Aspectos Relevantes dos Contratos de
Aspectos Relevantes dos Contratos de Consumo Eletrônico 1
2 Analice Castor de Mattos
Aspectos Relevantes dos Contratos de Consumo Eletrônico 3
Aspectos Relevantes dos Contratos de
Consumo Eletrônico
1ª Edição (Ano 2009)
1ª Reimpressão (Ano 2012)
4 Analice Castor de Mattos
CONSELHO EDITORIAL:
Direito Processual Civil: Direito Penal e Processual Penal:
Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxxxxx
Pós-Doutor em Direito - Professor da PUCPR Doutor em Direito - Professor da PUCPR e da Uni-
Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx versidade Tuiuti Mestra em Direito Econômico e Social pela Direito Civil:
PUCPR - Doutoranda em Direito Processual Xxxxxx Xxxxxxxxxx
Civil pela PUCSP - Professora de Direito Pro- Mestre em Direito - Professor da FDC - Diretor cessual Civil na PUCPR Acadêmico das Faculdades Integradas Curitiba
Direito Processual Tributário: Xxxxxxx Xxxx
Xxxxx Xxxxxx Doutor em Direito - Professor da FDC e PUCPR Pós-Doutor em Direito - Professor da XXXXX Xxxxx Xxxxx
Filosofia do Direito: Doutor em Direito - Professor da UFPR
Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Cella Direito do Trabalho:
Doutorando em Direito pela UFSC – Pro- Xxxxxx Xxxxxx
fessor da PUCPR Doutor em Direito - Professor da PUCPR
Direito Tributário: Direito Ambiental e Agrário:
Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Ferraz Xxx Xxxxx Xxxxxxx Liberato
Doutor em Direito - Professor da PUCPR Doutoranda em Educação pela Universidad de
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Empresa - Professora da PUCPR e da ESMAFE -
Ministro do STJ Escola da Magistratura Federal
Direito Internacional: Xxxxxxxx Xxxxxx de Freitas
Xxxx Xxxxx Xxx Doutor em Direito - Mestre em Direito - Professor Doutor em Direito - Professor da PUCPR de Direito Ambiental da PUCPR - Diretor da Escola Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx da Magistratura do Paraná - Presidente do Ibrajus Doutor em Direito - Professor da PUCPR Direito Constitucional:
Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx
Doutora em Direito Internacional pela USP Doutora em Direito - Professora da Graduação,
- Professora Visitante do Curso de Pós-gra- Mestrado e Doutorado da PUCPR duação em Estudos Europeus da Faculdade Melissa Folmann
de Direito da Universidade de Lisboa Mestra em Direito – Professora da Graduação e
Direito Comercial: da Pós-graduação da PUCPR - Professora da
Xxxxxx Xxxxxxxxx Pós-graduação de diversas Instituições de Ensi- Doutor em Direito - Professor das Faculda- sino Superior - Presidente do Instituto Brasileiro des Integradas Curitiba de Direito Previdenciário
Direito do Consumidor: Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx Doutorando em Direito pela Universidade de Sala- Doutor em Direito - Professor da PUCPR manca/Espanha - Mestre em Direito pela UFPE
ISBN: 978-85-362-2258-5
Brasil – Xx. Xxxxxx xx Xxxxx, 000 – Juvevê – Fone: (00) 0000-0000 Fax: (00) 0000-0000 – CEP: 80.030-475 – Curitiba – Paraná – Brasil
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Editor: Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx
Xxxxxx, Xxxxxxx Castor de.
M444 Aspectos relevantes dos contratos de consumo eletrô- nico./ Analice Castor de Mattos./ Curitiba: Juruá, 2009.
134p. – 1ª Reimpressão (Ano 2012)
1. Comércio eletrônico. 2. Contratos. I. Título.
CDD 346.07(22.ed) CDU 347.216
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Analice Castor de Mattos
Mestra em Direito Socioeconômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Professora dos Cursos de Direito e Comércio Exterior, da Graduação e
Pós-graduação, da Universidade Positivo.
Aspectos Relevantes dos Contratos de
Consumo Eletrônico
1ª Edição (Ano 2009)
1ª Reimpressão (Ano 2012)
Curitiba Juruá Editora 2012
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À memória de Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, meu querido pai, que me deixou como legado seu exemplo de dedicação à profissão e amor à vida.
E à memória do Dr. Xxxx Xxxxxxxxx, meu grande amigo, que, juntamente com meu pai, me ajudou a consolidar minha carreira profissional com seu apoio incondicional.
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AGRADECIMENTOS
Este livro é resultado da minha dissertação de mestrado, com a qual obtive o título de Mestra em Direito, na área de con- centração em Direito Econômico e Social, pela Pontifícia Univer- sidade Católica do Paraná.
Agradeço ao Professor Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, meu orientador do trabalho de Dissertação.
Aos integrantes da banca examinadora de Defesa Pública da Dissertação, Professor Xxxxx Xxxxx e Professora Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx.
Aos professores do mestrado que de alguma forma contribuí- ram para a realização da pesquisa e desenvolvimento do estudo.
À Xxxxxxxx Xxxxxx, pela atenção e por pacientemente ter lido o esboço do trabalho fazendo sugestões muito construtivas.
Ao Professor Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, quem me incitou a fazer o Mestrado na PUCPR.
À minha mãe, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx de Xxxxxx e aos meus irmãos, Xxxxxxx Xxxxxx de Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxx de Xxxxxx, pelo constante incentivo e amparo nos momentos derradeiros.
A minha vó querida Xxxxxxxxx Xxxxxx, por suas orações.
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PREFÁCIO
Analice integra um grupo singular de novos professores de Di- reito que têm seu berço no curso de mestrado na PUCPR, no qual foi minha aluna brilhante. Também foi minha assistente na graduação.
A dissertação que deu a Analice o merecido título de Mestra em Direito, pela PUCPR, e que aqui tenho a honra de apresentar, poderia ser deferida, sem qualquer favor, como de grande qualidade.
Com efeito, o trabalho que se segue é admirável por muitos títu- los, dentre os quais se destacam a atualidade e originalidade do tema, o uso fluente da melhor dogmática jurídica, a exposição didática, a coragem no diagnóstico dos problemas e a criatividade nas proposições de soluções alternativas.
Enfim, em nome do programa de mestrado e doutorado da PUCPR, tenho a honra de apresentar à comunidade jurídica o presente trabalho de Xxxxxxx. A pesquisa nele contida o eleva a padrões de discussão acerca da contratação eletrônica e o direito do consumidor.
Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx
Pós-doutor em Direito pelas Universidades de Lecce/IT e Granada/ES. Professor titular dos cursos de graduação, mestrado e doutorado da PUCPR. Pesquisador da Capes e do CNPq.
Membro do Conselho Editorial da Juruá e da Repro.
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APRESENTAÇÃO
A era digital gera uma nova realidade de consumo por propiciar a utilização dos meios informáticos para a realização de negócios, comu- nicação de informações, transmissão de dados, dentre outros.
É um conceito de relação de consumo que merece ser examinado pelos estudiosos do Direito, principalmente no que concerne aos direitos do consumidor, uma vez que nem sempre confere o mesmo grau de proteção à parte vulnerável como na relação de consumo tradicional.
Esta obra, que é resultado do estudo realizado durante o mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, sob a orientação do Professor Doutor Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, não teve a pretensão de exaurir o assunto, mas apenas de ressaltar sua importância, instigando a reflexão sobre os direitos do consumidor no ambiente virtual, digital.
Para tanto, propõe-se analisar algumas das inúmeras questões que podem surgir com relação a essa nova forma de contratação no âmbito do direito nacional, assumindo o desafio de utilizar a legislação do Código de Defesa do Consumidor, do Código Civil e os princípios gerais dos contratos.
Em razão do alcance mundial da internet, que possibilita a forma- ção de contratos nacionais (entre partes localizadas em um mesmo país) e internacionais (entre partes localizadas em países distintos), faz-se necessá- ria a delimitação geográfica. Portanto, para fins deste estudo, serão consi- derados apenas os contratos celebrados no Brasil.
Antes de se atacar o tema proposto, cumpre esclarecer que os pressupostos de validade dos contratos virtuais são os estabelecidos pelo Código Civil brasileiro: a capacidade das partes, a manifestação livre da vontade e a licitude e possibilidade do objeto, os quais não serão objeto deste estudo.
No que concerne à legislação específica sobre contratos eletrôni- cos, a Uncitral (“United Nations Comission on Internacional Trade Law”), órgão das Nações Unidas criado em 1966 com a função de estabelecer e projetar as leis do comércio internacional, deu o passo inicial ao criar em 1996 um modelo de regulamentação do comércio eletrônico. Esse modelo fornece o embasamento necessário para as legislações nacionais, buscando a sua homogeneização1.
1 Dispõe a Lei Modelo da Uncitral, no art. 5º, que “não se negarão efeitos jurídicos, validade ou eficácia à informação apenas porque esteja na forma de mensagem ele-
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O Brasil iniciou a inserção da Lei Modelo da Uncitral em 2001,
com a Medida Provisória 2.200, que se encontra hoje em sua terceira ver- são, sob o nº 2.200-2, ainda em vigor.
Além disso, existe o Projeto 1.589/99 elaborado pela Comissão Especial de Informática Jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, por iniciativa do Deputado Federal Xxxxxxx Xxxxxxx, que também segue os moldes estabelecidos pela Uncitral, dispondo sobre o comércio eletrônico, a validade jurídica do documento eletrônico e a assinatura digital.
Este Projeto de lei propõe que se apliquem ao comércio eletrônico as normas de proteção e defesa do consumidor, impondo deveres de boa-fé ao fornecedor no comércio eletrônico, dentre outros, conforme será desta- cado no decorrer deste estudo.
A obra apresenta-se estruturalmente dividida em quatro capítulos. Em primeira análise, foi elaborado um brevíssimo estudo sobre a evolução do direito contratual, para, em seguida, examinar o contrato eletrônico na relação de consumo, destacando a necessidade de um novo paradigma da confiança, capaz de proteger a parte vulnerável da relação, sujeita a proble- mas de toda sorte, tais como: fraudes, falhas operacionais, violação de infor- mações, inexistência de real fornecedor, não entrega do produto, dentre outras.
Em um segundo momento, a fase pré-contratual, em que são anali- sadas as diferenças concernentes ao poder de negociação entre o meio tra- dicional e o virtual, o direito à privacidade, à publicidade e à oferta eletrô- nica e a aplicação dos princípios de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, ressaltando a vulnerabilidade informacional do consumidor no meio eletrônico.
E, posteriormente, o momento em que nasce o contrato, em que es- te é celebrado, tanto instantânea quanto não instantaneamente, e o árduo debate de definir a contratação entre presentes, entre ausentes, e o que pres- supõe um e outro.
Analisar-se-á, também, a fixação do momento inicial da obrigato- riedade da oferta eletrônica, sua força vinculatória, a conclusão do contrato com a aceitação, o lugar de celebração, o direito de arrependimento e os meios de pagamento.
trônica”. O art. 6º estabelece que, caso a lei exija forma escrita, o requisito estará pre- enchido se a informação estiver disponível para consulta posterior. E o art. 7º preconi- za que o requisito da assinatura estará preenchido quando: a) for utilizado algum mé- todo para identificar a pessoa e indicar sua aprovação para a informação contida na mensagem eletrônica; e b) tal método seja tão confiável quanto seja apropriado para os propósitos para os quais a mensagem foi gerada ou comunicada, levando-se em consideração todas as circunstâncias do caso, incluindo qualquer acordo das partes a respeito. Por último, vale citar o art. 11, o qual preconiza que “não se negará validade ou eficácia a um contrato pela simples razão de que se utilizaram mensagens eletrô- nicas para sua formação”.
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SUMÁRIO
1 – EVOLUÇÃO DO DIREITO CONTRATUAL 17
1.1 Origem da concepção clássica do contrato 18
1.2 Concepção moderna do contrato 24
1.3 Contratos eletrônicos na relação de consumo – Comércio eletrônico via
Internet 30
1.3.1 O novo paradigma da confiança no contrato de consumo eletrô- nico 34
1.3.1.1 Dever de informação 37
1.3.1.2 Dever de confirmação “aviso de recebimento”, possibili- tando a perenização do contrato 41
1.3.1.3 Dever de segurança 44
2 – FASE PRÉ-CONTRATUAL 49
2.1 Práticas comerciais 49
2.1.1 Direito à privacidade e sua violação pelos Cookies e Spam 53
2.1.2 Projetos de Lei sobre spam 60
2.2 Publicidade e oferta no Código de Defesa do Consumidor 64
2.2.1 Princípio da vinculação 65
2.2.1.1 Erro da oferta veiculada 67
2.2.1.2 O princípio de identificação da publicidade 68
2.2.1.3 Princípio da transparência 69
2.2.1.4 Princípio da veracidade da publicidade e princípio da não-abusividade da publicidade 70
2.2.1.5 Princípio da inversão do ônus da prova 75
2.2.1.6 Princípio da correção do desvio publicitário 76
16 Analice Castor de Mattos
3 – FORMAÇÃO DO CONTRATO DE CONSUMO ELETRÔNICO 77
3.1 Partes da relação de consumo 77
3.1.1 Consumidor 77
3.1.2 Fornecedor 82
3.1.2.1 Site de leilão virtual 82
3.1.2.2 Portal de comércio eletrônico 85
3.1.2.3 Loja virtual própria 85
3.2 Declaração da vontade eletrônica 88
3.2.1 Classificação – Declaração da vontade entre presentes e entre ausentes 88
3.2.2 Fixação do momento inicial da obrigatoriedade da oferta 90
3.2.3 A duração e a perda da força vinculante da oferta 91
3.2.4 Conclusão da fase pré-contratual – Aceitação 93
3.3 Lugar da celebração do contrato eletrônico 101
3.4 Direito de arrependimento 102
3.5 Meios de pagamento 109
CONCLUSÃO 111
REFERÊNCIAS 119
ÍNDICE ALFABÉTICO 129
Aspectos Relevantes dos Contratos de Consumo Eletrônico 17
1
EVOLUÇÃO DO DIREITO CONTRATUAL
Nos últimos séculos observa-se uma constante evolução nas relações contratuais em decorrências das transformações históricas que se sucede- ram, principalmente, a partir da Revolução Francesa, no século XVIII, e da Revolução Industrial, no início do século XIX.
O advento do sistema capitalista e o avanço tecnológico fizeram surgir o contrato com cláusulas unilateralmente preestabelecidas, de forma geral e abstrata – o contrato padrão – a fim de atender a sociedade de con- sumo “caracterizada pela produção em série e pela venda massificada”2.
Nesse contexto, o contrato “perde sua ligação estrita com a propriedade e passa a configurar instrumento geral das atividades eco- nômicas organizadas e pautadas na obtenção do lucro”3.
Com a transição do Estado Liberal Capitalista para o Estado Social do Bem-Estar (Welfare State), dentro da sociedade industrializada, de consumo, massificada e de informação, o contrato deixa de ser utiliza- do apenas como instrumento de circulação de riquezas, para atuar, tam- bém, como meio de atender aos interesses sociais coletivos e individuais4, promovendo a justiça social.
Para uma melhor compreensão do contrato eletrônico de con- sumo, objeto do presente estudo, faz-se mister traçar um breve panorama da evolução da concepção do contrato até o paradigma contemporâneo, realizado por meio da tecnologia, denominado pela doutrina como pós- moderno.
2 BELMONTE, 2002, p. 136.
3 Ibid., p. 134.
4 Com alicerce no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, expresso na Constituição Federal/88, o contrato passa a proteger a parte frágil, vulnerável ou hi- possuficiente, da relação contratual. O princípio da vulnerabilidade está inserto no inc. I do art. 4º do CDC: “I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”. Sobre o tema cf. LIMA, 2003, p. 213 e ss.
1.1 ORIGEM DA CONCEPÇÃO CLÁSSICA DO CONTRATO
O contrato vem sendo utilizado desde os romanos como forma de circulação de bens e riquezas de acordo com as práticas, os costumes e a realidade econômica de cada época e sociedade.
Na Idade Média, o direito contratual sofreu transformações. A formalidade exigida no direito romano passou a ter menor importância quando os canonistas passaram a privilegiar a vontade contratual, não somente a protegendo com a elaboração da teoria dos vícios do consenti- mento, mas, também, colocando em evidência o respeito à palavra dada, que obriga independente da sua forma (nudum pactum) e expõe aquele que viola seu compromisso a sanções, de forma que a violação passa a equivaler a um pecado (pacta sunt servanda)5.
A valorização do consenso remete ao entendimento de que a obrigação deve nascer de um ato de vontade e que, para criá-lo, é suficiente a sua declaração6. Ou seja, a obrigação, de caráter moral e jurídico, nasce do ato do homem por meio do simples pacto, livre de formalismo exage- rado e da solenidade característicos da regra romana7. O acordo de vonta- des é reconhecido como fonte de obrigações morais e religiosas8.
A Escola do Direito Natural9, racionalista e individualista, também oferece bases importantes para a construção da concepção tradicional do contrato ao defender que o fundamento racional do nascimento das obri- gações se encontrava na vontade livre das partes contratantes.
São os canonistas e os teólogos da Idade Média, portanto, se- guidos pelos partidários da Escola do Direito Natural nos séculos XVII e XVIII, os primeiros a contribuir para a construção da teoria clássica do contrato, fundada no princípio da autonomia da vontade.
Acresça-se, ainda, a colaboração da teoria do contrato social de Xxxx-Xxxxxxx Xxxxxxxx, que visualiza o contrato como base da sociedade, sociedade politicamente organizada, isto é, o Estado. A autoridade estatal encontra seu fundamento no consentimento dos sujeitos de direito, nos
5 LARROUMET, 1998, p. 93.
6 XXXXX, 2001, p. 5.
7 MARQUES, 2004b, p. 43.
8 AMARAL, 2006, p. 352.
9 Como esclarece Xxxxxxxxx Xxxxxx “Com a escola do direito natural, a idéia da ori- gem divina do direito substitui-se pela das liberdades naturais, que se consideram fundamento e fim do direito”. (Ibid., p. 353)
cidadãos – o dogma da vontade livre do homem. Suas vontades se unem (em contrato) para formar a sociedade10.
O homem é naturalmente livre, contudo, a vida em sociedade não seria possível se cada um quisesse exercer ao máximo sua liberdade, sendo preciso renunciar a alguns direitos pelo contrato social11. No entanto, a própria renúncia é expressão do valor da vontade. O contrato é, não só, a fonte das obrigações entre indivíduos, mas a base de toda autoridade. O próprio Estado retira sua autoridade de um contrato, que é, dessa forma, a base da lei estatal. O contrato não obriga porque assim estabeleceu o di- reito; é o direito que vale porque deriva de um contrato. A teoria do Con- trato social remete, portanto, à idéia de importância da vontade do ho- mem12/13.
A filosofia de Xxxx é outra fonte a ser citada por sua contribui- ção significativa para a formação do princípio da autonomia da vontade ao afirmar, na Metafísica do Direito (1796), que “a vontade individual é a única fonte de toda a obrigação jurídica”14. Na Alemanha, essa idéia serviu de base para a teoria da vontade, pela qual o intérprete deve aten- der mais à vontade subjetiva do agente do que ao aspecto formal de sua declaração15. Na França, com a tradução de sua obra, ficou consagrada definitivamente a autonomia da vontade, expressão extraída da Crítica da Razão Pura16.
No século XIX, auge do liberalismo, do chamado Estado Mo- derno, consolida-se a concepção tradicional de contrato com base no in- dividualismo econômico da época, em consonância com os imperativos da liberdade e igualdade individual e, especialmente, o dogma máximo da autonomia da xxxxxxx00.
10 MARQUES, op. cit., p. 45. 11 AMARAL, 2006, p. 353. 12 MARQUES, 2004b, p. 46.
13 “Existe uma única lei que, pela sua natureza, exige consentimento unânime – é o pacto social, por ser a associação civil o mais voluntário dos atos deste mundo. Todo homem, tendo nascido livre e senhor de si mesmo, ninguém pode, a nenhum pretexto imaginável, sujeitá-lo sem o seu consentimento”. (XXXXXXXX, 1999, p. 204)
14 XXXX, Fundamento da metafísica dos costumes, p. 144, apud em AMARAL, op. cit., p. 353.
15 Ibid., p. 353
16 AMARAL, op. cit., p. 365.
17 Apesar de a doutrina e a jurisprudência tratarem a expressão “autonomia da vontade”, como sinônimo da “autonomia privada”, ambas não se confundem. Xxxxxxxxx Xxxxxx esclarece que aquela expressão “tem uma conotação subjetiva, psicológica”, enquan- to esta “marca o poder da vontade de um modo objetivo, concreto e real”. (Ibid, p. 345). Sobre a distinção de autonomia da vontade e autonomia privada cf. XXXXX, 1988, p. 310 e ss.
O vínculo contratual desse período considerava a vontade como elemento principal, como fonte única e como legitimação para o nasci- mento de direitos e obrigações oriundas da relação jurídica contratual18. Era a vontade que conferia força obrigatória aos contratos – pacta sunt servanda – e não a autoridade da lei, a qual cabia, apenas, colocar à dis- posição das partes instrumentos para assegurar o cumprimento das pro- messas, limitando-se a uma posição supletiva19.
Acreditava-se que a justiça da relação contratual residia no fato de o conteúdo do contrato corresponder à livre vontade das partes, que de comum acordo convencionavam sobre seus interesses “num plano de recíproca igualdade jurídica”. O “justo” (qui dit contractuel dit juste – Xxxxxxx 1896) encontra seu alicerce na liberdade de contratar e na igual- dade formal das partes.
Até mesmo no âmbito das teorias econômicas20, a liberdade de contratar e a igualdade formal das partes eram consideradas como meio de se alcançar o bem estar coletivo social, sem intervenção do Estado, apenas com iniciativa individual dos particulares, o que seria automati- camente coordenado e orientado pelo mecanismo do mercado e da con- corrência, a mão invisível de Xxxx Xxxxx00. É o Liberalismo econômico “pelo qual o livre jogo das vontades particulares assegura o máximo de produção e os preços mais baixos, como efeito da livre concorrência”22.
Note-se que a formação econômica-social capitalista, em espe- cial após a Revolução Industrial do início do século XIX, era “caracteri- zada por um alto grau de desenvolvimento das forças produtivas e pela extraordinária intensificação da dinâmica das trocas”23. O contrato passa a ser difundido como um mecanismo essencial ao funcionamento de todo o sistema econômico.24
O princípio ideológico do século XIX era: a liberdade de con-
tratar25/26.
18 MARQUES, 2004b, p. 39.
19 XXXXXXX, op. cit., p.48.
20 Sobre a concepção econômica do liberalismo cf. XXXXXXX-XXXXX, 1999, p. 202 e ss.
21 XXXXX, op. cit., p. 35 e ss.
22 Ibid., p. 354.
23 ROPPO, 1988, p. 25.
24 Ibid., p. 25.
25 Mesmo no auge do liberalismo do século XIX, a liberdade de contratar jamais foi absoluta, sempre esteve adstrita à ordem pública e aos bons costumes. Sobre o concei- to de ordem pública e bons costumes cf. XXXXXXX, 2002, p.11.
26 XXXXX, op. cit., p. 32 e ss.
A liberdade contratual compreende: a liberdade de contratar ou não, de escolher a pessoa do contratante, de estipular as cláusulas contra- tuais (seu conteúdo) e de determinar a forma do contrato.
A vontade pode ser livremente manifestada, sem formalismo27, basta o acordo de vontades, livre de vício de consentimento (princípio do consensualismo), para obrigar as partes contratantes (efeito relativo – produz efeitos apenas entre as partes contratantes) às obrigações estabele- cidas no contrato (princípio da obrigatoriedade – o contrato faz lei entre as partes). Sendo lícito o objeto, a vontade vale por si mesma28.
Ressalta-se que o dogma da vontade também tem sua origem no direito de propriedade, como esclarece Xxxxxxxxx Xxxxxx:
[...] o dogma da vontade nasce também do direito de propriedade. Na Idade Média, a fonte principal da riqueza e produção era a terra, e o direito principal, a propriedade. A evolução política e econômica tor- na, porém, distinta a propriedade da terra da dos demais bens de produção, estes a base do comércio e da indústria, de que eram titula- res os construtores da economia capitalista, os burgueses, interessa- dos no desenvolvimento do intercâmbio comercial. Esse processo leva à jurisdicização das relações de troca, isto é, a um direito que permite a livre circulação de bens e dos sujeitos, na dinâmica do próprio sis- tema29.
Tanto que a concepção liberal eleva o direito de propriedade privada à categoria de bem maior, reconhecendo-o na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão como um “direito sagrado e inviolável”:
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa em 1789, proclamou a sacralidade da propriedade privada (“Art. 17. Sendo a propriedade um direito sagrado e inviolável...”), tida como exteriorização da pessoa humana ou da cidadania. Eman- cipada da rigidez estamental da Idade Média, a propriedade privada dos bens econômicos ingressou em circulação contínua, mediante a instrumentalização do contrato30.
Essa visão clássica de contrato, individualista, liberal, baseada na idéia de valor da vontade e da propriedade privada, foi adotada pelo
27 Xxxxx se expressamente exigido por lei.
28 AMARAL, 2006, p. 357 e ss.
29 Ibid., p. 355.
30 LÔBO, 1995, p. 41.
Código de Napoleão de 1804, primeiro código moderno burguês, elabo- rado para atender aos interesses da nova classe dominante capitalista.
O Código de Xxxxxxxx contribuiu para a solidificação da teoria clássica contratual quando dispôs expressamente no art. 1134 que “os contratos legalmente formados têm força de lei para aqueles que os cele- bram”, conferindo efetividade máxima ao princípio da autonomia contra- tual.
A ampla liberdade de contratar baseada no consenso dos contra- tantes era, portanto, o fundamento do sistema do Código Civil Francês, no qual “não havia lugar para a questão da intrínseca igualdade”31.
Outro código burguês inspirado nos princípios do ordenamento capitalista do direito contratual: liberdade de contratar, fundada na pre- missa de igualdade formal dos indivíduos, concluído quase um século depois do Código Francês, por razões de ordem histórica, política e con- dições sócio-econômicas32, foi o Código Civil Alemão (BGB) de 1896.
Diferencia-se do primeiro código de 1804 por construir um sis- tema fechado lógico-dedutivo33, originado do jusnaturalismo e do jusracio- nalismo dos séculos XVII e XVIII.
Observa-se que a dogmática jurídica alemã, inspirada pela dou- trina pandectística34, na segunda metade de século XIX, elimina a refle- xão metafísica e a consideração ética “acerca do que deveria ser o direito para aceitar o que deve ser, ‘deve ser’ este estabelecido com anteriori- dade à investigação, porquanto posto por ato de autoridade”35.
O Código Civil brasileiro de 191636, já revogado, baseou-se nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade do Código Civil de Napoleão, e no Código Civil alemão (BGB), na sua estrutura37.
A partir da segunda metade do século XIX e ainda pouco depois do começo do século XX, o princípio da autonomia privada, fundado na igualdade formal das partes, começou a ser contestado por filósofos e juristas que percebiam que na realidade prevalecia sempre a vontade do mais forte.
31 ROPPO, 1988, p. 35.
32 XXXXXXX-XXXXX, 1999, p. 226.
33 Cf. NALIN, 2001, p.70.
34 Sobre a escola pandectista: LÔBO, 1995, p. 43.
35 XXXXXXX-XXXXX, 1999, p. 213 e ss.
36 Cf. FRADERA, 1997.
37 Cf. XXXXXXX, 1997, p. 11 e ss.
A liberdade de contratar e a igualdade jurídica formal não asse- guravam a “justiça contratual”, mas sim levavam a injustiças profundas dentro de uma sociedade dividida em classes, com diferenças econômi- cas-sociais acentuadas. De um lado, o empresário, que detinha a riqueza e o poder, e, de outro, o operário, que dispunha apenas da sua força de tra- balho. Apesar da nítida disparidade existente no estabelecimento de rela- ções contratuais, ambos eram considerados juridicamente iguais e livres, de acordo com a concepção clássica do contrato38.
Em decorrência dessas injustiças, principalmente na relação de trabalho, começam a aparecer conflitos de interesses39 com reflexos nas relações sociais, políticas e na própria produção, em razão de constantes paralisações e greves da classe operária40.
Percebeu-se que o contrato poderia ser injusto não só em razão da desigualdade material das partes, mas também pelo fato do vínculo obrigacional ser dinâmico e, portanto, influenciado por eventos superve- nientes não previstos pelas partes contratantes, com reflexo no equilíbrio da relação contratual, “que é, ou deve ser, justa”41. Aparece a idéia de “crise” do contrato, melhor dizendo, da concepção tradicional do contrato
– o princípio da obrigatoriedade contratual passa a ser relativizado.
Com a 1ª Guerra Mundial, verificou-se a impossibilidade de manter o “rigorismo normativo contratual”. Passou-se a admitir, então, em casos excepcionais, a revisão judicial do contrato para se restabelecer a comuta- tividade e o equilíbrio contratual, com base na cláusula rebus sic stantibus42, ou teoria da imprevisão, desde que a alteração das circunstâncias, decorrente de fatos imprevisíveis, gerasse a uma das partes contratantes excessiva onerosidade43, a fim de se alcançar equilíbrio contratual44.
Após as duas Guerras Mundiais, começaram a surgir maiores preo- cupações, como a segurança do Estado e o fortalecimento da economia. Os movimentos sociais se fortalecem difundindo a ideologia do Socialismo, “em que o Estado passa a deter os meios de produção (intervenção substitutiva) e a elaborar planos para a atuação, inserindo-se, assim, a noção de planejamento na economia”45.
38 Sobre a “igualdade formal” cf. XXXXX, 2003, p. 23.
39 Cf. o texto original, XXXX; ENGEL, 1961, p.28.
40 XXXXXX, 0000, p. 22.
41 XXXXXXX-XXXXX, 1991, p. 41.
42 Cf. maiores detalhes, ibid.
43 Ibid., p. 43.
44 Ibid., p. 46.
45 XXXXXX, 0000, p. 22.
Em seguida, aparece o chamado neoliberalismo, o qual admite “a intervenção do Estado para suprir deficiências da iniciativa privada (intervenção supletiva), a qual se inicia no campo social, pela instituição de normas e organismos de defesa dos trabalhadores, aceitando-se, em algumas partes, o planejamento estatal”46.
O Estado intervencionista, do bem-estar, consolida-se no século XX modificando o paradigma do contrato na concepção tradicional, do consentimento livre e da igualdade formal das partes, expressado na pacta sunt servanda47.
Ao contrário do Estado Liberal, que assegurava os direitos do homem de primeira geração (a liberdade, a vida e a propriedade individual), o Estado Social (Welfare State) assegura os direitos do homem de segunda geração (os direitos sociais) garantindo não apenas a liberdade e a autono- mia contratual, mas também intervindo na relação contratual para promover a justiça social48. Passa a regular a atividade econômica dentro do sistema capitalista visando coibir abusos e fomentar o desenvolvimento econômico e social49.
A autonomia contratual deixa de ser absoluta e passa a sofrer maiores restrições com o dirigismo contratual (“a intervenção do Estado na economia do contrato”)50. A igualdade contratual formal é afastada, reconhecendo-se a necessidade de uma proteção legal para a parte frágil da relação contratual. Surge, então, uma nova concepção de contrato.
1.2 CONCEPÇÃO MODERNA DO CONTRATO
A Constituição Brasileira Dirigente de 1988, editada depois de um longo período de ditadura, proclamou como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e o respeito aos valores
46 BITTAR, op. cit., p. 22.
47 LÔBO, 1995, p. 41.
48 Ibid., p. 42.
49 “A idéia clássica de contrato social funda-se num tipo de relação direta que se estabelece entre indivíduos autônomos e um poder soberano, de onde emerge a figura do Estado. No novo contrato social, típico do Welfare State, o todo tem uma existência autônoma, independentemente das partes (indivíduos). Neste tipo de contrato social não é apenas o Estado, mas também a sociedade, que forma a totalização social. A totalização, aqui é entendida como obrigação entre indivíduos, mediada pela forma social que passa a ter um papel regulador, mediador e redistributivo”. (XXXXXX XXXXXX, 1998, p. 102)
50 Cf. XXXXX, 2001, p. 25.
sociais do trabalho e da livre iniciativa, tendo como objetivo fundamental a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
A ordem brasileira constitucional econômica adota o princípio da justiça social como base da atividade econômica, cujas limitações têm re- flexos diretos na autonomia contratual, a qual passa a ser delimitada pela função social.
Oportuno destacar os comentários do doutrinador italiano Xxxxxx Xxxxxxxxxx quando esclarece que a constituição não se ocupa da autono- mia privada, mas da iniciativa econômica:
La Costituzione non si occupa dell’autonomia privata, ma dell’iniziativa economica. Tuttavia il rapporto tra iniziativa econômi- ca e autonomia contrattuale è chiaramente um rapporto di strumenta- lità. Evidentemente, il concetto di iniziativa economica è più ampio perché comprende anche attività o atti che non hanno natura negozia- le (per es., gli atti di organizzazione dell’ impresa). È anche vero, però, che tutti gli atti di autonomia privata con contenuto patrimonia- le (ad eccezione degli atti che riguardano i rapporti familiari) sono manifestazioni del potere di iniziativa economica, giacchè attraverso l’ autonomia contrattuale vengono, di solito, regolati aspetti dell’ ini- ziativa economica che riguardano i rapporti com gli altri soggetti51.
No direito civil clássico, o indivíduo, sujeito de direito, era o detentor da propriedade, que era o núcleo daquele ordenamento jurídico. No Estado Social Democrático de Direito, o foco passa a ser o bem comum e o indivíduo é protegido apenas pelo fato de existir52.
A função social do contrato está diretamente ligada com a fun- ção social da propriedade, de acordo com os ditames dos incs. XXIII do art. 5º53 e III, do art. 17054 da Constituição Federal de 1988, tendo em vista
51 BARCELLONA, 1996, p. 388. Tradução livre: “A Constituição não se ocupa da autonomia privada, mas da iniciativa econômica. Todavia, há uma relação de ins- trumentalidade entre a iniciativa econômica e a autonomia contratual. Evidentemen- te, o conceito de iniciativa econômica é mais amplo porque compreende também ati- vidades ou atos que não têm natureza negocial (e.g.: os atos de organização da em- presa). Mas é também verdade que todos os atos de autonomia privada com conteúdo patrimonial (com exceção dos atos que dizem respeito às relações familiares) são a manifestação do poder da iniciativa econômica, já que através da autonomia contra- tual são somente regulados aspectos da iniciativa econômica que dizem respeito às relações com os outros sujeitos”.
52 XXXXXXXXXX, 2005, p. 117.
53 CF, art. 5º, XXIII – “a propriedade atenderá a sua função social.”
54 CF, art. 170, Um dos princípios da ordem econômica: “III – função social da pro- priedade.”
que “a realização da função social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a coletividade”55/56.
O contrato, sendo meio de circulação da propriedade, não pode mais ficar adstrito às partes contratantes, uma vez que seus efeitos surtem conseqüências sociais. Partindo dessa premissa, os estudiosos do direito já vinham defendendo que todos os contratos, independentemente de sua natu- reza, deveriam ter uma função social e estar alicerçados na boa-fé objetiva57.
A função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva são inseridos no ordenamento jurídico brasileiro como cláusulas gerais, con- ferindo ao aplicador do direito maior liberdade para revisar e modificar o contrato no caso concreto58.
O novo Código Civil de 2002 (Lei 10.406, de 10.01.2002) se distingue do individualismo do Código Civil revogado de 1916, em razão “da preferência dada às normas ou cláusulas abertas, ou seja, não su- bordinadas ao renitente propósito de um rigorismo jurídico”59, limitando a liberdade de contratar das partes aos princípios da função social do contrato60 e da boa-fé objetiva61, “sempre que se traduz em abuso do di- reito ou da confiança do outro”62.
55 REALE, 2003.
56 Cf. XXXXXX, 0000, p.24.
57 Cf. LÔBO, 1995, p. 44.
58 Cf. XXXXXXX-XXXXX, 1999, p. 274.
59 REALE, 2003.
60 Art. 421 estabelece que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limi- tes da função social do contrato”, sendo que o art. 1.228 assegura que “o proprietário tem faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”, afirmando no § 1º que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômi- cas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patri- mônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. Como explica Xxxxxx Xxxxx: “Um dos motivos determinantes desse mandamento resulta da Constituição de 1988, a qual, nos incs. XXII e XXIII do art. 5º, salvaguarda o direito de propriedade que “atenderá a sua função social”. Ora, a realização da função so- cial da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a coletividade”. (Ibid.)
61 Art. 113, segundo o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”; Art. 422, que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. “Art. 765. O segurado e o segurador são obriga- dos a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e vera- cidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele con- cernentes”.
62 XXXXXXX; MACEDO, 2002, p. 97.
Apesar de limitada, a vontade das partes ainda é o elemento prin- cipal na formação do contrato, o qual continua sendo obrigatório entre as partes. Contudo, é possível a modificação do contrato por meio do órgão do Poder Judiciário, quando extrapolar os limites da liberdade de contratar em detrimento da coletividade, não atendendo a sua função social, nem ao princípio da boa-fé objetiva:
O princípio da boa-fé endereça-se sobretudo ao juiz e o instiga a for- mar instituições para responder aos novos fatos, exercendo um con- trole corretivo do Direito estrito, ou enriquecedor do conteúdo da re- lação obrigacional, ou mesmo negativo em face do Direito postulado pela outra parte. A principal função é a individualizadora, em que o juiz exerce atividade similar à do pretor romano, criando o “Direito do caso”. O aspecto capital para a criação judicial é o fato de a boa-fé possuir um valor autônomo, não relacionado com a vontade. Por ser independente da vontade, a extensão do conteúdo da relação obrigacio- nal já não se mede com base somente nela, e, sim, pelas circunstâncias ou fatos referentes ao contrato, permitindo-se “construir” objetiva- mente o regramento do negócio jurídico, com a admissão de um dina- mismo que escapa, por vezes, até mesmo do controle das partes63.
A boa-fé objetiva adveio da interpretação do Código Civil alemão (BGB), que iniciou a grande transformação da relação obrigacional ao reconhecer “a existência de deveres acessórios ou implícitos, instrumen- tais e independentes, ao lado da obrigação principal”, admitindo a cláu- sula geral de boa-fé no § 24264.
Distingue-se da boa-fé subjetiva65 por ser uma regra de conduta que impõe às partes o dever de agir com transparência, lealdade e coope- ração mútua, de acordo com a legítima expectativa dos contratantes no cumprimento do contrato. Ou seja, um “modelo de conduta social, arqué- tipo ou standard jurídico, segundo o qual ‘cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade’”66/67.
Antes mesmo do advento do Código Civil de 2002, o princípio da boa-fé objetiva já havia sido positivado no ordenamento jurídico brasi- leiro como princípio informador das relações de consumo.
63 FRADERA, 1997, p. 42.
64 Ibid., p. 38.
65 Sobre a boa-fé subjetiva cf. XXXXXXX-XXXXX, 1999, p. 411.
66 Ibid., p. 411.
67 Sobre a boa-fé objetiva cf. XXXXXX, 2001, p. 4.
A defesa do consumidor, a partir da Constituição Federal de 1988, é inserida na categoria dos direitos fundamentais (art. 5º, XXXII), tornando-se um dos princípios da ordem econômica (art. 170, V), fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com o fim de assegurar a todos existência digna, segundo os ditames da justiça social.
Tais preceitos constitucionais têm como alicerce o princípio da dignidade da pessoa humana calcado nos direitos humanos fundamentais.
Como esclarece Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx00, os direitos do consu- midor são direitos humanos de terceira geração que ultrapassam os direi- tos sociais da segunda geração, típicos do Estado Social, em razão do caráter de solidariedade, vulnerabilidade incidível no caso concreto.
Interessante, ainda, citar a definição que a autora traz da digni- dade da pessoa humana analisando a idéia central de Xxxx:
para a filosófica Kantiana, todo homem tem dignidade e não tem preço como as coisas; a pessoa não pode (nem deve) ser “coisifica- da”, assim cada ser humano é único em sua individualidade e insubs- tituível, não podendo ser trocado por coisa alguma. Xxxx defendia a idéia de que o homem não é uma coisa e, por conseqüência, não tem um preço – em uma simplificação adstrita aos limites desse artigo – é a afirmação de que a pessoa humana tem um valor em si mesmo, um valor absoluto que não pode ser negociado, trocado ou explorado, es- se valor é a dignidade da pessoa humana. A concepção kantiana po- de ser descrita como a idéia de que o ser humano, em razão tão-só de sua condição humana, tem direitos que obrigam o Estado e aos de- mais seres humanos a respeitá-los69.
Extrai-se dessa análise o princípio da dignidade da pessoa hu- mana como consumidora70, que concebe o homem como ser digno, com valor em si mesmo, e não uma coisa.
Sob esse prisma, surge, em 1990, o Código de Defesa do Con- sumidor com a Lei 8.078, de 11 de setembro, de acordo com a determina- ção Constitucional art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transi- tórias.
A Política Nacional das Relações de Consumo visa, dentre ou- tros objetivos, buscar, de acordo com o inc. III, do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor,
68 BOLSON, 2003, p.267.
69 Ibid., p. 274.
70 Ibid., p. 278.
“a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessi- dade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabili- zar os princípios nos quais se funda a ordem econômica” (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas re- lações entre consumidores e fornecedores.
A vulnerabilidade do consumidor é reconhecida, coibindo-se os abusos, como, por exemplo, versa o inc. IV, do art. 51, que estabelece serem nulas de pleno direito as cláusulas que “estabeleçam obrigações conside- radas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”71.
Assim, as cláusulas abertas que se reportam à função social do contrato e à boa-fé objetiva serão aplicadas tendo em vista a peculiaridade de cada sistema.
O Código Civil rege as relações privadas de forma ampla, há uma presunção de que a relação obrigacional é equilibrada, que as partes são iguais, e que sua validade requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei72. Para os contratos celebrados sem o pressuposto do equilíbrio entre as partes contratantes, há a previsão da hipótese de estado de perigo73 e da lesão74.
Já o Código de Defesa do Consumidor regula as relações de consumo partindo da premissa de que as partes contratantes são desiguais, com o objetivo de manter o equilíbrio da relação de consumo, protegendo o consumidor, que é a parte vulnerável do contrato perante o fornecedor, não apenas na questão sócio-econômica (vulnerabilidade fática), mas também com relação ao acesso e controle das informações, (vulnerabili- dade técnica) e negocial (vulnerabilidade jurídica ou científica)75.
Tanto no sistema do Código Civil quanto no Código de Defesa do Consumidor, a inserção da função social do contrato e do princípio da boa-fé objetiva não elimina a aplicação dos princípios tradicionais do Estado liberal, quais sejam: a liberdade de contratar, a força obrigatória do contrato e a eficácia relativa da convenção, que passam a ser aplicados em conjunto com os novos princípios norteadores das relações contratuais
71 Cf. XXXXXXX, 2004b, p. 227.
72 CC/02, art. 104.
73 CC/02, art. 156.
74 CC/02, art. 157.
75 MARQUES, op. cit., p. 270.
oriundos das idéias de eticidade e solidarismo, impostas pela nova ordem constitucional, que colocam a confiança76 no núcleo das relações contratuais.
Deve existir uma colaboração intersubjetiva na negociação, na qual o declarante responde pela confiança que o outro contratante nele depositou ao contratar77.
Dessa forma, a confiança revela-se como um dos valores funda- mentais da ordem econômica contemporânea que busca redirecionar a autonomia privada a fim de promover a justiça social e proteger o princípio da dignidade da pessoa humana, salvaguardando o equilíbrio do contrato78/79.
Com base nessa concepção moderna, passa-se à análise de al- guns aspectos relevantes do contrato de consumo eletrônico, à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil.
1.3 CONTRATOS ELETRÔNICOS80 NA RELAÇÃO DE CONSUMO – COMÉRCIO ELETRÔNICO VIA INTERNET
O comércio eletrônico pode ser definido no sentido amplo como a compra e venda de quaisquer bens, produtos ou serviços que tenham
76 Nas palavras de Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx: “confiança é aparência, informação, trans- parência, diligência e ética no exteriorizar vontades negociais”. (MARQUES, 2004a, p. 33)
77 Como exemplo, cita-se o Resp. 63.981-SP do Superior Tribunal de Justiça que foi conhecido e dado provimento à luz da proteção da confiança no direito do consumi- dor: “Direito do consumidor. Filmadora adquirida no exterior. Defeito da mer- cadoria. Responsabilidade da empresa nacional da mesma marca (“Panasonic”). Economia globalizada. Propaganda. Proteção ao consumidor. Peculiaridades da espécie. Situações a ponderar nos casos concretos. Nulidade do acórdão estadual rejeitada, porque suficientemente fundamentado. Recurso conhecido e provido no mérito, por maioria”. (STJ – 4ª T. – REsp. 1995/0018349-8 – Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx – Relator p/ acórdão Min. Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx – j. em 11.04.2000 – DJ 20.11.2000, p. 296). Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx>. Acesso em: 10 jul. 2006.
78 Cf. XXXXXXX-XXXXX, 2003, p. 28.
79 Sobre a confiança cf. ibid., p. 29.
80 “No que diz respeito ao ‘meio eletrônico’, muitos sistemas legais estenderam esta noção ao meio telefônico, eletrônico ou telemático. Não se trata de uma realidade ‘ontológica’, mas sim de uma definição de política legislativa, ou bem epistemológica. O certo é que por essas razões as definições legais podem não coincidir com as técni- cas, podendo ser excluídas determinadas hipóteses fáticas.” Na legislação da Espanha (Decreto 1.906/99), o elemento de qualificação do “meio eletrônico” é “o de que a ce- lebração ocorre sem a presença física dos contratantes”. (XXXXXXXXXX, 2004,
p. 287) Para fins acadêmicos, o presente estudo considerará “meio eletrônico” apenas a Internet.
sido ofertados, solicitados, enviados ou pagos por meio da Internet81. No sentido restrito, no âmbito do direito do consumidor, é entendido como a compra e venda82 via Internet entre fornecedor e consumidor.
A Internet83 é definida por Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx como uma rede internacional ou de computadores interconectados que permite a comunicação e o acesso a informações de todo o mundo, a qual apresenta quatro características: a) é uma rede aberta, visto que qualquer um pode ter acesso a ela; b) é interativa já que o usuário gera dados, navega e esta- belece relações; c) é internacional, no sentido de que permite superar as barreiras nacionais; d) há uma multiplicidade de operadores84.
O acesso à rede pode se dar por via telefônica, conexão “Dial up” ou “ADSL”, e, em menor escala, por conexão por cabo (Cable-mode), “Via-rádio” e “Via-Satélite”85, sendo imprescindível a contratação de um provedor que forneça os serviços de acesso, que viabilizam o acesso à Internet dos usuários e outros provedores de serviços e comunicações86/87.
Apesar de o comércio eletrônico distinguir-se do comércio tra- dicional, que conta com a presença física das partes, ainda mantém a característica principal do comércio clássico de atos negociais entre em- presários e clientes com a finalidade de vender produtos e serviços88. Existe a oferta, a aceitação e o pagamento, realizados através da Internet, cuja contratação é classificada como à distância89.
De acordo com Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx:
81 VOLPI NETO, 2001, p. 29.
82 A venda on-line pode ser de serviços ou produtos materiais, entregues no local indi- cado pelo consumidor, ou imateriais (software) a ser enviada pelo mesmo meio ele- trônico, ex: conteúdo de livros, músicas, revistas on-line, educação à distância, dentre outros.
83 Sobre a definição da Internet cf. XXXXXXX, 2006, MARQUES, 2004a, p. 160.
84 XXXXXXXXXX, 2001, p. 423.
85 PANICHI, 2003.
86 No momento em que é feita uma ligação direta à internet, o computador do usuário passa a operar como um servidor da rede, possuindo um endereço e um protocolo da internet, chamado IP (internet protocol), enquanto que a conexão indireta, na qual o computador do usuário conecta-se a um outro computador diretamente conectado à Internet, ele recebe um sub endereço em um dos provedores.
87 Sobre definição de provedor de acesso cf. XXXXX, 2001, p. 25.
88 MARQUES, 2004a, p. 35.
89 Meios utilizados para a contratação à distancia eletrônica: telefone – com pessoas ou gravações, voice-mail, audiotexto... – rádio, satélite, fibras óticas, ondas eletromagné- ticas, raios infravermelhos, telefones celulares ou telefones com imagens, vídeo-texto, micro-computadores, televisão com teclado ou tela de contato, serviços de acesso a e- mails, computadores, pages wireless e outras. (Ibid., p. 37)
Podemos definir comércio eletrônico de uma maneira estrita, como sendo uma das modalidades de contratação não-presencial ou à dis- tância para a aquisição de produtos e serviços através de meio ele- trônico ou via eletrônica. De maneira ampla, podemos visualizar o comércio eletrônico como um novo método de fazer negócios através de sistemas e redes eletrônicas. Lato sensu, pois o comércio eletrôni- co abrangeria qualquer forma de transação ou troca de informação comercial ou visando a negócios, aquelas baseadas na transmissão de dados sobre redes de comunicação como a Internet, englobando as atividades negociais, juridicamente relevantes, prévias e posterior- mente à venda ou à contratação90.
Diferente dos outros meios de contratação à distância, como te- lefone, televisão, correio, catálogos etc., a Internet91 propicia ao fornece- dor novas formas de marketing agressivo (com imagens interativas, links, sons) com acentuado poder de persuasão 24 (vinte e quatro) horas ininter- ruptas e a custos reduzidos.
Com um simples clique no mouse, o consumidor tem a possibi- lidade de contratar e adquirir os mais variados produtos e serviços a qual- quer tempo, independente da localização do fornecedor e do horário, utilizando-se de diversas formas de pagamento, conforme será tratado no tópico 3.5.
A informática se apresenta, assim, como um meio eficaz e alter- nativo para a concretização de qualquer das modalidades que pode assumir um contrato, o qual, em geral, pelo princípio da liberdade das formas, pode se utilizar de todos os meios tradicionais: verbal ou escrito, salvo se a lei exigir forma especial.
Nessa seara, Xxxxxxx X. Xxxxxxxxxx afirma: “Uma vez constatado que o meio digital é utilizado para celebrar, cumprir ou executar um acordo, estaremos diante de um contrato eletrônico”92/93.
90 Ibid., p.38 e ss.
91 Hoje a internet faz parte da sociedade de consumo por ser um instrumento de comuni- cação amplamente difundido, em razão de seu alcance, de sua velocidade e de sua economicidade na transmissão de dados. Aquele que não a utiliza é considerado um “excluído digital”, discriminado por não ter acesso ‘à informação digital, seja quanto à possibilidade de fazer uma pesquisa de preços, procurar ofertas, ou mesmo ter aces- so aos serviços oferecidos apenas através da internet, como o homebaking. Há uma nova divisão social “entre aqueles que detêm e aqueles que nunca deterão a informa- ção”. (Ibid., p. 72)
92 XXXXXXXXXX, 2004, p. 287.
93 De acordo com Xxxxxxxx Xxxxx, é mais apropriado definir essa nova forma de contra- tar como “contratação por meio de informática”, ao invés de “contratos por computa- dor”, “contratos eletrônicos” e “contratos on-line”, pois: “Trata-se de analisar contra-
No conceito de Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, o contrato eletrônico é aquele “celebrado por meio da transmissão eletrônica de dados. A mani- festação de vontade dos contratantes (oferta e aceitação) não se veicula nem oralmente, nem por documento escrito, mas pelo registro virtual (isto é, despapelizado)”94.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Santolim observa que o computador pode servir apenas como meio de informação para obter os elementos necessá- rios para a formação da vontade, sem participar da elaboração do contra- to. Ou pode intervir na formação e na instrumentalização do contrato95.
Se, de um lado, a Internet traz benefícios ao consumidor, por aumentar sua liberdade de escolha ampliando seu acesso a um grande número de fornecedores em um curto espaço de tempo, de outro, cria uma nova vulnerabilidade, a tecnológica, na qual o fornecedor tem amplo controle informacional, técnico e de linguagem, inclusive com relação a sua identidade e localização96.
tos usuais no meio jurídico, que são aperfeiçoados mediante o concurso da informáti- ca. Dessa forma, se apresenta imprópria a denominação de contratos eletrônicos, pois o contrato pode ser de compra e venda, de prestação de serviço, de cessão de uso etc., e o fato de serem realizados por meio eletrônico não lhes retiram as caracte- rísticas que lhes dão nome e classificação. Igualmente, não se pode falar em contra- tos por computador, pois o hardware simplesmente dá base para operacionalizar o software, sendo que este, sim, vai oferecer o ambiente para o aperfeiçoamento do contrato. De qualquer forma, ambos, hardware e software integram o conceito mais amplo de informática. Abandona-se, por fim, a opção por contratos on-line, pois a in- formática também permite a contratação off-line, sem contudo, deixar de ser um mé- todo informatizado para realização do contrato”. (Apud DE LUCCA, 2001,
p. 46) No entanto, para fins didáticos, o trabalho acompanhará a doutrina majoritária que utiliza a denominação “contrato eletrônico”.
94 COELHO, 2000, p. 37.
95 Assim, prevê três hipóteses: a) “o computador como simples meio de comunicação” da vontade já aperfeiçoada, que se equipara aos contratos por telefone, “fax”, carta, etc., sendo relevante a análise de questões como precisão do conteúdo do contrato e a identificação das partes; b) “o computador como local de encontro de vontades” já aperfeiçoadas, é o caso do computador programado por terceiro, posto a serviço das partes contratantes, cujo sistema não pertence a nenhuma das partes, com exclusivida- de. Podem surgir dificuldades no que concerne à correta identificação dos contratan- tes, ao objeto e à definição do lugar e momento de aperfeiçoamento; e, c) “o compu- tador como auxiliar no processo de formação da vontade (contratos por computador stricto sensu)”, nesse caso, o computador incide no processo de formação da vontade utilizando-se de dados fornecidos pelo usuário, que deverão regular a atividade nego- cial. (SANTOLIM, 1995, p. 25 e ss.)
96 A respeito desse aspecto, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx acentua: “a Internet traz uma apa- rência de liberdade, com o fim das discriminações que conhecemos (de cor, sexo, re- ligião etc.) e o fim dos limites do mundo real (fronteiras, línguas diferentes, riscos de viagem etc.), mas a vulnerabilidade do consumidor aumenta. Como usuário da net, sua capacidade de controle fica diminuída, é guiado por links e conexões, em transa-
Em geral, as transações comerciais de compra e venda efetuadas pela Internet são realizadas por meio de contrato de adesão ou cláusulas gerais97 unilateralmente formuladas e estabelecidas pelo fornecedor, que podem ou não ser aceitos pelo consumidor. Para fins desse estudo, serão considerados apenas essas modalidades de contratação98.
Esses novos contratos, chamados de contratos de consumo vir- tuais, eletrônicos, ou, ainda, B2C (bussiness to consumer), são definidos por Xxxxx Xxxxx Xxxxx como “todo e qualquer negócio realizado via Internet, tendo por um lado, uma pessoa física ou jurídica, na qualidade de produtora, fabricante, fornecedora e, por outro, o consumidor, desti- natário final dos respectivos produtos ou serviços”99.
Distinguem-se dos contratos até então utilizados, sobretudo, pe- la falta de “rosto” dos contratantes e de sua desmaterialização, pois a circulação de riquezas se dá pela informação.
Faz-se necessário, assim, estabelecer um novo paradigma con- tratual da confiança como alicerce da relação de consumo virtual.
1.3.1 O novo paradigma da confiança no contrato de consumo eletrônico
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx afirma que a era digital desencadeou a “segunda crise do contrato”, em razão da despersonalização extrema ori- unda dos contratos em massa de adesão e cláusulas gerais, em que há pluralidade de consumidores e fornecedores organizados em cadeia, sem ser possível identificar com precisão quem faz parte da relação de con- sumo100. Na expressão utilizada pelo doutrinador italiano Xxxxxxx Xxxx, verifica-se um processo de “desumanização do contrato”101. Ou, ainda, pode-se dizer que “os contratos concluídos por meio eletrônicos seriam
ções ambiguamente coordenadas, recebe as informações que desejam lhe fornecer, tem poucas possibilidades de identificar simulações de “jogos”, de proteger sua pri- vacidade e autoria, de impor sua linguagem. Se tem ampla capacidade de escolher, sua informação é reduzida (extremo déficit informacional), a complexidade das tran- sações aumenta, sua privacidade diminui, sua segurança e confiança desintegram-se em uma ambigüidade básica: pseudo-soberania do indivíduo/sofisticação do contro- le!” (MARQUES, 2004a, p. 72)
97 Sobre o contato de adesão cf. XXXXXXX, 2006, p. 70 e ss. E, ainda, MOURA, 2003,
p. 168 e ss.
98 Cf. XXXXXXXXXX, 2004, p. 278.
99 COSTA, 2002.
100 MARQUES, 2004a, 64.
101 Apud, MARQUES, op. cit., p. 65.
contratos ‘em silêncio’ ou ‘sem diálogo’ (expressão de Xxxx), conduzidos mais pela imagem, pela conduta de apertar um botão, do que pela lin- guagem”102.
Diante de tal realidade, a autora segue o posicionamento de Op- po, defendendo que se faz necessário reumanizar e repersonalizar o con- trato eletrônico jurisdicionalizando e conferindo validade à certificação da origem da declaração de vontade eletrônica, ao documento eletrônico e à assinatura eletrônica103, uma vez que por trás das máquinas necessaria- mente existe um indivíduo a quem devem ser imputados os atos e as in- formações transmitidos na rede.
Para Xxxxxxx X. Xxxxxxxxxx:
Na verdade, o contrato não está em crise, mas sim um modo histórico particular de compreender o negócio; o contrato, todavia, manterá sempre o seu significado. Especificamente com relação ao acordo te- lemático, já se apontou que este deverá ser inserido ou adaptado à tradição do consensualismo. [...] Na nossa opinião, deve-se admitir que, dentro da noção de contrato, existe uma multiplicidade de fatores de atribuição dos efeitos obrigacionais. A contratação atual, assim como a sociedade, evoluiu na direção de múltiplos subsistemas autô- nomos; a hipótese fática única, o “ideal” do contrato está fragmenta- do. Existem relações por adesão e de consumo; verifica-se também a presença de megacontratos entre grandes empresas, relações entre as pequenas e médias empresas, contratações internacionais e muitas outras. [...] Há que se aceitar a diversificação, produzindo respostas diferenciadas e ajustadas a cada hipótese legal. Cuida-se de nada mais dos que colocar a ciência jurídica em sintonia com as outras ciên- cias e com a sociedade, já que a pluralidade é uma característica da pós-modernidade, assim como a segmentação é inerente a uma eco- nomia evoluída. Como se disse, existe uma pluralidade de fatores de atribuição de efeitos obrigacionais no contrato, que podem advir da autonomia da vontade, mas também da aparência, da boa-fé, ou da ação da parte. Esta afirmação não deve ser entendida no sentido de supressão da autonomia privada. No plano dos princípios, ela con- serva o seu papel predominante, mas no âmbito das regras não o mantém, porque variará conforme a hipótese fática104.
Ou seja, a despersonalização do contrato não precisa ser neces- sariamente encarada como uma “segunda crise”, tendo em vista que é
102 Ibid., p. 66.
103 Ibid., p. 68 e ss..
104 XXXXXXXXXX, 2004, p. 279 e ss.
possível aplicar aos contratos eletrônicos os princípios trazidos pela con- cepção moderna do contrato.
Concorda-se, contudo, com Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx quando afirma ser necessário criar um novo paradigma da confiança no comércio eletrônico, a fim de proteger as legítimas expectativas do consumidor oriundas da informação declarada no meio virtual105.
O novo paradigma da confiança, repita-se, tem como fundamen- to os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, conso- lidados pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código Civil Brasi- leiro de 2002.
A confiança é colocada no núcleo das relações do comércio ele- trônico, impondo deveres anexos específicos, porque, ao contrário do que ocorre no mundo real, onde é possível se utilizar da teoria da aparência, aqui, “a própria aparência se desmaterializou” restando, apenas, a “trans- parência”, “dado” ou “informação” de um texto contratual complexo, rápido e especializado106.
Com a reumanização do contrato eletrônico, a dogmática da aparência retorna107.
Ou seja, “aquele que utiliza o meio eletrônico e cria a aparên- cia de que este pertence a sua esfera de interesses, arca com os riscos e os ônus de demonstrar o contrário”108.
Do princípio da confiança extrai-se o princípio da boa-fé objetiva.
Como já foi dito no tópico 1.2, por boa-fé objetiva entende-se a honestidade, a transparência, a lealdade, a cooperação mútua das partes
105 MARQUES, 2004a, p. 48.
106 MARQUES, 2004a, p. 48.
107 “No comércio eletrônico, a teoria da aparência retorna com toda a sua força, pois no diálogo virtual de dois computadores identificaremos duas partes e duas vontades, imputaremos responsabilidade ao dono (dominus) aparente ou ao guardião aparente da senha ou chave-privada ou pública da assinatura eletrônica. A mesma lógica será utilizada para proteger o contratante mais fraco, em especial aquele que aceita uma oferta realizada por um profissional. Neste caso, a aparência (por exemplo, a marca, o certificado, as imagens ou a presença em determinado site), que despertou a con- fiança do contratante, servirá para imputar responsabilidade, para conectar pessoas jurídicas de grupos econômicos, para valorizar a representação de um fornecedor por outro etc. É o que Xxxxxxxxxx denomina de “fatores de atribuição” dos efeitos do negócio, concluindo que nos contratos eletrônicos com consumidores a adesão e a conduta prévia dos fornecedores (publicidade, práticas comerciais e atos negociais) devem ser integrantes ao consensus formado com base na aparência da oferta pelo fornecedor e na aceitação sobre a base da confiança típica dos sistemas complexos tecnológicos”. (Ibid., p. 69 e ss.)
108 XXXXXXXXXX, 2004, p. 293.
para atuarem de acordo com o que foi estipulado no contrato, observando um parâmetro de conduta a ser seguido, conforme a expectativa criada nos contraentes.
O Código de Defesa do Consumidor analisa os atos contratuais não mais como elemento subjetivo, da concepção clássica de boa-fé, que valoriza a intenção do contraente no momento da celebração do contrato (boa-fé subjetiva), mas como padrão de conduta a ser seguido, conside- rando as expectativas criadas no âmbito de direitos das partes contraentes e terceiros interessados.
Salienta-se que a boa-fé objetiva alcança todas as fases contra- tuais, quando da oferta, da formação do contrato e execução, consoante estabelece o Código de Defesa do Consumidor.
O princípio da transparência é um desdobramento do princípio da boa-fé objetiva; tem como pressuposto a informação clara e correta sobre o produto ou serviço que está sendo comercializado e sobre o con- trato de compra a ser firmado. “Significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo”109/110.
A Constituição brasileira inclui a defesa do consumidor no elenco dos direitos fundamentais (art. 5º, XXXII) e, por sua relevância, previu que (art. 5º, XIV) “é assegurado a todos o acesso à informação”111.
A informação é, portanto, um dever anexo do fornecedor no no- vo paradigma da confiança no contrato de consumo eletrônico.
1.3.1.1 Dever de informação
O objetivo da transparência pela informação, como proteção con- tratual, garante ao consumidor o direito à informação112, à educação e transparência113.
Por esse princípio, o fornecedor passa a ser responsável pelas informações que veicular, como também impõe o dever anexo de prestar informação nítida, precisa e em língua portuguesa114, que preencha os re- quisitos da adequação, suficiência e veracidade, sobre o produto e serviço.
109 XXXXXXX, apud FERREIRA, 2004, p. 186.
110 Sobre a transparência e o dever de informação cf. XXXXXXXXX XX., 1992, p. 53.
111 Sobre o direito à informação cf. XXXX, 2001, p. 62 e ss.
112 CDC, art. 6º, III e 46.
113 CDC, art. 4º, IV.
114 XXXXXXXX, 2001, p. 246.
Como esclarece Xxxxx Xxxx Xxxxx Xxxx:
A adequação diz com os meios de informação utilizados e com o res- pectivo conteúdo. Os meios devem ser compatíveis com o produto ou o serviço determinados e com o consumidor destinatário típico. Os signos empregados (imagens, palavras, sons) devem ser claros e pre- cisos, estimulantes do conhecimento e da compreensão. No caso de produtos, a informação deve referir à composição, aos riscos, à peri- culosidade115.
A suficiência relaciona-se com a completude e integralidade da in- formação. Antes do advento do direito do consumidor, era comum a omissão, a precariedade, a lacuna, quase sempre intencionais, relati- vamente a dados ou referências não vantajosas ao produto ou serviço. A ausência de informação sobre prazo de validade de um produto alimentício, por exemplo, gera confiança no consumidor de que possa ainda ser consumido, enquanto a informação suficiente permite-lhe escolher aquele que seja de fabricação mais recente. Situação am- plamente divulgada pela imprensa mundial foi a das indústrias de tabaco que sonegaram informação, de seu domínio, acerca dos danos à saúde dos consumidores.
Insuficiente é, também, a informação que reduz, de modo proposital, as conseqüências danosas pelo uso do produto, em virtude do estágio ainda incerto do conhecimento científico ou tecnológico116.
A veracidade é o terceiro dos mais importantes requisitos do dever de informar. Considera-se veraz a informação correspondente às reais características do produto e do serviço, além dos dados corretos acerca da composição, conteúdo, preço, prazos, garantias e riscos117.
A informação é “a chave do momento decisório para o consu- midor, daí por que os deveres de informação encontram-se no centro dos instrumentos de proteção deste agente econômico”118.
No comércio eletrônico, em razão da distância física entre as partes, a debilidade informativa aumenta, uma vez que “as informações disponíveis são aquelas escolhidas pelo fornecedor”119. Esta é a razão pela qual a qualidade da informação fornecida pelo comerciante é a base de toda a confiança da relação de consumo, em especial, aquelas infor- mações prévias que dispõem detalhadamente sobre o fornecedor, sua
115 LÔBO, 2001, p. 68.
116 Ibid., p. 69.
117 Ibid., p. 70.
118 MARQUES, 2004a, p. 82.
119 Ibid., p. 95.
política de privacidade de banco de dados e as condições do contrato, para que o consumidor não venha a ter surpresas na contratação120.
Todos os contratos eletrônicos devem conter os requisitos dis- postos no art. 31121 do Código de Defesa do Consumidor, transmitindo informações com relação a característica, quantidade, qualidade, compo- sição, preço e garantia do produto ou serviço ofertado.
As informações prévias à celebração de qualquer contrato de consumo virtual, de acordo com Xxxx Xxxxxxx Xxxx, devem ser prestadas em português e concernir sobre: a identidade (razão social e CNPJ) e endereço do fornecedor; o endereço, eletrônico ou não, para comunicação das partes sobre assuntos atinentes ao contrato, para facilitar a comunica- ção do consumidor (no caso de reclamação ou arrependimento); nível de segurança do site; informação sobre a forma de uso, pelo fornecedor, dos dados pessoais que o consumidor lhe fornecer para a contratação; caracte- rísticas essenciais do produto ou serviço; risco que o produto ou o serviço apresenta; preço do produto ou do serviço, incluindo impostos; despesas de entrega (custos do frete e impostos); modalidade de pagamento, entre- ga ou execução; direito de arrependimento; prazo de validade da oferta ou do preço; sempre que necessário, informação a respeito da duração míni- ma do contrato, no caso de fornecimento de produtos ou prestação de serviços de execução continuada ou periódica (ex: assinatura de jornal ou revista)122.
Devem constar na loja virtual dados relacionados à empresa123 ofertante, quais sejam: disponibilidade do nome ou razão social; apresen- tação da inscrição no cadastro geral do Ministério da Fazenda e, quanto a profissões regulamentadas, deve conter a numeração estabelecida pelo órgão fiscalizador; conter o endereço do domicílio ou sede; indicar núme- ro de telefone e endereço eletrônico.
Faz-se imprescindível, também, que o contratado virtual indi- que seus serviços e armazenamento de dados, com uma política de priva- cidade, a qual deve: dispor claramente sobre o tratamento e armazena- mento do contrato e das informações apresentadas pelo aceitante; apre- sentar instruções para o arquivamento do contrato pelo aceitante; indicar
120 XXXXXXXXXX, 2004, p. 309.
121 “Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informa- ções corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas caracte- rísticas, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e se- gurança dos consumidores”.
122 XXXX, 2002, p. 74 e ss.
123 BEHRENS, 2005, p. 157 e ss.
os sistemas de segurança aplicados; prestar informações sobre responsa- bilidade de ambas as parte; formas de pagamento; esclarecer sobre o di- reito de arrependimento, os meios de rescisão e de resolução.
Como exemplo, o site <xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx> apresenta deta- lhadamente todas as informações, não só sobre os produtos, mas também com relação à própria empresa, atestando que o consumidor tem proteção absoluta, pois as informações são codificadas pelo software SSL124 e ar- quivadas em um ambiente próprio, interno e de acesso exclusivo do Submarino125.
Informar o consumidor sobre a questão da segurança do site e sobre a forma de armazenamento dos dados recebidos é um dever do fornecedor virtual, a fim de propiciar uma relação contratual equilibrada, na qual o consumidor se torne menos vulnerável ao receber a informação clara e precisa, podendo exercer seu direito de escolha de forma consciente.
O art. 46 do Código de Defesa de Consumidor126 garante ao consumidor o direito de conhecer efetivamente as cláusulas contratuais, no intuito de coibir práticas pré-contratuais abusivas127.
Ou seja, os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance128.
124 SSL – é certificado digital de segurança criptografada.
125 No Brasil, o Projeto de Lei 1.589/99 elaborado pela Comissão Especial de Informática Jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, apresentado pelo Deputado Federal Xxxxxxx Xxxxxxx, visa conferir maior confiança no mundo virtual, dispondo no art. 4º que: “A oferta de contratação eletrônica deve conter claras e inequívocas infor- mações sobre: a) o nome do ofertante e o número de sua inscrição no cadastro geral do Ministério da Fazenda, e, ainda, em se tratando de serviço sujeito a regime de profissão regulamentada, o número de inscrição no órgão fiscalizador ou regulamen- tador; b) o endereço físico do estabelecimento; c) identificação e endereço físico do armazenador; d) meio pelo qual é possível contatar o ofertante, inclusive correio ele- trônico; e) o arquivamento do contrato eletrônico, pelo ofertante; f) instruções para arquivamento do contrato eletrônico, pelo aceitante, bem como sua recuperação, em caso de necessidade e g) os sistemas de segurança empregados na operação”.
126 “Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consu- midores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.
127 Sobre o referido dispositivo legal cf. XXXX XXXXXX, 2001, p. 485.
128 Para Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, a relação sequer chega ao plano da existência jurídica, cf. 2004b, p. 665.
Portanto, “os riscos informacionais e os ônus de prova ineren- tes ao meio desmaterializado escolhido para a contratação pelo fornece- dor são suportados pelo profissional”129/130.
Além do dever de informação, pelo novo paradigma da confian- ça no contrato de consumo eletrônico o fornecedor tem também o dever anexo de confirmar o recebimento do pedido e, ainda, de proporcionar um ambiente virtual seguro para a contratação.
1.3.1.2 Dever de confirmação “aviso de recebimento”, possibilitando a perenização do contrato
O consumidor que compra pela internet não tem meios de saber se seu pedido foi efetivado sem que o fornecedor informe o recebimento do aceite, enviando-lhe uma mensagem de confirmação131.
Além da confirmação da concretização do negócio, para gerar a confiança do contratante deve-se enviar, junto com a mensagem, o con- trato, no qual constará o objeto, valor, forma de pagamento, prazo de entrega etc. Conferindo, assim, a possibilidade de o consumidor armaze- ná-lo em seu computador ou imprimi-lo, a fim de perenizar seu conteúdo, como garantia de que não será futuramente alterado pelo fornecedor132/133.
129 MARQUES, 2004a, p.78.
130 No direito comparado, vale destacar a Diretiva 97/77 da Comunidade Européia co- mentada por Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx: “Quanto ao direito de informação, assegura o art. 4 da Diretiva 97/77/CE, sobre contratação à distância, um extenso direito de informação do consumidor, exigindo que o consumidor seja informado da identidade e do endereço do fornecedor, das características básicas do serviço ou produto oferecido, do seu preço e dos impostos, assim como dos custos de envio e dos custos de pagamento ou taxas extras necessárias à prestação (por exemplo, taxa de embalagem, empacotamento especial, postagem etc.). O consumidor deverá ser também informado sobre o custo da comunicação ou da utilização do método de comunicação à distância, se diferente da tarifa básica; sobre o seu direito de arrependimento; sobre o prazo de validade da oferta ou do preço especial; sobre o prazo de duração mínimo do contrato e a forma de sua renovação; sobre o prazo de entrega do bem ou execução do serviço; sobre os detalhes da forma da prestação e a regularidade com que estes serviços serão prestados. O art. 4 exige, ainda, que a intenção comercial do contato e das informações prestadas sejam expressas, assim como que os países apliquem as normas nacionais de proteção dos incapazes, procurando adaptar este tipo de oferta “eletrônica” às exigências da segurança do tráfico e da boa-fé. Segundo o art. 5, estas informações devem ser confirmadas por escrito ou, se acessíveis ao consumidor, por e-mail durante o período em que se realizarem as prestações. Caso a prestação seja única e imediata, deverá o consumidor ser informado do endereço do fornecedor, prevalecendo o direito de arrependimento”. (Ibid, p. 131)
131 Sobre o dever de confirmação cf. XXXXXXXXXX, 2004, p. 311.
132 Cf. XXXXXXX, 2004a, p. 124.
A “formalidade informativa”134 é um desdobramento do princí- pio da boa-fé objetiva, que visa ampliar a proteção do consumidor que contrata no meio eletrônico. No direito comparado, observa-se que se esse dever acessório não for cumprido, dilata-se o prazo legal para o exercício do direito de arrependimento, como ocorre por exemplo, no direito Europeu (Diretiva Européia 97/7), em que o lapso temporal de 14 (quatorze) dias é ampliado para até 3 (três) meses135.
O Projeto de Lei 1.589/99 dispõe que o fornecedor deve con- firmar o recebimento do aceite nos seguintes arts. 7º e 13136.
O dever de confirmação do pedido é fundamental no meio ele- trônico, tendo em vista o risco de interrupção da transmissão de dados ou falha na comunicação eletrônica, que pode suscitar dúvidas quanto à efe- tiva conclusão do contrato.
Um exemplo que vale ser citado é o de um caso solucionado pe- la Unidade de Mediação e Acompanhamento de Conflitos de Consumo do Direito Português, em que o consumidor adquiriu dois bilhetes de avião de ida e volta entre Lisboa e Funchal, utilizando o cartão de crédito como forma de pagamento. No momento da celebração do contrato, o site da transportadora aérea apresentou um problema técnico, obrigando o
133 A norma alemã referida pela autora é do § 312 e do BGB – Reformado – “Deveres no comércio eletrônico – (1) utiliza-se um empresário (Unternehmer) para a finalidade de conclusão de contratos sobre fornecimento de produtos ou serviços de meios de te- lecomunicação ou eletrônicos (contratos no comércio eletrônico), deve em relação aos clientes: 1. colocar à disposição meios técnicos razoáveis, eficientes e acessíveis para o cliente comunicar os erros e que estes sejam reconhecidos antes da entrega de seu pedido contratual (vor Abgabe seiner Bestellung); 2. repassar de forma clara e inteligível as informações obrigatórias previstas nas Diretivas Européias de defesa do consumidor (§ 241 da EGBGB), antes da entrega de seu pedido contratual; 3. con- firmar a chegada de seu pedido ou aceitação imediatamente por meio eletrônico; e,
4. possibilitar ao cliente acessar e arquivar as cláusulas contratuais e as condições gerais contratuais em uma forma (permanente), que possa ser repetidamente acessada”. Ibid., p. 122.
134 Ibid., p. 121.
135 Ibid., p.122.
136 “Art. 7º. Os sistemas eletrônicos do ofertante deverão transmitir uma resposta eletrônica automática, transcrevendo a mensagem transmitida anteriormente pelo destinatário, e confirmando seu recebimento”. [...] “Art. 13. Aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de defesa e proteção do consumidor. [...] § 2º Deverão os ofertantes, no próprio espaço que serviu para oferecimento de bens, serviços e informações, disponibilizar áreas específica para fins do parágrafo anterior, de fácil identificação pelos consumidores, e que permita seu armazenamento, com data de transmissão, para fins de futura comprovação. [...] § 4º Os sistemas eletrônicos do ofertante deverão expedir uma resposta eletrônica automática, incluindo a mensagem do remetente, confirmando o recebimento de quaisquer intimações, notificações, ou correios eletrônicos dos consumidores”.
consumidor a repetir a operação. Como conseqüência, teve sua reserva duplicada, e o valor excedente cobrado em seu cartão de crédito.
O consumidor comunicou a transportadora do equívoco solici- tando o cancelamento da segunda reserva. Sem êxito, submeteu a questão à mediação. Ao receber a informação, a fornecedora, considerando o contrato válido e eficaz, tratou o caso como se fosse um cancelamento de reserva, informou que efetuaria o reembolso, descontando a taxa adminis- trativa.
A solução à luz do Direito Português foi a seguinte:
O Decreto-lei n. 7/2004, de 7 de Janeiro, estabelece, no n. 1 do art. 29º, que, “logo que receba uma ordem de encomenda por via exclusiva- mente electrónica, o prestador de serviços deve acusar a recepção igualmente por meios electrónicos, salvo acordo em contrário com a parte que não seja consumidora”. O n.º 4 estabelece, por sua vez, que “o prestador satisfaz o dever de acusar a recepção se enviar a comu- nicação para o endereço electrónico que foi indicado ou utilizado pe- lo destinatário do serviço”. Foi o que aconteceu neste caso, com o envio de uma mensagem de correio electrónico por parte da transpor- tada aérea. Só que o n.º 5 determina que “a encomenta [só se] tor- na[...] definitiva com a confirmação do destinatário, dada na sequên- cia do aviso de recepção, reiterando a ordem emitida.” Ora, neste ca- so, o consumidor apenas confirmou uma das encomendas, pelo que, independentemente da qualificação jurídica, apenas essa se tornou definitiva, produzindo os efeitos jurídicos correspondentes, nomea- damente o pagamento do preço por parte do consumidor. A circuns- tância de existir uma cláusula nas condições gerais previstas no sítio da reclamada que avisa os consumidores para não introduzir nova- mente os dados em caso de bloqueio da ligação não altera o regime legal anteriormente descrito nem afecta a solução referida.
Se se considerasse que as duas encomendas se tinham tornado defini- tivas, ainda assim se poderia recorrer ao regime geral do erro. Com efeito, o consumidor só celebrou o segundo contrato porque estava em erro acerca da (não) celebração do primeiro. O erro sobre os mo- tivos está previsto no art. 252.º, n.º 1, do Código Civil, que estabelece que é causa de anulação “o erro que recaia nos motivos determinan- tes da vontade [...] se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo”. Este reconhecimento pode ser expresso ou tácito, mas, no caso em apreço, não seria fácil a sua prova.
No entanto, como salientámos, apenas uma das encomendas se tornou definitiva e, portanto, produziu efeitos jurídicos, pelo que o consumi-
dor deve ser ressarcido do valor pago, incluindo o da taxa adminis- trativa137.
Interessante notar que o Direito Português impõe não só o dever de confirmação, como também condiciona a conclusão do contrato à con- firmação do pedido, o que evita eventuais equívocos na contratação, re- forçando a proteção do consumidor.
1.3.1.3 Dever de segurança
O art. 6º do Código de Defesa do Consumidor dispõe que são direitos básicos do consumidor: “I – a proteção da vida, saúde e segu- rança, contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de pro- dutos e serviços considerados perigosos e nocivos”.
A proteção de dados, a certificação e a criação de ambientes se- guros são deveres do fornecedor que oferece seus serviços e produtos na rede global.
De acordo com Xxxx Xxxx, a questão da segurança na internet está diretamente relacionada com a confidencialidade, (“que os dados que trafegam entre o cliente e o servidor sejam acessados somente por aque- les a quem se destinam”138); a integralidade dos dados (“refere-se a pro- teção contra a falsificação do conteúdo”139) e a disponibilidade dos dados para o cliente (“que não seja dificultado o acesso aos dados para o cliente”)140/141.
Os fornecedores que operam no meio virtual têm o dever de ga- rantir aos seus clientes que os dados coletados para a transação virtual não serão usados para fins diversos do que foi acordado, nem repassados a terceiros sem prévia e expressa autorização142.
Dessa forma, devem ser utilizados no comércio eletrônico re- cursos tecnológicos eficazes capazes de proteger a privacidade dos dados confidenciais fornecidos pelo consumidor no ato da compra, “blindando”
137 INOCÊNCIO, Xxxxxx. Op. cit.
138 CRUZ, 1997, p. 102, apud XXXX, 2002, p. 70.
139 Ibid., p. 70.
140 Ibid., p. 70.
141 Cf. XXXXXXX, 2001, p. 29.
142 No Brasil, o Projeto de Lei, já mencionado, de n. 1.589/99 prevê no art. 5º que os dados solicitados ao consumidor deverão ser os necessários para a realização do negócio e ficarão sob a responsabilidade do fornecedor o dever de sigilo.
o site contra os chamados em inglês hackers ou crackers143, que conse- guem descobrir as senhas e entrar nas contas ou operações, criminosa- mente no intuito de coletar dados para cometer atos ilícitos144/145.
Na opinião de Xxxxxxx X. Xxxxxxxxxx, o dever de segurança deve ser interpretado como uma conduta de cooperação, dada a impossibilida- de de garantir um ambiente virtual confiável e seguro quando atua em redes abertas. Contudo, poder-se-ia exigir do fornecedor que informe sobre os aspectos que poderá controlar e sobre os quais não se responsa- biliza146.
O autor tem razão em afirmar a impossibilidade de o fornecedor conferir um ambiente 100% (cem por cento) seguro, principalmente em razão da rapidez com que se desenvolve a tecnologia, exigindo constante atualização.
Por outro lado, não se pode concordar com Xxxxxxxxxx quando levanta a possibilidade de o fornecedor se eximir de responsabilidade caso informe o consumidor, tendo em vista que se trata de relação de consumo, em que a responsabilidade é objetiva e o fornecedor responde, independentemente de culpa, pelo risco da atividade empresarial.
O parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, em har- monia com o dispositivo 14 do Código de Defesa do Consumidor147, pre- vê uma cláusula geral de responsabilidade objetiva quando “a atividade
143 “As expressões, na verdade, não são sinônimas. Os hackers são especialistas em informática, capazes de invadir computadores alheios, mas, também, de impedir in- vasões dos outros. Não existe, necessariamente, uma conotação pejorativa para os hackers que podem prestar serviço de extrema valia. Já os crackers, ao revés, atuam de forma claramente dolosa, isto é, com intenção de prejudicar alguém ou de tirar proveito ou partido para si da informação obtida. A doutrina já se utiliza da expressão infocrimes para tal tipo de atividade delituosa praticada na Internet”. (DE LUCCA, 2001, p. 48)
144 Quanto à segurança no meio eletrônico cf. XXXXXXX, 2004a, p. 147.
145 Sobre meios de segurança que podem ser utilizados pelo fornecedor para proteger o meio virtual, cf. XXXX, 2002, p. 41 e ss.
146 XXXXXXXXXX, 2004, p. 313.
147 “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas so- bre sua fruição e riscos. § 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os ris- cos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3º O fornece- dor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro [...]”.
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua nature- za, risco para os direitos de outrem”148.
Atividade “normalmente desenvolvida”, segundo Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx: “sugere a idéia de habitualidade, de conduta reiterada, contínua, organizada, profissional. Estou, portanto, reforçado pelo próprio texto, entendendo que quando o Código fala em atividade, está falando daquela conduta que não é isolada, que não é esporádica, mas daquela conduta que é reiterada habitual, constante, até, profissional”149.
Na hipótese, o fornecedor tem o dever de oferecer segurança no ambiente virtual que comercializa, caso contrário restará configurado o fato do serviço. Portanto, não é o risco do desenvolvimento da atividade que gera a indenização por parte do fornecedor, “mas sim o dano causado pela violação de dever jurídico”150, qual seja, o dever de segurança.
Em síntese, de acordo com as conclusões do referido autor:
Eis aí o Princípio da Segurança. Em contrapartida ao serviço perigo- so, a lei criou o dever de segurança. O serviço não terá defeito se for prestado com segurança; terá defeito se for prestado sem segurança legitimamente esperada. É óbvio que essa noção de segurança é rela- tiva, exigindo do juiz um juízo de valor em cada caso. Por isso o Có- digo de Defesa do Consumidor diz: segurança legitimamente esperá- vel ou esperada.
Além da responsabilidade pela segurança de dados e informa- ções, em alguns casos, como por exemplo, nas operações realizadas por meio do homebaking, o fornecedor também é responsável pelo armaze- namento da assinatura digital do consumidor, a qual confere autenticida- de à identidade da declaração da vontade eletrônica151, que “traz, na ver-
148 Redação do parágrafo único do art. 927 do Código Civil/02.
149 CAVALIERI FILHO, 2000, p. 77.
150 Ibid., p. 79.
151 Interessante citar uma decisão recente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que ressalta a importância do princípio da confiança no comércio eletrônico, eximindo o fornecedor de indenizar por fraude on-line, em razão de o consumidor ter autorizado terceiros a cadastrar a senha eletrônica para movimentar a conta corrente bancária, o que impossibilitou o controle da instituição financeira das transações bancárias. Ou seja, nesse caso o fornecedor não faltou com o dever anexo de segurança, uma vez que a fraude on-line não decorreu de falha do sistema, mas de falta de cuidado do próprio consumidor. (Cf. TJPR – 10ª Câm. Cív. – Ac. 3085 – Ap. 324.698-8 – 20ª Va- ra Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba – Apelante: Banco Itaú S.A. Apelada: Interglobal Passagens e Turismo Ltda. – Rel. Des. Xxxxx xx Xxxx Xxxxxxxx – Dado provimento por unanimidade – j. em 23.02.2006 – DJ 7080. Disponível em: <http: xxx.xx.xx.xxx.xx>. Acesso em: 10 dez. 2006)
dade, a presunção de autenticidade, pelo fato de que, uma vez modifica- do o documento ou não combinado os dados necessários para a verifica- ção, não há possibilidade da validação da assinatura”152/153.
Em virtude da importância da assinatura digital nos contratos eletrônicos em geral, foi editada a Medida Provisória 2.200, de 29.06.2001, que institui a infra-estrutura das Chaves Públicas Brasileiras – ICP Brasil, para, de acordo com seu art. 1º: “garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras”.
Em seguida foi proposta a Medida Provisória 2.200-2, em 24.08.2001, com a finalidade de estabelecer um Comitê Gestor da ICP Brasil, responsável por regulamentar os mecanismos de atuação das cha- ves públicas, bem como os responsáveis pela concessão dos certificados digitais.
A chave pública consiste em uma assinatura particular digital, para uso exclusivo do titular, e previamente registrada junto a um dos órgãos legitimados pelo Comitê Gestor, para que possa ser feito um con- trole da validade das mesmas154.
Até o momento, ainda não foram criadas as entidades creden- ciadas para emitir certificados digitais, conforme previsto pela referida Medida Provisória.
Entende-se, contudo, que vincular a assinatura eletrônica a um órgão governamental estruturado para estabelecer a política de certifica- ção e as regras operacionais, competente para emitir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados, apesar de reforçar a segurança da relação jurídi- ca formada por meio virtual, por conferir presunção de veracidade aos documentos eletrônicos, na prática, dificilmente acompanhará a velocida- de do desenvolvimento tecnológico utilizado na contratação virtual155.
152 BEHRENS, 2005, p. 35 e ss.
153 Cf. COSTA, 2002.
154 Cf. maiores detalhes BEHRENS, op. cit.
155 Coaduna-se, assim, com o entendimento de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxx, quando ressalta que: “Esta nova era digital exige um processo legislativo ágil, capaz de acompanhar a evolução tecnológica e suas conseqüências sociais. Se é verdade que a solução jurídica precede a solução tecnológica, estamos literalmente desprote- gidos. A solução jurídica para as questões das novas tecnologias que evoluem rapi- damente, não pode depender do processo legislativo arcaico, moroso por natureza, concebido num outro tipo de sociedade pós-moderna. Há a necessidade de adequa- ção de nossa legislação para este novo momento. O Direito e a Ciência do Direito es- tarão em permanente crise, decorrente da velocidade das transformações sociais, cul- turais, políticas e tecnológicas”. (apud BEHRENS, 2005, p. 80 e ss.)
Diante dessas considerações sobre o novo paradigma da confiança, o estudo passa agora a delimitar os aspectos relevantes do contrato de consumo eletrônico no âmbito nacional, no que concerne a fase pré-con- tratual até a formação do contrato.
Aspectos Relevantes dos Contratos de Consumo Eletrônico 49
50 Analice Castor de Mattos
2
FASE PRÉ-CONTRATUAL
A formação da relação obrigacional de natureza contratual se inicia com a fase pré-contratual, da oferta, e termina com a aceitação. Nessa etapa, as partes ajustam suas vontades para convergir a um fim comum, estabelecendo os direitos e os deveres recíprocos.
O período pré-contratual compreende as fases que antecedem a contratação, englobando todas as práticas comerciais desenvolvidas pelo fornecedor, como a prática comercial de publicidade, a qual “faz parte de um complexo de atividades integradas de planejamento”156, chamadas de marketing.
2.1 PRÁTICAS COMERCIAIS
O conceito de marketing, de acordo com Xxxx Xxxxxxx Xxxx, “começa com clientes atuais e em potencial e com suas necessidades; planeja um conjunto coordenado de produtos e programas para servir a essas necessidades e realiza o lucro através da satisfação do cliente...”157.
E, ainda, Xxxxxxx Xxxxx:
Dá-se o nome de marketing ao conjunto de práticas impessoais desti- nadas a atrair e cativar pessoas, entre as quais podemos destacar o designe de produtos e de suas embalagens, a fixação de preços pro- mocionais, a distribuição de amostra grátis, a venda em domicílio, a
156 PASQUALOTTO, 1997, p. 28.
157 XXXX, 2002, p. 19.
pesquisa de mercado, a obtenção de Certificado Internacional ISO, a publicidade e a propaganda158.
A publicidade é definida por Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx como: “to- da informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos consumidores a aquisição de um produto ou a utili- zação de um serviço, qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado”159.
O Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar)160 define a publicidade comercial como “toda atividade destinada a estimu- lar o consumo de bens e serviços, bem como promover, instituições, con- ceitos ou idéias”.
A publicidade, como uma prática comercial de marketing, dife- rencia-se da propaganda:
O termo publicidade teria uma característica comercial utilizada, portanto, para anunciar ao público, produtos passíveis de negocia- ção. Já a propaganda possuiria a mesma conotação se não fosse sua intenção social e não negocial. Podemos citar como exemplo, uma campanha governamental de combate a Aids, contra a violência161.
Não se confundem publicidade e propaganda, embora, no dia-a-dia do mercado, os dois termos sejam utilizados um pelo outro. A publici- dade tem um objetivo comercial (“la finalité d’un rendement écono- mique par le recrutement d’un public de consommateurs”), enquan- to a propaganda visa a um fim ideológico, religioso, filosófico, políti- co, econômico ou social. Fora isso, a publicidade, além de paga, identifica seu patrocinador, o que nem sempre ocorre com a propa- ganda162.
O Código de Defesa do Consumidor não conceitua explicita- mente a publicidade; estabelece, contudo, no art. 30, os elementos que integram seu conceito no âmbito das relações de consumo, quais sejam, toda a informação, veiculada por qualquer forma ou meio de comunica- ção, por qualquer fornecedor.
158 FADEL, 2004, p. 153.
159 MARQUES, 2004b, p. 138.
160 “O autocontrole no Brasil é realizado pelo CONAR, sociedade civil com sede em S. Xxxxx e representação nos demais Estados, mediante a aplicação do Código de Auto- Regulamentação Publicitária”. Cf. RODYCZ, 1993.
161 AMATRUDO, 2004, p. 174.
162 XXXXXXXX, 2001, p. 270.
Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxxx adverte que esses elementos são insufici- entes, porque pressupõe a oferta de serviço e produto, enquanto que o sis- tema do Código de Defesa do Consumidor compreende de forma implíci- ta outras formas de mensagem publicitária, como a institucional163.
A distinção entre a publicidade institucional e a publicidade com caráter de oferta deixa de ser relevante na Internet, tendo em vista que com um simples click no ícone que veicula a publicidade institucio- nal o consumidor tem acesso ao site de vendas do fornecedor, por meio do qual poderá adquirir produtos e serviços:
A publicidade institucional perdeu sua “ingenuidade”, se é que um ato negocial como este pode ser denominado ingênuo. De qualquer maneira, na web, toda e qualquer publicidade pode ser interativa e de oferta. Assim também ocorre com um e-mail, que nada mais é do que uma correspondência para alguns, mas se contiver o endereço do for- necedor, novamente, basta um click do filho do consumidor e ele já se encontra conectado e “visitando” o on-line-shop do fornecedor que enviou o e-mail! A pergunta é se este novo tipo de publicidade pode ser classificado de “agressivo” ou não. De qualquer forma, é publici- dade negocial e será regulada pelas normas gerais sobre publicidade, inclusive o Código de Defesa do Consumidor e seu princípio da iden- tificação (art. 30)164.
No comércio eletrônico a publicidade compara-se à publicidade do comércio tradicional e, da mesma forma, admite a contratação entre presentes e entre ausentes, conforme será analisado no Capítulo 3, tópico
3.2.1 deste trabalho.
Observa-se, contudo, que no meio eletrônico a publicidade é utilizada de forma mais agressiva, em razão das tecnologias que conferem ao fornecedor a possibilidade de “personalizar” e direcionar a oferta de maneira a atingir diretamente o consumidor com utilização de “ícones, marcas no site, banners estáticos, banners interativos, textos publicitários, mensagens em e-mails, spam, website sponsoring, ofertas etc.”165
Isso é possível em virtude de alguns aparatos tecnológicos, co- mo os Cookies, capazes de identificar o perfil de consumo do usuário da Internet, visando ao aprimoramento das técnicas de mercado.
163 Sobre a publicidade institucional, que não veicula oferta, mas que contém mensagens de inegável caráter publicitário, cf. XXXXXXXXXXX, 1997, p. 24 e ss.
164 XXXXXXX, 2004a, p.163 e ss.
165 Ibid., p. 162.
Com as informações coletadas, é possível o fornecedor enviar a oferta de maneira dirigida por e-mail (spam) a vários consumidores em potencial ao mesmo tempo utilizando-se da mailing lists, a custos baixíssi- mos em relação ao correio tradicional e sem qualquer gasto com impressão do material publicitário.
O caráter agressivo do comércio eletrônico se verifica ainda nos artifícios utilizados para conduzir o consumidor no mundo virtual, direcio- nando-o para “sites” de consumo de acordo com o perfil pré-estabele- cido por meio de marketing, dentre outros, capazes de induzir o consumi- dor ao erro ou manipulá-lo com a utilização da publicidade oculta, que é vedada pela legislação brasileira.
Xxxxxxx Xxxxxxxxxx ressalta que existem alguns casos especiais de publicidade na web que merecem ser analisados, quais sejam: associa- ções de palavras (metatags)166; associações de páginas e de marcas (cyberquattings) e a publicidade oculta.
A associação de palavras é uma técnica que “se orienta para o emprego de ferramentas de busca e não à busca individual e exaustiva feita pelo usuário, mais difícil e lenta; nestas ferramentas são emprega- das palavras-chaves, e o uso que delas se faz possibilita a feitura de aná- lises estatísticas”167.
A associação de palavras é utilizada quando o internauta acessa sites de busca (“buscadores”, searchers – como, por exemplo, xxxxxx.xxx, xxxxx.xxx, xxxxxxxxx.xxx, xxxxx.xxx etc.) para efetuar pesquisa com pala- vras-chave sobre o assunto que procura. No resultado da pesquisa apare- cerão, além das páginas relacionadas com o assunto de interesse do inter- nauta, outras páginas sem relação direta com a palavra-chave digitada.
A associação de páginas e marcas ocorre quando um fornecedor utiliza em seu site características de marcas conhecidas, podendo, para tanto, se utilizar da “clonagem de páginas”, elaborando uma igual a da marca conhecida, o que configura fraude168. Ou pode fazer uso de uma marca que se assemelhe àquela. Nesse caso, “temos um problema de di-
166 “práticas ou informações codificadas ou palavras-chaves sobre o conteúdo da página de um fornecedor para que os programas de uso as encontrem”. (MARQUES, 2004a, p. 27)
167 XXXXXXXXXX, 2004, p. 392.
168 Sobre o tema, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx lembra o alerta de Deustch, p. 409, de que “a publicidade virtual abriu as portas para novos tipos de publicidades abusivas ou en- ganosas, como a denominada “publicidade-emboscada” (ambush advertising) com o uso de símbolos e imagens de times de futebol ou outros esportes e marcas consolida- das por fornecedores sem vínculo com estes”. (MARQUES, op. cit., p. 163)
luição de marcas mediante o obscurecimento (blurring) ou deslustre (tarnishment), solucionados pelo direito de propriedade”169.
A publicidade oculta se verifica, por exemplo, nos casos dos newsgroups170, “grupos de notícias”, em que o titular de um produto se faz passar por consumidor, para, no anonimato, opinar sobre o produto similar do concorrente.
Ainda com relação à publicidade na web, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx ci- ta, também, os cookies e o spam, os quais merecem maior destaque, uma vez que, apesar de não existir legislação brasileira sobre o assunto, a le- gislação estrangeira e a doutrina vêm entendendo que tais métodos violam o direito à privacidade do consumidor, se não houver permissão prévia e expressa.
2.1.1 Direito à privacidade e sua violação pelos Cookies e
Spam
Os novos meios de tecnologia utilizados no Comércio Eletrôni- co facilitam a violação do direito à privacidade do usuário por intermédio de alguns programas171 de registro de internautas, como os cookies, que permitem seguir seus passos na rede de forma imperceptível, possibili- tando a coleta de dados a respeito de suas preferências e gostos172, reco- lhendo informações que serão utilizadas no desenvolvimento do marketing.
Na definição de Xxxxxx Xxxxxxxx:
Os cookies são pequenos programas colocados no computador do usuário sem a sua permissão durante uma navegação no ambiente da Internet. Em verdade, sem sequer o seu conhecimento, visto que ne-
169 XXXXXXXXXX, 2004, p. 394.
170 “grupos de usuários de Internet, organizados por interesses e para repassar notícias”. (XXXXXXX, op. cit., p.27)
171 Os hábitos de navegação de um usuário da internet podem ser rastreados e controlados por determinados programas ilícitos de computador, como trojan horses (“Como se fossem um ‘vírus’ trojan horse (cavalo de tróia), tais programas são distribuídos pela Internet de forma direta ou indireta (ocultamente); em regra são encontrados junto a outros softwares, imagens, e-mails etc. Quando o usuário tem o seu computador ‘in- fectado’ com tal software, possibilita ao hacker (ou a qualquer pessoa comum que tenha o referido programa) o acesso ao conteúdo das informações disponíveis no computador da vítima.’) e sistemas back doors (“Sabe-se igualmente das hipóteses de softwares com a função de criptografar mensagens que possuem falhas de prote- ção ocultas (back doors), propositadamente colocadas por seus programadores e/ou por determinação legal, a fim de permitir o acesso ao conteúdo secreto gerado por aquele programa”). (Cf. XXXXX, 1999). E, ainda, cf. ZANELLATO 2002, p. 240.
172 XXXXXXXXXX, 2004, p. 390.
nhum indicativo irá suceder-se na tela do computador que possa vir a evidenciar a sorrateira entrada daqueles programas no computador.
Estes pequenos programas ficam armazenados, assim, no próprio computador do usuário173.
O programa tem como objetivo recolher informações sobre o perfil de navegação do usuário, conferindo-lhe um número174 para identi- ficação de seu acesso, sem identificá-lo. O usuário continua anônimo, mas a navegação fica controlada, permitindo que o fornecedor introduza a oferta de produtos ou serviços de acordo com o perfil de cada usuário175.
O problema da violação do direito à privacidade se verifica com a veiculação e transferência de informações obtidas pelos fornecedores ou terceiros e armazenadas em arquivos de consumo, sem a autorização ou mesmo conhecimento do consumidor da existência desse banco de dados.
Apesar de não existirem na legislação brasileira normas que tra- tem de forma específica sobre a privacidade do usuário da internet e regu- lamentem a criação e a utilização de bancos de dados eletrônicos, apli- cam-se os princípios e regras existentes no ordenamento jurídico.
A Constituição Federal protege o direito à privacidade de forma ampla no inc. X176 do art. 5º, estabelecendo que são invioláveis a intimi- dade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Como esclarece Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, são direitos fundamentais “que dizem respeito a todos aqueles costumes pessoais que cabe somente ao indivíduo a esco- lha de sua divulgação ou não”177.
Existem outros dispositivos que buscam resguardar aspectos particulares da vida dos indivíduos, assegurando a inviolabilidade da casa (inc. XI178), do sigilo de dados, da correspondência e das comunicações (inc. XII179), entre outros dispositivos, alguns dos quais prevêem instru- mentos processuais para assegurar o direito à privacidade180/181.
173 DRUMMOND, 2003, p. 98.
174 Cf. ibid., p. 99.
175 Sobre o tema, cf. o texto “O consumidor e o direito à autodeterminação informacio- nal: considerações sobre os bancos de dados eletrônicos”. XXXXXXXX, 2003, p. 78.
176 “X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
177 EFING, 2002, p. 51.
178 “XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
179 “XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou ins- trução processual penal”.
180 “LXXII – conceder-se-á habeas-data: a) para assegurar o conhecimento de informa- ções relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de
O Código de Defesa do Consumidor também resguarda o direito à privacidade, por meio dos princípios e normas norteadores das relações de consumo, tais como o princípio da transparência, da boa-fé objetiva, da confiança e da informação, previstos nos arts. 4º e 6º e da regulamen- tação dos bancos de dados e cadastros de consumidores, arts. 43 e 44182.
À luz do sistema do Código de Defesa do Consumidor, a utili- zação de programas de cookies, sem o consentimento do consumidor, con- figura também prática comercial abusiva e ilícita nos termos do art. 39, cujo rol é meramente exemplificativo183/184.
Para Xxxxxx Xxxxxxxx, a questão da violação da privacidade do consumidor pelos programas de cookies deve ser analisada de três maneiras distintas.
A primeira refere-se à coleta de dados do usuário, que ficam apenas registrados no site para facilitar a navegação ao conectá-lo nova-
entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo”.
181 O direito à privacidade não dever ser confundido com o direito à intimidade, confor- me esclarece Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx (EFING, 2002, p. 51). Sobre o tema, verificar, ainda, SCORZELLI, 1997.
182 “Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informa- ções existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arqui- vados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § 1º Os cadastros e da- dos de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período supe- rior a cinco anos. § 2º A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele. § 3º O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadas- tros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incor- retas. § 4º Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público. § 5º Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informa- ções que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedo- res”. “Art. 44. Os órgãos públicos de defesa do consumidor manterão cadastros atua- lizados de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, devendo divulgá-los pública e anualmente. A divulgação indicará se a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor. § 1º É facultado o acesso às informações lá cons- tantes para orientação e consulta por qualquer interessado. § 2º Aplicam-se a este ar- tigo, no que couber, as mesmas regras enunciadas no artigo anterior e as do pará- grafo único do art. 22 deste código”.
183 XXXXXXXX, 2003, p. 116.
184 O site <xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx>, por exemplo, inclui nas condições gerais do contrato a ciência do consumidor, prévia a instalação do programa de cookies, pres- tando informações sobre sua finalidade.
mente. Nessa hipótese, defende o autor que não há violação de privacida- de, apenas a facilitação do processo de acesso185.
A segunda questão diz respeito ao armazenamento dos dados coletados. Nesse caso, da mesma forma, entende que não há violação de privacidade do usuário enquanto as informações pessoais estiverem arma- zenadas no próprio computador do usuário. E explica:
O que talvez possa ocorrer é um desconforto pelo excesso de progra- mas instalados no computador do usuário, ou pelo acesso de duas ou mais pessoas a mesmos sítios cibernéticos, através de um mesmo computador. E, considerando que o computador do usuário viesse, de algum modo, a ser danificado, o máximo que se poderia alegar é a aplicação de responsabilização civil face ao sítio cibernético, mas não violação da privacidade do usuário186.
A terceira refere-se à utilização posterior à coleta e ao armaze- namento, principalmente com relação aos sítios cibernéticos que praticam o comércio eletrônico e recolhem uma série de dados fornecidos pelo consumidor ao preencher o cadastro para efetuar a compra, tais como nome, endereço, número de cartão de crédito, entre outros, que passaram a integrar o mesmo banco de dados formado pelos dados recolhidos por meio dos cookies187/188:
Este cruzamento de dados passa a apresentar um perfil complexo do usuário e coloca o sítio cibernético a um passo da ilicitude, princi- palmente em se tratando da possibilidade de comercialização de da- dos pessoais. Este cruzamento de dados é um legítimo representante do caso da transformação de dados irrelevantes em um perfil perigo- samente conhecido do cidadão189.
Em sua opinião, apenas nessa última hipótese haveria violação ao direito à privacidade do consumidor, caso os dados coletados fossem utilizados para fins comerciais.
Não se pode, contudo, coadunar com esse entendimento, de- vendo-se considerar que nos três casos citados existe violação à privaci- dade, tendo em vista que o programa de cookies foi implantado no com-
185 DRUMMOND, 2003, p. 98.
186 Ibid., p. 102.
187 Ibid., p.103.
188 Sobre banco de dados de consumidores cf. EFING 2002, p. 251 e ss.
189 DRUMMOND, 2003, p. 103.
putador do usuário da rede com o objetivo de busca de suas informações pessoais, sem a sua autorização ou até mesmo sem o seu conhecimento190.
Pelos princípios da informação, da transparência e da boa-fé ob- jetiva, reguladores da relação de consumo, o usuário deve ser consultado previamente se autoriza a instalação destes tipos de programa e se permi- te ou não a veiculação de suas informações pessoais191.
Além dos programas de cookies, merecem análise as chamadas mailing lists, que contêm dados de endereços eletrônicos dos consumido- res, facilitando o envio de mensagens publicitárias não solicitadas, os chamados spam ou spamming192.
O banco de dados relacionado ao endereço eletrônico do con- sumidor está resguardado pela garantia constitucional da privacidade, “uma vez que a sua divulgação não importa a toda a sociedade, não atendendo ao direito informar e de ser informado”193.
Dessa forma, é dever do organizador do banco de dados não só comunicar que os dados estão sendo coletados, mas também de obter o consentimento expresso do consumidor para incluir o seu endereço ele- trônico na lista e para repassá-lo a terceiros. É sua obrigação ainda dispo- nibilizar ao consumidor livre acesso aos dados coletados com autorização sobre ele, para fins de verificação e eventual retificação194.
Como observa Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
A coleta de informações é feita sem a anuência do consumidor, no mais das vezes sem seu conhecimento sequer. Além disso, a chamada interconexão de arquivos possibilita que a vida do consumidor seja completamente traduzida na forma de dados pessoais, muitas vezes traçando perfis inverídicos em virtude da imprecisão dos arquivos.
190 Ressalta-se que alguns dados também podem ser obtidos através do fornecimento voluntário dos usuários quando do preenchimento de cadastros, porém essas informa- ções nem sempre são utilizadas somente para o fim ali previsto, quando previsto. A jurista Xxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx enfatiza, em consonância com as normas con- sumeristas, que os arquivos de consumo devem informar ao usuário da internet sobre a finalidade para a qual seus dados estão sendo armazenados, sendo-lhe vedado o uso para fim diverso. Salienta, ainda, que a coleta de informações via cookies sem o co- nhecimento do usuário torna-o ainda mais vulnerável a ataques à sua privacidade. (2003, p. 109 passim)
191 Verificar sobre sobre o “Uso de cookies pode infringir privacidade do internauta”. Revista Consultor Jurídico, 25 de junho de 2003. Disponível em <xxxx://xxxxxx. xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxx/00000,0>. Acesso em: 05 jan. 2007)
192 Cf. XXXXXXXX, 2003, p. 114.
193 Ibid., p. 114.
194 Ibid., p. 114.
Tornam-se, assim, verdadeiros “ficheiros selvagens”, o que justifica a proteção do CDC ao equiparar os arquivos a consumidores. Fazen- do assim, e certamente devido à imprecisão dos bancos de dados e cadastros de consumidores e à interconexão crescente entre estes ins- titutos, permite que a tutela deste Código seja estendida inclusive àqueles que são arquivados por engano195.
Sem dúvida a interconexão de dados dos referidos arquivos afronta o direito à privacidade, além de poder ser utilizado como instru- mento de práticas discriminatórias relacionadas a cor, raça, religião, ideo- logia, opções sexuais etc. A respeito dos problemas advindos com a inter- conexão de arquivos, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx cita os riscos elencados por J.
J. Xxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx, quais sejam: o perigo da centraliza- ção e controle das informações dos cidadãos; o perigo de a polícia ter controle sobre a vida dos cidadãos diante da facilidade na revelação de dados geradores de novos processos secretos; e o perigo da multiplicação dos arquivos através da acumulação de informações sobre o indivíduo em um número incontrolável de banco de dados196.
O spam ou spamming, de acordo com o site wikipedia:
é uma mensagem eletrônica não-solicitada enviada em massa. Na sua forma mais popular, um spam consiste numa mensagem de correio eletrônico com fins publicitários. O termo spam, no entanto, pode ser aplicado a mensagens enviadas por outros meios e noutras situações até modestas. Geralmente os spams tem caráter apelativo e na grande maioria das vezes são incômodos e inconvenientes197.
O problema da utilização de spam de forma indiscriminada e excessiva, em prejuízo aos usuários que perdem longos minutos do seu dia para “limpar” a caixa postal de e-mails indesejados, correndo ainda o risco de receber vírus, tem sido uma das questões mais discutidas no âm- bito da Internet198/199.
Apesar de não existir legislação específica sobre o tema no Bra- sil, o fornecedor tem o dever de observar o princípio da identificação da
195 EFING, 2002, p. 108.
196 Ibid., p. 108.
197 Disponível em: <xxxx://xx.xxxxxxxxx.xxx/xxxx/Xxxx>. Acesso em: 20 out. 2006.
198 O envio do spam viola, da mesma forma, o direito à privacidade do consumidor, como esclarece Xxxxxxx X. Xxxxxxxxxx, cf. (XXXXXXXXXX, 2004, p. 392).
199 Cf. Justificação do Projeto de Lei 7.093/02 apresentado pelo Deputado Xxxx Xxxxxx, em 06.08.2002, que dispõe sobre a correspondência eletrônica comercial, e dá outras providências.
mensagem publicitária, para que o consumidor tenha ciência do conteúdo da mensagem antes de abrí-la.
A publicidade enviada sem identificação configura prática abu- siva, prevista no art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, além de contrariar os arts. 4º, 6º, 36, 37 do mesmo estatuto legal. Também é con- siderado prática abusiva “se causar extremo distúrbio, peso ou perturba- ção ao consumidor”200.
No mesmo sentido, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx defende que o en- vio do spam é prática abusiva, por invadir a privacidade do usuário, res- saltando que são insuficientes os princípios e normas vigentes no direito brasileiro para solucionar a questão, razão pela qual entende ser necessá- ria sua regulamentação legal:
Pode ser vista como uma prática abusiva, nos termos do art. 39 do CDC, que traz um rol meramente exemplificativo de práticas comer- ciais abusivas. O spamming seria abusivo por violar dois princípios basilares do Código de Defesa do Consumidor: o princípio da trans- parência pela informação eficiente (art. 4º, caput) e o princípio da boa-fé objetiva (art. 4º, III), que impõe deveres colaterais de conduta em todo o processo negocial, como o de lealdade na execução das práticas comerciais. Mas tais normas, embora importantes, na prática são insuficientes para inibir o spamming201.
Enquanto não existe regulamentação estatal sobre a questão, cada provedor adota uma política em relação ao spam buscando proteger seus consumidores, alguns através da elaboração de listas negativas de consumidores que não desejam receber essa espécie de mensagem202. O Yahoo! Brasil e o iG, por exemplo, não permitem o envio de mensagens com muitos destinatários. O iG só cadastra o e-mail gratuito com o núme- ro do CPF do usuário. O Iconet não permite receber e-mail de provedores que estão em listas negras de organizações anti-spam (como a RBL). Essa medida preventiva de segurança decorre de acordo firmado com a NIC BR Security Service, órgão que cuida da segurança na Internet no Brasil203.
Verifica-se no Brasil que existe uma preocupação dos legislado- res em legislar sobre a matéria. Desde 2002 já foram apresentados seis Projetos de Lei; no entanto, devido à morosidade do processo legislativo, até o momento, nenhum deles foi aprovado.
200 MARQUES, 2004a, p. 169.
201 ZANELLATO, 2002, p. 233.
202 MARQUES, op. cit., p. 169.
203 ZANELLATO, op. cit., p. 232.
2.1.2 Projetos de Lei sobre spam
O primeiro Projeto de Lei 6.210/02, já arquivado, foi apresenta- do em 05 de março de 2002, por Xxxx Xxxxxx, com o objetivo de limitar o envio de mensagem eletrônica não solicitada (spam) por meio da Internet e estabelecer critérios para que o destinatário possa identificar a sua ori- gem e bloquear o seu recebimento204.
O art. 2º do Projeto de Lei define spam como:
a mensagem eletrônica recebida por meio de rede de computadores, sem con- sentimento prévio do destinatário, e que objetiva divulgação de produtos, mar- cas, empresas ou endereços eletrônicos, ou a oferta de mercadorias ou serviços gratuitamente ou mediante remuneração.
O art. 3º impõe limitações ao envio de mensagens não solicita- das, estabelecendo alguns princípios a serem observados:
I – a mensagem poderá ser enviada uma única vez, vedada a repetição a qual- quer título sem o prévio consentimento do destinatário;
II – a mensagem deverá conter, no cabeçalho e no primeiro parágrafo, uma identificação de que se trata de mensagem não solicitada;
III – o texto da mensagem conterá a identificação do remetente e um endereço eletrônico válido;
IV –será oferecido um procedimento simples para que o destinatário opte pelo não recebimento de outras mensagens do mesmo remetente.
O parágrafo único veda expressamente “o envio de mensagem eletrônica não solicitada a quem tiver se manifestado ao remetente con- tra seu reconhecimento”.
O art. 4º confere ao usuário que se utilizar de correio eletrônico o direito de identificar, bloquear e optar por não receber mensagens ele- trônicas não solicitadas.
O § 1º desse dispositivo prevê a possibilidade de o destinatário “exigir do seu provedor de acesso ou de correio eletrônico, ou do prove- dor de remetente, o bloqueio de mensagens não solicitadas, desde que informado o endereço eletrônico do remetente”. Esta solicitação deve ser cumprida em prazo não superior a 24 (vinte e quatro) horas, sendo vedada a cobrança de taxas de qualquer natureza, consoante § 2º.
204 Cf. a justificação do Projeto de Lei 6.210/02.
O art. 5º impõe pena de multa no valor de até R$ 800,00 (oito- centos reais) por mensagem eletrônica não solicitada enviada, acrescida de um terço na reincidência.
O provedor de acesso ou de serviço de correio eletrônico pode se eximir de ser responsabilizado pelo recebimento indevido de mensa- gens, na hipótese do parágrafo único do art. 3º, se tiver “se utilizado, de boa-fé, de todos os meios a seu alcance para bloquear a transmissão ou recepção da mensagem”, de acordo com o que estabelece o art. 4º, § 3º.
Na seqüência, foram apresentados os seguintes Projetos de lei, que ainda tramitam perante a Câmara dos Deputados:
Em 08.10.2003, o Projeto de Lei 2.186/03, de Xxxxxxx Xxxxxxxxxxxx000, sobre o envio de mensagem não solicitada por meio de redes de computadores destinadas ao uso do público.
O conteúdo deste Projeto de Lei segue os conceitos e limitações do anterior, inovando ao tipificar como crime “a utilização não autoriza- da de endereços de terceiros para o envio de mensagens”, no art. 4º, pu- nindo com pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa de até R$ 500,00 (quinhentos reais) por mensagem enviada.
Prevê, ainda, o art. 6º que:
Os provedores de acesso a redes de computadores destinadas ao uso do públi- co, inclusive a Internet, manterão cadastro com os dados dos titulares de ende- reços eletrônicos, sítios, contas de correio eletrônico ou quaisquer outros meios por eles operados que possam ser utilizados para o envio de mensagens não so- licitadas.
O parágrafo único estabelece que “os dados de que trata este artigo serão preservados por um período não inferior a um ano, contado do encerramento do sítio, endereço ou conta de correio eletrônico”.
Em 05.11.2003, foi apresentado pelo Deputado Chico da Prin- cesa o Projeto de Lei 2.423/03, que dispõe sobre procedimentos de inva- são de computadores e envio de mensagem eletrônica não solicitada (spam) por meio da Internet.
Os dispositivos deste Projeto de Lei que tratam do spam também seguem a linha do primeiro Projeto de Lei quanto ao conceito e limita- ções. Acrescenta, no parágrafo único do art. 4º, que é obrigação do pro- vedor atender às solicitações do usuário de rede de computadores que exigir
205 Cf. a justificação desse primeiro Projeto de Lei, que serviu de base para os demais projetos que serão mencionados a seguir.
o bloqueio de mensagens não solicitadas em prazo não superior a 24 (vinte e quatro) horas, sendo vedada a cobrança de taxas de qualquer natureza.
Tipifica como crime, no art. 5º, impondo pena de reclusão de até 4 (quatro) anos e multa:
O envio de mensagem, arquivo ou comando destinado a inserir dados, código executável ou qualquer outra informação em equipamento de informática, ou a capturar dados contidos ou produzidos no referido equipamento, sem prévio conhecimento e autorização explícita de seu proprietário.
No parágrafo único do referido artigo mantém-se a sanção pre- vista no primeiro Projeto de Lei de Xxxx Xxxxxx, estabelecendo pena de multa de até R$ 800,00 (oitocentos reais) por mensagem enviada, acres- cida de um terço na reincidência.
Em 08.06.2004 foi apresentado o Projeto de Lei 3.731/04, pelo Deputado Takayama, que limita e define o envio de mensagens eletrôni- cas comerciais não solicitadas (spams) por meio da internet.
O Projeto de Lei também define spam (art. 2º) como:
mensagens eletrônicas comerciais recebidas por meio da rede de alcance mun- dial de computadores internet, sem consentimento prévio do destinatário, e que tenha por objetivo a divulgação de produtos, marcas, empresas ou endereços eletrônicos”, acrescentando: “cartascorrente; esquemas de vendas piramidais (multi-level-marketing, ou MLM); cartas sobre como enriquecer rapidamente (esquemas MMF); ofertas de números telefônicos e anúncios de sites pornográ- ficos; ofertas de programas de coleta de endereços de e-mail para envio de e- mail comercial não solicitado (UCE); remédios milagrosos e fitas/livros de au- to-ajuda; programas comerciais piratas, os chamados warez; e e-mail bomba Mail-bomber.
Mantém os princípios limitadores estabelecidos no art. 3º do Projeto de Lei pioneiro. E estabelece no § 2º, do art. 4º, que é obrigação do provedor do destinatário, como também do remetente, atender as soli- citações de bloqueio das mensagens eletrônicas comerciais não solicita- das, desde que seja informado o endereço eletrônico do remetente, em prazo não superior a 72 (setenta e duas) horas, sendo vedada a cobrança de taxas de qualquer natureza.
Altera a penalidade da infração, prevendo, no art. 5º, pena de multa de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa de até R$ 500,00 (quinhentos reais), por mensagem enviada, acrescida de um terço na rein- cidência.
Em 26.06.2004 foi apresentado o Projeto de Lei 3.872/04, pelo Deputado Xxxxxxx Xxxx, que dispõe sobre o envio de mensagens de cará- ter comercial por rede de computadores destinada ao uso do público, inclusive a Internet, estabelecendo critérios para o envio de mensagem eletrônica não solicitada (spam).
O Projeto de Lei admite no art. 3º o envio de mensagem eletrô- nica comercial quando houver relação comercial preexistente entre o remetente e o destinatário e sempre que a mensagem enviada contenha um endereço válido para resposta e seja oferecido procedimento clara- mente identificável para que o destinatário opte por não receber outras mensagens do remetente.
O parágrafo único do referido artigo mantém a previsão dos Projetos de Lei anteriores dispondo que mensagem eletrônica não solici- tada poderá ser enviada uma única vez, desde que cumpra as exigências do caput, sendo vedada a repetição a qualquer título sem o prévio consen- timento do destinatário.
O art. 4º impõe aos provedores de acesso a redes de computado- res para uso do público o dever de manter recursos que possibilitem a seus usuários identificar, bloquear e optar por não receber mensagens eletrônicas não solicitadas.
Estabelece no art. 5º pena de multa de até R$ 200,00 (duzentos reais) por mensagem eletrônica comercial não identificada enviada; pena de multa de até R$ 200,00 (duzentos reais) por mensagem eletrônica não solicitada enviada; pena de multa de até R$ 200,00 (duzentos reais) du- zentos reais por mensagem enviada a destinatário que tenha optado por não recebê-la e pena de multa de até R$ 500,00 (quinhentos reais), acres- cida de um terço na reincidência, para o provedor de acesso a redes de computadores para uso do público que deixar de oferecer recurso para identificar, bloquear e optar por não receber mensagens eletrônicas.
Dispõe, ainda, que constitui crime falsear ou fraudar informa- ções acerca do remetente, da data e hora de expedição ou do roteamento de mensagem eletrônica, prevendo pena de detenção de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa de até R$ 500,00 (quinhentos reais) por mensagem falseada ou fraudada.
Em 06.12.2004 foi apresentado o último Projeto de Lei 4.562/04, pelo Deputado Silas Brasileiro, que dispõe sobre a identificação de assi- nantes de serviços de correio eletrônico em redes de computadores desti- nadas ao uso público, inclusive a Internet, com o objetivo de criar meca- nismos para coibir o SPAM, mensagens não solicitadas.
Este Projeto de Lei distingue-se dos anteriores. Estabelece no art. 2º que os:
provedores de serviços de correio eletrônico em redes de computadores desti- nadas ao uso público, inclusive a Internet, ou em redes a estas conectadas, de- verão coletar, arquivar e manter atualizados os seguintes dados a respeito dos titulares de endereços eletrônicos por estas assignados [sic]:
I – nome completo; II – domicílio;
III – número de identidade, CPF, título de eleitor ou outro documento válido e verificável para identificação do usuário.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se igualmente a serviços gra- tuitos ou prestados a um público restrito ou bem delimitado.
No art. 3º impõe aos provedores o dever de manter, “por um prazo não inferior a um ano, o endereço eletrônico do destinatário das mensagens expedidas por cada usuário de correio eletrônico e a data hora do envio”.
Prevê, no art. 4º, pena de multa de até R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescida de um terço na reincidência.
Por fim, cumpre mencionar, ainda, o Projeto de Lei 1.589/99, elaborado pela Comissão Especial de Informática Jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, apresentado pelo Deputado Federal Xxxxxxx Xxxxxxx, que impõe ao fornecedor a obrigação de identificar a mensagem como publicitária, mas não proíbe o spam, dispondo no art. 8º que: “O envio de oferta por mensagem eletrônica, sem prévio consentimento dos destinatários, deverá permitir a estes identificá-la como tal, sem que seja necessário tomarem conhecimento de seu conteúdo”.
2.2 PUBLICIDADE E OFERTA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
A publicidade é enquadrada no Código de Defesa do Consumidor como uma declaração de vontade unilateral ou oferta.
O Código de Defesa do Consumidor trata das declarações unila- terais de vontade (oferta) de forma mais abrangente que o Código Civil, estabelecendo deveres e obrigações para o fornecedor de maneira a pro- teger as legítimas expectativas geradas pelo consumidor, adotando os seguintes princípios: da vinculação da oferta, da identificação da publici- dade, da transparência, da veracidade da publicidade, da não-abusividade da publicidade, da inversão do ônus da prova e o da correção do desvio publicitário.
2.2.1 Princípio da vinculação
A obrigação206 na fase pré-contratual decorre da oferta que: “é uma declaração receptícia de vontade, dirigida por uma pessoa a outra (com quem pretende celebrar o contrato), por força da qual a primeira manifesta sua intenção de se considerar vinculada se a outra parte aceita”207.
Tem caráter vinculante e obrigatório208 em face da teoria da de- claração e da confiança209, uma vez que “a possibilidade de retirar arbi- trariamente a oferta representaria uma fonte de insegurança, capaz de causar prejuízos ao outro contratante, que, de boa-fé, acreditou na serie- dade da proposta a ele apresentada”210.
Xxxxxxx Xxxx Marques esclarece que:
A existência de um vínculo juridicamente relevante unindo dois sujei- tos na sociedade traz em si, portanto, o binômio dever/comando, di- reito/poder traz em si a idéia de “obrigação” lato sensu entre estes sujeitos. Esta obrigação é a individualização do dever jurídico, abs- trato e geral, é a concretização reflexa do direito do outro, que me co- loca em uma situação nova, de subordinação não só a uma conduta própria imposta pelo comando legal, mas também a conduta do outro211.
Pelo Código Civil, o proponente tem o dever de manter a pro- posta, sob pena de ter que reparar o prejuízo causado a outra parte se agir com dolo, negligência ou imprudência, tendo em vista que a parte lesada não pode exigir cumprimento do futuro acordo, apenas a reparação212/213.
206 “Obrigação é a relação transitória de direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa economicamente apreciável, em proveito de alguém, que, por ato nosso, ou de alguém conosco juridicamente relacionado, ou em virtude de lei, adqui- riu o direito de exigir de nós essa ação ou omissão”. (Definição de Xxxxxx, apud XXXXXXXX, 1988, p.7)
207 DINIZ, 2003, p. 327.
208 “CC/2002, art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso”.
209 MARQUES, 2004b, p. 116.
210 RODRIGUES, 1997, p. 61.
211 MARQUES, 1994, p. 10.
212 XXXXXXXXX, op. cit., p.60.
213 “A proposta reveste-se de força vinculante; o proponente responderá por perdas e danos se injustificadamente retirar a oferta (RTJ, 53:675; RT, 104:608). A obrigato- riedade da proposta consiste no ônus, imposto ao proponente, de não a revogar por certo tempo a partir de sua existência, assegurando-se assim a estabilidade das rela- ções sociais”. XXXXX, op. cit., p. 327.
A oferta pode ser dirigida a determinada pessoa ou ao público (ad incertam personam), sendo que “o anonimato do destinatário cessa com sua aceitação”214. Para ter obrigatoriedade, deve conter todos os elementos essenciais do contrato, salvo se o contrário resultar das cir- cunstâncias ou dos usos, para que a outra parte apenas aceite ou não de forma consciente, sem ser induzida a erro215.
No âmbito do direito do consumidor, a declaração unilateral da vontade origina-se, de acordo com o art. 30 do Código de Defesa do Con- sumidor de:
Toda a informação216 ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produto e serviços ofe- recidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se uti- lizar e integrar o contrato que vier a ser celebrado.
Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxxx observa que:
a publicidade nem sempre contém oferta, assim como a oferta nem sempre é feita através da publicidade. Muitas vezes, a publicidade é institucional, não veicula oferta, assim como a oferta pode ser feita por outros meios, v.g., através da exposição de mercadorias na vitri- ne, da anotação do preço e condições de pagamento num cartão en- tregue ao consumidor etc. A veiculação da oferta admite qualquer forma, segundo o art. 30.
Todavia, quando oferta e publicidade coincidem, os efeitos jurídicos decorrentes são únicos, porque a oferta transforma-se no conteúdo da mensagem publicitária. Nessa hipótese, versar sobre os efeitos da pu- blicidade é versar sobre oferta217.
Para ser obrigatória, basta que a oferta seja suficientemente pre- cisa, não sendo necessário preencher os requisitos essenciais do contrato, como na oferta ao público do Código Civil218/219.
214 Ibid., p. 329.
215 Art. 429 do Código Civil, que trata sobre a oferta ao público, exige que a oferta contenha todos os elementos essenciais do contrato visado, dispondo que: “equivale à proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário re- sultar das circunstâncias ou dos usos”.
216 Convém conferir a diferença entre os conceitos de “informação” e de “sugestão”, traçados por Xxxxxxx Xxxxxxxxx (1992, p. 54)
217 PASQUALOTTO, 1997, p. 99.
218 Sobre a publicidade vinculante cf. XXXXXXXX, 2004, p. 180.
219 Ao analisar a publicidade e o princípio da confiança, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx apresenta a tese definida pelo autor alemão Xxxxxxx que trata da vinculação sem contrato para relacionar a atividade publicitária à responsabilidade pela confiança. (cf. XXXXXXX, 2004b, p. 609 e ss.)
Uma vez aceita a oferta, em caso de descumprimento, o consu- midor tem o direito de exigir o cumprimento forçado da obrigação, acei- tar outro produto ou prestação de serviço equivalente ou, então, rescindir o contrato, com direito à restituição da quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada e perdas e danos, de acordo com o art. 35 do Código de Defesa do Consumidor.
Aplicam-se também as normas do Código de Defesa do Consu- midor dos art. 34220 e 48221 para conferir força vinculativa à oferta. O agente que veicular a publicidade pode ser responsabilizado pelas informações, assim como toda a cadeia de fornecedores, consoante com o art. 18222.
2.2.1.1 Erro da oferta veiculada
Indaga-se: é possível o fornecedor deixar de cumprir a oferta, de caráter vinculante e obrigatório, alegando vício de consentimento co- mo erro?
No direito do consumo, a teoria do erro tem aplicação restrita para a parte vulnerável, o sujeito-comprador, o qual recebe em confiança a informação transmitida pelo anunciante que, na posição de vendedor, assume o risco do negócio223/224.
O fornecedor, como profissional e habitual225 da relação de con- sumo, tem o dever de antes de veicular a oferta, estudar e verificar todas
220 “CDC, art. 34. O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.” Cf. comentários de Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxxxxx e Xxxxxxxx sobre este dispositivo legal. (BENJAMIN, 2001, p. 251)
221 “CDC, art. 48. As declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos”.
222 “Art. 18, caput. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as varia- ções decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas”.
223 Cf. XXXXXXXX, 2001, p. 259.
224 Sobre o erro da oferta, cf. XXXXXX, 1993, p. 89 e ss.
225 Quando o art. 3º do Código de Defesa do Consumidor define que o fornecedor é aquele que “desenvolve atividades”, de acordo com Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, está se re- ferindo em realização permanente e, portanto, em habitualidade. (2004, p. 69). Para o autor a “Habitualidade é a sucessividade ou constância no exercício de um ato ou na
as informações que serão transmitidas ao consumidor, principalmente no que concerne às características do produto ou serviço e ao preço. Esse dever decorre do princípio da boa-fé, como anota Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxxx:
no sentido ético e objetivo, flagrantemente desatendido pelo anun- ciante descuidado, que deixa de revisar o anúncio que fará publicar no jornal do dia seguinte. É dele socialmente exigível a diligência de velar pela autenticidade do conteúdo de suas mensagens publicitá- rias, sob pena de não se lhes emprestar seriedade ou se presumirem enganosas226.
Portanto, se a oferta chegar ao destinatário com os dados errados ou incompletos, não pode o fornecedor se eximir da obrigação de cumprí- la alegando erro, pois uma vez veiculada, esta é válida e vinculante, con- soante com o art. 30 do Código de Defesa do Consumidor227.
2.2.1.2 O princípio de identificação da publicidade
O art. 36 do Código de Defesa do Consumidor228/229 impõe ao fornecedor o dever de identificação da publicidade “de forma a garantir ao consumidor a ciência de que não se trata de informação imparcial, mas de informação finalística para o consumo de determinado produto ou serviço e o dever de conduta leal publicitária”230.
prática de atos que tornam a pessoa profissionalmente hábil na sua execução. Já o profissionalismo pressupõe o estado ou a condição do profissional em certa arte, que a exerce como profissional, permanentemente, mediante certa paga ou ajuste”. (Ibid.,
p. 68). Dessa forma, apesar de o Código de Defesa do Consumidor não mencionar de forma expressa a habitualidade, tal característica é de extrema importância para abar- car no conceito de fornecedor, inclusive, o não-profissional.
226 PASQUALOTTO, 1997, p. 112 e ss.
227 Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxxx ressalta que o Conar tem precedentes nesse sentido. (Cf. XXXXXXXXXXX, 1997, p. 113)
228 “Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. Parágrafo único. O fornecedor, na publicida- de de seus produtos ou serviços, manterá em seu poder, para informação dos legíti- mos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à men- sagem”.
229 O Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária (Conar) dispõe no “Art. 9º. a atividade publicitária de que trata este Código será sempre ostensiva, com indica- ção clara da marca, da firma ou da entidade patrocinadora de qualquer anúncio ou campanha”, e no “Art. 28. o anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou seu meio de veiculação”.
230 MARQUES, 1994, p. 11.
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx ressalta que:
Publicidade que não quer assumir a sua qualidade é atividade que, de uma forma ou de outra, tenta enganar o consumidor. E o engano, mesmo o inocente, é repudiado pelo Código de Defesa do Consumi- dor. (...) O dispositivo visa impedir que a publicidade, embora atin- gindo o consumidor, não seja por ele percebida como tal (...) Veda-se, portanto, a chamada publicidade clandestina, especialmente sem sua forma redacional, bem como a subliminar231.
Contudo, apesar de haver vedação expressa, verifica-se que existe a prática da publicidade simulada, condenada pelo Código de De- fesa do Consumidor por ser oculta, e não ostensiva, contrária ao princípio da identificação, como a merchadising e o teaser, que geralmente não respeitam o princípio da identificação232/233.
Portanto, a publicidade, para ser lícita, tem que ser facilmente (“no momento da exposição”)234 e imediatamente identificada pelo con- sumidor (“sem esforço ou capacitação técnica”)235, sendo vedada a publi- cidade “disfarçada”.
2.2.1.3 Princípio da transparência
O parágrafo único do art. 36236 prevê o princípio da transparên- cia da fundamentação da mensagem publicitária, impondo ao fornecedor o dever de, antes de anunciar um produto ou serviço, recolher todos os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.
231 XXXXXXXX, 2001, p. 281 e ss.
232 Como comenta Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxxxx: “Os problemas do teaser são semelhantes aos do merchadising: não permitem uma identificação pronta de seu caráter publicitário. Mas, como já dito, o teaser nada mais é do que uma parte da mensagem publicitária. E o que o Código exige é que esta, e não o seu fragmento seja identificável facilmente. Logo, o princípio da identificação vale também para o teaser, só que sua aplicação faz-se apenas após a apresentação de seu fragmento fi- nal”. (Ibid., p. 284)
233 Cf. a explicação de Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx (FADEL, 2004, p. 164 e ss.)
234 XXXXXXXX, 2001, p. 281.
235 Ibid., p. 281.
236 “Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. Parágrafo único. O fornecedor, na publicida- de de seus produtos ou serviços, manterá em seu poder, para informação dos legíti- mos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à men- sagem”.
A não observância do princípio da transparência implica, além das sanções cíveis e administrativas, ilícito penal, consoante com o art. 69237.
2.2.1.4 Princípio da veracidade da publicidade e princípio da não-abusividade da publicidade
O § 1º, art. 37, do Código de Defesa do Consumidor estabelece que é enganosa a informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa ou fraudulenta, capaz de, por ação ou omis- são, induzir o consumidor em erro a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
É dever do fornecedor que se utiliza de publicidade no mercado veicular a informação totalmente verídica, definida por Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx como dever de “veracidade especial”, de modo que o consumi- dor possa discernir livre e consciente:
a publicidade comunica, logo é forma de informação, mas também é livre para não trazer nenhuma informação precisa ou mesmo nenhum sentido, pura ilusão publicitária, mas se trouxer alguma informação, seja sobre preços, sobre qualidade ou quantidade, sobre os riscos e segurança ou sobre características e utilidades do produto e do serviço, esta informação deve ser verdadeira (art. 36, parágrafo único, 37,
§ 1º e 38 do CDC)238.
A publicidade enganosa pode ser, de acordo com Guinther Spode: “comissiva, quando o fornecedor afirma atributos que o produto em ver- dade não possui, ou omissiva, quando são ocultadas informações sobre um determinado produto que, conhecidas, determinariam a não aquisi- ção do mesmo”239.
A publicidade enganosa por omissão se verifica, consoante com o
§ 3º do referido, quando deixar de informar sobre dado essencial do pro- duto ou serviço.
Como Xxxxx Xxxxx Xxxxxx comenta: “A enganosidade por omissão, nesse sentido, se caracteriza na hipótese de se revelar de tal forma im-
237 “Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade: Pena – Detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa”. Para efeitos penais é relevante a intenção do agente, sendo o lícito é doloso. (BENJAMIN, 2001, p. 286)
238 MARQUES, 1994, p. 11.
239 SPODE, 2002, p.189.
portante o dado omitido que tal consumidor-padrão deixaria de concreti- zar o negócio se dele soubesse anteriormente”240.
Importante salientar que para caracterizar a publicidade engano- sa basta a “enganosidade potencial”, ou seja, que a informação tenha a capacidade de induzir o consumidor em erro, sendo desnecessária a prova da má-fé do fornecedor ou a prova da “enganosidade real”241.
Ressalte-se que para Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx:
[...] é irrelevante a boa-fé do anunciante, não tendo importância o seu estado mental, uma vez que a enganosidade, para fins preventivos e reparatórios, é apreciada objetivamente; alegações ambíguas, parcial- mente verdadeiras ou até literalmente verdadeiras podem ser enga- nosas; o silêncio – como ausência de informação positiva – pode ser enganoso; uma prática pode ser considerada normal e corriqueira para um determinado grupo de fornecedores e, nem por isso, deixar de ser enganosa; o standard de enganosidade não é fixo, variando de categoria de consumidores (por exemplo, crianças, idosos, doentes, rurícolas e indígenas são particularmente protegidos)242.
Dessa forma, conclui Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxx: “O erro real con- sumado é um mero exaurimento que é irrelevante para a caracterização da enganosidade”243.
A respeito da honestidade e veracidade da mensagem publicitária, vale destacar alguns casos decididos na esfera administrativa pelo Conar:
“Net — 50% de desconto”
Consumidores de São Paulo e do Rio de Janeiro apontam que anúncio para TV da Net não informa que o serviço oferecido não está disponível em determinadas regiões e que a promo- ção de 50% de desconto nas duas primeiras mensalidades não seria efetivamente cumprida, pois o prazo teria início no dia 1º de janeiro, e quem aderisse à promoção depois desta data só poderia usufruir do desconto no período re- manescente.
A defesa argumentou que a peça indica o site para se obter mais informações a respeito da promoção e também que há esclareci-
240 COELHO, 1993, p. 77.
241 XXXXXXXX, 2001, p. 288.
242 Ibid., p. 288.
243 ULHOA, 2003.
mentos no lettering do próprio filme que seriam suficientes para dirimir dúvidas.
Em seu parecer, o relator ressaltou que, apesar de presentes no comercial, as informações estão dispostas em uma parte ile- gível do lettering [sic]. Recomendou a alteração da peça, voto aceito unanimemente244. (nossos grifos)
Caracteriza violação, também, do princípio da veracidade a pu- blicidade que se utiliza de superlativos sem qualquer base científica245/246:
“Comprovificado [sic] pelos leitores da Info: Xxxxxx, a me- lhor banda larga”
Para a Net, anúncio em mídia exterior da Speedy, de responsa- bilidade da Telefônica, estaria levando o consumidor a erro. A denúncia alega que a peça apregoa resultado de pesquisa reali- zada pela revista Info Exame, em que a Xxxxxx venceu na cate- goria de empresa que mais inovou em 2005, e não na de melhor serviço de banda larga, como divulgado na propaganda.
A anunciante alegou que na época de difusão do anúncio o ser- viço de banda larga por ela oferecido era o melhor do mercado, e que isso foi comprovado pelo resultado da pesquisa da revista Info Exame.
Ao recomendar a alteração da peça, o relator apontou que a anunciante não foi específica ao alardear o resultado da pesqui- sa, que deveria dizer: “Speedy, a melhor banda larga em inova- ção”. Sua manifestação foi aceita por unanimidade247.
244 CONAR. Representação 19/06. Autor: Conar, a partir de queixa de consumidor Anunciante e agência: Net e Talent. Relator: Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx. 6ª Câm. Decisão: Alteração. Fundamento: arts. 1º, 3º e 27, §§ 1º, 2º e 3º, e 50, “b” do Código. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/>. Acesso em: 07 nov. 2006. Decisão profe- rida em março de 2006.
245 “UOL – O melhor conteúdo”: CONAR. Representação n. 202/05, em recurso ordiná- rio. Autor: IG Anunciante: Universo OnLine. Relatores: Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Especial de Recursos. Decisão: Arquivamento. Fundamento: art. 27, n. I, “a” do Rice. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/>. Acesso em: 07 nov. 2006. Decisão proferida em fevereiro de 2006.
246 “UOL – A maior empresa da internet”: CONAR. Representação 17/06. Autor: Terra. Anunciante: Universo Online. Relator: Xxxx X. Rodrigues. Primeira Câmara. Decisão: Alteração. Fundamento: arts. 1º, 4º, 23, 27, 32 e 50, “b” do Código. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/>. Acesso em: 07 nov. 2006. Decisão proferida em março de 2006.
247 CONAR. Representação 94/06. Autora: Net. Anunciante: Telefônica. Relator: Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxx. 6ª Câm. Decisão: Alteração. Fundamento: arts. 17, 23, 27, §§ 1° e 2°,
No comércio eletrônico a publicidade enganosa ocorre princi- palmente com a utilização de banners ou mesmo de mensagens divulga- das por correio eletrônico (e-mail), com dizeres chamativos, mas nem sempre verdadeiros, do tipo: “Ganhe dinheiro sem esforço”, “Emagreça já” ou “Clique aqui para ganhar prêmios”. Cita-se, como exemplo, uma decisão do Conar de março de 2006:
“Acesse a loja virtual Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxxxx e ganhe um brinde exclusivo”
Consumidora paulista se queixa da promessa de brinde da loja virtual de Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxxxx em anúncio na internet, di- zendo que a mensagem dá a entender que basta acessar o site para ganhar o brinde, quando, na realidade, para recebê-lo é ne- cessário realizar uma compra.
A defesa se justificou explicando que o anúncio dava acesso ao site da loja, onde o consumidor recebia as instruções necessárias de como ganhar o brinde, não havendo possibilidade de confusão. Esclareceu que, diante da reclamação da consumidora, havia retirado o anúncio do ar.
O relator destacou que o anúncio não era claro em relação às condições necessárias para se adquirir o brinde e determinou sua sustação definitiva, o que foi aceito por unanimidade pelos membros do Conselho de Ética248.
Outro exemplo é a publicidade divulgada pela Gol Linhas Aéreas, que anunciou em seu site a seguinte promoção: “Passagens por apenas R$ 25,00 (vinte e cinco reais) o trecho” – “Hoje a partir das 22h”. Isso significa que o consumidor só poderá comprar o bilhete após esse horário. No entanto a promoção impõe uma série de restrições, como a possibilidade de não conseguir a passagem de volta pelo mesmo preço, além de não informar no site que além dos R$ 25 será cobrada a tarifa de embarque do aeropor- to249.
e 50, “b” do Código. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/>. Acesso em: 07 nov. 2006. Decisão proferida em junho de 2006.
248 CONAR. Representação 4/06. Autor: Conar, a partir de queixa de consumidor. Anunciante: Loja Virtual Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxxxx. Relator: Aloísio Lacerda Medeiros 1ª Câm. Decisão: Sustação. Fundamento: arts. 1º, 3º e 27, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, e 50, “c” do Código. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/>. Acesso em: 07 nov. 2006. Deci- são proferida em março de 2006.
249 TEIXEIRA, 2006.
O princípio da veracidade publicitária visa, sobretudo, resguar- dar a boa-fé objetiva da relação de consumo, assegurando que a prática publicitária deverá estar pautada pela lealdade, veracidade e clareza das informações.
O princípio da não-abusividade encontra respaldo no art. 5º, XLI, da Constituição Federal, segundo o qual “a lei punirá qualquer discrimi- nação atentatória dos direito e liberdades fundamentais”.
A matéria está prevista no § 2º, do art. 37 do Código de Defesa do Consumidor, com a seguinte redação:
É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da defi- ciência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
O dispositivo legal é meramente exemplificativo, devendo-se considerar como abusiva qualquer publicidade que deprecie raça, credo, orientação sexual, nacionalidade, profissão, convicção política ou condi- ção social.
O princípio que veda a discriminação foi assim utilizado pelo Conar nos seguintes casos:
“E aí? Vai continuar encalhado...”
Anúncio em jornal mostra baleia encalhada na areia com o títu- lo ‘E aí? Vai continuar encalhado à espera de um milagre? Emagreça já’. Consumidor carioca considerou que o anúncio é desrespeitoso e agride a população obesa.
Anunciante e agência negaram a interpretação do consumidor. O relator propôs alteração. Ele considerou que o anúncio inspira os que buscam maneiras de fazer graça à custa dos problemas alheios e ainda que a peça contém promessa categórica de ema- grecimento – o que não é aceito pelas normas ético-publicitárias
–, não havendo ainda menção do médico responsável no Conse- lho Regional de sua jurisdição, o que é obrigatório em anúncios desse tipo. Seu voto foi aceito por unanimidade pela 1ª Câm. do Conselho de Ética250.
250 CONAR. Representação 225/02. Autor: Conar a partir da queixa de consumidor. Anunciante e agência: Clínica Dr. Michel Sader e W2. Relator: Xxxxx Xxxxxx. Deci-
“Trakinas – o biscoito que é a sua cara”.
Dois consumidores, um de São Paulo e outro de Xxxxxxx, consi- deram que ‘dica’ contida na embalagem dos biscoitos Trakinas contém exemplo deseducativo, estimulando comportamento oportunista e inadequado por parte da criança, que é aconselha- da a ‘enganar’ o irmão para ficar com mais biscoitos. A repre- sentação teve recomendação de alteração em primeira e segunda instância, em ambos os casos por decisão unânime251.
Importa salientar que o Código de Defesa do Consumidor não garante proteção contra a publicidade ilícita apenas para o consumidor propriamente dito, pois tanto a publicidade enganosa quanto a abusiva, atingem o interesse de toda a coletividade a elas exposta, determináveis ou não, equiparada ao consumidor pelo disposto no art. 29. Ou seja, as vítimas de eventos danosos e às expostas as práticas comerciais estão protegidas sob o manto da mesma garantia legal.
No Brasil, o regime de controle da publicidade é misto. De um lado, o controle se dá pelo Poder Público, com normas do Código de De- fesa do Consumidor e legislação extravagante, e, de outro, pelo sistema privado, representado pelo Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária – Conar252.
O fornecedor que não observar os princípios da veracidade e da não-abusividade ficará sujeito a sanções de natureza civil, administrativo e penal, sem prejuízo de outras previstas em norma específicas.
2.2.1.5 Princípio da inversão do ônus da prova
O Código de Defesa do Consumidor adota no art. 38253 o princí- pio da inversão do ônus da prova, pelo qual cabe ao fornecedor provar que a publicidade que veicula não é falsa ou incorreta, e não ao consumi- dor, o que facilita a defesa em juízo dos interesses dos consumidores vitimados pela mensagem publicitária.
são em: Alteração. Fundamento: arts. 1º, 3º, 19, 20 e 50, “b”, do Código. Decisão pro- ferida no mês de abril de 2003. (XXXXX, 2004, p. 157 e ss.)
251 CONAR. Representação 256/02, em recurso ordinário. Autor: Conar, a partir de queixa do consumidor. Anunciante: Xxxxxxxxxx & Royal. Relatores: Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxxxx. Decisão: Alteração. Fundamento: arts. 1º, 3º, 6º, 37 e 50, “b”, do Código Civil. Decisão proferida no mês de maio de 2003. (Ibid., p. 157 e ss.)
252 Sobre publicidade e regulamentação, verificar PASQUALOTTO, 1997, p. 67 e ss.
253 “Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”.
O ônus da prova concerne a dois aspectos da publicidade: a ve- racidade e correção. No primeiro, a prova deve demonstrar que foi obser- vado o princípio da veracidade, e no segundo, que a publicidade está adequada aos princípios da não-abusividade, da identificação da mensa- gem publicitária e da transparência254.
Nesse caso, a inversão do ônus da prova é obrigatória, não está adstrita à discricionariedade do juiz como na hipótese do art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor.
2.2.1.6 Princípio da correção do desvio publicitário
A correção do desvio publicitário está prevista no inc. XII, do art. 56 do Código de Defesa do Consumidor255, o qual impõe a sanção de contrapropaganda256, cujo “objetivo é fulminar a força persuasiva da publicidade enganosa ou abusiva, mesmo após a cessação de sua veicu- lação”257/258.
Assim, o infrator é obrigado a arcar com as despesas para efetuar nova divulgação no mesmo veículo de comunicação, horário, espaço, local e com a mesma duração, que foram antes utilizados para veicular a publicidade ilícita.
Após a fase pré-contratual, o contrato se forma com a aceitação da oferta pela declaração de vontade, cuja análise será feita no capítulo seguinte, o qual abordará a formação do contrato, englobando as partes da relação de consumo, o local de celebração do contrato, o direito de arre- pendimento e as formas de pagamento.
254 BENJAMIN, 2001, p. 316.
255 “Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:(...) XII – Imposição de contrapropaganda”.
256 Vale anotar os comentários de Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx sobre o vocábulo empregado pelo Código de Defesa do Consumidor: “O Código de Defesa do Consu- midor – CDC adotou o termo publicidade enquanto meio de incentivar a aquisição de produtos ou serviços. Registre-se, porém, o erro de técnica legislativa quando se em- pregou a expressão contrapropaganda (art. 56, XII, CDC), em vez de contrapublici- dade”. (A disciplina civil da publicidade no Código de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 36, nov. 1999. Disponível em: <xxxx://xxx0.xxx.xxx.xx/ doutrina/texto.asp?id=703>. Acesso em: 15 out. 2006). No mesmo sentido XXXXXXXX, 2001, p. 314.
257 Ibid., p. 314.
258 Cf. ibid., p. 315.
78 Analice Castor de Mattos
3
FORMAÇÃO DO CONTRATO DE CONSUMO ELETRÔNICO
3.1 PARTES DA RELAÇÃO DE CONSUMO
3.1.1 Consumidor
O art. 2º do Código de Defesa do Consumidor define consumi- dor como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Note-se que o dispositivo legal não faz qualquer distinção entre pessoa física e jurídica dentro do conceito de consumidor; exige, apenas, que seja destinatário final do produto ou serviço, ou seja, que retire defi- nitivamente o bem do mercado.
Como salienta Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx: “A descrição mais comum do fenômeno do consumo apresenta este como um processo de destruição “técnica” dos bens e serviços. O consumidor aparece como o usuário final de um bem econômico;”259
O conceito jurídico de consumidor é interpretado pela doutrina brasileira sob a ótica de duas correntes: a finalista e a maximalista, que se diferem por atribuir ao conceito jurídico trazido pelo Código de Defesa do Consumidor a abrangência de um menor ou maior número de situa- ções jurídicas, surtindo diferentes efeitos na realidade sócio-econômica.
A corrente finalista entende que destinatário final é o destinatá- rio fático e econômico de determinado bem ou serviço, quer tenha ele personalidade física ou jurídica.
259 BOURGOIGNIE, 1992, p. 16.
Além de o consumidor retirar o bem do mercado (caráter fático), ele não pode adquirí-lo para uso profissional ou revenda (caráter econô- mico). Restringe o conceito de consumidor ao não-profissional, àquele que retira o produto do mercado para uso próprio ou de sua família, pois o Código de defesa do Consumidor visa tutelar a parte da sociedade vul- nerável260/261.
Xxxxxxx Xxxx Marques262 salienta que a interpretação finalista é aquela em consonância com o espírito do Código de Defesa do Consumi- dor, pois se todos fossem considerados consumidores, o direito especial de proteção seria um direito comum, não mais destinado a reequilibrar a parte não-igual da relação.
Segundo a autora, o Código impõe diretrizes que devem guiar a interpretação de suas normas, explícitas em seu art. 4º, como o princípio da vulnerabilidade, da boa-fé e do equilíbrio263.
A interpretação finalista está em conformidade com a nova ordem econômica constitucional, à luz dos arts. 5º, caput e inc. XXXII – “prin- cípio da igualdade e proteção da dignidade e direito fundamental do cidadão à proteção do Estado, enquanto consumidor” 264 e o 170, inc. V, da “defesa do consumidor como princípio da ordem econômica”265.
Por essa linha de pensamento, a defesa do consumidor é garan- tia fundamental conferida à pessoa física, e para pessoa jurídica, mera limitação da livre iniciativa do caput do art. 170, do referido diploma
260 MARQUES, 2004b, p. 253 e ss.
261 Na explicação de Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx: “Assim, se uma pessoa física ou jurídica adquire um produto ou serviço não como destinatário final, mas para reven- da ou como insumo a ser utilizado em um processo de produção, não será considera- do consumidor, e essa relação não será de consumo, mas regida pelo direito comum”. (O Comércio Eletrônico no Brasil e seu enquadramento no Código de Defesa do Con- sumidor. In: EFING, 2005, p. 166)
262 MARQUES, op. cit., p. 267 e ss.
263 “CDC, art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mer- cado de consumo; (...) III – harmonização dos interesses dos participantes das rela- ções de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;”
264 MARQUES, 2004b, p. 306.
265 Ibid., p. 306.
legal, pois estaria explícita na abordagem constitucional a idéia de fragi- lidade a justificar a proteção do consumidor266.
De outro lado, a corrente maximalista considera que o Código do Consumidor seria “o novo regulamento do mercado de consumo bra- sileiro”267, de forma a instituir normas e princípios para todos os agentes da cadeia produtiva, a revezarem-se entre os papéis de consumidor e for- necedor.
O destinatário final seria apenas fático, e não econômico, de forma a abarcar aquele que retira o bem do mercado e o utiliza como, por exemplo, um advogado que adquire um computador para seu escritório.
A teoria maximalista defende que a definição do art. 2º do CDC é apenas objetiva, sendo irrelevante a obtenção, ou não, de lucro através da aquisição do bem ou serviço268.
Nessa seara, Xxxxxxx Xxxxxx Efing sustenta que:
A definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensivamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não im- portando se a pessoa jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o “destina- tário fático” do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome269.
O autor conclui, assim, que na concepção desta corrente doutri- nária, não importa a relação de hipossuficiência, mas sim a idéia de “mo- ralização das relações de consumo”270.
Portanto, os papéis no mercado de consumo deveriam ser assu- midos por todos aqueles que dele participassem, com ônus e encargos devidos, de forma a atingir excelência no fornecimento de produtos e serviços: o consumidor, então, quer fosse utente ou adquirente, seria con- siderado de forma adequada271.
O parágrafo único do art. 2º ressalta o caráter coletivo do con- sumo estatuindo que: “Equipara-se a consumidor a coletividade de pes-
266 Ibid., p. 306.
267 Ibid., p. 254.
268 Ibid., p. 255.
269 EFING, 2004, p. 56.
270 Ibid., p. 56.
271 Ibid., p. 56.
soas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo ou se encontre su- jeita ou propensa a intervir nas relações de consumo”272.
O art. 17 do Código de Defesa do Consumidor equipara o con- sumidor a todas as vítimas atingidas pelo acidente de consumo273.
Ainda, o art. 29 do CDC equipara aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais, conferin- do maior proteção do mercado de consumo, em que a massificação das relações tornou impossível a individualização de quem tomou efetiva- mente contato com a veiculação da prática comercial (oferta). O consu- midor não precisa sequer se preocupar em afirmar que sofreu o dano274.
Por fim, cumpre destacar as considerações de Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx sobre o conceito de consumidor:
c) O fenômeno do consumo refere-se mais a uma função do que a um simples ato técnico. Em conseqüência ele se reveste de uma dimensão coletiva: ele é feito de uma masa [sic] de atos individualmente colo- cados e repetidos por uma massa de indivíduos. O consumidor não pode então ser compreendido somente como o parceiro de trocas in- dividualizadas, o que será em muitas circunstâncias; ele é também, o quarto pólo do ciclo produção-distribuição-troca-consumo e partilha, a este título, os interesses coletivos, similares mas dispersos, dos indi- víduos componentes do grupo econômico “consumidor” ou “consu-
272 Na lição de Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, esse dispositivo legal: “é a universalidade, conjunto de consumidores de produtos e serviços, ou mesmo grupo, classe ou cate- goria deles, e desde que relacionados a um determinado produto ou serviço, perspec- tiva essa extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se previna, por exemplo, o consumo de produtos ou serviços perigosos ou então nocivos, benefician- do-se, assim, abstratamente as referidas universalidades e categorias de potenciais consumidores. Ou, então, se já provocado o dano efetivo pelo consumo de tais produ- tos ou serviços, o que se pretende é conferir à universalidade ou grupo de consumido- res os devidos instrumentos jurídicos-processuais para que possam obter a justa e mais completa possível reparação dos responsáveis, (...)”
273 Como comenta Xxxx Xxxx: “No caso de consumidor por equiparação não há necessi- dade de que o consumidor vítima do evento faça parte do vínculo contratual que ori- ginou a relação de consumo. Basta que ele seja atingido em sua esfera jurídica pelo defeito provocador do acidente, como a vítima de atropelamento causado por defeito de fabricação no freio do veículo”. (BLUM, 2002, p. 35)
274 Sobre o tema, Rizzato Nunes salienta: “[...] uma vez existindo qualquer prática co- mercial, toda coletividade de pessoas já está exposta a ela, ainda que em nenhum momento se possa identificar um único consumidor real que pretenda insurgir-se con- tra tal prática. [...] Trata-se, portanto, praticamente de uma espécie de conceito difu- so de consumidor, tendo em vista que desde já e desde sempre todas as pessoas são consumidoras por estarem potencialmente expostas a toda e qualquer prática comer- cial”. (NUNES, 2005, p. 85)
meriado”. Todo trabalho de normalização jurídica das relações de consumo deve ter em conta esta dimensão coletiva. De um lado, em não aceitando limitar a percepção de prejuízo alegado por um recla- mante isolado somente por ser individual, mas de valorizar sua im- portância face à soma de interesses do conjunto de indivíduos tendo que encarar a mesma situação prejudicial – p. ex, o conjunto de con- sumidores destinatários de uma publicidade enganosa, usuário de um mesmo produto perigoso ou subscritor de uma mesma cláusula abusiva. De outra parte, em se reconhecendo a existência de um interesse cole- tivo dos consumidores, específico e distinto do interesse geral, sob o mesmo título que a ordem social reconheceu e procurou assegurar a defesa de outros interesses coletivos no contexto econômico contem- porâneo, tais como aqueles dos trabalhadores agrupados em sindica- tos ou aqueles dos profissionais reunidos em ordens ou grupos.
d) Desde que todo mundo é levado a consumir, todo mundo é consu- midor; o consumidor não é um conceito único, mas difuso; a qualida- de do consumidor pertence a todos e a cada um, quer seja emprega- dor, trabalhador, cidadão, produtor, distribuidor, profissional, rico, pobre etc.
[...]
O caráter difuso do conceito do consumidor não retira nada à especi- ficidade da função de consumidor. O consumidor, porque consome, não deve ser tratado como produtor, trabalhador ou cidadão. Mas a ambigüidade nasce do fato de o produtor, o trabalhador e o cidadão serem igualmente consumidores275.
Pode-se concluir, pois, que o consumidor deve ser analisado como um indivíduo que faz parte de uma sociedade, na qual todos ficam expostos aos atos decorrentes do consumo, seja pessoa física ou jurídica, profissional ou não-profissional.
Sem dúvida, a segunda corrente (a maximalista) é a que capta melhor o espírito do Código de Defesa do Consumidor: o de construir uma sociedade justa e solidária.
A pessoa jurídica que adquire um produto no mercado, mesmo que seja para o exercício da sua atividade comercial – como o exemplo citado acima, do advogado que compra o computador para trabalhar – é igualmente vulnerável, pois não tem formação técnica sobre aquele pro- duto, nem acesso à sua produção em série, ou seja, depende da informa- ção do fornecedor a respeito dos itens que o compõem, razão pela qual necessita da tutela do Código.
275 BOURGOIGNIE, 1992, p. 21.
3.1.2 Fornecedor
O fornecedor é a parte da relação de consumo que oferece pro- dutos e serviços no mercado de consumo, visando atender a demanda dos consumidores.
O art. 3 º do Código de Defesa do Consumidor dispõe que:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou es- trangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, expor- tação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securi- tária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
A habitualidade distingue o fornecedor do vendedor da relação do direito civil, como Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx destaca: “fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma habitual”276.
Apresentados os conceitos legais de consumidor e fornecedor277, passa-se à análise de algumas formas de o fornecedor disponibilizar seus produtos na Internet, quais sejam.
3.1.2.1 Site de leilão virtual
O site leilão278 é uma das modalidades de negócios que mais se destacam no comércio eletrônico, por possibilitar o contato entre os con-
276 XXXXXXXX et al., 2001, p. 39.
277 Conceitos sobre provedor de acesso e de serviço de informações cf. XXXX, 2002,
p. 38 e ss.
278 Como esclarece Xxxxxxxx Xxxx, o leilão virtual distingui-se do leilão Oficial On-line: “Segundo a legislação brasileira de leilões, a figura do leiloeiro é aquela que dá a re- ferência do produto leiloado, avalizando sua origem, qualidade e autenticidade. Por ser o avalista do que é vendido, o leiloeiro recebe comissão sobre o preço final do produto. Por isso, ele também é o responsável por valorizá-lo aos olhos dos possíveis compradores – em outras palavras, de “fazer o marketing” do produto em questão – e deve ser uma figura confiável perante os seus interlocutores. O leiloeiro que vende um produto desqualificado, que ludibria os consumidores, que passa informações er- radas sobre o produto é um leiloeiro falido. Essas características não são encontra-
sumidores interessados em adquirir, vender ou trocar mercadorias e ser- viço, sem ter que arcar com os custos de um anúncio no jornal. Além disso, possui um alcance muito maior, por ser uma “feira livre de grandes dimensões”279.
A plataforma do site leilão virtual é utilizada como um canal de acesso ao comércio eletrônico, mediante remuneração do organizador do leilão, que pode se dar de forma direta, com o pagamento de corretagem sobre os valores vendidos ou comprados, ou indireta, por meio de publi- cidade, convênios com o provedor ou por impulsos telefônicos280.
Observa-se que nessa espécie de site podem anunciar tanto o fornecedor quanto o não-fornecedor. Para este, entende-se que se aplicam ao contrato de compra e venda as regras do direito civil. Já para aquele, aplicam-se as regras do Código de Defesa do Consumidor. É importante salientar que em ambos os casos existe uma relação de consumo entre o site leilão e o anunciante ou comprador281/282.
No Brasil, vale destacar a decisão da Turma Recursal do Juiza- do Especial Cível do Distrito Federal, que manteve a sentença proferida pelo magistrado do Juizado Especial de Ceilândia, condenando o site de leilão <xxx.xxxxxxxx.xxx.xx> a responder por negócios feitos sob seu domínio. No caso em questão, o consumidor havia comprado um apare- lho de telefone celular de um anunciante do site, efetuou o pagamento, mas não o recebeu283.
das nos chamados sites de leilão virtual. Assim como eles não preenchem os requisi- tos básicos para que sejam considerados um leilão oficial: a publicação de editais com prazo de antecedência mínima, em todas as praças em que o leilão for ocorrer. Considerando a Internet, a opção ou é por um veículo de mídia nacional, com cober- tura sobre todo território, ou por um edital online publicado na Internet nos locais de maior acesso de usuário, sendo que um não restringe o outro”. (2002,
p. 99 e ss.)
279 Ibid., p. 98.
280 MARQUES, 2004a, p. 218.
281 Na opinião de Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx: “Aos leilões ‘privados’, consumidor-consumi- dor, aplicam-se as regras gerais do Código Civil, mas se acontecer de forma ‘organi- zada’, em espaços organizados para tal, na Internet, ou com a participação de forne- cedor ou moderador-profissional, não serão mais caracterizados como leilões privados, aplicando-se as regras de proteção do consumidor e da concorrência”. (Ibid., p. 218)
282 A autora comenta, ainda, que a jurisprudência alemã conclui que: “como é o organi- zador de leilão/fornecedor que oferece a plataforma de negócio, é de sua responsabi- lidade a autoria dos lances e a escolha da forma de negociação e distribuição (po- wershopping, co-shopping, tipo de leilão, contratação por promessa de compra e venda ou reserva de direito de compra)”. (Ibid., p. 219)
283 “Civil. Consumidor. Compra e venda de aparelho celular via internet. Não en- trega de mercadoria. Devolução das parcelas pagas. Solidariedade passiva do site que disponibiliza a realização de negócios e recebe uma comissão do vende- dor/anunciante, quando concretizado o negócio. 1. Doutrina. “Os contratos de for-
A decisão ressalta que os sites de leilão não são apenas páginas de classificados, mas participam ativamente da compra e venda de produ- tos como intermediadores, recebendo, inclusive, comissão quando o ne- gócio é concretizado.
Razão pela qual, entende que se aplica o parágrafo único do art. 7º do Código de Defesa do Consumidor, que trata da solidariedade passiva284.
Interessante notar que no site do mercado livre (que comprou o xxxxxxxx.xxx) é ofertado uma forma de comprar e vender segura, através do “MercadoPago”. O comprador paga ao MercadoPago, o vendedor verifica o pagamento e envia o produto. Quando o comprador recebe o produto, o “MercadoPago” libera o pagamento ao vendedor. Por este sistema, ambas as partes têm a garantia de que, se houver inadimplemen- to, não serão prejudicadas.
Portanto, a responsabilidade do site leilão deve ser analisada no caso concreto, como no caso do “MercadoPago”. Este oferece um serviço seguro e se o usuário decidir efetuar a compra fora do sistema assume o
necimento de produtos ou de prestação de serviços, dos quais constituem exemplo aqueles celebrados entre provedores de acesso à internet e os seus clientes, encon- tram-se sujeitos, (…) às mesmas proteções ordinariamente dirigidas à tutela dos con- sumidores, em relação à eventual aquisição de bens no mundo real. (…) Não se pode olvidar que os contratos realizados pela Internet são contratos de adesão, daí porque as limitações na interpretação de tal espécie de contrato são, evidentemente, aplicá- veis. Por isso é que devem ser consideradas nulas todas as disposições que alterem o equilíbrio contratual das partes, ou que liberem unilateralmente as partes de suas obrigações legais, como é o caso das cláusulas de não indenizar.” (XXXXXXXXX, x. 86). 2. O serviço prestado pela ré, de apresentar o produto ao consumidor e interme- diar negócio jurídico por meio de seu site e receber comissão quando o negócio se aperfeiçoa, enquadra-se nas normas do Código de Defesa do Consumidor (art. 3º,
§2º, da Lei 8078/90). 3. É de se destacar que a recorrente não figura como mera fonte de classificados, e sim, participa da compra e venda como intermediadora, havendo assim, solidariedade passiva entre a recorrente e o anunciante, nos termos do pará- grafo único do art. 7º do Código do Consumidor. 4. Merece confirmação sentença que condenou a intermediadora a indenizar consumidor pelo não recebimento de produto adquirido (aparelho de telefone celular) em site de internet de responsabili- dade daquela (intermediadora), aqui Recorrente. 5. Sentença mantida por seus pró- prios e jurídicos fundamentos. Decisão conhecer e negar provimento ao recurso, sen- tença mantida, por unanimidade”. (JECC – Proc. 2003.03.1.014088-5/Ceilândia – Reg. Acórdão: 186.533. Rel. Xxxx Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx – Restituicao. (Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx.xxx?xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx&xx- lor=948>. Acesso em: 05 jan. 2007)
284 Em sentido contrário, Xxxx Xxxxxxx Xxxx defende que: “A figura do Leilão Virtual se aproxima da figura do jornal de classificados, que a princípio não se responsabiliza pelos citados aspectos. Entretanto, não se pode negar que por ser o seu negócio cabe a ele (leilão virtual) exercer um controle mínimo sobre o que é ofertado, a ponto de barrar o que for ostensivamente contrário à legislação, como a venda e órgãos ou substâncias proibidas”. (BLUM, 2002, p. 218)
risco e, portanto, não pode querer responsabilizar o fornecedor pelo insu- cesso do negócio.
Ressalte-se que o fornecedor dessa espécie de site deve cumprir igualmente todos os deveres anexos de transparência, informação e segu- rança285, bem como arcar com o risco da atividade desse tipo de negocia- ção virtual286.
3.1.2.2 Portal de comércio eletrônico
O fornecedor contrata os serviços de um portal eletrônico e pa- ga uma mensalidade para ter seus produtos divulgados, ou contrata a hospedagem da loja virtual e a estrutura tecnológica para a montagem e operacionalização da sua empresa no ambiente on-line. Como exemplo, o site do correiosnet shopping287.
3.1.2.3 Loja virtual própria
a) A loja virtual pode ser criada pelo próprio fornecedor, que desenvolve o software da loja, com o sistema de segurança eletrônico e política de privacidade de informações. Possui seu próprio provedor, o qual será o único responsável pelos danos que vier a causar ao consumidor por meio do comércio eletrônico. Ex: <xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx>, <xxx.xxxxxxxxxx. com> etc.
b) O fornecedor virtual, da mesma forma, desenvolve o software para criação da loja virtual, com todo o sistema de segurança e política de privacidade de informações, e terceiriza o pro- vedor, que tem uma infra-estrutura de energia elétrica e de segurança para hospedar a máquina com os dados da loja.
285 Como exemplo, o site do mercado livre, que oferece toda a estrutura e segurança para a promoção de vendas online.
286 Vale lembrar o caso da criança de três anos que comprou um carro Nissan Figaro cor- de-rosa, decapotável pela Internet na Inglaterra, pelo site de leilão eBay apertando o botão “compre já”. A compra só foi cancelada quando os pais da criança tomaram co- nhecimento do ocorrido ao receberem um e-mail parabenizando-os pela aquisição do veículo e entraram em contato com o leiloeiro. (Disponível em: <xxxx://xxxxxxxxxx. xxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/0,,XX0000000-XX0000,00.xxxx>. Acesso em: 08 dez. 2006)
287 <xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx>.
c) O fornecedor contrata uma empresa de software especializa- da em comércio eletrônico, para desenvolver a loja virtual, oferecendo toda infra-estrutura para a negociação on-line, inclusive o sistema de segurança eletrônico e o serviço de hospedagem, que pode ser em sua estrutura própria ou ter- ceirizada, com a contratação de um provedor. Neste caso, o fornecedor não participa do contrato estabelecido entre a empresa de software e o provedor.
Nos dois últimos casos, o provedor passa a ser mero veiculador de informações, que simplesmente transmite os conteúdos e imagens oferecidos pelo fornecedor, com quem o consumidor irá contratar direta- mente288.
Apesar de o provedor não fazer parte da relação jurídica que se forma entre o fornecedor virtual e o consumidor, acredita-se que o mesmo pode ser responsabilizado se não criar um ambiente seguro para o consu- midor, exigindo na contratação com o fornecedor virtual que este cumpra as exigências mínimas para melhor identificação de seu estabelecimento comercial, impedindo a criação de “empresas virtuais fantasmas”.
A empresa de software responde solidariamente com o fornecedor por danos que o consumidor venha sofrer em razão de falhas no sistema de segurança eletrônica de dados.
Por outro lado, se o dano sofrido pelo consumidor é com rela- ção à prestação do serviço ou produto contratado na loja virtual, como por exemplo, a não entrega do produto ou entrega de produto defeituosos, a empresa hospedeira se exime de qualquer responsabilidade se demons- trar: 1) que o dano não decorreu de falha na segurança da proteção de dados; 2) que ao hospedar o fornecedor virtual, tomou o cuidado de ave- riguar a existência da empresa, exigindo, na contratação, contrato social e CNPJ (cadastro nacional de pessoa jurídica). Ou seja, a empresa hospe- deira pode vir a ser responsabilizada se hospedar uma loja virtual sem procedência no mundo real, utilizada para enganar consumidores. 3) que transmitiu todas as informações corretas.
Todos os intermediários que forneçam serviços de conexão, de transmissão de informações ou armazenamento de dados, respondem pela
288 “Os agentes intervenientes, como, por exemplo, a provedora de acesso (que disponi- biliza o endereço na Internet, armazena e insere o site para a rede, presta e coleta in- formações para seus usuários), não pode ser considerada parte na compra e venda realizada na Internet. A ela cabe, em princípio, apenas o encargo de organizar o meio físico (cabos, equipamentos etc.) e o logístico (os sofwares de comunicação) que viabilizam a comunicação entre o computador do usuário e a rede mundial”. (DE LUCCA, 2001, p. 59)
informação objeto da oferta transmitida erroneamente ou desatualizada, como, também, pelo armazenamento das informações recebidas e pelo dever de sigilo profissional.
Dessa análise, pode-se concluir que, muito embora a relação de consumo na rede se dê com determinado fornecedor, existem outros agentes envolvidos na relação de oferecimento do produto ou serviço, como as empresas de softwares, os provedores e as empresas de segurança eletrô- nica, que criam, entre si, diferentes tipos de relações jurídicas.
À luz da corrente maximalista, além da relação jurídica com o fornecedor e o consumidor, pode-se extrair uma série de outras relações de consumo entre os próprios agentes da cadeia de fornecimento. Para tal corrente, como já mencionado, o Código de Defesa do Consumidor é um Código para a sociedade de consumo, o qual institui normas e princípios para todos agentes do mercado, que podem assumir papéis de consumido- res e fornecedores289.
Como exemplo, o contrato estabelecido entre o fornecedor e o site de leilão ou com portal virtual da contratação ou com a empresa de software. Como, também, da loja virtual com o provedor, ou da empresa de software com o provedor.
Todas essas relações jurídicas devem adequar o serviço às normas do Código de Defesa do Consumidor, englobando, tanto o fornecedor que visa oferecer serviços e produtos na rede, quanto o fornecedor que oferece os meios de acesso ao mundo virtual.
Ressalte-se, que por se tratar de uma relação de consumo por meio da internet, nas palavras de Xxxxxxx Xxxx Marques290, um contrato “desumanizado”, em que não existe o contato físico entre as partes con- tratantes, exige que os agentes participantes da relação de fornecimento tomem alguns cuidados para averiguar a existência e idoneidade do for- necedor quando da criação e hospedagem da loja virtual, impedindo, assim, a disseminação de práticas ilícitas na rede, sob pena de responder solidariamente pelos danos sofridos pelo consumidor291.
289 EFING, 2004, p. 56.
290 MARQUES, 2004, p. 65.
291 A responsabilidade alcança, solidariamente, todos os que compõem a cadeia de pro- dução e que colocam o produto no mercado, consoante com os arts. 7º, parágrafo úni- co, 25, § 1º, 12 e 18 do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx enfatiza que: “Para se ver ressarcido dos prejuízos sofridos, pode o con- sumidor vítima de danos morais e patrimoniais, por força dos dispositivos do CDC, intentar ação indenizatória contra qualquer fornecedor participante da cadeia de fornecimento”. (2004, p. 162).
3.2 DECLARAÇÃO DA VONTADE ELETRÔNICA
3.2.1 Classificação – Declaração da vontade entre presentes e entre ausentes
A declaração de vontade pode se dar entre presentes ou ausen- tes, o que influenciará a questão da validade e eficácia da declaração de vontade, seu tempo de duração e o momento da formação do contrato292.
Os Códigos do século XIX adotavam o critério da presença físi- ca dos contratantes para distinguir o contrato celebrado entre ausentes e presentes, uma vez que se duas pessoas não estão fisicamente presentes, faz-se necessário um certo espaço de tempo para o consentimento se aperfeiçoar293.
Essa concepção restou superada quando foram surgindo tecno- logias que possibilitavam a comunicação instantânea do consentimento entre as partes que não se encontravam fisicamente presentes. O requisito da presença física é substituído pelo tempo da emissão da declaração da vontade, não-instantânea ou instantânea294/295.
O contrato celebrado entre ausentes pode ser definido como não-instantâneo e: “se caracteriza por apresentar um lapso de tempo relevante entre a oferta e a aceitação quanto à possibilidade de ocorrên- cia de riscos que devem ser distribuídos, que podem ser, entre outros, a
292 Xxxxxxxx Xxxxx comenta que o conceito de “entre presentes” e “entre ausentes” é assim entendido: “A aceitação dar-se-á nos contratos de forma inter praesentes e inter absentes, ou seja, entre presentes, assim considerados aqueles contratos estabeleci- dos com a presença, no momento da aceitação, de ambas as partes, ou quando houver prazo, respeitado este (aqui, incluem-se os contratos firmados por telefone e fax). Ou entre ausentes, para aqueles contratos cujas partes, no momento da aceitação, não se encontram frente a frente, como no caso de carta, telegrama e, na maioria das vezes, dos contratos por computador. Mas tudo dependerá da situação das pessoas no mo- mento da aceitação. Não pode ser considerado, no nosso entendimento, entre ausen- tes, o contrato firmado pelas partes através de um chat, pois equipara-se ao telefone. Contrario sensu, da mesma forma que a carta, entre ausentes, o contrato efetuado por e-mail”. (XXXXX, 2001, p. 59)
293 XXXXXXXXXX, 2004, p. 314.
294 Sobre a instantaneidade da aceitação do contrato cf. BASSO, 2002, p. 77.
295 E, ainda, Xxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx: “Ofertas transmitidas ao oblato por meio de Internet Relay Chat, ou seja, de forma interativa, devem ser consideradas, como no caso de ofertas feitas por telefones, inter praesentes. Por outro lado, devem ser con- sideradas inter absentes as ofertas transmitidas ao solicitado por e-mail ou por “cli- que” em uma homepage, hipótese em que ocorre um lapso temporal significativo entre a exteriorização da oferta e a sua chegada à esfera do conhecimento do oblato”. (Apud XXXXXXX, 2001, p. 308)
morte, a incapacidade, a falência ou a retratação, tanto do ofertante quanto do aceitante”296.
Haverá contrato entre ausentes, segundo Xxxxx Xxxx Xxxxx:
A) Cuando una persona intente una comunicación interativa y, por ausencia de la outra, el intercambio no pueda ser instantáneo. Por ejemplo se envía por mail una propuesta de contrato, pero por ausen- cia del destinatario (porque no se encuentra conectado a internet y bajando los mensajes nuevos que estén en la cola a la espera de su le- ctura por el destinatario), no conocerá el contenido de la oferta inme- diatamente y el sujeto tardará en enviar la aceptación; en este caso aún cuando casualmente los sujetos se encuentren en la red y tomen conocimiento de los mensajes, este conocimiento nunca tendrá por re- sultado un contrato entre presentes ya que no se espera que las partes actúen de esa manera, de lo contrario, no habrían elegido al e-mail como medio para contratar.
B) Cuando una de las partes opera en forma automática y la otra lo hace a través de un sujeto ajeno a la parte con quien el proponente pretende contratar (tal el caso de un sujeto con faculdades insuficien- tes como concluir o configurar el contrato), tal el caso de un dependi- ente. Éste recibe la oferta má debe transmitirla al destinatario para que la considere y la responda, entablando para ello uno nueva co- municación.
En ambos casos la declaración de voluntad se imputará al sujeto que emitó el mensaje. La computadora aparece solo como un médio por el cual el hombre expresa su voluntad, sin que pueda atribuirse persona- lidad jurídica autónoma al ordenador297.
296 XXXXXXXXXX, 2004, p. 316 e ss.
297 Tradução livre: “A) Quando uma pessoa tentar uma comunicação interativa e, pela ausência da outra, o intercâmbio não possa ser instantâneo. Por exemplo, envia-se por e-mail uma proposta de contrato, mas pela ausência do destinatário (porque nes- te não se encontra conectado à internet e recebendo as mensagens novas que estão na lista esperando sua leitura pelo destinatário), não conhecerá o conteúdo da oferta imediatamente e o sujeito demorará para iniciar a aceitação; neste caso, ainda quan- do casualmente os sujeitos se encontrem na rede e tomem conhecimento das mensa- gens, este conhecimento nunca terá por resultado um contrato entre presentes já que não se espera que as partes atuem desta maneira, pelo contrário, não teriam escolhi- do o e-mail como meio para contratar. B) Quando uma das partes opera de forma automática e a outra o faz através de um terceiro independente da parte com quem o proponente pretende contratar (este é o caso de um sujeito com faculdades insuficien- tes para concluir ou configurar no contrato), como é o caso de um empregado. Este recebe a oferta mais deve transmiti-la ao destinatário para que este a considere e responda, iniciando para tanto uma nova comunicação. Em ambos os casos a decla- ração de vontade imputar-se-á ao emissor da mensagem. O computador aparece so-
Conclui-se, pois, que a aceitação do consumidor para concreti- zação do contrato pode se dar entre presentes, de forma quase instantâ- nea, por meio de chats ou conferências virtuais, ou entre ausentes, poste- riormente (não-instantânea), por e-mail298.
3.2.2 Fixação do momento inicial da obrigatoriedade da oferta
A eficácia da oferta implica a aquisição de força vinculatória, que impõe ao proponente o ônus de não poder revogá-la livremente por um certo tempo.
Apesar de a legislação brasileira não determinar o momento do início da eficácia da oferta, é pacífico na doutrina o entendimento de que, sendo a oferta uma declaração de vontade receptícia, deve “chegar” ao seu destinatário para ter efeitos, não sendo suficiente o mero envio299.
De acordo com Xxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, na hipótese da oferta dirigida a ausente a declaração de vontade chega no momento em que ingressa na esfera de domínio do destinatário, o qual, em circunstân- cias normais e de acordo com os usos e costumes do lugar, pode tomar conhecimento de seu conteúdo300.
Já quando a oferta é dirigida a presente, segundo a autora, se a declaração de vontade for não-corpórea, como a oferta por telefone, o momento de sua eficácia deve ser fixado de acordo com a teoria da cog- nição, ou seja, considera-se que a mensagem chega ao destinatário quando este toma conhecimento de seu conteúdo, uma vez que a mensagem não fica registrada. Por outro lado, se a oferta é escrita e entregue pessoal- mente ao destinatário, deve ser aplicada a teoria da recepção, a qual con- sidera que a mera possibilidade de tomar conhecimento da declaração de vontade é suficiente para configurar a sua “chegada” ao destinatário301.
mente como um meio pelo qual o homem expressa sua vontade, sem que se lhe possa atribuir personalidade jurídica autônoma”. (XXXXX, 2002, p. 39 e ss.)
298 Cf. XXXXXXX, 2005, p. 160.
299 Como explica Xxxxxxx Xxxxx: “Não será, evidentemente, o de sua formulação, porque o proponente pode destruí-la, sem que o oblato venha a saber de sua existên- cia. Não basta, outrossim, sua expedição, porque é declaração receptícia de vontade. Necessário que a pessoa a quem é dirigida tome conhecimento do seu conteúdo. O momento em que se firma deve ser, por conseguinte, da sua recepção pelo eventual aceite”. (XXXXX, 2001, p. 63)
300 XXXXXXXX, 2001.
301 Ibid.
Portanto, observa-se que o momento da eficácia da oferta deve ser avaliado de acordo com cada situação.
Entre presentes, se a declaração de vontade for não-corpórea, feita por meio de microfone ou som, por exemplo, aplica-se a teoria da cognição: o momento do início da eficácia se dá quando o consumidor toma efetivamente conhecimento do conteúdo da mensagem; se a decla- ração de vontade for corpórea, por meio de Relay Chats, aplica-se a teoria da recepção: a vinculação ocorre quando a mensagem aparece na tela do computador, independentemente de o consumidor ler, basta que tenha a possibilidade de tomar conhecimento.
Por último, entre ausentes utiliza-se a teoria da recepção: a ofer- ta passa a ter eficácia no momento em que ingressa na esfera de domínio do destinatário, ou seja, quando estiver disponível para acesso, não sendo preciso que o destinatário acesse o conteúdo da mensagem e tome conhe- cimento sobre ele.
3.2.3 A duração e a perda da força vinculante da oferta
No meio virtual, se a oferta ocorre online, com a presença si- multânea das partes, a mesma deve ser imediatamente aceita pelo consu- midor para ter força vinculante, consoante com o art. 428, I do Código Civil302.
Na hipótese da oferta sem prazo inserida na homepage, apesar de existir posição doutrinária no sentido de que a mesma perdura enquanto estiver no site, podendo ser retirada pelo ofertante a qualquer tempo se não aceita303/304, entende-se que o fornecedor tem o dever de fixar o prazo de duração da oferta, dentro do qual não poderá revogá-la. Apenas se desvincula se a aceitação não tiver sido expedida dentro do lapso tempo- ral estipulado, consoante o art. 428, inc. III do Código Civil305.
Uma vez veiculada a oferta sem prazo, de acordo com os incs. III e IV do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor306, o fornecedor fica
302 “Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: I – se, feita sem prazo a pessoa pre- sente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que con- trata por telefone ou por meio de comunicação semelhante”;
303 MARQUES, 2004b, p. 112.
304 Ainda, segundo Xxxx Xxxxxx Xxxx: “a oferta contida no site valerá e poderá ser oposta ao proponente pelo prazo que ela mesma indicar, e, na ausência de indicação, a pro- posta deverá ser aceita imediatamente”. (2005, p. 77)
305 “Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: [...] III – se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado”;
306 “Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: [...] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantida-
obrigado a cumprí-la, ainda que tenha sido retirada do site307. O mesmo ocorre no caso da oferta sem prazo transmitida por e-mail308. Entretanto, nesse caso, o fornecedor tem a possibilidade de revogar a oferta, confor- me será analisado.
O inc. IV, do mesmo dispositivo legal, prevê a possibilidade de retratação da oferta “se antes dela, ou simultaneamente, chegar ao co- nhecimento da outra parte a retratação do proponente”. Hipótese em que nem mesmo se terá proposta, “já que ela nem mesmo chegou a existir juridicamente, uma vez que, ante o arrependimento do ofertante foi reti- rada a tempo”309.
Quanto à retratação no comércio eletrônico, o V Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, em Belo Horizonte, em 2000, con- cluiu que: “No momento em que a oferta suficientemente precisa foi vei- culada pela rede mundial denominada Internet, está o fornecedor a ela veiculado; não cabe retratação do direito civil”310.
Entende-se, contudo, que é possível a retratação da oferta quando for transmitida por e-mail, se antes da mensagem eletrônica, ou simulta- neamente a ela, chegar a mensagem de retratação do fornecedor311.
Em sentido contrário, Xxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx defende que é juridicamente impossível a retratação da oferta no comércio eletrô- nico, mesmo a enviada por e-mail, assinalando que a questão concerne quanto ao sentido da expressão “conhecimento da outra parte”, uma vez
de, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos co- merciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”.
307 Não se pode aplicar, assim, de forma subsidiária, o parágrafo único do art. 429 do Código Civil, que trata da revogabilidade da oferta ao público e autoriza o proponente a retirar a oferta sem prazo, desde que tenha ressalvado essa possibilidade quando fez a proposta. Como esclarece Xxxxx Xxxxxx Xxxxx: “o anunciante apenas poderá revo- gar a oferta ao público usando o mesmo meio de divulgação, desde que ressalve essa permissão na proposta feita”. (2003, p. 329)
308 Não se aplicando, dessa forma, a regra do art. 428, II do Código Civil, que dispõe que: “Deixa de ser obrigatória a proposta: [...] II – se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do propo- nente”.
309 DINIZ, 2003, p. 328.
310 MARQUES, 2004a, p. 261.
311 Coaduna com esse entendimento Xxxxxxx X. Xxxxxxxxxx ao concluir que: “Nos vínculos em que ocorrem comunicações interativas, instantâneas, a retratação não é habitual- mente possível. Nos demais é factível desde que chegue à esfera de controle do recep- tor, porque, como assinalamos no ponto anterior, não se faz necessária a entrada da retratação na esfera de conhecimento, mas sim na esfera de controle. O conhecimen- to não é necessário, mas sim a reconhecibilidade”. (XXXXXXXXXX, 2004, p. 307)
que a mensagem, quando enviada, chega, quase imediatamente, à caixa postal eletrônica do destinatário312/313.
Em que pese a oferta passar a ter eficácia no momento em que ingressa na esfera de domínio do destinatário, ou seja, quando estiver disponível para acesso dentro da caixa de e-mail, parece correto admitir sua revogação pelo envio de outro e-mail antes da expedição da aceita- ção, por ainda não ter gerado uma expectativa de contratação314.
Ressalte-se que é desnecessário que o destinatário tome efetivo conhecimento do conteúdo da oferta ou de sua revogação, basta que che- gue a sua esfera de controle.
3.2.4 Conclusão da fase pré-contratual – Aceitação
A conclusão da fase pré-contratual do comércio eletrônico ocorre com a aceitação da oferta que constitui o vínculo contratual315.
A manifestação da vontade no contrato de consumo eletrônico pode se verificar em dois tipos de atos distintos, de acordo com Xxxxxxx
L. Xxxxxxxxxx:
312 “Segundo Pontes de Xxxxxxx, a interpretação do art. 1.081, IV CC não deve ser literal. A retratação da oferta é, assim como a oferta, uma declaração de vontade re- ceptícia, que deve realmente “chegar” ao destinatário, mas não necessariamente ser lida por ele. Para retratar a oferta, basta que a declaração de vontade contendo a re- tratação ingresse na esfera de domínio do destinatário antes da oferta ou simultane- amente com ela. A retratação de uma proposta feita pela Internet é, em vista disso, praticamente impossível, pois o e-mail contendo a oferta entra no âmbito de domínio do solicitado poucos segundos após o seu envio, não havendo um intervalo de tempo longo o suficiente para que a mensagem com a retratação chegue antes ou simultane- amente. Resultado diferente haveria apenas na hipótese da oferta enviada durante a noite, fora do horário comercial, chegando, conseqüentemente, no domínio do desti- natário só no dia seguinte. Em todas as outras hipóteses, a retratação da oferta en- viada por e-mail é juridicamente impossível”. (XXXXXXXX, 2001)
313 A respeito da revogação da oferta eletrônica cf. Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx (Xxxx XXXXXXX, 2000, p. 96 e ss.)
000 Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, citando Xxxxxxxxxx xx Xxxxxx, observa que: “E quan- do se diz que, com a expedição da resposta, está formado o contrato, tem-se em vista o acordo de vontades, que se torna real na ocasião em que o aceitante transmite a sua resposta, o que não impede que o oblato se retrate, se puder dispor de um meio de comunicação mais rápido do que aquele que serviu para expedir a resposta [...] A expedição fecha o contrato, porém ainda há um período dentro do que é permitido ao oblato sustar-lhe o efeito... (Curso, cit., v. 3, p. 51)” (SANTOLIM, 1995, p. 15)
315 Na definição de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx: “É a manifestação da vontade, expressa ou tácita, da parte do destinatário de uma proposta, feita dentro do prazo, aderindo a es- ta em todos os seus termos, tornando o contrato definitivamente concluído, desde que chegue, oportunamente, ao conhecimento do ofertante”. (XXXXX, 2003, p. 330)
a) o de efetuar na tela do computador um clique com o mouse e a se- guir fazer escolhas (point and click agreements), e b) o de “abrir” uma “embalagem”, seja real, como um pacote ou bem simbólico, co- mo o “empacotamento” de um programa de computador ou de um produto que contém informação (click-wrap agreements). Ambos constituem demonstração da vontade de contratar, porquanto, ainda que se as qualifique como expressas ou tácitas, constituem prova sufi- ciente da intenção de vinculação316.
Esse segundo ato de declaração de vontade deve ser considera- do com ressalvas, observando se as informações prévias prestadas pelo fornecedor deixam claro que aquele ato corresponderá ao aceite da oferta, a fim de evitar possíveis armadilhas317.
Xxxx Xxxxxx Xxxx salienta também que não se pode considerar aceitação o fato de o consumidor visitar o site e clicar nos links disponíveis318.
O Código de Defesa do Consumidor não trata da aceitação, ra- zão pela qual se aplicam todos os dispositivos legais do Código Civil.
A aceitação, para ser válida, deve ser inteligível ao proponente, observando os princípios da clareza, firmeza e precisão319. E, ainda, oportu- na, dentro do prazo da oferta, se for manifestada extemporaneamente não há vinculação320.
Frise-se que a mera confirmação do recebimento da oferta não se confunde com a aceitação. Isso é comum ocorrer nos pedidos efetua- dos pela Internet em que o fornecedor, ao enviar a oferta por e-mail, por exemplo, coloca um dispositivo automático que confirma o recebimento da mensagem quando é aberta pelo consumidor.
O art. 433 do Código Civil estabelece que a aceitação será con- siderada inexistente, “se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante”321.
316 XXXXXXXXXX, 2004, p. 408.
317 Cf. COLARES, 2002.
318 “É que, em se tratando de oferta veiculada em site, não se pode admitir que a aceita- ção se dê sem expressa manifestação da parte, não pode ser assim, considerado como realizada a aceitação por simples visita ao site, ou mesmo pelo simples clicar em de- terminados botões, sem que haja expressa, clara e objetiva explicação a respeito da concretização de negócios”. (DIAS, 2005, p. 78)
319 BASSO, 2002, p. 78.
320 XXXXX, 2001, p. 66.
321 No caso do comércio eletrônico, por ser um contrato à distância, existe ainda a possi- bilidade do consumidor exercer o direito de arrependimento no prazo de 7 (sete) dias, consoante disposto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, conforme será analisado no tópico 4.4.
No comércio eletrônico o consumidor tem a possibilidade de celebrar o contrato acessando a homepage do fornecedor de produtos ou serviços, na qual pode declarar sua vontade322 de contratar por meio de “cliques” ou envio de e-mail. Pode declarar a vontade também por chats, microfone, videoconferência, dentre outros.
Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx classifica a declaração de vontade na con- tratação por computador em três categorias323:
a intersistêmica, que se estabelece entre sistemas aplicativos previa- mente programados, pois houve uma negociação prévia. Esse tipo utiliza o EDI e se realiza, normalmente, entre pessoas jurídicas;
a interpessoal, operacionalizada por sistemas de comunicação como o correio eletrônico (e-mail) e salas de conversação (chats) ou videoconferência. Considera-se esta como uma contratação simultânea (porque realizada em tempo real, on-line), ou seja, ge- ra contato entre presentes, equiparado ao feito por telefone, con- forme ficção geral do art. 1.081, inc. I, do Código Civil324, e, aquela, por contratação mediata, pois o contrato considera-se formado entre ausentes, equiparado à contratação epistolar pre- vista no art. 1.086 do CC325 (alguns entendem que no caso da uti- lização de mensagens instantâneas como as do tipo ICQ326, tem-se contrato entre presentes).
e a interativa, estabelecida entre uma pessoa e um sistema aplica- tivo previamente programado que utiliza geralmente o site ou es- tabelecimento eletrônico como um ambiente permanente de oferta que é acessado pelo usuário. Este último é característico do co- mércio eletrônico de consumo. Nessas contratações, o contrato reputa-se perfeito a partir do momento em que a aceitação é expe- dida pelo usuário da Internet. Nessa hipótese há interação imedi- ata (simultânea) entre as partes, considerando-se o momento de
322 Com relação à declaração de vontade nos contratos celebrados via internet, aplicam-se as normas de direito Contratual do Código Civil Brasileiro, art. 107, o qual estabelece que a “validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”.
323 Vide também VAZ, 2004.
324 Corresponde ao art. 428 do Código Civil de 2002, que dispõe: “Deixa de ser obriga- tória a proposta: I – se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante”.
325 Corresponde ao art. 434 do Código Civil/02.
326 ICQ – “Programa específico para troca de mensagens instantânea”. Equipara-se ao Messenger (MSN) do hotmail que também é um programa para a troca de mensagens instantâneas.
formação do contrato o instante em que o usuário manifestou sua vontade, aceitando a proposta, utilizando o botão “concordo” ou “aceito”327.
Interessa, para o presente estudo, a contratação interpessoal que se dá por meio de correspondência eletrônica e depende da ação humana no envio da mensagem, e a contratação interativa, na qual o consumidor adere ao contrato preenchendo os campos em branco e apertando a tecla “concordo” ou “aceito”.
Com relação ao momento de celebração do contrato eletrônico entre presentes, não suscita maiores dúvidas, uma vez que a oferta e a aceitação ocorrem quase simultaneamente328. A declaração da vontade é instantânea, portanto a aceitação é imediata329/330.
A exteriorização da declaração da vontade entre presentes pode se dar de duas maneiras, de acordo com Xxxxx Xxxx Xxxxx:
327 XXXXXXX, 2002, p. 70 .
328 Para Xxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx a análise do momento da conclusão do contrato entre ausentes não é tão simples. Entende que se faz necessário distinguir entre as de- clarações corpóreas e não-corpóreas (cujo conteúdo não é registrado para consultação posterior). Afirma que a teoria da cognição utilizada pela doutrina dominante para es- tabelecer que “o contrato se torna perfeito no momento em que o oblato exterioriza a sua aceitação e esta é entendida pela outra parte”, não pode ser aplicada quando se trata de declaração corpórea, como no Internet Relay Chat, onde a comunicação se dá por escrito. Neste caso, considera-se concluído no momento em que a mensagem é enviada, utilizando-se a regra básica do Código Civil sobre contratos entre ausentes, que corresponde ao art. 434 do Código Civil/02. (2001)
329 MARQUES, 2004b, p. 116.
330 Como explica Xxx Xxxxx Xxxxxxxx: “São inter praesentes as declarações transmitidas interativamente, que chegam ao destinatário praticamente sem retardação temporal. A comunicação interativa ocorre na Internet por meio dos chamados Relay Chats. Como em um diálogo telefônico, as partes contratantes podem neste tipo de comuni- cação eletrônica direta reagir e tomar decisões de modo ágil e imediato. Além disso, é possível verificar, com enorme rapidez, se a outra parte recebeu e entendeu a men- sagem enviada. A possibilidade de confirmar a chegada da mensagem só deixa de existir se a conexão é finalizada. Assim, em razão do caráter interativo da comunica- ção, as ofertas feitas em Internet Relay Chat são consideradas inter praesentes”. (XXXXXXXX, 2001). Nessa seara, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx anota: “Em rela- ção aos contratos eletrônicos a partir da oferta permanente on-line, via home page, o contexto difere, em razão da noção de tempo real, a partir de uma presença virtual simultânea das partes, perfeitamente aplicável às relações a distância; nesse caso, pode-se falar em instantaneidade, diante do que o contrato se reputa formado pelo recebimento da resposta pelo proponente, diante de tal técnica da transmissão de da- dos, na qual o envio e a recepção do sinal que contém a manifestação de vontade, ainda que não simultâneos, tendem a se perfazer em intervalos cada vez mais reduzi- dos”. (MARTINS, 2000, p. 101)
A) En forma interactiva: es el caso de dos sujetos que se encuentran en la red y deciden la formulación de un contrato.
A.1) Com un micrófono (con o sin cámara de video), lo que indentifi- ca este supuesto a los efectos de la solución jurídica a las comunica- ciones telefónicas.
A.2) Sin un micrófono, con declaraciones de voluntad que se expresan mediante el tipeo.
B) Automáticamente con intervención de computadoras previamente programadas. Es el supuesto de un computador preparado algorítmi- camente para realizar la contratación y se ha interpretado como una autorización para autocontratar dirigida al público, tal como cuando se programa la computadora de una empresa para recibir órdenes de compra limitadas al número y características de los produtos dis- ponibles en stock.
Es asimilable al caso de la máquinas de expendio. Las cosas están dispuestas de manera que cualquiera del público puede concluir y cumplir el contrato. El computador aparece como el instrumento de una autorización, y al servirse de él, el cliente contrata en nombre próprio y en el del titular de la máquina.
Algo similar ocurre con los cajeros automáticos. Éstos son un instru- mento para realizar la transferencia electrónica de fondos, lo que presupone un convenio previo para regular la relación interna de los bancos adheridos a la respectiva red y un contrato de adhesión que regule la relación de la red, el banco emisor de la tarjeta y los usua- rios.
Se trata de contratos entre presentes, un diálogo instantâneo. Se en- via la propuesta contractual y su aceptación inmediata perfecciona el contrato...331
331 Tradução livre: “A) Em forma interativa: é o caso dos sujeitos que se encontram na rede e decidem a formulação de um contrato. A.1.) Com um microfone (com ou sem câmara de vídeo), o que identifica este suposto aos efeitos da solução judicial e das comunicações telefônicas. A.2) Em um microfone, com declarações de vontade que se expressam mediante datilografia. B) Automaticamente com intervenção de computa- dores previamente programados. É o caso de um computador preparado algorítimi- camente para realizar a contratação e que se interpretou como uma autorização para auto contratar dirigida ao público, tal e como quando se programa o computador de uma empresa para receber ordens de compra limitadas ao número e características dos produtos disponíveis em estoque. Semelhante ao caso das máquinas de vendas ao pormenor/varejo. As coisas/mercadorias estão colocadas de modo que qualquer do público pode concluir e cumprir o contrato. O computador aparece como o instru- mento de uma autorização, e ao servir-se dele, o cliente contrata em nome próprio e no nome do titular da máquina. Algo similar ocorre com os caixas eletrônicos. Estes são um instrumento para realizar a transferência eletrônica de fundos, o que pressu- põe um convênio prévio para regular a relação interna dos bancos aderidos à respec-
A dificuldade reside em estabelecer o momento em que o liame jurídico é formado entre as partes ausentes. Existem quatro teorias que foram resumidas por Xxxxxxx X. Xxxxxxxxxx que enfrentam esta questão:
– Regra da declaração. Esta regra considera o contrato concluído com o simples fato da aceitação da oferta, sem que seja necessária qualquer exteriorização da vontade ou o seu envio ao ofertante. Assim, o aceitante que redige uma carta de aceitação perfectibiliza o contrato, não importando o tempo nem os riscos envolvidos na sua remessa ao ofertante.
– Regra da expedição. O contrato é concluído com a expedição ou envio da aceitação por parte do aceitante. Não se trata apenas do aceitar, mas sim da exteriorização deste ato mediante o envio. O tem- po e os riscos existentes a partir do envio até o recebimento da acei- tação ficam por conta do ofertante, uma vez que o contrato já é consi- derado como perfectibilizado.
– Regra da recepção. O contrato estará perfectibilizado desde que a aceitação seja recebida pelo ofertante. De modo que se faz necessário que o aceitante declare sua vontade interna de aceitar, a exteriorize mediante envio, com o recebimento pelo ofertante, do que se depreen- de que a aceitação é uma declaração de vontade receptícia. O tempo e os riscos do envio são ônus do aceitante, uma vez que o contrato não se perfectibiliza até o momento em que o ofertante receba a acei- tação.
– Regra do conhecimento. O consentimento se perfectibiliza a partir do momento que a aceitação chegue ao conhecimento do ofertante. Assim, exige-se não apenas uma declaração de vontade receptícia, mas também o conhecimento dela. O tempo, os riscos do envio e de que a declaração não chegue ao conhecimento do ofertante ficam por conta do aceitante332.
No Brasil adota-se a teoria da expedição, art. 434 do Código Civil333, que faz parte do sistema da agnição334, segundo o qual “o contra-
tiva rede e um contrato de adesão que regule a relação da rede, o banco emissor do cartão e os usuários”. (AZNAR, 2002, p. 39)
332 XXXXXXXXXX, 2004, p. 317 e ss.
333 “Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I – no caso do artigo antecedente (art. 433 – Considera-se inexis- tente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante); II – se o proponente se houver comprometido a esperar a resposta; III – se ela não chegar no prazo convencionado”.
334 Outro sistema é o da cognição pelo qual “o contrato só se aperfeiçoa no momento em que o policitante toma conhecimento da aceitação”. (RODRIGUES, 1997, p. 66)