não trabalho?
A resposta mais imediata parece ser a de que as férias, como período de não trabalho, devem ser concedidas fora dos períodos previstos para prestação efetiva de labor, uma vez que, diante na natureza do trabalho intermitente, os períodos designados pelo empregador como de labor, seja no contrato alternado, seja no contrato à chamada, são aqueles em que a empresa tem necessidade da presença efetiva do trabalhador, pelo que não faria sentido conceder as férias dentro destes períodos.
Ocorre que o pluriemprego não apenas não é proibido ao trabalhador intermitente, como se trata de verdadeiro direito deste trabalhador, diante da necessidade de prover o seu sustento, eis que se encontra comprometido com um contrato que, pela sua intermitência, não lhe permite auferir salários integrais todos os meses em um só empregador.
Assim, se estivermos diante de uma situação de pluriemprego em que não seja o caso de contrato de trabalho intermitente à chamada151, e se “ambos os empregadores entenderem marcar as férias após o período de actividade nas suas empresas” isto na prática “inviabilizaria as férias do trabalhador violando o seu direito ao repouso e desvirtuando a finalidade das férias”.
151 como exemplificado por XXXXXXXXX XX XXXXX XXXXXX em sua Dissertação de Mestrado, Ob. cit, p. 93.
Segundo o art. 237.º, 2, o direito às férias152 independe da assiduidade do trabalhador ou da efetividade do labor. Trata-se, ainda, de um direito irrenunciável, conforme item 3 do mesmo dispositivo legal, o que se justifica “no objectivo essencial de tutela da saúde e de garante da recuperação física do trabalhador”153.
Para o exemplo supracitado, interessa-nos ponderar acerca dos termos do art. 247.º, que veda o exercício de qualquer outra atividade remunerada durante as férias.
Xxxx amado pondera que a solução do legislador “atenta a ratio deste direito, mas que não deixa de constituir um assinalável limite à autodisponibilidade do trabalhador durante as suas férias”154.
Contudo, na própria norma consta a previsão de duas exceções: quando o trabalhador já exerça a atividade de forma cumulativa, ou quando o empregador o autorize155.
Assim, pode-se concluir que a hipótese do CTI está justamente na exceção decorrente de atividade previamente exercida. Contudo, no exemplo analisado, percebe-se que
152 Segundo M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado II, ob. cit., p. 598, o direito às férias “é um direito reconhecido a todas as categorias de trabalhadores, que prossegue o objectivo essencial de assegurar o repouso do trabalhador e a possibilitar a sua plena recuperação física para um outro ano de trabalho, bem com garantir condições de disponibilidade pessoal e integração familiar e social do trabalhador”.
153 M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado II, ob. cit., pp. 599-600.
154 Contrato de Trabalho, ob. cit., p. 291.
155 P. XXXXXXX XXXXXXX, O Pluriemprego no Direito do Trabalho, in A. XXXXXXX (coord.), II Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Coimbra, 1999, p. 198, ao tratar da proibição de o empregado trabalhar para outrem em suas férias, afirmou: “Trata-se de uma proibição – que de resto se encontra também noutros Ordenamentos – com fins muito específicos, relacionados com a protecção da posição do empregador: uma vez que ele suporta os custos das férias, tal encargo pressupõe que as mesmas sejam utilizadas para a recuperação das energias postas ao serviço desse mesmo empregador. Assim se compreende que o empregador possa autorizar o trabalhador a desempenhar outras actividades remuneradas durante as férias, evidenciando-se que, contrariamente ao que por vezes se julga não está aqui em causa a protecção do diretio ao repouso”.
aquele trabalhador não terá verdadeiras férias enquanto perdurarem os dois contratos, já que o período de inatividade de um possivelmente será o de atividade do outro.
Desta | forma, em | alguns casos, o trabalhador |
intermitente | pode ficar | impedido de atingir, com a |
concessão de | férias fora | dos periodos de atividade, os |
objetivos essenciais das férias.
E por falar em pluriemprego, como referido acima, o trabalhador intermitente tem, ainda, o direito expresso ao exercício de outra atividade. Xxxxx Xxxxxxx vê na admissibilidade do pluriemprego, prevista no art. 160.º n.º
3 do CT, a projeção do art. 58.º n.º 1 da Constituição Portuguesa, onde se estabelece o princípio constitucional da liberdade de trabalho156.
A doutrina portuguesa é bastante uniforme quanto à subsistência do dever de não concorrência durante o período de inatividade. Assim, o direito de exercer outras atividades fica limitado pelo dever da alínea f), do nº 1, do art. 128.º do CT.
Nas situações de doença ou de incapacidade temporária, caso estas alcancem os períodos dos ciclos de trabalho, aplicam-se integralmente os regimes de faltas ou da suspensão, com as adaptações necessárias. Contudo, se ocorrerem durante ciclos de inatividade, não terão consequências para o contrato.
Considerando que a lei estabelece a forma devida bem como prevê um prazo mínimo de antecedência para a convocação ao trabalho em casos de CTI à chamada, o trabalhador tem o direito de recusar a chamada em casos nos quais a faculdade patronal tenha sido exercida fora dos
156 M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado II, p. 128.
termos estabelecidos, como por exemplo se não tiver sido observado o período mínimo de antecedência.
Desta forma, a resistência do trabalhador só se justifica na existência de prévio incumprimento do empregador quanto à forma e ao prazo estabelecidos. Caso contrário, a recusa é ilegítima, pois é prerrogativa do empregador gerir os ciclos de atividade e de inatividade no contrato intermitente à chamada, diante do seu poder diretivo e da condição de subordinação do empregado.
É direito do trabalhador, ainda, fazer cessar o contrato mesmo durante o período de inatividade, e nada obsta que isto possa ocorrer mesmo antes de prestar serviços. É o que sustenta António Nunes de Carvalho157, alegando que assim o trabalhador pode frustrar a utilidade do pagamento da compensação retributiva que antecedeu o período em que haveria prestação de labor. Nesse caso, o autor faz referência a dois caminhos, sendo o primeiro o de equacionar limites à faculdade de desvinculação, e o segundo um eventual dever de indenização.
Parece-me que o caminho da indenização é o mais razoável, na medida em que não se deve admitir a ideia de manter um trabalhador vinculado a um empregador contra a sua vontade, diante do princípio geral de liberdade de desvinculação do trabalhador.
157 A. XXXXX XX XXXXXXXX, ob. cit., p. 370. Xxxxxxx o autor que esta faculdade pode ser exercida mesmo antes da primeira chamada, ainda que o trabalhador já tivesse recebido por vários meses a compensação retributiva, reconhecendo, contudo, a possibilidade de indenização ao empregador com base no disposto na parte final do art. 401.º do CT.
VIII – QUESTÕES CONTROVERTIDAS
No presente tópico, pretendo analisar mais detidamente algumas questões controvertidas relevantes ao estudo do CTI, especialmente decorrentes de problemas advindos justamente do estabelecimento de períodos de inatividade intercalados em um contrato de trabalho por tempo indeterminado, como ocorre no caso do trabalho intermitente.
Muitas destas questões não terão uma resposta satisfatória, ou mesmo definitiva, uma vez que a juventude desta modalidade contratual aliada à falta de experiências práticas restringem o debate. Contudo, a pretensão neste tópico é justamente a de lançar as questões, discutir as possibilidades e, quando possível, alcançar algumas respostas.
1. Períodos de inatividade - Natureza jurídica da compensação retributiva
Muito embora tanto o CTI alternado quanto o CTI à chamada tenham como elemento estruturante a existência de períodos de inatividade que se alternam com os períodos de trabalho, não se pode negar que entre as duas submodalidades de CTI há diferenças fundamentais que fazem com que seja imperioso analisar também a natureza do tempo de inatividade em cada uma delas e, consequentemente, da contraprestação respectiva.
Xxxx Xxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx qualificam
como de “autodisponibilidade” o tempo de inatividade no
trabalho alternado158.
Segundo Xxxxx | Xxxxxxx | Xxxxxxx, | o estar à |
disposição, “implica, | do ponto | de vista | jurídico, uma |
obrigação de facere, pois assenta numa ‘conduta pré- determinada: colocar-se à disposição para a chamada’, que isoladamente carece de relevância económica, mas que se perspectivada do enquadramento da estrutura bifásica do contrato, permite afirmar, com XXXX XXXX XXXXX, que ‘ele cumpre-se dessa forma, a inactividade do trabalhador corresponde a um dos seus modos de ser, à normal execução do contrato, à mais peculiar das suas facetas’”159.
Enquanto no CTI alternado se pode falar em verdadeira autodisponibilidade do tempo de não trabalho, uma vez que o trabalhador sabe antecipadamente quando e quanto trabalho terá de prestar, já não se pode chegar à mesma conclusão diante do CTI à chamada, situação na qual o trabalhador sabe apenas a quantidade de horas de trabalho ao ano, mas não tem prévio conhecimento de quando será chamado para trabalhar, e, desde que observado o período mínimo de antecedência, que pela lei é de 20 dias, ele pode ser surpreendido com a convocação ao trabalho a qualquer tempo.
Desta feita, no trabalho à chamada, restringe-se sobremaneira a liberdade do trabalhador, tanto para dispor do seu tempo livre para dedicar-se aos seus interesses pessoais, compromissos familiares, sociais ou recreativos, quanto mesmo para que consiga gerir o exercício de outra atividade profissional remunerada nos períodos de inatividade, “dada a abrangência da heterodisponibilidade que resulta do trabalho à chamada”160, uma vez que a
158 Ob. cit., p. 127.
159 A. XXXXXXX XXXXXXX, ob. cit., p. 95.
160 Ob. cit., 80.
qualquer momento pode ser convocado pelo empregador para trabalhar.
Sustenta Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx que “numa certa perspectiva, o trabalho à chamada pode mesmo ser considerado como uma das formas pelas quais a subordinação se estende à esfera privada do trabalhador e, sobretudo, implica um esbatimento da fronteira entre tempo de trabalho/tempo de descanso, não sendo despropositada a afirmação de que haverá momentos que poderão ser caracterizados como tempo de terceiro tipo” 161.
No CTI alternado não há invasão inesperada do período de inatividade. Contudo, pode-se falar que esta invasão se dê por ocasião da contratação. É que a estipulação dos períodos de atividade e de inatividade se dá com base exclusivamente no interesse e na necessidade do empregador. Logo, o trabalhador se submete a tal situação em troca de uma contraprestação de pelo menos 20% de sua retribuição base nos meses em que não há labor162.
Assim, nos períodos de atividade recebe a retribuição pelo trabalho, e nos períodos de inatividade recebe a compensação retributiva.
Ocorre que ao instituir denominações diferentes para o pagamento que é feito em contraprestação ao trabalho, e para o pagamento relativo ao período de inatividade, o legislador parece querer deixar claro que se tratam de parcelas diferentes pagas por razões diversas.
Contudo, é imprescindível analisar a natureza jurídica da compensação retributiva.
É que atribuir-se natureza de retribuição à compensação retributiva conduz a consequências que não
161 Idem.
162 Vd. capítulo V, 4 deste.
podem ser desprezadas, como por exemplo, poderia importar em concluir que se teria de aplicar a tal contribuição o regime de garantias, conforme o que dispõe o art. 258.º, 4 do CT, e talvez conduzisse até à inconstitucionalidade da fixação do percentual legal.
Pois bem, segundo art. 258.º, 1 do CT, “Considera- se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”.
Assim, seria possível atribuir natureza retributiva ao valor recebido pelo trabalhador em período de inatividade?
Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx atribui à compensação prevista no art. 160.º do CT natureza retributiva, posto que teria como objetivo “manter o trabalhador disponível para retomar o trabalho nos períodos fixados ou mediante pré-aviso do empregador”163.
António Nunes de Carvalho164 defende que o fato de a remuneração e a compensação retributiva integrarem em conjunto o parâmetro retributivo que compõe a base de cálculo das férias e subsídio de natal do trabalhador intermitente de acordo com o art. 160.º, 2 CT, aliado ao argumento de que “retribuição e compensação retributiva traduzem o equilíbrio encontrado pelas partes na constituição do vínculo” a fim de estabelecerem uma “contrapartida global de uma prestação” laboral descontínua, permitem concluir acerca da natureza remuneratória da parcela ora analisada. Contudo, embora assim entenda, defende que isto não conduz necessariamente
163 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx/XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx/VASCONCELOS, Xxxxx/BRITO, Xxxxx Xxxxxxx de/DRAY, Xxxxxxxxx/XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx da
- Código do Trabalho Anotado, ob. cit., pp. 421 (anotação feita por P. Madeira de Brito).
164 A. XXXXX XX XXXXXXXX, ob. cit., pp. 372-373.
à conclusão de que não possa ser estabelecida em montante inferior ao salário mínimo, e justifica tal conclusão no fato de que a duração anual do trabalho é inferior ao que dura o labor de um trabalhador em regime comum, e ressalta o fato de que o trabalhador intermitente pode encontrar outra fonte de renda para os períodos de inatividade.
Em complementação à ideia desenvolvida por Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx, é interessante referir que o art. 8.º 6
c) da Lei n.º 4/2008, de 7 de Fevereiro, estabelece que durante os períodos de inatividade, os trabalhadores têm direito “Aos complementos retributivos, designadamente subsídios de férias e Natal, calculados com base no valor previsto para a retribuição correspondente ao último período de trabalho efectivo”. Assim, na Lei dos profissionais de espetáculos não se cogita da compensação retributiva compor a base de cálculo dos subsídios de natal e de férias. Contudo, o legislador, ao instituir o trabalho intermitente no CT de 2009 decidiu fazer de forma diversa, permitindo a interpretação dada pelo autor.
Ocorre que, por mais que se tenha que concordar com a observação de que a consideração da contribuição retributiva para fins de cálculo de férias e gratificações natalinas conduza à conclusão da sua natureza remuneratória, ao afirmar que a duração menor do trabalho anual justificaria que o valor da compensação retributiva fosse inferior ao salário mínimo, contudo, não enfrenta a ideia de que a proteção à retribuição não se restringe a uma situação meramente formal que se resolva com a fixação de um salário hora igual ao valor da hora dos demais trabalhadores, uma vez que não pondera sobre os subprincípios centrados na proteção da retribuição, em
especial ao princípio da suficiência salarial165.
Segundo Xxxxxxxxx Xxxx, o princípio da suficiência salarial faz concluir que “a retribuição não pode ficar abaixo de um valor que é considerado o patamar mínimo necessário para garantir a sobrevivência e a satisfação das necessidades básicas do trabalhador e da sua família”166.
Ora, para se chegar a uma conclusão sobre a natureza da compensação retributiva é importante analisar no que consiste a retribuição.
É muito comum a perspectiva de que o salário corresponda a uma contraprestação pelo trabalho efetivamente prestado pelo empregado, o que, aliás, condiz com a redação do art. 258.º 1 CT, transcrito anteriormente. Contudo, como bem assevera Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, “É a disponibilidade do trabalhador – mais do que o serviço efectivo – que corresponde ao salário; o trabalhador está, muitas vezes, inactivo porque o empregador não carece transitoriamente dos seus serviços ou o coloca em situação de não poder prestá-los, embora mantendo-se ele disponível e, portanto, a cumprir a sua
obrigação contratual”167.
A disponibilidade, no caso, mais evidente no CTI à chamada, não pode ser desprezada no CTI alternado, uma vez que mesmo nesta submodalidade o fato de ser o empregador quem gere o ritmo desta intermitência permite concluir que o trabalhador tenha se colocado previamente em condição de se sujeitar às necessidades do empregador, colocando-se na posição de disponibilidade quanto às necessidades da
165 Princípio referido por M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado II, ob. cit., pp. 677-679, onde explica que este princípio se funda na função alimentar do salário.
166 G. DRAY, O Princípio da Proteção do Trabalhador, Coimbra, 2015, p. 877.
167 Ob. cit., p. 407.
empresa.
É interessante, para a compreensão da natureza da retribuição em períodos de inatividade, que retomemos a referência feita na parte inicial deste estudo acerca do contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária.
Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, ao tratar do contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária, afirmou:
“Releva-se o facto de o trabalhador com contrato por tempo indeterminado, ao contrário do contrato do trabalhador temporário tout court, – pelo menos deste não consta expressamente (art. 26.º) – não poder ter, durante as cedências, retribuição inferior à remuneração mínima mensal garantida ou à prevista em instrumento de regulamentação se superior (art. 31.º/1/d)). Mantendo este plafonamento mínimo, nas situações de inactividade poderá, porém, ver reduzida a retribuição em cerca de um terço. (Solução que não constava do projecto inicial (art. 31.º/1/d)). Deste constava, antes, o direito a essa retribuição durante a inactividade. Veja-se, agora, a solução no art. 32.º/2.)168.
Percebe-se, assim, que na modalidade contratual acima referida, tida anteriormente como uma espécie de
168 J. XXXXXX XXXXXXX, Notas sobre o regime do trabalho temporário de 2007, Coleção Formação Inicial, Trabalho Temporário: Jurisdição do Trabalho e da Empresa, in Centro de Estudos Judiciários, (Out. 2014), pp 58-59.
embrião do CTI169, mesmo nos períodos de inatividade o trabalhador recebe retribuição, sendo assegurada ao trabalhador a remuneração mínima mensal garantida ou aquela prevista em instrumento de regulamentação se superior, o que evidencia a sua natureza remuneratória, ainda que em período em que não haja prestação efetiva de serviços.
A retribuição é um direito do trabalhador, e por via de consequência é também um dever do empregador, que decorre do próprio contrato, como contrapartida à atividade laboral ou à disponibilidade do trabalhador; tem natureza patrimonial, devendo ser paga de forma regular e periódica170.
Pois bem, estão excluídas do conceito de retribuição aquelas prestações que tenham como causa determinante não a prestação da atividade pelo trabalhador, nem a sua disponibilidade para o trabalho, mas sim que se justifiquem em “uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este”171.
Parece-me que se a compensação retributiva consiste em uma contraprestação à disponibilidade do trabalhador, de forma mais clara no CTI à chamada e de forma mais sutil no CTI alternado, terá a verba natureza de retribuição172. A própria sujeição do trabalhador à intermitência do labor,
169 Vd. Cap. IV, 1.2.
170 Conceito formulado a partir dos ensinamentos de M. R. XXXXX XXXXXXX, Tratado II, ob. cit., pp. 665-671.
171 Ac. STJ de 13 de Julho de 2011, Relator: Xxxxxxxxx Xxxxx, disponível em xxx.xxxx.xx, acessado em 25/11/2017.
172 No mesmo sentido conclui XXXXXXXXX XX XXXXX XXXXXX, em Dissertação de Mestrado inédita, ob. cit., p. 85, quando, ao citar Xxxxx Xxxxx, refere que “a retribuição é a contrapartida do dispêndio de energias, mas é também a contrapartida da implicação da pessoa na actividade laboral” e pondera que se o empregador procura obter uma certa utilidade com o contrato laboral, deve retribuir tanto o tempo de trabalho que lhe é útil quanto o tempo de não trabalho que não lhe seja útil.
pautada exclusivamente nas necessidades da empresa, tem o condão de transferir ao trabalhador parte dos riscos da atividade econômica, o que já justificaria a natureza retributiva do pagamento nos períodos de inatividade, por se tratar, como defendido anteriormente, de uma espécie de disponibilidade prévia. O trabalhador colocou à disposição do empregador o seu tempo e este fez com ele o que quis, conforme suas próprias conveniências e necessidades.
Pois bem, segundo Xxxxx do Rosário Xxxxx Xxxxxxx, reconhecer que determinada prestação tenha natureza retributiva importa em dois efeitos, quais sejam, “a sujeição desta prestação à regra da irredutibilidade” e “a sujeição desta prestação ao regime especial de tutela dos créditos retributivos do trabalhador, estabelecidos nos arts. 333.º ss”173.
Assim, diante da constatação de que a compensação retributiva tem natureza de verdadeira retribuição, e diante dos efeitos acima referidos, poderia o legislador ter fixado patamar de 20% para a compensação retributiva nos casos de CTI?
Não me parece que percentual tão ínfimo seja capaz de atender ao princípio da suficiência salarial, segundo o qual “a retribuição não pode ficar abaixo de um valor que é considerado o patamar mínimo necessário para garantir a sobrevivência e a satisfação das necessidades básicas do trabalhador e da sua família”174.
Vale referir o art. 3.º, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, segundo o qual “Quem trabalha tem o direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma
173 Tratado II, ob. cit., p. 670.
174 G. DRAY, ob. cit., p. 656.
existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social”175.
É certo que exigir-se que o empregador pague o mesmo salário que paga nos períodos de atividade seria esvaziar completamente o sentido do CTI, bem como esvaziar- lhe qualquer possibilidade de resultado útil. Contudo, não é possível imaginar que o trabalhador conseguirá viver de forma digna com 20% do seu salário.
Nem se argumente que a possibilidade de conseguir outro emprego compense esta precariedade, pois mesmo no trabalho alternado, em que o trabalhador tem conhecimento prévio dos períodos de inatividade, ele dificilmente conseguirá outro trabalho intermitente em uma empresa que tenha suas necessidades coincidentes com os períodos em que o trabalhador esteja disponível, uma vez que não podemos esquecer que a cadência do trabalho intermitente depende exclusivamente das necessidades do empregador, e não da disponibilidade do trabalhador.
Isto posto, concluo pela necessidade de uma reforma legislativa que estabeleça percentual mais condizente com o princípio da dignidade da pessoa humana ou, fixado tal percentual, que se garanta a observância do salário mínimo176 nos períodos de inatividade, em observância aos princípios da proteção177 e da suficiência salarial, o que
175 Idem, p. 657.
176 No mesmo sentido J. XXXXX, Da fábrica à fábrica de sonhos, ob. cit., p. 223: “Parece-nos, pois, tratar-se de uma retribuição, ainda que não pelo trabalho, mas pela disponibilidade do trabalhador – perguntamo-nos se esta retribuição reduzida conferida no período de inactividade poderá ser inferior ao salário mínimo (por tratar-se de retribuição pensamos que a resposta deverá ser negativa).”
177 G. DRAY, ob. cit. p. 403, ao reconhecer que o princípio da proteção não exclui o princípio da proteção, admite que “A afirmação é válida, assim como se concorda com a ideia de que o Direito do trabalho não é uma área jurídica exclusivamente destinada à proteção dos trabalhadores subordinados, mas tal não exclui a circunstância de o
for maior, como já prevê a legislação portuguesa nos casos de cedência temporária.
2. Trabalho suplementar no CTI
A quantidade de trabalho contratada já deve estar estabelecida desde o momento em que fora firmado o CTI, seja em relação à quantidade de horas, seja em relação à quantidade de dias a tempo completo, de acordo com art. 158.º, 1, b).
Coloca-se, assim, a questão sobre se seria ou não admissível a exigência de labor suplementar no CTI.
A lei estabelece uma duração mínima anual do trabalho, além de uma restrição aos ciclos de atividades, considerando uma quantidade mínima de meses a tempo completo.
Não podem as partes estabelecer padrões mais flexíveis do que o mínimo estabelecido por lei. Contudo, podem sem dúvida ajustar no contrato mais períodos de trabalho, por se entender ser condição mais vantajosa ao trabalhador, que perceberá remuneração completa por mais tempo.
Temos pelo menos duas situações diferentes previstas pelo legislador. Na primeira, as partes ajustam uma quantidade de horas anuais; na segunda, ajustam uma determinada quantidade de dias a tempo completo.
‘princípio-padrão’, aquele de onde se retiram, em última instância, os valores mais profundos do sistema, ser o ‘princípio da proteção do trabalhador’: ele pode ser limitado pelo ‘princípio da salvaguarda dos interesses de gestão do empregador’, mas o movimento de expansão parte do ‘princípio da proteção do trabalhador’: ele avança e recua em função do devir social, sendo certo que seus avanços não podem, no limite, obnubilar ou extinguir os interesses de gestão empresarial e a autonomia privada do empregador”.