MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
PRODOC BRA/08/021
Projeto de Cooperação Técnica:
COOPERAÇÃO PARA O INTERCÂMBIO INTERNACIONAL, DESENVOLVIMENTO E AMPLIAÇÃO DAS POLÍTICAS DE JUSTIÇA TRANSICIONAL DO BRASIL.
Contrato de Consultoria nº N. 2016/000022 Consultor: Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx
Produto nº 5: Documento devendo contemplar levantamento e avaliação de impacto das ações de memória desenvolvidas ao longo de 2013- 2016 pela Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (SMDHC/PMSP), que contribuíram ou contribuem para o resgate da memória política do Brasil com destaque para as atividades correlacionadas aos trabalhos do GTP, por exemplo: a) os diálogos intergeracionais, b) os projetos de monumentos cemiteriais, c) programações de educação no território, e d) recomendações de outras atividades ou de aprimoramentos.
Brasília, abril, 2016.
SUMÁRIO
Detalhamento do Produto 5. 03
1 As Políticas Públicas de Direito à Memória e à Verdade na Prefeitura de São Paulo: Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (CDMV) 07
2 A Retomada das Análises para Identificação das Ossadas de Perus e os Desaparecimentos Forçados em São Paulo 13
2.1 Ações sobre o caso Perus nas áreas da educação, cultura e memorialização. 19
2.2 Cartilha de Enfrentamento ao Desaparecimento Forçado 20
3 Educação por Direito à Memória e à Verdade 22
3.1 Formação complementar de educadores. 26
3.2 Criação e distribuição do Kit DMV 28
3.3 Edital de Projetos de Direito à Memória e à Verdade nas Escolas. 29
3.4 Seminário de Educação em Direito à Memória e à Verdade: conhecer para não repetir. 30
3.5 Outras ações da frente de educação por DMV 31
4 Cultura por Direito à Memória e à Verdade 32
4.1 Ações do calendário político de direito à memória e à verdade 33
4.2 Ações culturais por DMV no Festival de Direitos Humanos. 34
4.3 Projeto Xxxxxxx Xxxxxxxxx 36
5 Ocupação do Espaço público pelo Direito à Memória e à Verdade 38
5.1 Lugares de Memória 39
5.1.1 Sítios de memória 40
5.1.1.1 Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos da Ditadura Militar 41
5.1.1.2 Cemitério do Araçá 42
5.1.1.3 Xxxxxxxxx Xxx Xxxxx (Perus). 43
5.1.1.4 Cemitério Vila Formosa 45
5.1.2 Aconteceu Bem Aqui. 45
5.1.3 Guia sobre os Lugares de Memória de São Paulo 46
5.1.4 Corrida por Xxxxxx. 46
5.1.5 Cine-cicletada 47
5.2 Xxxx xx Xxxxxxx 00
6 Atividades realizadas pela CDMV em parceria com sociedade civil 52
Considerações e recomendações 54
Referências. 58
DETALHAMENTO DO PRODUTO 5
Enunciado
Documento devendo contemplar levantamento e avaliação de impacto das ações de memória desenvolvidas ao longo de 2013–2016 pela Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (SMDHC/PMSP), que contribuíram ou contribuem para o resgate da memória política do Brasil com destaque para as atividades correlacionadas aos trabalhos do GTP, por exemplo: a) os diálogos intergeracionais, b) os projetos de monumentos cemiteriais, c) programações de educação no território, e d) recomendações de outras atividades ou de aprimoramentos.
Detalhamento do produto
O produto consiste em um documento que relate as ações de memória realizadas pela Coordenação de Direito à Memória e Verdade da Secretaria de Diretos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo (CDMV/SDHC/PMSP) entre os anos de 2013 e 2016, sobretudo as que se referem ao caso Perus.
O produto apresentado está em consonância com a finalidade geral do Projeto de Cooperação Técnica BRA/08/021 “Cooperação para o intercâmbio internacional, desenvolvimento e ampliação das políticas de Justiça Transicional do Brasil” que é fomentar o intercâmbio de experiências institucionais para a promoção da Justiça de Transição na área de educação, ciência e cultura.
De modo mais específico, a consultoria aborda as questões que envolvem o Caso do Cemitério de Perus e, este produto 5 relata as experiências institucionais da CDMV em todas as suas frentes de trabalho que, de um modo direito ou indireto, são referenciadas no emblemático caso de violação aos direitos humanos representado pela Vala Clandestina de Perus.
Para pensar no intercambio institucional de experiências em políticas para a memória é importante ressaltar que a Comissão de Anistia, instituída no âmbito do Ministério da Justiça pela Lei nº. 10.559/2002, cumpre o papel de atuar no exame dos requerimentos de anistia política, mas vai além dessa dimensão reparativa mais individual, pois os elementos constitutivos da Justiça de Transição são promovidos pela
Comissão por meio de políticas públicas de memória coletivas, como é o caso dos projetos Caravanas da Anistia, Marcas da Memória, Clínicas do Testemunho, Memorial da Anistia Política do Brasil, dentre entre outros.
Este documento apresentará o histórico institucional da coordenação, destacando a importância de sua constituição como marca da priorização da área no âmbito da política municipal de direitos humanos da Prefeitura de São Paulo. A experiência relatada tem potencial de influenciar e incentivar o desenvolvimento de políticas públicas locais de promoção ao direito à memória e à verdade em outras localidades, por isso também cumpre com a finalidade geral de fomentar o intercâmbio de experiências institucionais para a promoção da Justiça de Transição.
Serão apresentadas as ações realizadas em todas as áreas de atuação da coordenação: a) o Grupo de Trabalho Perus (GTP) e os desaparecimentos forçados em São Paulo; b) Educação, memória e verdade; c) Cultura, memória e verdade e; d) Ocupação do espaço público, com os projetos lugares de memória e ruas de memória. Frise-se que as ações que envolvem o caso Perus não se esgotam no eixo específico sobre o GTP, que trata do processo de identificação das ossadas oriundas da vala clandestina, mas se fazem presente em todos os tópicos deste relatório em consonância com a atuação da CDMV que atua nas áreas da educação, cultura e memorialização no espaço público.
O relatório ainda buscará analisar os impactos produzidos pelas ações e políticas da CDMV na promoção da Justiça de Transição no Brasil. A referida análise dos impactos produzidos para o resgate da memória política do país priorizará as ações da coordenação realizadas no âmbito do GTP.
Metodologia
a) Pesquisa documental nos arquivos da CDMV.
b) Análise das matérias publicadas sobre as ações da CDMV no sítio da Prefeitura de São Paulo e outros meios de divulgação.
c) Acompanhamento e participação nas ações promovidas pela CDMV.
d) Reuniões e entrevistas para coleta de informações com os membros da coordenação e de outros entes envolvidos com as ações promovidas, tais como outros segmentos do poder público e entidades ligadas à defesa do direito à memória e à verdade.
Justificativa para a Alteração da Ordem dos Produtos da Consultoria
Como apontado no primeiro relatório desta consultoria, a ordem dos produtos foi reorganizada em relação ao indicado no termo de referência de maneira a aperfeiçoar a execução do trabalho, com orientação da Coordenação de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo e da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, por meio da aprovação do produto 1 que já relatava a necessidade da reorganização. Assim, a ordem de entrega dos produtos apresenta-se na seguinte sequência: produto 5 (abril), produto 3 (junho), produto 2 (agosto) e produto 4 (outubro). Na verdade, a ordem apresentada guarda uma importante relação lógica e metodológica, no sentido de que parte do produto que aborda as questões mais gerais e segue com os que fazem um aprofundando de análises sobre o GTP.
A realização do produto 5 foi antecipada de outubro para abril pela motivação que se segue. Os resultados obtidos por meio da pesquisa realizada para o produto 5, que analisa mais panoramicamente as ações da CDMV no âmbito do caso Perus, poderão ser muito importantes para a construção dos produtos 2 e 3, tendo em vista que tais pesquisas pretendem aprofundar pontos específicos sobre o GTP, como ocorre com a investigação sobre sua conformação institucional (produto 3) e com o estudo comparado dos procedimentos técnicos adotados pelo GTP nos processos de identificação de remanescentes ósseos com experiências semelhantes realizadas em outros países da América Latina (produto 2). Além disso, o resultado do produto 5 também é de interesse mais imediato da Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (CDMV), pois o levantamento das ações realizadas pela Coordenação ao longo de sua trajetória institucional poderá representar um importante elemento de avaliação e reflexão neste último ano da gestão.
Assim, também se justifica a inversão da ordem de realização dos produtos 2 e 3, pois, o estudo comparativo entre os arranjos institucionais e procedimentos técnicos adotados pelo GTP com outras experiências de identificação de desaparecidos por meio
de análise de remanescentes ósseos (produto 2) poderá ser realizada com mais fluidez a partir dos elementos obtidos no desenvolvimento da pesquisa sobre a construção e conformação institucional do GTP (produto 3).
As Políticas Públicas de Direito à Memória e à Verdade na Prefeitura de São Paulo entre 2013 e 2016
Xxxxxxxxx Xxx Xxxxx (Perus). Xxxxxx Xxxxxxxx.
1 COORDENAÇÃO DE DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE (CDMV)
A temática do direito à memória e à verdade já estava presente no programa de governo “Um tempo novo para São Paulo” do então candidato a prefeito, Xxxxxxxx Xxxxxx, lançado no decorrer da campanha eleitoral de 2012. Assim, o tópico do programa de governo intitulado “Dignidade, cidadania e direitos humanos” dedicava um tópico para as políticas públicas relacionadas ao direito à verdade e à memória, apontando quatro eixos centrais de ação:
a) Contribuir com todas as atividades da Comissão Nacional da Verdade, bem como com os organismos congêneres já em funcionamento no Legislativo Estadual Paulista e na Câmara de Vereadores;
b) Criação de uma Comissão da Verdade, da Memória e da Justiça no âmbito do Executivo municipal, que retome as buscas pelos restos mortais dos mortos e desaparecidos políticos, iniciadas no governo Xxxxxxxx, nos cemitérios de Perus, Parelheiros e Vila Formosa;
c) Criação de espaços e sítios históricos de memória e resistência nos locais onde se praticaram torturas e execuções sumárias durante o período da ditadura militar, como a Casa da Lapa e o Sítio 31 de Março;
d) Retomada das iniciativas de nominação de escolas, bibliotecas, praças, parques e vias públicas homenageando as pessoas que perderam a vida na luta pela liberdade, apoiando iniciativas para alterar os nomes dos próprios municipais e logradouros que valorizam responsáveis por torturas e outros delitos contra a humanidade.
No primeiro ano de governo, em 2013, a temática foi pontuada no Programa de Metas da Cidade. O Programa de Metas da Prefeitura de São Paulo foi construído participativamente e sistematiza as ações prioritárias da gestão municipal 2013–2016. Após a apresentação de uma primeira versão do programa pela Prefeitura, sinalizando os compromissos assumidos pela administração com a redução das desigualdades no âmbito da cidade, foi realizado um aprimoramento participativo das metas por meio de audiências públicas com a sociedade civil. O resultado de todo o processo foi o estabelecimento de 123 metas prioritárias para orientar a gestão municipal até o final de 2016. Importa aqui salientar que o direito à verdade e à memória foi contemplado com a meta 64: “Criar a Comissão da Verdade, da Memória e da Justiça no âmbito do Executivo municipal”.
No seu detalhamento, a meta 64 do Programa de Metas prevê a instalação da comissão da verdade; a construção de sítios de memória nos cemitérios do Araçá, Perus e Vila Formosa e no Parque Ibirapuera; o apoio para a identificação dos restos mortais dos desaparecidos políticos e; as ações de educação e cultura pelo direito à memória e à verdade como compromissos prioritários da gestão no que toca o tema.
A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo (SMDHC) foi criada logo no início da gestão por meio do Decreto n. 53.685, de 1º de janeiro de 2013, que dispõe sobre a organização da Administração Pública Municipal Direta, e, posteriormente, foi devidamente oficializada por meio da Lei nº 15.764, de 27 de maio de 2013, que fixa as atribuições e a organização da SMDHC. O pioneirismo da implementação de uma secretaria municipal específica representa um importante marco no histórico nas políticas públicas de proteção e promoção dos direitos humanos no Brasil. Dentre as temáticas propostas para o trabalho da nova Secretaria estavam presentes: Educação em Direitos Humanos, Direito à Memória e Verdade, Trabalho Decente, Políticas sobre Drogas, Participação Social, etc.
Na configuração do arranjo inicial da nova Secretaria, o tema do direito à memória e à verdade ficou sob a incumbência de uma Assessoria Especial vinculada diretamente ao gabinete do secretário municipal de direitos humanos e cidadania, tendo com objetivo central a instalação da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo.
Também em 2013, foi instituído o Grupo de Trabalho pelo Direito à Memória e à Verdade (GT-DMV) com o escopo de mapear as demandas da área, elaborar e monitorar as ações voltadas à efetivação do direito à memória e à verdade no município. O GT-DMV é uma instância de participação social composta por diversas entidades ligadas à pauta1, criada a partir de um protocolo de intenções estabelecido entre a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e a Prefeitura Municipal de São Paulo. O referido protocolo de intenções foi assinado em 15 de abril de 2013 e buscava a conjugação de esforços para a implementação de uma comissão de coordenação e acompanhamento que fomentassem algumas ações, destacando entre elas:
a) a realização de pesquisas e outras atividades, objetivando a localização e identificação de mortos e desaparecidos políticos na cidade de São Paulo;
b) a identificação, preservação e criação de sítios, memoriais e lugares de memória, e;
c) a mobilização social, a promoção de educação em direitos humanos, a produção de conhecimento e sua divulgação, inerentes ao tema Memória e Verdade.
O GT-DMV teve papel fundamental no amadurecimento da percepção da necessidade de uma Coordenação específica na SDHC para tratar de políticas públicas permanentes de memória e verdade. Com o debate realizado no âmbito do GT-DMV, foi percebido um grande passivo de demandas históricas não atendidas ao longo de muitas gestões municipais. Ao mesmo tempo, foram detectadas muitas demandas relacionadas a políticas estruturantes e permanentes, sobretudo, na área da memória e da ocupação do espaço público com o tema, ultrapassando, portanto, as ações
1 Tais como: Comissão da Verdade Xxxxxx Xxxxx (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo); Comissão Municipal da Verdade Xxxxxxxx Xxxxxx (Câmara Municipal de São Paulo); Comissão Nacional da Verdade; Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça; Instituto Xxxxxxxx Xxxxxx; Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo; Comissão de Justiça e Paz; Ministério Público Federal; Comissão da Verdade da FESP-SP; Comissão da Verdade da PUC-SP; Levante Popular da Juventude e Frente do Esculacho Popular.
investigativas e reparativas relacionadas ao trabalho de uma comissão da verdade, que tem duração temporalmente determinada, ficando clara a necessidade da criação de uma estrutura institucional permanente mais robusta que a já existente Assessoria Especial para tratar do direito à memória e à verdade.
Diante de tal cenário, em 2014, a Assessoria Especial foi substituída por uma Coordenação própria, por meio da criação2 da Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (CDMV) no âmbito da SMDHC e, desde então, é a instância responsável pelas políticas públicas e ações mais permanentes na área do direito à memória e à verdade na cidade de São Paulo. Dentre as missões inicias apontadas para a CDMV, estavam:
a) Instalar e acompanhar os trabalhos da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura.
b) Apoiar a retomada da identificação de mortos e desaparecidos políticos em São Paulo (Vala Clandestina de Perus).
c) Alterar a denominação de logradouros que homenageiam pessoas que cometeram violações de direitos humanos e identificar sítios históricos relacionados à ditadura civil-militar e criar marcos de memória em homenagem às vítimas.
d) Realizar ações de educação e cultura pelo direito à memória e à verdade.
Como já apontado, a demanda pela criação de uma comissão da verdade para investigar as graves violações aos direitos humanos cometidos durante a ditatura civil- militar na cidade de São Paulo e garantir o direito do cidadão à memória e à verdade era prioridade absoluta, sendo pontuada no Programa de Governo do prefeito Xxxxxxxx Xxxxxx, no Programa de Metas da Cidade, nas discussões do GT-DMV e, também nas pautas definidas para a atuação da CDMV. Então, desde a sua criação, a Coordenação empenhou-se para concretizar tal demanda, realizando as seguintes ações para que a instalação da comissão fosse viabilizada: redação e tramitação interna do Projeto de Lei de criação da comissão; envio do Projeto de Lei à Câmara dos Vereadores; articulação com vereadores para aprovação do Projeto de Lei; participação em audiências públicas e mobilização da sociedade civil.
Como resultado dos empenhos, a Lei nº 16.012, de 16 de junho de 2014, criou a
Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura do Município de São Paulo
2 Saliente-se que a Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (CDMV) não foi constituída formalmente por meio de instrumento jurídico, mas sim por meio de uma pactuação política de compromisso da atual gestão municipal com a temática.
(CMVPSP)3 que está vinculada à SMDHC e trabalha com interlocução com a CDMV. Note-se que os debates realizados no âmbito do GT-DMV4 também contribuíram para a definição do papel da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo. Assim, as atribuições da Comissão foram detalhadamente expostas nos incisos do artigo 4º da Lei 16.012/2014:
I - investigar, examinar e apurar os casos de violações aos direitos humanos praticadas ou sofridas por agentes públicos da Prefeitura do Município de São Paulo durante a ditadura civil-militar;
II - pesquisar e levantar informações sobre esse período da história do Município, tendo como base os arquivos históricos da Prefeitura Municipal de São Paulo ou quaisquer outras fontes;
III - encaminhar, aos órgãos públicos competentes, toda e qualquer informação que possa auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos;
IV - recomendar, aos órgãos e entidades municipais, bem como a outras instâncias competentes, a adoção de medidas e políticas públicas voltadas para a busca da verdade, a reparação, a garantia de direitos e a prevenção de novas violações;
V - recomendar, às autoridades competentes, ações reparadoras pelas violações sofridas no período da ditadura civil-militar;
VI - trabalhar de forma articulada e complementar às demais Comissões da Verdade em funcionamento no país;
VII - produzir e publicar relatórios parciais e final com os resultados dos trabalhos desenvolvidos.
O período de vigência da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo é de dois anos – de setembro de 2014 a setembro de 2016 – podendo ser prorrogado por mais um ano. Após os esforços envidados para a aprovação do Projeto de Lei que criou a Comissão, a CDMV contribuiu para a efetiva instalação da comissão,
3 Projeto de Lei n. 65 de 2014 aprovado na Câmara Municipal em 6 de junho de 2014 por 39 votos favoráveis a 1 contrário.
4 Com a criação da CDMV, a função do Grupo de Trabalho de Direito à Memória e à Verdade (GT-DMV) passa a ser de acompanhamento, monitoramento, de validação e de avaliação das ações em curso. Atualmente, as reuniões do Grupo de Trabalho ocorrem duas vezes ao ano.
com a localização de um espaço físico e infraestrutura para as instalações dos trabalhos da comissão, com a contratação de membros e assessores e, ainda, com a organização e mobilização para o ato de instalação da Comissão, realizada no Arquivo Histórico de São Paulo em 25 de setembro de 2014.
A relevância da Comissão para apurar a participação da Prefeitura na repressão operada durante o regime militar e diagnosticar as violações aos direitos humanos cometidas ou sofridas pelos seus agentes é enorme. Está no campo investigativo da CMVPSP descobrir como, em que medida, por quais meios e quais agentes, a administração pública municipal contribui com as práticas da censura, perseguição de opositores, limitação às liberdades individuais, prisões arbitrárias, tortura, morte e desaparecimento de pessoas nos chamados anos de chumbo, de 1964 a 1985.
É importante destacar que as atuações da Comissão e da Coordenação são complementares, mas não se confundem, pois a CMVPSP tem fins investigativos a respeito das violações aos direitos humanos perpetradas durante o regime de exceção, fazendo recomendações de ações de reparação aos órgãos competentes e apresentando relatórios com o resultado das apurações, enquanto a CDMV busca consolidar políticas públicas estruturantes e permanentes com o fito de concretizar o direito à memória e à verdade na vida dos cidadãos de São Paulo.
Após a breve análise da conformação do arranjo institucional e político da Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (CDMV), este relatório detalhará nos tópicos seguintes cada um dos seus quatro eixos de atuação da:
- Os desaparecimentos forçados em São Paulo e a retomada das análises para identificação das ossadas do caso Perus
- Educação por Direito à Memória e à Verdade.
- Cultura por Direito à Memória e à Verdade.
- Ocupação do Espaço público pelo Direito à Memória e à Verdade.
2 A RETOMADA DAS ANÁLISES PARA IDENTIFICAÇÃO DAS OSSADAS DO CASO PERUS E OS DESAPARECIMENTOS FORÇADOS EM SÃO PAULO
CAAF. Xxxxxxx Xxxxxx.
Em razão dos indícios apresentados por familiares de desaparecidos políticos sobre a existência de corpos inumados em uma vala comum clandestina no Cemitério Dom Bosco, localizado no bairro de Perus, periferia da cidade de São Paulo5, em 4 de setembro de 1990, a gestão da prefeita Xxxxx Xxxxxxxx realizou a abertura da vala, onde foram encontradas aproximadamente 1500 ossadas. Ressalte-se que a descoberta da vala clandestina foi resultado da mobilização e busca incessante dos familiares dos desaparecidos da ditadura ocorrida no Brasil entre 1964 e 1985 por seus entes queridos.
Nas idas aos cemitérios, ouviram de funcionários do Cemitério Dom Bosco, situado no bairro de Perus, notícias de que militantes políticos assassinados eram enterrados com nomes falsos. Os policiais que traziam seus corpos referiam-se a eles como sendo terroristas, estratagema usado para encobrir as suspeitas sobre cadáveres com marcas visíveis de tortura. Souberam também que muitas ossadas foram exumadas e colocadas, de forma clandestina, numa vala comum, nos anos de 1975 e 1976 (TELES; LISBOA, 2012, p. 62).
5 A cidade de São Paulo concentra 25% do total de mortos e desaparecidos da ditadura. BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007.
De fato, depois da abertura da vala clandestina, foram separadas para análise
1.049 ossadas, sendo que os restos mortais de dois militantes desaparecidos na década de 1970, Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx e Xxxxx Xxxxxxxx, foram de plano identificados por médicos legistas da Unicamp. Além disso, posteriormente, foram identificados em sepulturas individuais as ossadas dos desaparecidos políticos Sônia M. Xxxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxx Xxxxx Xxxxxxx. (GONZAGA, 107).
Contudo, as ações para a identificação das ossadas encontradas em Perus não prosseguiram de modo contínuo, e o longo e, ainda, inacabado processo, desde a descoberta da vala em 1990, é repleto de interrupções e instabilidades. Inicialmente, o trabalho foi confiado à Unicamp, depois à USP, IML e Superintendência da Política Científica do Estado de São Paulo e o resultado geral destas primeiras etapas foi de pouca eficiência nas identificações e até de descaso no armazenamento e segurança das ossadas.
Diante de tal situação, em 2014, foi formado o Grupo de Trabalho Perus (GTP) com o objetivo de analisar os restos mortais exumados oriundos do Cemitério de Perus, especialmente da sua vala clandestina, com vistas à identificação de mortos e desaparecidos políticos assim reconhecidos pela Lei nº 9.140, de 04 de dezembro de 1995, contribuindo desta maneira com a concretização do direito à verdade e à memória previsto na Política Nacional de Direitos Humanos, o chamado Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) de 2009.
O GTP é resultado de uma conjugação de esforços institucionais e foi criado por meio da Portaria 620, de 9 de outubro 2014, publicada no diário oficial em 14 de outubro de 2014 pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Ainda antes disso, em março de 2014, foi firmado um Protocolo de Intenções e, em 4 de setembro de 2014, foi celebrado o Acordo de Cooperação Técnica N° 001/2014 entre Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo (SDHC), por meio da Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (CDMV), a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR)6, por meio da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Político (CEMDP) e a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), indicando tal acordo que para viabilizar
6 Atual Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (MMIRDH).
a retomada da análise dos despojos oriundos de Perus seria necessário a instituição e consolidação do Grupo de Trabalho.
Retomar a identificação das ossadas encontradas na vala clandestina de Perus, depois das tentativas realizadas pelo IML-SP e pela Unicamp, iniciadas em 1990 e interrompidas em 1995, e das tentativas pontuais realizadas pelo MPF nos anos 2000, é um verdadeiro marco para a Justiça de Transição no Brasil. Por mais de 20 anos nenhuma outra gestão municipal havia se dedicado a apoiar a retomada das tentativas de identificação dos restos mortais em questão, a fim de dar uma resposta definitiva às famílias e à sociedade brasileira. Cumpre apontar que a CDMV representa o poder público municipal em tal empreitada.
As responsabilidades do GTP, bem como a partilha de tais responsabilidades entre as três instituições que o compõem, estão bem definidas no referido Acordo de Cooperação Técnica n° 001/2014. Conforme indica a cláusula quinta do documento, são obrigações específicas da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo (SDHC) a serem realizadas pela Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (CDMV):
I. Acompanhar todas as etapas do trabalho do Grupo de Trabalho do Caso Perus e todas as ações decorrentes do termo de cooperação.
II. Formalizar a transferência da custódia dos materiais já exumados do Cemitério Dom Bosco, em Perus, e da sua Vala Clandestina, ora armazenados no Ossário Geral do Cemitério do Araçá, para a Universidade Federal de São Paulo e garantir que seja lacrado e trasladado para o local onde será realizada a avaliação científica, em articulação com o Serviço Funerário Municipal.
III. Oferecer hospedagem para as equipes de profissionais internacionais que trabalharão no Caso Perus, mediante recebimento de cronograma detalhado de trabalho e viagens em tempo hábil.
IV. Custear as despesas de passagens nacionais dos peritos em trânsito para coleta de dados e material genético de familiares de mortos e desaparecidos políticos.
V. Realizar a articulação local com a sociedade civil, promovendo iniciativas que debatam as questões relacionadas ao desaparecimento forçado, em especial as que tenham relação com os possíveis desaparecidos inumados no Cemitério Dom Bosco, em Perus, e na sua Vala Clandestina.
VI. Levantar alternativas de local apropriado no município de São Paulo para futuro armazenamento e guarda dos restos mortais, uma vez concluídos os trabalhos de análise e identificação.
A estrutura organizacional do GTP é composta pelo Comitê Gestor, Comitê Científico e Comitê de Acompanhamento. O Comitê Gestor é composto pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo (SMDHC/SP) e Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). O Comitê Gestor é a instância decisória responsável pelas ações desenvolvidas pelo GTP, seu funcionamento se dá de forma colegiada, tendo como coordenação geral dos trabalhos a SDH/PR, por meio da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). De um modo geral, o Comitê Gestor reúne-se semanalmente e atua em diversas frentes de comando, tais como administração, planejamento, divulgação das informações e gestão das demandas apresentadas ao GTP.
Por sua vez, o Comitê Científico é composto por representantes designados por meio da Portaria Ministerial nº 64, de 27 de fevereiro de 2015, obedecendo à seguinte distribuição: um representante da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (SENASP/MJ), um representante da Associação Brasileira de Antropologia Forense (ABRAF), um representante do Departamento de Polícia Federal, um representante da UNIFESP, dois representantes das equipes internacionais, dois representantes do grupo de arqueólogos e antropólogos indicados e contratados pela SDH/PR. A finalidade do Comitê Científico é desenvolver as informações científicas (antemortem e postmortem), de Antropologia Forense, de Biossegurança e de Ética, bem como assessorar o Comitê Gestor sobre questões técnico científicas demandadas.
De acordo com o coordenador do Comitê Científico, o médico legista da SENASP, Dr. Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, o GTP trabalha com o princípio da multidisciplinaridade na Antropologia Forense. Nesse sentido, a equipe de profissionais da área técnica e científica do GTP compõe-se de antropólogos, arqueólogos, peritos médicos-legistas, peritos odonto-legistas, geneticistas forenses e historiadores. A experiência e formação de cada profissional na sua área de atuação complementam os trabalhos de equipe e contribuem para os resultados obtidos.
Ao mesmo tempo, essa multidisciplinaridade das áreas técnicas adotada pelo GTP contribui para se repensar o papel da antropologia
forense no Brasil, lançando luz e novas perspectivas para se lidar com os desafios do país em temas como identificação de pessoas desaparecidas, causa morte, perícias, desaparecimentos, violência de estado e Direitos Humanos. (Ata de Reunião do Comitê de Acompanhamento)
Em consonância com as recomendações internacionais sobre Justiça de Transição, o Comitê de Acompanhamento atua como instância consultiva e de monitoramento das atividades realizadas pelo GTP, sendo composto por representantes do Comitê de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, familiares consanguíneos dos desaparecidos cujos restos mortais podem estar entre os exumados na vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, representantes do Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça, da Comissão Municipal da Verdade da Prefeitura de São Paulo e do Ministério Público Federal. Seus integrantes também foram designados por meio de Portaria Ministerial de nomeação nº 64, de 27 de fevereiro de 2015.
Como exposto, as obrigações específicas de cada entidade que compõe o GTP é bem definida, dentre elas, destacam-se: a contratação da equipe multidisciplinar composta de profissionais nacionais e internacionais e peritos oficiais que trabalharão no caso Perus pela SDH/PR; a criação do Centro de pesquisa em Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) para realizar os trabalhos de análise forense pela UNIFESP7 e; a transferência da custódia das ossadas exumadas do Ossário Geral do Cemitério do Araçá para o CAAF e o acompanhamento contínuo de todas as etapas do trabalho do GTP pela SMDHC, por meio da Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (CDMV).
Em relação à transferência das ossadas para o laboratório da UNIFESP realizado pela CDMV, é necessário narrar todas as etapas que envolveram o processo. Desde 2002 o material exumado da Vala de Perus estava armazenado no Ossário Geral do Cemitério do Araçá à espera de definições quanto à retomada da identificação, em condições inadequadas de conservação e de segurança. Diante disso, em setembro de 2014, a CDMV promoveu o traslado de 411 caixas com ossadas, do Cemitério do Araçá para o laboratório da UNIFESP, seguido do transporte para p mesmo local de 22 caixas referentes ao Caso Perus que estavam armazenadas no Instituto Médico Legal (IML).
7 A CMDV contribuiu nas negociações para a disponibilização de recursos federais (MEC) para a efetiva instalação do laboratório nas dependências da UNIFESP – Centro de Arqueologia e Antropologia Forense (CAAF).
Em virtude da necessidade de reformas no prédio do laboratório para comportar o restante das ossadas, as 614 caixas remanescente foram transferidas provisoriamente, em agosto de 2015, para uma sala cofre localizada no edifício-sede da Procuradoria Regional da República 3ª região (MPF) que garantiu a segurança e o adequado armazenamento. Com a conclusão da reforma da sala de acondicionamento do laboratório do CAAF, no dia 12 de março de 2016, foram transportadas as últimas 614 caixas, e, agora todos os restos mortais encontram-se reunidos no laboratório da Unifesp, estando as 1047 caixas em local seguro e com condições apropriadas para a conservação e a realização do trabalho de identificação. A conclusão desta missão pela CDMV, em conjunto aos esforços de diversos órgãos parceiros8, foi decisiva para a retomada do trabalho de identificação dos restos mortais oriundos da vala de Perus.
Também está no foco da CDMV no âmbito do GTP a garantia da execução da Emenda Parlamentar nº 32280013, do Deputado Xxxxxx Xxxxxx, destinada a apoiar com recursos financeiros o processo de identificação dos restos mortais. A equipe da Coordenação está empenhada na realização de todos os trâmites burocráticos que envolvem a execução da referida emenda parlamentar e também dos ajustes necessários no plano de trabalho, de modo a atender as demandas de equipamentos, insumos e serviços necessários para os trabalhos de identificação realizados no laboratório. O valor total do convênio é de R$300.000,00. A SMDHC cabe a contrapartida de R$9.382,00.
Além de compor o Comitê Gestor do GTP, com monitoramento e operacionalização semanal das atividades desenvolvidas pelo grupo, a CDMV fomenta a realização de amplos e constantes processos de consulta aos familiares dos mortos e desaparecidos, entidades de direitos humanos, organismos nacionais e internacionais por meio da organização de audiências públicas e dos encontros regulares do Comitê de Acompanhamento do GTP. Ao seguir tal diretiva participativa, os trabalhos de identificação do caso Perus ganham em legitimidade e transparência e, ainda, permite o reconhecimento do direito à memória e a verdade não somente dos familiares que ainda
8 Serviço Funerário Municipal de São Paulo (SFMSP), Polícia Federal (PF), Guarda Civil Metropolitana (GCM), Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ministério Público Federal (MPF), Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (MMIRDH) e Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
buscam o paradeiro dos restos mortais dos seus entes queridos, mas a toda sociedade brasileira vitimada pelas atrocidades perpetradas pelo Estado autoritário.
Muitos desafios estão por vir até a conclusão definitiva da identificação das ossadas e a devolução dos restos mortais identificados aos seus familiares. Desafios outros vão até mesmo além da conclusão da identificação das 1047 caixas que estão no CAAF em processo de análise, tais como a possibilidade de uma prospecção para uma reabertura de parte da vala para verificar se a escavação foi extensiva e a construção de um Memorial Perus para dar destinação adequada aos restos mortais que não puderem ser identificados até o final do processo.
2.1 Ações sobre o caso Perus nas áreas da educação, cultura e memorialização
Cumpre notar que as atividades que envolvem o caso Perus não se limitam aos processos de identificação das ossadas, mas atingem um amplo raio de frentes de trabalho que lidam com a promoção do direito à memória e à verdade nas perspectivas da educação, cultura e ocupação do espaço público, por meio de ações de memorialização. Como relatado, a atuação da CDMV é organizada nestes eixos e, por isso, o presente relatório apresenta as ações relativas ao caso Perus sistematizadas do mesmo modo.
Assim, o tópico 3.1 (Formação complementar de educadores) trata das formações de educadores realizadas pela frente de trabalho de educação por DMV em todos os territórios da cidade, incluindo a Diretoria Regional de Ensino (DRE) de Pirituba (regional de Perus) e o CEU (Centro Educacional Unificado) localizado em Perus. O mais importante para se destacar aqui é que as formações de educadores realizadas na regional e no CEU de Perus aprofundaram a discussão sobre a questão da Vala Clandestina e sobre o trabalho do GTP na retomada das tentativas de identificação dos restos mortais. Uma das atividades contou, inclusive, com a participação de uma das peritas do GTP, a arqueóloga Xxxxxx Xxxxxxx. Importa notar que as formações de um modo geral, realizadas em qualquer DRE da cidade, fomentaram a discussão sobre a importância da identificação das ossadas de Perus, ou seja, o caso Perus está presente de modo necessário em todas as atividades formativas da CDMV.
Já no tópico 5.1.1.3 (Xxxxxxxxx Xxx Xxxxx – Perus) são detalhadas as duas ações de ocupação do espaço público com memorialização realizadas no Cemitério
Dom Bosco: a) o Jardim Cálice e b) a Grafitagem no muro externo do cemitério. O Jardim Cálice atende a reivindicação de ex-presos e familiares de mortos e desaparecidos e a Grafitagem foi realizada por coletivos de juventude da região que trabalharam, por meio da linguagem do grafite, o caso Perus e a violência cotidiana vivenciada na periferia.
No tópico 4.2 (Ações culturais por DMV no Festival de Direitos Humanos) que trata das ações realizadas pela frente de trabalho de Cultura por DMV são relatadas as 3 edições do Festivais de Direitos Humanos. Aqui se destaca na segunda edição do festival o Diálogo entre Gerações: Violência de Estado Ontem e Hoje, realizado no espaço cultural Quilombaque em Perus, com o objetivo de provocar um debate sobre o caso da Vala Clandestina e a violência do passado autoritário que ainda reverbera nos dias atuais. Com o mesmo intuito, e para relembrar os 25 anos da descoberta da Vala Clandestina de Perus, em setembro de 2015, a CDMV e o CEU de Perus realizaram em parceria uma mostra de filmes sobre a temática.
2.2 Cartilha de Enfrentamento ao Desaparecimento Forçado
Para além de todo o exposto, cumpre notar que o fio lógico de condução das políticas implementadas pela CDMV partiu das de ações de reparação direta às vítimas das violações ocorridas na ditadura e aos seus familiares, com o intuito de sanar o grande passivo histórico existente, afinal de contas, por mais de 20 anos o governo municipal deixou de lado as suas responsabilidades reparativas, e ampliou seu raio de interlocução, buscando sensibilizar a cidade de um modo geral e os seus moradores para os fatos ocorridos no passado autoritário e para as consequências ainda sentidas no presente. Note-se que as violações aos direitos humanos ainda reverberam nos dias de hoje, com a permanência de muitas práticas que desafiam o Estado Democrático de Direito, construído por meio da redemocratização e da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Com tal perspectiva, diante da grande incidência dos casos de desaparecimentos forçados em São Paulo, sobretudo de jovens negros que vivem nas regiões periféricas da cidade, a CDMV está coordenando um processo de diálogo com diversas instituições que culminará com a publicação de uma Cartilha de Enfrentamento ao Desaparecimento Forçado, em parceria com o Programa de Localização e Identificação
de Pessoas Desaparecidas (PLID) do Ministério Público de São Paulo e da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça (MJ).
O objetivo é produzir um material para orientar familiares ou amigos de pessoas desaparecidas com informações sobre o fluxo a ser percorrido no decorrer da busca, apontando os caminhos e procedimentos indicados. A cartilha conterá o fluxo institucional de pessoas desaparecidas e, para os casos de falecimento, a descrição das competências de cada instituição no fluxo do corpo após a morte e as informações sobre os cemitérios para os quais são enviados os corpos não reclamados ou não identificados em São Paulo.
Seguindo as recomendações feitas pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha à CDMV, a cartilha será bem didática, de fácil compreensão, com letras grandes e presença de ilustrações, garantindo assim, a acessibilidade de todos que dela necessitarem.
O processo de construção coletiva da cartilha tem apontado para a urgente necessidade de construção de uma rede de busca por desaparecidos que cruze informações advindas das diversas instituições publicas que podem se relacionar com alguma etapa do desaparecimento de pessoas, como os equipamentos públicos de saúde, equipamentos da assistência social, o Serviço Funerário Municipal de São Paulo (SFMSP), o Instituto Médico Legal (IML), o Serviço de Verificação de Óbitos (SVO), as Polícias, etc. Com a criação e consolidação de um sistema unificado de combate ao desaparecimento de pessoas na cidade de São Paulo, as possibilidades de localização de desaparecidos seriam ampliadas e a incidência de pessoas enterradas nos cemitérios públicos como não identificadas ou não reclamadas seria reduzida.
3 EDUCAÇÃO POR DIREITO À MEMORIA E À VERDADE
Formação em Pirituba. Arquivo CDMV.
Os objetivos das políticas desenvolvidas pela Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (CDMV), como já observado, são voltadas não somente às vítimas diretas das violações de direitos humanos engendradas no passado, mas buscam sensibilizar toda a sociedade sobre a relação existente entre o esquecimento dos crimes do período autoritário e as violações aos direitos ocorridas na atualidade democrática. Desta maneira, um dos eixos de atuação da CDMV é a promoção de atividades de educação para o fomento da memória e da verdade, voltadas para a disseminação do conhecimento sobre o período da ditadura ocorrida entre 1964 e 1985 e a sensibilização da população de São Paulo para as reflexões sobre o tema.
O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), criado pelo Decreto nº 7.037/2009 e atualizado pelo Decreto nº 7.177/2010, aponta a educação em direitos humanos como um canal estratégico para a consolidação de uma sociedade mais igualitária e, no mesmo sentido, a meta 63 do Programa de Metas da Cidade de São Paulo busca a implementação da educação em direitos humanos na rede municipal de ensino. Tais diretivas são de responsabilidade compartilhada entre a Secretaria Municipal de Educação (SME) e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC). Deve-se notar que a educação em direitos humanos, ao promover
[...] o despertamento e a capacitação para a replicação e multiplicação de valores de não violência, tolerância, solidariedade, igualdade cidadã, democracia plena, liberdade, entre outros, deve contribuir para o processo de consolidação da democracia brasileira, cuja tarefa se encontra em andamento. (BITTAR, 2010, p. 1).
Além disso, a diretriz 24 do PNDH-3 recomenda a preservação da memória histórica e a construção pública da verdade sobre os períodos autoritários com o envolvimento de toda a sociedade. Saliente-se aqui que o ambiente escolar é espaço privilegiado para o conhecimento da verdade sobre os anos de chumbo e para a coletivização social da memória. Como os desdobramentos do esquecimento não se reduzem aos que foram diretamente atingindo pela violência do Estado autoritário, mas sim à totalidade social, o espaço democrático da escola tem o potencial de levar a discussão pública sobre a verdade e a memória aos mais variados núcleos sociais e culturais.
O trabalho de reconstituir a memória exige revisitar o passado e compartilhar experiências de dor, violência e mortes. Somente depois de lembrá-las e fazer seu luto, será possível superar o trauma histórico e seguir adiante. A vivência do sofrimento e das perdas não pode ser reduzida a conflito privado e subjetivo, uma vez que se inscreveu num contexto social, e não individual. (PNDH 3, 2009, p. 207).
De um modo geral, a escola reflete o silenciamento da sociedade em relação às violências ocorridas. O país, mesmo depois do trabalho investigativo realizado pela Comissão Nacional da Verdade e já passados mais de três décadas da redemocratização, tem grande dificuldade em assumir com clareza a verdade sobre as graves violações aos direitos realizadas pela repressão. Do mesmo modo, o desconhecimento e a ocultação sobre os atos praticados pelos agentes da ditadura atingem o ambiente escolar, reproduzindo a violência simbólica, por meio da negação da verdade e da formação de uma sórdida lacuna na narrativa histórica nacional.
Para compreender a realidade sobre a qual se fala é necessário levar em conta a frágil formação inicial dos professores sobre o que se passou com os direitos mais elementares da pessoa humana durante o regime autoritário e a superficialidade dos currículos e materiais didáticos sobre a temática. Assim, o processo educativo não revela com a clareza necessária a verdade, não tece uma narrativa centrada na denúncia às barbáries aos direitos humanos e, ainda, não trata das graves implicações do esquecimento do passado nas práticas de violência ocorridas no presente.
Imbuída desta problemática, a frente de trabalho em educação por direito à memória e à verdade tem sido uma das prioridades da CDMV. Para a Coordenação, um dos pressupostos das ações na área da educação é a valorização do “conhecer para não repetir”. Também pressupõe as ações da frente de trabalho o reconhecimento do papel fundante que a educação tem na transformação da cultura de violência em cultura de garantia de direitos. Para atingir a premissa é necessário reconhecer, sobretudo, o protagonismo dos educadores na solidificação dos valores da democracia e da cidadania.
Como exposto, as Secretarias de Educação e a de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo dividem a responsabilidade pela implementação da educação de direitos humanos na rede municipal de ensino e, para viabilizar tal objetivo, constituíram o Grupo de Trabalho Intersecretarial de Educação em Direitos Humanos (GTI- EDH). Ao longo do ano de 2013, o GTI-EDH identificou a necessidade de estabelecer um diálogo direto com as Diretorias Regionais de Xxxxxx (DRE´s), para diagnosticar, formular e implementar políticas públicas ancoradas na realidade da rede. Foi criado, então, o Núcleo de Educação em Direitos Humanos na Rede Municipal, com ao menos dois representantes de cada uma das 13 Diretorias Regionais de Ensino do município.
Desde fevereiro de 2014, a CDMV participa das reuniões do Núcleo que promove a troca de experiências e a formatação de novas práticas pedagógicas ligadas à temática. Nesse sentido, a intenção da Coordenação é contribuir para a construção e fortalecimento de uma rede de educadores empenhados pelo direito à memória e à verdade nas escolas de São Paulo.
No primeiro ano de trabalho no eixo de educação, a CDMV estruturou uma variada programação formativa, construída em conjunto às DRE´s, compostas de seminários, cursos de formação, exibição de documentários e debates com os diretores com o objetivo de estimular a reflexão sobre os 50 anos do golpe de Estado de 1964. Assim, no ano marcado pelo cinquentenário do golpe, foram realizadas ações de formação com o lema “conhecer para não repetir”, com adesão de Diretorias Regionais de Ensino e de Centros Educacionais Unificados (CEU´s), contribuindo para suprir a demanda dos educadores por formação complementar sobre o tema.
Alinhada às ações de formação oferecidas aos educadores foi adquirida uma seleção de publicações que, por meio de diferentes linguagens, abordam a ditadura e
suas implicações no presente; a coletânea foi chamada de Kit DMV. Tendo em vista a superficialidade dos materiais didáticos na abordagem da ditadura, a seleção de materiais oferece referências aos educadores para abordar a temática na sala de aula.
Em 2014, foram realizadas 16 atividades formativas (2 seminários e 14 encontros nos equipamentos da Secretaria Municipal de Educação), mobilizando a formação de cerca de 1.300 educadores, além da distribuição de aproximadamente 300 kits. Já em 2015, foram promovidas mais de 60 atividades de formação nas 13 Diretorias Regionais de Ensino de São Paulo, com a capacitação de 3.287 educadores, 528 estudantes e 189 jovens monitores em todos os territórios da cidade9. Neste mesmo ano, foram distribuídos 564 kits.
Nos itens a seguir serão detalhadas as ações promovidas pela CDMV na frente de educação por direito à memória e à verdade:
3.1) Formação Complementar de Educadores.
3.2) Criação e Distribuição do KIT DMV.
3.3) Edital de Projetos de Direito à Memória e à Verdade nas escolas.
3.4) Seminário de Educação em Direito à Memória e à Verdade: conhecer para não repetir.
Visita ao Memorial da Resistência. Xxxxx Xxxxxxx.
9 Ultrapassando o patamar estabelecido pela Meta 64 do Programa de Metas do Governo Municipal ( 2013-2016).
3.1 Formação complementar de educadores
A formação complementar de educadoras e educadores na temática da memória e da verdade é, na verdade, uma demanda dos próprios professores que sentem falta de um aprofundamento no assunto e, sobretudo, carecem de ferramentas para trabalhar a temática na sala de aula. Como visto, a CDMV atua na formação complementar dos educadores por reconhecê-los como estratégicos multiplicadores, aptos a atuar nos múltiplos ambientes da escola e da comunidade.
Foram pensadas estratégias e formas distintas para que as formações permeassem o ambiente educacional e chegassem tanto aos professores que tem alguma sensibilização com o tema, como àqueles que não participariam do processo sem uma estratégia direcionada e de busca ativa10.
- Formações abertas (oficinas e seminários). Curso de Educação em Direitos Humanos constituído por três módulos. No primeiro são abordados conceitos elementares relativos aos direitos humanos. O segundo fomenta o uso de recursos audiovisuais como ferramenta pedagógica. E o terceiro módulo é dedicado ao Direito à Memória e à Verdade, com ênfase nas violações aos direitos humanos perpetrados na ditadura e nos seus efeitos nos dias de hoje.
- Formações direcionadas. São formações específicas para professores orientadores das Salas de Leitura e orientadores das Salas de Informática para que aprofundem seu conhecimento na temática e consigam a adesão de professores de outras disciplinas para realizarem projetos multidisciplinares em memória e verdade.
OFICINA EM DMV | ||
DRE | Educadores | Unidades Escolares |
Penha | 162 | 47 |
Freguesia/ Brasilândia | 55 | 37 |
Pirituba | 171 | 61 |
Campo Limpo | 53 | 30 |
Itaquera | 230 | 84 |
São Miguel | 42 | 37 |
Santo Amaro | 51 | 18 |
São Mateus | 329 | 55 |
Jaçanã Tremembé | 129 | 49 |
10 Esta metodologia foi utilizada para a implementação do projeto de mediação de leitura literárias nas Bibliotecas Publicas da Secretaria Municipal de Cultura.
Ipiranga | 56 | 17 |
Butantã | 120 | 29 |
TOTAL: 11 oficinas | 1398 | 464 |
SEMINÁRIO EM DMV | |
DRE | Educadores |
Seminário Regional de Educação em Direitos Humanos e Cidadania. | 150 |
Seminário. [DRE Penha] | 230 |
Seminário Violência de Estado ontem e hoje – Indígenas, Negros e Homossexuais. [DRE Itaquera] | 300 |
Seminário Ditadura e Minorias. [DRE São Mateus] | 259 |
Seminário Violência de Estado e população negra. [DRE Pirituba] | 36 |
TOTAL: 5 seminários, totalizando 11 encontros | 975 |
- Busca ativa. Atuação realizada junto a uma unidade educacional específica para realizar a formação dos educadores desta escola. Participaram desta modalidade os educadores que são contratados com carga horária semanal acima de 30 horas na Jornada Especial Integral de Formação (JEIF) e que dispõem de cinco horas e vinte minutos de estudo por semana, com direito a pontuação para a progressão profissional dos professores e; também por meio das reuniões pedagógica, que são encontros agendados pelas coordenações pedagógicas de cada unidade com vistas à formação ou para discussão de temas específicos da vida escolar.
FORMAÇÃO EM REUNIÃO PEDAGÓGICA/ JEIF | |
EMF | Educadores |
EMEF Xxxxx Xxxxxxxxx | 54 |
XXXX Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx | 44 |
EMEF Xxxxxxx Xxxxxx | 26 |
CEU Perus | 19 |
EMEF Barão Mauá | 35 |
EMEF Faveiro do Mato | 28 |
EMEF Xxxxxx Xxxxx | 33 |
TOTAL | 239 |
- Profissionais de equipamentos culturais. A formação foi direcionada para jovens monitores que atuam nos equipamentos culturais da cidade, além de aprofundar os conhecimentos na temática e promover a reflexão sobre a violência de Estado, também sensibilizou os jovens monitores para o uso do Kit DMV nas bibliotecas, tendo em vista que cada uma recebeu a seleção de materiais.
MONITORES DE EQUIPAMENTOS CULTURAIS E JOVENS MONITORES | |
Jovens Monitores de Bibliotecas | 38 |
Jovens Monitores da SMC | 62 |
TOTAL | 100 |
3.2 Criação e distribuição do Kit DMV
Kit DMV. Arquivo CDMV.
Como a maioria dos materiais didáticos disponíveis ainda trata o período da ditadura e as suas duras consequências de modo superficial, torna-se indispensável oferecer aos professores acesso às ferramentas didáticas alternativas para fomentar a reflexão e o debate do tema entre os alunos. Para atuar nesta seara, a CDMV organizou em 2014 uma seleção de materiais e criou o Kit DMV, composto por livros de história,
literatura e de audiovisuais que abordam o regime de exceção e distribuiu aos professores que participaram dos processos de formação.
Os materiais do kit são atrelados às temáticas apresentadas na formação e funcionam como importantes ferramentas para subsidiar o trabalho dos educadores. Importa salientar a importância da presença da literatura e do cinema nos Kits, tendo em vista que a educação em direitos humanos é realizada pelo pensar, mas também pelo sentir, podendo levar a tomada de consciência e ao agir, completando, assim, o um processo de libertação.
Foi realizada a aquisição e distribuição de 1000 unidades de Kits DMV com uma seleção de publicações de referência em Direito à Memória e à Verdade.
Relação de materiais de referência que compõe o Kit DMV
AUDIOVISUAIS | LIVROS |
O dia que durou 21 anos, Xxxxxx Xxxxxxx, 2013, 77’ | Vala Clandestina de Perus (Instituto Macuco) |
1964 - um golpe contra o Brasil, Xxxxxx Xxxxxx, 2012, 135’ | Constituição de 1988 - 25 anos de democracia (Instituto Herzog) |
Verdade 12.528, Xxxxx Xxxxxxxxx e Peu Robles, 2013, 55’ | K, relato de uma busca (Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Cosac Naify) |
Coletânea Entretodos DMV | Relatório da Comissão Municipal da Verdade |
Série “Resistir é Preciso” |
3.3 Edital de Projetos de Direito à Memória e à Verdade nas Escolas
Com a realização do processo de formação complementar aos professores da rede municipal de ensino e a distribuição dos Kit´s DMV, uma nova ação da frente de educação da Coordenação está sendo estruturada em 2016 para fazer com que as ações já realizadas deixem mais lastros nas escolas e aprofundem ainda mais os seus resultados.
Em breve, a CDMV lançará, em parceria com a Coordenação de Educação em Diretos Humanos, um edital com o objetivo de reconhecer e dar visibilidade às
iniciativas e projetos pedagógicos que estão sendo realizados por educadores e estudantes da rede municipal de ensino para promover a memória e a verdade e também com a motivação de inspirar e incentivar a realização de novas propostas.
Nesse sentido, o Edital de Projetos de Direito à Memória e à Verdade nas Escolas selecionará e contemplará iniciativas em duas modalidades diferentes: a) Experiências – ações realizadas entre 2014 a 2016 e; b) Propostas – ações a serem desenvolvidas a partir de 2016.
As duas modalidades supracitadas serão subdivididas em três categorias: a) Instituição – escolas, Diretorias Regionais de Educação, CEU´s, etc; b) Educador – professor e prestadores de serviço – segurança, faxina, etc e; c) Estudante – individual ou grupo de estudantes/Grêmio.
A premiação acontecerá durante o Seminário de Educação em Direito à Memória e à Verdade (previsto para ocorrer em agosto de 2016). Todos os finalistas receberão certificado e podem ser convidados a apresentar suas experiências e propostas no seminário e os três primeiros colocados de cada categoria/modalidade serão premiados com:
- conjunto de publicações e produções audiovisuais selecionadas exclusivamente para o edital.
- HQs, pesquisas, e documentários que permitem o trabalho com diferentes faixas etárias.
- visitas monitoradas à locais de memória, com ônibus e profissionais qualificados da SMDHC que guiarão a visita.
3.4 Seminário de Educação em Direito à Memória e à Verdade: conhecer para não repetir
Está programado para acontecer no segundo semestre de 2016 o primeiro Seminário de Educação em Direito à Memória e à Verdade: conhecer para não repetir com o objetivo de estabelecer um espaço para a reflexão e para a troca de experiências sobre práticas educativas voltadas para a promoção do direito à memória e à verdade.
Assim, o trabalho de uma questão que foi tão encoberta na estrutura de ensino do país terá mais potencia se for realizado por meio da uma verdadeira rede sobre
educação em direito e memória formada por pesquisadores, educadores, estudantes e demais atores envolvidos no processo educativo.
Do mesmo modo que o edital analisado no tópico anterior deste relatório, o seminário busca aprofundar e ampliar em 2016 os efeitos surtidos pelas formações realizadas pela CDMV nos anos de 2014 e 2015.
3.5 Outras Ações da Frente de Educação
OUTRAS AÇÕES DE EDUCAÇÃO EM DMV | ||
ATIVIDADE | Educadores/servidores | Estudantes |
Exibição de Cidadão Boilesen | 5 | 20 |
Curtas Perus - sessão cine DH | 4 | 25 |
Formação CEU Lajeado – Suplicy | 200 | |
Verdade 12.529 | 5 | 180 |
Verdade 12.529 | 5 | 50 |
Formação de Servidores PMSP | 50 | |
500 dos CEUs | 257 | 0 |
Jovens Articuladores Territoriais | 39 (Outros participantes) | |
Oficinas - Mês da Memória e Verdade: 25 anos da descoberta da Vala Clandestina de Perus | 100 | 295 |
TOTAL | 616 | 570 |
4) CULTURA POR DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE
Autoretrado. Xxxxxxx Xxxxxxxxx.
As manifestações culturais perpassam as ações da CDMV, assim, a cultura é, antes de tudo, um eixo transversal. Isso porque a coletivização da memória envolve a disputa de sentidos e as políticas públicas que buscam trabalhar com o direito à memória e à verdade pretendem participar desta disputa com os valores advindos dos direitos humanos e da democracia. Na verdade, as políticas de memória são essencialmente políticas culturais e quando atuam no âmbito dos fatos ocorridos na ditadura militar, pode-se dizer que são políticas culturais voltadas ao desenvolvimento dos elementos essenciais da justiça de transição.
Mas, além disso, a CDMV parte do pressuposto de que a sensibilização das pessoas para o tema da memória e da verdade é especialmente atingida pela dimensão cultural e pelas manifestações artísticas. Por meio do acesso aos sentidos, a cultura pode estabelecer outros canais de compreensão e reflexão. E como os direitos humanos também foram agredidos no plano simbólico na ditadura, com a negação da diversidade de pensamento, com a coibição das liberdades e, sobretudo, com a construção autoritária de uma memória social pautada no esquecimento e na ocultação das graves violações aos direitos humanos cometidas no período, é importante também atuar
especificamente na área da cultura. Assim, mesmo com a existência da premissa de que a cultura perpassa transversalmente as políticas da Coordenação de um modo geral, existe uma frente de trabalho específica para tratar da Cultura pelo Direito à Memória e à Verdade.
A atuação desta frente específica engloba todas as ações e eventos culturais promovidos nas datas importantes do calendário político de direito à memória e à verdade, como as que marcaram os 50 anos do Golpe de Estado em 2014 (3.1); nas ações culturais por memória e verdade realizadas anualmente no Festival de Direitos Humanos (3.2) e; na promoção da visibilidade às manifestações culturais produzidas no período da ditadura, que concentrou intensa efervescência cultural ao lado da brutal repressão estatal, como é o caso do Projeto Xxxxxxx Xxxxxxxxx (3.3).
4.1 Ações do calendário político de direito à memória e à verdade
Arquivo CDMV
Em muitas datas simbolicamente importantes para o calendário de luta pela democracia e pela memória dos efeitos do regime autoritário, a CDMV realiza ações culturais para pautar a importância de lembrar-se daqueles que resistiram e também para que as graves violações perpetradas não sejam esquecidas.
Foram lembrados com atos os aniversários das mortes de Xxxxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxx Xxxxx, entre outros. Também foi organizado um ato para rememorar o aniversario da abertura da Vala Clandestina do Cemitério Dom Bosco, no Bairro de Perus.
Além disso, cumpre notar que em todos os anos são realizadas ações para relembrar a data do Golpe de Estado, no dia 31 de março/1º de abril. Contudo em 2014, o calendário de ações foi bem mais amplo, abrangendo uma gama de atividades culturais com sensibilização e reflexões em torno da temática. Assim, no marco do Cinquentenário do Golpe de Estado, a Coordenação organizou e apoiou atos e atividades culturais, sob o lema Conhecer para não repetir. Dentre elas, destacam-se:
a) Criação da logomarca dos 50 Anos do Golpe de 64. A arte foi desenvolvida por Xxxxxx Xxxxxxxx e utilizada em uma campanha de sensibilização com cartazes, chamadas nos ônibus e metrôs.
b) Lançamento e distribuição do Bilhete Único do Cinquentenário do Golpe;
c) Apresentação do espetáculo teatral Liberdade é Pouco em frente à Catedral da Sé.
d) Realização do Diálogo Entre Gerações: Violência de Estado Ontem e Hoje.
e) Realização de shows musicais no CCSP: homenagem a Xxxxxx Xxxxxxx, Xxx Xx e músicas de protesto com artistas da Nova Geração.
f) Programação Especial sobre direito á memória e à verdade no Cine Direitos Humanos da SDHC.
g) Pré-estréia do filme Militares da Democracia (Xxxxxx Xxxxxxx).
4.2 Ações culturais por DMV no Festival de Direitos Humanos: Cidadania nas Ruas
Desde 2013, o Festival de Direitos Humanos: Cidadania nas Ruas é realizado anualmente pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) da Prefeitura de São Paulo, por meio da Coordenação de Promoção do Direito à Cidade, com participação das outras Coordenações da SMDHC, incluindo a CDMV.
O festival ocorre sempre na semana do dia 10 de dezembro, data em que se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos e o objetivo do evento é promover por meio da ocupação das ruas e demais espaços públicos da cidade com debates,
seminários, intervenções urbanas e atividades artísticas e culturais, a reflexão sobre os direitos humanos, ressaltando a importância da construção do sentimento de pertencimento à cidade e de uma convivência de cidadania nos espaços públicos.
A ideia do festival é propor novas maneiras de ocupar o espaço público, destacando a convivência democrática das diferenças e a construção de novas relações sociais desenvolvidas no sentimento de coletividade, de não violência de e defesa dos direitos humanos.
É necessário destacar neste relatório que a CDMV participou das três edições do festival (2013, 2014 e 2015) com ações culturais voltadas para o direito à memória e à verdade. Foram diversas as formas de participação e de contribuição da Coordenação na construção do Festival de Direitos Humanos: Cidadania nas Ruas. Dentre elas, vale destacar as principais.
Na primeira edição do festival, a CDMV participou da programação com o lançamento do espetáculo teatral Liberdade é Pouco, realizado em parceria com a Cooperativa Paulista de Teatro. As apresentações ocorreram ao ar livre, em via pública, saindo em cortejo dos balcões do Teatro Municipal até o Vale do Anhangabaú. O espetáculo foi desenvolvido a partir do texto Liberdade, Liberdade, de Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx, censurado pela ditadura militar. A concepção foi de Xxxxx Xxxxxxxxx e o roteiro foi criado por Xxxxxxxx Xxxxxxxx.
Na segunda edição do evento o mote de participação da CDMV foi o cinquentenário do Golpe de Estado de 1964. No dia 8 de dezembro de 2014, a cerimônia de inauguração do Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos Políticos, na área externa do Parque do Ibirapuera, marcou o primeiro dia de atividades do festival. O marco memorialístico em homenagem aos mortos e desaparecidos, projeto pelo artista e arquiteto Xxxxxxx Xxxxxx será tratado com mais detalhes no tópico
5.1 (Lugares de Memória).
Ainda na segunda edição foi realizado o Diálogo entre Gerações: Violência de Estado Ontem e Hoje no espaço cultural Quilombaque no bairro de Perus e contou com a participação de Xxxxxx Xxxxxx, Débora (Mães de Maio), Xxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxx Xxxx (Comissão Nacional da Verdade). Diante dos cinquenta anos do golpe de Estado, o encontro entre gerações debateu as relações existentes entre o passado autoritário e a herança da violência vivenciada nos dias atuais.
Resta apontar que a participação da CDMV na terceira edição do festival foi por meio da estreia da série de curtas Aconteceu Bem Aqui e com a pré-estreia do documentário sobre Xxxxxxx Xxxxxxxxx chamado Entre-imagens (Intervalo). Os dois trabalhos audiovisuais serão tratados mais a frente, os curtas do Aconteceu Bem Aqui no tópico 5.1 (Lugares de Memória) e o Projeto Benetazzo, que inclui o documentário Entre-imagens (Intervalo), logo em seguida, no item 3.3.
4.3 Projeto Xxxxxxx Xxxxxxxxx
Como já notado, uma das intenções da frente de cultura por direito à memória e à verdade da CDMV é a promoção da visibilidade às manifestações culturais produzidas no período da ditadura e neste ponto destaca-se o Projeto Antonio Benetazzo. Refere-se à realização de amplo projeto sobre a vida e a obra do militante e artista Antonio Benetazzo, morto aos 30 anos pela ditadura militar, antes que sua obra chegasse a ter conhecimento público. A iniciativa desvendou a obra artística de Benetazzo, ocultada pelo autoritarismo e que ainda era praticamente desconhecida.
Na segunda metade da década de 1960, Benetazzo vivenciou a fase mais intensa da sua trajetória artística, com a criação de mais de 150 obras de técnicas variadas. Dessa época datam autorretratos, retratos de familiares e de amigos, representações do corpo e da sexualidade feminina, abstrações realizadas com cores vibrantes, colagens pop a partir de material publicitário e nanquins, em diálogo com a estética visual dos ideogramas.
O artista foi engajado politicamente e militou na luta contra o regime de exceção, envolvendo-se com a Dissidência Universitária de São Paulo (DISP) e depois, a partir de 1968/69, com a Aliança Libertadora Nacional (ALN). Ingressando na clandestinidade em 1969, quando militava na ALN, Benetazzo mudou-se para Cuba onde adquiriu treinamento de guerrilha. Ainda em Cuba, ajudou a fundar um novo grupo de esquerda, o Movimento de Libertação Popular (MOLIPO), que a partir de 1971 passou a realizar várias ações revolucionárias em luta contra o regime militar. Como ocorreu com muitos militantes contrários ao regime, Benetazzo foi capturado por agentes da repressão no dia 28 de outubro de 1972 e dois dias depois foi brutalmente assassinado a pedradas, no Sítio 31 de Março, em Parelheiros.
O projeto incluiu quatro produtos: a) pesquisa e inventário da produção artística de Benetazzo; b) publicação artística contendo seleção de obras e textos especializados;
c) curta-metragem e; d) exposição no Centro Cultural São Paulo. O documentário foi lançado no terceiro Festival de Direitos Humanos, a publicação está em vias de ser lançada e a abertura da exposição ocorreu no dia 31 de março de 2016.
A exposição Antonio Benetazzo, permanências do sensível ficará no Centro Cultural São Paulo (CCSP) durante dois meses e é a mais completa mostra da desconhecida obra deste artista plástico, com pesquisa e curadoria realizada por Reinaldo Cardenuto. Dividida em seis partes que revelam os eixos temáticos e as variedades estilísticas do autor, a mostra reúne aproximadamente noventa obras de Benetazzo encontradas em casas de seus amigos e parentes. A exposição é realizada pela CDMV em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura, Centro Cultural São Paulo e com apoio do Instituto Vladimir Herzog.
O projeto também resultou no documentário Entre Imagens–(Intervalos), filme- ensaio em torno da vida e da obra de Benetazzo, com direção de André Fratti Costa e Reinaldo Cardenuto. O documentário resgata a trajetória e a memória do artista e militante precocemente assassinado por agentes do regime militar e foi exibido na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Em relação à publicação que ainda será lançada, trata- se de um livro que contém artigos da curadoria, de especialistas e reproduções das obras selecionadas para a exposição.
5 OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO POR DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE
Inauguração do Monumento. Douglas Mansur.
A memória coletiva é tecida por meio da transmissão e da coletivização das narrativas individuais sobre um determinado período histórico e também pelos marcos simbólicos que potencializam a reprodução no tempo de tais narrativas. A ditadura além de deixar profundos lastros hoje expressados na violência perpetrada por instituições, ainda marca a relação da sociedade com o espaço público.
Em São Paulo, município que concentra quase um quarto de todos os mortos e desaparecidos do Brasil, o legado autoritário deixado pela ditadura se manifesta de forma ainda mais intensa. Tal herança se expressa, por exemplo, na maneira como os paulistanos se relacionam com os espaços públicos, em sua dimensão física e simbólica. (SUPLYCI; BORGES; JAHNEL, 2015)
A cidade de São Paulo foi profundamente afetada pela repressão da ditadura que sufocou por meio da intervenção urbana e da violência toda possibilidade de manifestação pública contrária ao regime, provocando um esvaziando forçado das ruas como espaço de encontro, reivindicação e cidadania. Ao longo dos 21 anos do período autoritário, muitos espaços da cidade ganharam forte dimensão simbólica por terem servido de cenário para as atrocidades cometidas por agentes do Estado aos direitos
humanos mais elementares como vida, integridade física e liberdades individuais, além disso, outros locais ficaram marcados por terem servido de ambiente para a organização da resistência ao regime.
Uma das formas de intervenção simbólica persistente na cidade são as homenagens prestadas aos referenciais da ditadura e dos crimes cometidos no período com nomes de ruas, avenidas, praças, elevados, escolas, ginásios. Note-se que tais homenagens promovem uma permanência e reproduzem as violências cometidas no passado no cotidiano urbano. Isso porque, a população paulistana – incluindo muitos ex-presos políticos que foram torturados e familiares de pessoas mortas e desaparecidas
– são obrigados a conviver com os nomes, datas e fatos ligados ao regime militar em públicas homenagens nos logradouros e equipamentos públicos. É profundamente incoerente que uma sociedade democrática, orientada pelos valores da cidadania, como é definida a sociedade brasileira pela Constituição Federal de 1988, celebre no seu espaço público nomes ligados à violência e ao ataque sistemático aos direitos humanos.
A problemática apresentada é enfrentada pela CDMV em uma frente específica de atuação, por meio de políticas públicas voltadas para a ocupação do espaço público por direito à memória e à verdade. Na verdade, de um modo mais amplo, a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São tem nas suas diretrizes centrais a ocupação do espaço público pela cidadania, por meio de ações realizadas pela Coordenação de Direito à Cidade (CDC), buscando participar da disputa de valores no espaço público, no sentido de promover a democracia e os direitos humanos.
No intuito de contribuir com a ressignificação dos locais que guardam referências simbólicas com os anos de chumbo, a CDMV atua com dois programas que serão analisados detalhadamente a seguir: Lugares de Memória (5.1) e Ruas de Memória (5.2).
5.1 Lugares de Memória
O Programa Lugares de Memória tem a missão de promover a visibilidade e a ressignificação de lugares da cidade que serviram de cenário para os acontecimentos históricos do período da ditadura vivenciada no país de 1964 a 1985, promovendo marcos de memorialização em locais que simbolizem a luta pela democracia e também
nos que foram utilizados para que agentes do regime cometessem as atrocidades aos direitos humanos.
Deste modo, o programa busca contribuir com a concretização do direito à cidade, por meio da democratização do espaço público, permeado pela liberdade da convivência social, cultural e política. Como sem desvendamento da verdade não há possibilidade de convívio social democrático, é preciso dar visibilidade aos cenários e suas verdades – muitas vezes ocultadas – e debater os sentidos que estão ou serão impressos simbolicamente nos “lugares de São Paulo” relacionados ao passado autoritário.
Para promover tal disputa de valores no espaço público, o Programa Lugares de Memória tem realizado as seguintes ações: a) construção de sítios de memória, b) produção de uma série de minidocumentários sobre lugares de memória estratégicos, c) elaboração de um guia sobre os lugares de memória, d) criação de um banco de referências aos direitos humanos.
5.1.1) Sítios de memória
A identificação e a constituição de sítios de memória em homenagem às pessoas que sofreram perseguição política e outras violações aos direitos humanos durante a ditadura é um dos objetivos da CDMV. A frente trabalha com ações de memorialização realizadas por meio da instalação de marcos simbólicos em lugares estratégicos da cidade para promover o direito à memória e à verdade em relação aos fatos ocorridos durante o período da ditadura.
Em parceria com o programa Memória & Vida promovido pelo Serviço Funerário da Prefeitura de São Paulo, a CDMV instalou marcos simbólicos de memória nos cemitérios em que pairam fortes indícios de se encontrarem inumados clandestinamente os restos mortais de vítimas da ditadura. Deste modo, foram contemplados com ações de memorialização o Cemitério Dom Bosco, o Cemitério de Vila Formosa e o Cemitério do Araçá como forma de: homenagem às vítimas, promover uma reparação mínima devida pelo Estado aos familiares dos desaparecidos, prestar contas à sociedade e resgatar a memória do período.
Além dos marcos nos cemitérios, foi inaugurado em 2014 o Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos da Ditadura Militar, no Parque do Ibirapuera.
Outras ações estão no radar e na programação da CDMV, como a recolocação da placa, sumida em 2010, do monumento em homenagem a Carlos Marighella, construído em 1999, por ocasião dos 30 anos de sua morte, que dava visibilidade ao local do assassinato do líder da Aliança Libertadora Nacional (ALN) cometido pelo regime.
A seguir, mais detalhes sobre cada um dos sítios de memória construídos entre 2014 e 2016 pela Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (CDMV), que compõem uma das ações do Programa Lugares de Memória.
5.1.1.1 Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos da Ditadura Militar
O monumento fica localizado no Portão 10 do Parque do Ibirapuera e foi inaugurado durante na abertura do 2º Festival de Direitos Humanos, em 8 de dezembro de 2014, com o objetivo de enaltecer a memória dos que perderam a vida na luta pela democracia. O marco de memória coloca luz e dá visibilidade aos nomes daqueles que lutaram e também às suas bandeiras de defesa da democracia.
O impacto gerado pela visibilidade do monumento é grande, pois o Parque do Ibirapuera e as suas vias de acesso fazem parte do trajeto diário de milhares de paulistanos, sendo também um local turístico, pois é reconhecido como passagem obrigatória de pessoas vindas de todas as partes do mundo todo para visitar a cidade11. Assim, o marco de memória localizado em uma das entradas do parque tem o potencial de provocar reflexão em um espaço de grande visibilidade, trazendo à tona a importância da luta pela democracia, a gravidade dos crimes cometidos pelo Estado autoritário e, ainda, propondo um diálogo sobre as consequências do passado nas violências que permanecem no presente.
A criação do monumento atendeu a uma antiga reivindicação dos familiares de mortos e desaparecidos, ex-presos políticos e dos movimentos sociais ligados à pauta. Então, para concretizar a ideia, a CDMV realizou uma articulação com a sociedade civil para definir as características e a localização do monumento.
11 A escolha da área externa ao Parque, próximo ao Portão 10 é resultado de uma intensa fase de consultas tanto aos familiares de mortos e desaparecidos políticos e militantes do tema como de articulações entre os órgãos responsáveis pela aprovação de intervenções artísticas e/ou arquitetônicas em espaços públicos. Os diversos órgãos envolvidos entenderam que o referido local permite maior visualização tanto por parte dos visitantes do parque como de quem transita pela rua. Além disso, apontaram que a região interna ao parque já se encontra saturada, constando de mais de trinta monumentos e que colocá-lo na região de entrada seria uma forma de diferenciá-lo dos demais.
A importância histórica do monumento se dá pelo fato de ser o primeiro monumento do Brasil que presta uma homenagem nominal a todos os que morreram ou desapareceram durante a ditadura militar, lutando pela democracia, bem como àqueles cujos nomes são desconhecidos, mas que foram igualmente vitimados, como os povos indígenas, os camponeses e os jovens de periferia.
Para a concepção da obra foi escolhido o artista, arquiteto e designer Ricardo Ohtake. A escolha envolveu além da sua comprovada experiência profissional e da qualidade técnica e artística do seu trabalho, à sua reconhecida atuação na temática, pois ele foi autor, por exemplo, do memorial inaugurado em 1993 no Cemitério de Perus para marcar a descoberta e a abertura da vala clandestina.
Foram realizadas muitas articulações e procedimentos burocráticos para viabilizar a obra. Como o Parque do Ibirapuera é tombado nas três esferas federativas, foi necessário providenciar a aprovação para a construção do monumento em três órgãos distintos: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) e Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP).
5.1.1.2 Cemitério do Araçá
As ossadas exumadas da Vala clandestina do Cemitério de Perus foram abrigadas no ossário geral do Cemitério do Araçá enquanto aguardavam as providências necessárias para a retomada das análises com vistas à identificação, entre 2001 e 201412. Por esse motivo, os representantes da sociedade civil que compõem o Grupo de Trabalho de Direito à Memória e à Verdade solicitaram a sinalização do local que abrigava as ossadas para relatar o caso aos visitantes do cemitério.
Deste modo, em 3 de novembro de 2013 foi instalado um totem em frente ao ossário geral, inaugurado junto à Exposição Penetrável Genet13, realizada em 2013 com apoio da CDMV.
12 Assunto abordado no Tópico 2 deste Relatório.
13 A exposição Penetrável Genet fez parte da 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo. A exposição realizada no Cemitério do Araçá sofreu atos de vandalismo antes de sua abertura. A depredação aconteceu menos de 24 horas depois do Ato Inter-religioso em memória dos mortos e desaparecidos políticos realizado no local. A exposição era fundada na obra de Jean Genet e
Importa salientar que antes da instalação do totem não havia nenhuma indicação no Cemitério do Araçá que aludisse à Vala Clandestina de Perus nem aos despojos abrigados no cemitério aguardando o processo de identificação.
5.1.1.3 Cemitério Dom Bosco (Perus)
O Cemitério Dom Bosco, localizado no bairro de Perus, é um dos locais mais emblemáticos para a coletivização da memória em relação aos bárbaros crimes cometidos por agentes do Estado autoritário no período de ditadura no Brasil, pois lá em uma vala clandestina foram ocultadas provas cabais das torturas, mortes e desaparecimentos forçados.
Em 1993 foi realizada uma intervenção memorialística pelo arquiteto Ricardo Ohtake em um murro do cemitério próximo a vala. A intervenção de memória contém os seguintes dizeres: “Aqui os ditadores tentaram esconder os desaparecidos políticos, as vítimas da fome, da violência do Estado policial, dos esquadrões da morte e, sobretudo os direitos dos cidadãos pobres da cidade de São Paulo. Fica registrado que os crimes contra a liberdade serão sempre descobertos”.
Em 2015, portanto no decorrer do processo de retomada da investigação das ossadas, a CDMV instalou dois marcos memorialísticos no Cemitério Dom Bosco: a) o Jardim Memorial Cálice e, b) a Grafitagem no muro externo do cemitério.
Tendo em vista que a área envoltória do local onde foi encontrada a Vala Clandestina de Perus é tombada pelo IPHAN e não pode receber nenhum tipo de marco que interfira no subsolo, decidiu-se de comum acordo com o Serviço Funerário, construir um jardim de memória para criar um espaço de reflexão sobre os impactos da ditadura militar. O marco de memória foi pensado em conjunto à ex-presos políticos e familiares de desaparecidos políticos.
A ideia inicial do projeto paisagístico era a construção de um jardim na necrópole, simulando o caminho de pedra da ditadura militar na história do Brasil, mas
de Hélio Oiticica e começava logo na entrada principal do cemitério, estendendo-se até o Ossário Geral. No trajeto, os visitantes, acompanhados por monitores, recebiam fones de ouvido com uma música composta por Celso Sim e Pepê Mata Machado que marca o clima da intervenção. Ao chegar ao Ossário Geral, passavam por um labirinto de monólitos de mármore, em que são projetados textos e imagens que retratam a questão do “impenetrável” da morte e a questão da Vala de Perus. Além da CDMV, apoiaram a mostra a Assembleia Legislativa de São Paulo e a Secretaria Estadual de Cultura.
que no fim encontram-se árvores floridas, que representam o início da democracia, em 1985. Contudo, foram necessárias algumas alterações no projeto motivadas pela preocupação demonstrada pelos arqueólogos envolvidos nos trabalhos de identificação das ossadas, no sentido de que a área delimitada para o jardim poderia ser alvo de uma futura prospecção, pois poderiam ser encontrados novos conjuntos ósseos não localizados na exumação de 1990. Assim, os pedriscos do caminho não permaneceram como apontado na ideia original e foram evitadas novas intervenções no terreno, com o compromisso assumido de não haver nenhuma alteração no subsolo.
Acrescente-se que a construção do jardim veio a calhar com as demandas feitas pela comunidade de Perus pela consolidação de uma área de lazer na área do cemitério, espaço público que já vinha sendo utilizado para tais finalidades aos finais de semana e feriados.
Além disso, após consulta pública, a CDMV promoveu uma intervenção artística nos 850m² de muro externo que marca os limites do cemitério realizada por coletivos de juventude da região. O grafite conformou uma linha do tempo que teve como tema a violência de Estado ontem e hoje, incluindo a história da Vala Clandestina, à repressão ao movimento dos Queixadas e o genocídio da juventude preta e periférica. Perus é um bairro reconhecido pela resistência e pela mobilização política em torno dos temas de defesa dos direitos humanos, tanto em relação aos direitos trabalhistas (Luta dos Queixadas e do Movimento de Reapropriação da Fábrica de Cimento de Perus), como em relação à questão racial (remanescente de quilombo e extermínio da juventude negra da periferia) e territorial (impacto da geografia simbólica na conformação social do indivíduo e a igualdade de oportunidades). A manifestação artística do grafite é profundamente associada às ideias de resistência e à periferia socioeconômica/espacial.
Grafite no Cemitério Dom Bosco. Arquivo CDMV.
5.1.1.4 Cemitério Vila Formosa
No ano de 2013, o Ministério Público Federal (MPF) protocolou na Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo o documento intitulado Notas sobre a identificação de mortos e desaparecidos políticos em São Paulo, assinado pelos Procuradores Regionais da República Dra. Eugênia Augusta Gonzaga e Dr. Marlon Alberto Weichert. O documento solicitava entre outras demandas, "a execução de um jardim nas sepulturas abertas à procura de Virgílio Gomes da Silva e Sérgio Correa, com a confecção de placas de metal para serem colocadas no local registrando o ocorrido". Virgílio Gomes da Silva e Sérgio Correa foram torturados e mortos na época da ditadura militar.
Assim, no dia 9 de março de 2016 foi inaugurado no local onde foram feitas as buscas por Virgílio Gomes e Sérgio Correa, no cemitério de Vila Formosa, o Jardim Memorial Pra não dizer que não falei das flores. O jardim e as placas foram construídos pelo Serviço Funerário da Secretaria Municipal de Serviços, com apoio da Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (CDMV). Até então, não havia no cemitério de Vila Formosa nenhuma marca simbólica com alusão aos mortos e desaparecidos políticos que foram ali enterrados e que até hoje não foram localizados.
5.1.2 Aconteceu Bem Aqui
O Aconteceu Bem Aqui é uma série de documentários sobre lugares estratégicos de memória para a resistência e para a repressão durante a ditadura militar na cidade de São Paulo. A iniciativa resultou em uma série de pílulas de mini-documentários que retratam, a partir da linguagem audiovisual, 5 lugares de memória emblemáticos da cidade, dando visibilidade a verdade histórica sobre os fatos ocorridos nestes locais durante a ditadura que fazem parte da paisagem cotidiana de São Paulo, mas que estão invisibilizados para a população de um modo geral por não possuírem nenhuma sinalização indicativas. A CDMV lançou 5 pílulas documentais audiovisuais sobre os seguintes Lugares de Memória:
- Antigo DOI-CODI.
- Logradouros que homenageiam torturadores da ditadura civil-militar.
- Catedral da Sé/ Praça da Sé.
- Cemitério Dom Bosco – Vala Clandestina de Perus.
- Rua Maria Antônia.
Desta forma, os vídeos são de interesse cultural, educativo e turístico e poderão ajudar a despertar a necessidade de se criar e manter marcos físicos de memória na cidade, de preferência abertos a visitação pública, destinados ao desvelamento e à preservação da história. A CDMV parte do pressuposto de que transformar locais da repressão, como o antigo DOI-CODI, em centros de memória é uma forma de ressignificá-los e abrir tais espaços para visitação é fundamental para que as pessoas que não viveram o período da ditadura conheçam a história, fazendo com que o acesso à verdade dos fatos e a preservação de nossa memória histórica ajudem a impedir que novas violações aos direitos continuem acontecendo.
O responsável pela empreitada foi o cineasta Camilo Tavares. Além dos notáveis méritos artísticos, o cineasta tem forte relação com o tema da ditadura e ampla experiência em pesquisa histórica, o que lhe conferiu habilidade única para desenvolver as pílulas do Aconteceu Bem Aqui. Dentre os filmes realizados por Camilo Tavares, destaca-se o premiado documentário O Dia Que Durou 21 Anos.
5.1.3 Guia sobre os Lugares de Memória de São Paulo
Em 2016 será concretizada a parceira estabelecida em 2015 entre a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo (SDHC), por meio das CDMV, e o Memorial da Resistência de São Paulo, vinculado à Pinacoteca do Estado e à Secretaria de Cultura do Estado, para elaboração da publicação Memórias Resistentes, Memórias Residentes: Lugares da Resistência à Ditadura na Cidade de São Paulo. A publicação será um guia com os lugares de memória da repressão e da resistência durante a ditadura para auxiliar na elucidação e publicização das violações aos direitos humanos ocorridos nestes locais.
5.1.4 Corrida por Manuel
Manoel Fiel Filho era operário metalúrgico e foi assassinado há 40 anos, após sessões de tortura, por agentes da repressão no DOI-CODI de São Paulo. A versão
oficial alegava que Manoel havia cometido suicídio, apesar das evidências de que havia sido brutalmente assassinado.
A Corrida por Manuel foi idealizada e realizada pelo jornalista, escritor e maratonista Rodolfo Lucena, com o objetivo de difundir os locais que marcaram a trajetória desse militante assassinado pela ditadura militar, bem como de outros locais simbólicos para a luta de resistência contra o regime. O evento contou com o apoio da CDMV, além de outras entidades.
O projeto é composto por 40 dias de corridas por percursos significativos para a vida e a morte do operário, passando por marcos simbólicos da repressão e da resistência, entre os quais o DOI-CODI, o Sindicato dos Metalúrgicos e o Memorial da Resistência, antigo prédio do DEOPS. A corrida partiu, no dia 12 de março de 2016, do Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos Políticos, localizado em frente ao Portão 10 do Parque Ibirapuera, pois o nome de Manoel Fiel Filho é um dos 436 que estão estampados no monumento.
5.1.5 Cine-cicletada
O evento ocorre desde 2012 e é realizado pelo Ciclo Coletivo, com o objetivo de valorizar a bicicleta como alternativa à mobilidade urbana, invertendo a prioridade histórica do automóvel na cidade de São Paulo, fomentando uma nova forma de se utilizar os espaços públicos da cidade, resgatando as ruas como locais de convivência cultural, possibilitando o livre acesso e o direito de uso da cidade por todos os habitantes.
Em 2016, o evento teve como tema Memória e Verdade e foi realizado pelo Ciclo Coletivo e pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos, por meio da das Coordenações de Direito à Cidade e Direito à Memória e à Verdade (CDMV), em parceria com a Cinemateca Brasileira e com produção da Okra Filmes.
Assim, no dia 9 de abril, a edição especial de 2016 do Cini-cicletada saiu da Praça do Ciclista e de lá, em comboio, os ciclistas percorreram lugares de memória da cidade de São Paulo, como o Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos Políticos, chegando até a Cinemateca Brasileira, onde um telão ao ar livre aguardava os ciclistas para uma sessão especial de cinema, com a exibição de curtas-metragens
nacionais e internacionais que abordam questões sensíveis à sociedade brasileira como as violações aos direitos humanos praticadas durante as ditaduras militares no Brasil e em outros países da América Latina.
5.2 RUAS DE MEMÓRIA
Logomarca do Ruas de Memória. Arquivo CDMV.
O Programa Ruas de Memória, lançado em 15 de agosto de 2015, busca atuar no combate aos legados simbólicos do regime autoritário por meio da alteração progressiva das denominações de logradouros públicos que prestam homenagem aos violadores dos direitos humanos do período. Assim, os nomes de ruas, avenidas praças e demais espaços públicos que fazem referência a pessoas, fatos ou datas associados à repressão devem ser substituídos por outros e, além disso, novas homenagens a violadores em devem ser impedidas. O programa propõe o debate sobre o autoritarismo, a transição democrática e os resquícios do regime militar persistentes na democracia, principalmente no âmbito das intervenções urbanas.
Segundo a CDMV, territorialização, ressignificação e reparação são os objetivos centrais do Programa Ruas de Memória. Por meio da territorialização, o programa busca estender para todos os territórios da cidade o debate sobre a ditadura e suas consequências. Já a ressignificação do espaço público refere-se à alteração do nome do logradouro propriamente dita. E, por fim a reparação é levantada aqui porque o programa pretende reparar simbolicamente às vitimas diretas do regime ditatorial e dos seus familiares.
Vale ressaltar que os fundamentos para a realização do programa são bem robustos. O PNDH3, na ação programática C, da diretriz 25, do eixo orientador VI, recomenda ao Estado brasileiro “fomentar debates e divulgar informações no sentido de que logradouros, atos e próprios nacionais ou prédios públicos não recebam nomes de pessoas identificadas como torturadores”. No mesmo sentido, a recomendação 28 do relatório final da Comissão Nacional da Verdade indica “a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações”. Por fim, destaca-se que o tema está descrito nos objetivos da Meta 64 do Programa de Metas da Cidade de São Paulo (2013-2016).
Além dos fundamentos apontados, ressalte-se que a ressignificação produzida pela mudança nos nomes dos logradouros que homenageiam violadores de direitos humanos é uma demanda histórica daqueles que sofreram diretamente a violência do Estado repressor. O ato de mudar o nome das ruas é uma maneira do Estado reconhecer o protagonismo de sua responsabilidade nas violações aos direitos ocorridas no regime autoritário e também é uma ação de reparação simbólica às vítimas.
A reparação simbólica é fundamental àqueles que vivenciaram na própria pele as violências do estado de exceção – tendo em vista, sobretudo, o ambiente de impunidade gerado pela controversa Lei da Anistia – mas, na verdade, a reparação dirige-se a todos, pois todos são sujeitos dos direitos à memória e à verdade. Note-se que ao alterar o nome de uma rua com o argumento da defesa simbólica dos direitos humanos, são evidenciados os valores pelos quais a cidade é movida.
Outro ponto relevante do Programa Ruas de Memória é que o processo tem início com mobilizações participativas realizadas pela CDMV com os moradores das ruas que poderão ter seus nomes modificados. Os debates promovidos nas mobilizações têm potencial de sensibilizar os munícipes, promovendo o sentimento de pertencimento à cidade e ao processo, por meio da expressão de sua opinião sobre a proposta de alteração. A ideia das mobilizações é promover a construção de projetos de lei participativos com a comunidade, a partir de um processo educativo sobre as consequências do regime militar. A orientação da CDMV para a escolha das novas denominações das ruas alteradas é que a nova homenagem dirija-se a pessoas que contribuíram para a promoção dos direitos humanos e fortalecimento da democracia.
Além disso, mesmo havendo a possibilidade jurídica de alteração dos nomes de algumas ruas por meio de decreto – tendo em vista que o nome original também foi instituído por decreto –, o programa prioriza promover as mudanças em conjunto com o Poder Legislativo, buscando uma discussão democrática com os moradores das ruas e com os vereadores e também garantindo uma alteração juridicamente mais estável, assegurada por uma lei municipal que não poderá ser alterado por um futuro decreto.
Também se relaciona com o Ruas de Memória o projeto de emplacamento descritivo dos logradouros em homenagem a pessoas e fatos relacionados à ditadura com o objetivo de incluir nas placas indicativas das nominações dos logradouros um breve descritivo da biografia de personalidades associadas ao regime militar de 1964 a 1988, tanto de agentes ligados à repressão como de militantes da resistência democrática.
Além de buscar a alteração do nome, o programa prevê uma ressignificação mais aprofundada no logradouro, revitalizando o espaço e os serviços públicos oferecidos pelo Poder Público Municipal nas regiões abarcadas, por meio de serviços de jardinagem, revitalização de postes de energia elétrica, entre outras demandas que contribuam para promover a convivência social no espaço público.
Em 2014, a CDMV realizou um levantamento dos logradouros públicos que veiculam homenagens a pessoas supostamente envolvidas na prática de crimes de lesa- humanidade ou violações a direitos humanos durante a ditadura civil-militar, e encontrou 38 logradouros em São Paulo com nome de torturadores e pessoas/datas associadas à repressão da ditadura. Segundo o critério de maior grau de vinculação direta a graves violações aos direitos humanos e também de maior simbolismo, destacaram-se 22 logradouros14, elencados na tabela a seguir:
1. Avenida Délio Jardim de Mattos |
2. Avenida General Enio Pimentel da Silveira |
3. Avenida General Golbery do Couto e Silva |
4. Avenida Presidente Castelo Branco |
5. Praça Augusto Rademaker Grunewald |
14 Além de 17 equipamentos públicos com nomes relacionados a agentes da repressão (12 escolas e 5 ginásios de esporte).
6. Praça General Humberto de Souza Mello |
7. Praça General Milton Tavares de Souza |
8. Praça Ministro Alfredo Buzaid |
9. Rua Alberi Vieira dos Santos |
10. Rua Doutor Alcides Cintra Bueno Filho |
11. Rua Doutor Mario Santalucia |
12. Rua Doutor Octávio Gonçalves Moreira Junior |
13. Rua Doutor Sérgio Fleury |
14. Rua Governador Roberto Costa de Abreu Sodré |
15. Rua Helly Lopes Meirelles |
16. Rua Henning Boilesen |
17. Rua Marechal Olímpio de Mourão Filho |
18. Rua Senador Filinto Müller |
19. Rua Trinta e Um de Março |
20. Via Elevada Presidente Arthur da Costa e Silva |
21. Viaduto Governador Roberto Abreu Sodré |
22. Viaduto Trinta e Um de Março |
A implementação do Programa Ruas de Memória pela CDMV pode ser pontuada por meio de algumas ações estratégicas, dentre elas:
a) construir projetos de lei com o objetivo de alterar nomes de logradouros públicos em conjunto com os seus moradores, por meio de mobilizações participativas realizadas in loco.
b) acompanhar a tramitação dos projetos de leis que renomeiam logradores na Câmara Municipal.
c) encaminhar projeto de lei que proíba novas homenagens aos violadores de direitos humanos.
d) elaborar ou apoiar projetos de leis já existentes de logradouros sem moradores.
e) criação de um banco de referências de nomes e datas simbólicas ligados aos direitos humanos para serem homenageados em novas nomeações de logradouros.
f) adesivação de placas com biografia dos resistentes e violadores que nomeiam os logradouros.
Já foram realizadas três mobilizações para debater com a comunidade a possível alteração participativa dos nomes de suas ruas, e para 2016, novas mobilizações estão programadas. As ações foram realizadas nos seguintes logradouros:
- Avenida General Golbery do Couto e Silva.
- Rua Alcides Cintra Bueno Filho.
- Rua Rua Henning Boilesen (A mobilização foi realizada por meio de um cine debate). Duas das mobilizações realizadas resultaram em encaminhamentos legislativos,
com a efetiva construção de Projetos de Lei.O Projeto de Lei 326 de 05/08/2015 prevê a alteração do nome da atual Avenida General Golbery do Couto e Silva, localizada no Distrito do Grajaú, para Avenida Giuseppe Benito Pegoraro foi proposta pelo vereador Arselino Tatto e está tramitando na Câmara Municipal. Em relação à Rua Alcides Cintra Bueno Filho, a articulação para a proposição de mudança está sendo realizada pelos vereadores Juliana Cardoso e Eliseu Gabriel.
O Poder Executivo encaminhou dois projetos de lei no intuito de promover e fortalecer o Programa Ruas de Memória. Um deles é o PL 411 de 18/08/2015 que pretende alterar a denominação do Viaduto 31 de março para Viaduto Therezinha Zerbini. O outro encaminhamento do Executivo é o PL 410 de 18/08/2015 que pretende emendar a Lei 14.454/07 – que consolida a legislação municipal sobre a denominação e a alteração de vias, logradouros e próprios municipais – com o fito de proibir novas nomeações que homenageiem violadores de direitos humanos. Assim, o PL 410/2015 visa coibir novas homenagens a pessoas que comprovadamente cometeram graves violações aos direitos humanos, segundo levantamento contido no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, nos logradouros da cidade de São Paulo. Tanto o PL 411/2015 como o PL 410/2015 encontram-se em processo de tramitação na Câmara Municipal de São Paulo.
Em março de 2016, o prefeito Fernando Haddad sancionou a lei que altera o nome da Via Elevada Presidente Arthur da Costa e Silva, aos fins de semana, para Parque Minhocão.
6 Algumas atividades realizadas pela CDMV em parceria com sociedade civil
- Seminário internacional Coalizão de Sítios de Memória.
- Pré-estreia do filme Retratos de Identificação.
- Conversa Clínica Pública das Clínicas do Testemunho do Ministério da Justiça - Instituto Projetos Terapêuticos.
- Ato Público por Memória, Justiça e Reparação no Cemitério do Araçá e Ato Unificado Ditadura Nunca Mais.
- Semana da Anistia de 2015.
- Cine Debate Dia das Mulheres em 2015.
Ato unificado 51 anos do Golpe de Estado. Arquivo DMV.
Considerações e recomendações
A constituição de uma estrutura específica na Administração Pública Municipal para cuidar especialmente das políticas públicas locais de promoção ao direito à memória e à verdade, por si só, já é um verdadeiro marco para a Justiça de Transição no Brasil. Quando se trata de São Paulo isso se torna ainda maior, pois a pioneira iniciativa tem potência de ser reproduzida em outras localidades.
O processo vivido em São Paulo desde 2013, além de contar com a vontade política de uma gestão que priorizou o tema, foi fomentado por importantes questões nacionais, como a criação da Comissão Nacional da Verdade e a divulgação do seu relatório, além de processos anteriores, como o trabalho desenvolvido pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. A retomada das investigações sobre o caso Perus, depois de tantos anos de abandono, é o sinal mais importante de que as pautas da reparação, verdade e memória relacionadas aos ataques aos direitos humanos ocorridos na ditadura estão na agenda pública do país e da cidade de São Paulo.
A atuação da CDMV foi sendo expandida ao longo do tempo, pois, se no início (2013/2014) o foco estava centrado nas ações de reparação às vitimas diretas das violências cometidas pelo Estado autoritário, a Coordenação chega em 2016 com a intenção de levar suas ações na área da educação, cultura e ocupação do espaço público para toda a cidade, frisando a ideia de que todos os cidadãos são sujeitos dos direitos ligados à memória e à verdade. Além disso, a CDMV tem buscado aprofundar o debate sobre as violências de Estado cometidas hoje como heranças das práticas da ditadura militar.
No que tange especificamente o caso Perus, a CDMV também foi além dos compromissos inicialmente assumidos na pactuação do Grupo de Trabalho Perus. Como visto, o GTP tem como missão analisar os restos mortais exumados oriundos do Cemitério de Perus, especialmente da sua vala clandestina, com vistas à identificação de mortos e desaparecidos políticos. Contudo, a CDMV incutiu o caso Perus nas outras frentes de trabalho de memória e verdade em que atua.
Assim, as responsabilidades do Estado são abordadas por meio de políticas de reparação e de memória no campo da educação, cultura e ocupação do espaço público. Consideramos isso muito importante, pois são ações que propõe profundas reflexões
sobre os significados da existência de uma vala clandestina utilizada pela ditadura militar para ocultar os restos mortais de opositores mortos pelo regime. Então, por meio de uma atuação transversalizada em diversas frentes de trabalho, o caso Perus vai ganhando mais visibilidade e sensibilização social e, como consequência, as violações aos direitos humanos provocadas pelo modus operandi do regime de opressão ficam ainda mais evidenciadas.
Em razão dos grandes desafios e dificuldades que envolvem as tentativas de identificação das ossadas, a pluralidade de ações realizadas pela CDMV no âmbito do Grupo de Trabalho Perus (GTP) ainda não esta claramente demarcada como política pública. Ao longo deste relatório, pontuamos as ações realizadas na área da educação e da cultura no território de Perus, além da criação dos monumentos memoriais no Cemitério Dom Bosco. Ocorre que as ações existem, mas ainda não foram sistematizadas e comunicadas de modo suficiente. Seria interessante a produção de um material a ser apresentado em uma das reuniões do Comitê de Acompanhamento do GTP que sistematizasse as ações que envolvem o caso Perus em todas as frentes de trabalho para aclarar a totalidade do que vem sendo desenvolvido. Ressalte-se que as recomendações mais específicas sobre a construção institucional do GTP e a metodologia de trabalho utilizada no caso Perus serão apresentadas nos Produtos 2 e 3.
Também é possível notar algumas dificuldades com o reconhecimento formal e jurídico por parte da burocracia estatal para o tema da memória e verdade e mesmo para a afirmação institucional da Coordenação de Direito à Memória e à Verdade, tendo em vista que ela não foi formalizada oficialmente por meio de lei. Ocorre que, um dos maiores problemas na administração pública são as descontinuidades, sobretudo em momentos de trocas de governos, e o fato da CDMV ainda não estar legalmente constituída poderá representar dificuldades de continuidade no futuro. O problema já está no radar da equipe da Coordenação. Ainda nesta seara, as políticas públicas desenvolvidas nos quatro eixos de trabalho também poderiam estar institucionalizadas legalmente (nas leis orçamentárias, por exemplo) no afã de representar mais uma “arma” na luta pela perenidade das importantes ações que foram desenvolvidas.
Em decorrência das dificuldades de afirmação institucional, algumas pautas lançadas pela CDMV ainda não encontram um respaldo pleno pelo todo da Administração Municipal. Um exemplo é o Programa Ruas de Memória que foi estruturado pela Coordenação e contou com a realização de mobilizações participativas
em alguns logradouros e, mais que isso, resultou em Projetos de Lei que propõem alterações de nomes de ruas. Contudo, não há uma atuação política e institucional da Prefeitura no sentido de contribuir de modo permanente com a tramitação dos PL´s na Câmara Municipal, ou seja, as propostas legislativas resultantes do Ruas de Memória parecem não ser priorizadas nas tratativas entre Executivo e Legislativo. O resultado disso é que, mesmo com a importância do programa, ainda não foi concretizada a alteração do nome de nenhum logradouro da cidade que homenageie personagens envolvidos com os crimes praticados na ditadura.
É importante notar que as ações desenvolvidas pela CDMV, no geral, encontram dificuldades em ser comunicadas. Nem mesmo as pessoas ligadas diretamente ao tema, como ex-presos políticos, familiares de mortos e desaparecidos ou os movimentos sociais ligados à pauta ficam sabendo de todas as ações e eventos realizados. Podemos ponderar que existe uma dificuldade em veicular as notícias sobre as entregas realizadas pela falta de uma maior robustez institucional, tendo em vista que a CDMV não tem na sua estrutura de recursos humanos ninguém destacado exclusivamente para realizar uma assessoria de comunicação, e sendo assim, o trabalho é desenvolvido pela Coordenação de Comunicação geral da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania (SDHC) que responde por toda a estrutura da secretaria, incluindo o gabinete do secretário, não sendo suficiente para comunicar com a dinâmica necessária as ações desenvolvidas pela CDMV.
Outro ponto que pode ser considerado é que a frente de trabalho da cultura, mesmo com o grande destaque que teve em 2016 com a entrega do Projeto Benetazzo e com todas as outras ações que trabalharam com linguagens artísticas, ainda não tem forma de um corpo de políticas tão estruturado como a frente de educação, por exemplo. Então, como a cultura é reconhecidamente um elemento transversal, mas também é um eixo específico das ações da CDMV, pontuamos que a centralidade da cultura poderia ser redimensionada e ganhar mais destaque. Como apontado no relatório, pensamos que todas as políticas de memória são eminentemente políticas culturais.
Também seria importante que a CDMV desenvolvesse mais a sua atuação em torno de um elemento da Justiça de Transição ainda dormente no país, que é a busca pelas reformas institucionais da democracia que ainda guardam ranços da ditadura. Sabe-se que muitas violações aos direitos humanos praticadas por agentes e órgãos estatais nos dias de hoje são consequências diretas das inadequações institucionais que
veem da época da ditadura, como por exemplo, a violência policial. Somente com a inclusão de ações que estimulem as reformas institucionais, caminha-se em direção ao desenvolvimento pleno do ciclo da Justiça de Transição no país, atendendo todos os seus elementos: verdade, memória, reparação, justiça e reforma das instituições.
Instalação da CMV-SP. Douglas Mansur.
Referências
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PARTIDO DOS TRABALHADORES. Um tempo novo para São Paulo: Plano de Governo, Haddad prefeito 2012. 2012.
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TELES, Maria Amélia de Almeida; LISBOA, Suzana Keniger. A vala de Perus: um marco histórico na busca da verdade e da justiça! IN: Desaparecidos Políticos um capítulo não encerrado da História Brasileira. v. 1) Vala Clandestina de Perus. Desaparecidos políticos, um capítulo não encerrado da história brasileira. São Paulo: Ed. do Autor, 2012.