PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DO TRABALHO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DO TRABALHO
XXXXX XXXXXXX XX XXXXXXX
NULIDADES DO CONTRATO DE TRABALHO
SÃO PAULO 2016
XXXXX XXXXXXX XX XXXXXXX
NULIDADES DO CONTRATO DE TRABALHO
Trabalho para especialização em Direito e Processo do Trabalho, sob orientação do professor doutor Xxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx.
SÃO PAULO 2016
Agradeço a Deus, pela força. A meus pais, pelo apoio. Aos meus irmãos, pela amizade.
Agradeço ao meu orientador, pelos ensinamentos. E a esta instituição de ensino, pela oportunidade.
RESUMO
Pesquisa bibliográfica, que objetiva estudar as nulidades dos contratos de trabalho. O contrato de trabalho é de livre disposição das partes, desde que não infrinja artigo de lei ou princípios, sob pena de ser declarado nulo. A declaração da nulidade trabalhista é diferente daquela aplicada no Direito Civil pela impossibilidade do retorno ao status quo ante, ensejando a criação de uma teoria da nulidade trabalhista, onde os efeitos do contrato permanecem até a declaração da nulidade pela autoridade judicial, salvo se o objeto do contrato de trabalho for atividade ilícita, casos em que o contrato não terá efeito nenhum.
Palavras-chaves: natureza jurídica do contrato trabalhista; nulidades contratuais; teoria da nulidade trabalhista; contratos com objetos ilícitos; fraudes trabalhistas; termos ilegais nos contratos.
ABSTRACT
Bibliographic research, which aims to study employment contract nullities. The employment contract is available to all parties, as long as it does not infringe any articles or principles. Otherwise, it shall be declared invalid. The declaration of labor nullity is different from that one applied to civil law for the impossibility of return of the status quo ante. This gives rise to the creation of a theory of labor nullity, on which the effects of the contract persist until the declaration of nullity by the judicial authority, unless the object of the labor contract is illegal activity, cases where the contract has no effect.
Keywords: Judicial nature of labor contract; contractual nullities; theory of labor nullity; contracts with illegal objects, labor frauds; illegal terms in contracts.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
1. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO 11
1.2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 12
1.2.1. Princípio da dignidade da pessoa humana 13
1.2.2. Princípio do valor social do trabalho 13
1.2.3. Princípio da proibição do trabalho infantil e da exploração do trabalho do adolescente 14
1.2.4. Princípio do valor social do contrato 15
1.3. PRINCÍPIOS INFRACONSTITUCIONAIS DO DIREITO DO TRABALHO 16
1.3.1. Princípio da primazia da realidade 16
1.3.2. Princípio da boa fé 16
1.3.3. Princípio da supremacia do interesse público 17
2. FUNÇÃO SOCIAL E AS NORMAS DE ORDEM PÚBLICA 18
3. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O CONTRATO DE TRABALHO 21
4. ASPECTOS DO CONTRATO DE TRABALHO 22
4.1. CONCEITO 22
4.2. CARACTERÍSTICAS 23
4.3. MORFOLOGIA 24
4.4. NATUREZA JURÍDICA 25
4.4.1. Teoria contratualista 25
4.4.1.1. Contrato de arrendamento 25
4.4.1.2. Compra e venda 25
4.4.1.3. Associação 26
4.4.1.4. Mandato 26
4.4.2. Teoria anticontratualista 27
4.4.2.1. Teoria da relação de emprego ou trabalho 27
4.4.2.2. Teoria institucionalista 27
5. ELEMENTOS DO CONTRATO DE TRABALHO 29
5.1. ELEMENTOS ESSENCIAIS 29
5.1.1. Capacidade 29
5.1.2. Objeto lícito 31
5.1.3. Consentimento 35
5.1.4. Forma regular ou não proibida 35
5.2. ELEMENTOS NATURAIS 36
5.2.1. Termo e condição 36
6. DA NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO 37
6.1. TEORIA TRABALHISTA DE NULIDADE 37
6.1.1. Aplicação plena da teoria trabalhista 38
6.1.2. Aplicação restrita da teoria trabalhista 39
6.1.3. Inaplicabilidade da teoria trabalhista 40
6.2. TIPOS DE NULIDADES 40
6.2.1. Nulidade total e parcial 41
6.2.2. Nulidade absoluta e relativa 41
7. VÍCIOS DO CONSENTIMENTO NO CONTRATO DE TRABALHO 42
7.1. ERRO 42
7.2. DOLO 43
7.3. COAÇÃO 43
7.4. SIMULAÇÃO 43
7.5. LESÃO 44
7.6. FRAUDE 44
7.6.1. Por contratos civis 45
7.6.2. Estágio 46
7.6.3. Cooperativa 48
7.6.4. Pessoa Jurídica 50
7.6.5. “Socialização” 51
7.6.6. Terceirização ilícita 53
CONCLUSÃO 56
REFERÊNCIAS 59
INTRODUÇÃO
O Direito do Trabalho é regido por normas de direito público e privado,
assim como observa princípios constitucionais e infraconstitucionais. Aplica-se ao Direito do Trabalho regras que, pela subsidiariedade e por atender as necessidades da sociedade, são do Direito Civil.
Dentre essas regras de Direito Civil, temos a respeito do contrato, que a Consolidação das Leis do Trabalho não abrangeu nos detalhes que a lei civilista nos apresenta.
Assim, o contrato trabalhista tem regras próprias de uma relação de emprego, com previsão tanto na legislação quanto em princípios, que estabelecem limites para direitos e obrigações das partes contratantes.
Caso um contrato de trabalho não respeite tais limites, este pode ser considerado nulo. Contudo, os efeitos da nulidade trabalhista divergem os efeitos civilistas, em razão da impossibilidade de se retornar as partes ao status quo ante.
Diferentemente de um contrato de compra e venda, no qual devolve ao vendedor o bem e ao comprador o valor quitado, ao trabalhador não se pode devolver a força de trabalho já dispensada, inviabilizando qualquer tentativa de retorno ao status quo.
Em razão da nulidade trabalhista decretada e da impossibilidade do retorno ao status quo ante, criou-se a teoria da nulidade trabalhista.
Por esta teoria, em regra, o empregador paga ao empregado todos os direitos trabalhistas que faria jus e não surtindo mais efeitos após a declaração da nulidade, desde que o direito violado seja mais de interesse individual do que coletivo. É a aplicação plena da teoria da nulidade trabalhista.
Contudo, caso o direito violado seja de maior interesse da coletividade do que o interesse individual, o contrato de trabalho não terá efeito nenhum, não sendo devido ao trabalhador nenhuma verba ou direito decorrente da suposta “relação de emprego”. É o que ocorre quando o contrato tem por objeto atividade ilícita.
Mesmo que o suposto empregado não tenha conhecimento que a atividade praticada contraria a lei, não há como reconhecer vínculo empregatício nem o pagamento de nenhuma verba.
Também será reconhecida a nulidade contratual com o empregador prestador do serviço e reconhecido o vínculo empregatício com o tomador no caso de fraude trabalhista por terceirização ilícita. Nestas situações, o empregado preenche os requisitos da relação de emprego com o tomador, ou seja, é com este que há subordinação, pessoalidade, não eventualidade e onerosidade.
Por fim, será declarado nulo o contrato de sócio, pessoa jurídica, estágio, cooperativa e de prestação de serviço nos termos da legislação civil, quando os requisitos para configuração de cada uma dessas modalidades contratuais não existirem, mas for reconhecida uma típica relação de emprego. Aqui, haverá o pagamento de todas as verbas trabalhistas e previdenciárias.
1. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO
Os princípios podem ser definidos como a base, o fundamento, a origem de todo o ordenamento jurídico. É observando os princípios que o legislador elabora a lei, que o juiz profere a sua sentença, que se interpreta todo o sistema jurídico.
O artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho concedeu aos princípios a função de preencher as lacunas da lei, quando, “na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.”
Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite1, os princípios exercem função tríplice. A função informativa, na qual inspira a atividade legislativa, a fim de que tenha sintonia com os princípios e valores políticos, sociais, éticos e econômicos do ordenamento. Assim, atua com propósito prospectivo, sugerindo na elaboração de novas regras ou atualização de regras jurídicas, em harmonia com os anseios da sociedade e atendimento das reivindicações dos jurisdicionados.
A função interpretativa é destinada ao aplicador do direito, onde os princípios se destinam para a compreensão dos significados e das normas jurídicas.
Por fim, a terceira função é a normativa, também destinada ao aplicador do direito, entende-se que o princípio pode ser aplicado tanto de forma
1 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho, 6.Ed – São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 73 e 74
direta, quando uma norma é derrogada por um princípio, como de forma indireta, por meio da integração dos sistemas nas hipóteses de lacuna.
Portanto, concluímos que os princípios têm maior abrangência e aplicabilidade do que uma regra e, nos dizeres de Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, “violar um princípio é muito mais grave do que violar uma regra. A não observância de um princípio implica ofensa não apenas a específico dispositivo, mas a todo o sistema jurídico”.2
Diferentemente das regras, os princípios coexistem entre si. Nas situações de conflitos de aplicação de princípios, deve-se ponderar qual princípio prevalecerá naquele caso específico. Não há revogação de princípio por outro, mas harmonização.
Tal harmonização ocorre porque existem princípios gerais, que se aplicam a todos os ramos do direito, e princípios específicos, que funcionam como exceção ou estão de acordo com os gerais. Assim, os princípios gerais e os específicos tem coerência lógica, e com certos fins políticos, filosóficos, éticos e sociológicos.3
No Direito do Trabalho, há princípios específicos tanto na Constituição Federal quanto na Consolidação das Leis do Trabalho.
1.2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Há diversos princípios elencados na Constituição Federal que são aplicáveis ao Direito do Trabalho, contudo, para o nosso trabalho, falaremos apenas alguns gerais e outros específicos do Direito do Trabalho.
2 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito do Trabalho, 31.Ed – São Paulo : Atlas, 2015; pág. 66
3 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho, 6.Ed – São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 70
1.2.1. Princípio da dignidade da pessoa humana
Expresso no inciso III, artigo 1º, da Constituição Federal, que declara como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana, segundo Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx, citado por Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, trata-se da
qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.4
O conceito do princípio da dignidade da pessoa humana é plenamente aplicável na relação de emprego, uma vez que todo empregado é pessoa humana e também em razão da relação de subordinação empregado-empregador.
Assim, o princípio em comento é aplicado nas relações laborais tanto para suprir lacunas quanto para proteger o trabalhador contra atos do empregado que atingem a sua dignidade, garantindo condições de trabalho respeitáveis.
1.2.2. Princípio do valor social do trabalho
O princípio do valor social do trabalho está no inciso IV, artigo 1º da Constituição Federal.
O dispositivo legal fala em “trabalho” e não somente na relação de emprego, desta feita, estão protegidos por este princípio toda atividade que gere renda, como o autônomo e inclusive o voluntário.
4 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho, 6.Ed – São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 75
O trabalho humano não pode ser considerado como uma mercadoria, mas tem um valor social. Que, para ter esse valor, o trabalho deve propiciar a dignificação da pessoa humana por meio de um trabalho decente.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, conceitua trabalho
decente como
“o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT: o respeito aos direitos no trabalho (em especial aqueles definidos como fundamentais pela Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho e seu seguimento adotada em 1998: (i) liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; (ii) eliminação de todas as formas de trabalho forçado; (iii) abolição efetiva do trabalho infantil; (iv) eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação, a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social.” 5
Assim, o trabalho decente é aquele que respeita a dignidade da pessoa humana, com liberdade sindical e reconhecimento dos direitos sindicais, que não seja forçado nem com mão de obra infantil, que pretende a eliminação de qualquer forma de discriminação, com promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão proteção social e fortalecimento do diálogo social.
1.2.3. Princípio da proibição do trabalho infantil e da exploração do trabalho do adolescente
A Constituição Federal, no inciso XXXIII, artigo 7º, veda o trabalho para os menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Também torna proibido o trabalho de menores de 18 anos o trabalho noturno, insalubre e periculoso.
5 xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/x-xxx-x-xxxxxxxx-xxxxxxx, acessado em 15/08/2016, às 23h25
O texto legal objetiva proteção a pessoa que ainda está em desenvolvimento, físico, psíquico e social, tornando o trabalho proibido.
Trataremos mais desse assunto ao diferenciar trabalho ilícito do trabalho proibido.
1.2.4. Princípio do valor social do contrato
Em artigo publicado, Miguel Reale6 ensina que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, como estatui o artigo 421 do Código Civil, pois sua conclusão e exercício interessam tanto as partes contratantes quanto a coletividade.
Continua o referido autor, que não significa que as partes poderão deixar de cumprir com o avençado, mas que esse princípio determina o contrato não pode ser utilizado para prática de atividades abusivas, causando dano à parte ou a terceiros. Inclusive, o artigo 187 do Código Civil, afirma que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Assim, o contrato deve atender aos interesses das partes, mas sem desrespeitar o interesse público. Portanto, compete ao juiz verificar se houve alguma ilicitude que extrapolou o valor social.
Conclui, então, que a função social do contrato não impede que as partes ajustem livremente, mas que neste acordo não se verifique detrimento a coletividade, porém, contribua para o seu desenvolvimento.
6 xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx.xxx
1.3. PRINCÍPIOS INFRACONSTITUCIONAIS DO DIREITO DO TRABALHO
1.3.1. Princípio da primazia da realidade
Por este princípio, a realidade fática do contrato prevalece sobre o aspecto formal de suas condições.
Assim, mesmo que no contrato firmado o empregado esteja contratado como prestador de serviços, com empresa aberta, se existentes os requisitos que caracterizam a relação de emprego, o contrato é considerado nulo e reconhecido o vínculo empregatício.
1.3.2. Princípio da boa fé
Ensina Carlos Henrique Bezerra Leite7, que esse princípio decorre do postulado ético que deve existir em todas as relações jurídicas e expresso no Código Civil, pelos artigos 133, 164, 187 e 422, aplicável subsidiariamente no Direito do Trabalho, onde encontramos dois grupos: a boa fé objetiva e a subjetiva.
A boa fé objetiva é o aspecto ético, ou seja, é o comportamento que uma pessoa deve ter com a outra, sendo ética, honesta, proba e leal, à luz dos valores sociais e morais da sociedade e do ordenamento jurídico, sem fraudar ou abusar da confiança da outra parte.
Já a boa fé subjetiva, é aquela que considera os aspectos subjetivos e psicológicos na conduta do agente no momento da realização do negócio jurídico. Trata-se do conhecimento do contratante a respeito dos fatos, suas convicções internas.
7 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho, 6.Ed – São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 90
1.3.3. Princípio da supremacia do interesse público
Tipificado no artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, o princípio da supremacia do interesse público deve estar voltado para a realização de princípios e objetivos fundamentais da Constituição Federal, quais sejam, dignidade da pessoa humana e promoção da justiça social.8
8 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho, 6.Ed – São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 92
2. FUNÇÃO SOCIAL E AS NORMAS DE ORDEM PÚBLICA
Embora o direito de contratar seja livre da intervenção estatal, não é um direito absoluto, encontrando limites em princípios como o da boa fé, como também na função social do contrato, conforme preceitua os artigos 422 e 421 do Código Civil.
Tais preceitos, mesmo sendo dispositivos do Código Civil, também são aplicáveis ao Direito do Trabalho, por serem “decorrência do princípio da eticidade nos contratos, o que não é reserva do direito civil, mas uma ideia básica comum aos contratos em qualquer setor do direito” 9.
Mas quais são os limites da função social do contrato? Qual a sua
razão?
O conteúdo do contrato, nos termos do artigo 444 da Consolidação
das Leis do Trabalho, é de livre estipulação das partes, desde que não afronte demais legislações de conteúdo de proteção ao trabalho, contratos coletivos aplicáveis e decisões de autoridades competentes.
Desta feita, o Texto Consolidado concede autonomia à vontade das partes até o limite das normas de ordem pública, que incidem automaticamente sobre o contrato de trabalho, restringindo a autonomia da vontade das partes, objetivando proteger a parte mais fraca da relação contratual, qual seja, o empregado10.
Não há definição legal para o conceito de ordem pública e a doutrina não traz uma conceituação delimitada, assim como a jurisprudência que também não a define de modo taxativo.
9 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx e XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho – 29. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 597.
10 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito do Trabalho, 31.Ed – São Paulo : Atlas, 2015; pág. 103
Em um acórdão do Superior Tribunal de Justiça11, ao tentar definir ordem pública, confirma que “há dificuldade em esclarecer a compreensão do que seja ordem pública”, mas utilizou um rol de leis que, sem questionamentos, são as referidas normas:
a) as constitucionais;
b) as administrativas;
c) as processuais;
d) as penais;
e) as de organização judiciária;
f) as fiscais;
g) as de polícia;
h) as que protegem os incapazes;
i) as que tratam de organização de família;
j) as que estabelecem condições e formalidades para certos atos;
k) as de organização econômica (atinentes aos salários, à moeda, ao regime de bem).
Vemos aqui que o rol é longo, podendo abranger a maioria as leis em vigor. Contudo, devemos nos atentar somente àquelas normas essenciais à convivência nacional12.
Mas, para a aplicabilidade específica nos contratos de trabalho, as normas de ordem pública estão em especial na essência de um Estado Democrático de Direito, que, ao objetivar equilíbrio das ideologias do Estado Liberal e do Estado
11 STJ STJ, Sentença Estrangeira Contestada Nº 802 - EX (2005/0032132-9); Número Origem: 2001 200500242250 67042 7243; Julgado: 17/08/2005; Relator Exmo. Sr. Ministro Xxxx Xxxxxxx; Requerente: Thales Geosolutions Inc.; Requerido : Xxxxxxx Xxxxxxx Representações E Comércio Ltda.
12 Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, em "Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada". SP: Saraiva, 1999, 5ª ed., p. 366
Social, tem por fundamentos os princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre iniciativa, assim como da solidariedade, todos expressos na Constituição Federal de 1988, nos incisos III e IV, do artigo 1º e no inciso I, artigo 3º.13
E é com fundamento em tais princípios e normas que se deve interpretar o artigo 421 do Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. ”
Assim, para Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, mais do que um princípio, a função social do contrato é uma cláusula geral, de ordem pública, que deve ser ajustada pelo juiz, inclusive de ofício, ao contrato e dar-lhe equilíbrio14.
Complementando esse entendimento, afirmam Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx que a “função social do contrato não é uma carta branca para o juiz revogar a legislação vigente, mas para interpretá-la e integrá- la em consonância com uma visão prospectiva do ordenamento jurídico” 15.
Portanto, concluímos que a função social do contrato de trabalho deve ser aplicada de acordo com os preceitos das normas de ordem pública, que, embora de difícil especificação, são aqueles que dizem respeito às normas essenciais da convivência nacional.
Igualmente, não poderá o juiz declarar nulo todo e qualquer contrato de trabalho sob o argumento de não cumprir a sua função social, mas deverá interpretar e integrar o conceito de função social sempre de acordo com o ordenamento jurídico.
13 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho, 6.Ed – São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 316
14 Idem, pág. 317
15 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx e XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho – 29. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 598.
3. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O CONTRATO DE TRABALHO
Aplicam-se os direitos fundamentais em todas as relações jurídicas, inclusive nas privadas, que, embora tenha autonomia e espaço próprios, tem seus limites nos direitos à liberdade, à intimidade e à privacidade16.
Isto porque, diferentemente de outras épocas, o Estado não é o único agressor dos direitos fundamentais, há muitos particulares com grande potencial para ofender esses direitos, que pode ocorrer nas relações de trabalho, particularmente no exercício do seu poder de direção17.
O poder de direção, ou jus variandi, decorre do artigo 2º da CLT e do próprio contrato de trabalho, autorizando ao empregador admitir, assalariar e dirigir a prestação do serviço, que será de acordo com o objetivo do negócio e com definições específicas das atividades definidas no contrato.
Portanto, é plenamente possível a vinculação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares e, no que se aplica ao tema deste estudo, nos contratos de trabalho.
16 Responsabilidade social nas relações laborais: homenagem ao professor Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx / Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, coordenadora – São Paulo: XXx, 0000, Xxxxxx autores, Reflexões sobre a aplicabilidade dos direitos fundamentais negativos no contrato de trabalho, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxxxxx, pág. 185
17 Idem, pág. 188
4. ASPECTOS DO CONTRATO DE TRABALHO
4.1. CONCEITO
Contrato é negócio jurídico no qual duas ou mais pessoas se obrigam a cumprir o ali determinado, sempre nos termos do ordenamento jurídico.
A Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 442, trouxe definição ampla do que seria contrato de trabalho, dizendo ser o contrato, expresso ou tácito, correspondente à relação de emprego.
Por relação de emprego, entendemos ser a atividade com os requisitos da onerosidade, habitualidade, subordinação e pessoalidade. Portanto, não pode ser considerado emprego o trabalho voluntário, pois carece do requisito onerosidade.
Outra característica do contrato de trabalho é que um dos lados há de ser sempre uma pessoa física – empregado, e o outro poderá ser pessoa física ou jurídica – empregador.
A CLT utiliza o termo “contrato individual” em contraposição ao “contrato coletivo de trabalho”.
Assim, nos dizeres de Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, podemos conceituar o “contrato individual de trabalho como o negócio jurídico regulado pelo direito do trabalho que estabelece um conjunto de direitos e deveres para empregado e empregador.” 18
18 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho, 6.Ed – São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 319
4.2. CARACTERÍSTICAS
O contrato de trabalho é regido pelo Direito Privado, uma vez que as partes contratantes estão em paridade jurídica, muito embora o contrato de trabalho seja de adesão.
Também é sinalagmático ou bilateral em razão as obrigações recíprocas. Sendo a principal delas a de uma parte se obrigar na prestação do serviço e a outra parte de efetuar o pagamento.
É consensual, ou seja, depende da mera manifestação de vontade das partes e sem exigências de formalidades específicas, informal ou não solene, podendo inclusive ser verbal ou tácito, salvo nas exceções previstas em lei, como o contrato de artista ou atleta profissional, que deve ser escrito.
O contrato é intuito personae, característica relativa unicamente ao empregado, que tem a obrigação de realizar o objeto do contrato pessoalmente, não podendo se fazer substituir. Tal característica não abrange o empregador, que pode ser sucedido.
Outra característica é de trato sucessivo, sendo aquele contrato que as prestações se sucedem ao longo do tempo, ainda que por prazo determinado.
É oneroso, pois cada parte tem uma obrigação economicamente mensurável. De atividade, em razão da obrigação de fazer que se cumpre ao longo do contrato. É dotado de alteridade, ou seja, o risco da atividade e da prestação é do empregador.
Com tais características, a Consolidação das Leis Trabalhistas deu alcance prático ao contrato de trabalho, afirmando expressamente no artigo 433, que
pode ser expresso ou tácito, verbal ou escrito, por prazo determinado ou indeterminado.
4.3. MORFOLOGIA
Preocupada com a estrutura do contrato, a morfologia abrange a forma, prova e conteúdo daquele.19
O Direito do Trabalho não exige forma especial para o contrato de trabalho, salvo nos casos expressos em lei, como o contrato de trabalho de artista, atleta profissional, aprendiz.
Já a prova de sua existência, faz-se por anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no Livro de Registro de Empregados. Contudo, segundo nos termos da Súmula 12 do TST20, tais anotações têm presunção juris tantum, ou seja, podem ser elididas por prova em contrário, seja documental ou testemunhal.
Isto porque o direito do trabalho observa o princípio da primazia da realidade, que reconhece a existência de um contrato de trabalho quando este sequer foi anotado na CTPS ou em escrito em algum contrato, como também para declarar nula alguma cláusula, como exemplo, para integrar no salário o pagamento feito “por fora” a título de comissão. 21
Por fim, o conteúdo é sinalagmático, isto é, obrigações recíprocas
para as partes.
19 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho, 6.Ed – São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 320
20 Súmula nº 12 do TST. CARTEIRA PROFISSIONAL (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. As anotações apostas pelo empregador na carteira profissional do empregado não geram presunção "juris et de jure", mas apenas "juris tantum".
21 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado: Volume 6 – Contrato de Trabalho, 3. Ed. rev. , atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pág. 23
4.4. NATUREZA JURÍDICA
4.4.1. Teoria contratualista
Esta teoria afirma que o contrato de trabalho só existe quando as partes manifestam livremente a vontade de contratar ou ser contratado.
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx explora de forma muito didática os diversos entendimentos da teoria contratualista.22
4.4.1.1. Contrato de arrendamento:
Pelo contrato de arrendamento, esta teoria afirma que o contrato de trabalho tem as mesmas características que o contrato de arrendamento, ou seja, aluga um homem da mesma forma como se aluga um bem móvel ou imóvel.
4.4.1.2. Compra e venda:
Nesta corrente, o contrato de trabalho está sujeito a lei da oferta e da procura e o salário é como preço de mercadoria. Aqui, o trabalho é mercadoria, onde o comprador – empregado – adquire do vendedor – empregador – o esforço muscular ou intelectual para o desempenho de uma atividade, mediante preço previamente determinado. 23
Teoria criticada, uma vez que o trabalho não pode ser considerado como mercadoria, mas é resultado do trabalho e estes não podem ser confundidos.
22 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx e XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho – 29. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014, 602/ss.
23 Idem, pág. 603 e 604
4.4.1.3. Associação:
Por esta corrente, argumenta-se que há uma união de esforços, entre empregado e empregador, para um bem comum, qual seja, produção de riquezas. O empregado “ingressa” na sociedade com a mão de obra e o empregador, com o capital.
Criticada, uma vez que na sociedade, o sócio recebe lucros, partes variáveis, podendo nada receber; suporta o risco da atividade; participa da formação da vontade social; os sócios estão em igualdade entre si, sem subordinação; há o affectio societatis, que é o animo de formar uma sociedade.
Já o trabalhador recebe salário, sempre uma parte fixa que pode ser aumentada com uma parte variável; não suporta o risco da atividade; por regra, a formação do contrato é vontade unilateral do empregado, não há igualdade entre as partes, mas subordinação do empregado ao empregador; há o animus contrahendi.
A participação dos lucros não torna o contrato de trabalho em um contrato de sociedade, porque o empregado sempre recebe uma parte fixa, definida em lei ou convenção coletiva, sendo certo que o lucro é um suplemento do salário. 24
4.4.1.4. Mandato:
Por fim, a corrente do mandato, afirmando que o empregador atua como mandante e o empregado como mandatário.
Também criticada, pois o mandato é contrato de representação no qual uma pessoa deve cumprir um ou vários atos jurídicos, geralmente gratuito, de relação tríplice: mandante, mandatário e terceira pessoa. Revogável a qualquer tempo
24 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx e NASCIMENTO, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho – 29. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 610
e sem a característica da subordinação. Já o contrato de trabalho é oneroso sempre, só há a representação nos cargos de confiança, que tem por objeto a realização de uma atividade intelectual ou material. De relação dúplice: empregado e empregador. Nem sempre rescindível ad nutum, como no caso dos empregados estáveis.25
4.4.2. Teoria anticontratualista
Por esta teoria, a relação jurídica trabalhista não está inserida no Direito Civil, mas as condições do contrato de trabalho estavam subordinadas às leis, regulamentos e convenções coletivas. Assim, a vontade contratual não é necessariamente condição para a formação do contrato, bastando a existência na prática de seus elementos caracterizadores.
4.4.2.1. Teoria da relação de emprego ou trabalho
Negam a importância da vontade na constituição e desenvolvimento do contrato de trabalho, evitando, inclusive, o termo “contrato”, pois sempre está vinculado a ajuste entre as partes, o que não ocorre no contrato de trabalho. Afirmam que os atos efetivamente praticados são o suficiente para surtir efeitos na ordem jurídica, que imperativamente recaem sobre os sujeitos. 26
4.4.2.2. Teoria institucionalista
Por esta teoria, a empresa é uma instituição, que se perpetua além da vontade de algumas pessoas. Esta instituição só funciona quando segue regras que
25 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx e NASCIMENTO, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho – 29. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 611
26 Idem, pág. 615
emanam do poder público e outras de organização interna, que dizem respeito ao funcionamento do estabelecimento.
Assim, quando o empregado ingressa na empresa, apenas se sujeita às condições já estabelecidas, nada se cria.
Portanto, “o pressuposto dessa união não está na autonomia da vontade contratual, porque à obra a que se propõe a empresa, perpetuada e durável, aderem os membros desse organismo social, surgindo uma relação entre o indivíduo e um estado social objetivo no qual o indivíduo está incluído.” 27
27 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx e XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho – 29. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 619
5. ELEMENTOS DO CONTRATO DE TRABALHO
A relação de emprego só surge com a reunião dos elementos fáticos-jurídicos, que corresponde às características do contrato, com os elementos jurídicos-formais, correspondente aos elementos do contrato. Com a efetivação dos elementos fáticos-jurídicos, compete ao operador do direito a verificação da validade dos elementos jurídicos-formais. 28
Referidos elementos podem ser classificados em essenciais, naturais e acidentais.
Essenciais são os indispensáveis, cuja sua ausência justifica em nulidade contratual. Estão descritos no artigo 104 do Código Civil, quais sejam, capacidade das partes, objeto lícito e forma prescrita ou não vedada em lei. Acrescentamos a manifestação de vontade, essencial para o Direito do Trabalho.
Já os elementos naturais, são comuns e recorrentes em todos os contratos de trabalho, mas não são obrigatórios. Como exemplo, a jornada de trabalho.
Por fim, os elementos acidentais são aqueles que aparecem de modo esporádico, sendo os mais relevantes o termo e a condição, que subordinam a sua validade a evento futuro.
5.1. ELEMENTOS ESSENCIAIS
5.1.1. Capacidade
Para o Direito do Trabalho, a capacidade é a aptidão para os exercícios da atividade laborativa.
28 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho – 14.ed – São Paulo : LTr, 2015, pg. 551
A Constituição Federal autoriza o trabalho ao maior de 14 anos somente na condição de aprendiz. Aos maiores de 16 anos é vedado o trabalho em condições insalubres, periculosas e o trabalho noturno.
Nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 439, o menor de 18 anos tem capacidade para firmar recibo pelo pagamento dos salários, mas não para a rescisão do contrato, que deverá ser assistido pelos seus responsáveis legais.
Ademais, nos termos que dispõe o artigo 440 do mesmo diploma legal, não corre prescrição contra o menor de 18 anos.
Assim, a capacidade do maior de 14 anos e menor de 18, é relativa, uma vez que é autorizado receber os seus pagamentos, mas não tem capacidade para firmar a rescisão contratual. Portanto, a plena capacidade para escolha da atividade a ser desenvolvida é somente após os 18 anos.
A emancipação da capacidade civil interfere na capacidade
trabalhista?
Nos termos dos incisos do parágrafo único do artigo 5º do Código
Civil, a emancipação poderá ocorrer nas seguintes situações: I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II - pelo casamento; III - pelo exercício de emprego público efetivo; IV - pela colação de grau em curso de ensino superior; V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.
Portanto, encontramos no inciso V retro citado que cessa a incapacidade civil pela relação de emprego, contudo, o dispositivo constitucional proíbe a atividade para o menor de 18 anos em atividades insalubres, periculosos e noturnas.
Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx entende que se deve observar o critério hierárquico para a solução da antinomia entre o dispositivo civil e o constitucional, podendo inferir que a incapacidade do empregado menor de 18 anos não cessará se a sua atividade laboral for insalubre, periculosa ou noturna, nestas situações, o contrato de trabalho é nulo de pleno direito29.
5.1.2. Objeto lícito
O artigo 104, II, do Código Civil traz os requisitos de validade do contrato, que requer agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.
Primeiramente, há de se distinguir trabalho ilícito de trabalho proibido.
Por trabalho proibido, entende-se as vedações da lei à algumas atividades para alguns trabalhadores. Como o trabalho de menor de 18 anos em atividades periculosas ou insalubres (inciso XXXIII, artigo 7º, da Constituição Federal) e o trabalho da mulher que demande força muscular superior a 20 quilos para o trabalho continuo ou 25 quilos para o trabalho ocasional (artigo 390, CLT). Nestas situações, embora proibido, produz efeito jurídico, com o pagamento de todos os valores devidos ao empregado.
29 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho, 6.Ed – São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 323
Por trabalho ilícito, entende ser a atividade considerada crime ou contravenção penal, não sendo conhecido o contrato de trabalho e não produzindo efeitos jurídicos.
Não existe controvérsia na doutrina de que a Justiça do Trabalho não deve proteger as relações de trabalho em que o objeto é ilícito, uma vez que o trabalho e o crime são elementos inconciliáveis. 30
Contudo, há uma discussão sobre a possibilidade de reconhecer o contrato de trabalho nos casos de contravenção.
Para Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, a contravenção penal é atividade ilícita que não pode ter o contrato de trabalho considerado válido, não gerando efeitos jurídicos. Entende, inclusive, que não há que se falar em enriquecimento do empregador, se o empregado também sabia da ilicitude da atividade que praticava. E continua afirmando que a ineficiência do Estado em coibir ou tolerar a contravenção penal não a torna lícita.31
Este é também o entendimento de Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, e acrescenta que não será no Direito do Trabalho que se concederá anistia, graça ou perdão ao terceiro que se beneficiou da contravenção e nem mesmo a aceitação social deverá conceder:
“Não se altera por interpretação legal o caráter ilícito do objeto de um negócio jurídico. Se o jogo de bicho é efetivamente uma contravenção a ser perseguida, que atenta contra a ordem jurídica (art. 58 da Lei das Contravenções Penais), punindo-se até mesmo o apostador “que visa obtenção do prêmio para si ou para terceiro”, não será através do direito do trabalho que se concederá anistia, graça ou perdão. [...] Se existe negligência das autoridades públicas no combate à contravenção, a pressão da
30 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado: Volume 6 – Contrato de Trabalho, 3. Ed. rev. , atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pág. 24
31 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito do Trabalho, 31.Ed – São Paulo : Atlas, 2015; pág. 103
sociedade deve ser feita contra as autoridades desidiosas e não em favor do desvio de conduta” 32
Recente julgamento em Agravo de Instrumento de Recurso de Revista33 reverteu sentença e acórdão de segundo grau, declarando nulo o contrato de trabalho e negando o reconhecimento de vínculo da reclamante com a primeira reclamada, empresa que explora jogo do bicho, fundamentando nos exatos argumentos acima expostos.
O argumento dos Desembargadores no acórdão do Recurso Ordinário do Tribunal Regional afirmou que, embora a atividade desempenhada pela primeira reclamada seja ilícita, não contamina o contrato de trabalho, além da ilicitude ser socialmente aceita. Com tais argumentos, confirmou a sentença de origem e reconheceu o vínculo empregatício.
A segunda reclamada, empresa de telefonia móvel, responsável subsidiária pelas verbas rescisórias por manter contrato de prestação de serviços com recarga de celulares realizadas pela empregada, recorreu das decisões, com fundamento na Orientação Jurisprudencial 199 da SDI-1 do TST.34
O Recurso de Revista foi conhecido e provido, por entender inviável da declaração de vínculo empregatício com banca de jogo do bicho, em razão da ilicitude da atividade e do objeto do contrato de trabalho, nos termos da Orientação Jurisprudencial.
32 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado: Volume 6 – Contrato de Trabalho, 3. Ed. rev. , atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pág. 26 e 27
33 Número no TRT de Origem: AIRR-918/0000-0000-00; Órgão Judicante: 4ª Turma; Relatora: Ministra Maria de Assis Calsing Agravado(s) e Recorrente(s): TIM CELULAR S.A. Agravante(s) e Recorrido(s): COOPERATIVA ATIVA; BANCA SONHO REAL; OI MÓVEL S.A.; CLARO S.A.; XXXXXXX XXXXX XX XXXXX; Publicação: 01/07/2016
34 OJ 191 – SDI 1: JOGO DO BICHO. CONTRATO DE TRABALHO. NULIDADE. OBJETO ILÍCITO. É
nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato jurídico.
Assim, não compete à Justiça do Trabalho escolher quais ilícitos são de maior ou menor ofensividade e negam a proteção trabalhista a todos os ilícitos. Porém, Homero Batista35 ensina que há uma corrente entendendo que haverá um prêmio para as organizações criminosas e contraventoras ao negar qualquer proteção ao trabalhador, pois não precisaram pagar nenhum direito e saberão que nunca serão acionados em Juízo, passando a desfrutar de pequenos escravos para suas atividades e lucros altos.
Neste embate, continua o referido doutrinador, surgiu a possível separação entre atividade fim e atividade meio, sendo que o direito do trabalho passaria a proteger o faxineiro de uma casa de jogos de azar, mas não o fabricante de armas clandestinas.
Por atividade fim, compreende-se como aquela essencial para a empresa, seu objeto de exploração está no contrato social. Já a atividade meio, entende-se por aquela relacionada indiretamente à atividade fim, como o serviço de limpeza e vigilância.
Questiona ainda Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx referida separação para aplicar na proteção ao trabalhador em atividade ilícita:
Ora, diante dessas premissas, como se deveria inserir honestamente o entregador utilizado no comércio de armas roubadas? Simples mensageiro que se destina à atividade de apoio ou parte fundamental para a perpetração do crime? E o vendedor dos pacotes de produtos entorpecentes? Há um exemplo muito citado em manuais trabalhistas em torno da função da faxineira, a qual manteria a aura de simples empregada em qualquer circunstância, seja na casa de jogo de azar, seja no cativeiro de vítimas de sequestro. Será?36
35 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado: Volume 6 – Contrato de Trabalho, 3. Ed. rev. , atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pág. 25
36 Idem, pág. 26
E continua afirmando que muitas vezes o trabalhador recebe alguma remuneração com base na produção do crime ou contravenção, sem concorrer diretamente com ele. Por exemplo, o não raro pedido de percentual por cliente angariado por panfletagem para casas noturnas em que se praticam crimes e contravenções. Desta forma, entende que o negócio jurídico deve ter objetos lícitos, não podendo a tolerância da sociedade servir de escusa para “flexibilizar” o conceito de crime e contravenção.37
5.1.3. Consentimento
Essencial no contrato de trabalho, o consentimento é a livre manifestação das partes em firmar o vínculo empregatício, que decorre que princípio da liberdade de qualquer trabalho, ofício ou profissão.
Os vícios de consentimento aplicáveis ao contrato de trabalho são o erro, dolo e coação, que desencadeiam na nulidade do contrato.
5.1.4. Forma regular ou não proibida.
No Direito do Trabalho, não há regra rígida quanto à forma do contrato de trabalho, podendo ser tácito ou expresso, verbal ou escrito, salvo nas exceções já definidas em lei, como o contrato de atleta profissional, empregado temporário, de experiência, aprendiz e artistas, que deverão ser escritos.
37 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado: Volume 6 – Contrato de Trabalho, 3. Ed. rev. , atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pág. 26
5.2. ELEMENTOS NATURAIS
5.2.1. Termo e condição
Expressos nos artigos 121 e seguintes do Código Civil, o termo, é o evento futuro e certo que condiciona o início dos efeitos do negócio jurídico.
Já a condição é o elemento natural de evento futuro e incerto, podendo ser suspensiva ou resolutiva. Quando suspensiva, suspende a aquisição e o exercício do direito até a realização do evento futuro e incerto. Na resolutiva, o direito é adquirido desde a conclusão do negócio jurídico, produzindo todos os seus efeitos.
Ambas as situações são esporádicas no Direito do Trabalho. A condição pode surgir na hipótese do §2º, artigo 475 da Consolidação das Leis do Trabalho, quando o empregado contratado para substituir aposentado por razão previdenciária terá o seu contrato rescindido de imediato se o aposentado voltar ao posto de trabalho, desde que tenha ciência inequívoca da interinidade ao ser celebrado o contrato.
6. DA NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
O negócio jurídico inválido, ou seja, aquele que não produz efeitos, pode ser nulo ou anulável, cada um com causa e efeito próprios.
A anulabilidade é arguida apenas pelas partes contratantes, os efeitos são válidos enquanto não se declarar a invalidade e sempre ex nunc, sendo possível saná-la.
Já a nulidade só pode ser arguida por qualquer interessado ou ex officio pelo juiz, trata-se de violação de normas de ordem pública ou norma imperativa de interesse geral, sendo impossível a convalidação, com efeitos ex tunc.
Contudo, em regra, no Direito do Trabalho os efeitos da nulidade são ex nunc, em razão da impossibilidade do retorno ao status quo, pois é impossível voltar a força de trabalho do empregado. São exceções do acima descrito, as situações de afronta ao interesse público, como o contrato de trabalho com objeto ilícito, que serão os casos que os efeitos da nulidade serão ex tunc.
Assim, criou-se a teoria da nulidade trabalhista.
6.1. TEORIA TRABALHISTA DE NULIDADE
No Direito Civil, quando se reconhece a nulidade de um ato, os efeitos retroagem ao status quo, não produzindo nenhum efeito, ou seja, as partes voltam para a situação fático-jurídica anterior ao ato contrário à norma jurídica.
Já no Direito do Trabalho, o ato embora reconhecido como nulo terá efeitos ex tunc, ou seja, com os seus efeitos reconhecidos.
Os efeitos do contrato de trabalho nulo serão respeitados em razão da impossibilidade de devolver ao trabalhador a força de trabalho por ele prestada. É impossível falar em retorno ao status quo nessas situações.
Desta feita, se negar os efeitos do contrato nulo, ocorrerá enriquecimento sem causa por parte do empregado, questão mais repudiada no Direito do Trabalho do que a própria nulidade reconhecida.
6.1.1. Aplicação plena da teoria trabalhista
A teoria da nulidade trabalhista será aplicada de forma plena em regra, ou seja, mesmo sendo o contrato de trabalho considerado nulo, seus efeitos serão reconhecidos nas situações em que o direito individual atingido prevalece sobre o interesse público. Declarada a nulidade, caberá ao aplicador do direito proibir que a situação permaneça.
Nesse sentido, ensina Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx que:
o contrato tido como nulo ensejará todos os efeitos jurídicos até o instante da decretação da nulidade – que terá, desse modo, o condão apenas de inviabilizar a produção de novas repercussões jurídicas em face da anulação do pacto viciado.38
Podemos citar como exemplo o trabalho prestado por menor de 16 anos de forma irregular. Os efeitos serão reconhecidos, mas não poderá o empregado nem o empregador continuar com o vínculo empregatício irregular.
Diversos são os julgados dos Tribunais Regionais que tratam do reconhecimento de vínculo empregatício quando alegada pelo reclamante fraude na contratação de aprendiz. Colacionamos um didático julgado que reconheceu o vínculo empregatício do empregado, por não reconhecer que a atividade desenvolvida pelo reclamante assegurava formação técnico-profissional:
RECURSO DE REVISTA. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL METÓDICA. COMPLEXIDADE PROGRESSIVA. ARTS. 428 E SEGUINTES DA CLT. TOMADORA DE SERVIÇOS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA 1. A contratação de
38 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho – 14.ed – São Paulo : LTr, 2015, pg. 561
aprendizes por empresa interposta, nos termos do art. 431 da CLT, pressupõe igualmente que o tomador de serviços comprometa-se a assegurar formação técnico-profissional metódica, sob pena de desvirtuamento da norma contida no art. 428 da CLT. 2. As funções de operador de máquina copiadora e de contínuo ou “office-boy” não justificam a contratação especial prevista nos arts. 428 e seguintes da CLT, por não proporcionarem ao jovem formação profissional de complexidade progressiva, de forma a facilitar o posterior acesso do aprendiz ao mercado de trabalho, finalidade precípua da norma em apreço e da matriz principiológica que emana do art. 227 da Constituição Federal.
3. Recurso de revista de que não se conhece.
Outro exemplo é o trabalhador imigrante irregular, sem a autorização administrativa, apontando vício na forma do contrato, mas que devem ser reconhecidas todas as repercussões trabalhistas.
Também o trabalho do policial militar para empresa privada mesmo com a penalidade disciplinar, quando preenchidos os requisitos do artigo 3º da CLT, questão inclusive sumulada pelo Tribunal Superior do Trabalho, de nº 386.39
6.1.2. Aplicação restrita da teoria trabalhista
Será aplicada de modo restrito nas situações em que a nulidade diz respeito a direito do empregado, mas também contrariar interesse público significante.
São casos como de um empregado contratado para prestar serviços a uma empresa pública sem a aprovação no concurso público.
Uma primeira corrente afirma que não pode haver nenhum tipo de efeito, uma vez que o interesse público suplantaria todo o interesse laboral. Assim, o trabalhador não teria direito a nenhuma verba contratual, admitindo-se somente o pagamento das horas trabalhadas e o correspondente ao FGTS.
Nesse sentido, editou o Tribunal Superior do Trabalho a Súmula 363:
39 POLICIAL MILITAR. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM EMPRESA PRIVADA. Preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar.
CONTRATO NULO. EFEITOS A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.
Já uma segunda corrente afirma que a teoria trabalhista deve ser aplicada, com o pagamento de todos os direitos trabalhistas, verbas salariais e não salariais, inclusive as rescisórias em dispensa sem justa causa.
Por fim, uma terceira corrente afirma que a teoria trabalhista deve ser aplicada de forma restrita, ou seja, o trabalhador terá direito às verbas contratuais, contudo, não terá direito às verbas rescisórias, uma vez que o contrato não foi extinto por dispensa sem justa causa.
6.1.3. Inaplicabilidade da teoria trabalhista
Em algumas situações, a nulidade declarada é tão grave que não há como reconhecer nenhum efeito ao contrato de trabalho, afastando por completo a teoria trabalhista das nulidades e com aplicação da teoria do Direito Civil, retroagindo os efeitos da declaração da nulidade.
Neste caso, o interesse público afetado prevalece sobre o interesse particular do empregado. Em regra, o vício está ligado ao objeto do contrato de trabalho, sendo tipificado como ilícito penal. São exemplos aquele que presta serviços em casas do jogo do bicho ou aquele que faz a venda de entorpecentes ilícitos.
6.2. TIPOS DE NULIDADES
A nulidade pode ser total ou parcial e absoluta ou relativa.
6.2.1. Nulidade total e parcial
Nulidade total advém de defeito grave no elemento essencial, atingindo todo o contrato.
Já a nulidade parcial é aquela que advém de defeito de algum elemento ou cláusula não essencial, anulando somente esse elemento ou cláusula, mas mantendo o restante do contrato. Nestes casos, a anulação terá efeitos ex tunc, com o objetivo de corrigir o defeito percebido. 40
6.2.2. Nulidade absoluta e relativa
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx entende que no Direito do Trabalho é necessário fazer distinção entre nulidade absoluta e relativa, pois cada um tem efeitos jurídicos diferentes.41
Para o referido autor, a nulidade é considerada relativa quando vício afronta norma de proteção de interesse individual do trabalhador. São exemplos os casos de alteração do contrato de trabalho para pior, como a redução salarial, e o intervalo intrajornada menor de 1 hora para empregados que trabalham mais de 6 horas e sem o preenchimento dos requisitos legais que autorizam a redução. Nestes casos, a parte interessada deverá arguir a nulidade.
Já a nulidade absoluta fere normas de ordem pública, ultrapassando o interesse individual do empregado, podendo ser declarada de ofício pelo juiz. Exemplo típico é a falta de anotação da CTPS.
40 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho – 14.ed – São Paulo : LTr, 2015, pg. 565
41 Idem, pg. 566
7. VÍCIOS DO CONSENTIMENTO NO CONTRATO DE TRABALHO
Os vícios de consentimento, nos termos do inciso II do artigo 171 do Código Civil, são nulidades relativas, ou seja, podem ser convalidados, quais sejam erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
A anulabilidade não tem efeito antes do julgamento por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade (artigo 177 do Código Civil).
A doutrina, contudo, dá preferência para a rescisão do contrato de trabalho a anulá-lo. Isto porque os vícios de consentimento são praticamente irrelevantes, além de ser dificultosa a prova da existência do vício. 42
7.1. ERRO
O erro é defeito na manifestação da vontade do negócio jurídico, que
pode ocorrer no que diz respeito à natureza do trabalho, local de prestação do serviço, valor do salário, na habilitação profissional do empregado.
Como dito acima, no Direito do Trabalho, a solução mais viável seria a rescisão do contrato do que a declaração de nulidade. E, no último exemplo do parágrafo acima, a solução seria a rescisão por justa causa do empregado, em razão de sua eventual omissão dolosa. 43
42 LEITE, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho, 6.Ed – São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 333
43 Idem, pág. 334
7.2. DOLO
Sendo de rara possibilidade no Direito do Trabalho, o dolo poderia
ocorrer quando o empregado apresenta falsas credenciais de sua competência profissional, a fim de conseguir a vaga de trabalho; como também poderia ocorrer por parte do empregador, que apresenta cifras falsas de seu negócio induzindo o candidato a crer em uma remuneração incerta, por meio de participação nos lucros.44
7.3. COAÇÃO
Também de difícil caracterização no Direito do Trabalho, Xxxxxx
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx exemplifica somente nas situações que o empregador é forçado a admitir certo empregado sob pena de ameaça a seus bens ou a pessoa de sua família. 45
7.4. SIMULAÇÃO
A simulação, por meio de um acordo, objetiva enganar terceiros e tem vontade diversa da efetivamente declarada.
O melhor exemplo que podemos citar no Direito do Trabalho, ocorre quando duas pessoas se apresentam como empregado e empregador, sem a devida prestação do serviço, objetivam vantagens econômicas em reclamação trabalhista em relação ao credor do pseudoempregador. 46
44 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho, 6.Ed – São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 334 – Citando Almosny
45 Idem, pág. 335
46 Ibidem, pág. 335
7.5. LESÃO
Conforme caput do artigo 157 do Código Civil, ocorre a lesão quando
uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
No contrato de trabalho, ocorrerá a lesão quando o empregado, por estado de necessidade (desempregado e com filhos pequenos) ou por inexperiência (analfabeto, por exemplo), aceita laborar em local com grau máximo de insalubridade, sem receber os Equipamentos de Proteção Individual necessários. 47
7.6. FRAUDE
Diferentemente da legislação civilista, a fraude no Direito do Trabalho
é objetiva, ou seja, é indiferente a presença ou não do consilium fraudis entre as partes ou mesmo da conscientia fraudis por parte do empregador, mas decorre somente da realidade contratual, com a nulidade de pleno direito dos atos fraudulentos e o reconhecimento da relação de emprego entre as partes. 48
Assim, a fraude ocorre quando for preenchido os requisitos da relação de emprego, independentemente da vontade de fraudar do empregador e da aceitação/consentimento do empregado, mesmo quando o contrato assinado entre as partes afirma que aquela relação de trabalho é de estágio, prestação de serviço ou cooperado. Isto porque o Direito do Trabalho prestigia a realidade fática entre as partes mais do que o contrato que pretende disfarçá-la.
47 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho, 6.Ed – São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 337
48 xxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxx.xxx.xx.xx/xxxxxxxx/xx-00-x-00/xxxxxxx-xxx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxxx- morfologia-e-transcendencia, consultado em 30/08/2016, às 23h00.
O julgado colacionado abaixo explana de modo didático que a fraude deve ser declarada quando se objetiva desvirtuar o vínculo empregatício, aplicando o artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho e o princípio da primazia da realidade:
RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO DE EMPREGO. CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO ATRAVÉS DA CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. FRAUDE À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. NULIDADE.
A contratação de pessoa natural através da constituição de pessoa jurídica, presentes os elementos caracterizadores da relação de emprego, possui o claro propósito de desvirtuar, ou impedir, a caracterização do vínculo de emprego, sendo, pois, segundo os ditames do art. 9º da CLT, nula de pleno direito. Em tais hipóteses, o que prevalece para a caracterização do vínculo de emprego é a realidade fática, não a pactuação havida. Aplica-se, no caso, o princípio da primazia da realidade sobre os fatos, segundo o qual, nas palavras de Xx Xx Xxxxx, - a existência de uma relação de trabalho depende, em consequência, não do que as partes tiverem pactuado, mas da situação real em que o trabalhador se ache colocado-. Processo: RO 1896020125010080 RJ; Relator(a): Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx; Julgamento: 27/08/2013; Órgão Julgador: Oitava Turma; Publicação: 03-09-2013. (grifo nosso)
Trataremos agora das fraudes mais recorrentes.
7.6.1. Por contratos civis
O contrato de trabalho se assemelha a alguns contratos civis, como o de prestação de serviços, sociedade, representação comercial autônoma. Em razão disso, alguns empregadores formulam contratos cíveis com os empregados, objetivando disfarçar a relação de emprego ocorrida de fato. Assim, mesmo com o contrato assinado entre as partes, se o exercício da atividade ocorrer de forma pessoal, com subordinação, sem o trabalhador assumir os riscos da atividade e sem possuir os meios de produção, trata-se de uma relação de emprego. 49
São exemplos típicos, os profissionais contratados para como representantes comerciais autônomos, mas atuam como verdadeiros vendedores;
49 xxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxx.xxx.xx.xx/xxxxxxxx/xx-00-x-00/xxxxxxx-xxx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxxx- morfologia-e-transcendencia, consultado em 30/08/2016, às 23h00.
profissionais da informática como prestadores de serviços autônomos; empregados rurais como parceiros ou meeiros.
Nesse sentido, tem-se posicionado os Tribunais Regionais, como exemplo, o julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, que afirmou que a subordinação tem maior destaque nos requisitos para configuração da relação de emprego:
DIREITO DO TRABALHO. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. SUBORDINAÇÃO. EXISTÊNCIA. DESCARACTERIZAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO.
A subordinação jurídica - requisito da relação de emprego - é elemento essencial para constatação da vinculação empregatícia. Dentre os pressupostos fáticos jurídicos que apontam para a ocorrência do contrato de emprego - pessoa física (empregado), não eventualidade, subordinação, pessoalidade e onerosidade - sem dúvida, a subordinação ocupa lugar de destaque. Quando a prova colhida, no caderno processual, indica, também, a ausência de autonomia total por parte do reclamante, supostamente representante comercial, na execução das vendas dos produtos da reclamada, ditas constatações, não se coadunam com o instituto da representação comercial, havendo que ser reconhecido o vínculo de emprego. Recurso ordinário a que se dá provimento. Processo: RO 1229502011506 PE 0001229- 50.2011.5.06.0023. Relator(a): Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Publicação:07/11/2012. Parte(s): RECORRENTE: XXXXXXXX XXXXX XXXXX XXXXXXX
RECORRIDO: SAO MATEUS FRIGORIFICO INDUSTRIAL LTDA. (grifo
nosso)
7.6.2. Estágio
Exceção à regra da informalidade, o contrato de estágio deve
preencher os requisitos da Consolidação das Leis do Trabalho e da Lei 11.788/2008.
Sendo uma relação pessoal, com subordinação e onerosa, o estágio diferencia da relação de emprego, pois tem por fim o aprendizado de competências próprias da atividade profissional e a contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.
Ademais, deve ser escrito; o estagiário deve ter matrícula e frequência regular em curso de educação superior, de educação profissional, de ensino médio,
da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos e atestados pela instituição de ensino; celebração de termo de compromisso entre o estudante, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino; compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso.
Logo, se o contrato de estágio não se destinar ao aprendizado como complementação do estudo da sala de aula, desvirtuando da formação educacional, mas uma fraude para o empregador baratear a mão de obra ou deixar de preencher qualquer dos requisitos legais, o contrato de estágio deverá ser declarado nulo, com o pagamento de todos os direitos do vínculo empregatício.
O simples descumprimento do requisito da supervisão do ente educativo é suficiente para a descaracterização do estágio e o reconhecimento do vínculo empregatício, nesse sentido:
CONTRATO DE ESTÁGIO. DESCARACTERIZAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO.
Inexiste documento hábil a demonstrar a existência de rigoroso controle de avaliação pela entidade de ensino, situação que, por si só, descaracteriza o estágio. Não há prova da supervisão e coordenação das atividades pela instituição de ensino, que também são requisitos de validade do estágio profissionalizante, sendo que o ônus, no particular, incumbia à reclamada (artigo818 da CLT c/c artigo 333, inciso I, do CPC). Descumprimento dos requisitos estipulados no artigo 3º da Lei nº 11.788/2008.Recurso ordinário interposto pela reclamada, PAC Administração de Créditos Ltda., a que se nega provimento, no item. Processo: RO 00012649420115040013 RS 0001264-94.2011.5.04.0013; Relator(a): XXXX XXXXXXX XXXXXX
XXXXXXX XX XXXXXXX; Julgamento: 18/07/2013; Órgão Julgador: 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre
Caso interessante para a estudo é do julgado abaixo, no qual o reclamante pretendia reconhecido o vínculo empregatício com ente da Administração Pública Direta, pela fraude no contrato de estágio. Contudo, por se tratar de ente da
administração direta e da inexistência do concurso público no cargo, o contrato havido entre as partes foi considerado nulo, aplicando a Súmula 363, do TST.
CONTRATO DE ESTÁGIO FIRMADO COM ENTE PÚBLICO. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO SOB ALEGAÇÃO DE DESCARACTERIZAÇÃO DO ATO EDUCATIVO. PREFACIAL DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO SUSCITADA COM BASE NO ART. 3º DA LEI 11.788/08. REJEIÇÃO.
Havendo controvérsia sobre a regularidade do Estágio, onde a parte vindicante propõe o reconhecimento de vínculo empregatício, compete à Justiça do Trabalho averiguar se atendidos os requisitos dos incisos I, II e III do art. 3º da Lei 11.788/08, porque se descaracterizado o intuito do ato educativo supervisionado, a relação empregatícia exsurge. Inteligência, a contrario sensu, do caput do art. 3º da citada lei. Em sendo o suposto empregador ente da administração direta, e na inexistência de prestação de concurso público, deve ser considerado nulo o contrato havido entre as partes, cuja solução é orientada pela Súmula 363 do TST. Processo: RecOrd 00003067520135050251 BA 0000306- 75.2013.5.05.0251; Relator(a): XXXXXX XXXXX XXXXXX XXXXXX;
Órgão Julgador: 2ª. TURMA; Publicação: DJ 15/04/2014; Parte(s): Município de Conceição do Coité e Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx. (grifo nosso)
7.6.3. Cooperativa
As cooperativas estão regulamentadas na Lei 5764/1971 e são definidas como sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestarem serviços aos associados.
São cooperados as pessoas que se obrigam reciprocamente a contribuir com bens e serviços para o exercício de uma atividade econômica de proveito comum, de livre adesão.
Com a inserção do parágrafo único do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, a cooperativa pode prestar qualquer tipo de serviços, uma vez que qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo
empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.
Assim, permitiu-se que o cooperado exercesse a atividade fim da empresa associada. Contudo, se presentes os requisitos da relação de emprego, com o “cooperado” inserido na estrutura da empresa tomadora, realizando atividade fim, o vínculo de emprego deve ser reconhecido diretamente com a tomadora do serviço.
Nesse sentido, o julgado colacionado diferencia claramente e didaticamente a relação de emprego da relação de cooperativismo, declarando o contrato de cooperativa nulo e reconhecido o vínculo com a tomadora do serviço:
CONTRATAÇÃO POR COOPERATIVA. FRAUDE À RELAÇÃO DE EMPREGO. VÍNCULO RECONHECIDO.
O direito constitucional brasileiro valoriza e reconhece o cooperativismo como um modo alternativo de produção de bens e serviços. Por conseguinte, as cooperativas de trabalho devem ser reconhecidas como modos singulares de produção sem objetivo de apropriação de excedentes da força de trabalho, e como mecanismo solidário de inclusão social e de união de esforços pessoais para a melhoria das condições de vida e de trabalho dos cooperados. É por tal motivo que desde há muito Xxxxxxx Xxxxxxx propôs o critério da dupla qualidade como elemento relevante para separar o joio do trigo, as verdadeiras cooperativas e as empresas que se utilizam desta forma jurídica de modo fraudulento. Afinal, sem adesão voluntária e livre, gestão democrática, participação econômica de todos os membros, autonomia e independência, inter cooperação, respeito aos direitos sociais, não precarização do trabalho e participação na gestão não há verdadeira cooperativa de trabalho. A intermediação de mão de obra é incompatível com o cooperativismo de trabalho, pois, suprime a possibilidade de os cooperados laborarem com verdadeira independência e autonomia. Quando a força de trabalho é dirigida por outrem e o trabalhador submete-se - ainda que nos limites do contrato - aos preceitos, regras, diretrizes e poder de comando empresarial, há subordinação e não autonomia. Foi o que ocorreu no caso dos autos, no qual, ademais, provou-se a pessoalidade direta entre a empresa dita tomadora de serviços e trabalhadores arregimentados pela falsa cooperativa. Demonstrada a participação integrativa da atividade do trabalhador cooperado na atividade do credor de trabalho e caracterizada a fraude na contratação mediante a intermediação da mão de obra pela cooperativa (art. 9º da CLT), tem-se pela existência de efetivo vínculo de emprego, porquanto presentes
os elementos instituídos nos arts. 2º e 3º da CLT. Processo: RO 00001616920115010002 RJ; Relator(a): Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx; Julgamento: 25/11/2013; Órgão Julgador: Sétima Turma; Publicação: 11/02/2014. (grifo nosso)
Portanto, para o reconhecimento de vínculo, deve-se observar se a cooperativa autuava como intermediadora de mão de obra. Diferentemente da prestadora de serviço, que fornece a prestação de um serviço especializado, a intermediadora de mão de obra não tem especialização alguma, geralmente multiprofissionais, com o contratado exercendo atividade essencial na contratante e nas suas dependências, inserido na sua organização, contratando de acordo com suas necessidades e com o contratado seguindo ordens e orientações, com a prevalência do elemento humano. 50
7.6.4. Pessoa Jurídica
Trata-se de típica relação de emprego disfarçada de contrato de natureza comercial, onde o empregado deve abrir uma empresa para admissão ou permanência no trabalho, com emissão de notas fiscais.
A Lei 11.196/2005 legalizou a chamada “pejotização” no seu artigo 129, ao estabelecer que, “para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da
50 xxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxx.xxx.xx.xx/xxxxxxxx/xx-00-x-00/xxxxxxx-xxx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxxx- morfologia-e-transcendencia, consultado em 30/08/2016, às 23h00.
observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil”.
A jurisprudência tem entendido que mesmo nos casos de serviço intelectual, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, ou seja, os profissionais como jornalistas, professores, apresentadores de programas de televisão, rádio e outros meios de comunicação, e se preenchidos os requisitos da relação de emprego, o contrato de prestação civil de natureza comercial será considerado nulo e reconhecido vínculo empregatício.
Como muito bem julgou o ilustre doutrinador e desembargado Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx:
A criação de pessoa jurídica, desse modo (usualmente apelidada de pejotização), seja por meio da fórmula do art. 593 do Código Civil, seja por meio da fórmula do art. 129 da Lei Tributária nº 11.196/2005, não produz qualquer repercussão na área trabalhista, caso não envolva efetivo, real e indubitável trabalhador autônomo. Configurada a subordinação do prestador de serviços, em qualquer de suas dimensões (a tradicional, pela intensidade de ordens; a objetiva, pela vinculação do labor aos fins empresariais; ou a subordinação estrutural, pela inserção significativa do obreiro na estrutura e dinâmica da entidade tomadora de serviços), reconhece-se o vínculo empregatício com o empregador dissimulado, restaurando-se o império da Constituição da República e do Direito do Trabalho. (AIRR
- 981-61.2010.5.10.0006 , Relator Ministro: Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, Data de Julgamento: 29/10/2012, 3ª Turma, Data de Publicação: 31/10/2012)
Assim, lei 11.195/2005 não autoriza a contratação de empregados como pessoa jurídica quando preenchidos os requisitos da relação de emprego.
7.6.5. “Socialização”
Segundo o artigo 981 do Código Civil, contrato de sociedade é celebrado por pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Assim, temos que uma das principais características do contrato de sociedade é o affectio societatis, que é a vontade das partes em formar a sociedade, contribuindo com a sua formação e compartilhando dos lucros e prejuízos.
Com o objetivo de mascarar a relação de emprego, na “socialização” o empregado passa a ser sócio, com a inclusão no contrato social, embora presentes os requisitos do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho e ausente a affectio socitatis.
Inserido no contrato social, o trabalhador detém cotas em valores irrisórios, retirando todo o poder de decisão ou participação real na administração da empresa e no direcionamento dos negócios, mas a sua atuação limita-se ao trabalho subordinado, pessoal e oneroso. 51
O pro labore retirado apenas remunera o trabalho realizado, diferente da participação nos lucros que é obtido a partir do capital investido, contudo o trabalhador sequer investiu na sociedade. Se existente a retirada de algum lucro, não comprova a existência de uma verdadeira sociedade quando restrita a valores ínfimos, com desigualdade entre as partes.52
Muito comum nos escritórios de advocacia, o contrato de associado é declarado nulo pelos aplicadores do direito:
VÍNCULO DE EMPREGO - PRINCÍPIO PROTETIVO - Infere-se que
o direito do trabalho é protetivo, inclusive no que se refere à categoria profissional dos advogados, entendendo-se que são nulos os atos praticados com o intuito de fraudar os direitos trabalhistas (art. 9º da CLT), sendo certo que a disposição contida no art. 2º, V do Código de Ética da OAB não se sobrepõe à legislação federal consolidada. Quem é verdadeiro sócio, age com autonomia, e sequer tem que prestar conta do horário de trabalho em relação ao outro sócio, ainda que minoritário, pois na realidade é tão dono do negócio quanto os demais, guardadas as devidas proporções
51 xxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxx.xxx.xx.xx/xxxxxxxx/xx-00-x-00/xxxxxxx-xxx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxxx- morfologia-e-transcendencia, consultado em 30/08/2016, às 23h00.
52 Idem.
descritas em contrato social relativamente às quotas sociais, que garantem ao sócio majoritário o direito de, se for o caso, administrar o negócio ou de delegar esta função, mas sem interferir na autonomia dos demais sócios, caso contrário terá empregados travestidos de sócios, com afronta à disposição contida no art. 9º da CLT, como se verificou na hipótese aqui analisada. Processo: RO 00028306120125020090 SP 00028306120125020090 A28; Relator(a): XXXXXX XXXXXXXX
XXXXXX; Julgamento: 01/10/2013; Órgão Julgador: 11ª TURMA; Publicação: 08/10/2013; Parte(s): RECORRENTE(S): MORAIS ADVOGADOS ASSOCIADOS RECORRIDO(S): XXX XXXXXXXX
XXXX XXXXXXX XX XXXXXXXX(grifo nosso)
7.6.6. Terceirização ilícita
Terceirização ocorre quando uma empresa contrata outra para prestar determinado serviço, com pessoal próprio. Este serviço poderia ser plenamente realizado pela empresa contratante, contudo, com o objetivo alcançar maior eficiência e competitividade, de reduzir gastos e aumentar o lucro, contrata empresa terceira para fazê-lo.
O Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 331, que regulamentou a terceirização do serviço, dispondo que a contratação por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário e nos casos de serviços de vigilância e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade- meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
Assim, qualquer empregado terceirizado para realizar a atividade fim da empresa, terá o seu contrato de trabalho com a prestadora declarado nulo e reconhecido o vínculo empregatício com a empresa tomadora.
Outrossim, se prestado de serviço de atividade meio, mas subordinado a algum preposto da empresa tomadora e exercendo a atividade de forma pessoal, também terá o vínculo de emprego reconhecido.
A terceirização de trabalhador temporário é plenamente possível, inclusive na atividade fim, desde que tenha como causa a substituição transitória de pessoal permanente e especializado ou o acréscimo transitório e extraordinário dos serviços qualificados, e quando não ultrapassar de 3 meses.
Extrapolando qualquer desses limites, a vínculo será reconhecido diretamente com o tomador.
Nesse sentido tem sido a jurisprudência do Superior Tribunal do
Trabalho:
RECURSOS DE REVISTA DAS RECLAMADAS COMPANHIA ENERGÉTICA DE PERNAMBUCO - CELPE e ITRON SISTEMAS E TECNOLOGIA LTDA. MATÉRIA EM COMUM. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. EMPRESA PRIVADA. ATIVIDADE-FIM. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO.
Segundo a Súmula 331, I/TST, a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo com o tomador dos serviços, salvo nos casos elencados nos incisos I (trabalho temporário) e III (conservação e limpeza, vigilância, atividades-meio do tomador) da referida súmula (desde que não havendo pessoalidade e subordinação direta nos casos do inciso III, acrescente-se). Nesse quadro, a terceirização de atividade-fim - exceto quanto ao trabalho temporário - é vedada pela ordem jurídica, conforme interpretação assentada pela jurisprudência (Súmula 331, III), independentemente do segmento econômico empresarial e da área de especialidade profissional do obreiro. Locação de mão de obra em atividade-fim é medida excepcional e transitória, somente possível nos restritos casos de trabalho temporário, sob pena de leitura interpretativa em desconformidade com preceitos e regras constitucionais decisivas, como a dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e do emprego, além da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Configurada a irregularidade do contrato de fornecimento de mão de obra, determina a ordem jurídica que se considere desfeito o vínculo laboral com o empregador aparente (entidade terceirizante), formando-se o vínculo justrabalhista do obreiro diretamente com o tomador de serviços (empregador oculto ou dissimulado). Enfatize-se que o TST realizou, na primeira semana de outubro de 2011, audiência pública sobre o tema, em que se evidenciou o risco social de se franquear a terceirização sem peias, quer em face das perdas econômicas para os trabalhadores terceirizados, quer em face da exacerbação dos malefícios à saúde e segurança no ambiente laborativo, em
contraponto às regras e princípios insculpidos na ordem jurídica legal e constitucional. Recursos de revista não conhecidos nos temas. (TST
- RR: 105466120135060101, Relator: Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, Data de Julgamento: 03/12/2014, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 05/12/2014)
CONCLUSÃO
O contrato de trabalho, assim como todos os demais, é um negócio
jurídico, uma manifestação de vontade de duas pessoas, para a celebração da prestação de um serviço, por meio do vínculo de emprego. As partes são livres para contratar, definindo a atividade a ser exercida, o modo de execução, o valor da remuneração, o local e todas as demais características singulares.
A natureza jurídica do contrato de trabalho pode ser contratual ou não contratual, mas tanto uma quanto outra, a legislação trabalhista influencia diretamente na elaboração do contrato de trabalho, impedindo que as partes disponham sobre temas que as normas já definem como deve ser procedido, respeitando também os princípios.
Assim, caso o contrato seja firmado contrariando a lei ou princípio, será considerado nulo ou anulável.
Segundo as regras de Direito Civil, os efeitos da nulidade declarada retroagem à data da sua celebração, ou seja, as partes voltam ao status quo ante, o negócio jurídico não produz efeito algum.
Ocorre que é impossível para o empregador devolver ao empregado a sua força de trabalho já dispensada, criando-se, assim, a teoria da nulidade trabalhista.
Por esta teoria, os efeitos do contrato são permanecidos até o momento da declaração da nulidade, após, não haverá efeito nenhum, salvo se for de interesse das partes manter o negócio jurídico e se ajustado nos termos da lei.
Como exemplo, são os casos em que é firmado contrato de trabalho com empresa prestadora de serviços, mas que objetiva disfarçar a relação de emprego com a tomadora. O contrato é considerado nulo por ferir a dignidade da
pessoa humana e o princípio do valor social do contrato, porque pretende a tomadora contratar mão de obra mais barata, reduzir custos, e não pagar os benefícios que um funcionário seu tem direito. Assim, aumenta seus lucros de modo abusivo além de contribuir para a eliminação da concorrência. Após a declaração da nulidade, a terceirização é considerada invalida, não podendo mais ter a mão de obra nos termos firmados. Contudo, se assim desejarem e ajustados os termos do contrato, as partes podem mantê-lo.
Da mesma forma, o contrato de trabalho firmado com alguma ilegalidade, como aquele que tem por empregado um menor de 14 anos, que em decorrência da impossibilidade do retorno ao status quo ante e em respeito ao princípio do valor social do contrato de trabalho e da dignidade da pessoa humana, todos os direitos serão pagos ao trabalhador. A diferença está na impossibilidade de se dar continuidade ao contrato, por ser uma condição que não é possível corrigir, qual seja, contrato de trabalho com menor de 14 anos.
Por fim, a teoria da nulidade trabalhista não alcança o contrato de trabalho que tive por objeto alguma atividade ilícita. Nestas situações, o contrato contraria a função social do contrato de trabalho, que ao praticar atividades ilícitas, atingindo negativamente toda a sociedade.
Geralmente, a CTPS do funcionário sequer é anotada e as autoridades públicas tomam conhecimento por uma ação trabalhista, onde o reclamante pede o vínculo de emprego, que não pode ser reconhecido, pois o Judiciário não pode ser aquele que valida uma relação de emprego quando as partes praticavam uma ilicitude.
Desta feita, deve ser mantida a regra de nulidade civilista, ou seja, não há pagamento de nenhum direito trabalhista ou valores referentes a “salário” inclusive em atraso.
Portanto, concluímos que, mesmo com fonte direta do Direito Civil, o contrato de trabalho tem regras caraterísticas de seu ramo do direito. E tais características criaram uma teoria de nulidade única e também flexível, de acordo com a norma agredida. E quanto mais próxima do interesse coletivo, mais rígida é a flexibilização dos efeitos da nulidade contratual.
REFERÊNCIAS
XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho – 14.ed – São Paulo : LTr, 2015, pg. 561
XXXXX, Xxxxx Xxxxxx, em "Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada". SP: Saraiva, 1999, 5ª ed., p. 366
XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho, 6.Ed – São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 73 e 74
XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito do Trabalho, 31.Ed – São Paulo : Atlas, 2015; pág. 66
XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx e XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho – 29. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 603 e 604
XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado: Volume 6
– Contrato de Trabalho, 3. Ed. rev. , atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pág. 23
XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, XXXXXXXXXXXX, Xxxxxxx, Reflexões sobre a aplicabilidade dos direitos fundamentais negativos no contrato de trabalho, Responsabilidade social nas relações laborais: homenagem ao professor Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx / Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, coordenadora – São Paulo: LTr, 2007
xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/x-xxx-x-xxxxxxxx-xxxxxxx, consultado em 15/08/2016, às 23h25
xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx.xxx, consultado em 31/08/2016, às 23h30
xxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxx.xxx.xx.xx/xxxxxxxx/xx-00-x-00/xxxxxxx-xxx-xxxxxxxx- de-trabalho-morfologia-e-transcendencia, consultado em 30/08/2016, às 23h00.