Contract
5 CORRETAGEM
5.1 CONCEITO E DISTINÇÃO COM OUTRAS FIGURAS CONTRATUAIS ANÁLOGAS
Nos termos do art. 722 do CC, “pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas”.
Trata-se de mais um contrato de intermediação.
De um lado, temos o corretor, que se obriga aproximar pessoas a fim de que celebrem determinado negócio/contrato; e, de outro, o comitente, que é aquele que contrata tal intermediação (atenção para não confundir com o comitente do contrato de comissão).
O próprio texto legal procurou distinguir o contrato de corretagem de outras figuras contratuaisanálogas, tais como:
- mandato => no mandato, o mandatário pratica atos pelo mandante, na qualidade de representante; já na corretagem, o corretor apenas aproxima (intermedeia) as partes, sem qualquer poder decisório ou de representação.
- prestação de serviços => em que pese se aproxime muito da corretagem (afinal, a atividade do corretor não deixa de ser um serviço prestado ao comitente), esta tem especificidades que a distingue da prestação de serviços, como a profissionalidade do corretor e a finalidade específica da corretagem (realizar determinado negócio jurídico). Além do mais, o prestador de serviço age em nome próprio, enquanto o corretor apenas medeia as partes, não concretizando o negócio.
- comissão => o comissário age também em nome próprio, celebrando o negócio no interesse do comitente; mas o corretor apenas encaminha o contrato ao principal interessado e aproxima o contratante aos demais interessados, cabendo a este a conclusão do negócio.
- contrato de emprego => a corretagem não se confunde com o contrato de emprego pois não há subordinação jurídica, ainda que seja uma relação de trabalho no sentido amplo1. Outra diferença é que o corretor só será remunerado se o negócio jurídico intermediado se concretizar, ou seja, trata- se de obrigação de resultado; já, no contrato de emprego, empregado faz jus ao salário em razão da energia dispendida em favor do patrão, independentemente de resultados.
1 Qualquer conflito entre o corretor, pessoa física (e não jurídica, como imobiliária constituída em forma de sociedade), e aqueles que se beneficiam do contrato por este negociado, será de competência da Justiça do Trabalho (art. 114, I, CF, redação dada pela EC n. 45). Entre estes conflitos cita-se a discussão quanto ao valor do serviço realizado, se obtido o resultado, ou então discussões relacionadas à responsabilidade do corretor, se, por ação ou omissão, resultar perda ao contratante, que pode acontecer com frequência no caso de corretagem de artista ou atletas profissionais.
5.2 ESPÉCIES
Há duas espécies ou tipos de corretagem:
a) corretagem oficial => praticada por corretores investidos de ofício público, gozando de prerrogativas, como fé pública.
b) corretagem livre => praticada por qualquer pessoa capaz, que exerce o ofício de intermediador
continuadamente, não dependendo de designação oficial. Exemplos: corretores de espetáculos públicos e diversões; de empréstimos de obras de arte; de automóveis; de artista; de esportistas; de bens móveis; corretores de bens imóveis.
Especificamente quanto ao corretor de imóveis, vale registrar que, apesar de estar
disciplinado em lei específica (Dec. nº 81.871/78), é considerado modalidade de corretagem livre, pois sua atividade não se enquadra como um ofício público.
5.3 CARACTERÍSTICAS
O contrato de corretagem caracteriza-se por ser tratar de um contrato:
✓ típico e nominado => previsto dos arts. 722 a 729, CC;
✓ bilateral => há direitos e obrigações para ambos os contratantes: de um lado, o corretor, que assume a obrigação de resultado de mediar a realização de um negócio jurídico; e, de outro, o comitente, que contrata tal intermediação.
✓ oneroso => apesar de que a remuneração do corretor dependerá da concretização do negócio jurídico intermediado.
✓ aleatório => pois a obrigação do comitente somente poderá ser exigida em função da concretização do negócio.
✓ paritário ou por adesão
✓ consensual e não solene => se concretiza com a simples declaração de vontade, podendo ser até verbal.
✓ personalíssimo (ou intuitu personae) => celebrado em razão da pessoa do contratante, que tem influência decisiva para consentimento do outro, para quem interessa que a prestação seja cumprida por ele próprio, pelas características peculiares (habilidade, experiência, técnica, idoneidade etc).
✓ de duração => pois as obrigações do corretor se cumprem por meio de atos reiterados, na busca, diligente e prudente, da realização do negócio pretendido.
✓ causal => se os seus motivos determinantes foram inexistentes, ilícitos ou imorais podem impor o reconhecimento de sua invalidade.
✓ de atividade => implica a prestação de uma conduta de fato, ou seja, vincula-se à realização de uma finalidade proposta, gerando uma obrigação de resultado.
✓ acessório => depende da celebração do negócio jurídico objetivado (entre as partes, e não pelo corretor) para configurá-lo. Dessa forma, a nulidade do negócio principal implicará na nulidade da corretagem.
✓ definitivo => em relação ao corretor e o comitente, mesmo tendo a sua produção de efeitos, para fins remuneratórios, condicionada ao contrato principal.
5.4 DIREITOS E DEVERES DAS PARTES
Por ser um contrato de resultado, cuja remuneração está condicionada à concretização do negócio principal, a princípio o contrato de corretagem gera obrigações apenas ao corretor.
De acordo com o art. 723, “ocorretor é obrigado a executar a mediação comdiligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio”, sob pena de responder por perdas e danos (parágrafo único).
Dessa forma, todo o risco da atividade é do corretor, que deve buscar, de todas as formas, a realização do negócio. Isso decorre do princípio da boa-fé objetiva.
Por outro lado, o dever do comitente surgirá se o negócio jurídico pretendido for celebrado, caso em que deverá arcar com a remuneração do corretor.
Vale registrar que, se tiver estabelecida cláusula de exclusividade na corretagem, a qual deverá ser expressa e específica, o comitente deverá observá-la, sob pena de arcar com o valor da remuneração, mesmo que o negócio principal seja realizado por outro corretor, em preterição do corretor exclusivo, salvo se comprovada a sua inércia ou ociosidade (art. 726).
Em outras palavras, a cláusula de exclusividade faz pressupor a existência do direito do corretor à remuneração, enquanto exigível o contrato, cabendo ao comitente o ônus de prova que o corretor descumpriu a sua obrigação básica de atuar com diligência e prudência.
5.4.1 A remuneração do corretor
A remuneração do corretor é conhecida como comissão, preço ou corretagem, sendo devida apenas após a conclusão do negócio principal.
Impossível se cogitar um contrato de corretagem gratuito, vez que a própria lei, a saber, o
art. 724, estabelece que, na ausência de estipulação, a remuneração deve ser arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.
Se o corretor desempenhou suas atividades de mediação e conseguiu concluir o negócio jurídico, terá o direito à remuneração, ainda que as partes venham a se arrepender ou realizar o distrato (art. 725), posto que a obrigação de resultado se perfaz.
A remuneração é devida, inclusive, na hipótese de extinção do contrato de corretagem, desde que haja a celebração posterior do negócio principal, fruto do trabalho do corretor.
EM SUMA: “a ocorrência de situações supervenientes como o distrato ou mesmo o
exercício do direito de arrependimento não podem afetar o direito adquirido do corretor à sua retribuição” (GAGLIANO, PAMPLONA, 2004, p. 318).
Atenção: não confundir arrependimento com desistência, porque o arrependimento pressupõe o negócio já celebrado; e a desistência, não, pois se situa em fase pré-contratual, não tendo sido ainda celebrado o negócio principal. Neste caso, não há que se falar em comissão (remuneração).
Por fim, merece destaque o art. 728 do CC, o qual, se interpretado literalmente, pode conduzir a diversas injustiças.
É que o referido dispositivo legal estabelece que “se o negócio se concluir com a intermediação de mais de um corretor, a remuneração será paga a todos em parte iguais, salvo ajuste em contrário”.
Todavia, sabemos que, não raras às vezes, vários corretores podem ter participado dos diversos atos que envolve a prática da corretagem (mediação conjunta), de modo um pode ter feito só primeiro contato, e o segundo feito todo o restante do trabalho de aproximação e convencimento das partes, ou vice-versa.
Nessas situações, evidentemente que retribuir ambos os corretores em partes iguais é totalmente desarrazoado e injusto, devendo se interpretar a expressão “salvo ajuste em contrário” de forma ampla, a abranger um ajuste tácito de proporcionalidade de pagamento pela atuação de cada corretor.
Logo, o pagamento igual para todos os corretores só deve ser feito quando for impossível a comprovação de divisão das tarefas.
Sendo possível, mas ainda assim os corretores divergirem sobre tal divisão, deverá o comitente consignar em juízo a comissão.
5.5 EXTINÇÃO DO CONTRATO
O contrato de corretagem pode extinguir-se:
a) naturalmente => com a celebração do negócio jurídico entre as partes.
b) por todos os demais meios de dissolução de contrato => distrato, resilição unilateral, resolução, rescisão etc.
c) com o advento do termo => quando o contrato for celebrado por prazo determinado.
6 TRANSPORTE
6.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
O transporte é o contrato pelo qual alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar de um lugar para outro pessoas ou coisas. É uma espécie de prestação de serviço, mas com regulamentação própria, nos arts. 730 a 756 do CC.
Caracteriza-se por ser um contrato:
✓ bilateral e oneroso, uma vez que a própria lei civil exclui a possibilidade de sê-lo gratuito (o art. 730 diz: “mediante retribuição”);
✓ comutativo, pois há certeza e não aleatoriedade das prestações das partes (ainda que a coisa se perca ou avarie, não transforma o contrato em aleatório, fazendo surgir a responsabilidade civil do transportador);
✓ não solene, via de regra, já que não exige uma forma específica pela lei, mas apenas da emissão de um conhecimento de transporte no caso de transporte de coisas (trata-se de um título de crédito que vincula as partes nessa relação contratual);
✓ consensual, pois não há necessidade de tradição (entrega da coisa) ou outras formalidades para a
sua existência e eficácia. Exemplo: um simples abanar de mão de uma pessoa num ponto de ônibus já é manifestação de vontade suficiente para caracterizar a adesão e formação do contrato de transporte (GAGLIANO; PAMPLONA, 2008, p. 420).
✓ de adesão, e, por consequência, encerra numa relação de consumo. Ex: transporte público urbano ou interurbano; passeios turísticos ou viagens; despachamentos de bens para outra localidade (“caminhão de mudança”) etc.
No transporte de pessoas, a contratação acaba sempre por encerrar uma relação de consumo, pois, quando remunerado, depende de autorização, permissão ou concessão do Poder Público (art. 731, CC; art. 231, VIII, CTB). Portanto, a atuação do transportador, nesse caso, é profissional e o caracteriza como fornecedor de serviço. Desta feita, aplicam-lhe todas as regras relativas à responsabilidade civil no contrato de consumo, previstas no CDC.
6.2 ESPÉCIES
6.2.1 Transporte de Pessoas
a) Responsabilidade civil do transportador
É notório no meio jurídico que a responsabilidade do transportador, pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, é objetiva, ou seja, independe de demonstração de culpa, salvo por motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente de responsabilidade (art. 734, CC, e Súmula 161 do STF).
Se houver culpa de terceiro, ainda assim o transportador responderá pelos danos causados ao passageiro, cabendo, no máximo, ação regressiva contrao terceiro (art. 735, CC; e Súmula 187, STF).
O fato de terceiro apenas elidirá/afastará/excluirá a responsabilidade do transportador
quando for completamente desconexo com os riscos naturais à atividade. Exemplo é o roubo dos passageiros, pois tal fato é considerado um fortuito externo (fato estranho à atividade do transporte e que não pode ser evitado por resistência do transportador). Este tem sido o entendimento da maioria da doutrina e do STJ.
Mas tal assunto está longe de ser pacífico pois há quem entenda que, por se tratar de uma relação de consumo, o transportador responderá quando não fornecer a segurança que o consumidor dele razoavelmente esperar (art. 14, §1º, CDC), somente cabendo falar em força maior ou fortuito externo se, mesmo com a tomada de todas as precauções, o evento ocorreu.
Embora o contexto ainda seja o transporte de pessoas, tal discussão se estende à questão da responsabilidade pelo roubo de carga transportada. Nesse caso, o STJ entende tratar-se também de hipótese de força maior como excludente de responsabilidade da transportadora.
Importante registrar que, por outro lado, se a pessoa transportada sofrer prejuízos decorrentes de sua própria transgressão às normas e instruções regulamentares, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários, o juiz reduzirá equitativamente a indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano (culpa concorrente ou da vítima – art. 738, parágrafo único).
b) Transporte gratuito ou por cortesia
De outro giro, todas essas regras NÃO SE APLICAM quando o contrato de transporte for firmado gratuitamente, por amizade ou cortesia (art. 736). É a famosa “carona”. De acordo com a Súmula 145 do STJ, neste caso, o transportador só responde civilmente se demonstrada a culpa ou o dolo (responsabilidade subjetiva).
ATENÇÃO: Não se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir vantagens indiretas – art. 736, parágrafo único.
Ex: empregador que contrata empresa para transportar seus empregados até a sede do trabalho; trata-se de salário in natura e há uma vantagem indireta, de modo que, caso ocorra
algum acidente no trajeto, não poderá o empregador se eximir da responsabilidade sob o pretexto de gratuidade.
c) Direitos e deveres do passageiro
Por ser um contrato normalmente oneroso, e, consequentemente, encerrando uma relação de consumo, o transportador não pode recusar passageiros, salvo os casos previstos nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado/passageiro o justificarem (art. 739). Ex: passageiro portador do coronavírus.
Tal norma está em linha com o estatuído no art. 39, II, CDC, que prevê prática comercial abusiva a recursa de atendimento às demandas dos consumidores.
Ainda dentro da perspectiva de proteção máxima ao transportado que, na condição de consumidor, é considerado a parte hipossuficiente desta relação, o art. 740 lhe estabelece o direito a rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem, desde que feita a comunicação ao transportador emtempo de ser renegociada.
Duas observações merecem ser feitas quanto ao artigo citado:
1) na verdade, trata-se mais de resilição do que de rescisão, pois se concede ao transportado a prerrogativa de desfazer a relação contratual unilateralmente, sem que impute inadimplemento ou culpa ao transportador;
2) a expressão “tempo de ser renegociada” traduz num conceito jurídico aberto, de modo que apenas no caso concreto o juiz verificará se, de fato, o passageiro comunicou ao transportador a intenção de rescindir o contrato em tempo razoável. Isso deve ser considerado com cuidado pelo magistrado, uma vez que é muito comum os transportadores venderem passagens até minutos antes do horário de embarque, especialmente se tratar de transporte terrestre, o que permite ao passageiro rescindir ‘em cima da hora’. Em transportes aéreos e marítimos, por haver recomendações expressas quanto ao horário antecipado para checagem de bilhetes e bagagens, restringe-se mais esse prazo para o passageiro.
A bem da verdade, ainda que já iniciada a viagem, é facultado ao passageiro desistir do transporte; no entanto, ser-lhe-á devida a restituição correspondente apenas ao trecho não utilizado, desde que provado que fora substituído por outra pessoa a ser transportada em seu lugar (§1º do art. 740).
No entanto, evidentemente não terá direito ao reembolso do valor da passagem o usuário que deixar de embarcar, salvo se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar, caso em que lhe será restituído o valor do bilhete não utilizado (§2º, art. 740).
Em todo caso, o transportador terá direito de reter até 5% (cinco por cento) da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória (§3º, art. 740).
Se a viagem se interromper por qualquer motivo alheio à vontade do transportador, ainda que em razão de evento imprevisível, fica ele obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria, ou, com concordância do passageiro, por modalidade diferente, à sua custa, correndo também por sua conta as despesas de estada e alimentação do usuário, durante a espera do novo transporte (art. 741).
A responsabilidade do transportador existe não só em caso de interrupção, mas também no caso de atraso ou descumprimento dos roteiros e itinerários em qualquer situação (art. 737), salvo em caso de força maior. Neste tocante, incide aí a discussão sobre a assunção ou não do risco da atividade do transportador, sobretudo se o atraso for decorrente de ato/omissão do Poder Público, como em caso de suspensão de atividades de controladores de vôo, no transporte aéreo ou de circunstâncias alheias à vontade da empresa etc.
Especificamente, quanto:
✓ defeito em equipamento => o STJ já decidiu que defeito em turbina de avião, em razão de sucção de aves, é fato corriqueiro no Brasil, não se atribuindo, portanto, a imprevisibilidade marcante do caso fortuito (REsp 401.397/SP – Rel. Mina. Xxxxx Xxxxxxxx).
✓ atrasos em vôo2 => se for em decorrência de greves ou paralisações de funcionários considerados essenciais ao serviço, como controladores de vôo, também o entendimento dominante na jurisprudência pátria no sentido de sempre se configurar a responsabilidade do transportador.
Por fim, nos termos do art. 742, cabe ao transportador o direito de reter as bagagens ou outros objetos pessoais do passageiro para garantir o pagamento do valor da passagem que não tiver sido feito no início ou durante o percurso.
2 Valor da indenização no extravio de bagagem e no atraso de vôo em transporte aéreo internacional: em que pese a adesão pelo Brasil, às Convenções de Varsóvia e Montreal (que limitavam os valores indenizatórios), a questão tem sido resolvida, pelo STJ, à luz do CDC, conferindo-se ao passageiro indenização pelo valor real de seus prejuízos, além do dano moral correspondente, quando se tratar de relação de consumo posterior à vigência do CDC, por força do princípio da especialidade.
6.2.2 Transporte de Coisas
a) Requisito especial
De acordo com o art. 743, a coisa, entregue ao transportador, deve estar caracterizada pela sua natureza, valor, peso e quantidade, e o mais que for necessário para que não se confunda com outras, devendo o destinatário ser indicado ao menos pelo nome e endereço.
O instrumento para a descrição desses dados é o conhecimento de transporte, regulado por lei especial. Se o ‘conhecimento de transporte’ contiver os requisitos estabelecidos em lei valerá como verdadeiro título de crédito, podendo ser executadas as obrigações nele contidas.
b) Responsabilidade civil do transportador
A responsabilidade do transportador fica limitada ao valor constante nesse documento e começa quando ele, ou os seus prepostos, recebem a coisa; e termina quando esta é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se este não for encontrado (art. 750).
Todavia, pode ser que os termos da contratação seja o inverso: que o transportador se obrigue a buscar a coisa do remetente no domicílio deste. Isso vem a reafirmar a ideia de que o contrato de transporte é consensual, e não real, já que a sua validade e eficácia não dependem de entrega (tradição) da coisa para a outra parte para a geração de obrigações, como ocorre no deposito e no comodato, por exemplo.
À exemplo do transporte de pessoas, se o contrato for remunerado, a responsabilidade civil do transportador é objetiva, dependendo da demonstração de culpa ou dolo apenas nos casos de graciosidade ou cortesia. Aplica-se também a já mencionada Súmula 162 do STF quanto à proibição da cláusula de não indenizar.
c) Prazo para exercício de direitos
Em caso de informação inexata ou falsa descrição no ‘conhecimento de transporte’, o transportador poderá ingressar com uma ação para ser indenizado pelo prejuízo que sofrer, num prazo de 120 dias, a contar do ato de recebimento (art. 745). Em que pese o referido artigo diga que tal prazo seja de decadência, na verdade trata-se de prazo de prescrição, vez que a pretensão indenizatória é de cunho condenatório.
Registra-se que:
- em caso de transporte rodoviário por conta de terceiros e mediante remuneração, o prazo é de 1 ano, contado a partir do conhecimento do dano pela parte interessada (art. 18, Lei n. 11.442/2007);
- se o dano for decorrente de outras circunstâncias que não a descrita no art. 745, o prazo prescricional será o genericamentede 3 anos, consoante o que dispõe o art. 206, §3º, V, CC.
d) Direitos e deveres do remetente
Até a entrega da coisa, pode o remetente desistir do transporte e pedi-la de volta, ou ordenar seja entregue a outro destinatário, pagando, em ambos os casos, os acréscimos de despesa decorrentes da contraordem, mais as perdas e danos que houver (art. 748).
Se a coisa for depositada ou guardada nos armazéns do transportador, reger-se-á a hipótese, no que couber, pelas disposições relativas ao depósito (art. 751).
e) Direitos e deveres do transportador
Entre os direitos e deveres do transportador destacam-se:
- recusar a coisa quando a embalagem seja inadequada, bem como se puder pôr em risco a saúde das pessoas, ou danificar o veículo e outros bens(art. 746);
- recusar, obrigatoriamente, a coisa cujo transporte ou comercialização não sejam permitidos, ou que venha desacompanhada dos documentos exigidos por lei ou regulamento (art. 747);
- conduzir a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom
estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto (art. 749), respondendo objetivamente se a coisa vier a se perder ou deteriorar durante o trajeto;
- se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, solicitar, incontinenti, instruções
ao remetente e zelar pela coisa, por cujo perecimento ou deterioração responderá, salvo força maior (parágrafos do art. 753).
f) A figura do destinatário
No contrato de transporte, fala-se muito do remetente e do transportador, que são as partes as quais se vinculam em obrigações. No entanto, a par deles, há a importante figura do destinatário, que não assume obrigação alguma, sendo apenas o beneficiário da prestação assumida pelo transportador.
Ocorre que, não raro, o destinatário se obriga ao pagamento da prestação devida ao transportador, aparecendo aí o que chamamos de frete.
Assim, de acordo com o art. 752, desembarcadas as mercadorias, o transportador não é
obrigado a dar aviso ao destinatário, se assim não foi convencionado, dependendo também de ajuste a entrega em domicílio, e devem constar do “conhecimento de embarque” as cláusulas de aviso ou de entrega em domicílio.
Portanto, se emite ao destinatário o chamado “conhecimento de embarque”, que nada mais é o título de crédito com a descrição da mercadoria embarcada e a ser transportada e entregue ao destinatário ou ao portador do documento, devidamente endossado.
Assim, as mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o
conhecimento endossado.
Deve o destinatário conferir os objetos e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência instantânea dos direitos (art. 754). O parágrafo único deste artigo atenua tal rigor ao estabelecer um prazo de 10 dias para tal reclamação se se tratar de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista (parágrafo único, art. 754).
Este prazo se refere à reclamação pelos defeitos ou avarias pessoalmente diante do transportador, sendo a ação reparatória prescritível em 3 anos (art. 206, §3º, V, CC).
Conclui-se que, independentemente da condição do destinatário de pagante ou não do
frete, terá ele ação contra o transportador se ficar caracterizada a frustração da expectativa de recebimento idôneo da coisa, ou seja, sem danos ou avarias. E, se a relação for de consumo, tal ação poderá ser contra também o remetente (responsabilidade solidária - arts. 7º, parágrafo único, 12, 14, 18, 20, 25, §1º e 34 do CDC).
De acordo com o art. 755, havendo dúvida acerca de quem seja o destinatário, o transportador deve depositar a mercadoria em juízo, se não lhe for possível obter instruções do remetente; se a demora puder ocasionar a deterioração da coisa, o transportador deverá vende-la, depositando o saldo em juízo.
6.2.2 Transporte Cumulativo
É aquele em que parte do percurso é realizado por um transportador e parte por outro.
Pode ser de pessoas ou coisas.
Nos contratos de transporte cumulativo de pessoas, cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas (art. 733). De acordo com o §1º deste artigo, o dano, resultante do atraso ou da interrupção da viagem, será determinado em razão da totalidade do percurso.
Já nos contratos de transporte cumulativo de coisas, a situação é diferente: a responsabilidade dos diversos transportadores é solidária perante o remetente, restando a eles apenas a apuração de responsabilidades da quota de cada um entre si, de modo que o ressarcimento recaia, por inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano. Tal regra está descrita no art. 756.
Boa parte da doutrina entende que tal solidariedade estende aos transportadores cumulativos de pessoas, quando o transporte for remunerado, por se tratar de relação de consumo, aplicando-se, por consequência, o art. 7º, parágrafo único e art. 25, §1º do CDC, em mitigação do disposto no art. 733, CC