SEGURO GARANTIA PARA CONSTRUÇÃO, FORNECIMENTO OU PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NO ÂMBITO DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES
SEGURO GARANTIA PARA CONSTRUÇÃO, FORNECIMENTO OU PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NO ÂMBITO DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES
O seguro garantia para construção, fornecimento ou prestação de serviços (“Seguro Garantia”) é uma das modalidades de garantia de cumprimento de obrigações contratuais exigidas pelos Contratantes em obras de infraestrutura no país, que, com a nova Lei de Licitações, Lei nº 14.133, em vigor desde 1º de abril de 2021, terá diversos impactos, conforme trataremos no presente guia.
Noções Introdutórias
Como funciona o seguro garantia na contratação entre administração pública e particulares:
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Segurado: a Administração Pública.
Tomador: o devedor das obrigações assumidas perante o Segurado.
Contrato Garantido: contrato firmado entre a Administração Pública (Segurado) e particulares (Tomadores), em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas.
Sinistro: o inadimplemento das obrigações do Tomador cobertas pelo seguro.
Cenário Legislativo Atual
O seguro garantia tem sido utilizado como uma das modalidades de garantias admitidas em editais de licitações de grandes projetos de infraestrutura, conforme previsão conferida pela Lei nº 8.666/2013, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública.
Segundo a referida norma, o seguro garantia, definido como aquele que garante o fiel cumprimento das obrigações assumidas por empresas em licitações e contratos,
não excederá 5% do valor do contrato e, para obras, serviços e fornecimentos de grande vulto (contratos acima de R$ 37.500.000,00) envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados através de parecer tecnicamente aprovado pela autoridade competente, o limite de garantia poderá ser elevado para até 10% do valor do contrato, isto é, do preço da obra para a Administração Pública.
Novo Contexto Legislativo
Com a Nova Lei de Licitações, os contratos de grande vulto são considerados aqueles cujo valor estimado ultrapassar R$ 200.000.000,00 e a garantia de execução poderá ser de até 30% do valor inicial do contrato, ou seja, ficará a critério do órgão contratante a fixação de tal percentual. A nova lei estabelece ainda que, na hipótese de inadimplemento do contratado, a seguradora pode executar e concluir o objeto do contrato, ou seja, exercer a retomada (step-in rights). Caso não assuma essa execução do contrato, a seguradora pagará a integralidade da importância segurada indicada na apólice.
Trata-se, portanto, de uma mudança de paradigma, que poderá alterar o risco subscrito pela seguradora, a precificação do seguro e o modelo de contrato de contragarantia até então utilizado.
Para a nova dinâmica, a Lei estabelece que o edital poderá prever que, em caso de retomada, a seguradora poderá a) ter livre acesso às instalações em que for executado o contrato principal; b) acompanhar a execução do contrato principal; c) ter acesso à auditoria técnica e contábil; d) requerer esclarecimentos ao responsável técnico pela obra ou pelo fornecimento.
Vale notar que, embora tenha entrado em vigor no dia 1º de abril de 2021, a Nova Lei de Licitações prevê um período de transição, segundo o qual por dois anos após a sua vigência, os órgãos públicos terão a oportunidade de escolher o momento em que ocorrerá a transição entre o antigo ordenamento ou o novo, razão pela qual, guardadas as polêmicas decorrentes da existência de dois ordenamentos válidos para licitações, é absolutamente recomendável que o setor de (res)seguros esteja apto a atender, imediatamente, o novo regramento e que o Poder Público adote as medidas necessárias para compatibilização do exercício do step-in rights pelos seguradores que optarem pela retomada do contrato em caso de inadimplência do contratado.
Viabilizando o exercício do step-in rights
Do ponto de vista do Poder Público
Para que a nova sistemática funcione, na prática, é fundamental que o Poder Público:
• Elabore editais contemplando a) a possibilidade de opção pelo pagamento da indenização ou conclusão da obra apenas quando a garantia de execução exigida for de 30% (e não em percentual menor), pois, provavelmente, não será possível a retomada da obra se o percentual da garantia contratado for menor do que 30%; b) os limites da atuação da seguradora enquanto interveniente anuente do contrato, prevendo a forma e as características da gestão e acompanhamento do projeto; c) na ausência de regulamentação específica, as diretrizes mínimas para a retomada do contrato, observado o contraditório e para possibilitar o saneamento de inadimplências sempre que possível;
• Reveja em seus editais e/ou anexos os exatos limites da retomada, reforçando a previsão legal de que somente o contratado (tomador) será o responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais resultantes da execução do contrato, não podendo a seguradora suceder o contratado com relação a tais obrigações que não estiverem diretamente vinculadas ao objeto da garantia (conclusão do empreendimento);
• Xxxxxx atento para evitar o comprometimento do limite máximo da apólice com valores de multa e verbas rescisórias.
Do ponto de vista da Seguradora
Para que a nova sistemática funcione, na prática, é fundamental que a Seguradora:
• Participe de forma mais ativa desde as etapas de elaboração do edital e do contrato, de modo a avaliar os riscos do projeto e as providências técnicas necessárias, caso exerça o step-in;
• Estabeleça parcerias de longa duração com os tomadores e com as próprias empresas subcontratadas aptas a concluir projetos, avaliando previamente a capacidade técnica e econômico-financeira dessas empresas com as quais serão estabelecidas as parcerias;
• Seja assertiva no momento da necessária intervenção, atuando como um conciliador, evitando um descompasso entre o valor da garantia, o sobrecusto e a própria retomada, bem como discussões com o tomador a esse respeito;
• Promova o aperfeiçoamento das condições contratuais das apólices para a) dirimir os limites da retomada, reforçando a previsão legal de que somente o contratado (tomador) será o responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais resultantes da execução do contrato objeto da garantia, não podendo a seguradora suceder o contratado com relação a tais obrigações; e b) rever as cláusulas de exclusão e hipóteses de perda do direito ao recebimento de indenização securitária;
• Exerça o poder-dever na gestão e monitoramento do contrato objeto da garantia, com a diminuição de margem para discussões referentes a descumprimentos que possam resultar na ausência do recebimento à indenização securitária, especialmente sob o ponto de vista de garantia técnica sobre as parcelas do projeto já concluídas pelo tomador inadimplente;
• Estruture um programa adequado de resseguro para amparar os riscos garantidos.
Do ponto de vista do Tomador
Para que a nova sistemática funcione, na prática, é fundamental que o Tomador:
• Permita que a Seguradora acompanhe e monitore o empreendimento facultando tenha livre acesso às instalações e documentação relativa ao escopo do contrato principal e promova os registros detalhados de todas as atividades executadas, especialmente do ponto de vista técnico, elaborando os desenhos “as built” quando concluir cada etapa do projeto;
• Se responsabilize, expressamente, por encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais resultantes da execução do contrato, não podendo a seguradora suceder o contratado com relação a tais obrigações que não sejam específicas do contrato objeto da garantia;
• Conceda contragarantias eficazes solicitadas pela seguradora para o exercício da sub-rogação legal.
Substituição do contratado inadimplente
Para que seja promovida a substituição do contratado inadimplente, é recomendável a elaboração de um contrato de retomada (conhecido internacionalmente como “TakeOver Agreement”), que será celebrado entre a seguradora, o novo construtor, e o Poder Público, como interveniente anuente desse contrato novo.
Considerando eventual dificuldade em obter a assinatura desse contrato pelo Poder Público, como alternativa a sua celebração, o próprio edital pode conter um anexo, dirimindo algumas questões práticas, entre as quais, destacamos:
• A execução nos termos indicados no contrato original e, a previsão de que, em sendo necessária eventual adequação não poderá comprometer o Princípio de Vinculação ao edital;
• A previsão de que o novo contratado deve ter qualificação adequada e proporcional para a conclusão da obra;
• Fiscalização do novo contrato por parte da Administração Pública nos termos previamente previstos no Edital;
• Cláusulas de limitação de responsabilidade à execução do saldo do escopo da obra que se pretende concluir;
• Regras de transição para a garantia técnica sobre os serviços concluídos pelo contratado inadimplente e declarações e garantias do novo tomador dos serviços;
• Conclusão da obra nos termos definidos no contrato.
Matriz de Risco
Prevista no artigo 6º, da Nova Lei de Licitações, a Matriz de Riscos é resultado de um processo de gestão projetizada, comumente adotado na indústria da construção civil.
A matriz de riscos é o resultado de um mapeamento estruturado para identificar as possíveis incertezas de um projeto e estabelecer os planos de ação adequados para evitar, mitigar ou transferir os riscos.
A matriz de riscos serve para, além de estabelecer os planos de ação para as hipóteses de ocorrência de eventos supervenientes, limitar os riscos assumidos por cada uma das partes para a formação do preço, mensurar as incertezas e efetuar a correta alocação dos riscos assumidos/compartilhados pelas partes contratantes.
Na forma estabelecida pela Lei, a matriz de riscos deverá ser prevista em cláusula contratual, estabelecendo critérios e consequências para o caso de ocorrerem eventos supervenientes à celebração do contrato que resultem em encargo, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.
Conforme estabelece o §3º, do artigo 22, da Nova Lei de Licitações, a elaboração de matriz de riscos será obrigatória quando a contratação se referir a obras e serviços de grande vulto ou forem adotados os regimes de contratação integrada e semi- integrada. Nas demais hipóteses, a colocação de matriz de riscos no edital e nos contratos é facultativa.
A inovação trazida nesta Lei tem como objetivo conferir transparência, governança e maior controle aos entes públicos sobre as variações nas condições originalmente pactuadas.
É fundamental para a economia da contratação que o risco seja alocado à parte que tenha melhor condição de gerenciá-los.
Pela perspectiva dos licitantes, a colocação de cláusula estabelecendo as hipóteses de busca pela retomada do equilíbrio econômico-financeiro do contrato às situações elencadas na matriz representa uma limitação ao seu direito de perseguir o equilíbrio contratual, ante a previsão imposta pelo artigo 124, II, “d”, da Nova Lei.
Na perspectiva de seguros, conforme descrito anteriormente, recomenda-se a participação da seguradora, desde a fase da elaboração dos editais, consultas e audiências públicas, com a finalidade de melhor compreender os riscos que serão garantidos.