CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RESIDENCIAL SOB A ÓTICA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Direito das Relações de Consumo
CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RESIDENCIAL SOB A ÓTICA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Xxxxxxx Xxxxxxxxx Terra
São Paulo 2015
Direito das Relações de Consumo
CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RESIDENCIAL SOB A ÓTICA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Xxxxxxx Xxxxxxxxx Terra
Monografia apresentada como requisito parcial de Conclusão de Curso para obtenção do Título de Especialista em Direito das Relações de Consumo sob a orientação da Profa. Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx.
São Paulo 2015
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para obtenção do Título de Especialista em Direito das Relações de Consumo
Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx
São Paulo/SP, de de 2015.
Dedico esta Monografia aos meus pais, Xxxxxxxx e Xxxxxxx, por toda dedicação e esforço para que eu sempre tivesse a melhor educação.
Xxxxxxxx a todos os que contribuíram com a presente pesquisa, em especial à querida Professora e Mestre Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, pelos conselhos, dedicação e atenção dada a mim e ao presente trabalho, que foram de suma importância para sua conclusão.
Xxxxxxxx também as minhas irmãs Xxxxxx e Xxxxxxxx e ao meu namorado Xxxxx, pela paciência, apoio e incentivo durante a elaboração do presente trabalho.
RESUMO
A presente Monografia aborda algumas diretrizes a serem seguidas pelos construtores e incorporadores quando da elaboração dos Contratos de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Residenciais. Conforme será visto, as regras contidas em nosso ordenamento jurídico, em especial, o Código de Defesa do Consumidor devem ser obedecidas quando da elaboração dos Contratos de Compromisso de Compra e Venda, uma vez que em regra, esta modalidade de contrato é elaborada na modalidade adesão. Analisaremos ainda os princípios a serem respeitados quando da formulação dos Contratos de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Residenciais, em especial, o princípio da boa-fé objetiva, também inserido no Código Civil, porém admitida nesse diploma legal, a boa-fé subjetiva. Ainda restará demonstrada a preocupação do Legislador no Código de Defesa do Consumidor em condicionar a vulnerabilidade do consumidor como condição para aplicação da Lei 8.078/90. Não obstante, restará abordada as principais características dos contratos de adesão, bem como as características que o diferenciam das demais modalidades contratuais. Ainda será verificado algumas cláusulas contratuais constantes nos Contratos de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Residenciais que poderão ser consideradas abusivas, dependendo da forma que forem inseridas bem como se poderão ser declaradas nulas mediante ajuizamento de ação.
Palavras-chave: Contrato de consumo. Código de Defesa do Consumidor. Cláusula abusiva. Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Residenciais.
SUMÁRIO
1.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRATOS DE CONSUMO 7
1.2.1 Princípio da vulnerabilidade 8
1.2.2 Princípio do equilíbrio econômico nas relações de consumo 10
1.2.3 Princípio da transparência 12
1.2.4 Princípio da boa-fé objetiva 15
1.2.5 Princípio da conservação dos contratos 18
2.2 CARACTERÍSTICAS DOS CONTRATOS DE ADESÃO 23
2.2.1 Predisposição e rigidez 24
2.2.2 Uniformidade e caráter geral 24
2.3 CONTRATO DE ADESÃO À LUZ DA LEI 8.078/90 26
2.3.1 DAS REGRAS DO CONTRATO DE ADESÃO 26
3. DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS RESIDENCIAIS 30
3.1 DEFINIÇÃO DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA 32
3.2 MODALIDADES DE CLÁUSULAS SUPOSTAMENTE ABUSIVAS 35
3.2.1 Prazo de tolerância para entrega do imóvel 36
3.2.2 Cobrança de “juros de obra” 38
3.2.3 Cobrança de comissão de corretagem 40
3.2.4 Rescisão unilateral do contrato (Distrato unilateral) 42
3.2.5 Cobrança de cota de condomínio antes da imissão na posse 44
3.3 DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS 49
INTRODUÇÃO
No presente trabalho abordaremos o conceito do contrato sob a égide do Código de Processo Civil, bem como dos princípios fundamentais do contrato de consumo, dentre os quais iremos analisar o princípio da vulnerabilidade; do equilíbrio nas relações de consumo; da transparência; da boa-fé objetiva; do equilíbrio econômico nos contratos de consumo e da conservação dos contratos.
Não obstante, analisaremos a diferença do conceito jurídico de contrato sob a égide de Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Nessa seara verificaremos quais as condições para que um contrato seja qualificado como contrato de adesão e suas peculiaridades, de modo que possamos distingui-lo das demais modalidades de contratos existentes em nosso ordenamento para fins de suas consequências.
Ainda verificaremos se os Contratos de Compra e Venda de Imóveis Residenciais se enquadram como contrato de adesão, bem como se haverá incidência do Código de Defesa do Consumidor.
Contudo, verificaremos que o direito a moradia, apesar de se tratar de um direito fundamental previsto na Constituição Federal, não são todos os indivíduos que conseguem ter acesso a uma moradia digna, uma vez que os procedimentos para aquisição da casa própria impossibilitam muitas vezes a aquisição pelos consumidores, quer seja pelos altos valores dos imóveis, ou pelas próprias dificuldades impostas pelas instituições financeiras, razão pela qual, visando possibilitar que o consumidor possa adquirir o imóvel próprio, é que as construtoras e incorporadoras criaram o sistema do Contrato de Compromisso de Compra e Venda, nos quais as unidades imobiliárias são vendidas em frações ideais de um terreno e antes do início da sua construção, possibilitando ao consumidor maior flexibilidade na forma de pagamento.
Analisaremos nos Contratos de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Residenciais se existem cláusulas que poderão vir a ser consideradas como abusivas, tais como prazo de tolerância para entrega do imóvel; cobrança de “juros de obra” ou “juros no pé”; cobrança de comissão de corretagem; atualização
do imóvel pelo INCC; cobrança de XXXX e distrato unilateral do contrato pelo fornecedor.
Por fim, restará estudado que em se tratando de cláusula abusiva eventual cláusula constante no Contrato de Compromisso de Compra e Venda, quais os procedimento a serem adotados para que a cláusula ou as cláusulas sejam declaradas nulas e quais as consequências da nulidade.
1. CONTRATO DE CONSUMO
A Constituição Federal consagrou no artigo 5º, XXXII, como garantia fundamental do indivíduo a criação de lei específica para disciplinar o direito do consumidor1.
Não obstante, o artigo 170, V do referido diploma legal2, também dispôs sobre a defesa do consumidor, ao tratar dos princípios gerais da ordem econômica, reiterando assim a importância da criação de legislação específica para tratar das relações de consumo.
Não obstante, com o passar dos anos, houve um aumento considerável no mercado de consumo, de modo que se tornou necessário à criação de uma legislação específica para disciplinar essas relações.
Deste modo, com a previsão constitucional da criação de um ordenamento jurídico que seja responsável por regulamentar as relações de consumo, bem como o aumento expressivo do consumo em massa, foi promulgado em 11 de setembro de 1.990, o Código de Defesa do Consumidor.
Conforme ensina o Ilustre doutrinador Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, o referido diploma legal trouxe consideráveis modificações à ordem jurídica nacional, de modo que estabeleceu um conjunto de sistemático de normas, dos mais diversos ramos do direito, mas ligadas entre si por terem como suporte uma relação jurídica especifica, caracterizada como relação de consumo3.
Com a evolução das relações sociais e o surgimento do consumo em massa, bem como dos conglomerados econômicos, os princípios tradicionais da nossa legislação já não bastavam para reger as relações humanas, sob determinados aspectos. E, nesse contexto surgiu o Código
1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
2 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
V - defesa do consumidor;
3 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito Civil Brasileiro, v. III, 11ª edição, São Paulo: Saraiva, p.30.
de Defesa do Consumidor atendendo ao princípio constitucional relacionado à ordem econômica.4
Deste modo, os contratos sob a égide do Código de Defesa do Consumidor possui um sistema normativo protecionista, visando criar um equilíbrio nas relações de consumo, sempre respeitando os princípios existentes em nosso ordenamento jurídico, em especial a função social do contrato, a vulnerabilidade e a boa-fé objetiva nas relações de consumo.
Isto porque, nas relações de consumo há presunção de que um dos contratantes seja vulnerável na relação, necessitado esta de equilíbrio quando da contratação de um produto ou serviço.
1.1 CONCEITO DE CONTRATO
Primeiramente, para compreender o que seria um contrato de consumo é necessário entender o conceito de contrato.
De acordo com o Código Civil o contrato tem como princípio basilar a noção de acordo de vontades, de maneira que é possível conceituar o contrato como a formalização de obrigações e deveres em que os sujeitos de comum acordo formalizam seus deveres e obrigações por meio de um contrato.
O contrato é o resultado do encontro das vontades dos contratantes e produz seus efeitos jurídicos (cria, modifica ou extingue direitos ou obrigações) em função dessa convergência (cf., por todos, Monteiro, 2003:4/5)5.
A concepção clássica do contrato prevista no Código Civil se baseia na autonomia da vontade ou liberdade contratual; na força vinculante ou força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda) e na relatividade dos efeitos contratuais.
4 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Direito Civil Brasileiro, v. III, 11ª edição, São Paulo: Saraiva, p.30.
5 Xxxxx Xxxxx Xxxxxx. Curso de Direito Civil, v. III, 6ª edição, Saraiva, p.32/33.
Conforme assevera Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
(...) Na concepção clássica do contrato, o Estado – tanto o legislador como o julgador – deve interferir o mínimo possível na autonomia privada e, consequentemente, nos contratos. A atenção básica é com a capacidade das partes e com a eventual presença de vícios de consentimento (erro, dolo, coação). Demonstrada a capacidade dos sujeitos e inexistindo erro, dolo ou coação, restaria ao Estado fazer cumprir o acordo de vontades. O contrato é lei entre as partes: pacta sunt servanda.6
Resta claro que os contratos sob a égide do Código Civil partem do princípio da manifestação da vontade das partes e de que os interesses dos contratantes foram respeitados, de modo que somente poderão ser revisados em casos excepcionais e previstos em lei, tais como os vícios de consentimento, dolo, erro ou coação.
Prevalece, portanto, a ideia de que foi respeitado na elaboração do contrato, a autonomia da vontade, onde os sujeitos do contrato são iguais e livres para contratar, sendo que suas vontades foram respeitadas.
Já os contratos de consumo surgiram da necessidade de otimizar as relações de consumo, em virtude do aumento expressivo do mercado de consumo, devendo tais contratos observar as normas contidas no Código de Defesa do Consumidor, em especial, a hipossuficiência do consumidor.
Diante da hipossuficiência do consumidor, para a Lei 8.078/90, o conceito de contrato apresenta nuances diferentes do conceito clássico previsto no Código Civil.
A Lei 8.078/90 defende na fase pré-contratual e contratual a transparência, a boa-fé, a lealdade e o equilíbrio nas relações entre consumidor e fornecedor, tendo em vista a vulnerabilidade do consumidor.
A vulnerabilidade do consumidor é muito clara no campo contratual. É raro, senão impossível, encontrar um contrato que tenha sido elaborado a partir de da discussão de cláusula por clausula, de uma avaliação cuidadosa e criteriosa das diversas consequências jurídicas da assinatura do
6 Xxxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Manual de Direito do Consumidor, 6ª edição, 2014, Editora RT, p. 373.
documento. A maioria dos contratos é de adesão, ou seja, já vêm prontos, elaborados unilateralmente pelo fornecedor. O consumidor não tem possibilidade real de modificar as cláusulas e condições econômicas do empresário. O papel do consumidor e condições apresentadas, as quais, invariavelmente, procuram resguardar apenas os interesses econômicos do empresário. O papel do consumidor cinge-se a aderir e assinar o documento. Além disso, por vezes, são utilizadas palavras complicadas, termos técnicos, de difícil entendimento e compreensão.
O ideal, imaginado no início do século XIX (há duzentos anos) de que os homens são livres e iguais e, portanto, capazes de cuidar dos próprios interesses financeiros, de escolher adequadamente o parceiro contratual, bem como de definir o conteúdo do contrato, foi desmentido pela realidade: as pessoas são diferentes e os economicamente mais fortes impõem seus interesses nas mais diversas situações, principalmente no mercado de consumo. Como reação, o Estado dos séculos XX e XXI assume expressamente a necessidade de editar leis para defender os vulneráveis e trazer um relativo equilíbrio às relações, conferindo ao princípio da isonomia caráter material. É nesse contexto que o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) enfoca o contrato e protege a parte mais frágil da relação: o consumidor.7
Diferentemente do Código Civil, em que se parte do pressuposto que as cláusulas contratuais respeitaram os interesses dos contratantes, a Lei 8.078/90 se preocupa com o mais vulnerável da relação - o consumidor, visando resguardar seus interesses para que haja um equilíbrio nas relações de consumo, tanto na fase pré-contratual como na contratual.
O Código de Defesa do Consumidor traz como princípio contratual, basilar a boa-fé objetiva nos contratos, conforme expressamente disposto nos artigos 4º, III e 51, IV do referido diploma legal.8
Em virtude do desequilíbrio existente nas relações de consumo, a Lei 8.078/90 se preocupa a todo momento com a clareza e a transparência nos contratos de consumo, sempre visando manter o equilíbrio nas relações, de modo a
7 Xxxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Manual de Direito do Consumidor, 6ª edição, 2014, Editora RT, p. 369.
8 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
proteger o consumidor de abusividades que possam ser praticadas pelo fornecedor, onerando a relação jurídica e prejudicando a parte vulnerável – o consumidor.
Verifica-se que para a referida Lei, deverão ser observados os princípios presentes na teoria geral dos contratos, acrescentando-se ainda a vulnerabilidade e a boa-fé objetiva, como função social do contrato, além do equilíbrio econômico, de modo a equalizar as relações de consumo.
Todo contrato de consumo deverá observar a autonomia da vontade das partes, além dos princípios gerais do contrato, de modo a garantir que o produto ou serviço adquirido alcance a sua finalidade, qual seja a satisfação e respeito a verdadeira vontade do consumidor.
1.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRATOS DE CONSUMO
A nova concepção de contrato trazida com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, fez com que princípios basilares dos contratos regidos pelo Código Civil não fossem incorporados pelo Código de Defesa do Consumidor, ou seja, não se aplicam às relações de consumo.
Conforme dito anteriormente, os contratos no geral possuem como princípios basilares a autonomia da vontade; a função social dos contratos; a obrigatoriedade dos contratos; a supremacia da ordem pública; o consensualismo e a boa-fé.
Já o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 4º, estabelece como princípios norteadores dos contratos de consumo, a vulnerabilidade; a transparência; a boa-fé; a informação e o equilíbrio contratual, entre outros.
O art. 4.º do CDC é uma norma narrativa, expressão criada por Xxxx Xxxxx para descrever as normas renovadoras e abertas que trazem objetivos e princípios, para evitar chamá-las de normas-programa ou normas programáticas, que não tinham eficácia pratica e por isso não eram usadas. Note-se que o art. 4.º do CDC é um dos artigos mais citados deste Código, justamente porque resume todos os direitos do consumidor e sua
principiologia em um só artigo valorativo e que traz os objetivos do CDC. As “normas narrativas”, como o art. 4.º, são usadas para interpretar e guiar, melhor dizendo, “iluminar” todas as outras normas do microssistema. Elas aplicam-se como inspiração, guia, teleologia, indicando o caminho, o objetivo, daí a importância do art. 4.º do CDC.9
Verifica-se que os princípios fundamentais das relações de consumo e consequentemente dos contratos de consumo, encontram previsão legal no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor e são de extrema relevância para nosso ordenamento jurídico, de modo que qualquer relação de consumo deverá respeitar aos princípios constantes no referido diploma legal.
Denota-se, portanto, a importância existente nos princípios norteadores das relações de consumo, evidenciada no art. 4º da Lei 8.078/90.10
1.2.1 Princípio da vulnerabilidade
O princípio da vulnerabilidade encontra previsão legal no artigo 4º, inciso I do Código de Defesa do Consumidor.
De acordo com esse dispositivo legal, para que seja reconhecida a condição de consumidor prevista no artigo 2º do mesmo dispositivo legal11, necessariamente deve ser reconhecida a condição de vulnerabilidade do consumidor.
A vulnerabilidade consiste em condição exclusiva do consumidor e pode ser entendida como a ausência de capacidade do consumidor de compreender o serviço ou produto que está adquirindo, de modo que cabe ao fornecedor prestar
9 Xxxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Manual de Direito do Consumidor, 4ª edição, 2012, Editora RT, p. 67.
10 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
11 Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
as informações necessárias, de forma clara e objetiva, para que o consumidor possa compreendê-la. A vulnerabilidade do consumidor se dá pelo fato de que ele não produziu o produto ou serviço que está adquirindo, de modo que não possui a mesma capacidade de compreensão e conhecimento que o fornecedor dispõe.
Deste modo, a condição de vulnerabilidade do consumidor serve para equilibrar a relação de consumo, uma vez que este não dispõe das mesmas informações e mecanismos que o fornecedor, que foi quem produziu ou comercializou o produto ou serviço.
Assim sendo, de acordo com o referido diploma legal todo consumidor é vulnerável, de modo que a vulnerabilidade é condição para o reconhecimento da relação de consumo e consequentemente da aplicação das normas previstas no Código de Defesa do Consumidor.
Conforme ensina o professor Xxxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxxx, é justamente a vulnerabilidade presente nos consumidores que justifica a existência do Código de Defesa do Consumidor.12
O princípio da vulnerabilidade é condição exclusiva do consumidor e, em virtude dessa vulnerabilidade é que os contratos de consumo devem ser elaborados com equilíbrio, de modo a permitir que consumidor e fornecedor estejam no mesmo patamar. Nesse sentido explica o Ilustre Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
Proteção por quê? Porque evidentemente o consumidor é vulnerável diante do fornecedor, de forma que trata a Constituição, distintamente, pessoas em situações diferentes, logrando a isonomia e, assim, realizando os ditames da justiça social. Discriminações justificáveis não violam a noção de direito e justiça e, consequentemente, podem ser normalmente estabelecidas sem qualquer implicação de antijuridicidade.13
Evidente a importância do princípio da vulnerabilidade, na medida em que com a promulgação da Constituição Federal de 1988, exigiu-se a criação de Lei específica para tratar das relações de consumo.
12 Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx, Direito do Consumidor Código Comentado e Jurisprudência, 9ª edição, 2013, p. 59, JusPODIVM.
13 Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Práticas comerciais abusivas, 1995, Edipro, p. 74.
Desta forma, o Legislador atendendo ao dispositivo Constitucional, exigiu a condição de vulnerabilidade do consumidor, para que a relação possa ser regida pela Lei 8.078/90.
Portanto, nos contratos de consumo deverá ser respeitada a condição de vulnerabilidade do consumidor, tendo em vista a sua importância e relevância social.
1.2.2 Princípio do equilíbrio econômico nas relações de consumo
O princípio do equilíbrio das relações de consumo constitui-se como um princípio fundamental dos contratos de consumo. De modo que o Judiciário visando dirimir qualquer questão envolvendo contrato de consumo, irá se nortear por esse princípio, conforme podemos verificar no REsp 436853/DF do Supremo Tribunal Federal, ao dispor que o Estado deve, na coordenação da ordem econômica, exercer a repressão do abuso do poder econômico, com o objetivo de compatibilizar os objetivos das empresas com a necessidade coletiva, bastando assim a ameaça ao desequilíbrio para ensejar a correção das cláusulas do contrato, de modo que deve sempre vigorar a interpretação mais favorável ao consumidor, que não participou da elaboração do contrato.14
Ensina ainda Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx:
Percebe-se a preocupação do legislador em manter sempre o equilíbrio contratual. Assim, são vedadas obrigações iníquas (injustas, contrárias a equidade), abusivas (que desrespeitam valores da sociedade) ou que ofendem o princípio da boa-fé objetiva (como a falta de cooperação, de lealdade, quando frusta a legítima confiança criada no consumidor) e a equidade (justiça no caso concreto).15
14 STJ, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 04/05/2006, T3 - TERCEIRA TURMA. Consultado em 21/08/2015.
15 Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx, Direito do consumidor Código comentado e jurisprudência, 2013, 9ª edição, JusPODIVM, p. 61.
Verifica-se que o referido princípio é extremamente relevante quando da elaboração de um contrato de consumo, devendo o fornecedor se atentar a ele, buscando sempre manter a relação contratual equilibrada, sem se prevalecer da vulnerabilidade do consumidor para obter vantagem.
Outrossim, o Legislador ainda se preocupou com a expressa previsão do equilíbrio econômico nos contratos de consumo, visando manter o equilíbrio econômico, de modo que inseriu nos artigos 4º, III; 6º, V, 39, V; 51, IV e
§1º, III da Lei 8.078/90, o referido princípio.
Deste modo, resta vedado cláusulas nos contratos de consumo que onerem o consumidor de modo a colocá-lo em desvantagem excessiva, impondo prestações desproporcionais.
A onerosidade excessiva pode propiciar o enriquecimento sem causa, razão pela qual ofende o princípio da equivalência contratual, princípio esse instituído com base das relações jurídicas de consumo (art. 4º, nº III e art. 6º, nº II, CDC). É aferível de acordo com as circunstâncias concretas, que não puderam ser previstas pelas partes quando da conclusão do contrato.
Somente as circunstâncias extraordinárias é que entram no conceito de onerosidade excessiva, dele não fazendo parte dos acontecimentos decorrentes da álea normal do contrato. Por “álea normal” deve entender-se o risco previsto, que o contratante deve suportar, ou, se não previsto explicitamente no contrato, de ocorrência presumida em face da peculiaridade da prestação ou do contrato. O Código, a propósito fornece alguns parâmetros na consideração da onerosidade da prestação: natureza e conteúdo do contrato, interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso (art. 51, § 1º, nº III, in fine).16
Mais uma vez é possível notar a preocupação do legislador em manter o equilíbrio nos contratos de consumo, vedando obrigações iníquas ou ainda que ofendam os princípios da boa-fé objetiva, da transparência, do equilíbrio e da equidade.
No caso concreto, caberá ao julgador equilibrar a relação, analisando o caso concreto e aplicando a norma de Direito, alcançando assim a Justiça.
16 Xxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxxxxx e Xxxxxxxx. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos Autores do Anteprojeto, v. I, 10ª Edição, 2011, Editora Forense, p. 600.
Já o Código Civil consagrou a teoria da imprevisão ou cláusula rebus sic stantibus, no artigo 478 e seguintes do referido diploma legal, permitindo a que em casos de eventos imprevisíveis e extraordinários que onerem de forma excessiva o contrato para uma das partes, admitindo deste modo que o contrato seja rescindido.
A teoria recebeu o nome de rebus sic stantibus e consiste basicamente em presumir, nos contrato comutativos, de trato sucesso e de execução diferida, a existência implícita (não expressa) de uma cláusula, pela qual a obrigatoriedade de seu cumprimento pressupõe a inalterabilidade da situação de fato. Se esta, no entanto, modificar-se em razão de acontecimentos extraordinários uma guerra, p. exemplo, que tornem excessivamente onoreso para o devedor o seu adimplemento, poderá requerer ao juiz que o isente da obrigação, parcial ou totalmente.17
Deste modo, denota-se que é admissível a revisão contratual ou até mesmo a resolução contratual nos contratos sob a égide do Código Civil, contudo, deverão ser preenchidos dois requisitos, sendo eles, a imprevisibilidade e a extraordinariedade, de modo a tornar o contrato excessivamente oneroso para uma das partes.
Já os contratos de consumo não exigem tais requisitos para revisão ou resolução contratual, sendo que para a Lei 8.078/90 basta a existência de um fato superveniente que impossibilite o consumidor no cumprimento de sua obrigação, não exigindo para tanto extrema vantagem pelo fornecedor.
Contudo, em atenção ao Princípio da Conservação do Contrato, a rescisão contratual somente ocorrerá se não for possível a revisão da cláusula.
1.2.3 Princípio da transparência
17 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Civil Brasileiro – Contrato e Atos Unilaterais. v III. 11ª edição. 2014. São Paulo: Saraiva. p. 51.
O princípio da transparência encontra-se consagrado nos artigos 4º e 6º, III; IV e V do Código de Defesa do Consumidor e decorre do Princípio da Boa- Fé objetiva e do dever de informar.18
O referido princípio busca que o fornecedor sempre adote as medidas cabíveis para que o consumidor tenha acesso às informações necessárias do produto ou serviço que está adquirindo.
Se transparência é clareza, é informação sobre os temas relevantes da futura relação contratual. Eis por que institui o CDC um novo e amplo dever para o fornecedor, o dever de informar ao consumidor não só sobre as características do produto ou serviço, como também sobre o conteúdo do contrato. Pretendeu, assim, o legislador evitar qualquer tipo de lesão ao consumidor, pois, sem ter conhecimento do conteúdo do contrato, das obrigações que estará assumindo, poderia vincular-se a obrigações que não pode suportar ou que simplesmente não deseja. Assim, também, adquirindo um produto sem ter informações claras e precisas sobre suas qualidades e características, pode adquirir um produto que não é adequado ao que pretende ou que não possui as qualidades que o fornecedor afirma ter, ensejando mais facilmente o desfazimento do vínculo contratual.19
O objetivo é resguardar o consumidor de publicidades enganosas, ausência de informação ou informação incorreta sobre o produto ou serviço, omissão de cláusulas, recusa de cumprimento de oferta, dentre outras práticas do mercado de consumo.
Resta evidente que em todos os princípios do Código de Defesa do Consumidor o legislador procura reforçar a condição de vulnerabilidade do consumidor e a boa-fé objetiva.
Não obstante, os princípios estão interligados, de modo que o princípio da transparência visa reforçar a ideia de lealdade entre o consumidor e
18 Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
19 Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Contrato no Código de Defesa do Consumidor – O novo regime das relações contratuais, 2011, 6ª edição, Editora Revista dos Tribunais, p.745/746.
fornecedor, buscando sempre o fornecedor fornecer as informações corretas e de modo claro para o consumidor, para que ele possa compreender o que está adquirindo e se o mesmo atende as suas necessidades ou não.
O princípio da transparência rege o momento pré-contratual, rege a eventual conclusão do contrato. É mais do que um simples elemento formal, afeta a essência do negócio, pois a informação repassada ou requerida integra o conteúdo do contrato (arts. 30, 33, 35, 46 e 54) ou, se falha, representa a falha na qualidade do produto ou serviço oferecido (arts. 18, 20 e 35). Tal princípio concretiza ideia de reequilíbrio de força nas relações de consumo, em especial na conclusão de contratos de consumo, imposto pelo CDC como forma de alcançar a almejada justiça contratual.20
Assim sendo, a transparência deve estar presente não só não fase pré-contratual do contrato de consumo, como também quando da sua conclusão. Ou seja, a transparência deve estar presente a todo o momento nas relações de consumo, mesmo que em algumas situações não seja possível estabelecer uma relação contratual, como no caso da publicidade, do marketing, das malas diretas, dentre outras práticas comerciais.
É evidente a preocupação do legislador de sempre manter a relação entre consumidor e fornecedor de forma equilibrada, visando garantir que os interesses de ambas as partes sejam respeitadas e que o fornecedor não se prevaleça da vulnerabilidade do consumidor para obter vantagem.
O princípio da transparência exige do fornecedor que a informação seja clara e correta, sob pena de ser responsabilizado pela falha na informação, seja em função de vício de informação ou defeito no produto ou serviço decorrente da informação, nos termos dos artigos 14, caput e 20 da Lei 8.078/90.21
20 Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Contrato no Código de Defesa do Consumidor – O novo regime das relações contratuais, 2011, 6ª edição, Editora Revista dos Tribunais, p.749/741.
21 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
1.2.4 Princípio da boa-fé objetiva
A boa-fé objetiva é de suma importância nos contratos de consumo e encontra-se consagrada nos artigos 4º, III e 51, IV do Código de Defesa do Consumidor.22
Contudo, primeiramente, mister faz-se esclarecer a diferença da boa-fé objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor da boa-fé subjetiva prevista no Código Civil.
Conforme ensina Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, a boa fé subjetiva diz respeito ao conhecimento ou à ignorância da pessoa relativamente a certos fatos, sendo levada em consideração pelo direito, para os fins específicos da situação.23
Desta forma, a boa-fé subjetiva avalia a conduta psicológica dos envolvidos, analisando eventual engano ou erro pelos indivíduos do contrato.
Já a boa-fé objetiva como dito representa uma nova teoria contratual, em que os sujeitos do contrato devem na sua elaboração agir com transparência, lealdade, solidariedade, dignidade e cooperação, não podendo visar sua satisfação pessoal, ou seja, não permite o interesse individual dos sujeitos do contrato.
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
22 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
23 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Civil Brasileiro – Contratos e Atos Unilaterais. v. III. 11ª edição. 2011. São Paulo: Saraiva. p.55.
O referido princípio, estabelece que os contratos devem ser elaborados e interpretados de forma a partir da premissa de que as partes agiram com lealdade, não visando benefício próprio.
O princípio da boa-fé objetiva leva em consideração que todas as informações sejam prestadas de forma clara e objetiva, a fim de que, obviamente, o consumidor tenha consciência e certeza do que está adquirindo, e que sua expectativa não seja violada.
Verifica-se que o princípio da boa-fé objetiva envolve duas características básicas, sendo elas a lealdade e a confiança.
No direito obrigacional, a boa-fé objetiva molda a nova teoria contratual, exigindo das partes a construção de ambiente de solidariedade, lealdade, transparência e cooperação. O contrato, embora legítimo instrumento para a circulação de riquezas e a satisfação de interesses pessoais, não deve mais ser visto sob a ótica individualista. Importa analisar sua função econômica e social. 24
O princípio em questão é de suma importância para o ordenamento jurídico, de modo que resta consagrado em outros dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, tais como os artigos 6º, III; 10º, § 1º; 31 e 52, caput do referido diploma.
Não obstante, o Código Civil de 2002 preocupou-se com a inserção do princípio da boa-fé nos seus dispositivos legais, estando presente não só no artigo 42225, como também nos artigos 113 e 187 do referido diploma legal.
Na linha do Código de Defesa do Consumidor, estabelece o art. 422 do Código Civil que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”. A boa-fé diz respeito ao exame objetivo e geral da conduta do sujeito em todas as fases contratuais (pré-contratual, contratual e pós- contratual), servindo, a partir de suas funções, como parâmetro de
24 Xxxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Manual de Direito do Consumidor, 6ª edição, Editora RT, p. 377.
25 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
interpretação dos contrato, identificação de abuso de direito e criação de deveres anexos.26
Denota-se a importância do princípio da boa-fé objetiva não só nos contratos de consumo, como nos contratos civis, e que sua inobservância poderá ser considerado abuso de direito, podendo acarretar a revisão contratual e penalidades aquele que agiu de má-fé.
No Código de Defesa do Consumidor, a boa-fé é tratada como princípio a ser seguido para a harmonização dos interesses dos participantes da relação de consumo (art. 4º, III) e como critério para definição da abusividade das cláusulas (art. 51, IV: “São nulas de pleno direito, entres outras, as cláusulas contratuais relativas a fornecimento de produtos e serviços que: (...) estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa- fé ou equidade”).27
Não obstante, conforme ensina Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, a função de controle da boa-fé visa evitar o abuso de direito subjetivo, limitando condutas e práticas comerciais abusivas, reduzindo, de certa forma, a autonomia dos contratantes.28
Esse princípio insere nos contratos de consumo não só o dever ali consagrado, mas também outras condutas a serem observadas, sendo essa chamada de deveres anexos ou laterais.
Os deveres anexos ou laterais são compostos pelo: dever de informação (o fornecedor deve fornecer o máximo de informações ao consumidor, de modo a deixar claro o que está sendo adquirido); de cooperação ou lealdade (entende que o fornecedor deve cooperar a fim de que o consumidor alcance suas expectativas) e de proteção (têm por finalidade preservar a integridade e o patrimônio do consumidor).
26 Xxxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Manual de Direito do Consumidor, 6ª edição, Editora RT, p. 377.
27 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Civil Brasileiro – Contratos e Atos Unilaterais. v. III. 11ª edição. 2011. São Paulo: Saraiva. p.57.
28 Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx, Direito do consumidor Código comentado e jurisprudência, 2013, 9ª edição, JusPODIVM, p. 65.
Denota-se que esse princípio limita o exercício do direito, sendo dever do fornecedor agir com lealdade e transparência, em virtude da vulnerabilidade do consumidor, sendo que a inobservância desse princípio pode ensejar a declaração de abusividade da cláusula e por consequência a sua nulidade.
Assim, o princípio da boa-fé objetiva será o parâmetro utilizado para aferir os limites do abuso do direito (função de controle). Portanto, quando não houver lealdade no exercício do direito subjetivo, de forma a frustar a confiança criada em outrem, o ato será abusivo e considerado ilícito29.
Assim, verifica-se que a finalidade do legislador ao consagrar tal princípio, visou equilibrar as relações contratuais, bem como assegurar o tratamento igualitário. Contudo, não poderá a condição de vulnerabilidade do consumidor gerar um desequilíbrio na relação contratual de consumo, conforme assevera a Min. Xxxxx Xxxxxxxx julgamento do REsp 1.120.113-SP:
Assim, embora haja o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo – art. 4º, I, do CDC – os direitos a ele conferidos pela legislação consumeirista não são absolutos, razão pela qual sua aplicação deve ser analisada sempre com as vistas voltadas ao desejável equilíbrio da relação estabelecida entre o consumidor e o fornecedor. A proteção da boa-fé nas relações de consumo, portanto, não implica necessariamente favorecimento indiscriminado do consumidor, em detrimento de direitos igualmente outorgados ao fornecedor.
Portanto, o referido princípio visa manter o equilíbrio nos contratos de consumo, de modo que o fornecedor não se aproveite da vulnerabilidade do consumidor, para obter vantagem indevida, capaz de causar um desequilíbrio na relação.
1.2.5 Princípio da conservação dos contratos
Dispõe o artigo 51, § 2º do Código de Defesa do Consumidor:
29 Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx, Direito do consumidor Código comentado e jurisprudência, 2013, 9ª edição, JusPODIVM, p. 65.
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
§ 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
O referido dispositivo determina o princípio da conservação dos contratos. Tal princípio visa assegurar que ainda que uma cláusula seja declarada nula, o contrato não será totalmente invalidado.
Assim, a declaração de nulidade de uma cláusula não impacta em todo o contrato, mas tão somente na cláusula que foi declarada nula.
Vale lembrar que o art. 6º, V, prescreve como direito básico do consumidor “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.” Assim, o juiz não somente poderá afastar integralmente uma determinada cláusula abusiva, como também poderá modificar o conteúdo negocial, de modo a manter o equilíbrio entre as partes, conservando igualmente o contrato.30
Desta forma, ainda que haja declaração de nulidade de alguma cláusula ou modificação desta pelo Julgador, sempre que possível, o restante do contrato continuará surtindo efeito, devendo as demais obrigações contraídas serem cumpridas.
Ou seja, ainda que seja declarada a nulidade de uma cláusula, está não impactará no restante do contrato, mantendo-se esse válido, pois a exclusão de uma cláusula não necessariamente afeta a essência do contrato.
2. CONTRATO DE ADESÃO
Como se viu, abordamos no capítulo anterior as nuances dos contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Sendo que este momento, iremos traçar considerações sobre os contratos de adesão. Vejamos.
30 Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx, Direito do consumidor Código comentado e jurisprudência, 2013, 9ª edição, JusPODIVM, p. 398.
Após a Revolução Industrial, iniciou-se a produção em massa e o que passou a exigir dos fornecedores mais agilidade e praticidade quando da aquisição de produtos ou serviços, o que culminou com a criação do contrato de adesão, de modo a tornar-se uma prática de mercado pelos fornecedores.
Deste modo, a criação do referido contrato tornou-se uma necessidade do mercado para atender ao consumo em massa, de modo à qarantir rapidez e agilidade na contratação dos serviços ou produtos, pois caso fosse necessário discutir cláusula por cláusula, como ocorre nas demais modalidades de contrato, haveria inviabilização do negócio, posto que as relações de consumo não seriam capazes de atingir a proporção que atingem quando se tem contratos preestabelecidos, ou seja, contratos de adesão.
Assim sendo, com a influência da Revolução Industrial, massificou- se a aquisição de produtos e serviços, de modo que praticamente todos os contratos celebrados no mercado de consumo são de adesão, vale dizer, elaborados unilateralmente pelo fornecedor. 31
Atualmente, a contratação é feita principalmente pelos contratos de adesão, escritos ou verbais, criando-se uma dinâmica que favorece a colocação de produtos e serviços no mercado de consumo rapidamente e para um contingente enorme de consumidores. O contrato por instrumento de adesão traduz uma verdadeira realidade do markenting.32
Porém, ainda que a finalidade na criação dos contratos de adesão seja otimizar o atendimento na massificação no mercado consumo de produtos e serviços, essa prática colocou o consumidor em desvantagem, pois a real vontade dos consumidores não prevalece, uma vez que as cláusulas já são pré-estipuladas pelos consumidores, impedindo este de rejeitar qualquer dessas cláusulas.
Conforme visto, o contrato de adesão acabou tornando-se uma prática de mercado pelos fornecedores a fim de garantir rapidez e agilidade na contratação, porém eliminando a verdadeira vontade do consumidor, possibilitando
31 Xxxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Manual de Direito do Consumidor, 6ª edição, Editora RT, p. 382.
32 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. XXXXX, Xxxxxxx. CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Verbatim. 2009. p. 313.
apenas a este aceitar ou não a contratação do serviço ou produtos nos moldes preestabelecidos pelo fornecedor.
2.1 CONCEITO JURÍDICO
Conforme dito, com o aumento massivo do mercado de consumo, foi necessário criar um mecanismo que tornasse as relações de consumo mais práticas, rápidas e eficientes. Contudo, para que isso fosse possível, o Legislador admitiu a existência do contrato de adesão.
Nesse sentido, a Lei 8.078/90 dispõe nos artigos 54 e seguintes, sobre o contrato de adesão e suas limitações. Dispõe o artigo 54, caput do referido diploma legal:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
De acordo com o que se extrai do caput do artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor, os contratos de adesão consistem em contratos com cláusulas preestabelecidas pelo fornecedor a fim de resguardar seus interesses econômicos e de modo a impossibilitar que o consumidor discuta ou altere as cláusulas, como mecanismo de otimizar as relações, garantindo mais rapidez nas relações.
Outrossim, o referido diploma legal estabelece que os contratos de adesão podem ser formados por cláusulas aprovadas pela autoridade competente ou por cláusulas estabelecidas pelo fornecedor.
Conforme ensina Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
O papel da vontade e consentimento do aderente (consumidor) é tão pequeno que já se negou doutrinariamente o caráter contratual – que pressupõe conjugação de vontades – do contrato de adesão. Fato é que a Lei 8.078/1990, embora com restrições aceita o contrato de adesão como instrumento hábil para a aquisição de produtos e serviços. O caput do art. 54 do CDC assim define o contrato de adesão: “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas
pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
Destaque-se que a inclusão de algumas cláusulas manuscritas e o preenchimento de campos em branco com dados do consumidor e outras informações não afastam o caráter de unilateralidade do contrato, conforme disposto no § 1.º do art. 54: “A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato”.33
Deste modo, verifica-se que nos contratos de adesão a vontade do consumidor é pormenorizada, na medida em que as cláusulas são preestabelecidas pelo fornecedor, sendo que o consumidor não poderá modificá-la substancialmente. Porém, nada impede que o consumidor questione, discuta ou até mesma solicite a modificação de alguma cláusula.
Ou seja, como nos contratos de adesão as cláusulas são preestabelecidas pelo fornecedor, a tendência é de que o contrato resguarde mais aos interesses deste do que aos dos consumidores, sendo oferecido de forma uniforme, abstrata e rígida.
Assim sendo, verifica-se que os contratos de adesão possuem como características cláusulas unilaterais, ou seja, preestabelecidas por apenas uma das partes (fornecedor), de modo que no contrato é necessário preencher apenas os dados do consumidor, o preço estabelecido pelo produto ou serviço e o objeto do contrato; possui um modelo uniforme, de modo que é imposto de forma igualitária a todos os consumidores que desejam adquirir determinado produto ou serviço do fornecedor e; há ausência de uma fase pré-negocial, uma vez que as cláusulas não são passíveis de negociação.
Ocorre que ainda que o contrato de adesão encontre previsão no Código de Defesa do Consumidor, não poderá o fornecedor se aproveitar da vulnerabilidade do consumidor para imputar-lhe cláusulas que o coloquem em desvantagem onerosamente excessiva ou impute obrigações iníquas.
33 Xxxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Manual de Direito do Consumidor, 6ª edição, Editora RT, p. 383.
O fornecedor ao elaborar um contrato de adesão deve se ater as limitações impostas pela Lei 8.078/90, de modo que não coloque o consumidor na condição de vulnerabilidade, inserindo cláusulas ou termos de difícil compreensão, bem como não impute obrigações manifestamente excessivas de modo a criar um desequilíbrio na relação.
Assim sendo, o Legislador apesar de autorizar a utilização de contratos de adesão, limitou a sua utilização, de modo a impor uma série de restrições quando da sua elaboração, para que o mesmo seja considerado válido.
Ocorre que o contrato de adesão não se trata de um novo tipo contratual, mas uma maneira mais rápida na conclusão do negócio, conforme ensina Xxxxxx Nery Junior:
O contrato de adesão não encerra novo tipo contratual ou categoria autônoma de contrato, mas somente técnica de formação do contrato, que pode ser aplicada a qualquer categoria ou tipo contratual, sempre que seja buscada a rapidez na conclusão do negócio, exigência das economias em escala.34
Conforme dito, o crescimento em larga escala no mercado de consumo permitiu que o Legislador autorizasse a existência dos contratos de adesão, contudo, sem que este desrespeite os direitos do consumidor.
Desta forma, ainda que o contrato de adesão possua expressa previsão na Lei 8.078/90, este deve ser elaborado respeitando os princípios da boa- fé objetiva, transparência, equilíbrio e informação, devendo ser objetivo, claro e de fácil compreensão pelo consumidor, de modo a não colocá-lo em desvantagem ante a sua vulnerabilidade.
2.2 CARACTERÍSTICAS DOS CONTRATOS DE ADESÃO
34 GRINOVER, Xxx Xxxxxxxxxx. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxxxx e. XXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx. XXXXXX, Xxxxxx Xxxx. DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos Autos do Anteprojeto. v. I. 10ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 652.
Diferentemente dos contratos em geral, os contratos de adesão possuem características próprias e pecualiares, que os diferenciam das demais modalidades, uma vez que elaborados unilateralmente pelo fornecedor.
Assim, para entender melhor os contratos de adesão é necessário analisar as suas características, para que se possa distingui-los das demais modalidades de contrato, bem como aplicar a Legislação pertinente.
Ressalte-se que não obstante as características que serão vistas adiante, tais características poderão ser discutidas em função dos princípios do Código de Defesa do Consumidor.
2.2.1 Predisposição e rigidez
A predisposição consiste em uma das características dos contratos de adesão e está interligada a ideia de rigidez, na medida em que os contratos de adesão são elaborados previamente e exclusivamente por uma das partes, no caso o fornecedor.
Na medida em que o contrato de adesão é elaborado unilateralmente pelo fornecedor, suas cláusulas por consequência são elaboradas visando resguardar seus interesses, não podendo, em tese, ser discutidas ou revistas, podendo o consumidor, se necessário, se socorrer ao Judiciário.
A predisposição e a rigidez estão atreladas ao fato de que as cláusulas contratuais previstas nos contratos de adesão, em tese, não são passíveis de discussão, elas simplesmente são preestabelecidas e impostas ao consumidor, cabendo ao aderente aceitar ou não, sem prejuízo de solicitar a sua modificação ou questionar as cláusulas, quando possível.
2.2.2 Uniformidade e caráter geral
No que tange a uniformidade e caráter geral, significa dizer que os contratos de adesão não são elaborados com a finalidade de atingir uma pessoa específica, mas sim, para atender a uma coletividade.
O fornecedor ao elaborar um contrato de xxxxxx, procura deixar o contrato da forma mais genérica possível, de modo que não atinja um público específico, mas sim uma coletividade.
Essa coletividade será representada pelos futuros consumidores que pretendem adquirir seus produtos ou serviços.
A uniformidade e o caráter geral dos contratos de adesão, são essenciais para garantir que o fornecedor consiga atender os consumidores de forma massiva.
2.2.3 Abstração
Os contratos de adesão são abstratos, pois são criados para relações futuras, não sendo possível saber quem será o futuro contratante.
Assim sendo, por envolver relações futuras, os contratos de adesão não se destinam a uma pessoa específica, mas sim a um público específico, qual seja, os consumidores que desejam adquirir determinado produto ou serviço daquele fornecedor.
Contudo, por não se saber ao certo quem será o adquirente do contrato, é necessário que ele seja elaborado de forma abstrata a fim de reger uma relação de consumo futura.
Todavia, no que concerne às relações de consumo, visando resguardar os interesses do consumidor, o Legislador promulgou a Lei 11.785/2008, alterando a redação o artigo 54, § 3º do Código de Defesa do Consumidor, que passou a exigir que os contratos de adesão sejam redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo que o tamanho da fonte jamais poderá
será inferior ao corpo doze, visando desta forma facilitar a compreensão do conteúdo pelo consumidor.35
Além de destacar cláusulas limitadoras de direitos. Nesse sentido, dispõe o artigo 54, § 4º da Lei 8.078/90 ao determinar que as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
2.3 CONTRATO DE ADESÃO À LUZ DA LEI 8.078/90
Conforme foi possível verificar, os contratos de adesão são impostos aos consumidores de forma unilateralmente, impedindo que os consumidores ainda que discordem de qualquer cláusula possam requerer a sua modificação.
Conforme ensina Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx:
São características dos contratos de adesão: serem previamente elaborados unilateralmente, serem ofertados uniformemente e em caráter geral e terem como modo de aceitação a simples adesão do aderente, vinculando-a à vontade do ofertante.
O fato de ser inserida alguma cláusula posteriormente, mesmo que com a anuência e no interesse do consumidor, não tem o condão de descaracterizar o contrato como de adesão.36
Desse modo, denota-se que nos contratos de adesão a vontade dos consumidores não prevalece, cabendo unicamente a estes aceitarem ou não as condições impostas pelos fornecedores em seus contratos.
2.3.1 DAS REGRAS DO CONTRATO DE ADESÃO
35 Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
36 Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx, Direito do consumidor Código comentado e jurisprudência, 2013, 9ª edição, JusPODIVM, p. 398.
Conforme dito, ainda que o Legislador tenha autorizado o contrato de adesão como forma de otimizar as relações de consumo, este inseriu uma série de restrições quando da elaboração do contrato de adesão pelo fornecedor.
Primeiramente, é importante ressalvar que em regra, os contratos de adesão possuem espaços em branco a serem preenchidos, tais como os dados do consumidor, do produto ou serviço adquirido e o preço. Ocorre que o fato dessas informações serem preenchidas somente após a contratação pelo consumidor, não desconfigura o contrato como sendo de adesão. Nesse sentido preceitua o artigo 54,
§ 1º da Lei 8.078/9037.
Não obstante, no que tange a apresentação do contrato de adesão, o artigo 54, §§ 3º e 4º do Código de Defesa do Consumidor, tratou de determinar algumas diretrizes quanto à forma de elaboração do contrato de adesão.
Com a entrada em vigor da Lei 11.785/2008, foi a alterado o artigo 54, § 3º do Código de Defesa do Consumidor, que passou a ter a seguinte disposição legal:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
Portanto, uma das exigências trazidas é de que o contrato de adesão deverá ser elaborado no mínimo com tamanho da fonte 12 (doze), a fim de evitar que o fornecedor insira cláusulas com letras minúsculas de modo a dificultar a compreensão pelo consumidor.
37 Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
§ 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.
Outro ponto de extrema importância é o § 3º, artigo 54 do mesmo diploma legal, o qual determina in verbis: “As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”.
Cumpre observar que a interpretação literal do § 4.º reduz substancialmente o seu alcance. O CDC constitui-se de normas “de ordem pública e interesse social” (art. 1.º), que, portanto, não podem licitamente ser afastadas ou limitadas por vontade das partes. A limitação do direito do consumidor só é possível excepcionalmente, quando o próprio Código assim estabelece, a exemplo do ocorre com a fixação contratual de indenização limitada entre fornecedor e consumidor-pessoa jurídica (art. 51, I). O objetivo legal foi maior. Pelo princípio da boa-fé objetiva, ela exigência de transparência e lealdade, pelo disposto no art. 46 – que deve ser interpretado conjuntamente com os §§ 3.º e 4.º do art. 54 –, a conclusão mais adequada ao sistema protetivo do CDC é que as cláusulas que tratem das principais obrigações do consumidor – exemplo, prazo de carência em planos de saúde, forma de reajuste da prestação, encargos por atraso etc – decorrentes do contrato devem ser destacadas e não apenas as que impliquem “limitação de direitos do consumidor”.38
Desse modo, eventuais cláusulas que limitem direitos do consumidor, deverão estar expostas de forma expressa e com destaque, a fim de que o consumidor possa identificá-las facilmente.
Verifica-se que a expressão “limitação de direitos do consumidor” deve abranger também as principais obrigações do contrato e não apenas aquelas que limitam os direitos do consumidor.
O artigo 46 da Lei 8.078/1990 determina que Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Assim sendo, verifica-se a preocupação do Legislador em determinar que o consumidor tenha conhecimento expresso e, principalmente, prévio do que está sendo contratado, e de que as cláusulas sejam expostas de
38 Xxxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Manual de Direito do Consumidor, 4ª edição, Editora RT, p. 350.
forma clara, objetiva e de fácil compreensão para que o consumidor não seja induzido ao erro e acabe por adquirir um produto ou serviço que não atenda as suas necessidades ou que implique em uma obrigação onerosa.
Ademais, uma vez que o contrato é elaborado exclusivamente pelo fornecedor, é necessário impor limitações para que este não impute cláusulas que possam ser prejudiciais aos consumidores, de modo a causar-lhes um prejuízo. É preciso levar em consideração a vulnerabilidade do consumidor.
Nesse sentido, ensina Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
A análise conjunta dos dispositivos evidencia que o fornecedor deve cuidar para que o consumidor compreenda adequadamente seus direitos e obrigações decorrentes do vínculo contratual que será estabelecido a partir da assinatura do contrato adesão. Ora, se o contrato é elaborado pelo fornecedor, sem possibilidades de alteração substancial do documento, é justo que o aderente (o consumidor) compreenda o conteúdo do contrato, conheça suas obrigações, saiba das consequências financeiras da assinatura do instrumento.
Portanto, não se admitem contratos letras miúdas, palavras e expressões complexas, fórmulas matemáticas para cálculo de juros, termos técnicos ou de difícil compreensão para o leigo, como “tabela Price”, “método hamburguês”, “reajuste pro rata die” etc.39
Denota-se que há sempre a preocupação do Legislador com o dever de informar, que está interligado aos princípios da transparência, informação e boa fé-objetiva, razão pela qual os artigos 46 e 54, §§ 3º e 4º do Código de Defesa do Consumidor, reforçam esse dever.
Cumpre dizer que a inobservância dos §§ 3º e 4º do artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor implica na nulidade da disposição por desacordo com o “sistema de proteção ao consumidor” (art. 51, XV) e eventualmente, com todo o contrato (§2.º do art. 51)40.
Enquanto que a afronta ao dispositivo 46 da Lei 8..078/90, implica como sanção a ineficácia, voltando as partes ao status a quo sem prejuízo de eventual indenização por danos morais ou materiais ao consumidor, ou seja, as
39 Xxxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Manual de Direito do Consumidor, 4ª edição, Editora RT, p. 349.
40 Xxxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Manual de Direito do Consumidor, 4ª edição, Editora RT, p. 351.
cláusulas não obrigarão o consumidor a dar continuidade ao contrato se não for da sua vontade e desde que verificada a afronta ao referido dispositivo legal.
Por fim, o artigo 47 da Lei 8.078/90 preceitua sobre a interpretação favorável ao consumidor, aplicando-se tal dispositivo não só aos contratos de adesão, como também aos acordos verbais.41
O referido dispositivo legal visa proteger o consumidor de interpretação ambígua ou contraditória de cláusulas, de modo que havendo mais de um sentido à cláusula ou até mesmo contrariedade na mesma, está deverá ser interpretada de forma favorável ao consumidor.
3. DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS RESIDENCIAIS
Em 1948, foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual em seu artigo 25, §1º, declarou a importância do acesso à moradia como um direito de todo ser humano.
§1º.Xxxx a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
No Brasil, o acesso à moradia, encontra-se consagrado nos artigos 6º e 23, IX da Constituição Federal, ao determinar que o direito à moradia trata-se de direito fundamental, bem como ao impor que os entes federativos criem mecanismos para o acesso à moradia.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
41 Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
Deste modo, denota-se que acesso à moradia é de suma importância, de modo que o Governo Federal a fim de garantir o acesso à moradia a todas as classes sociais criou o programa Minha Casa Minha Vida a fim de possibilitar que até mesmo famílias de baixa renda tenham acesso a aquisição da casa própria.
Ocorre que apesar da expressa previsão Constitucional a respeito do acesso a moradia, os procedimentos para aquisição da casa própria muitas vezes impossibilitam a aquisição pela população, quer seja pelos altos valores dos imóveis, ou pelas próprias dificuldades impostas pelas instituições financeiras.
Assim, visando possibilitar que o consumidor possa adquirir o imóvel próprio, é que as construtoras criaram o sistema do Instrumento Particular de Compra e Venda, nos quais as unidades imobiliárias são vendidas em frações ideais de um terreno, sendo vendidas antes do início da sua construção, possibilitando ao consumidor maior flexibilidade na forma de pagamento e garantindo o acesso à moradia.
O acesso à moradia digna passa necessariamente pela questão dos meios de aquisição previstos no direito positivo. Em tempos em que os elevados preços das unidades imobiliárias se contrapõem aos baixos rendimentos de grande parte da população brasileira, o contrato de compromisso de compra e venda assume enorme importância, por permitir aos menos abastados a compra facilitada do imóvel próprio.42
Em regra, por se tratarem de vendas em quantidade massiva, os Contratos de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis costumam ser de adesão, de modo que os futuros adquirentes (consumidores) de um imóvel residencial deverão se sujeitar as cláusulas previamente estabelecidas pelo construtor (fornecedor).
42 Valter Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. Compromisso de compra e venda, São Paulo: Atlas, 2009. p. 4.
Sabe-se que esse é um mercado em expansão, sendo anualmente lançados diversos empreendimentos imobiliários residenciais no mercado de consumo, estando, portanto, os consumidores exposto a eventuais cláusulas abusivas constantes nos contratos de compra e venda de imóveis residenciais.
Portanto, em virtude das vendas em massa desses empreendimentos imobiliários, as construtoras (fornecedores) optam pelos contratos de adesão, impedindo que os futuros adquirentes (consumidores) de suas unidades residenciais possam discutir ou até mesmo modificar as cláusulas existentes, conforme dito anteriormente.
Assim, evidente que é possível que esses Contratos de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Residenciais na modalidade adesão, possam conter cláusulas consideradas abusivas, ou seja, em dissonância com os preceitos do Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual é necessário avaliar as principais cláusulas impostas aos Promitentes-compradores (consumidores).
3.1 DEFINIÇÃO DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA
O Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis, é também denominado como contrato preliminar e possui previsão legal no artigo 462 do Código Civil. Vejamos:
Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxx conceitua o contrato preliminar como “aquele em uma ou ambas as partes se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, gerando, portanto, o dever de concluir outro contrato”.43
43 Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, v. III, 17ª edição, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.
Nessa esteira, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, define o contrato de compromisso de compromisso de compra e venda, como a via do qual ambas as partes ou uma delas se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, que será o contrato principal.44
Não obstante, Xxxxxx Xxxxxxxxx ensina que:
O compromisso de venda e compra, como contrato preliminar que é, tem por objeto um contrato futuro de venda e compra. Assim sendo, pode ser definido como ajuste de vontades, por meio do qual os contratantes prometem reciprocamente, levar a efeito uma compra e venda.45
Outrossim, aduz Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx:
Todos os conceitos indicados têm um ponto comum: o objeto do contrato preliminar será sempre uma obrigação de fazer representada pela celebração de um contrato definitivo, destinado a complementar o conteúdo negocial, ainda não exauriente do pacto de contrahendo, que conserva uma reserva típica que permite às partes acrescentar conteúdo negocial ao pacto definitivo.46
Assim sendo, conforme ensina Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx, enquanto o objeto do contrato preliminar é a obrigação de contratar, no definitivo são as prestações próprias do contrato principal, como, por exemplo, as que derivam da compra e venda.47
Não obstante, conforme dispõe o artigo 462 do Código Civil, no contrato preliminar deverão constar todos os elementos do contrato definitivo, sob pena de ser declarado nulo o Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis.
Vê-se, portanto, que a indicação dos elementos essenciais do negócio jurídico projetado constitui condição de validade do contrato preliminar, exigência voltada a impedir a instauração de eventuais conflitos por falta de
44 Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Instituições de direito civil: contratos, declaração unilateral de vontades, responsabilidade civil, v. III, 10ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 48.
45 Xxxxxx Xxxxxxxxx, Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, v. III, 24ª edição. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 160.
46 Valter Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Compromisso de Compra e Venda. São Paulo: Atlas, 2009, p. 8.
47 Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx, da compra e venda, promessa e reserva de domínio. Belo Horizonte: Xxxxxxxx Xxxxxxx, 1960, p. 99.
delimitação prévia e suficiente dos direitos e obrigações que tocas às partes contratantes.48
Desta forma, enquanto no contrato preliminar o objeto consiste na obrigação de contratar, no contrato definitivo a obrigação consiste em dar. Outrossim, no que tange aos efeitos, o contrato preliminar é inapto a gerar os efeitos típicos do contrato definitivo almejado, ainda que concentre grande parte ou todo o conteúdo do negócio projetado.49
Ainda é possível dizer que a doutrina e a jurisprudência, não mais entendem que o compromisso de compra e venda é autônomo e se desvincula do contrato definitivo. Vejamos:
Mais modernamente, em face da corriqueira utilização dos compromissos pela população, do aprimoramento da legislação e sensíveis manifestações jurisprudenciais, o instituto foi tomando uma nova feição e passa a ser encarado na doutrina não mais como um contrato preliminar e autônomo, desvinculado do contrato de compra e venda; este último passa a ser um ato de execução do primeiro. Assim, como o compromissário normalmente imite-se na posse e pode usar, gozar e de certa forma dispor do imóvel, mediante cessão de direitos que possui sobre ele, falta-lhe tão-somente completar o ius abutendi para que estejam presentes os três elementos do direito de propriedade e o objeto do compromisso, aquilo a que as partes se obrigam é dar eficácia à compra e venda compromissada.50
Evidente que o contrato preliminar e o definitivo estão interligados, de modo que o contrato preliminar (contrato de compromisso de compra e venda), consiste na garantia do contrato definitivo (compra e venda), pois garante ao Promitente-comprador o direito sobre a unidade residencial escolhida, conforme objeto, preço e descrição do empreendimento previamente pactuados no Compromisso de compra e venda de imóvel residencial.
Denota-se, portanto, que o Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis, consiste em um contrato preliminar baseado na liberdade de contratação das partes, onde há uma obrigação de fazer, consistente na entrega futura de um imóvel. Sendo posteriormente, materializado na formalização do
48 Valter Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Compromisso de Compra e Venda. São Paulo: Atlas, 2009, p. 10. 49 Valter Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Compromisso de Compra e Venda. São Paulo: Atlas, 2009, p. 12. 50 Valter Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Compromisso de Compra e Venda. São Paulo: Atlas, 2009, p. 21.
contrato definitivo, qual seja, o contrato de compra e venda, conforme preceitua o artigo 481 do Código Civil51.
É cediço, que o Contrato de Compromisso de Compra e Venda é um contrato onde o incorporador ou construtor obriga-se a vender um imóvel pelo valor, condições e modos outrora ajustados, comprometendo-se a outorgar a escritura definitiva quando do adimplemento da obrigação.52
Assim sendo, o Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis é um instrumento contratual onde consta objeto do contrato, o preço e o prazo para entrega, bem como as especificações do empreendimento. Sendo que o construtor ou incorporador (fornecedor) fica responsável pela construção do imóvel adquirido pelo Promitente-comprador (consumidor), e após a conclusão do imóvel e consequentemente a expedição do habite-se, o Promitente-comprador (consumidor) deverá efetuar a quitação de eventual saldo devedor existente. Após a quitação integral do preço ajustado no Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis, será realizada a lavratura da matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis e a imissão na posse do Promitente-comprador (consumidor).
Contudo, ainda que preliminar, o Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Residenciais está sujeito a todas as obrigações e ressalvas previstas no Código de Defesa do Consumidor, devendo a Lei 8.078/90 ser observada quando da elaboração do contrato.
3.2 MODALIDADES DE CLÁUSULAS SUPOSTAMENTE ABUSIVAS
Como afirmado, é de praxe que os Contratos de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Residenciais sejam formulados na modalidade de
51 Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.
52 xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/?xx000 – Consultado em 07/07/2015.
contrato de xxxxxx, a fim de otimizar as relações entre consumidor e fornecedor, conforme visto.
Ocorre que por se tratar de um contrato de adesão, o referido instrumento contratual pode conter cláusulas que afrontem as disposições do Código de Defesa do Consumidor, de modo que é necessário avaliar individualmente os contratos e suas cláusulas, a fim de auferir eventual abusividade pelo fornecedor.
Desta forma, quando da elaboração do Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Residenciais, caso não observem a Lei 8.078/90, as cláusulas que poderão ser consideradas abusivas, dentre as quais podemos citar a título exemplificativo, o prazo de tolerância para entrega do imóvel; a cobrança de juros de obra; a cobrança de comissão de corretagem; a rescisão unilateral do contrato; a cobrança de taxa de condomínio anterior a imissão na posse e a cobrança do INCC.
Nestes termos, serão lançadas algumas considerações sobre tais cláusulas, ressaltando que muitas vezes não é o conteúdo da cláusula que a torna abusiva, mas a forma como disposta no contrato, a forma como a informação foi prestada ao consumidor.
3.2.1 Prazo de tolerância para entrega do imóvel
O artigo 51, § 1º do Código de Defesa do Consumidor considera como exigência o “equilíbrio contratual”, de modo que a partir da leitura do referido dispositivo legal, a inserção da referida cláusula de prazo de tolerância nos Contratos de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis poderá ser considerada abusiva. Outrossim, viola art. 51, IV e XV do referido diploma legal.
Contudo, nos Contratos de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Residenciais é comum constar a cláusula de prazo de tolerância para entrega do imóvel, pois durante a construção do empreendimento podem ocorrer situações de caso fortuito ou de força maior que impedem que o empreendimento seja entregue no prazo previsto. Portanto, é estabelecido o prazo de 180 (cento e
oitenta) dias a contar da data prevista para entrega do imóvel, sendo considerado tal prazo como carencial.
Todavia, para que tal prazo suplementar não seja considerado como abusivo, o construtor ou incorporador deverá se atentar aos artigos 46 e 47 do Código de Defesa do Consumidor, de modo que o consumidor (promitente- comprador) deverá ser informado previamente de tal cláusula, devendo a mesma constar de forma expressa, clara, objetiva e em destaque no contrato.
Insta dizer, que o referido prazo carencial tem sido aceito pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme se extrai da Apelação 00486492820128260114-SP, ao dispor que o prazo carencial de 180 (cento e oitenta) dias tem validade e eficácia, pois leva em consideração as vicissitudes da construção civil.53
Contudo, a construtora deve se ater ao prazo para entrega das unidades do empreendimento imobiliário, de modo a contabilizar todos os riscos, como caso fortuito e força maior, a fim de garantir que o prazo para entrega unidade adquirida pelo consumidor seja cumprida, de modo a demonstrar transparência e boa-fé.
Nesse sentido manifestou entendimento a Ministra Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, no Resp nº 1.441.601 – RS, ao salientar que quando da construção dos empreendimento as construtoras devem estar cientes do risco do negócio, de modo que não há como acolher a justificativa do fornecedor de caso fortuito ou força maior para que seja afastada a sua responsabilidade da demandada pelo atraso na entrega da obra.54
Ocorre que é importante reforçar que ainda que a referida cláusula de prazo carencial seja admitida, o fornecedor quando da elaboração do Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis deverá redigi-la em acordo com o
53 TJ-SP - APL: 00486492820128260114 XX 0000000-00.0000.0.00.0000, Relator: Xxxxx Xxxxxxxxx de
Arruda, Data de Julgamento: 14/05/2015, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/05/2015.
54 STJ - REsp: 1441601 RS 2014/0055317-6, Relator: Ministra XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Data de Publicação: DJ 04/12/2014. Consulta realizada em 02/07/2015.
artigo 54, § 3º da Lei 8.078/1990, uma vez que implica em limitação de direito do promitente-comprador (consumidor).
Reitera-se que em atenção aos princípios da boa-fé objetiva, da informação e da transparência, o fornecedor deverá informar a respeito da referida cláusula quando da contratação pelo promitente-comprador (consumidor), visando não frustrar a expectativa do consumidor.
3.2.2 Cobrança de “juros de obra”
O “juros de obra” consiste em tarifa paga pelo Promitente-comprador durante a construção do empreendimento adquirido, sendo que a incidência de tal juros têm por finalidade impedir que o construtor ou incorporador (fornecedor), arque com os custos da obra até a sua conclusão, sem qualquer contraprestação nesse sentido pelo Promitente-comprador. Ou seja, uma vez que o incorporador ou construtor fica responsável por captar investimentos para a construção do empreendimento, por muitas vezes não terem os Promitentes-compradores como arcar com o valor integral do imóvel, deverão estes arcar compartilhar com os construtores ou vendedores os custos decorrentes dessa captação de investimentos.
Deste modo, a finalidade é equilibrar a relação, de modo que nem o construtor ou incorporador (fornecedor) e nem o Promitente-comprador (consumidor) sejam prejudicados ou onerados.
No mercado imobiliário, a cobrança de juros “no pé” pode acontecer de duas formas: (i) o incorporador dilui os juros compensatórios nas parcelas devidas pelo promitente comprador; (ii) o incorporador cobra os juros de uma só vez, quando o imóvel fica pronto, inclusive o período anterior à entrega das chaves ao consumidor.55
55 Nesse sentido: xxxx://xxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/xxxxxxxxxxxxxx-xxxxxxxxx-xxx- segunda-secao-eresp-670117-pb-juros-compensatorios-juros-no-pe, acesso em 02/07/2015.
O Superior Tribunal de Justiça manifestou entendimento sobre a legalidade da referida cobrança, na medida em que conforme observou o Min. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx que, a rigor, o pagamento pela compra de um imóvel em fase de produção deveria ser feito à vista. Não obstante, em favorecimento financeiro ao comprador, o incorporador pode estipular o adimplemento da obrigação mediante o parcelamento do preço, inclusive, em regra, a prazos que vão além do tempo previsto para o término da obra. Em tal hipótese, afigura-se legítima a cobrança dos juros compensatórios, pois o incorporador, além de assumir os riscos do empreendimento, antecipa os recursos para o seu regular andamento. Destacou-se que seria injusto pagar na compra parcelada o mesmo valor correspondente da compra à vista. Acrescentou-se, ainda, que, sendo esses juros compensatórios um dos custos financeiros da incorporação imobiliária suportados pelo adquirente, deve ser convencionado expressamente no contrato ou incluído no preço final da obra.56
Desta forma, a cobrança dos “juros de obra” se mostra devida sempre que o Promitente-comprador (consumidor) opte pelo pagamento parcelado do imóvel, momento em que haverá a incidência do referido juros durante a construção, sendo que tal incidência somente poderá ocorrer durante o período de construção, de modo, que a cobrança posterior a conclusão da obra se mostra indevida e abusiva.
Nessa seara, eventual cobrança após a conclusão da obra a título de juros de obra, poderá ser considerada abusiva, devendo a restituição dos valores cobrados indevidamente ser acrescida de correção monetária.
Contudo, ressalta-se que ainda que a referida cobrança seja considerada legal pelo Superior Tribunal de Justiça, deve o construtor ou incorporador agir de acordo com os princípios da boa-fé, transparência e informação, de modo a conscientizar o Promitente-comprador (consumidor) sobre a incidência de tal correção.
56 EREsp 670.117-PB, Rel. originário Min. Xxxxxx Xxxxxx, Rel. para acórdão Min. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, julgados em 13/6/2012
Por fim, ainda que seja considerada legítima a cobrança de “juros de obra”, é importante que o construtor (fornecedor) respeite os dispositivos legais contidos no Código de Defesa do Consumidor, de modo a não violá-los, dentre os quais podemos citar os artigos 6º, III; 39, V e 51, IV, todos do Código de Defesa do Consumidor.
3.2.3 Cobrança de comissão de corretagem
A cobrança da comissão de corretagem encontra previsão legal nos artigos 722 e seguintes do Código Civil. Dispõe o referido dispositivo legal:
Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.
A respeito da corretagem, ensina Xxxxx Xxxxx Xxxxxx:
A corretagem é atividade de aproximação entre as partes de um negócio. Quem quer vender uma coisa pode contratar o corretor para localizar alguém interessado em adquiri-la; do mesmo modo, aquele que deseja comprar algo também pode valer-se dos serviços de um corretor para encontrar pessoa disposta a vender-lhe o bem procurado. O negócio do interesse das partes aproximadas pelo corretor pode ter qualquer objeto: de bens imóveis a serviço financeiro de câmbio, de commodities a seguro.57
Nessa seara, leciona Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx:
Contrato de corretagem é aquele pelo qual uma pessoa, não vinculada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se, mediante remuneração, a intermediar negócios para a segunda. Conforme as instruções recebidas, fornecendo a esta todas as informações necessárias para que possam ser celebrados existosamente. É o que se depreende do art. 722 do Código Civil.58
57 Xxxxx Xxxxx Xxxxxx. Curso de Direito Civil, v. III, 6ª edição, Saraiva, p.314/315.
58 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Civil Brasileiro – Contrato e Atos Unilaterais. v III. 11ª edição. 2014. São Paulo: Saraiva. p. 470.
Verifica-se que, em regra, que aquele que deseja adquirir ou vender um produto por meio de corretor, fica responsável pelo pagamento da sua comissão.
Nos casos dos Contratos de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis, quando o Promitente-comprador contrata os serviços de um corretor imobiliário para aquisição de um imóvel, ficará a cargo deste o pagamento.
Na maioria dos casos, a corretagem nas incorporações se faz mais intensamente no “lançamento”, que corresponde à deflagração do processo de venda das unidades do empreendimento e se dá, em geral, antes de iniciada a obra.59
Ocorre que é comum constar nos Contratos de Compromisso de Compra e Venda cláusula eximindo a construtora do pagamento de comissão de corretagem e imputando aos compradores – consumidores – a responsabilidade pelo pagamento da referida quantia.
Contudo, em atenção ao disposto no artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor, deverá o Promitente-vendedor deixar de forma clara e objetiva de quem será a responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem. Por se tratar de cláusula restritiva de direito, o conteúdo deve ser exposto de modo que o consumidor compreenda pelo que está pagando.
Caso contrário, a inserção da cláusula que prevê o pagamento de comissão de corretagem pelo Promitente-comprador, ou seja, o consumidor, sem a prévia contratação e consentimento, deste se mostra totalmente abusiva a cobrança, violando o artigo 51, IV da Lei 8.078/90.60
Conforme visto, somente pode ser responsável pelo pagamento de comissão de corretagem aquele que contratou tal serviço, se o consumidor jamais procurou o corretor para busca de imóvel ou se a construtora por mera liberalidade
59 Xxxxxx Namem Chalhub. Da incorporação imobiliária. 3ª xxxxxx.Xxx de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p.251.
60 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;
contrata corretores de imóveis para angariar clientes para seus empreendimentos, não pode o consumidor ser onerado com tal pagamento.
O pagamento da comissão de corretagem somente será devido pelo consumidor, se este procurou o auxílio do corretor de imóveis para ajudá-lo na escolha de um imóvel que atenda as suas necessidades. Caso contrário, imputar esse pagamento no Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis, se mostra abusivo, pois afronta dispositivo legal do Código de Defesa do Consumidor, podendo inclusive ser declarada nula a referida cláusula, com a consequente restituição do valor pago pelo consumidor a esse título.
Denota-se, portanto, que se o consumidor for informado do valor, de modo que reste claro que a comissão de corretagem encontra-se englobada no valor, não poderá a cláusula ser considerada abusiva, uma vez que a informação foi prestada, de modo que o consumidor tinha ciência do preço e do que estava adquirindo.
3.2.4 Rescisão unilateral do contrato (Distrato unilateral)
O artigo 51, XI da Lei 8.078/1990 declara como abusiva, a cláusula que autoriza o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor.
Desta forma, é admitida a inserção de cláusula que permita a rescisão contratual por ambas as partes e não exclusivamente por um das partes. Qualquer cláusula que autorize somente ao fornecedor rescindir o contrato, sem que a mesma oportunidade seja dada ao consumidor poderá ser declarada nula.
Não obstante, o Código de Defesa do Consumidor por ter uma finalidade protecionista, autoriza ao consumidor o direito de arrependimento. Contudo, ainda que o contrato de compromisso de compra e venda possa ser rescindido pelo consumidor, este deverá suportar as penalidades da rescisão precoce do contrato, quais sejam, a multa penal prevista no instrumento legal.
Assim sendo, quando no curso da execução do contrato de compromisso de compra e venda, o referido instrumento se tornar oneroso para o consumidor, ou o financiamento para quitação do contrato não for concedido, dentre outras situações, poderá o consumidor exercer o seu direito de arrependimento e solicitar a rescisão do contrato.
Todavia, ainda que a rescisão do contrato seja precoce, este terá a restituição das parcelas pagas com o desconto de eventual multa contratual, conforme preceitua o artigo 53, caput da Lei 8.078/1990.61
Portanto, caso o contrato de compromisso de compra e venda preveja a retenção integral da quantia paga, tal cláusula poderá ser declarada nula pelo Julgador, uma vez que coloca o consumidor (Promitente-comprador) em extrema desvantagem, além de violar os artigos 51, II e 53, caput do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
Nula é a cláusula que prevê a perda das prestações pagas de um contrato de compromisso de compra e venda avençado na vigência da Lei 8.078/90, podendo a parte inadimplente requerer a restituição do “quantum” pago, com correção monetária desde cada desembolso. Por outro lado, autoriza- se a retenção de parte dessas importâncias, atendendo às circunstâncias do caso concreto, em razão do descumprimento do contrato.62
Nessa seara, no que tange ao percentual a ser aplicado a título de retenção sobre os valores pagos, em razão da multa contratual prevista, há uma discussão sobre o percentual a ser aplicado. Contudo, não há unanimidade quanto ao percentual, todavia, em atenção ao princípio da boa-fé, há julgamentos que entendem que o percentual poderá variar entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) do valor pago.
Desta forma, o ideal seria fixar um percentual de retenção que possibilite ao Promitente incorporador ou construtor o ressarcimento das despesas
61 Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.
62 STJ, REsp 99440/SP, Rel. Ministro XXXXXX XX XXXXXXXXXX XXXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/1998, DJ 14/12/1998, p. 242.
efetivadas com o negócio desfeito, bem como às necessárias à venda do imóvel, e não que impute a aplicação de uma multa que implique em enriquecimento ilícito pelo fornecedor (incorporador ou construtor).63
Contudo, caso a rescisão seja motivada por ausência de dever de informação do fornecedor, por atraso de obra, por obra em desacordo com o contratado, dentre outras hipóteses, poderá o consumidor requerer a restituição integral do valor pago, acrescido ainda de correção monetária.
Da mesma forma, poderá o fornecedor (incorporador ou construtor) solicitar a rescisão precoce do contrato, desde que restitua integralmente a quantia paga ao consumidor (Promitente-comprador) devidamente corrigida monetariamente, uma vez que a rescisão se deu por vontade exclusiva do fornecedor (construtor ou incorporador).
Todavia, nos casos em que o promitente-comprador (consumidor) desistir do negócio por sua livre vontade, deverá arcar com a retenção de um que incidirá sobre o valor já pago ao construtor ou incorporador. Esse percentual de retenção tem por finalidade compensar os custos do construtor ou incorporador com publicidade, revenda e despesas com a unidade.
Ocorre que em nosso ordenamento jurídico o percentual de retenção a título de distrato requerido pelo consumidor (promitente-comprador) varia entre 10% (dez por cento) e 25% (vinte e cinco por cento).
3.2.5 Cobrança de cota de condomínio antes da imissão na posse
A cobrança de condomínio encontra previsão legal no artigo 1.315 do Código Civil, que determina que todo condômino é obrigado a contribuir mensalmente com sua cota-parte no condomínio para mantença do mesmo.
63 xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/?xx000 – Consultado em 07/07/2015.
Art. 1.315. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.
Assim, a finalidade da cobrança de condomínio é partilhar entre os condôminos os custos com a conservação do condomínio, bem como suas despesas.
Nos Contratos de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis, geralmente, possuem cláusula que imputa ao consumidor a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais antes mesmo da sua imissão na posse, tão logo seja expedido o habite-se.
Ocorre que de acordo com o que preceitua o artigo 1.245, § 1º do Código Civil, tal cobrança poderá ser considerada abusiva.
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1.º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
Assim sendo, somente estará obrigado o promitente-comprador ao pagamento das cotas condominiais após a imissão do consumidor na posse do imóvel;
O STJ em sede de recurso repetitivo já decidiu que para se apurar a responsabilidade da responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais deverá ser verificado:
a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação.
b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto.
c) Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas
condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.64
Deste modo, extrai-se do v. acórdão que antes da imissão na posse, o Promitente-comprador não será responsável pelo pagamento das cotas condominiais, ainda que expresso em Contrato de Compromisso de Compra e Venda, uma vez que a incidência de tal cobrança incidiria em violação ao artigo 1.245, § 1º do Código Civil.
Não obstante, a inserção de cláusula no Contrato de Compromisso de Compra e Venda que impute o pagamento de cota condominial anterior à imissão na posse pelo consumidor poderá ser declarada nula, por violar o artigo 51, IV do Código de Defesa do Consumidor.
Contudo, de acordo com o v. acórdão, o promitente-comprador poderá ser responsável pelo pagamento das cotas condominiais se demonstrado pelo fornecedor (construtor ou incorporador) que o promissário-comprador se imitira na posse e que o condomínio teve ciência inequívoca da transação.
Portanto, embora em regra o responsável pelo pagamento das cotas condominiais seja do promitente-vendedor, é necessário analisar as circunstâncias do caso concreto para que se possa apurar de quem será a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais. Isso porque nos casos em que o promitente- vendedor cumprir com sua parte no contrato, ou seja, construindo a obra dentro do prazo, obtendo a emissão do habite-se e por fim fornecendo toda documentação necessária para concessão do financiamento, considero que a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais conforme se extrai da leitura do v. acórdão, que a partir desse momento poderá ser considerada responsabilidade do consumidor o pagamento pelas cotas condominiais, uma vez que a responsabilidade pela concessão do financiamento é, em regra, de responsabilidade exclusiva do consumidor. Contudo, a questão a esse respeito é controvertida.
64 REsp 1345331 RS, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/04/2015, DJe 20/04/2015. Consultado em 15/09/2015.
Denota-se, portanto, que via de regra a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais antes da posse do imóvel é de responsabilidade do fornecedor (construtor ou incorporador), sendo que imputar em contrato a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais antes da imissão na posse poderá ser considerada cláusula abusiva, violando o dispositivo 51, IV da Lei 8.078/90.
3.2.6 Cobrança de INCC
O INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) foi desenvolvido pela Fundação Xxxxxxx Xxxxxx e passou a representar o índice de custo no segmento da construção civil.
Concebido com a finalidade de aferir a evolução dos custos de construções habitacionais, configurou-se como o primeiro índice oficial de custo da construção civil no país. Foi divulgado pela primeira vez em 1950, mas sua série histórica retroage a janeiro de 1944. De início, o índice cobria apenas a cidade do Rio de Janeiro, então capital federal e sua sigla era ICC. Nas décadas seguintes, a atividade econômica descentralizou-se e a FGV passou a acompanhar os custos da construção em outras localidades. Além disso, em vista das inovações introduzidas nos estilos, gabaritos e técnicas de construção, o ICC teve que incorporar novos produtos e especialidades de mão-de-obra.65
Desta forma, o INCC passou a ser o índice utilizado na construção civil para avaliar a valorização de um imóvel, sendo que sua aplicação deverá ocorrer a partir da data em que o contrato foi firmado até a quitação integral do contrato, descontando os valores pagos a título de entrada.
Portanto, denota-se que o INCC é um reajuste que leva em consideração os insumos da construção civil66.
Contudo, a imposição dessa cobrança poderá ser considerada abusiva, no caso de pagamento de INCC após a imissão na posse pelo consumidor.
65 xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx/xxxx.xxx - Consultado em 07/07/2015.
66 xxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/xxxx-xxxxxx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx - Consultado em 07/07/2015.
De acordo com o Desembargador Relator Xxxx Xxxxxxxxx:
A cobrança de juros compensatórios antes da entrega de imóvel ao adquirente é aceita pela jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça, como forma de ressarcir a imobiliária pelo emprego do seu capital na construção da obra. Cf. EResp 670117.4. Todavia, afigura-se ilegítima a incidência do índice após a construção de imóvel e a consequente entrega das chaves, por se caracterizar como excessivamente onerosa, em gravame para o consumidor.67
Contudo, a questão não é pacífica, sendo muito controvertida no ordenamento jurídico brasileiro, de modo que alguns Julgadores entendem que o saldo devedor a partir do primeiro dia de atraso deverá ser congelado e aplicada a correção por índice que seja mais benéfico para o consumidor, conforme se extrai do julgamento do REsp 1454139-RJ ao considerar que O INCC visa apenas a correção monetária de modo a recompor o valor da moeda. Vejamos:
(...) Assim, a melhor solução que melhor reequilibra a relação contratual nos casos em que, ausente má-fé da construtora, há atraso na entrega da obra, é a substituição, como indexador do saldo devedor, do Índice Nacional de Custo de Construção (INCC, que afere os custos dos insumos empregados em construções habitacionais, sendo certo que sua variação em geral supera a variação do custo de vida médio da população) pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, indexador oficial calculado pelo IBGE e que reflete a variação do custo de vida de famílias com renda mensal entre 01 e 40 salários mínimos), salvo se o INCC for menor. Sendo que essa substituição se dará com o transcurso da data limite estipulada no contrato para a entrega da obra, incluindo-se eventual prazo de tolerância previsto no instrumento.68
Todavia, há Julgadores que entendem pelo congelamento do saldo devedor a partir do primeiro dia de atraso (conforme Enunciado nº 38-7 do TJ/SP). Nesse sentido a Desembargadora Xxxxxx Xxxxx Xxx Xxxxxx manifestou que o referido entendimento tem como escopo impedir que o preço seja excessivamente elevado em razão de circunstâncias alheias à vontade dos compradores. Dessa
67 TJ-PE - APL: 2724969 PE, Relator: Xxxx Xxxxxxxxx, Data de Julgamento: 17/09/2014, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 25/09/2014 – Consultado em 07/07/2015.
68 xxxx://xxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/000000000/xxxxxxxxxxxx-xx-xxxx-xxxxx-x-xxx-xxxxx- enunciado-n-38-7-do-tjsp-permite-o-congelamento-da-correcao-monetaria-em-caso-de-atraso - Consultado em 07/07/2015.
forma, admite-se o congelamento do saldo devedor durante a mora das vendedoras, o que engloba os juros e a correção monetária.69
Assim verifica-se que a cobrança do INCC até a entrega das chaves é devida e permitida pelo ordenamento jurídico brasileiro, todavia, é importante que o Promitente-comprador (consumidor) seja informado da referida cobrança quando da apresentação do Contrato de Compromisso de Compra e Venda, a fim de que o consumidor (promitente-comprador) não alegue posteriormente ausência de informação nesse sentido, nos termos dos artigos 4º, 6º, 46, 47 e 54 da Lei 8.078/90.
3.3 DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS
Conforme visto, diante do aumento expressivo das relações de consumo, foi necessário criar um mecanismo que permitisse maior agilidade nas relações de consumo, sendo autorizado pelo Legislador a criação do contrato de adesão.
O contrato de adesão conforme estudado é elaborado unilateralmente pelo fornecedor, possuindo como características cláusulas unilaterais, modelo uniforme e apresenta em regra, ausência de uma fase pré- negocial.
Nesse sentido, preconiza o artigo 6º, IV e V do Código de Defesa do Consumidor ao determinar a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços, além de permitir a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
69 REsp 1454139-RJ, Relator: Ministra XXXXX XXXXXXXX, Data de Julgamento: 03/06/2014, T3 - TERCEIRA TURMA. Consultado em 07/07/2015.
Conforme ensina o Ilustre Ministro Xxxxx Xxxxxxx, o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor confere ao consumidor o direito à informação adequada e clara sobre produtos e serviços, qualidade e preço, sendo ônus da empresa contratada informá-lo acerca de qualquer especificidade da avença que o cerceie de algum direito. A boa-fé contratual entende-se como um dever de conduta que impõe ao contratado lealdade aos contratantes.70
Não obstante, o Legislador visando coibir abusos pelos fornecedores elencou no artigo 51 da Lei 8.078/90, um rol exemplificativo de cláusulas contratuais que poderão ser consideradas abusivas. Contudo, por tratar-se de um rol meramente exemplificativo, poderão haver outras cláusulas que não elencadas no referido dispositivo, que contenham conteúdo abusivo.
Todavia, o fato de se tratar de um contrato de adesão, não necessariamente significa que o contrato será formado por cláusulas abusivas. Quem vai determinar se uma cláusula poderá ser considerada abusiva ou não, será o fornecedor se não observar as normas contidas em nosso ordenamento jurídico quando da elaboração do contrato.
Da mesma forma, se é direito do consumidor ser informado (art. 6.º, III), este deve ser cumprido pelo fornecedor e não fraudado (art. 1.º do CDC), assim a cláusula ou prática que considere o silencio do consumidor como aceitação (a exemplo do art. 111 do novo Código Civil), mesmo com a falha da informação, não pode prevalecer (arts. 24,25), acarretando a nulidade da cláusula no sistema do CDC (art. 51, I) e até no sistema geral do novo Código de Civil (art. 424 CCBr./2002).71
Portanto, não é apenas o conteúdo da cláusula que faz com ela seja considerada muitas vezes abusiva, mas a forma como as informações são prestadas ao consumidor. Deste modo, deve o fornecedor esclarecer as informações contidas nas cláusulas contratuais, visando assegurar que o consumidor tenha pleno conhecimento do que está adquirindo, bem como se o que está adquirindo atende as suas necessidades.
70 Acórdão n.823286, 20130111862747APC, Relator: XXXXX XXXXXXX, Revisor: XXXXX XXXXXX XXXX, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 01/10/2014, Publicado no DJE: 06/10/2014. Pág.: 119 – Consultado em 09/09/2015.
71 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais. 4ª ed. 2004. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p.754.
Ocorre que a inobservância das regras contidas na lei 8.078/90 poderá acarretar na nulidade da cláusula, sendo essa nulidade absoluta, de modo que se considerada abusiva, desobriga o consumidor do cumprimento da mesma.
A doutrina consumerista interpreta a expressão “nulas de pleno direito” como sinônima de nulidade absoluta, não só em razão do art. 166, inciso VII, do Código Civil (aplicação do diálogo das fontes entre o CDC e o Código Civil), mas principalmente em consideração do caráter da tutela instituída no art. 1º do CDC: “de ordem pública e interesse social”.72
O Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública e interesse social, de modo que o consumidor poderá a qualquer momento pleitear a declaração de nulidade de eventuais cláusulas abusivas, tendo em vista que a declaração de nulidade não prescreve.
Como a cláusula abusiva é nula, tem de ser destituída de validade e efeito já antes do pronunciamento. Não há por que se aguardar que se busque a declaração de algo que de fato já é. Por isso o efeito da decisão judicial é ex tunc, uma vez que nela se reconhece a nulidade existente desde o fechamento do negócio. E, álias, dada a característica da nulidade e a contrariedade da cláusula abusiva à Lei n. 8.078 que é de ordem pública e interesse social, o magistrado tem o dever de se pronunciar de ofício. Mesmo que parte – isto é, seu advogado – não alegue a nulidade, é dever do juiz declará-la por ato ex officio.
Nessa seara, ensina Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx:
A abusividade da cláusula contratual é, portanto, o desequilíbrio ou descompasso de direitos e obrigações entre as partes, desequilíbrio de direitos e obrigações típicos àquele contrato específico; é a unilateralidade excessiva, é a previsão que impede a realização total do objetivo contratual, que frustra os interesses básicos das partes presentes naquele tipo de relação, é, igualmente, a autorização de atuação futura contrária a boa-fé, arbitrária ou lessionária aos interesses do outro contratante, é a autorização de abuso no exercício da posição contratual preponderante (Machtposition).73
No caso do Contrato de Compra e Venda de Imóvel Residencial, se verificada a existência de alguma cláusula que impute ao consumidor obrigação decorrente de cláusula considerada abusiva, conforme preceitua o Código de
72 XXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx. Direito do Consumidor – Código Comentado e Jurisprudência. 9ª edição. 2013. Salvador: Editora JusPODIVM. p. 384.
73 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais. 4ª Ed. 2004. São Paulo: Editora RT. p. 148.
Defesa do Consumidor, essa poderá ser objeto de ação judicial a fim de que seja declarada sua nulidade, voltando o consumidor ao status a quo, na medida em que o juiz poderá declará-la nula.
O controle judicial das cláusulas contratuais abusivas tanto pode ocorrer nos limites da relação de consumo específica deduzida em juízo, por intermédio de ação proposta pelo consumidor interessado (controle judicial concreto), quanto pode incidir sobre a totalidade das cláusulas contratuais estipuladas pelo fornecedor, por provocação do Ministério Público ou de quaisquer dos legitimados pelo art. 82 do CDC (controle judicial abstrato). A ação civil pública, com objetivo de controle abstrato judicial das cláusulas contratuais, mostra-se como o mais eficiente meio para o combate das práticas abusivas, tutelando os consumidores vulneráveis.74
Porém, isso não significa que uma cláusula abusiva invalide todo contrato, em razão do princípio da conservação dos contratos.
Deste modo, a ação pleiteando a declaração de nulidade das cláusulas contratuais poderá ser requerida pelo consumidor individual, como também pelos legitimados presentes no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor, tais como o Ministério Público e os órgãos de proteção e defesa do consumidor.
O que diferenciará a ação de pedido de nulidade de cláusula contratual ajuizada pelo consumidor individual da ação coletiva ajuizada pelos legitimados do artigo 82 da Lei 8.078/90 é a extensão da decisão. No caso do consumidor individual, a declaração de nulidade restringirá somente a ele, enquanto que na ação civil pública a coisa julgada será erga omnes ou ultra partes.
A sentença que decreta a nulidade é desconstitutiva (ou constitutiva negativa) e produz efeitos ex tunc, retroagindo à data da celebração do contrato. Conforme estudamos no art. 26, nas ações constitutivas será decadencial quando expresso em lei o prazo para o seu exercício ou será perpétua (imprescritível) para o caso de não haver prazo previsto para o exercício. Assim, como no CDC não há estipulação de prazo para que exerça o direito potestativo de desconstituir os contratos cujas cláusulas são
74 XXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx. Direito do Consumidor – Código Comentado e Jurisprudência. 9ª edição. 2013. Salvador: Editora JusPODIVM. p. 399.
abusivas, concluímos que é perpétua ou imprescritível, podendo ser proposta a qualquer tempo.75
Ainda é importante evidenciar que, via de regra, é admissível a decretação de ofício da nulidade das cláusulas contratuais abusivas.
Portanto, quando da elaboração do Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Residenciais, deverá o fornecedor se atentar às normas previstas no ordenamento jurídico pátrio, em especial à Constituição Federal e ao Código de Defesa do Consumidor, para evitar a declaração de nulidade das cláusulas contratuais estipuladas de forma desequilibrada.
Uma vez decretada a nulidade das cláusulas contratuais o fornecedor (construtor ou incorporador) deverá arcar com as consequências jurídicas, não necessariamente com a exclusão da cláusula do contrato, mas a adaptação às regras permitidas em nosso ordenamento jurídico, visando o equilíbrio e harmonia do contrato.
75 XXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx. Direito do Consumidor – Código Comentado e Jurisprudência. 9ª edição. 2013. Salvador: Editora JusPODIVM. p. 384.
CONCLUSÃO
No presente trabalho foi possível verificar o acesso a moradia é um direito de todo indivíduo e que constitui direito fundamental previsto na Constituição Federal, de modo que os entes federativos devem propiciar meios para o acesso a tal garantia legal.
Assim sendo, como mecanismo de propiciar o acesso à moradia, os entes federativos concedem permissão legal, através de alvará, para que os construtores e/ou incorporadores construam imóveis residências e permitam à população (consumidores) o almejado acesso à moradia.
Verificou-se que uma forma de acesso a moradia é o Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Residenciais, nos quais os Promitentes-Compradores (consumidores) adquirem uma unidade habitacional, que poderá ser uma casa ou um apartamento. Sendo que nessa opção os consumidores adquirem um imóvel residencial que ainda será construído, razão pela qual as condições para aquisição são mais facilitadas.
Foi possível observar que a definição de contrato regido pelo Código Civil difere-se do Contrato de Consumo previsto no Código de Defesa do Consumidor, principalmente, no que tange a responsabilidade, uma vez que no primeiro a boa-fé é subjetiva, enquanto que no primeiro a responsabilidade é objetiva.
Ainda restou demonstrado que a vulnerabilidade é condição inerente de todo consumidor, de modo que toda relação de consumo deverá ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90, devendo ser observado ainda, as demais normas vigentes em nosso ordenamento jurídico.
Analisamos ainda alguns princípios que devem nortear os fornecedores (construtores e incorporadores) não só nas relações de consumo, mas também quando da elaboração de um contrato de consumo, ou seja, devem ser respeitados tanto na fase pré-contratual, como também na fase contratual, a fim de garantir o equilíbrio entre as partes.
Foi possível verificar que em virtude do crescimento massivo dos contratos de consumo, inclusive no âmbito da construção civil, a Lei 8.078/90 autorizou aos fornecedores (construtores e incorporadores), a elaboração dos Contratos de Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Residenciais na modalidade de adesão, ou seja, contratos cujas cláusulas são previamente estabelecidas pelos fornecedores, de modo que o consumidor ainda que queira não tem a possibilidade de modificá-las. Por esse motivo, possui como característica rigidez, predisposição, abstração, uniformidade e caráter geral.
Nessa seara, foi possível analisar que a informação clara e objetiva visa evitar a frustação do consumidor ao longo do contrato, de maneira que ele tenha total conhecimento do que está adquirindo e das restrições que podem ocorrer no curso do contrato. Nos Contratos de Compromisso de Compra e Venda, podemos citar a título exemplificativo, o atraso de obra, o pagamento de comissão de corretagem, o pagamento de custas condominiais, a correção do saldo devedor pelo INCC, dentre outros.
Verificou-se que o Legislador se preocupou em vários momentos do Código de Defesa do Consumidor a coibição de cláusulas contratuais abusivas, exigindo que as cláusulas restritivas de direito fossem redigidas em termos claros, de fácil compreensão pelo consumidor e que as cláusulas restritivas de direito sejam colocadas em destaque no contrato a fim de o consumidor possa identificá-la facilmente e verificar se adequa-se a sua necessidade e até mesmo se está de acordo com a mesma.
Portanto, evidente a importância da transparência pelo Construtor ou Incorporador (fornecedor) em garantir que o Promitente-Comprador (Consumidor) tenha total acesso as informações necessárias para aquisição da unidade desejada mediante Contrato de Compromisso de Compra e Venda, de modo a assegurar que a real vontade do Consumidor esteja sendo respeitada e de que este tenha plena ciência do que está adquirindo, sob pena de não obrigá-lo, nos termos do artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor.
A inobservância das normas contidas em nosso ordenamento jurídico, em especial, ao Código de Defesa do Consumidor, poderá ser objeto de
ação judicial visando declarar a nulidade das cláusulas ou das cláusulas contratuais, sendo que a ação poderá ser movida pelo consumidor que se sentir lesado pela imputação da cláusula, como também pelos legitimados do artigo 82 da Lei 8.078/90.
Denota-se, portanto que algumas cláusulas ainda que previstas contratualmente, poderão ser objeto de ação visando a declaração de sua nulidade tendo em vista que não observados os preceitos legais contidos em nosso ordenamento jurídico, em especial, o Código de Defesa do Consumidor, devendo o fornecedor (construtor ou incorporador) arcar com as consequências da nulidade, lembrando-se que a nulidade de uma cláusula não invalida todo o contrato, pois deve ser garantido ao consumidor o equilíbrio contratual e o princípio da conservação e manutenção do contrato.
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