SHEILA KEIKO FUKUGAUCHI MIYAZATO
XXXXXX XXXXX XXXXXXXXXX XXXXXXXX
O desequilíbrio do contrato por adesão no Código Civil brasileiro
MESTRADO EM DIREITO
São Paulo 2021
XXXXXX XXXXX XXXXXXXXXX XXXXXXXX
O desequilíbrio do contrato por adesão no Código Civil brasileiro
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP), como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, na subárea Direito Civil Comparado, sob a orientação da Professora Doutora Xxxxx Xxxxxx Xxxxx.
São Paulo 2021
F961
Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxx
O desequilíbrio do contrato por adesão no Código Civil brasileiro / Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx Miyazato. -- São Paulo: [s.n.], 2021.
197p ; 21,5 X 30 cm.
Orientador: Xxxxx Xxxxxx Xxxxx.
Dissertação (Mestrado)-- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós Graduados em Direito.
1. Contratos por adesão. 2. Condições gerais dos contratos. 3. Equilíbrio contratual. 4. Diálogo das fontes. I. Xxxxx, Xxxxx Xxxxxx. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito. III. Título.
CDD
XXXXXX XXXXX XXXXXXXXXX XXXXXXXX
O desequilíbrio do contrato por adesão no Código Civil brasileiro
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, na subárea Direito Civil Comparado, sob a orientação da Professora Doutora Xxxxx Xxxxxx Xxxxx.
Aprovada em: 25/08/2021.
Banca Examinadora
Professora Doutora Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx – Presidente da Banca Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP
Julgamento: Aprovada
Assinatura:
Professora Doutora Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx da Costa Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP Julgamento: Aprovada
Assinatura:
Professora Doutora Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx
Instituição: Toledo de Ensino (CEUB/ITE) e Universidade Paulista Julgamento: Aprovada
Assinatura:
À memória do meu querido pai, Xxxxxx Xxxxxxxxxx, que mantém indelével seus ensinamentos em meu espírito.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001.
Número do Processo da Bolsa CAPES: 88887.493696/2020-00.
Xxxxxxxx à Professora Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, pela inestimável oportunidade concedida de sua orientação e aprendizado profícuo, pela paciência e estímulo ao desenvolvimento e excelência em cada contato seu, carregado de singular grandeza, genialidade e sabedoria.
Xxxxxxxx à Professora Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, pela feliz oportunidade de aprendizado em sala de aula, pelos incontáveis e urgentes auxílios fora da sala de aula e estimulante contato sempre.
Agradeço ao meu querido marido Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, por ter cuidado muitas vezes da casa e dos meninos enquanto eu realizava os trabalhos e pesquisas, pelo suporte, carinho e paciência inesgotável e aos meus queridos filhos Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxx Xxxxxxxx, pelo afeto, incentivo e motivação para me tornar um ser humano melhor.
Aos amigos e familiares que acompanharam meu trajeto e de alguma forma contribuíram para a finalização desta etapa.
As inquietantes indagações acerca do fenômeno jurídico dos contratos por adesão não são atuais, torrentes debates ocorreram durante décadas discutindo seu correto posicionamento na ciência jurídica.
No Brasil, a matéria foi inserida, primeiramente, apenas na área consumerista pelo Código de Defesa do Consumidor, em 1990, e, só em 2002, pelo Código Civil, o que se afigura recente se comparada às discussões na Europa, ocorridas desde o início do século XX.
O Código Civil de 2002 foi o primeiro Código Civil brasileiro a considerar o contrato por xxxxxx e o fez de forma bastante exígua em apenas dois dispositivos a tratar genericamente do assunto, o que traz grandes prejuízos e evidentes confusões.
A pesquisa pontua, inicialmente, suas bases jurídicas e, em seguida, a evolução e as tendências, os aspectos gerais, a natureza jurídica e o direito positivado no Brasil, com especial destaque ao diálogo das fontes entre Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, no que diz respeito à definição do contrato por adesão e à matéria de abusividade contratual. Utiliza-se como vetor interpretativo e integrativo as cláusulas abusivas do Código de Defesa do Consumidor.
O desequilíbrio entre as partes é questão nuclear de afetação do contrato por adesão e o assunto se desenvolve no aspecto das abusividades, compromete a bilateralidade contratual, assunto ligado ao princípio do equilíbrio do contrato. Com base nesse raciocínio, o estudo busca apontar a efetividade dos mecanismos de equalização da relação contratual no contrato por adesão.
Palavras-chave: Contratos por adesão; Condições gerais dos contratos; Equilíbrio contratual; Diálogo das fontes; Contratualidade.
The unsettling inquiries about the legal phenomenon of contracts by adhesion are not current, torrential debates have occurred for decades discussing their correct position in legal science. In Brazil, the article was inserted, firstly, only in consumer articles by the Consumer Defense Code, in 1990, and, only in 2002, by the Civil Code, which seems recent compared to discussions in Europe, since the beginning of the century XX.
The Civil Code of 2002 was the first brazilian Civil Code to consider the contract by adhesion and it was done very narrowly in just two articles to deal generically with the subject, which brings us great losses, in addition to the confusions, of course.
We will start by punctuating its legal bases and, subsequently, evolution and trends, general aspects, legal nature and positive law in Brazil, with special emphasis on the dialogue of sources between Civil Code and Consumer Defense Code, regarding the definition of the contract by xxxxxxxx and regarding the matter of contractual abusiveness. The unfair clauses of the Consumer Defense Code are used as an interpretative and integrative vector.
The imbalance between parties is a core issue affecting the contract by adhesion and the subject develops in the aspect of abusiveness, compromises contractual bilaterality, a subject linked to the principle of contract balance. In this reasoning, we will seek to point out the effectiveness of the mechanisms for equalizing the contractual relationship in the contract by adhesion.
Keywords: Contracts by adhesion; General conditions of contracts; Contractual balance; Dialogue of sources; Contractuality.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 13
1 FUNDAMENTOS PROPEDÊUTICOS 16
1.1 Noções preliminares 16
1.1.1 Conceito de contrato 16
1.1.2 Conceito de contrato por adesão 17
1.2 Contrato por adesão na teoria do fato jurídico 18
1.2.1 Ato jurídico 19
1.2.2 Ato-fato jurídico 22
1.2.3 Negócio jurídico 25
1.2.3.1 Concepções do negócio jurídico 25
1.2.3.1.1 Concepção voluntarista ou genética 25
1.2.3.1.2 Concepção objetiva ou funcional 27
1.2.3.1.3 Concepção estrutural de Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx 31
1.2.3.1.4 Desempenho da teoria subjetiva e objetiva no direito francês e alemão 33
1.2.3.2 Elementos essenciais do negócio jurídico no contrato por adesão 35
1.2.3.2.1 Declaração de vontade e comportamento concludente 37
1.2.3.2.2 Autonomia privada e o equilíbrio contratual em seus limites 43
1.2.3.2.3 Causa do negócio jurídico como função econômica do contrato 48
1.3 Classificação do contrato 53
1.3.1 Contrato paritário e por adesão 53
1.3.2 Contrato unilateral, bilateral e plurilateral 53
1.3.3 Contrato consensual e real 54
1.3.4 Contrato comutativo e aleatório 54
1.3.5 Contrato oneroso e gratuito 55
1.3.6 Contrato instantâneo, de execução diferida e de execução continuada 55
1.4 Fases do contrato 56
1.4.1 Fase pré-contratual: formação do vínculo 57
1.4.2 Fase contratual 63
1.4.3 Fase pós-contratual 66
2 ORIGENS, EVOLUÇÃO E TENDÊNCIAS DOS CONTRATOS ESTANDARDIZADOS 67
2.1 Origem do contrato 68
2.2 Contrato clássico 70
2.3 Contrato social e contemporâneo 75
2.3.1 Massificação da contratação 77
2.3.2 Desequilíbrio na contratação por adesão 79
2.3.3 Poderio das empresas 80
2.4 Contrato pós-moderno 81
2.5 Redimensionamento do contrato 86
2.5.1 Processo evolutivo: objetivação 87
2.5.2 O novo papel do contrato 89
3 DELINEAMENTOS GERAIS DOS CONTRATOS POR ADESÃO 93
3.1 Estrutura 93
3.2 Terminologia 98
3.2.1 Contrato por adesão 99
3.2.2 Condições gerais do contrato 102
3.2.3 Figuras diversas: contrato por adesão e condições gerais do contrato 106
3.3 Características 111
3.3.1 Predeterminação de cláusulas unilaterais 112
3.3.2 Uniformidade 115
3.3.3 Rigidez 116
3.4 Configurações contratuais sociais 119
3.4.1 Contrato necessário 120
3.4.2 Contrato regulado ou regulamentado 121
3.4.3 Contrato autorizado 121
3.4.4 Contrato complexo ou misto 122
3.5 Figuras afins 122
3.5.1 Contrato normativo 122
3.5.2 Contrato-tipo 124
3.5.3 Contrato aberto 127
4 NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO POR ADESÃO 128
4.1 Anticontratualistas 128
4.1.1 Ato unilateral 129
4.1.2 Ato normativo 132
4.1.2.1 Teoria do poder normativo da empresa 135
4.1.2.2 Teoria do uso normativo 138
4.2 Contratualistas 140
4.2.1 Teorias contratualistas 143
4.2.1.1 Teoria da interpretação típica 144
4.2.1.2 Teoria da declaração típica 145
4.2.1.3 Teoria da pressuposição 145
4.2.1.4 Teoria da relação contratual fática 147
4.2.1.5 Teoria do comportamento típico 148
4.2.1.6 Teoria do negócio de atuação 151
4.3 Ecléticos 152
5 CONTRATO POR ADESÃO NO BRASIL 155
5.1 Constituição Federal 155
5.2 Código Civil 158
5.2.1 Princípios e parâmetros contratuais clássicos do século XIX no
Código Civil de 1916: influência do direito francês 159
5.2.1.1 Princípio da autonomia privada 160
5.2.1.2 Princípio do consensualismo 163
5.2.1.3 Princípio da força obrigatória dos contratos ou pacta sunt servanda 165
5.2.1.4 Princípio da relatividade dos efeitos do contrato 167
5.2.1.5 Princípio da boa-fé subjetiva 168
5.2.2 Novos paradigmas e princípios contratuais do século XX no
Código Civil de 2002: contribuições do direito alemão 168
5.2.2.1 Princípio da função social do contrato 171
5.2.2.2 Princípio da boa-fé objetiva 177
5.2.2.3 Princípio do equilíbrio contratual 180
5.2.3 Contrato por adesão no Código Civil 186
5.2.3.1 Norma da interpretatio contra stipulatorem 187
5.2.3.2 Nulidade da renúncia a direito atinente à natureza do negócio 189
5.3 Código de Defesa do Consumidor - Lei n. 8.078/1990 191
5.4 Diálogo das fontes 192
5.4.1 Espécies de diálogos entre normas 197
5.4.2 Elementos da cultura pós-moderna conforme Xxxx Xxxxx 201
5.4.3 Usuário de serviço público e extravio de bagagem em voo internacional: diálogo de coordenação e adaptação sistemática 202
5.4.4 Código Civil e Código de Defesa do Consumidor: diálogo de fontes 206
5.4.4.1 Aplicação da definição de contratos por adesão do Código de Defesa do Consumidor para relações civis e empresariais 208
5.4.4.2 Cláusulas abusivas: art. 424 do Código Civil e Art. 51 do
Código de Defesa do Consumidor 210
5.4.5 Antinomias, lacunas, interpretação do sistema jurídico
e o diálogo de fontes 216
6 DESEQUILÍBRIO DO CONTRATO POR ADESÃO 222
6.1 Princípio do equilíbrio contratual 222
6.1.1 O equilíbrio contratual é um princípio? 222
6.1.2 Terminologia e conceito 227
6.1.3 Doutrina aristotélica da justiça 231
6.1.4 Equidade como aspecto e não como sinônimo de justiça 233
6.2 Figuras vinculadas ao princípio do equilíbrio contratual 236
6.2.1 Lesão 237
6.2.2 Estado de perigo 239
6.2.3 Teoria da imprevisão 240
6.3 Desequilíbrio no contrato por adesão 242
6.3.1 Desequilíbrio genético e funcional: a partir da formação do contrato 244
6.3.2 Desequilíbrio subjetivo e objetivo: vulnerabilidade do aderente 247
6.3.3 Desequilíbrio econômico e jurídico: abusividade nos contratos
por adesão 252
6.4 Mecanismos de controle das cláusulas abusivas 260
6.4.1 Controle legislativo 262
6.4.2 Controle judicial 269
6.4.3 Controle pela Administração Pública 274
7 CONCLUSÃO 277
REFERÊNCIAS 282
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A uniformização do conteúdo das relações jurídicas contratuais seriadas advém de exigências práticas da vida econômica cotidiana. O modelo contratual clássico não conduz à rápida conclusão requerida para a circulação de bens e serviços na sociedade industrializada e tecnológica.
Os contratos paritários, discutidos individualmente, cláusula por cláusula, em condições de igualdade, construídos por tratativas preliminares, perfazem a minoria das contratações atuais, e normalmente ocorrem na relação entre dois particulares, de mesmo patamar econômico.
O fenômeno não é contemporâneo, foi percebido inicialmente na França, no início do século XX, já apontado na obra De la Déclaration de Volonté, de Salleiles, em 1901, e De la Nature Juridique des Contrats d’Adhésion, de Xxxxxx Xxxxxx, em 1910. A jurisprudência e as leis de vários outros países não tardaram a considerar o problema. Na Alemanha, citamos a obra de Xxxxxx Xxxxxx, de 1935, intitulada Das Recht der allgemeinen Geschäftsbedingungen, e na Itália, Condizioni Generali di Contratto, de Xxxxx Xxxxxxxx, publicada em 1954.
No Brasil, as discussões tardaram em razão da Constituição Federal de caráter mais social surgir apenas em 1988, o que evidenciou a dignidade da pessoa humana, abrindo espaço para uma abordagem mais equilibrada das relações contratuais, com posterior normatização do contrato por adesão apenas no Código de Defesa do Consumidor, em 1990, e no Código Civil, timidamente, em 2002.
As relações jurídicas contratuais são constituídas predominantemente pela adesão dos interessados a dispositivos predispostos pela empresa que oferece bens ou serviços. O modo peculiar de sua formação chama atenção dos juristas para sua correta qualificação.
Estimulantes debates dogmáticos enriqueceram a literatura jurídica em torno da inadequação dos conceitos e dos instrumentos contratuais tradicionais, ou ao menos evidenciaram suas flexibilizações e utilidades.
As técnicas de contratação massificada são indispensáveis ao sistema de produção e de distribuição de bens e serviços, atende à evolução social e econômica, com forte desempenho tecnológico. O grande desafio tem sido conter o desequilíbrio de forças nas relações contratuais, valendo-se do respaldo legislativo para coibir excessos e abusos.
O equilíbrio contratual tem importância nuclear para a matéria, é o princípio que estabiliza o contrato por adesão, visa estabelecer a equidade nas relações contratuais, especialmente nas sinalagmáticas. A normatização estabilizante é reforçada pelos princípios vigentes no sistema.
A contratação massiva tem assumido variadas formas. Além dos contratos por formulários, há os orais, os concluídos por simples recibos, tickets de caixas automáticos, cliques de botões em aplicativos e sites eletrônicos. O uso de máquinas, da televisão, e dos meios telemáticos conduz a uma contratação silenciosa, por coisas, imagens, palavras e outros símbolos visualizados em meios virtuais.
As relações de consumo representam ponto de grande incidência na contratação por adesão e o Código de Defesa do Consumidor tratou do assunto com maior detalhe e proteção mais efetiva. Considerando a parcela de incidência e, inclusive o diálogo das fontes, abordaremos brevemente o Código de Defesa do Consumidor porquanto trata-se de sistema complexo, que contém princípios e regras próprios.
As relações contratuais em âmbito virtual desenvolveram-se vertiginosamente e novos arranjos contratuais vêm surgindo numa economia que se especializa constantemente, além disso os elementos tempo e espaço ganharam dimensão em termos de contratação. É fenômeno que se avoluma e que traça as peculiaridades de uma era globalizada, informacional e tecnológica.
A declaração de vontade é ponto ruidoso nos contratos massificados porque revela justamente a sua fragilidade contratual. E deste contexto, extraímos algumas questões, dentre elas: i) A simples adesão constitui-se em declaração suficiente para a integridade do negócio jurídico, considerando perfazer um de seus elementos essenciais?
O conteúdo do negócio jurídico é o regulamento de interesses pela autonomia da vontade. ii) Qual o limite dessa autonomia da vontade para o predisponente, com autonomia excessivamente dilatada, e para o aderente, cuja autonomia percebe-se restrita? iii) Como repensar o contrato por adesão para equilibrar o seu objeto e prover a sociedade, que cada vez mais precisa desse instrumento para garantir relações?
A causa do negócio jurídico tem especificidades atinentes a cada tipo de negócio, atende a interesses categoriais próprios. Mas um raciocínio se impõe: a causa é elementar no negócio jurídico e, de maneira geral, trata da finalidade econômico-social que o contrato abastece.
Considerando a causa do negócio jurídico: iv) É possível cogitar a decadência do contrato e a criação de outro instrumento para acolher o emblemático fenômeno do contrato por adesão ou o contrato deve ser preservado sob qualificativos elásticos, que permitam a sua
readequação para atender à intensa transformação das necessidades sociais e econômicas que se avolumam?
Nossa pesquisa visa oferecer substrato teórico para a reflexão e a adequação de conceitos no âmbito da contratação em massa, tratando da patologia desse fundamental instrumento contratual da sociedade contemporânea, qual seja, o notório desequilíbrio já na sua formação.
No capítulo 1, trataremos do contrato por adesão sob a égide dos fatos jurídicos, examinando-o mais detidamente na perspectiva do negócio jurídico em detrimento de seus elementos essenciais, buscando identificar a presença da declaração de vontade e da autonomia privada, além da influência da causa em seu fundamento negocial, abordaremos também o equilíbrio contratual em cada fase contratual.
Investigaremos, ainda, a origem e o desenvolvimento do contrato em geral, culminado no surgimento do contrato por adesão, alimentado pelas ingentes e aceleradas transformações sociais e econômicas, no capítulo 2.
Os lineamentos gerais do contrato por adesão e as acirradas discussões acerca de sua denominação, principalmente pela dicotomia, contrato por adesão e condições gerais dos contratos, considerando ainda suas nuances, serão discutidos no capítulo 3. Verificaremos que as dissonâncias ocorrem em demasia nos mais singelos aspectos dessa contratação, o que torna nosso estudo deveras vibrante e relevante.
Os descomunais debates acerca da natureza jurídica do contrato por adesão frutificaram em teorias contratuais, anticontratuais e ecléticas, que serão abordadas no capítulo 4, permitindo uma feliz reflexão científica acerca desse intrincado fenômeno jurídico, que perturbou a nação jurídica por décadas questionando sua contratualidade.
No capítulo 5, trataremos da positivação do contrato estandardizado no Brasil, destacando a teoria do diálogo das fontes entre Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, como método interpretativo e integrativo, para minimizar a lacuna legislativa do Código Civil brasileiro já na definição do contrato por adesão, e também no tratamento das cláusulas abusivas.
Por fim, no capítulo 6, evidenciaremos as questões que gravitam em torno do famigerado desequilíbrio do contrato por adesão, iniciando pela certificação da natureza de princípio do equilíbrio contratual, em sequência, abordaremos as várias formas de desequilíbrio no contrato e seu controle.
Para as finalidades as quais nos propusemos, serão utilizados os métodos dedutivo, histórico, bibliográfico, documental, jurisprudencial e de direito comparado.
1 FUNDAMENTOS PROPEDÊUTICOS
Antes de adentrar no tema central, trataremos dos conceitos preliminares de contrato e contrato por adesão, situaremos o contrato por adesão na teoria dos fatos jurídicos, identificando, inclusive, seus elementos na teoria do negócio jurídico, para depois se evidenciar as classificações contratuais pertinentes à matéria e a implicação do equilíbrio contratual nas fases do contrato.
1.1 Noções preliminares
Muitos questionamentos circundam o polêmico contrato por adesão, inclusive a respeito da sua própria contratualidade, por conseguinte convém trazer a seguir os conceitos de contrato e de contrato por adesão.
1.1.1 Conceito de contrato
Contrato é negócio jurídico bilateral ou plurilateral, distingue-se na formação por exigir ao menos duas partes1, conforme retrata Xxxxxxx Xxxxx.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxx0 aduz o seguinte conceito: “Contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial”.
O art. 1.101 do Código Civil francês3 define: “O contrato é um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas com o objetivo de criar, modificar, transmitir ou extinguir obrigações”. Tradução livre.
O Código Civil italiano4, em seu art. 1.321, assim o conceitua: “O contrato é um acordo entre duas ou mais partes para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial”. Tradução livre.
1 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 4.
2 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.
33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 39.
3 No original: “Art. 1.101. Le contrat est un accord de volontés entre deux ou plusieurs personnes destiné à créer, modifier, transmettre ou éteindre des obligations”.
4 No original: “Art. 1.321. Il contratto è l'accordo di due o più parti per costituire, regolare o estinguere tra loro un rapporto giuridico patrimoniale”.
1.1.2 Conceito de contrato por adesão
Contrato por adesão é negócio jurídico no qual o proponente constitui unilateral e previamente, um conjunto ou série de cláusulas, de modo geral e abstrato, para a outra parte, aderente, aceitá-las em bloco, sem que se possa discutir ou alterar substancialmente seu conteúdo.
Xxx Xxxxx0 aduz a seguinte formulação: “é aquele cujo conteúdo clausular é unilateralmente definido por um dos contraentes que o apresenta à contraparte, não podendo esta discutir qualquer das suas cláusulas: ou aceita em bloco a proposta contratual que lhe é feita, ou a rejeita e prescinde da celebração do contrato”.
Xxxxxxx Xxxxx0 assinala o seguinte conceito: “contrato de adesão é o negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas”.
No Brasil, o conceito legal é trazido pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 54: “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
O Código Civil francês7, na 2ª parte, do art. 1.110, estabelece: “O contrato de adesão é aquele que inclui um conjunto de cláusulas não negociáveis, previamente definidas por uma das partes”. Tradução livre.
O contrato por xxxxxx é aceito como contrato tanto no Brasil como em vários ordenamentos, todavia muito se discute acerca da sua natureza jurídica. Há pertinentes e relevantes apontamentos suscitados pela doutrina nacional e estrangeira acerca da não contratualidade. Pareceu-nos, inicialmente, não se tratar de contrato ante à exígua liberdade contratual e autonomia da vontade nos contratos correntes.
Xxxxxxx, então, a figura jurídica do contrato por adesão sob o ângulo da teoria do fato jurídico.
5 PRATA, Ana. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: anotação ao Xxxxxxx-Xxx x. 000/00, xx 00 xx xxxxxxx. Xxxxxxx: Almedina, 2010, p. 17.
6 XXXXX, Xxxxxxx. Contrato de adesão: condições gerais dos contratos. São Paulo: XX, 0000, p. 3.
7 No original: “Art. 1.101. Le contrat d'adhésion est celui qui comporte un ensemble de clauses non négociables, déterminées à l'avance par l'une des parties”.
1.2 Contrato por adesão na teoria do fato jurídico
As situações que afetam a liberdade contratual no contrato por adesão são inúmeras, o que nos levou a examinar com maior atenção as categorias do fato jurídico, com foco no negócio jurídico, que sustenta a teoria contratual em sua raiz.
No contexto destacado, pontua-se a diferença entre as categorias do fato jurídico, a influência das teorias da concepção do negócio jurídico e suas repercussões no contrato estandardizado, além da presença dos elementos essenciais do negócio jurídico no contrato por adesão.
O art. 1.100-2 do Código Civil francês8 aduz fatos jurídicos: “Os fatos jurídicos são atos ou fatos aos quais a lei atribui efeitos jurídicos. As obrigações decorrentes de um fato jurídico regem-se, conforme o caso, pelo subtítulo relativo à responsabilidade extracontratual ou pelo subtítulo relativo a outras fontes de obrigações”. Tradução livre.
O Código Civil brasileiro dedicou um livro inteiro na parte geral para fatos jurídicos, porém não o definiu, destacou especialmente o negócio jurídico, em seu título I. Contrariamente, o Código Civil francês não apresenta sessão específica para fato ou negócio jurídico, disciplina a matéria dentro do tema obrigações, em fontes de obrigações, arts. 1.100 a 1.303-4.
As fontes de obrigações estão previstas no art. 1.100 do Código Civil francês9 nos seguintes termos: “As obrigações decorrem de atos jurídicos, fatos jurídicos ou de autoridade única da lei. Elas podem surgir da execução voluntária ou da promessa de cumprimento de um dever de consciência para com os outros.” Tradução livre.
O Código Civil italiano não trata de fato jurídico de forma específica. O contrato é disciplinado, assim como no Código francês, na parte de obrigações. O art. 1.173 do Código Civil italiano10, que trata das fontes de obrigações, estabelece: “As obrigações decorrem de contrato, de fato ilícito, ou de qualquer outro documento ou fato idôneo para produzi-las de acordo com o ordenamento jurídico”. Tradução livre.
8 No original: “Art. 1.100-2. Les faits juridiques sont des agissements ou des événements auxquels la loi attache des effets de droit. Les obligations qui naissent d'un fait juridique sont régies, selon le cas, par le sous-titre relatif à la responsabilité extracontractuelle ou le sous-titre relatif aux autres sources d'obligations”.
9 No original: “Art. 1.100. Les obligations naissent d'actes juridiques, de faits juridiques ou de l'autorité seule de la loi. Elles peuvent naître de l'exécution volontaire ou de la promesse d'exécution d'un devoir de conscience envers autrui”.
10 No original: “Art. 1173. Fonti dele obbligazioni. Le obbligazioni derivano da contratto, da fatto illecito, o da ogni altro atto, o fatto idoneo a produrle in conformità dell'ordinamento giuridico”.
O contrato por xxxxxx já foi apontado como ato jurídico em sentido estrito, negócio jurídico unilateral e ato-fato jurídico, de modo que examinaremos, inicialmente, o ato jurídico em seus fundamentos.
1.2.1 Ato jurídico
O ato jurídico comporta negócio jurídico e ato jurídico em sentido estrito. O ato jurídico em sentido estrito não exprime autonomia privada, porquanto sua concretização ocorre sob os desígnios da lei. Por sua vez, o negócio jurídico envolve a autonomia da vontade, unilateral ou bilateral. Nesse sentido, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx:
O ato jurídico em sentido estrito não é exercício de autonomia privada, logo o interesse objetivado não pode ser regulado pelo particular e a sua satisfação se concretiza no modo determinado pela lei. No negócio, o fim procurado pelas partes baseia-se no reconhecimento da autonomia privada a que o ordenamento confere efeitos jurídicos. Porém, em atenção à convivência social, esse princípio da autonomia da vontade subordina-se às imposições da ordem pública11.
O Código Civil brasileiro refere-se a ato jurídico lícito em seu art. 185: “Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior”. A indicação do título anterior refere-se à aplicação subsidiária das regras do negócio jurídico para os atos jurídicos lícitos.
O Código Civil francês em seu art. 1.101-1 define atos jurídicos: “Os atos jurídicos são manifestações de vontade destinadas a produzir efeitos jurídicos. Eles podem ser convencionais ou unilaterais. Obedecem, como razão, para sua validade e seus efeitos, as regras que regem os contratos”12. Tradução livre. O Código francês designa duas espécies de conduta humana: a primeira refere-se ao ato jurídico em sentido estrito como manifestação que observa a lei; a outra, é o ato convencional, indicativo de ato sujeito à autonomia da vontade.
11 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. v. 1. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 487.
12 No original: “Art. 1.100-1. Les actes juridiques sont des manifestations de volonté destinées à produire des effets de droit. Ils peuvent être conventionnels ou unilatéraux. Ils obéissent, en tant que de raison, pour leur validité et leurs effets, aux règles qui gouvernent les contrats”.
O coeficiente mínimo do ato humano é a voluntariedade por parte do agente, é necessária a voluntariedade da conduta exterior, que não sendo querida, torna a conduta irrelevante13, v.g. coação física perpetrada por terceiro14.
O Código Civil brasileiro e o Código Civil francês remetem o ato jurídico em sentido restrito à disciplina do negócio jurídico, na medida em que a analogia das situações a justifique. A tese que defende a natureza de ato unilateral do contrato por adesão desnatura-o como negócio jurídico. A concepção é destituída do autorregulamento de interesses pelas partes, porquanto a condução do ato jurídico em sentido estrito obedece precisamente aos traçados legais, ou seja, não há negociação, contrariamente no contrato por adesão identifica-se o poder
de aderir ou não, o que consubstancia autonomia privada.
O negócio jurídico, mencionando Xxxxx Xxxxxx Xxxxx00, pode ser quanto à manifestação de vontade: unilateral e bilateral ou plurilateral.
O negócio jurídico unilateral é aquele que provém de ato volitivo de um ou mais sujeitos, em única direção, com idênticos objetivos, dividindo-se em “receptícios”, v.g. obrigações alternativas, cujos efeitos decorrem da ciência da declaração pelo destinatário, e “não receptícios”, v.g. testamento, cujos efeitos independem do endereçamento a certo destinatário.
Os principais negócios unilaterais são o testamento e as promessas unilaterais. As promessas são declarações de vontade pelas quais o declarante assume obrigações em relação a outro sujeito, v.g. título de crédito, promessa de recompensa e promessa de pagamento16. O testamento foi definido no art. 1.626 do Código Civil brasileiro de 1916: “Considera-se testamento o ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte, do seu patrimônio, para depois da sua morte”. O Código Civil de 2002 não encontra equivalente, porém o seu art. 1.85717 deixa transparente a noção de testamento.
13 ASCENSÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx. Direito civil: teoria geral. v. 2. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 13.
14 BRASIL. Código Civil (2002). “Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”.
15 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. v. 1. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 492. No mesmo sentido: XXXXX XXXXX, Xxxxxx Xxxxx xx. Curso de direito civil: introdução, parte geral e teoria dos negócios jurídicos. v. 1. 8. ed. Revista e atualizada por Xxxx Xxxxx Santa Maria. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, 1996, p. 423-424.
16 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 74-75.
17 BRASIL. Código Civil (2002). “Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou parte deles, para depois da morte. § 1º. A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento. § 2º. São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado”.
O negócio jurídico bilateral decorre de declaração de vontade de duas ou mais pessoas, em sentidos opostos, podendo ser “simples”, no caso de conceder benefícios a uma parte e encargos à outra, v.g. doação e depósito gratuito, ou “sinalagmático”, aquele que verifica ônus e vantagens a ambas as partes, v.g. locação. Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx de Xxxxxxx trata dos negócios jurídicos bilaterais:
Nos negócios jurídicos bilaterais, há atribuição de algum bem da vida ao patrimônio do figurante ou dos figurantes do outro lado. Daí a essencialidade dos dois lados, mesmo em se tratando de contratos unilaterais, que são negócios jurídicos bilaterais (quanto a haver manifestações de vontade de dois lados) em que só um dos lados recebe prestação. A bilateralidade, quando se fala de negócios jurídicos bilaterais, concerne às manifestações de vontade, que ficam, uma diante da outra, com a cola – digamos assim – da concordância. Há uma corda só que prende, que vincula, as pessoas que estão nos dois lados. Mas há a bilateralidade da prestação, que é outro conceito: o negócio jurídico pode ser bilateral, e só haver uma prestação. São acordos unilaterais (quanto à prestação, entenda-se) e contratos bilaterais, de que é exemplo a doação18.
No negócio jurídico plurilateral, a plurilateralidade consiste em manifestações de vontade que convergem ao invés de se contraporem. Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx de Xxxxxxx exemplica mencionando cordas que se prendem a determinado ponto, onde se situa o patrimônio comum:
Na expressão negócios jurídicos plurilaterais, a plurilateralidade é das manifestações de vontade, que em verdade convergem, em vez de se contraporem e comporem o negócio. As cordas são duas ou mais e prendem- se a um ponto, onde se situa o patrimônio comum.19 Grifos nossos.
É importante destacar que parte não é uma pessoa, uma parte pode constituir-se por várias pessoas. Assim, se um direito pertencer a três pessoas e estas renunciam a ele, perfaz-se um negócio jurídico unilateral, a renúncia, praticada por várias pessoas20.
O contrato comporta negócio jurídico bilateral ou plurilateral, assim estão subtraídos da categoria do contrato os negócios jurídicos unilaterais.
Nos contratos, todos os interessados se expõem a riscos ou sacrifícios econômicos, dessarte é imprescindível a concordância de ambos os interlocutores. Nos negócios unilaterais, apenas uma das partes incorrerá em sacrifícios, é suficiente apenas a declaração de vontade
18 XXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Tratado de direito privado. t. 38. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 197, p. 7-8.
19 XXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Tratado de direito privado. t. 38. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 8.
20 ASCENSÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx. Direito civil: teoria geral. v. 2. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 29.
daquela que chamou a si as obrigações. A parte contrária nada perde, só aufere vantagens, por consequência desnecessária a manifestação de vontade daquela, exceto se em caráter negativo, preferir renunciar ao benefício21, e se os efeitos decorrerem da ciência do destinatário, conforme expusemos.
O negócio jurídico unilateral é constituído por vontade única, podendo ser receptício ou não. Mesmo que haja necessidade de recepção pela outra parte, a relação se estabelece em sentido único, ou seja, as vontades não convergem.
Nesse raciocínio, verificamos a bilateralidade da figura do contrato por adesão, enfatizando sua contratualidade, dado que as vontades entre aderente e ofertante são opostas e convergem em dado momento.
Verificadas as questões que circundam o ato jurídico, seguiremos com a categoria do ato-fato jurídico e suas implicações na matéria.
1.2.2 Ato-fato jurídico
Alguns autores como Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx reconhecem a figura do ato-fato jurídico. Trata-se de “fato jurídico qualificado pela atuação humana”22.
Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx esclarecem o ato-fato jurídico, evidenciando a interface entre conduta e fato jurídico:
É dizer: o ato-fato jurídico é a categoria que nasce de uma conduta humana, mas produz efeitos jurídicos independentemente da vontade da parte. Xxxxx, indo mais longe, pode produzir efeitos, até mesmo, contra a vontade da parte. Portanto, o ato-fato jurídico brota de um comportamento humano, mas produz consequências por força de lei, desatreladamente do elemento volitivo. É ato, pois, em sua formação; e é fato, em sua eficácia23.
O ato-fato jurídico é ato humano, porém a intenção em realizá-lo é irrelevante para a norma, v.g. a compra e venda realizada por criança é um fato concretizado por conduta humana. A nulidade do negócio pela condição de absolutamente incapaz seria patente, todavia tem ampla aceitação social e como ato-fato jurídico é válido.
21 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 75.
22 GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx; PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Novo curso de direito civil: parte geral. v. 1. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 393.
23 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. v. 1. 18. ed. Bahia: Juspodivm, 2020, p. 668.
Os meros fatos contrapõem-se aos atos humanos, porquanto estes possuem como componente mínimo a voluntariedade, consequentemente o Direito atribui efeitos aos atos jurídicos atendendo a essa voluntariedade24. Nos atos-fatos jurídicos, a situação fica a meio caminho das duas noções.
O ato-fato jurídico25 se divide em atos reais, indenizativos e caducificantes. Atos reais26 são aqueles que resultam em circunstâncias fáticas geralmente irremovíveis, v.g. na pintura de tela por incapaz há aquisição de sua propriedade através da especificação. Atos indenizativos27 são atos humanos que resultam em prejuízo a terceiro com dever de indenizar, v.g. o dano em automóvel decorrente de colisão de veículos. Atos caducificantes28 são atos humanos que determinam a extinção de direitos, v.g. prescrição e decadência. O ato-fato possui a característica de se realizar por ato humano e ter o elemento psíquico irrelevante na sua configuração29.
Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx considera que o contrato por adesão não se constitui em ato-fato, utilizando os seguintes argumentos:
Poder-se ia pretender que o ato humano, por parte de quem toma o trem, ou de quem sobe no bonde, ou no ônibus, ou na barca, ou na balsa, entra no mundo jurídico como ato-fato humano, e assim não há negócio jurídico. Mas tal explicação é de refugar-se. Quem foi no trem, no bonde, ou no ônibus, na barca, ou na balsa, negociou. O direito tem tal ato como ato humano, que é,
24 ASCENSÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx. Direito civil: teoria geral. v. 2. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 12.
25 “Há outras espécies cujo suporte fáctico prevê uma situação de fato, a qual, no entanto, somente pode materializar-se como resultante de uma conduta humana. Exemplos: a caça, a pesca, a especificação, a comistão, a descoberta do tesouro, a semeadura, a ocupação, o abandono de bem móvel, a tomada de posse, a tradição da posse. Existem outros em que conduta humana involuntária (sem culpa) causa danos a terceiros que precisam ser indenizados. Finalmente, há situações em que a inação das pessoas em exercer certos direitos durante determinado tempo, intencionalmente ou não, acarreta a sua perda ou o seu encobrimento, de que são exemplos a prescrição, a decadência (= caducidade) e a preclusão”. XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 198.
26 “Os atos reais (Realakten), também denominados atos materiais (Tathandlungen), consistem em atos humanos de que resultam circunstâncias fácticas, geralmente irremovíveis. Em todas essas expressões, desde aquelas cunhadas pela doutrina alemã à criada por Xxxxxx xx Xxxxxxx, dá-se relevo à particularidade de que é o fato resultante que importa para a configuração do fato jurídico, não o ato humano como elemento volitivo”.
XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 0000, x. 000.
00 “Xxxx-xxxxx xxxxxxxxxxxxx (xxxxx de indenizabilidade sem ilicitude, ou sem culpa, segundo a terminologia de Xxxxxx de Xxxxxxx, que usamos até a 5ª edição) configuram-se naquelas situações em que, de um ato humano não contrário a direito (= lícito) decorre prejuízo a terceiro, com dever de indenizar”. XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 199.
28 “Os atos-fatos jurídicos caducificantes (casos de caducidade sem ilicitude) concretizam-se naquelas situações que constituem fatos jurídicos, cujo efeito consiste na extinção de determinado direito e, por consequência, da pretensão, da ação e da exceção dele decorrentes, como ocorre na decadência e na preclusão, ou o encobrimento somente da pretensão, da ação ou da exceção, conforme acontece na prescrição, independentemente de ato ilícito de seu titular”. XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 202-203.
29 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx; PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Novo curso de direito civil: parte geral. v. 1. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 369.
embora o repute não suscetível de se lhe investigar a deficiência. O que surpreende é que o louco e o menor de dezesseis anos possam negociar. Ora, o direito público teve de atender a que o louco e o menor de dezesseis anos precisam de transporte como as outras pessoas. Entre vedar-lhes a utilização dos transportes e considerá-los com o consentimento dos pais, tutôres ou curadores, ou do Estado, se os não tem, o direito preferiu o segundo caminho30.
Quem ingressa no ônibus, trem ou metrô, negocia, pois o comportamento de comprar o bilhete ou gesticular para parar o transporte indica a intenção de firmar o contrato para o deslocamento do ponto de partida do passageiro até o destino ínsito no trajeto do veículo escolhido.
Não se pode afirmar que o ato ocorreu desvinculado da intenção de contratar nos moldes estabelecidos para o transporte solicitado e que o passageiro acenou para o ônibus ou comprou o bilhete para o avião, barca, metrô ou trem desavisadamente ou por acaso, ou até mesmo contra a sua vontade.
A questão que se evidencia diz respeito à declaração de vontade, que pode ser de forma direta, mesmo não escrita ou não verbal, quando se constitui cabalmente, ou de forma indireta, quando demanda interpretação para sua verificação.
As discussões acerca da posição dos contratos massificados na teoria do negócio jurídico requer análise mais detida das teorias que tentam explicar o fenômeno. As principais teorias são a subjetiva e a objetiva, depreendendo-se do estudo relevantes conclusões.
Conforme a teoria acolhida, focaliza-se os elementos do negócio jurídico sob determinado enfoque, por conseguinte necessário o exame das teorias do negócio jurídico para análise adequada do contrato por adesão, iniciando-se por seus elementos constitutivos, o que permite a identificação da figura como negócio jurídico ou não.
Seguimos o posicionamento de Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx de Xxxxxxx segundo o qual contrato por adesão não é ato-fato jurídico. Nos contratos seriados, existe intenção de contratar, não se trata de fato desprovido de vontade, a declaração de vontade existe, embora possa ser tácita. Em alguns casos, como o do incapaz que contrata, é possível aferir o enquadramento na categoria de ato-fato, mas não na figura específica do contrato por adesão.
30 PONTES DE MIRANDA, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Tratado de direito privado. t. 38. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 32.
1.2.3 Negócio jurídico
O fundamento do negócio jurídico é a autonomia da vontade, ou seja, o autorregulamento de interesses pelas próprias partes, o que identificamos no contrato por adesão.
Analisaremos adiante as concepções do negócio jurídico e seus elementos essenciais com o fito de confirmar a natureza contratual do contrato por adesão, elemento a elemento.
A seguir, evidenciamos as principais teorias conceptivas do negócio jurídico a justificar o fundamento do contrato ora na vontade, ora na declaração de vontade, todavia sempre considerando a ótica do fato jurídico.
1.2.3.1 Concepções do negócio jurídico
As duas principais correntes do negócio jurídico tratam da natureza do negócio jurídico como: i) ato de vontade, com foco na gênese do ato jurídico pelo emissor (teoria da vontade), e como ii) declaração de vontade, priorizando a exteriorização da vontade, uma proteção ao comércio (teoria da declaração).
Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx apresenta a concepção estrutural, reunindo as duas perspectivas, subjetiva e objetiva, no negócio jurídico, como um único fenômeno. Trata-se de uma teoria que não discute a formação como ato volitivo ou a funcionalização do negócio jurídico, todavia o verifica como fato jurídico, partindo da teoria dos fatos jurídicos.
Dito isso, indispensável investigarmos a natureza do negócio jurídico para a análise do contrato por adesão, conforme a teoria, focaliza-se os elementos do negócio jurídico em espectros diversos, acentuando ou enfraquecendo suas caracterizações, respaldando inclusive a configuração do consentimento no contrato por adesão com base na declaração de vontade e não na vontade, apenas.
1.2.3.1.1 Concepção voluntarista ou genética
No início do século XIX, os pandectistas condensaram a expressão ein rechtliches Geschaft, transformando-a em uma só palavra – Rechtsgeschaft (negócio jurídico). O conceito
de negócio jurídico teve inspiração ideológica do Estado liberal, cuja característica peculiar era a ampla preservação da liberdade individual diante do Estado31.
A teoria voluntarista ou genética32 traz a concepção de negócio jurídico como ato de vontade ou conforme sua gênese, priorizando a formação do ato, a vontade que lhe dá origem, a autonomia da vontade, que visa produzir efeitos.
O negócio jurídico concebeu-se como um instrumento da liberdade individual, consubstanciado numa liberdade contratual, que se queria praticamente sem limites. O voluntarismo individualista revelou-se tão intenso que deu origem ao dogma da xxxxxxx00.
A teoria subjetiva ou teoria da vontade sustenta a vontade interna ou psicológica como elemento essencial do negócio jurídico, conforme essa visão, só existe negócio jurídico se o figurante, ao declarar sua vontade, o fizer com essa intenção e querer dos efeitos. A vontade declarada precisa refletir a vontade interna, logo na discordância entre a vontade psicológica e a declarada, prevalece aquela34.
A vontade detém, intrinsecamente, o preceito da autonomia privada. O acréscimo da vontade no termo declaração tem o significado de declaração de aceitação, de adesão, de oferta, de revogação, e assim por diante, que delimita o objeto de interesse, em relação vinculativa. Alguns autores falam em “meras declarações” ou “simples manifestações”35.
Ainda na concepção voluntarista, durante os debates entre a teoria da vontade (Willenstheorie) e a teoria da declaração da vontade (Erklärungstheorie), a teoria da declaração da vontade abriu espaço para que o negócio jurídico deixasse de ser visto como ato de vontade36. A questão da declaração na teoria voluntarista é mencionada por Xxxxxx Xxxxx, buscou encontrar no contrato a gênese da sociedade humana, a procurar justificativa do efeito jurídico a se obter na vontade a favor de quem se produz, ou na atividade que aquela se exprime,
elevando essa vontade à razão precípua e exclusiva:
A qualificação do negócio como “declaração de vontade” (que é uma tradução de “Willenserklarung” – qualificação doutrinária, que ficou sendo monopólio
31 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 233-234.
32 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, p. 12-14.
33 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 235.
34 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, nota 206a, p. 235-236.
35 XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 95.
36 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 18.
dos tratadistas teóricos e não conseguiu penetrar no uso vivo da língua – já nos vem dos pandectistas alemães do século XIX, adeptos do dogma da vontade (desde Savigny a Windscheid)34 e é resultado de uma elaboração, de certo modo arbitrária, das fontes romanas, efetuada, segundo a tendência e no sentido daquele dogma, no terreno do direito comum35. Não deixa de ter interesse, para a história do conceito e do dogma, observar que no corpus iuris xxxxxxxxxx a expressão “declarare voluntatem”, frequentemente interpolada, não indica nunca uma declaração que valha só por si e seja, em relação ao conteúdo, constitutiva e insubstituível, mas antes é usada, precisamente, para indicar uma revelação ou manifestação de uma voluntas, fato psicológico, que pode ser observável e demonstrável também por outra forma37.
A Willenstheorie defendia a vontade interna e a Erklärungstheorie defendia a vontade declarada como fonte legitimadora do contrato. Apesar da grande influência de Xxxxxxx, primando pela preeminência da vontade, os códigos se dividiram, especialmente o Código Civil alemão (BGB) de 1900, acatando a figura do erro, por um lado, e prestigiando a segurança, a estabilidade das relações e a boa-fé de terceiros, em sentido contrário, confirmando o conteúdo do que foi efetivamente declarado, conforme destaca Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx00.
A teoria da vontade em seu raciocínio básico é impertinente para alicerçar o fenômeno de contratação massiva, cuja necessidade de segurança nas relações que se processam em grandes volumes é patente. Em regra, não se pode admitir vontades internas prevalecendo sobre manifestações claras de oferta e aceitação, em desacordo com o declarado.
Todavia, há que se coibir conteúdo contratual abusivo, de má-fé, em afronta à lei imperativa e aos bons costumes, na contramão do interesse social. O que não indica a supressão da autonomia privada declarada, mas a sua adequação às finalidades e aos princípios do Direito. A concepção objetiva parte da declaração de vontade para alicerçar relações contratuais,
não da mera ou simples declaração, mas da declaração como fator preponderante para a formação da relação contratual.
1.2.3.1.2 Concepção objetiva ou funcional
A concepção objetiva ou funcional, inicialmente, via o negócio jurídico como um meio concedido pelo ordenamento para produzir efeitos jurídicos e não um ato de vontade
37 XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 93-94.
38 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 46-47.
propriamente dito39. Na concepção objetiva ou funcional, o negócio jurídico “constitui um comando concreto ao qual o ordenamento jurídico reconhece eficácia vinculante”40.
A teoria da declaração, objetiva, funcional ou preceptiva, atribui prevalência da declaração sobre a vontade psicológica, sob o argumento de que a declaração é o único dado objetivo capaz de ser identificado pelas outras pessoas.
A vontade interna constitui-se em circunstância de difícil, e até impossível apreensão em sua realidade e veracidade. Essa concepção considera o comportamento previsto pelas normas jurídicas como elemento suficiente para concretizar o negócio jurídico41.
A declaração de vontade é elemento objetivo necessário nas relações negociais por adesão, apta a funcionalizar o contrato pela sua concretude. Deve prevalecer, como regra, à vontade ínsita do contratante, viabilizando as relações jurídicas seriadas na economia contemporânea. Por conseguinte, a acepção voluntarista resta inconciliável com a sistemática contratual massiva.
Depreende-se da teoria objetiva, a noção de autonomia privada como autorregulação concreta de interesses pelas partes, o que demonstra evolução conceitual ante à concepção que a evidenciava apenas como vontade interna das partes.
A declaração de vontade interfere no conteúdo, qual seja a autonomia privada, pois esta torna-se segura em razão da sua concretude e exteriorização e observa a lei e a causa do negócio jurídico, que não deve se constituir absoluto e iníquo.
A autonomia privada não indica o “querer no vácuo”. O direito protege a autonomia da vontade inserida no ordenamento, respeitando a sua causa. O negócio jurídico é ato pelo qual o indivíduo regula os seus interesses nas relações com os outros, consonante ao direito que conecta efeitos em detrimento da função econômico-social, caracterizando-lhe o tipo42.
Xxxxxx Xxxxx relaciona o negócio jurídico a três questões fundamentais: i) forma – “como é?”; ii) conteúdo – “o que é?”; e iii) causa – “por que é?”. A forma e o conteúdo indicam a estrutura do negócio jurídico e a causa, a sua função. Nessa análise, forma, conteúdo e causa, são elementos existenciais do negócio jurídico43.
39 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 18.
40 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 19-20.
41 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, nota 206b, p. 236.
42 XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 88.
43 XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 88.
A forma é a declaração, considerando o negócio jurídico como fato social e a autonomia privada um fenômeno social, por consequência compreende-se que o negócio jurídico deve ser socialmente reconhecível. O negócio passa a ser fato social apenas com o reconhecimento pelo ambiente social das declarações, suscetível de interpretação e valoração entre os envolvidos.
A exteriorização da vontade pela declaração no negócio jurídico avulta de sentido social, além disso produz elemento de base concreta, cuja materialização inequívoca é indispensável para embasar a relação jurídica segura e eficaz.
O conteúdo é um preceito, estatuto ou dispositivo de autonomia privada, dirigido a efeitos concretos das partes que o estabelece. A declaração se vincula ao seu conteúdo, ordenando linha de conduta, em confronto com qualquer outra disposição advinda de outras relações, detendo relevância essencialmente social, operativa em si, cuja eficácia primeiro se manifesta no plano social e, só depois, no plano jurídico.
O preceito de autonomia privada é o regulamento dos interesses das partes nas suas relações ou com terceiros, diferenciando-o da mera vontade. O preceito declarativo da autonomia da vontade tem papel preponderante na relação negocial.
Declaração e autonomia privada são elementos correlacionais. A autonomia privada é substancializada através da declaração, suporte que se afigura determinável, e assim não poderia deixar de ser para funcionalizar o contrato. A declaração tem peso inequívoco, não se trata de mera declaração, mas preceito da autonomia privada, que rege a relação privada basilarmente. A mera declaração está atrelada à mera voluntariedade. É necessário que o agente tenha consciência e vontade da própria declaração para existir um suporte mínimo a consubstaciar o
negócio jurídico44.
A autonomia privada pode ser reconhecida pela ordem jurídica com duas funções distintas: i) como fonte de normas jurídicas, integrando a própria ordem jurídica, como fonte de direito subordinada e dependente; e ii) como pressuposto e causa das relações jurídicas, em abstrato e em geral, disciplinada pela norma jurídica. A autonomia privada é reconhecida pela ordem jurídica exclusivamente como pressuposto e causa da relação jurídica, e não como fonte de normas jurídicas, conforme compreende Xxxxxx Xxxxx.45
44 ASCENSÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx. Direito civil: teoria geral. v. 2. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 41.
45 XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 81.
Não se trata de competência para criar normas jurídicas46, mas da competência dispositiva que os particulares já consolidam socialmente em suas relações, reconhecida e sancionada pelo ordenamento jurídico.
O negócio jurídico é instrumento da autonomia privada, disponibilizado pelo direito para os particulares comandarem sua “própria casa” sem invadir esfera alheia, salvo excepcionalmente, quando há ingerência em negócios alheios ou atribuição de vantagem a terceiros47.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx00 aponta, entretanto, sensível diferença entre preceito e relação jurídica, termos distintos, com efeitos diversos. O ordenamento jurídico reconhece o negócio jurídico como fonte criadora de relações jurídicas e não como fonte de normas jurídicas. O regulamento das relações jurídicas não pode ser de natureza preceptiva, porque é apto a criar vínculos entre os próprios interessados. Também não se pode adotar a ideia da recepção, porque é ideia de ordem jurídica, a partir da qual surgem as relações jurídicas. Além disso, um preceito com eficácia constitutiva não é preceito, não é norma, é uma relação jurídica que não pode ter valor normativo, pois é efeito da norma. Uma relação jurídica nunca é normativa, dado que preceito (norma) e relação jurídica não são termos equivalentes. Assim, a relação jurídica nunca é normativa, segundo a compreensão do autor.
Contemplamos a ideia de que o negócio jurídico envolve relações e não normas jurídicas. Ainda assim, é possível considerar o estatuído entre partes constituir preceito, que não conduz à normatividade jurídica, em patamar de lei, ao contrário, o preceito identificado na relação negocial é direcionamento e fortalecimento da declaração de vontade e da própria autonomia privada.
Causa é a razão do negócio jurídico, e detém típica função de interesse público, que sintetiza os elementos do negócio, a qual corresponde a providência concreta,
46 “A competência para criar normas jurídicas, que é atribuída à autonomia na primeira função, serve para conferir a quem dela está investido, a posição constitucional de órgão com poderes normativos no âmbito da ordem jurídica que a reconhece (era essa a posição das associações profissionais reconhecidas, nos termos da Lei de 3 de abril de 1926, n. 563). Mas não se trata, nesse caso de autonomia privada. Na medida em que é reconhecida pela ordem jurídica, ela não é chamada a criar, e nem sequer a integrar, qualquer norma jurídica, mas a realizar a hipótese de fato de uma norma já existente, dando vida, entre particulares, àquela relação jurídica que essa norma estabelece. Só neste sentido pode considerar-se reconhecida aos indivíduos, pela ordem jurídica, uma competência dispositiva; não no sentido de que a ordem jurídica delega-lhes uma parte de competência normativa, assim os transformando em órgãos seus”. XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 83.
47 XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 84.
48 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 21.
consequentemente não se justifica nos demais atos jurídicos privados, cujos efeitos não precisam ser evidenciados mediante categorias extrajurídicas49.
Entendemos que a teoria objetiva é o aperfeiçoamento da teoria subjetiva, justifica os fenômenos contratuais com substância e a ela nos remeteremos em vários momentos. Consideramos sua preeminência em relação à teoria subjetiva do negócio jurídico em linhas gerais, entretanto a teoria subjetiva trouxe elementos da vontade, que em muitos casos não podem ser desprezados.
A ênfase à declaração de vontade ante a vontade interna como premissa básica, sem desconsiderar as necessárias exceções, afigura-se consentânea à evolução contratual, justificando e alicerçando as realidades impostas pela contratação em massa, que reclama por segurança e por objetividade na condução das atividades econômicas.
Veremos a seguir a concepção estrutural do negócio jurídico, tese por nós acolhida, que identifica simultaneamente em sua acepção a declaração de vontade e a vontade, eliminando definitivamente as discussões acerca da preeminência de uma ou outra.
1.2.3.1.3 Concepção estrutural de Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx
A definição de negócio jurídico é aqui formulada do ponto de vista estrutural, procurando-se compreender como ele é, e não como surge ou como atua no mundo jurídico50. Trata-se da concepção aduzida por Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx, que explica a integração da declaração e vontade por meio da existência, da validade e da eficácia do negócio jurídico.
A concepção estrutural concebe o negócio jurídico nas duas facetas do fato jurídico: em abstrato e em concreto, identificando o fato jurídico em abstrato como “categoria”, e o fato jurídico em concreto como “fato”. Dessarte, categoria e fato integram o negócio jurídico. Nessa linha de pensamento, o fato jurídico é observado em sua essência como estrutura, e não como função (teoria objetiva) ou gênese (teoria voluntarista).
49 “A causa ou razão do negócio se identifica com a função econômico-social de todo o negócio, considerado despojado da tutela jurídica, na síntese dos seus elementos essenciais, como totalidade e unidade funcional, em que se manifesta a autonomia privada. A causa é, em resumo, a função de interesse social da autonomia privada. Os elementos necessários para a existência do negócio são também elementos indispensáveis da função típica que é sua característica. A sua síntese, assim como representa o tipo do negócio, na medida em que é negócio causal (§ 24), também lhe representa, igualmente, a função típica. Função econômico-social do tipo de negócio, como manifestação de autonomia privada, a qual é um fenômeno social antes de se tornar, com o reconhecimento (§ 2º), um fato jurídico”. BEXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 263-265.
50 AZXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 23.
Como categoria, ele é a hipótese de fato jurídico (às vezes dita “suporte fático”), que consiste em uma manifestação de vontade cercada de certas circunstâncias (as circunstâncias negociais) que fazem com que socialmente essa manifestação seja vista como dirigida à produção de efeitos jurídicos; negócio jurídico, como categoria, é, pois, a hipótese normativa consistente em declaração de vontade (entendida esta expressão em sentido preciso, e não comum, isto é, entendida como manifestação de vontade, que, pelas suas circunstâncias, é vista socialmente como destinada à produção de efeitos jurídicos). Ser declaração de vontade é a sua característica específica primária. Segue-se daí que o direito, acompanhando a visão social, atribui, à declaração, os efeitos que foram manifestados como queridos, isto é, atribui a ela efeitos constitutivos de direito — e esta é a sua característica específica secundária. In concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide51.
O fato jurídico in abstracto é a declaração de vontade, socialmente qualificada como produtora de efeitos jurídicos e circunstanciada negocialmente. A declaração de vontade, tecnicamente, é aquela reconhecida como carreada e direcionada a gerar efeitos jurídicos na sociedade. Não é simples manifestação de vontade despida de objetivos52.
A tese estrutural caminha adiante na evolução das teorias do negócio jurídico, segue da declaração de vontade nos moldes traçados pela teoria objetiva, que a admite como ponto de partida concreto e determinado, apta a dirigir a relação negocial que foi instalada.
O fato jurídico in concreto é o fato jurídico consistente em declaração de vontade direcionada a efeitos desejados que o ordenamento confirma, operando efeitos jurídicos, em observância aos pressupostos de existência, de validade e de eficácia53. A perspectiva concreta posiciona a vontade no plano da validade e da eficácia, sem desmerecer seu papel na estrutura do negócio jurídico.
O negócio jurídico assim engendrado é fato jurídico. Não se trata de fato jurídico em sentido estrito, de modo que depende de declaração, assim não o é o descobrimento de tesouro, a morte, e outros que independem da declaração de vontade. É ato cercado de circunstâncias negociais, que o torna socialmente reconhecido e qualificado a produzir efeitos pelo direito54.
Adotamos a teoria estrutural como direção de nossos trabalhos, dado que ela identifica na perspectiva subjetiva a declaração de vontade, os qualificativos negociais e a previsão dos
51 AZXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 24.
52 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 24.
53 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 24.
54 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 25.
efeitos no primeiro plano, e na perspectiva objetiva, a concretização do fato com a incidência dos efeitos, observados os requisitos de existência, validade e eficácia, num segundo plano.
A perspectiva estrutural do negócio jurídico soluciona o dilema acerca da vontade e da declaração de vontade no negócio jurídico, discussão interminável porque, embora a declaração de vontade tenha preeminência, ela não é absoluta e em torno disso desenvolvem-se os questionamentos atinentes ao papel da vontade.
Conquanto a teoria objetiva tenha evidenciado significativa evolução no trato da matéria, claro é que a vontade representa um papel importante e justificativo para situações várias do negócio jurídico como vícios do consentimento, vícios sociais e questões ligadas à boa-fé.
Na teoria objetiva, a vontade é destacada da declaração, acentuando-se o papel da declaração, entretanto propugnando exceções para situações específicas. A teoria estrutural segue a proposta da teoria objetiva ao considerar a declaração da vontade, porém não diminui o papel da vontade. A vontade é observada no plano da validade e da eficácia. Depreende-se a eficiência da teoria nessas bases, que não descura da vontade, atribuindo-lhe a necessária importância numa avaliação de plano concreto.
Na teoria dos contratos por adesão, a correta concatenação entre vontade e declaração constitui-se em ponderação necessária e justa, considerando a segurança requerida para alicerçar as massivas e intensas relações contratuais contemporâneas atrelada aos mecanismos legais, administrativos e judiciários, que equilibram as relações abusivas.
A despeito do direito francês ter primado em suas bases pela teoria da vontade e o direito alemão pela teoria objetiva, na prática houve uma simbiose entre as duas teorias, que resultou na aplicação integrada de ambos os fundamentos nos dois ordenamentos, pioneiros nas duas principais teses de concepção do negócio jurídico, o que justifica a adequação da teoria estrutural.
1.2.3.1.4 Desempenho da teoria subjetiva e objetiva no direito francês e alemão
Embora a teoria da vontade tenha permeado o direito francês e a teoria da declaração o direito alemão, na prática as duas em muito se aproximaram. Ambas fidelizaram seus argumentos principais, seja na vontade ou na declaração de vontade, contudo perfizeram
concomitantemente exceções, que as deixaram no meio do caminho, entre a vontade e a declaração de vontade.55
A jurisprudência atestou a aproximação das duas teorias e evidenciou a reciprocidade da vontade e da declaração da vontade no direito francês e alemão, predominando uma ou outra com maior ou menor intensidade.
Maxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx00 xonclui que as duas teorias são substancialmente coincidentes, porque o voluntarismo predomina como fundamento do negócio jurídico. A divergência ocorre quanto à prevalência da vontade interna ou da declarada quando conflitantes. Em ambas, a exteriorização da vontade é elemento material, objetivo do negócio jurídico.
Anxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx xonsidera a declaração de vontade como elemento de existência do negócio jurídico, que prescinde da vontade. Esta, por sua vez, é discutida no plano da validade ou da eficácia do negócio jurídico. Dexxxxxx, a discussão sobre prevalecer um elemento ou outro não tem razão de ser57.
Segundo Huxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx,
Como reação, a teoria da declaração mostrou-se tão extremada como a teoria da vontade. Se a primeira protegia intoleravelmente o declarante, a segunda outorgou tutela exorbitante ao destinatário da declaração. É evidente que não se poderia tutelar, por exemplo, a má-fé de quem procurasse prevalecer do erro alheio para, maliciosamente, obter vantagens do negócio viciado. E além do mais, se se pode valorizar a declaração, não se deve fugir da realidade de que a raiz mesma do negócio jurídico não pode ser desvinculada da xxxxxxx00.
Não há consenso, a doutrina ora pende para a prevalência da vontade subjetiva, ora para a objetiva. O Código Civil de 1916, em seu art. 85, optava claramente pela teoria da vontade. O Código Civil de 2002 fez opção eclética no seu art. 112, assinalando que a interpretação dos
55 AZXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 83.
56 MEXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx xe. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, nota 206, p. 236.
57 “Que haja, por desrespeito a um requisito, sanções mais ou menos rigorosas, não resta dúvida, mas o problema, aí, é somente de grau na sanção, não havendo nenhuma necessidade de opção prévia, como ambas as teorias impõem a quem aceita sua formulação inicial. Aliás, diversos autores salientam que nenhuma das duas teorias jamais teve aceitação integral e, acrescentamos nós, nem poderiam ter, visto que o ponto de partida de ambas não estava metodologicamente correto. A vontade não é elemento que se contraponha, nessa condição, à declaração”. AZXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xe. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 25.
58 THXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. Os defeitos do negócio jurídico no novo Código Civil: fraude, estado de perigo e lesão. Revista da EMERJ, v. 5, n. 20, p. 51-78, Rio de Janeiro, 2020.
negócios jurídicos observará a vontade subjetiva que possa ser extraída do conteúdo de sua declaração59.
A evolução do direito caminha para atender aos reclames sociais diante do movimento social. Observa-se que em 1916, a sociedade inseria-se no início da produção em massa, em 2002, a estandardização dos contratos apresentava problemas, fundamentalmente abusividades, que precisavam ser contidas através de um direito mais social, com olhos para o indivíduo, observando-se já a partir da Constituição de 1988 um novo parâmetro para as relações econômicas.
O contrato por adesão acomoda-se através de declaração de vontade definidora do conteúdo transacionado e dos efeitos jurídicos desejados pelas partes. É certo que a vontade é fator importante na relação contratual, conferindo fidedignidade à negociação, embora desvinculada da declaração de vontade que constitui o negócio jurídico. Em suma, evidencia- se a teoria estrutural do negócio jurídico, conformadora dos elementos declaração de vontade e vontade na teoria contratual.
Ultrapassada a discussão das concepções do negócio jurídico, sigamos em análise dos elementos essenciais do negócio jurídico por adesão.
1.2.3.2 Elementos essenciais do negócio jurídico no contrato por adesão
O Código Civil brasileiro, em seu art. 104, menciona como requisitos de validade do negócio jurídico i) a capacidade do agente; ii) o objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e iii) a forma prescrita ou não defesa em lei.
É a redação do Código Civil italiano60: “Art. 1.325. Os requisitos do contrato são: 1) o acordo das partes; 2) a causa; 3) o objeto; 4) a forma, quando se verificar que é prescrita pela lei, sob pena de nulidade”. Tradução livre.
O Código Civil francês61, ao tratar da validade do contrato, prescreve: “Art. 1.128. O seguinte é necessário para a validade de um contrato: 1º O consentimento das partes; 2º Sua capacidade de contrair; 3º Um conteúdo legal e certo”. Tradução livre.
59 ALXXX XXXXX, Joxx Xxxxxx xx Xxxxxx. A função social do contrato no novo Código Civil. Revista dos Tribunais, v. 92, n. 815, p. 11-31, São Paulo, set. 2003, p. 18.
60 No original: “Art. 1325. Indicazione dei requisiti. I requisiti del contratto sono: 1) l’accordo dele parti; 2) la causa; 3) l’oggetto; 4) la forma, quando resulta che è prescritta dalla legge sotto pena di nullità”.
61 No original: “Art. 1.128. Sont nécessaires à la validité d'un contrat: 1° Le consentement des parties; 2° Leur capacité de contracter; 3° Un contenu licite et certain”.
Nos códigos acima, verificamos o elenco da capacidade, acordo e consentimento; conteúdo ou objeto; e às vezes forma ou causa, admitidos como elementos ou requisitos de validade do negócio jurídico.
Maxxx Xxxxxx Xxxxx00 xduz os elementos constitutivos ou estruturais do negócio: essenciais, naturais e acidentais.
A autora indica os elementos essenciais – essentialia negotii – como aqueles que são da substância do ato, podendo ser gerais, comuns a todos os negócios jurídicos (capacidade do agente; objeto lícito, possível e determinável; e consentimento); e particulares, concernentes a determinadas espécies negociais (formas e solenidades previstas em lei). Os elementos naturais
– naturalia negotiii – são consequências que decorrem do próprio ato, sem necessidade de que haja expressa menção. E elementos acidentais – accidentalia negotii – são estipulações ou cláusulas acessórias que modificam efeitos, são eles condição, termo e encargo63.
Anxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx00 xnalisa o negócio jurídico sob três planos: existência, validade e eficácia. No plano da existência, o autor menciona os elementos gerais, ou seja, os comuns a todos os negócios; os elementos categoriais, aqueles próprios de cada tipo de negócio; e os elementos particulares, aqueles existentes em determinado negócio, sem serem comuns a todos ou a certos tipos de negócios.
Sixxxx Xxxxxxxxx00 xefere-se aos elementos essenciais como vontade humana, idoneidade do objeto e forma, mencionando a causa admitida por aqueles que seguiram orientação do Código Civil francês. Observa-se que na recente reforma do Código Civil francês, pela Portaria 131, de 20/02/2016, a causa foi retirada do texto do atual art. 1.128, todavia o Código Civil francês a mantém implicitamente conforme observa Anabell Quin66, cuja admissão se depreende das disposições do Código Civil.
A vontade humana é fundamentalmente um ato de vontade e, sendo um elemento subjetivo, revela-se através de uma declaração, que desse modo é fundamental. A idoneidade do objeto refere-se ao objeto proscrito pela lei, como no caso da hipoteca, necessário se faz que seja imóvel, navio ou avião, e no caso de mútuo, que sejam coisas fungíveis, assim como no
62 DIXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. v. 1. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 498.
63 DIXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. v. 1. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 498.
64 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 23.
65 ROXXXXXXX, Xxxxxx. Direito civil: parte geral. v. 1. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 171.
66 QUXX, Xxxxxxx. Réforme du droit des contrats: la disparition de la cause et as survivance. Alta-Juris International, Paris, 2-05-2016. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx-xx-xxxxx-xxx-xxxxxxxx-xx- disparition-de-la-cause-et-sa-survivance/. Acesso em: 01 jun. 2021.
comodato, coisas infungíveis. A forma é necessária quando da substância do ato, pois sem ela o ato nem sequer existe. A causa é elemento técnico capaz de fazer justo o contrato, sob outro aspecto é função econômico-social indicativa do tipo do negócio. Importa que o negócio satisfaça os fins do ordenamento jurídico67.
Utilizaremos os elementos básicos do negócio jurídico propostos por Emxxxx Xxxxx xara analisar o contrato por adesão. O autor indica estrutura e função como elementos básicos do negócio jurídico, sendo a estrutura constituída pela forma e pelo conteúdo e a função indicativa da causa.
Localizaremos a declaração, o conteúdo e a causa nos contratos por adesão para justificar a sua existência como negócio jurídico.
1.2.3.2.1 Declaração de vontade e comportamento concludente
A declaração da vontade no contrato se dá pela proposta e aceitação numa fusão ou convergência de vontades contratantes, cognoscível e socialmente reconhecida, declarada ou simplesmente manifestada para o exterior68.
Anxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx xetrata a questão do reconhecimento social nas seguintes palavras:
Ao falarmos, portanto, em declaração de vontade, estamos utilizando esta expressão como uma espécie de manifestação de vontade que socialmente é vista como destinada a produzir efeitos jurídicos31. A declaração é, do ponto de vista social, o que o negócio é, do ponto de vista jurídico, ou seja, a declaração tende a coincidir com o negócio na medida em que a visão jurídica corresponde à visão social69.
O reconhecimento social da declaração de vontade tem o respaldo social quanto à produção dos efeitos previstos para o ato declarado. Primeiro o negócio é socialmente relevante, depois, agrega-se a ele expressão jurídica através de sua instrumentalização. Nesse contexto, mencionamos a tridimensionalidade do Direito exposta por Mixxxx Xxxxx, que vincula norma, fato e valor:
67 ROXXXXXXX, Xxxxxx. Direito civil: parte geral. v. 1. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 171-172.
68 ROXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Anx Xxxxxxx x M. Januário C. Goxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 93.
69 AZXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 18.
Fato, valor e norma devem, em suma, estar sempre presentes em qualquer indagação sobre o Direito [...]. Desse modo, a Sociologia Jurídica, que cuida das condições empíricas da eficácia do Direito, não pode deixar de apreciar a atualização normativa dos valores no meio social. Poder-se-ia dizer que o sociólogo do Direito, recebendo os valores e as normas como experiência social concreta, tem como meta de sua indagação o fato da efetividade dos valores consagrados em normas positivas, ao passo que o jurista, enquanto tal, considera valor e fato em razão da normatividade, a qual é o seu objetivo específico. O filósofo do Direito, por outro lado, indaga das condições transcendental-axiológicas do processo empírico da vigência e da eficácia70.
A declaração de vontade expressa, cujo sinal é intencionalmente exteriorizado, ocorre normalmente pela escrita ou pronunciamento, no entanto também pode se dar por sinais ou gestos comumente reconhecíveis, como apertos de mão ou aceno de cabeça71.
A declaração de vontade pode dar-se de forma tácita através de comportamentos que revelem o propósito de contratar, como o início da execução por aquele que não respondeu. É o caso de inserir moedas em máquina de venda de bebidas, entrega de mercadorias disponibilizadas em prateleiras de lojas no caixa. Nota-se que a vontade não foi expressa, mas a intenção de contratar foi demonstrada na atitude72.
O Código Civil português, em seu art. 217, reconhece declarações expressas e tácitas nos seguintes termos: “A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam”.
Frxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx xe Mixxxxx xlucida a tacitude da declaração nos seguintes
termos:
Não precisa de palavras, nem de sinais compreensíveis. Pode ser tácita, isto é, pode ser por atos ou omissões que se hajam de interpretar, conforme as circunstâncias, como manifestação de vontade do oferente ou do aceitante. O comerciante que entrega o objeto, que não foi pedido, mas que lhe parece agradaria ao freguês, manifesta, tacitamente, a vontade. Se o freguês tem conta na casa, ou goza de crédito, a saída com o objeto é aceitação73.
70 REXXX, Xxxxxx. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 586.
71 ROXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Anx Xxxxxxx x M. Januário C. Goxxx. Coimbra: Almedina, 1988.
p. 93. No mesmo sentido: “Diz-se manifestação expressa de vontade a que se faz oralmente, ou por meio de sinais inteligíveis, dos quais os da escrita são os mais encontráveis”. POXXXX XX XXXXXXX, Frxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Tratado de direito privado. t. 38. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 22.
72 ROXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Anx Xxxxxxx x M. Januário C. Goxxx. Coimbra: Almedina, 1988. p. 94.
73 POXXXX XX XXXXXXX, Frxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Tratado de direito privado. t. 38. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 24.
Em relação ao comportamento, há duas correntes74: i) uma que admite o comportamento como elemento subjetivo do negócio jurídico ao lado da declaração; e ii) outra que o admite como declaração implícita, considerando a declaração em sentido amplo, envolvendo em sua acepção também a figura do mero comportamento.
Emxxxx Xxxxx00 xrata o comportamento como elemento subjetivo do negócio jurídico. Diferencia comportamento de declaração de vontade, sendo o comportamento atitude que não tem o objetivo de produzir uma alteração na parte contrária e nem na sociedade, entretanto por si só altera a realidade social e gera efeitos.
Joxx xx Xxxxxxxx Xscensão76 trata do mero comportamento como aquele despido de consciência e vontade de comunicar. Assim, aquele que recebe herança e não declara que aceita, mas começa a se comportar como herdeiro, tomando conta dos bens, demonstra que aceitou a herança, sem que sua atividade tenha o condão de comunicar. É certo que o ordenamento prescinde da declaração no caso, mas o exemplo tem o condão de acusar a presença de comportamento e não de declaração.
Enxx Xxxxx00 xefere-se ao comportamento como ato que tem valor apenas quando atende a consciência e a vontade do indivíduo, ou seja, embora não declarado expressamente, depreendem-se as intenções, trata-se de comportamento com valor de declaração. Há autores que tratam do ato-fato jurídico78, que é ato humano, porém caracterizado como fato por não importar a vontade, mas o fato em si.
Compreendemos o comportamento, assim como Enxx Xxxxx, na esteira de ato jurídico consciente e voluntário do indivíduo a justificar as contratações daí decorrentes, sobrelevando a figura do comportamento concludente.
Emxxxx Xxxxx00 xlucida o comportamento concludente como aquele que adquire valor de declaração no ambiente social em que se desenvolve, na medida em que é reconhecível,
74 ASCENSÃO, Joxx xx Xxxxxxxx. Direito civil: teoria geral – ações e fatos jurídicos. v. 2. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 43.
75 BEXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 191.
76 ASCENSÃO, Joxx xx Xxxxxxxx. Direito civil: teoria geral – ações e fatos jurídicos. v. 2. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 42.
77 ROXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Anx Xxxxxxx x M. Januário C. Goxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 93.
78 “Em alguns momentos, torna-se bastante difícil diferenciar o ato-fato jurídico do ato jurídico em sentido estrito [...]. Isso porque, nesta última, a despeito de atuar a vontade humana, os efeitos jurídicos produzidos pelo ato encontram-se previamente determinados pela lei, não havendo espaço para a autonomia da vontade”.
GAXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx; PAMPLONA FILHO, Roxxxxx. Novo curso de direito civil: parte geral. v. 1. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 394.
79 BEXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 205.
conforme experiência comum, a posição acerca de interesses que atingem esfera jurídica alheia. Nesse comportamento há manifestação indireta ou implícita.
O comportamento concludente podendo ser explícito e implícito, é aquele que impõe uma conclusão, que se fundamenta na coerência que deve informar qualquer comportamento no grupamento social e na responsabilidade a que se vincula por exigência social. Emxxxx Xxxxx xiferencia recognoscibilidade direta e indireta:
É direta a recognoscibilidade, e explícita a manifestação, quando se produz – não importa se intencionalmente ou não – por meio de sinais que, na prática social ou por convenção das partes, desempenham a função de dar a conhecer um determinado conteúdo preceptivo àqueles a quem interessa (a linguagem falada ou escrita é o meio principal, mas não exclusivo, podendo, também, bastar, para essa missão, sinais, gestos e atitudes silenciosas)37. É, pelo contrário, indireta a recognoscibilidade e implícita a manifestação, quando se produz por meio de uma conduta que, tomada em si mesma, não tem a função de fazer conhecer aos interessados o conteúdo em questão, mas que, por ilação necessária e unívoca, permite deduzir e torna reconhecível uma tomada e posição vinculativa, a respeito de certos interesses alheios.80 Grifos nossos.
Nesse diapasão, a manifestação explícita pode ser, v.g. o sinal para o ônibus parar no ponto, quando o sujeito gesticula com a intenção de comunicar ao motorista o desejo de contratar o transporte. A manifestação implícita pode ser o inserir moedas na máquina de refrigerantes para provocar o efeito de aquisição da bebida sem, no entanto, dar a conhecer o conteúdo preceptivo ao destinatário físico, que não saberá quem contratou.
Os comportamentos de comprar em máquinas eletrônicas, clicar em botões de páginas em sites da internet e outros novos modos de contratação surgidos cotidianamente na sociedade tecnológica e globalizada são, portanto, comportamentos concludentes com valor de declaração de vontade, no caso, declaração implícita.
O silêncio não implica por si só aceitação tácita, pois se assim fosse, produtos que chegassem pelo correio a possíveis adquirentes, com a advertência de que a ausência de resposta dentro de determinado prazo seria considerada aceitação, concluiriam a compra. Entretanto, é possível comportamento concludente no silêncio, arrimado no conjunto de circunstâncias, a demonstrar inequivocamente a vontade de contratar, como seria no exemplo citado, se o possível adquirente pagasse o boleto enviado com a mercadoria81.
80 BEXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 206.
81 ROXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Anx Xxxxxxx x M. Januário C. Goxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 94- 95. Nesse mesmo sentido, Frxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xontes de Miranda: “O silêncio, o calar-se, pode compor manifestação de vontade. Se é de esperar-se resposta positiva, eventualmente negativa, mas, in casu, se há de considerar acorde o outro figurante, se nada responde, manifesta a vontade com a abstenção de qualquer
Convém abordar também a figura do contato social, mencionado por Enxx Xxxxx xomo contrato de fato, apontado como justificativa para os contratos automáticos, desprendido da vontade e inclusive da própria declaração de vontade. O autor italiano identifica o contato social como relação jurídica e contratual, tutelada e reconhecida pelo direito, porquanto se consideram aplicáveis grande parte das regras pertinentes ao contrato:
Por contacto social entende-se, aqui, o complexo de circunstâncias e de comportamentos – valorados de modo socialmente típico – através dos quais se realizam, de facto, operações econômicas e transferências de riqueza entre os sujeitos, embora faltando, aparentemente, uma formalização completa da troca num contrato, entendido como encontro entre uma declaração de vontade com valor de proposta e uma declaração de vontade conforme, com o valor de aceitação82.
Frxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx00 xdentifica o contato social como ato-fato jurídico, que não se confunde com negócio jurídico bilateral (contrato), provido de manifestação de vontade expressa ou tácita. Maxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx00 xntende pela manifestação concludente de vontade, ou seja, que nessa acepção há manifestação de vontade. Enxx Xxxxx00 xompreende que a declaração da vontade foi substituída pelo comportamento social, tipicamente valorado, socialmente exprimível, na linha da objetivação
do contrato, destituindo-se as atividades psíquicas dos autores.
expressão do consentimento. Baxxx, para que tal aconteça, que não haja, a respeito de tais negócio jurídicos bilaterais, necessidade de aceitação expressa, mesmo por algum fato positivo que se haja de interpretar como manifestação de vontade. Ou que o oferente, na oferta, ou em declarações sobre as suas ofertas, de que tenha de ter conhecimento o destinatário, haja dispensado a resposta por ato positivo. Aí, responde-se com o silêncio”. POXXXX XX XXXXXXX, Frxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Tratado de direito privado. t. 38. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 24.
82 ROXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Anx Xxxxxxx x M. Januário C. Goxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 302-304.
83 ‘O “contacto social” é elemento necessário em muitos contratos, porém, é preciso que não se confunda com a manifestação de vontade, expressa ou tácita, que faria bilateral o negócio jurídico, o ato de alguém, que entra no mundo jurídico somente como ato-fato jurídico. Já a doutrina se libertara das teorias do animus na posse e já assentara ser ato-fato jurídico o pagamento. Não poderia enfurnar-se em concepção que visse vontade, e vontade validamente manifestada, no ato do louco que entre no bonde, ou no ônibus, ou no trem, ou na barca, ou na balsa, ou que adquire o sorvete, ou as balas ou o sanduíche, ou que põe a moeda no automático e talvez nem apanhe o que a máquina lhe põe à disposição”. POXXXX XX XXXXXXX, Frxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Tratado de direito privado. t. 38. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 33-34.
84 “Em ambos os casos é evidente que existe uma manifestação concludente de vontade. Mercê do princípio da liberdade de forma (Código Civil, art. 107), para que se efetive um contrato de compra e venda, salvo casos especiais, não é necessário que seja declarada pelo vendedor e pelo comprador a vontade de vender e de comprar. Baxxx, apenas, que haja manifestação concludente da vontade de vender e comprar (Código Civil, art. 111). O fato de não haver declaração de vontade, mas simples manifestação, não transforma a ato jurídico em ato-fato”. MEXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx xe. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 265.
85 ROXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Anx Xxxxxxx x M. Januário C. Goxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 302.
O autor86 prossegue, afirmando que a contratação estandardizada é fenômeno marcante de despersonalização de relações e evolui no sentido do automatismo, constituindo-se por condições gerais e formulários previamente dispostos, unilateralmente, para uma massa homogênea e indeterminada. A adesão mecânica e passiva pode ser traduzida no comportamento socialmente típico, cada vez mais automática. Podemos observar os contratos digitais de aquisição de produtos ou de prestação de serviços em diferenciados setores, a aquisição de produtos digitais com atualização constante por meio de um clique.
O contrato de fato ou contato social representa um fenômeno ambíguo, retrata a decadência do contrato, quando se serve do comportamento para desencadear a relação jurídica, e não de uma declaração de vontade nos exatos moldes contratuais, entretanto se vale das regras do contrato para discipliná-la. Discordamos desse raciocínio e acolhemos a tese que conforma referidos comportamentos na declaração de vontade, acatando a preexistência do contrato.
Maxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxx00 xponta o caráter declaratório do comportamento com manifestação direta ou indireta nos contratos por adesão. Assim, a simples adesão ao contrato infere a declaração do contrato, seja expressamente ou por meio de comportamentos concludentes, diretos ou indiretos.
Os autores divergem na interpretação do fenômeno, reconhecendo-o ora como contato social, comportamento social típico, comportamento concludente, e ainda como ato-fato jurídico, conforme aqui expostos, além de outras categorias as quais veremos no capítulo 4, quando trataremos da natureza jurídica do contrato por adesão e suas teorias.
Xxxxxxxxxxx a posição que observa a declaração de vontade expressa ou tácita, considerando o comportamento concludente como manifestação de vontade tácita, a incidir nos mais variados contratos seriados, inclusive nos automáticos, e outros dependentes de comportamentos indiretos para a sua conclusão.
Ultrapassadas as questões pertinentes à declaração de vontade nos contratos estandardizados, sigamos para o exame do núcleo do contrato, a autonomia privada.
86 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988. p. 302-303.
87 “Na atualidade, as modernas sociedades técnicas assentam-se num tráfego negocial de massas que, a seu turno, provoca a erosão dos esquemas negociais, onde a liberdade de estipulação é posta em causa, sobressaindo as necessidades de racionalização e de cautelas que levam a que negócios de vulto sejam apresentados às pessoas em termos de pura aceitação ou recusa; donde se concluir ser a liberdade de celebração meramente teórica. São contratações que se manifestam por meio de comportamentos concludentes, isto é, comportamento facultado pelo Direito, que permite às pessoas optarem por um tipo de atuação de propósitos. Uma nova dimensão em que a vontade se expande”. XXXX, Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. Contratos de adesão: limite de justiça do Direito. Revista da EMERJ, v. 7, n. 25, p. 277-312, Rio de Janeiro, 2004.
1.2.3.2.2 Autonomia privada e o equilíbrio contratual em seus limites
A autonomia privada do direito contratual está ancorada na liberdade de contratar, esta se manifesta sob tríplice aspecto: liberdade de estabelecer os interesses, liberdade de escolher o tipo de contrato e liberdade para discutir livremente as condições do contrato88.
Para Xxx Xxxxx, autonomia privada é o poder do sujeito jurídico de regular sua atividade, realizar negócios e determinar efeitos jurídicos, ou seja, é o poder de criar normas negociais.
A autonomia privada ou liberdade negocial traduz-se pois no poder reconhecido pela ordem jurídica ao homem, prévia e necessariamente qualificado como sujeito jurídico, de juridicizar a sua atividade (designadamente, a sua atividade económica), realizando livremente negócios jurídicos e determinando os respectivos efeitos89.
Xxxxxx Xxxxxxxxx00 compreende a autonomia da vontade como prerrogativa concedida pelo ordenamento jurídico ao indivíduo capaz para estabelecer relações jurídicas: “Representa a medida na qual o direito positivo reconhece aos indivíduos a possibilidade de praticar atos jurídicos, produzindo seus efeitos”.
São reflexos da autonomia da vontade, conforme observa Xxxxxxx Xxxx Marques91: a liberdade contratual, a força obrigatória dos contratos e os vícios do consentimento. Sobre estes últimos, salienta-se a importância de manifestação de vontade livre e consciente, sem influências externas deformadoras da vontade.
Convém diferenciar vícios do consentimento e vícios sociais. Os primeiros resultam da vontade imperfeitamente formada por defeitos de consciência ou liberdade. No Código Civil brasileiro são erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo. Distinguem-se dos vícios sociais, quais sejam, fraude contra credores e simulação, porquanto nestes não destoam psiquismo e vontade exteriorizada, dirigem-se a resultados antissociais.
Nos vícios do consentimento, o ato é defeituoso porque a vontade não se forma corretamente, o comportamento do agente difere daquele a que sua vontade livre e consciente o conduziria. Na fraude contra credores e na simulação, inexiste contrariedade entre o declarado
88 “O princípio da autonomia da vontade particulariza-se no Direito contratual na liberdade de contratar. Significa o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica. No exercício desse poder, toda pessoa capaz tem aptidão para provocar o nascimento de um direito, ou para obrigar-se. A produção de efeitos jurídicos pode ser determinada assim pela vontade unilateral, como pelo concurso de vontades. Quando a atividade jurídica se exerce mediante contrato, ganha grande extensão.” XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 21-22.
89 PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, p. 13.
90 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito civil: parte geral. v. 1. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 170.
91 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 44-47.
e o desejado. A sanção se aplica em favor dos terceiros lesados pelos efeitos do ato simulado ou fraudulento no plano externo do negócio, e refletem, por sua vez, no meio social92.
A autonomia privada, conteúdo do negócio jurídico, tem limites lógicos que ora se impõem, ora se recolhem, à medida que as transformações sociais ocorrem. Verificamos a propulsão do princípio da autonomia da vontade no liberalismo econômico, época do voluntarismo no direito.
Na sequência, mecanismos de controle da autonomia privada são inseridos, em atendimento aos moldes contemporâneos de contratação, com a presença dos contratos de massa definitivamente instaurados na economia do mundo. Constata-se aceleradas alterações de perfis na contratação, com reclamo de atenção da ciência para as novas configurações.
Xxxxxxx Xxxxxxxx00 fala em “orgia legislativa”, referindo-se à intensa proliferação de textos legais, resultando em inumeráveis microssistemas e farta legislação especial, disciplinando os novos fenômenos jurídicos surgidos em propulsão, fruto das aceleradas transformações sociais e econômicas da sociedade que se hipercomplexualiza. Ressalta que, sem dúvida, o texto constitucional direciona essa complexa massa legislativa, reunificando o sistema.
O Código Civil, inicialmente, representou uma espécie de constituição do direito privado e a Constituição em si mantinha regras genéricas. Posteriormente, desencadeou-se o fenômeno da descodificação com o surgimento de inúmeros microssistemas, descentralizando- se a matéria privada, antes afeta inteiramente aos códigos civis.
A Constituição nesse cenário conturbado começa a tecer regras fundantes para o direito privado, regulando a economia, a propriedade, as relações privadas com o Estado entre outros temas específicos de maior concretude, colocando o indivíduo e a sociedade como pilar do sistema. A norma constitucional configura-se nesse contexto relevantíssima, reunifica a infinidade de normas no sistema atribuindo-lhes uma direção segura.
O Estado social interventivo atua inserindo limites na autonomia privada, que antes se consubstanciava na ampla liberdade do liberalismo econômico, por haver, hodiernamente, aspectos sociais diversos de outrora. Xxxxxx Xxxxx trata dos limites lógicos da autonomia
92 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. Os defeitos do negócio jurídico no novo Código Civil: fraude, estado de perigo e lesão. Revista da EMERJ, x. 0, x. 00, x. 00-00, Xxx xx Xxxxxxx, 0000.
93 “Caso o Código Civil se mostrasse incapaz – até mesmo por sua posição hierárquica – de informar, com princípios estáveis, as regras contidas nos diversos estatutos, não parece haver dúvida que o texto constitucional poderia fazê-lo, já que o constituinte, deliberadamente, através de princípios e normas, interveio nas relações de direito privado, determinando, conseguintemente, os critérios interpretativos de cada uma das leis especiais.
Recuperar-se-ia, assim, o universo desfeito, reunificando-se o sistema”. XXXXXXXX, Xxxxxxx. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 13-14.
privada, que já lhe antecedem o reconhecimento jurídico e os ulteriores advindos de exigências seguintes:
A autonomia privada, quando é chamada a atuar no plano social, encontra, antes de mais, limites e obedece a exigências que provêm da sua própria lógica: limites e exigências, que antecedem, neste sentido, o próprio reconhecimento jurídico. Em virtude desse reconhecimento, ela encontra, depois, outros limites e obedece a ulteriores exigências dele derivadas, na medida em que é chamada a atuar no plano do direito e segundo a lógica deste. O reconhecimento jurídico confirma, aceita e, quando necessário, modifica limites e exigências naturais da autonomia privada94.
O Código Civil francês95 em seu art. 1.162, ao tratar do conteúdo do contrato, assinala o limite da ordem pública nas proposições contratuais, mesmo que não seja do conhecimento das partes envolvidas: “O contrato não pode derrogar a ordem pública nem pelas suas estipulações nem pela sua finalidade, quer esta seja ou não do conhecimento de todas as partes”. Tradução livre.
O Código Civil italiano96, por sua vez, estatui: “Art. 1.322. As partes podem determinar livremente o conteúdo do contrato, dentro dos limites impostos por lei. As partes também podem celebrar contratos alheios às modalidades disciplinares, desde que visem a concretização de interesses dignos de proteção de acordo com o ordenamento jurídico”. Tradução livre.
O BGB, Código Civil alemão, em seu art. 138, estabelece a nulidade do negócio jurídico contrário à ordem legal. Considera que o negócio jurídico é nulo na situação de aproveitamento da inexperiência, da falta de bom senso ou considerável fraqueza na vontade do outro, retratando vantagens pecuniárias desproporcionais, nos seguintes termos:
§ 138. Transação imoral; Usura (1) Um negócio jurídico que ofende a moralidade é nulo. (2) Em particular, é nulo um negócio jurídico pelo qual alguém, explorando a situação difícil, inexperiência, falta de discernimento ou a considerável fraqueza de vontade de outrem, promete a si mesmo ou a terceiros vantagens pecuniárias por um serviço, que são visivelmente desproporcionais à contrapartida97. Tradução livre.
94 XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 154.
95 No original: “Art. 1.162. Le contrat ne peut déroger à l'ordre public ni par ses stipulations, ni par son but, que ce dernier ait été connu ou non par toutes les parties”.
96 No original: “Art. 1.322. Autonomia contrattuale. Le parti possono liberamente determinare il contenuto del contratto nei limiti imposti dalla legge. Le parti possono anche concludere contratti non appartengano ai tipi aventi una disciplina particolare, purché siano diretti a realizzare interessi meritevoli di tutela secondo l’ordinamento giuridico”.
97 No original: Bürgerliches Gesetzbuch (BGB). “§ 138 Sittenwidriges Rechtsgeschäft; Wucher (1) Ein Rechtsgeschäft, das gegen die guten Sitten verstößt, ist nichtig. (2) Nichtig ist insbesondere ein Rechtsgeschäft, durch das jemand unter Ausbeutung der Zwangslage, der Unerfahrenheit, des Mangels an Urteilsvermögen oder
Segundo o autor argentino Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, os contratos paritários observam a plena autonomia privada nos termos do art. 1.197 do Código Civil argentino98, todavia destaca as imprescindíveis limitações clássicas dessa autonomia, citando as recomendações da XVI Jornada Nacional de Derecho Civil ocorrida em Buenos Aires, em 1997. Ressalta, ainda, a necessidade de conter objetos inidôneos ou proibidos, finalidades ilícitas ou imorais e a transgressão de normas públicas ou imperativas:
A doutrina sustenta, como resulta das recomendações da XVI Conferência Nacional de Direito Civil, realizada em Buenos Aires em 1997, que nos contratos discricionários ou conjuntos, cujas partes se encontrem em situação de igualdade jurídica, “rege a autonomia privada plena (artigo 1.197, Código Civil), com as limitações clássicas”. É assim que deve ser, e essas restrições resultam do acordo sobre objetos proibidos ou inadequados, da finalidade ilícita ou imoral do ato, da transgressão das normas de ordem pública, e talvez apenas de normas obrigatórias como as que dizem respeito ao vício de lesão99.
Os limites da autonomia privada traduzem a fiel correspondência entre causa e efeitos do negócio jurídico pertinentes à teoria da causa e têm seu conteúdo fixado pela lei, por conseguinte não é tarefa das partes designá-los. A lei exige que declaração e causa guardem correspondência, sendo assim a declaração deve observar o interesse prático típico socialmente justificável100. Nesse sentido, o Código Civil brasileiro andou bem, no seu art. 421, ao limitar a autonomia privada à função social do contrato, reconhecendo a função do contrato para além do individualismo das partes101.
der erheblichen Willensschwäche eines anderen sich oder einem Dritten für eine Leistung Vermögensvorteile versprechen oder gewähren lässt, die in einem auffälligen Missverhältnis zu der Leistung stehen”.
98 No original: “Art.1197. Las convenciones hechas en los contratos forman para las partes una regla a la cual deben someterse como a la ley misma”. Tradução livre: “Art. 1197. As convenções feitas em contrato constituem uma regra para as partes a que se devem submeter como à própria lei”.
99 No original: “La doctrina sostiene, como resulta de las recomendaciones de las XVI Jornadas Nacionales de Derecho Civil realizadas en Buenos Aires en 1997, que en los contratos discrecionales, o paritarios, cuyas partes se encuentran en situación de igualdad jurídica, «rige la plena autonomía privada (artículo 1197, Código Civil), con las limitaciones clásicas». Así debe ser, y estas cortapisas resultan de la concertación sobre objetos prohibidos o inidóneos, de la finalidad ilícita o inmoral del acto, de la transgresión de normas de orden pública, y acaso normas solamente imperativas como las que conciernen al vicio de lesión”. XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx.
Tendencias en la contratación moderna. Revista Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito UFRGS, v. 1, n. 2, p. 13-24, Porto Alegre, RS, set. 2003.
100 “À teoria dos limites da autonomia privada, pelo que diz respeito à necessária correspondência entre os efeitos e à causa do negócio, pertencem a própria teoria da causa, considerado os motivos ideais da sua gênese histórico-dogmática. De uma maneira geral, a lei não permite que as partes separem a declaração preceptiva (por ex., a promessa) da causa em que se baseia, do interesse prático típico que socialmente a justifica; e quando consente essa cisão, permite-a apenas para o limitado efeito de inverter o ônus da prova (art. 1.988). Isto significa que o conteúdo do negócio tem os seus limites e contornos fixados pela lei, o que não faz parte das faculdades das partes a de pôr à margem, segundo a sua contingente apreciação, os elementos indefectíveis que, pela sua função, constituem parte integrante dele”. XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 161-162.
101 “Por esse prisma, realçando o conteúdo social do Código em vigor, seu art. 421 enuncia: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. O controle judicial não se
É imprescindível que o conteúdo do contrato em sede de autonomia privada se alinhe ao justo equilíbrio como valor de justiça. Xxxx Xxxxxx, nesse contexto, reitera a necessidade de justiça frente ao poder de autonomia privada de uma das partes em relação às condições gerais de contratação:
Não se pode aceitar que o conteúdo de um negócio jurídico realizado no exercício da autodeterminação não seja de todo acessível a um exame de equidade (no sentido de um regulamento juridicamente ajustado). Portanto, neste ponto, é necessário examinar quando vale a pena questionar a autodeterminação de uma das partes contratantes de acordo com as circunstâncias, pois tal parte só poderia fazer uso dela de forma limitada devido à situação especial no que estava na frente da outra parte102.
A autonomia privada é o conteúdo do contrato e em se tratando de contrato por adesão, essa “pretensa autonomia” sofre restrições para equilibrar a relação, tendencialmente instável pela sua peculiar formação. Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx remete à reformulação da autonomia da vontade para explicar o fenômeno contratual em massa:
O fato de alguns contratos perfazerem-se conforme fórmulas rígidas e tarifas não lhes retira a bilateralidade das manifestações de vontade, mesmo quando a lei estabelece a coerção ou constrição a contratar (Kontrakierungszwang). O que se diminuiu, ou se reduziu a quase nada, foi o laço consensualístico (cf. XXXXXXXX XXXXXXX, Typisierte Xxxxxxxxxxxxxxxxxx xxx Xxxxxxxxxxxxxx, 00), mas, onde o Estado procedeu a tal diminuição ou quase-extinção, deixou a sua manifestação de vontade, na função, que o bem público lhe exigiu, de cogitar de “todos”. O que houve, por mais intensa que tenha sido a substituição subjetiva, foi incursão na autonomia da vontade, foi alteração no princípio do auto-regramento da vontade. Não, porém, eliminação103.
Intensas e acaloradas discussões ocorreram e ainda inquietam os estudiosos acerca da existência ou não da autonomia privada nos contratos por adesão ou da sua mitigação a ponto
manifestará apenas no exame das cláusulas contratuais, mas desde a raiz do negócio jurídico. Como procura enfatizar o atual diploma, o contrato não mais é visto pelo prisma individualista de utilidade para os contratantes, mas no sentido social de utilidade para a comunidade. Nesse diapasão, pode ser coibido o contrato que não busca essa finalidade. Somente o caso concreto, as necessidades e situações sociais de momento é que definirão o que se entende por interesse social”. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos. v. 3. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 15.
102 No original “no puede sostenerse la opinión de que el contenido de un negocio jurídico realizado en ejercicio de la autodeterminación no sea en absoluto accesible a un examen de justeza (en el sentido de una regulación jurídicamente ajustada). Por ello, en este punto hay que examinar cuándo la autodeterminación de una de las partes contratantes es digna de ser puesta en cuestión según las circunstancias, porque tal parte sólo podia hacer uso de ello de una manera limitada a causa de la especial situación en la que se encontraba frente a la outra parte”. XXXXXX, Xxxx. Derecho justo: fundamento de ética jurídica. Traducción de Xxxx Xxxx-Xxxxxx. Madrid: Civitas Ediciones, 1985, p. 90.
103 PONTES DE MIRANDA, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Tratado de direito privado. t. 38. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 34.
de desestabilizar a figura do contrato nos tempos atuais, em razão da preeminência da figura dos contratos massificados em quase totalidade das contratações.
A simples adesão do aderente, ainda que limitado nas discussões prévias, permite, malgrado restritamente, manifestar a intenção de contratar, sem a qual não haveria contrato, porquanto não se pode obrigar alguém a contratar o transporte para determinado lugar, a adquirir bebidas em máquinas eletrônicas, a internar-se em determinado hospital. Os riscos, perdas e ganhos devem ser sopesados por ocasião da contratação. As circunstâncias e o conteúdo contratual abusivo são filtrados por mecanismos legais, quais sejam, os limites à autonomia privada.
Os limites à autonomia privada subsidiam a engrenagem contratual contemporânea nos parâmetros necessários à contratação justa, em respeito à salutar função social do contrato, que se estriba, inclusive, na teoria da causa a qual trataremos a seguir.
1.2.3.2.3 Causa do negócio jurídico como função econômica do contrato
A presença da causa nos contratos é matéria muito debatida e controvertida. As correntes causalistas estão vinculadas a uma intenção de controle objetivo e de intervenção social, não tanto liberais, à medida em que não aceitam o tráfego como valor absoluto, já as correntes anticausalistas exprimem uma ordem formalista, fortalecidas pela onipotência do mercado. Importante, no entanto, que o sistema funcione, conforme avalia Xxxx xx Xxxxxxxx Ascensão104.
Xxxxxxx Xxxxx000 ressalta que apesar da obscuridade do assunto, não se pode eliminar a causa dos contratos, de forma que não se terá outro modo de invalidá-los quando desviados da sua típica função, ou quando repugnem a consciência jurídica.
Xxxx xx Xxxxxxxx Ascensão106 aduz três orientações para a corrente causalista: i) teoria subjetiva, que identifica a causa como motivo do agente; ii) teoria objetiva, a causa é função econômico-social típica de determinada categoria de negócio, é o seu “para quê”; e iii) teoria eclética, que sustenta a função objetiva desenvolvida no espírito do agente, como motivo constante de todos os atos daquela índole, trata-se de motivo típico, ou seja, causa-função participante no processo volitivo do agente.
104 ASCENSÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx. Direito civil: teoria geral – ações e fatos jurídicos. v. 2. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 255-256.
105 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 53.
106 ASCENSÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx. Direito civil: teoria geral – ações e fatos jurídicos. v. 2. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 254-255.
A ordem jurídica oferece à vida econômica uma imensa rede de contratos para que os sujeitos de direito regulem com segurança seus interesses. Todo contrato tem uma função econômica, chamada de causa pela doutrina107. E nas palavras de Xxxxxx Xxxxx, é uma razão prática típica imanente ao negócio, um interesse objetivo e socialmente verificável108.
Na natureza, a causa dos acontecimentos é mecânica, é externada pela “causa e efeito” automáticos. Mas, para o homem, a causa é refletida, decorre não de um “porque”, mas de um “para quê”, ou seja, de um propósito que visa uma finalidade. A manifestação de vontade é um meio para atingir o fim e este é meio complementar da vontade109.
Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxx000 distingue causa e motivo. Este último, refere-se ao passado, liga-se à volição, e a causa, ao futuro, é elemento do acordo de vontades. Xxxxxx Xxxxx trata dos motivos referindo-se a sua subjetividade como elemento imponderável, portanto irrelevante no universo jurídico:
Precisamente por serem individuais, eles são essencialmente subjetivos e internos, contingentes, variáveis, multíplices, diversos, e, com frequência, até contraditórios. Como tais, eles são imponderáveis e, diferindo disso na causa, não comportam uma valoração social positiva, enquanto não passarem a fazer parte do conteúdo do negócio: continuam, portanto, a ser irrelevantes também para o direito111.
Causa é razão jurídica e não intenção das partes. Mencionamos, v.g. a pessoa que adquire alianças de noivado, e este vem a ser cancelado. O cancelamento do noivado é um motivo “não jurídico”, logo não poderá interferir no contrato112.
O Código Civil de 1916, em seu art. 90, por uma imprecisão técnica, determinava: “só vicia o ato a falsa causa, quando expressa como razão determinante ou sob a forma de condição”. Dessa forma, a Lei utilizou o termo “causa” na acepção de “motivo”. O Código Civil de 2002 corrigiu essa imprecisão e, em seu art. 140, dispõe: “o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante”.
107 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 18.
108 XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 252.
109 XXXXX XXXXX, Xxxxxx Xxxxx xx. Curso de direito civil: introdução, parte geral e teoria dos negócios jurídicos. v. 1. 8. ed. Revista e atualizada por José Serpa Santa Maria. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, 1996, p. 481.
110 XXXXX XXXXX, Xxxxxx Xxxxx xx. Curso de direito civil: introdução, parte geral e teoria dos negócios jurídicos. v. 1. 8. ed. Revista e atualizada por José Serpa Santa Maria. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, 1996, p. 481-482.
111 XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 258.
112 FIÚZA, Xxxxx. Direito civil: curso completo. 8. ed. Belo Horizonte: Xxx Xxx, 2004, p. 372.
No Código Civil italiano, a causa é requisito expresso do contrato: “Art. 1.325. Indicação dos requisitos. Os requisitos do contrato são: 1) o acordo das partes; 2) a causa; 3) o objeto; 4) a forma, quando se verificar a prescrição da lei, sob pena de nulidade”113. Tradução livre.
No direito italiano, causa ilegal é aquela contrária às normas imperativas, à ordem pública e à moral. O contrato em fraude à lei e o que se constitui com base em razão ilícita também tem ilicitude baseada numa causa corrompida. A Itália, portanto, adotou a teoria causalista.
O Código Civil italiano dispõe sobre a causa do contrato em seus arts. 1.343, 1.344 e 1.345, da seguinte forma: “Art. 1.343. Causa ilícita. A causa é ilegal quando contrária às regras imperativas, à ordem pública ou à moral.” No “Art. 1.344. Contrato em fraude da lei. A causa também é considerada ilícita quando o contrato constitui meio para contornar a aplicação de regra obrigatória.” E “Art. 1.345. Razão ilegal. O contrato é ilegal quando as partes decidiram concluí-lo exclusivamente por um motivo ilegal comum a ambas.”114 Tradução livre.
A França é causalista, antes da reforma do Código Civil francês, em 10/02/2016, a causa era expressa no código como elemento essencial do negócio jurídico, no entanto após a reforma foi retirada do atual art. 1.128, mas continua a figurar implicitamente. É o que vemos, por exempo, no art. 1.162 do Código Civil francês: “o contrato não pode derrogar a ordem pública nem pelas suas disposições, nem pela sua finalidade, seja esta do conhecimento ou não de todas as partes”115 (tradução livre), o que corresponde à antiga exigência de vedação à causa ilícita do contrato.
Annabel Quin116 assinala que a causa é conceito de compreensão e de conhecimento para outros sistemas jurídicos, e seu desaparecimento foi motivado pelos objetivos de atratividade e de eficácia do direito francês. Inobstante a subtração do texto legal, permanece no ordenamento francês.
113 No original: “Art. 1325. Indicazione dei requisiti. I requisiti del contratto sono: 1) l'accordo delle parti; 2) la causa; 3) l'oggetto; 4) la forma, quando risulta che è prescritta dalla legge sotto pena di nullità”.
114 No original: Della causa del contratto. “Art. 1343. Causa illecita. La causa è illecita quando è contraria a norme imperative, all'ordine pubblico o al buon costume”. E “Art. 1344. Contratto in frode alla legge. Si reputa altresì illecita la causa quando il contratto costituisce il mezzo per eludere l'applicazione di una norma imperativa”. E também: “Art. 1345. Motivo illecito. Il contratto è illecito quando le parti si sono determinate a concluderlo esclusivamente per un motivo illecito comune ad entrambe”.
115 No original: “Art. 1.162. Le contrat ne peut déroger à l'ordre public ni par ses stipulations, ni par son but, que ce dernier ait été connu ou non par toutes les parties”.
116 XXXX, Xxxxxxx. Réforme du droit des contrats: la disparition de la cause et as survivance. Alta-Juris International, Paris, 2-05-2016. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx-xx-xxxxx-xxx-xxxxxxxx-xx- disparition-de-la-cause-et-sa-survivance/. Acesso em: 01 jun. 2021.
O Código Civil alemão não inseriu a causa como requisito expresso dos negócios jurídicos, porém há referências espalhadas pelo código como o enriquecimento sem causa. Assim, a causa existe no ordenamento alemão, e é admitida tanto nos contratos causais quanto nos contratos abstratos, assim comenta Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxx000.
O Brasil não insere a causa entre os elementos do negócio jurídico que, entretanto, no ordenamento nacional, surge por ocasião da distinção entre negócio jurídico causal ou abstrato, ou quando o legislador menciona “justa causa” para a realização de certos negócios118.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx menciona como exemplo de causa a prestação e a contraprestação nos contratos bilaterais. O descumprimento da prestação, formado o contrato, autoriza a resolução, evitando que a parte inocente venha a cumprir a obrigação que perdeu a causa.
Nos contratos bilaterais, o elemento categorial inderrogável consiste em se convencionar a prestação como causa da contraprestação e vice-versa (e a causa consiste, naturalmente, na dupla realização da prestação e da contraprestação). Segue-se daí que, uma vez formado o contrato bilateral (plano de existência) e se for válido (plano de validade), o não-cumprimento posterior da prestação (falta da causa referida na sua constituição) autoriza a resolução, evitando que a parte inocente seja obrigada a cumprir a sua prestação, que se tornou sem causa. A causa funciona, portanto, nessas hipóteses, a posteriori, à semelhança do evento, a que se refere uma condição resolutiva; ambos funcionam no plano da eficácia, na qualidade de fatores de conservação da eficácia (isto é, a falta deles constitui um fator de ineficácia)119.
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx é causalista e certifica a presença da causa no princípio da função social do contrato, que se traduz em mecanismo para evitar o seu desvio:
consubstanciando-se o princípio da função social dos contratos em um instrumento a obstar que o negócio se desvie do fim pelo qual se tornou reconhecido, difundido e útil perante a sociedade, é possível concluir que resta, por tal via, perfeitamente englobada a proteção à causa do negócio jurídico no Direito brasileiro120.
117 XXXXX XXXXX, Xxxxxx Xxxxx xx. Curso de direito civil: introdução, parte geral e teoria dos negócios jurídicos. v. 1. 8. ed. Revista e atualizada por José Serpa Santa Maria. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, 1996, p. 486-487.
118 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 154.
119 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 155.
120 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. A repercussão da causa na teoria do negócio jurídico: um paralelo com a função social dos contratos. Revista da Faculdade de Direito UFPR, n. 58, p. 147-171, Curitiba, 2013, p. 161.
Adotamos a posição causalista, que vê a causa como função econômico-social típica de determinada categoria negocial, considerando a finalidade social do contrato como instrumento da economia, apto a formalizar as relações jurídicas.
O alicerce do contrato é a operação econômica, corresponde a uma “causa total dos contratos”, numa dimensão macro, que fracionada, corresponde à causa específica de cada tipo de negócio jurídico admitido no direito e que a ele se liga conforme a síntese do negócio, revelando os seus efeitos.
Xxxxxx Xxxxx trata a causa do negócio jurídico como função de interesse social da autonomia privada, sendo os elementos existenciais do negócio, sua síntese, indispensáveis à função típica característica:
Repudiados estes diversos modos de identificar a causa com elementos especiais do negócio, como que devidos a perspectivas unilaterais e, por isso, errôneas, é fácil concluir que a causa ou razão do negócio se identifica com a função econômico-social de todo o negócio, considerado despojado da tutela jurídica, na síntese dos seus elementos essenciais, como a totalidade e unidade funcional, em que se manifesta a autonomia privada. A causa é, em resumo, a função de interesse social da autonomia privada. Os elementos necessários para a existência do negócio são também elementos indispensáveis da função típica que é sua característica. A sua síntese, assim como representa o tipo do negócio, na medida em que é negócio causal (§ 24), também lhe representa, igualmente, a função típica. Função econômico-social do tipo de negócio, como manifestação da autonomia privada, a qual é um fenômeno social antes de se tornar, como o reconhecimento (§ 2º), um fato jurídico121.
Xxxx Xxxxx000 compreende que o contrato deve transformar-se e adequar-se ao mercado e à economia para cumprir sua função de instrumento da organização econômica vigente. Dessa forma, continua a desempenhar sua função fundamental no âmbito da economia capitalista de mercado, qual seja, a função de instrumento da liberdade de iniciativa econômica.
Em nossa opinião, conclamando a função do contrato consubstanciada na sua causa, o contrato é o instrumento jurídico apto a juridicizar a relação contratual, adaptando-se à realidade social conforme suas vicissitudes. Inadequada, portanto, outra via a desempenhar esse papel.
Muito se cogitou acerca da criação de outro instrumento jurídico para concretizar os atos estandardizados em substituição ao contrato, sob a alegação de que este não condizia com a estipulação de cláusulas unilaterais pela empresa em sua substância. Porém, conforme a teoria da causa, o contrato é o instituto funcionalizado para reger todas as relações econômico-
121 XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Editora Servanda. São Paulo: Servanda, 2008, p. 263-264.
122 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 310.
privadas, e a subtração do contrato por adesão da figura, esvaziaria o instituto, que passaria a reger relações privadas de pouca monta, sem a expressão originária do seu estabelecimento.
1.3 Classificação do contrato
Relacionamos nesta seção as principais classificações que tenham intimidade com a matéria dos contratos por adesão e seu desequilíbrio.
1.3.1 Contrato paritário e por adesão
Contrato paritário é aquele cujo conteúdo é plenamente discutido entre as partes, o que, conforme menciona Xxxxxx Xxxxxxx, é raridade nos dias de hoje123. Difícil indicar um contrato que seja essencialmente paritário, porquanto a negociação é um método de contratação, não envolve uma modalidade específica. No entanto, podemos citar a compra e venda de veículo usado e a locação de imóvel residencial ou comercial, cujas cláusulas contratuais são debatidas e previamente negociadas.
Contrato por adesão é negócio jurídico no qual o proponente constitui unilateral e previamente, um conjunto ou série de cláusulas, de modo geral e abstrato, para a outra parte, aderente, aceitá-las em bloco, sem a possibilidade de se discutir ou alterar substancialmente seu conteúdo.
O contrato por adesão é um método de contratação, por consequência qualquer contrato que não admita negociação é por adesão, normalmente os contratos de prestação de serviços públicos são por adesão (como os relativos ao fornecimento de água, energia elétrica, gás e transporte público), os contratos eletrônicos em geral, os contratos de telefonia, seguros em geral e bancários, dentre outros.
1.3.2 Contrato unilateral, bilateral e plurilateral
Em sua formação, podemos identificar negócios jurídicos unilaterais, bilaterais e plurilaterais, que envolvem para a sua formação, um, dois ou múltiplos centros de interesses. O
123 TARTUCE, Xxxxxx. Manual de direito civil. 6. ed. São Paulo: Método, 2016, p. 601.
contrato em sua formação é sempre bilateral ou plurilateral. De sorte que, o negócio jurídico unilateral em sua formação não é contrato124.
Em relação aos efeitos, porém, o contrato pode ser unilateral ou bilateral: i) é unilateral quando um só dos contratantes assume obrigações em relação ao outro, ou seja, identificamos efeitos ativos de um lado e passivos do outro, logo não haverá contraprestação, v.g. na doação pura e simples só há obrigação para o doador, na medida em que o donatário apenas auferirá vantagens, ocorre também no mandato, no depósito, no mútuo e no comodato sem remuneração;125 ii) é bilateral quando cada uma das partes é simultaneamente credora e devedora uma da outra, há direitos e obrigações para ambas as partes, o que marca o sinalagma, a dependência recíproca entre as prestações. Daí o termo contrato sinalagmático, v.g. na compra e venda, uma parte paga o preço e a outra entrega o bem; na locação predial, uma parte paga o aluguel e a outra recebe o bem para uso no período ajustado.
Por ser contrato, todo contrato por adesão é bilateral ou plurilateral em sua formação, entretanto, quanto aos efeitos, pode ser unilateral ou bilateral. Sendo unilateral, não há equilíbrio, pois o contrato unilateral não é sinalagmático, é naturalmente desequilibrado na gênese.
1.3.3 Contrato consensual e real
Os contratos consensuais se perfazem pelo consentimento. Significa dizer que desnecessária é a forma quando a lei não impuser, v.g. transporte, mandato e compra e venda de móveis.126
Os contratos reais se perfazem pela entrega da coisa, feita por uma parte à outra, como é o caso do comodato, do mútuo e do depósito127.
Ambos os contratos podem ser por adesão, não há óbice.
1.3.4 Contrato comutativo e aleatório
Os contratos onerosos se dividem em comutativos e aleatórios.
124 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.
33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 95.
125 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.
33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 96.
126 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.
33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 111.
127 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 75.
No contrato comutativo, a relação vantagem e sacrifício é subjetivamente equivalente, ou seja, há certeza quanto às prestações, v.g. locação e prestação de serviços.128
No contrato aleatório, há incerteza para as duas partes acerca da vantagem aguardada; o contrato não precisa ser equilibrado, pois os contraentes se expõem à alternativa de ganho ou perda, sendo, por natureza, incerto, v.g. o jogo e a aposta129.
O contrato por adesão pode ser comutativo e aleatório, entretanto o controle de equilíbrio ocorre apenas nos contratos comutativos, já que os aleatórios são essencialmente de risco.
1.3.5 Contrato oneroso e gratuito
Contrato oneroso é aquele em que cada uma das partes visa a uma vantagem e, em regra, a vantagem obtida corresponde a um sacrifício da outra parte e vice-versa. O sacrifício dá a ideia de proveito alcançado130, a exemplo da compra e venda e da locação.
Contrato gratuito ou benéfico consiste no negócio jurídico em que só uma das partes xxxxxx xxxxxxxx000. Observe-se o art. 114 do Código Civil, que enuncia a interpretação restritiva para os negócios benéficos. Seu exemplo mais comum é a doação pura e simples.
O contrato por adesão pode ser oneroso ou gratuito, todavia o equilíbrio contratual se perfaz apenas no contrato oneroso, que é sinalagmático.
1.3.6 Contrato instantâneo, de execução diferida e de execução continuada
Contrato instantâneo ou de execução imediata é aquela modalidade que observa um cumprimento imediato, como o caso da compra e venda à vista132.
Contrato de execução diferida é o negócio que tem cumprimento futuro em ato único,
v.g. compra e venda com cheque pré ou pós-datado133.
128 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 73.
129 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 73.
130 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 72.
131 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 72.
132 TARTUCE, Xxxxxx. Manual de direito civil. 6. ed. São Paulo: Método, 2016, p. 606.
133 TARTUCE, Xxxxxx. Manual de direito civil. 6. ed. São Paulo: Método, 2016, p. 606.
Define-se contrato de execução continuada ou de trato sucessivo como aquele em que o cumprimento se faz de forma sucessiva ou periódica no tempo, v.g. boleto bancário de periodicidade mensal134.
O contrato por adesão pode ser instantâneo, de execução diferida ou de trato sucessivo, visto que não há óbice quanto ao tempo de seu cumprimento.
Conforme as classificações mencionadas, os contratos por adesão admitem todas as formas, insta lembrar que o equilíbrio do contrato é admitido apenas nos contratos sinalagmáticos. Não se admite em contratos unilaterais, gratuitos e aleatórios.
Analisaremos na sequência o equilíbrio do contrato na sua formação, execução e, ainda, a possibilidade de incidência na pós-contratação.
1.4 Fases do contrato
O contrato é antecedido, em regra, por uma fase pré-contratual caracterizada pela proposta e pela contraproposta dos interessados no vínculo contratual, que em caso de acordo, evolui para a celebração do contrato, e irá refletir nas suas esferas jurídicas os direitos e obrigações advindas do acordo.
A fase de execução do contrato é o momento em que se exercitam os créditos e débitos, parte da conclusão do contrato com a sua aceitação perfeita e acabada.
Nesta sequência, o contrato extingue-se geralmente pela realização da prestação devida nos termos acordados, surgindo assim, o momento posterior ao contrato, designado pós- contratual.
O art. 1.441 do Código Civil chileno135 implica em norma geral que designa o princípio do equilíbrio contratual: “o contrato oneroso é comutativo quando cada uma das partes é obrigada a dar ou fazer algo que seja considerado equivalente ao que a outra parte deve dar ou fazer”. Depreende-se daí, conforme esclarece Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx000, que deve existir
134 TARTUCE, Xxxxxx. Manual de direito civil. 6. ed. São Paulo: Método, 2016, p. 606.
135 No original: “Art. 1441. El contrato oneroso es conmutativo, cuando cada una de las partes se obliga a dar o hacer una cosa que se mira como equivalente a lo que la otra parte debe dar o hacer a su vez; y si el equivalente consiste en una contingencia incierta de ganancia o pérdida, se llama aleatorio”. Tradução livre: “Art. 1441. O contrato oneroso é comutativo, quando cada uma das partes é obrigada a dar ou fazer algo que seja considerado equivalente ao que a outra parte deve dar ou fazer por sua vez; e se o equivalente consiste em uma contingência incerta de lucro ou perda, é chamado de aleatório”.
136 XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx. El principio de equilibrio contratual en el Codigo Civil chileno e su particular importancia como fundamento de algunas instituiciones del moderno derecho de las obligaciones en la dogmática nacional. Revista Chilena de Derecho Privado, Santiago, n. 25, p. 115-181, dez. 2015, p. 132.
certa equivalência entre as prestações recíprocas e se afastar qualquer desequilíbrio que represente vantagem para apenas uma das partes.
Diante do assunto a ser desenvolvido, qual seja, o desequilíbrio do contrato por adesão, é salutar investigar o desequilíbrio operante em cada uma das fases contratuais.
1.4.1 Fase pré-contratual: formação do vínculo
Antes de tratar do desequilíbrio do contrato na fase genética, abordaremos a formação do contrato estandardizado, salientando os aspectos das tratativas, da proposta e da aceitação dentro da matéria.
A fase pré-contratual nos contratos seriados detém particularidades em função da sua configuração, ou seja, é marcada por uma oferta pública e não por uma proposta nos seus exatos termos. Referida oferta é unilateral e prévia ao contrato, o que justifica a inexistência da fase de puntuação (puntuazione no direito civil italiano), qual seja, as tratativas preliminares da negociação.
A aceitação se dá em bloco, não há possibilidade de contraproposta em razão da rigidez das cláusulas predispostas e a contratação é concluída com um ato seco, a adesão. Verifica-se uma abreviação do processo de contratação nesse método negocial.
Em razão da formação do contrato por adesão, identifica-se um desequilíbrio genético evidente em sua estrutura. O predisponente lança as cláusulas unilateralmente, suprimindo a fase de tratativas, configurando, assim, verdadeira deformidade na base contratual dessa figura jurídica.
A fase de tratativas ocorre no período de negociações preliminares. Xxxxx Xxxxxx Xxxxx000 a elas se refere como: “conversações prévias, sondagens e estudos sobre os interesses de cada contraente, tendo em vista o contrato futuro, sem que haja qualquer vinculação jurídica entre os participantes, embora excepcionalmente surja responsabilidade civil no campo da culpa aquiliana”.
O STJ de Portugal, no processo n. 3501/06/3TLSB.C1.S1, de 08/04/2010, de relatoria de Xxxxx do Rego, tratou do dever de comunicação na fase de tratativas:
[...] a entidade que pretenda inserir cláusulas contratuais gerais nos contratos singulares que celebra deve comunicá-las antes da conclusão do negócio, de modo a proporcionar à contraparte a indispensável reflexão e um conhecimento completo e efectivo do clausulado; e este dever de
137 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.
33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 85.
comunicação, situado na fase de negociação ou pré-contratual, destina-se a que o aderente possa conhecer, com a necessária antecipação relativamente ao momento da consumação do negócio, o respectivo conteúdo contratual, de modo a poder apreendê-lo, nas suas efectivas e reais consequências prático- jurídicas, outorgando-lhe, deste modo, um espaço de reflexão e de ponderação sobre o âmbito e a dimensão das vinculações que lhe irão resultar da celebração do negócio.
O contrato por adesão detém os atributos da pré-disposição, unilateralidade e rigidez das suas cláusulas, por conseguinte um dos contratantes não possui a liberdade de estabelecer o conteúdo das cláusulas, restando a ele apenas a liberdade de aceitar ou não os termos da contratação (take it or leave it)138.
A policitação é evidenciada pela proposta ou oferta. Trata-se de uma declaração receptícia de vontade do proponente, policitante ou ofertante (art. 427 do Código Civil), que manifesta a intenção de se vincular à outra parte mediante os termos propostos, que aceitando- a, formaliza o vínculo139.
O Código Civil distingue proposta e oferta, aquela dirigida a um destinatário determinado, essa a uma coletividade. Segundo o art. 429 do Código Civil: “A oferta ao público equivale à proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos”.
Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx000 observam que proposta é declaração de vontade dirigida àquele com quem se quer contratar. Já nas hipóteses em que não se identifica uma pessoa, mas ad incertam personam, surge a oferta ao público. Entretanto, a aludida indeterminação tem caráter transitório, pois é preciso perfazer a aceitação para concluir o contrato. Dessa forma, a oferta não se estabelece para uma coletividade propriamente dita, mas para cada pessoa.
O acordo de vontades, xxxxxx ou expresso, é indispensável à constituição do contrato, que se manifesta de um lado, como oferta, e de outro, pela aceitação. Xxxxx Xxxxxx Xxxxx assinala que a proposta e a aceitação perfazem toda a controvérsia acerca da força obrigatória do contrato e estabelecem o momento exato no qual ocorre a fusão de ambas para estabelecer a relação contratual141.
138 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos – teoria geral e contratos em espécie. v. 4. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2020, p. 105.
139 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Direito civil: contratos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 21.
140 FARIAS, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos – teoria geral e contratos em espécie. v. 4. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2020, p. 106.
141 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.
33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 85.
O princípio da vinculação ou obrigatoriedade da proposta é ditame ligado ao dogma da segurança jurídica, dessa forma a proposta de contratar obriga o proponente ou policitante, que não poderá voltar atrás, ressalvadas as exceções presentes nos arts. 427 e 428 do Código Civil142.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxx000 explicita que aceitação é manifestação de vontade, expressa ou tácita, pelo destinatário da proposta ao proponente, dentro do prazo, aderindo ao proposto em todos os seus termos, concluindo dessa forma, o contrato, desde que chegue, oportunamente, ao conhecimento do ofertante.
A aceitação pode ocorrer entre presentes e ausentes, quando inter praesentes, a oferta poderá ou não estabelecer prazo para a aceitação, havendo prazo, este deve ser observado, do contrário, a aceitação dar-se-á imediatamente; e quando inter absentes, a oferta observará o prazo quando houver, ocorrendo atraso na aceitação sem culpa do oblato, o proponente deverá dar ciência a este, sob pena de responder por perdas e danos (art. 430 do Código Civil), se não houver prazo, a aceitação será manifestada em tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente144.
A retratação do aceitante é possível, nos termos do art. 433 do Código Civil. O aceitante poderá arrepender-se, desde que a retratação chegue ao conhecimento do ofertante antes da aceitação ou juntamente com ela.
O contrato é concluído com a aceitação da proposta pelo destinatário. Caberá às partes promoverem a execução do contrato, sob pena de responsabilização por perdas e danos. Entre presentes, a conclusão é imediata à proposta, entretanto, entre ausentes, duas teorias doutrinárias operam-se para aferir o momento exato da conclusão do contrato: as teorias da cognição e da agnição.
Pela teoria da cognição, considera-se concluído o contrato entre ausentes apenas quando a resposta do aceitante chegar concretamente ao conhecimento do proponente, o que se afigura difícil, porquanto o proponente pode deixar de abrir v.g. a caixa de correspondência ou de e-mails por um longo período em detrimento de motivos vários, inclusive sem motivo.
A teoria da agnição dispensa que a resposta chegue ao conhecimento concreto do proponente, estabelecendo três subteorias: i) subteoria da declaração propriamente dita: o
142 GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx; PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Novo curso de direito civil: contratos. v. 4. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 125.
143 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.
33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 85.
144 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.
33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 85.
contrato se forma no momento em que o aceitante ou oblato redige, datilografa ou digita a sua resposta. Trata-se de teoria insegura, pois há grande dificuldade em se precisar o momento da conclusão; ii) subteoria da expedição: considera-se concluído o contrato no momento em que a resposta é expedida; e iii) subteoria da recepção: o negócio está celebrado no instante em que o proponente recebe a resposta. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx consideram a recepção mais segura que as demais, pois sua comprovação é possível, v.g. por meio do A.R. (aviso de recebimento) dos correios ou pela certificação das mensagens eletrônicas recebidas145.
Em nossa opinião, a conclusão do contrato entre ausentes deve ocorrer no momento em que a resposta do aceitante chegar ao proponente, conforme a subteoria da recepção da teoria da agnição. Isto porque, consideramos necessária a certificação da ciência do policitante, para que não haja indefinições ou insegurança em relação ao início da execução pelo destinatário.
Xxxxx Xxxxx X. Xxxxxxx e Xxxxx Xxxxxx M. B. Daneluzzi146 assinalam que no direito brasileiro, o momento em que o contrato se torna obrigatório é o da expedição da aceitação, nos termos do art. 434 do Código Civil.
Até o momento da aceitação, prima-se pelo equilíbrio contratual originário, inicial ou congênito. É aquele que deve existir no momento da formação do consentimento e que pode ser destruído nos casos em que uma parte aceitar as condições iníquas impostas pela outra, aproveitando o estado de necessidade, a pressão econômica, a dependência, a ignorância, a inexperiência, a fraqueza mental ou o poder de barganha desigual147.
No caso específico do contrato por adesão, o equilíbrio é rompido se o aderente não é informado adequadamente dos termos da avença. Por se tratar de um contrato sem tratativas iniciais, sobreleva-se o direito de informação.
O contrato pode ser extinto por causas anteriores ou concomitantes à sua formação, como a declaração de nulidade em razão de defeitos subjetivos, objetivos ou formais.
A nulidade ataca a validade contratual em seus requisitos subjetivos, objetivos e formais e priva o contrato celebrado de efeitos jurídicos, quando não observados os pressupostos de validade do negócio jurídico, conforme observam Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx000: “essa nulidade sofre gradações, de acordo com o tipo de elemento violado, podendo
145 GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx; PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Novo curso de direito civil: contratos. v. 4. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 133.
146 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx; DANELUZZI, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Direito civil: contratos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 25.
147 XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx. El principio de equilibrio contratual en el Codigo Civil chileno e su particular importancia como fundamento de algunas instituiciones del moderno derecho de las obligaciones en la dogmática nacional. Revista Chilena de Derecho Privado, Santiago, n. 25, p. 115-181, dez. 2015, p. 133.
148 GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx; PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Novo curso de direito civil: contratos. v. 4. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 229.
ser absoluta ou relativa, na medida em que infrinja normas de ordem pública ou de normas jurídicas protetoras de interesses preponderantemente privados”.
A nulidade absoluta encontra fundamento nos arts. 166, I a VII, e 167, do Código Civil, e opera efeitos ex-tunc, retroativos. Xxxxx Xxxxxx Diniz149 aduz que, é sanção cominada que transgride preceito de ordem pública, operando-se de pleno direito, não pode ser confirmada, não convalesce pelo decurso do tempo e não produz efeitos desde a sua formação. Mencionamos como exemplo o art. 424 do Código Civil, referente à nulidade de cláusulas que importem em renúncia a direitos relativos à natureza do contrato em contrato por adesão, e o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, que elenca as cláusulas abusivas em matéria do consumidor.
A nulidade relativa opera efeitos ex-nunc, não retroativos, envolve interesses preponderantemente privados, é prevista em lei ou destacada no art. 171 do Código Civil, referindo-se à agente relativamente incapaz e aos defeitos do negócio jurídico. O vício pode convalescer pelo decurso do tempo ou pela vontade das partes. Mencionamos como exemplos a lesão, o estado de perigo e os vícios do consentimento.
O STJ de Portugal, no processo n. 602/18.9T6PTG.E1.S1, de 12/01/2021, de relatoria de Xxxxx Xxxx, reconheceu a nulidade de cláusula que prevê pagamento de juros sobre a dívida toda no caso de inadimplemento de algumas parcelas, em afronta ao art. 15º, do Decreto-Lei n. 446/1985, que estabelece o regime das cláusulas contratuais gerais:
Contrato de mútuo. Cláusula contratual. Interpelação. Juros de mora. Pagamento em prestações. Cláusula contratual geral. Boa-fé. I – Pretendendo a autora, mutuante, clausular a dispensa de interpelação do mutuário, quando este não cumpre as prestações a que está obrigado, deve fazê-lo de forma inequívoca e que não suscite dúvidas. II – Só quando for exigido o capital (por antecipação à data normal do vencimento), e se não for pago é que começam a ser devidos juros de mora. III – Sendo a obrigação a cumprir em prestações e pedindo-se apenas a regularização, não se pode entender que o pedido se reportava (exigia) ao pagamento de toda a dívida. IV – Num contrato de mútuo a cumprir em prestações, uma cláusula que permitisse cobrar juros de mora desde meados de 2016 sobre prestações que só deveriam ser pagas em final de 2016 e em finais de cada ano até 2020, tem de ser considerada como cláusula abusiva e contrária aos ditames da boa fé e, como tal, porque constitui cláusula contratual geral, proibida pelo art. 15.º do RJCCG.
149 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.
v. 3. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 179.
Conforme observa Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx000, depreende-se proteção implícita ao equilíbrio do contrato pelo Código Civil chileno nos casos de lesão, vícios do consentimento e vedação à fixação unilateral do preço por uma das partes no contrato de compra e venda. Xxxx Xxxxx Xxxxxx000 menciona que durante a formação do negócio, adquirem relevância as matérias dos vícios de consentimento, da lesão e do aproveitamento do estado de necessidade ou de perigo, no direito civil colombiano.
A ideia de liberdade das partes e a convicção de que as relações no direito privado devem se estabelecer de forma equiparada, partem da proteção de um contratante perante o outro como medida de justiça. Xxxx Xxxx X. Domingos152 refere-se à aludida proteção como um ingrediente essencial do Direito.
A proteção da parte débil é posição adotada para acautelar o Direito mediante a realização da justiça que determina a proteção dos mais fracos em relação aos mais fortes, e dos mais pobres eme relação aos mais ricos. Xxxxxxxx, a proteção social está sempre presente no Direito, que tem como consequência a justiça expressa na sua realização153.
A ciência jurídica busca institucionalizar determinados mecanismos de realização de proteção social do Direito, a qual passa a estabelecer um equilíbrio jurídico entre as posições de agentes mais fracos nas relações com outros membros da sociedade, o que confere aos empregados proteção em relação à entidade empregadora no âmbito do contrato de trabalho; proteção ao arrendatário relativamente ao senhorio no contrato de arrendamento; proteção ao consumidor relativamente ao fornecedor de bens e produtos e proteção ao aderente em relação ao predisponente154.
O que se está em mira é a promoção da liberdade positiva dos cidadãos, não apenas a liberdade negativa, como ausência de obstáculos e não interferência de terceiros, mas a preservação da faculdade de cada um ter o controle efetivo da própria vida e de realizar seus propósitos de forma autônoma e saudável155.
150 XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx. El principio de equilibrio contratual en el Codigo Civil chileno e su particular importancia como fundamento de algunas instituiciones del moderno derecho de las obligaciones en la dogmática nacional. Revista Chilena de Derecho Privado, Santiago, n. 25, p. 115-181, dez. 2015, p. 133.
151 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Equilibrio contractual y cooperación entre las partes: el deber de revisión del contrato.
Revista de Derecho Privado, n. 14, p. 113-138, Bogotá, 2008, p. 113.
152 XXXXXXXX, Xxxx Xxxx X. Equilíbrio genético, funcional e pós-contratual. Revista Juris, Universidade Católica Portuguesa, v. 1, n. 1, p. 243-267. Lisboa, 2016, p. 253.
153 XXXXXXXX, Xxxx Xxxx X. Equilíbrio genético, funcional e pós-contratual. Revista Juris, Universidade Católica Portuguesa, v. 1, n. 1, p. 243-267. Lisboa, 2016, p. 253.
154 XXXXXXXX, Xxxx Xxxx X. Equilíbrio genético, funcional e pós-contratual. Revista Juris, Universidade Católica Portuguesa, v. 1, n. 1, p. 243-267. Lisboa, 2016, p. 253.
155 XXXXXXXX, Xxxx Xxxx X. Equilíbrio genético, funcional e pós-contratual. Revista Juris, Universidade Católica Portuguesa, v. 1, n. 1, p. 243-267. Lisboa, 2016, p. 253.
Os princípios UNIDROIT sobre contratos comerciais internacionais reflete o equilíbrio originário ou genético em seu art. 3.2.7. (excessiva onerosidade) “que faculta à parte a faculdade de rescindir o contrato ou qualquer uma das cláusulas se, no momento da celebração” atribuíram vantagem excessiva à outra, pelos seguintes motivos: que a outra tenha se aproveitado da dependência econômica, da ignorância, da inexperiência ou da incapacidade da contraparte, entre outras debilidades:
ARTIGO 3.2.7. (Desproporção excessiva) (1) Uma parte pode rescindir o contrato ou qualquer de suas cláusulas se, no momento de sua celebração, o contrato ou qualquer de suas cláusulas conceder à outra parte uma vantagem excessiva. Para tanto, os seguintes fatores, entre outros, devem ser levados em consideração: (a) que a outra parte se aproveitou injustificadamente da dependência, crise econômica ou necessidades urgentes da outra parte, ou de sua falta de discernimento, ignorância, inexperiência ou falta de habilidade na negociação; e (b) a natureza e o propósito do contrato. (2) A requerimento da parte com direito à anulação do contrato, o tribunal pode adaptar o contrato ou a cláusula em causa, de forma a ajustá-los a critérios comerciais razoáveis de fidelização empresarial. (3) O tribunal também pode adaptar o contrato ou a cláusula em questão, a pedido da parte que recebeu o aviso de anulação, desde que essa parte dê a sua decisão ao outro imediatamente, e, em qualquer caso, antes disso age razoavelmente de acordo com sua vontade de rescindir o contrato. Consequentemente, é aplicável o parágrafo 2 do Artigo 3.10156. Tradução livre.
A preservação do equilíbrio contratual na fase de formação do vínculo negocial reporta- se à proteção da declaração de vontade saudável, centrada na proporcionalidade entre prestações, com preservação do sinalagma inicial.
1.4.2 Fase contratual
O contrato se conclui com a “adesão” nos contratos por adesão, ou “aceitação” nos contratos paritários, inaugurando a fase contratual. Esta deve ser protegida pelo equilíbrio funcional ou superveniente do contrato, que tem como finalidade última a manutenção do
156 No original: “ARTÍCULO 3.2.7. (Excesiva desproporción) (1) Una parte puede anular el contrato o cualquiera de sus cláusulas si en el momento de su celebración el contrato o alguna de sus cláusulas otorgan a la otra parte una ventaja excesiva. A tal efecto, se deben tener en cuenta, entre otros, los siguientes factores: (a) que la otra parte se haya aprovechado injustificadamente de la dependencia, aflicción económica o necesidades apremiantes de la otra parte, o de su falta de previsión, ignorancia, inexperiencia o falta de habilidad en la negociación; y (b) la naturaleza y finalidad del contrato. (2) A petición de la parte legitimada para anular el contrato, el tribunal podrá adaptar el contrato o la cláusula en cuestión, a fin de ajustarlos a criterios comerciales razonables de lealtad negocial. (3) El tribunal también podrá adaptar el contrato o la cláusula en cuestión, a petición de la parte que recibió la notificación de la anulación, siempre y cuando dicha parte haga saber su decisión a la otra inmediatamente, y, en todo caso, antes de que ésta obre razonablemente de conformidad con su voluntad de anular el contrato. Se aplicará, por consiguiente, el párrafo (2) del Artículo 3.10”.
sinalagma funcional, sem desprezo do pacta sunt servanda, obrigatoriedade do contrato, que pressupõe uma justiça imanente, pois todos que contratam detém uma expectativa de cumprimento.
O desequilíbrio superveniente à celebração do contrato pode ser identificado pelo inadimplemento contratual, em função da própria vontade do devedor quando da recusa no cumprimento da obrigação ou por razões alheias a sua vontade.
Impõe-se aqui destacar a exceção do contrato não cumprido, exceptio non adimpleti contractus, prevista no art. 476 do Código Civil: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento do outro”. A exceptio non adimpleti contractus é mecanismo de proteção ao equilíbrio contratual por excelência na fase de execução, que possibilita a resolução do contrato em função do descumprimento da avença por uma das partes, permitindo, inclusive, que a outra parte não seja exigida na contraprestação.
O contrato é concretizado para ser cumprido e seu descumprimento conforme o pactuado pode ensejar, a critério da parte lesada, o desfazimento do vínculo contratual. Evidencia-se o princípio da conservação do negócio jurídico, ou seja, caso a parte queira e ainda seja possível, busca-se concretizar a intenção declarada na avença mediante ajustes, com a renegociação ou a revisão do contrato, sem sua necessária extinção.
O caso fortuito e a força maior são eventos que desajustam o contrato já em curso. Nos termos do art. 393 do Código Civil, o devedor não responde pelos seus prejuízos, se não houver por eles se responsabilizado expressamente. Não há consenso acerca da distinção entre caso fortuito e força maior, mas mencionamos a compreensão de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx000 a respeito. Assim, segundo os autores, no caso fortuito, a característica básica é a imprevisibilidade, conforme os parâmetros do homem médio, v.g. atropelamento e roubo; já a força maior tem sua expressão na inevitabilidade, mesmo sendo sua causa conhecida,
v.g. terremoto ou erupção vulcânica.
A onerosidade excessiva expressa a quebra do equilíbrio contratual em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, que nos contratos de execução continuada ou diferida, tornem a prestação de uma das partes excessivamente onerosa, implicando em sua impossibilidade e em lucro desarrazoado da outra parte. Está prevista nos arts. 478 a 480 do Código Civil, e opera o efeito de revisão ou rescisão do contrato em função da desestabilização do conteúdo contratual.
157 GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx; PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Novo curso de direito civil: contratos. v. 4. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 246.
O art. 6.2.2 dos princípios UNIDROIT sobre contratos comerciais internacionais presente na parte de cumprimento contratual assim dispõe:
ARTIGO 6.2.2 (Definição de onerosidade excessiva (hardship)) Há “onerosidade excessiva” (hardship) quando o equilíbrio do contrato é fundamentalmente alterado pela ocorrência de determinados eventos, seja pelo aumento do custo da prestação a cargo de uma das partes, ou porque o valor do benefício que uma parte recebe diminuiu, e: (a) tais eventos ocorrem ou são do conhecimento da parte em desvantagem após a conclusão do contrato; (b) os eventos não puderam ser razoavelmente levados em consideração pela parte em desvantagem no momento da celebração do contrato; (c) os eventos estão além do controle da parte em desvantagem; e (d) o risco de tais eventos não foi suportado pela parte em desvantagem158.
Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx000 ressalta que o desequilíbrio na fase contratual é o que decorre da onerosidade excessiva, nos contratos de execução diferida ou via sucessiva, durante o cumprimento, em virtude do qual não deve haver benefícios desproporcionais para uma das partes, mesmo diante de circunstâncias alheias e da impossibilidade do controle e do risco pelos contratantes.
Xxxx Xxxxx Xxxxxx000 menciona que durante a execução do contrato são relevantes as matérias do incumprimento contratual, a excessiva onerosidade sobrevinda, a desestabilização da base negocial e a imprevisão, enfim os problemas da sobrevivência contratual, em especial os critérios para a adaptação dos chamados contratos de duração. Todos esses fenômenos conduzem à revisão contratual por desequilíbrio superveniente do contrato.
Xxxx Xxxx X. Domingos161 observa que o desequilíbrio na fase contratual normalmente ocorre pela superveniência de circunstâncias imprevistas, excepcionais e extraordinárias, insuportáveis, que impedem o cumprimento dos termos convencionados pelo devedor. Entretanto, o descumprimento do contrato, o caso fortuito e a força maior também ensejam o desequilíbrio em sua fase contratual.
158 No original: “ARTÍCULO 6.2.2 (Definición de la excesiva onerosidad (hardship)) Hay “excesiva onerosidad” (hardship) cuando el equilibrio del contrato es alterado de modo fundamental por el acontecimiento de ciertos eventos, bien porque el costo de la prestación a cargo de una de las partes se ha incrementado, o porque el valor de la prestación que una parte recibe ha disminuido, y: (a) dichos eventos acontecen o llegan a ser conocidos por la parte en desventaja después de la celebración del contrato; (b) los eventos no pudieron ser razonablemente tenidos en cuenta por la parte en desventaja en el momento de celebrarse el contrato; (c) los eventos escapan al control de la parte en desventaja; y (d) el riesgo de tales eventos no fue asumido por la parte en desventaja”.
159 XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx. El principio de equilibrio contratual en el Codigo Civil chileno e su particular importancia como fundamento de algunas instituiciones del moderno derecho de las obligaciones en la dogmática nacional. Revista Chilena de Derecho Privado, Santiago, n. 25, p. 115-181, dez. 2015, p. 139.
160 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Equilibrio contractual y cooperación entre las partes: el deber de revisión del contrato.
Revista de Derecho Privado, n. 14, p. 113-138, Bogotá, 2008, p. 135.
161 XXXXXXXX, Xxxx Xxxx X. Equilíbrio genético, funcional e pós-contratual. Revista Juris, Universidade Católica Portuguesa, v. 1, n. 1, p. 243-267. Lisboa, 2016, p. 254-255.
Muitas intercorrências durante a execução do contrato podem afetar o seu equilíbrio, por isso, utiliza-se da negociação, da revisão ou da rescisão judicial para seu reequilíbrio ou extinção do vínculo desequilibrado.
1.4.3 Fase pós-contratual
O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a qual se vinculou, extinguindo-se o dever de prestar. Assim consta no art. 762º do Código Civil português: “1. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado”.
Em regra, o cumprimento da obrigação está associado ao momento contratual, ou seja, à fase de execução, não se vislumbrando projeção de deveres pós-contratuais162.
Entretanto, há situações nas quais a proteção vai além da fase contratual. É o que observa Xxxx Xxxx X. Domingos163 ao citar o art. 1.114, n. 1, do Código Civil angolano: “salvo no caso de perda da coisa [...], o arrendatário tem direito, sem prejuízo da indenização referida [...], a uma compensação em dinheiro, sempre que por facto seu o prédio arrendado tenha aumentado valor lucrativo”. O dispositivo prevê uma compensação ao arrendatário por ter contribuído com o aumento do valor do imóvel.
O princípio do equilíbrio do contrato se estabelece em todas as fases contratuais, podendo, inclusive, surtir efeitos após a sua execução, caso haja qualquer situação que irradie efeitos desequilibrantes para depois da contratação.
O contrato por adesão é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, portanto um contrato conforme se depreende da teoria dos fatos jurídicos, logo pode ser identificado como método de contratação. Entretanto o controle do equilíbrio ocorre apenas em contratos sinalagmáticos, ou seja, bilaterais em seus efeitos, e em todas as fases contratuais, mesmo pós- contratualmente.
Observados os conceitos e as colocações propedêuticas neste capítulo inicial, vamos às origens do contrato, sua evolução e tendências.
162 XXXXXXXX, Xxxx Xxxx X. Equilíbrio genético, funcional e pós-contratual. Revista Juris, Universidade Católica Portuguesa, v. 1, n. 1, p. 243-267. Lisboa, 2016, p. 259.
163 XXXXXXXX, Xxxx Xxxx X. Equilíbrio genético, funcional e pós-contratual. Revista Juris, Universidade Católica Portuguesa, v. 1, n. 1, p. 243-267. Lisboa, 2016, p. 260.
2 ORIGENS, EVOLUÇÃO E TENDÊNCIAS DOS CONTRATOS ESTANDARDIZADOS
A primeira menção ao contrato por adesão ocorreu no trecho escrito por Xxxxxxx Xxxxxxxxx, ao comentar o Código Civil alemão, em 1901, que se popularizou pelo mundo. Cabe sua menção, considerando o alto valor histórico:
Sem dúvidas, há contratos e contratos, e estamos longe da realidade desta unidade de tipo contratual que supõe o Direito. Será necessário, cedo ou tarde, que o Direito se incline diante das nuances e das divergências que as relações sociais fizeram surgir. Há supostos contratos que têm do contrato apenas o nome, e cuja construção jurídica está por fazer; para os quais, em todo o caso, as regras de interpretação individual deveriam se submeter, sem dúvidas, a importantes modificações; poderiam ser chamados, na ausência de termo melhor, de contratos de adesão, nos quais há predominância exclusiva de uma única vontade, agindo como vontade individual, que dita sua lei não mais a um indivíduo mas a uma coletividade indeterminada, obrigando antecipada e unilateralmente, admitindo-se apenas a adesão daqueles que desejarem aceitar a lei do contrato164. Tradução livre.
Posteriormente, a doutrina alemã construiu a Allgemeine Geschäftsbedingungen, condições gerais dos negócios, introduzida por Xxxxxx Xxxxxx, em 1935, e depois utilizada na própria designação da lei alemã específica sobre a matéria, AGB-Gesetz, de 1976165.
A doutrina italiana introduziu relevante contribuição a partir do Código Civil de 1942, que foi a primeira codificação a trazer regras específicas para o contrato por adesão, difundiu tratados e obras monográficas, ressaltando o título Condizioni generali di contratto, de Xxxxx Xxxxxxxx, de 1954166.
No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor, de 1990, inseriu a matéria de forma mais discriminada em relação ao Código Civil de 2002, que previu o contrato por adesão em apenas dois dispositivos exíguos.
164 No original: “Sans doute, il y a contrats et contrats; et nous sommes loin dans la réalité de cette unité de type contractuel que suppose le droit. Il faudra bien, tôt ou tard, que le droit s’incline devant les nuances et les divergences que les rapports sociaux ont fait surgir. Il y a de prétendus contrats qui n’ont du contrat que le nom, et dont la contruction juridique reste à faire; pour lesquels, en tous cas, les règles d‘interprétation individuelle qui viennent d’être décrites devraient subir, sans doute, d’importantes modifications; ne seraitce que pour ce que l’on pourrait appeler, faute de mieux, les contrats d’adhésion, dans lesquels il y a la prédominance exclusive d’une seule volonté, agissant comme volonté unilatérale, qui dicte sa loi, non plus à un individu, mais à une collectivité indéterminée, et qui s’engage déjà par avance, unilatéralement, sauf adhésion de ceux qui voudront accepter la loi du contrat, et s’emparer de cet engagement dèjá créé sur soi-mème”. XXXXXXXXX, Xxxxxxx. De la déclaration de volonté. Paris: Kessinger Legacy reprints, 1901, p. 229-230.
165 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxx. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 20-21.
166 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxx. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 21.
O autor italiano Xxxx Xxxxx se refere a contrato como expressão orgânica do complexo social, símbolo da ordem social. Segundo ele, não se trata de mero instrumento técnico-jurídico de circulação de bens:
a categoria do contrato exprime, portanto, uma forma de organização da sociedade, ou melhor, a forma de organização da sociedade tout court, revelando claramente a sua função política e ideológica: porque é claro que reconduzir a origem da sociedade e do Estado a um «contrato» e, portanto, à livre escolha dos associados, significava, ao fim e ao cabo, (embora com acentuações diversas: mais despóticas e absolutistas em Hobbes, mais
«liberais» em Xxxxx, mais solidárias em Xxxxxxxx) justificar e legitimar aos olhos dos súditos, a autoridade do soberano, o poder constituído e a sua força repressiva167.
O contrato exprime a complexidade de um organismo social, deborda da tecnicidade jurídica de instrumento formalizador da circulação de riquezas. Na sociedade liberal, acentuou o formalismo extenuado, cujo cânone foi a liberdade de contratar. Na sociedade industrial, desenvolveu mecanismos sociais estabilizantes das forças econômicas, cujo processo vem se aperfeiçoando e se adequando às múltiplas transformações que seguem na sociedade globalizada e informacional.
Veremos em seguida os traços marcantes de cada época e as justificativas para cada modelo contratual, iniciando pela origem do contrato.
2.1 Origem do contrato
O contrato praticamente nasceu com o homem, a partir do momento em que passou a socializar-se, relacionar-se e viver em sociedade, o que o obrigou a transmitir vontade e, com muita incidência, a convergi-la com outras vontades, para concretizar seu intento168.
O contrato romano desenvolveu-se por longos anos, o contrato dos primeiros tempos apresenta-se com fisionomia diversa da que o caracteriza posteriormente, v.g. nos períodos clássico e justinianeu. Nesse cenário, podemos identificar um extremo formalismo inicial para depois se esmaecer conforme o aumento na quantidade de negócios.
No direito romano, o “pacto” (Digesto, 2, 14, 1, 2), acordo entre duas ou mais pessoas sobre o mesmo objeto, e a “convenção” (Digesto, 2, 14, 1, 3), que significava reunir-se num
167 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 28-29.
168 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Direito civil: contratos. Rio de Janeiro: Xxxxxxxx, 0000, p. 3.
mesmo lugar aqueles que vinham de diversos lugares, não eram suficientes para vincular as partes169.
O pacto e a convenção, em conformidade às formalidades prescritas, geravam o direito à ação porque contractus parit obligationem. Entretanto, se houvesse simples acordo sem formalidades, a parte demandada defendia-se através da exceção ou exceptio porque pactio parit exceptionem, ou seja, havia defesa indireta. A exceptio não negava a alegação do credor, mas suscitava fato acessório e diferente, v.g. o menor que estabelece contrato de mútuo é acionado pelo mutuante, e aquele menor invoca a exceção relativa ao estado de menor e não a defesa direta170.
O contrato, ao longo do tempo, vai sofrendo abrandamentos no direito romano. Nasceu excessivamente formalista, consagrado pela fórmula contrato = pacto + formas, mas foi relativizado no seu conteúdo e intenção.
No texto das Institutas de Gaio (3, 89), contractus é sinônimo de negotium contractum, ou seja, negócio concluído, em oposição aos meros atos de liberalidade, v.g. doação. No direito de Xxxxxxxxxx, pela primeira vez, o termo contractus é empregado no sentido de convenção destinada a criar obrigação (Teófilo, 3, 14, 2)171.
Importante destacar que as formalidades que acompanharam os pactos romanos eram de três espécies: i) aes et libra, bronze e balança, que concretizava o nexum, o mais antigo dos contratos solenes do direito romano, servia para formalizar o empréstimo em dinheiro, e mais tarde passou a ser empregado em quaisquer convenções que incidissem sobre importâncias pecuniárias; ii) a verba, palavras trocadas entre credor e devedor, concretizava a convenção não obrigatória por si mesma; e iii) a inscrição em um registro privado pelo credor era solenidade que concretizava a convenção172.
O direito romano contribuiu para estruturar as linhas mestras do instituto contratual que, perpassando tempo e espaço, atingiu grau de universalidade que ultrapassa séculos e serve de referência aos mais modernos sistemas jurídicos. Assim, contrato, no espírito do direito romano, é um acordo de duas ou mais pessoas sobre o mesmo objeto, conduzido pelas formalidades e produzindo efeitos sobre as partes contratantes. Esta definição contrasta com o direito moderno no sentido de que neste erige-se sob o caráter do intenso consensualismo, desprovido da característica formalidade romana.
169 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxx. Curso de direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 175. 170 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxx. Curso de direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 175. 171 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxx. Curso de direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 175 172 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxx. Curso de direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 177.
Dadas as bases romanas do contrato, analisaremos o desenvolvimento do contrato desde a Idade Média, passando pelo Estado liberal, Estado social e pelo contrato do pós-modernismo, com suas peculiaridades e justificativas.
2.2 Contrato clássico
O contrato, desde os delineamentos da figura do negócio jurídico pelos jusnaturalistas alemães no final do século XVIII, seguindo-se dos pandectistas, foi consagrado como o motor da vida econômica, expressão da liberdade do indivíduo no Direito e meio para o exercício do poder de autodeterminação individual173.
A passagem do feudalismo para o capitalismo, quando foi permitido aos sujeitos ostentar personalidade jurídica e capacidade de direito para realizar negócios jurídicos que envolvessem posse e propriedade174, reuniu condições para o desenvolvimento do contrato, considerando a ruptura do sistema de vassalagem, no qual as pessoas não eram livres para gerir seu patrimônio e vida privada, pois estavam submetidas a um senhor feudal, sequer detinham poder sobre sua própria força de trabalho.
Xxx Xxxxx comenta o processo histórico em que as contratações se tornaram cada vez mais necessárias:
A ligação entre o trabalhador e os meios de produção só é possível pelo acordo daquele e do proprietário destes. Declarado livre o trabalhador, isto é, reconhecida a propriedade do trabalhador à sua força de trabalho, isso impõe que lhe seja reconhecida personalidade jurídica e capacidade negocial, para que ele possa celebrar o contrato pelo qual aquela ligação se mediatiza, agora necessariamente175.
O reconhecimento da personalidade jurídica e da capacidade do homem176 para gerir sua vida civil, além do fenômeno da circulação da propriedade – desenvolvida pela emergente classe burguesa, que não integrava mais o concentrado poderio feudal ou absolutista – foram elementares para a instalação do contrato como um instrumento vital da economia177.
173 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 15.
174 PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, p. 12.
175 PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, p. 10.
176 “A implantação do modo de produção capitalista acarretou assim a necessidade de universalização destes conceitos: todos passam necessariamente a ser proprietários, ou de bens que lhes permitam subsistir, ou de força de trabalho que vendam. Por isso todos passam a ser sujeitos jurídicos, todos passam a ter capacidade negocial”. XXXXX, Xxx. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, p. 11.
177 PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, p. 11.
O ordenamento jurídico no âmbito privado foi constituído para o homem e o conjunto de direitos a ele pertinentes, daí o direito subjetivo, caracterizador da esfera de atuação do indivíduo, sob o qual acentuava-se a liberdade e a igualdade formal.
A base do sistema civilístico era composta pela propriedade, pela família e pelo contrato. Xxxxxx Xxxxxx000 menciona o papel do contrato nesse contexto: “Considerado a veste jurídica das operações econômicas, atribuía-se a ele uma função translativo-circulatória do patrimônio, estimulando a acumulação e a produção de riquezas51”.
A propriedade traduzia-se na riqueza da sociedade da época, conforme descreve Xxxx Xxxxx000: “Numa economia predominantemente agrícola, baseada na riqueza imobiliária e em muitos aspectos ainda estática e patriarcal, viu-se como era a propriedade o instrumento principal da gestão dos recursos”.
O contrato moderno teve influência de várias correntes de pensamento não só jurídicas, dentre as quais o direito canônico e o direito natural, como teorias ético-jurídicas; a Revolução Francesa, como influência política; e o liberalismo econômico, como doutrina econômica180.
O direito canônico defendia a força obrigatória da promessa, atribuiu relevância à fé jurada e ao consentimento, o contrato perfaz-se como instrumento abstrato e categoria jurídica livre de formalidade. Os canonistas abriram caminho para a formulação dos princípios do consensualismo e da autonomia privada. O consenso leva à obrigação que nasce fundamentalmente de um ato de vontade, que parte de uma declaração. A promessa encontra seu valor na palavra dada e no dever de veracidade, o que justifica a necessidade de cumprir obrigações pactuadas mediante adoção de regras voltadas à obrigatoriedade do contratado181.
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx observa a contribuição do direito canônico para o contrato, salientando a validade e a força obrigatória da promessa, desprendida do agudo formalismo romano:
O direito canônico contribuiu decisivamente para a formação da doutrina da autonomia da vontade e, portanto, para a visão clássica do contrato, ao defender a validade e a força obrigatória da promessa por ela mesma, libertando o direito do formalismo exagerado e da solenidade típicos da regra romana. O simples pacto faz nascer a obrigação jurídica, como fruto do ato do homem. É o direito canônico que vulgariza a fórmula ex nudo pacto nascitur. Para os canonistas, a palavra dada conscientemente criava uma obrigação de
178 XXXXXX, Xxxxxx. Novo direito contratual: a tutela do equilíbrio contratual no Código Civil. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, 2007, p. 23.
179 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 66.
180 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 39- 43.
181 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 5.
caráter moral e jurídico para o indivíduo. Assim, livre do formalismo excessivo do direito romano, o contrato se estabelece como um instrumento abstrato e como uma categoria jurídica182.
O direito natural, racionalista e individualista, influenciou o conceito moderno de contrato ao sustentar a concepção de que o fundamento racional do nascimento das obrigações está na vontade livre dos contratantes183. Xxxx-Xxxxx Xxxxxx sublinha que a filosofia naturalista se desenvolveu na Antiguidade, na Idade Média (séculos XVII e XVIII) e na Idade Moderna, com base em conteúdos distintos:
Segundo essa doutrina, os homens poderiam subtrair-se às regras que infringem os princípios superiores do direito ideal. Essa filosofia expressa pelo Antígono de Xxxxxxxx00 ou pelo “De republica” de Cícero na famosa máxima “Summum jus, summa injuria”, foi retomada pelos teólogos da Idade Média, depois pela “escola do direito da natureza e das gentes”. Ela inspirou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e o Código de Napoleão. O artigo 1º do anteprojeto de Código Civil, redigido no ano VIII, precisava: “Existe um direito universal e imutável, fonte de todas as legislações positivas, é simplesmente a razão universal na medida em que governa os homens”. Foi objeto de diversas redefinições pelas correntes idealistas que ressurgiram desde o final do século XIX184.
As tendências jusnaturalistas apregoam que o direito natural procede da natureza, assinalam a existência de princípios não escritos superiores ao direito positivo, a primazia da justiça ante a legalidade, a prevalência de certos valores sobre os consagrados pelo Estado185.
O direito natural é a base teórica e filosófica mais importante dos dogmas da autonomia da vontade e liberdade contratual, fundamentou a Willenstheorie, teoria que evidencia a vontade interna sem vícios, como razão do negócio jurídico. É através dela que o direito se realiza. Nesse sentido, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx:
É na teoria do direito natural que encontramos, porém, a base teórico- filosófica mais importante na formação dos dogmas da concepção clássica: a autonomia da vontade e a liberdade contratual. Como ensina Reale, à luz do direito natural, especialmente devido às ideias de Xxxx, a pessoa humana tornou-se um ente de razão, uma fonte fundamental do direito, pois é através de seu agir, de sua vontade, que a expressão jurídica se realiza. Xxxx chegaria mesmo a afirmar que a autonomia da vontade seria “o único princípio de todas as leis morais e dos deveres que lhes correspondem”. Estas ideias de Xxxx
182 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 40.
183 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 6.
184 XXXXXX, Xxxx-Xxxxx. Teoria geral do direito. Tradução de Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 10-11.
185 XXXXXX, Xxxx-Xxxxx. Teoria geral do direito. Tradução de Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 10.
tiveram muita influência na Alemanha à época da sistematização do direito e serão umas das bases da Willenstheorie, para a qual a vontade interna, manifestada sem vícios, é a verdadeira fonte do contrato, a fonte que legitima os direitos e obrigações daí resultantes, os quais devem ser reconhecidos e protegidos pelo direito186.
A Revolução Francesa deu origem ao direito moderno. Sua maior expressão foi o Código Civil francês, de 1804, que inspirou a maioria dos ordenamentos do mundo na visão clássica do contrato, inclusive o brasileiro, cujo valor máximo é a autonomia da vontade, marcadamente individualista e voluntarista, sob o ideário do direito natural. É destaque a teoria do contrato social, de Xxxx-Xxxxxxxx Xxxxxxxx, que vocaciona a vontade dos cidadãos para constituir a sociedade187.
Encontramos aqui, novamente, o dogma da vontade livre do homem. Conforme a revolucionária teoria de Xxxx-Xxxxxxx Xxxxxxxx000, nenhum homem possui autoridade natural sobre outro homem, porquanto a força não produz nenhum direito. De sorte que, os contratos são a base de toda autoridade legítima no meio dos homens. Xxxxxx Xxxxxx evidenciou o respeito à vontade, mesmo que seja abandonadora ou adjudicadora de direitos:
Desiste-se de um direito apenas renunciando a ele ou transferindo-o para outrem. Renunciando simplesmente, quando não importa em favor de quem irá redundar o respectivo benefício. Transferindo-o, quando com isso se pretende beneficiar uma determinada pessoa ou várias pessoas. Por qualquer dessas maneiras alguém abandonou ou adjudicou seu direito, diz-se que fica obrigado ou forçado a não impedir àqueles a quem esse direito foi abandonado ou adjudicado o respectivo benefício, e que deve, sendo seu dever, não tornar nulo esse seu próprio ato voluntário189.
Na perspectiva do contrato social, o contrato não obriga porque o direito assim estabeleceu, mas é o direito que vale porque deriva de um contrato. Segundo Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx000, “O contrato, tornando-se um a priori do direito, revela possuir uma base outra, uma legitimidade essencial autônoma em relação às normas: a vontade dos cidadãos. A teoria do contrato social conduz, portanto, à ideia de importância da vontade do homem”.
186 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 40.
187 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 42.
188 XXXXXXXX, Xxxx-Xxxxxxx. Do contrato social. Tradução de Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxx. Versão digital: Editora Ridendo Castigat Mores. Disponível em: xxx.xxxx.xxx. Acesso em: 07 jul. 2020, p. 15.
189 XXXXXX, Xxxxxx. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. 2. ed. Tradução de Xxxx Xxxxxx. São Paulo: Xxxxxx Xxxxxx, 2001, p. 102.
190 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 41-42.
O liberalismo econômico do século XVIII, doutrina econômica do capitalismo191, reclama uma ampla liberdade de contratar, o modelo agrário cedia passagem para o comercial e o industrial, e a força de trabalho se ligava aos proprietários dos meios de produção. Ocorria o desprendimento da propriedade dos poderes feudais para ampla circulação daquela. O contrato, então, é o instrumento da burguesia, nova classe social, para o tão almejado acesso ao capital192.
A concepção tradicional do contrato foi criada no século XIX, auge do liberalismo, do chamado Estado moderno, em correspondência à liberdade individual, dogma máximo da autonomia da vontade193.
As esferas pública e privada, direito público e privado, respectivamente, eram nessa fase impermeáveis. Cabia à Constituição organizar o Estado e estabelecer direitos de liberdade do indivíduo face ao Estado, e ao Código Civil, reger as relações privadas apartadas do âmbito estatal. Nesse sentido, Xxxxxx Xxxxxx esclarece:
Em tal contexto, operava-se a total separação entre o Estado e o mercado – ou o Estado e a sociedade civil. Tal dicotomia estava representada, juridicamente, pela dualidade entre o direito público e o direito privado, consideradas esferas impermeáveis. O primeiro, regido pela Constituição, tinha como objetivo determinar a organização estatal e estipular os direitos de liberdade dos indivíduos em face da atuação estatal. O segundo encontrava no ideal da Codificação, fruto do racionalismo iluminista, a sua maior representação, a ponto de se denominar o Código Civil de “Constituição do Homem Privado”, preocupando-se com as relações jurídicas que se estabeleciam fora do âmbito estatal, ou seja, entre os indivíduos194.
A ideologia novecentista da liberdade de contratar, nas palavras de Xxxx Xxxxx, amadurecida no jusnaturalismo e no iluminismo, é promotora direta do progresso e da evolução
191 Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxxxx periodiza as fases do capitalismo em comercial ou mercantil, também chamada de pré-capitalista, séculos XIV a XVIII, que se desenvolve no decorrer das grandes navegações e na revolução comercial. Nesse cenário, a aristocracia proprietária de terras é ainda dominante, porém, uma grande classe média burguesa está emergindo. Nos séculos XVII e XVIII, surgem os primeiros Estados-nação e a revolução industrial desponta com força, tornando a revolução capitalista completa. O século XIX dá início ao capitalismo industrial ou clássico, a indústria se aperfeiçoa no fenômeno da primeira revolução industrial. O século XX dá início ao capitalismo profissional ou tecnoburocrático, desencadeia-se a partir da segunda revolução industrial, marcada pela revolução da eletricidade, motor a explosão, produção em linha de montagem e do consumo em massa. É consequência da organização e do conhecimento, onde a organização substitui a família na unidade produtiva e o conhecimento substitui o capital como fator estratégico de produção. Uma nova classe média profissional prepondera, dividindo espaço com a burguesia. XXXXXXX-XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx. As duas fases da história e as fases do capitalismo. Escola de Economia de São Paulo da Fundação Xxxxxxx Xxxxxx FGV-EESP, Textos para discussão 278, São Paulo, maio 2011.
192 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx de. Função social do contrato. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 30.
193 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 43.
194 XXXXXX, Xxxxxx. Novo direito contratual: a tutela do equilíbrio contratual no Código Civil. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, 2007, p. 21-22.
das sociedades ocidentais, com devolução ao indivíduo da possibilidade de determinar o seu destino no mundo das relações jurídicas por meio de multiplicidade de iniciativas, contribuições, inovações e potencialidades, numa base de paridade formal, sem as discriminações e os privilégios de outrora:
Liberdade de contratar significa abolição dos vínculos de grupo, de corporação, de «estado», que na sociedade antiga aprisionavam o indivíduo numa rede de incapacidades legais que lhe precludiam a plena expansão da sua iniciativa, das suas potencialidades produtivas, em suma, da sua personalidade, e configuravam, assim, uma organização económica-social fechada, pouco dinâmica195.
A liberdade conquistada nessa fase, a partir da ruptura do sistema feudal, baseada em economia rudimentar, predominantemente agrícola, e com o reconhecimento da capacidade, da personalidade e da propriedade ao indivíduo, redundou numa radical transformação social, que alterou o perfil político e econômico, atribuindo relevância ao contrato para a gestão das marcantes relações privadas daí advindas.
Esse altivo e significativo início foi base edificante para o desenvolvimento da figura do contrato, que se deparou, posteriormente, com inúmeras questões, resultado de novas configurações cristalizadas ao longo dos anos, admitindo novos fenômenos e, por conseguinte, incluindo novas demandas.
2.3 Contrato social e contemporâneo
A concepção tradicional do contrato e o voluntarismo estavam em declínio, enfrentando uma crise de transformação e de rejuvenescimento. Desde os fins do século XIX, surgiram as doutrinas socialistas, exigindo a tutela da classe operária ante aos empresários. A revolução industrial desencadeou problemas sociais que originaram a primeira poderosa intervenção do Estado liberal nas relações privadas: o direito do trabalho196.
A igreja católica propõe nas encíclicas uma doutrina social, uma transformação de paradigma da moral individual para a ética social, combatendo as ideias marxistas e o
195 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 36-37.
196 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p.150.
liberalismo selvagem, considerando o bem comum como razão do Estado, visando a proteção dos cidadãos, especialmente dos mais fracos197.
No início do século XIX, Jhering acentuou o exame dos fins substanciais do direito e a consideração dos fins práticos das normas jurídicas. Integrou elementos sociais na ciência do direito, preconizando a função social do direito privado, que permaneceu nos livros e nas revistas doutrinárias por um longo período, mas só surgiu de fato, por meio de alguma disciplina legal, após a Segunda Guerra Mundial ou no Código Civil italiano de 1942198.
O Código Civil italiano de 1942, ao revés do Código italiano de 1865, colocou a empresa, a atividade produtiva, a regulamentação do trabalho, a necessidade de organizar a produção, a forma política e jurídica do intervencionismo do Estado nas relações econômicas no centro da atenção199. Mesmo elaborado à época do fascismo, dá início à socialização do direito, disciplinando, além dos esquemas tradicionais do direito, questões jurídicas reclamadas pela nova sociedade, como o contrato por adesão e as condições gerais dos contratos200.
A Constituição italiana de 1947 impõe limites insuperáveis quanto ao respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, traçando uma ideologia-jurídica diversa do ordenamento constitucional anterior, pautado num prisma produtivista201.
A descodificação foi o movimento marcado pelo surgimento de inúmeros microssistemas protetores das novas categorias sociais e econômicas, retirando do âmbito do Código Civil uma gama de assuntos que passaram a compor normativa autônoma à codificada202. Nesse movimento, os Códigos Civis perderam a centralidade e o texto constitucional passou a unificar o sistema, dessa forma a descodificação e a proliferação de microssistemas não significaram a perda da unidade do ordenamento203.
Houve, contudo, a aproximação entre o direito público e privado na denominada publicização ou socialização do direito privado. Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx000 observa:
197 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 150.
198 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 150-151.
199 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 3. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 4.
200 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 151.
201 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 3. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 4.
202 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 8.
203 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 3. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 6.
204 XXXXX XX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. A caminho de um direito constitucional. In: Revista Estado, Direito e Sociedade, v. 1, Rio de Janeiro, 1991, p. 129.
“talvez haja decorrido de uma mudança interna, na própria estrutura do direito civil, tornando alteradas, desse modo, suas relações com o direito público”.
Xxxxxx Xxxxxxxxxxx000 trata da evolução rápida e intensa do direito contratual na Itália, mencionando a crise do liberalismo e do individualismo com o produtivismo autárquico e corporativo do socialfascismo, e depois com o personalismo e o pluralismo consagrados na Constituição republicana da Itália, de 1947. Na legislação posterior, emerge o particularismo brusco, degenerativo do pluralismo.
No Brasil, após a Segunda Guerra, diante da tendência global da socialização do direito civil, especialmente na seara de contratos, houve pouca repercussão legislativa, exceto em relação à lei do inquilinato, Lei n. 8.245/1991, seguro, e várias normatizações, entre elas, o Decreto n. 56.900/1965, as Leis n. 5.627/1970, n. 5.764/1971, n. 6.194/1974 e n. 6.317/1975, a
promessa de compra e venda e a Lei n. 6.766/1979. As normas continuaram as mesmas desde o início do século, mesmo com inúmeros projetos de código elaborados206.
A socialização do direito brasileiro foi preconizada pela Constituição Federal apenas em 1988, que abriu espaço para o Código de Defesa do Consumidor, em 1990, importante marco para estabelecer o equilíbrio do contrato por adesão. Posteriormente, o Código Civil, em 2002, estabeleceu como limite à autonomia da vontade a função social do contrato, inserindo também os princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio material do contrato.
Nesse cenário, o contrato por adesão inevitavelmente estabeleceu-se como um instrumento jurídico necessário para atender às peculiares demandas mercadológicas em face à massificação dos contratos e o crescente poderio das empresas, fenômenos que se solidificaram a partir da revolução industrial e comercial, sequenciadas.
2.3.1 Massificação da contratação
A industrialização e a massificação das relações contratuais, com a introdução dos contratos por adesão, marcaram uma nova realidade socioeconômica, revelando a insuficiência do conceito clássico de contrato.
O contrato estandardizado é uma realidade que teve origem no fenômeno da contratação em massa, ocorrido no início e meados do século XIX, fruto das mudanças sociais, econômicas
205 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 3. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 4.
206 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 151.
e políticas, decorrentes da Revolução Industrial, que reconfigurou a sociedade, deu início a uma robusta e constante evolução tecnológica e dos meios de produção na Europa, refletindo diretamente nas formas clássicas de contratação207.
O contrato por xxxxxx tornou-se rapidamente a regra na contratação, refletindo a submissão da pessoa a modelos, fórmulas, condições e cláusulas predeterminadas, aceitas globalmente e sem discussão, para se obter o bem ou o serviço almejado. A predisposição emana do próprio predisponente, ou de normas regulamentares ou legais, não dando oportunidade ao interessado, em regra, a qualquer ingerência, seja na forma ou no conteúdo208. O ofertante, no contrato por adesão, reveste-se normalmente do caráter de grande empresa multinacional ou nacional, que concentra soma de poderes apta a ditar as condições tendentes a preservar ou fazer prevalecer seus interesses, restando reduzida a posição do aderente, normalmente pessoa comum ou empresa de menor porte, à vontade do ofertante.
Nesse panorama, o aderente não possui tutela jurídica para resguardar seus interesses quando realiza negócios209.
Na maioria dos contratos, o acordo de vontades era mais aparente que real e os contratos por adesão causaram patente desnível entre autor efetivo das cláusulas e simples aderente, desmentindo a ideia de que a liberdade contratual assegurava a justiça do contrato210.
As condições gerais resultam da fase pós-industrial, da passagem do sistema de economia concorrencial para o sistema oligopolista ou monopolista, estatal ou privado, e da massificação211 das relações privadas.
O ingente aumento da produção industrial desencadeou a Revolução Comercial212, expandindo e acelerando o consumo, atingindo cada vez mais pessoas, circulando cada vez mais produtos, numa larga escala, estabelecendo sensíveis transformações na estrutura
207 XXXX, Xxxxx X. Machado de. Cláusulas contratuais gerais: contratos de adesão, cláusulas abusivas e o Código Civil de 2002. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1.
208 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. A fenomenologia contratual nos dias presentes. In: XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx (coord.); XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxxx; XXXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxxx. Os contratos de adesão e o controle de cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 3.
209 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. A fenomenologia contratual nos dias presentes. In: XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx (coord.); XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxxx; XXXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxxx. Os contratos de adesão e o controle de cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 3.
210 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 149.
211 “As massas são entendidas como conjuntos humanos nos quais o homem se revela como um ser anônimo e despersonalizado. A primeira e mais destacada consequência é a necessidade de uniformização”. XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxx. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 12.
212 XXXX, Xxxxx X. Machado de. Cláusulas contratuais gerais: contratos de adesão, cláusulas abusivas e o Código Civil de 2002. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 2.
tradicional do contrato, até então artesanal, individual e paritariamente negociável. O contrato deixa de ser um acordo de vontades, previamente negociável, para admitir outro formato213.
A liberdade de escolha do parceiro ou a própria liberdade de contratar não mais existia nos chamados contratos necessários, a manifestação de vontade era irrelevante em razão dos contratos que predominantemente se multiplicavam em série, e tudo isso evidenciava um flagrante desequilíbrio na contratação, configurando uma patente desigualdade na relação contratual.
2.3.2 Desequilíbrio na contratação por adesão
Não se parte mais da ideia de igualdade das partes no mundo negocial, dado que as transformações desde a Revolução Industrial à revolução tecnológica imprimiram um sentido de diversidade de forças nos polos contratuais, identificando-se posições econômicas e de poder contrapostas no cenário fático.
A ordem jurídica recebeu o influxo das teorias que denotavam uma marcada preocupação social, como ocorreu na Carta Constitucional de 1988, evidenciando a dignidade da pessoa humana, a solidariedade, a igualdade substancial, a livre iniciativa, a função social da propriedade e a defesa de interesses coletivos, que exigiram reformas ou novas leis para ajustar o ordenamento vigente aos novos valores. É exemplo o Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078/1990, que protege o consumidor em razão da disparidade de forças entre produtores, ofertantes e distribuidores de bens e serviços e a grande massa utente.
A preocupação persiste na vinculação contratual, direta e indireta, exigindo os ditames da ordem pública, bons costumes e moral, a definição de parâmetros jurídicos que permitam a defesa de interesses de contratantes em disparidade de forças, seja antes ou depois do ajuste, através de normas cogentes incidentes no curso da contratação ou extracontratualmente.
Nesse contexto, complementos necessários ganham relevo, externalizando-se através
x.x. xx xxxxx, do abuso de direito, da teoria da imprevisão, da cláusula rebus sic stantibus, da cláusula exceptio non adimpleti contractus, do enriquecimento sem causa, da responsabilidade objetiva do lesante e do adimplemento substancial.
O Código Civil de 2002 estabeleceu-se no ordenamento brasileiro sob a égide dos princípios da socialidade, eticidade e operabilidade, além de inserir três novos princípios contratuais (a função social do contrato, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual), que não
213 XXXX, Xxxxx X. Machado de. Cláusulas contratuais gerais: contratos de adesão, cláusulas abusivas e o Código Civil de 2002. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 2.
eliminaram os princípios contratuais clássicos (consensualismo, autonomia privada, obrigatoriedade do contrato e relatividade do contrato), mas trouxeram nova perspectiva à luz dos novos contornos constitucionais, civilísticos e contratuais.
Na dominação dos contratos por adesão em todos os setores de negociação privada, aliada a mecanismos de defesa de interesses de grupos, de empresas, ou de pessoas que oferecem bens e serviços à contratação, tornou-se frequente a incidência de cláusulas abusivas na contratação em massa, ou seja, cláusulas desequilibrantes do contrato, contrárias ao espírito do ordenamento, frequentemente de difícil compreensão ou análise imediata em função das próprias condições de contratação.
As empresas tomaram grande dimensão nas relações econômicas, perfizeram verdadeiros núcleos de poder privado, ditando muitas vezes as regras do mercado por meio de uma imponente estrutura tecnológica, mercadológica e jurídica.
2.3.3 Poderio das empresas
Observamos a economia seguir num processo monopolístico no mundo todo, com absorção de empresas menores pelas mais fortes, em processos de aquisições, fusões e concentrações empresariais, resultando em grandes núcleos de poder sobre a predisposição das condições gerais.
Xxxx Xxxxx000 enfatiza a substituição da propriedade pela empresa como elemento de impulso da economia: “Compreende-se, neste sentido, a corrente afirmação de que, no presente, o processo económico é determinado e impulsionado pela empresa, e já não pela propriedade”. A evolução do contrato observou a seguinte fórmula: de mecanismo funcional e instrumental da propriedade, o contrato tornou-se mecanismo funcional e instrumental da empresa215.
O mercado se organiza num elo entre demandas e ofertas conforme o consumidor. O poderio econômico das grandes empresas constitui o mercado de bens, serviços e força de trabalho, submetendo as demais, pequenas e médias, num grande fluxo econômico216. A disciplina contratual se adequou uniformemente ao fluxo econômico dinamizado pelas empresas, porque estas constituíram a estrutura das atividades econômicas217.
214 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 66.
215 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 67.
216 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxx. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 16.
217 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 68.
O conflito de interesses no mercado não envolve dois sujeitos singularmente considerados, mas relações entre grupos sociais dotados de diferente poderio econômico e contratual.
As condições gerais dos contratos refletem o poder econômico dos grandes conglomerados empresariais sobre os contratantes destinatários. Embora o poder do predisponente seja privado, realiza-se de forma cogente e autoritária, revelando-se semelhante ao poder de direito público. O poder de predisposição das condições gerais é recepcionado pelo direito, porém pode ser abusivo218.
O liberalismo econômico desenfreado, com o transcorrer dos anos, desequilibrou as relações jurídicas, resultando em abusos e desigualdade substancial amplamente irradiada. Esse cenário demandou a interferência do Estado nas relações privadas, limitando a liberdade de contratar e restringindo a autonomia privada.
O processo produtivo e comercial expandiu e aperfeiçoou-se notadamente, e a perspectiva é de que continue se alterando e com isso transformando também as realidades cotidianas dos indivíduos. Com o auxílio da tecnologia e da informação, os contratos ultrapassam as fronteiras nacionais, utilizam bases digitais, atingem grandes espaços e, por meio do incremento da logística, buscam concretizar serviços de maneira eficiente. Percebe-se, assim, influências do pós-modernismo na contratação.
2.4 Contrato pós-moderno
Parte da doutrina219 constata uma nova fase do direito denominada pós-moderna. Trata- se de um novo momento para o contrato, no qual há um movimento de desregulamentação estatal das relações contratuais em decorrência do enfraquecimento da noção de Estado, resultado da globalização, que exige maior competitividade e flexibilidade dos mercados. Prima-se por formas mais fluidas de estruturar a civilização220, conforme reflete Xxxxxx Xxxxxxxxxxx:
218 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxx. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 16-17.
219 “A globalização é um fato histórico. A maioria dos países optou pelo modo capitalista de produção, dando a sensação de que não seria mais necessária a manutenção das propostas do Welfare State. Resultado da globalização e, com ela, da exigência de competitividade e de flexibilidade dos mercados, a doutrina identifica agora, um movimento de desregulamentação estatal das relações contratuais, fruto mesmo do próprio enfraquecimento, diante de formas mais fluidas de estruturação da civilização, da noção de Estado como modelo de organização política”. XXXX, Xxxxx X. Machado de. Cláusulas contratuais gerais: contratos de adesão, cláusulas abusivas e o Código Civil de 2002. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 8.
220 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx de. Função social do contrato. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 22-23.
Os anos 90 e os primeiros anos de 2000, caracterizados por uma normativa de origem comunitária cada vez mais intensa e, no plano constitucional, por uma motivação federalista que redundou na reforma do título V da Constituição, advertem para os problemas da globalização da economia e a crise da estatalidade do direito4. A crise da legalidade e da normatividade, a um só tempo causa e efeito, atinge a sociedade italiana e alcança um estágio alarmante221.
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx identifica a crise do Estado social, caracterizando a condição pós-moderna. A autora menciona o relevo das antinomias devido à profusão de fontes legislativas, além da intensa internacionalidade das relações:
É uma época de vazio, de individualismo nas soluções e de insegurança jurídica, onde as antinomias são inevitáveis e a desregulamentação do sistema convive com um pluralismo de fontes legislativas e uma forte internacionalidade das relações. É a condição pós-moderna que, com a pós- industrialização e a globalização das economias, já atinge a América Latina e tem reflexos importantes na ciência do direito. É a crise do Estado do Bem- Estar Social222.
O regime geral e único do contrato passa a regime plural, tendo em vista a aplicação de uma série de leis especiais e gerais à mesma relação contratual em uma multiplicidade de aspectos. As diversas hierarquias e finalidades resultam em antinomias, mais do que a revogação expressa. Com uma autoimplosão de grandes codificações e o surgimento de vários microssistemas, as antinomias se operam, mesmo entre princípios constitucionais, por vezes contraditórios223.
Xxxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx retrata a pluralidade jurídica nos termos da interlegalidade ao apontar misturas de diversos “códigos jurídicos” numa legalidade global:
Nossa vida jurídica é caracterizada pela intersecção de diferentes ordens jurídicas, ou seja, a interlegalidade. A interlegalidade é a contrapartida fenomenológica da pluralidade jurídica, o que a torna o segundo conceito- chave em uma concepção pós-moderna de direito. A interlegalidade é um processo dinâmico porque os espaços jurídicos não são sincrônicos, o que resulta em misturas irregulares e instáveis de códigos jurídicos (no sentido semiótico). Essa combinação de códigos é visível em todos os estudos de caso mencionados. Está também na forma como a nova legalidade global se apropria das particularidades jurídicas locais224. Tradução livre.
221 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 4.
222 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 159.
223 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 165.
224 No original: “Notre vie juridique se caractérise par le croisement de différents ordres juridiques, c’est-à-dire, l’interlégalité. L’interlégalité est la contrepartie phénoménologique de la pluralité juridique, ce qui fait qu’elle est le deuxième concept-clé d’une conception post-moderne du droit. L’interlégalité est un processus dynamique
As novas características que revestem as contratações pós-modernas são apontadas por Xxxxxxx Xxxx Marques225, quais sejam, contrato múltiplo, conexo, triangular ou plúrimo, substituindo o modelo do contrato bilateral e comutativo.
Considerando as implicações da globalização, Xxxxx-Xxxx Xxxx000 identifica um esfacelamento do Estado Moderno a ponto de se cogitar num modelo neofeudal de regulação jurídica: “constatamos o debilitamento das especificidades que diferenciam o Estado moderno do feudalismo: a) a distinção entre a esfera privada e a esfera pública; b) a dissociação entre o poderio político e o econômico; e c) a separação entre as funções administrativas, políticas e a sociedade civil”.
Xxxx Xxxxx000 observa que, no primeiro momento do capitalismo, o direito de propriedade no sentido material, como poder de xxxxx e dispor de bens materiais, principalmente imóveis, representava a riqueza que circularia pelo contrato. Num sistema capitalista avançado, bens imateriais, representados por relações, promessas alheias e comportamentos, substituem a propriedade, num movimento de mobilização e de desmaterialização da riqueza
Xxxxxx Xxxxxxxxxxx000 trata da desmaterialização das atividades humanas: “a característica de entidade suscetível de apropriação não depende das qualidades físicas da coisa, sendo concebível a apropriação sem ablação, mediante simplesmente a visão ou audição da informação contida em um suporte material”.
Os bens economicamente mais relevantes passam a ser os imateriais (softwares, livros, filmes digitais, licenças, games), o desmaterializado “fazer de serviços” (da comunicação, do lazer, da segurança, da educação, da saúde, do crédito). O desafio dos contratos é acompanhar essa transformação, atendendo esse fenômeno desmaterializante, plural e complexo229.
parce que les espaces juridiques ne sont pas synchroniques, ce qui aboutit à des mélanges irréguliers et instables de codes juridiques (au sens sémiotique). Ce mélange de codes est visible dans toutes les études de cas mentionnées. Il l’est également dans la façon dont la nouvelle légalité mondiale s’approprie les particularismes juridiques locaux”. XXXXXX, Xxxxxxxxxx xx Xxxxx. Droit: une carte de la lecture déformée. Pour une conception post-moderne du droit. In: Revue Droit et Société, n. 10, p. 379-405, 1988, p. 403.
225 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 164.
226 XXXX, Xxxxx-Xxxx. O direito em crise: fim do Estado Moderno. Tradução de Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxx. In: XXXXX, Xxxx Xxxxxxx (org.). Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 24.
227 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 64-65.
228 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 970.
229 “Plural porque sob incidência de diversos e distintos diplomas legislativos. Complexo porque envolve uma série de relações que se conectam ao objeto do contrato, desencadeando relações associadas”. XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 164.
Xxxxxx Xxxxxxxx000 identifica três processos decorrentes da “desnacionalização do direito”, sob a lógica da relativização da soberania do Estado: i) a universalização da tutela dos direitos humanos; ii) a integração dos Estados através de blocos regionais e; iii) a expansão de um direito paralelo ao dos Estados pelas empresas estrangeiras em razão da dispersão das atividades econômicas nos territórios:
Com isso, surge um novo direito comum, que tende a ser universalizado entre os atores econômicos internacionais, produzido não pelo Estado ou por qualquer organização internacional, mas pelo próprio mercado, com base na lógica que lhe é inerente. Esta nova realidade é atemorizante, na medida em que o mercado não tem ética, pois objetiva a expansão do lucro, ainda que à custa do agravamento de problemas sociais e do desrespeito aos direitos humanos. Portanto, o direito estatal, fortemente ancorado na ética comunitária, vai sendo substituído por regras informais de conduta baseadas na exclusiva preocupação com a eficiência econômica231.
Xxxx Xxxxx considera o enfraquecimento do Estado como centro de poder e a inserção da empresa nesse cenário:
a globalização é caracterizada pelo fato dos Estados não serem mais os centros do poder e da proteção humana. Os Estados estão cedendo grande parte de seus poderes aos mercados. As regras da concorrência determinam a vida e o comportamento dos seres humanos. A existência de um mercado global permite fusões de grandes empresas, resultando em um poder econômico gigantesco, que deixa aberta a questão da proteção do indivíduo que gostaria de manter seu posto de trabalho, proteção tradicionalmente fornecida pelo Estado. Para preencher este vazio legal, os juristas reclamam a criação de um sistema mundial de proteção contra as práticas anticoncorrenciais232.
Os direitos humanos são elementos guia nessa nova fase do contrato, são valores seguros a seguir nesse caos legislativo e desregulador, de múltiplas codificações e microssistemas, de leis especiais privilegiadoras e de leis gerais ultrapassadas233.
O equilíbrio contratual continua sendo um desafio para a sociedade, porquanto as relações contratuais massificadas se multiplicam exponencialmente, assumem características mais impessoais, com ausência absoluta de negociação, em que declarações de vontade se dão
230 XXXXXXXX, Xxxxxx. Constituição e globalização: a crise dos paradigmas do direito constitucional. Revista de Direito Administrativo, v. 215, p. 19-34. São Paulo, jan. 1999.
231 XXXXXXXX, Xxxxxx. Constituição e globalização: a crise dos paradigmas do direito constitucional. Revista de Direito Administrativo, v. 215, p. 19-34. São Paulo, jan. 1999.
232 XXXXX, Xxxx. O direito internacional privado do novo milênio: a proteção da pessoa humana face à globalização. In: XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXX, Xxxxx xx (org.). O novo direito internacional: estudos em homenagem a Xxxx Xxxxx. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 4.
233 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 161.
por símbolos, simples cliques em botões. Outros artifícios também estão sendo implantados nas negociações, como o reconhecimento digital, de voz e facial. Os contratos são instantâneos, extensos, repletos de termos técnicos, com letras microscópicas, mediante aceitação, dá-se ciência e concordância a todos os termos em vários documentos automáticos, que simultaneamente informam uma infinidade de condições.
Os contratos pós-modernos trazem eficiência. É possível contratar em outros países, o que representa uma incrível evolução. Ao direito cabe a absorção desse movimento e a tutela do aderente, que está mais vulnerável do que nunca, adstrito a cláusulas, v.g. de foro de eleição em estado que não é o seu ou em país de origem da mercadoria. Dado o valor do produto comprado, exíguo ante às despesas de uma possível demanda ou reclamação formal, não restam alternativas para tutela desses direitos totalmente desprotegidos e expostos à desproporção e toda sorte de iniquidades.
A confiança é elemento integrativo desse novo perfil contratual, é elemento redutor da complexidade. Importa em confiar na própria expectativa, nos elementos e na normalidade dos fatos sociais. Assim, a complexidade contratual ocorre pela ausência de confiança234.
Importante ressaltar aqui a diferença entre confiança e boa-fé trazida por Xxxxxx Xxxxxxx- Xxxxx. A autora observa que a confiança atua na relação contratual mais direta, com vistas a assegurar as expectativas da contratação, e a boa-fé refere-se a comportamento ativo e passivo voltado ao tráfego social:
enquanto o princípio da confiança tem por escopo imediato assegurar expectativas, a função primeira da boa-fé como standard jurídico é propiciar o direcionamento de comportamentos no tráfico negocial, tendo, portanto, acrescido ao papel negativo (não violar a legítima expectativa, causando danos injustos ao parceiro), ainda um papel ativo ou dinâmico de direção e coordenação da interação social (agir positivamente em vista do fim do contrato; colaborar para que o adimplemento seja atingido)235.
Em tempos pós-modernos, o sujeito é mais elemento operativo do processo econômico que detentor de poder para entabular preceitos de autonomia da vontade. Xxxxx Xxxx Xxxx Lôbo236 refere-se às condições gerais como práticas negociais distintas que se valem da autonomia privada e do contrato apenas formalmente, estabelecendo-se em heteronomia e não
234 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 172.
235 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Xxxxxxx Xxxx, 2015, p. 236.
236 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxx. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 11-12.
autonomia. Nesse aspecto, o indivíduo passou do centro das preocupações ao homem esvaziado, localizado na sociedade.
O mundo pós-moderno caracteriza-se pela comunicação e pela ausência de fronteiras. Não apenas os meios tecnológicos permitem rápidas e instantâneas trocas de informação e de imagens, mas, principalmente, a vontade e o desejo de comunicação entre as pessoas.
Encontramos a ubiquidade, a velocidade e a liberdade como características dos novos tempos, que se expressam nos novos serviços de informação, conhecimento, educação, e como novos meios de comunicação e de comércio.
O contratante encontra no mundo contemporâneo, livre, veloz e global, uma nova vulnerabilidade, daí a relevância da boa-fé, da equidade contratual e da função social do contrato nas relações negociais para adaptá-las à nova realidade, em especial, no comércio eletrônico e nos novos modelos de contrato.
As características aventadas para o novo cenário contratual retrata a necessidade de se apurar bem as bases científicas dos contratos, em especial, o contrato por adesão, que se revela como figura controversa, mas altamente requerida na economia pós-moderna. O contrato é instituto civilístico destinado a instrumentalizar as relações econômico-privadas e seu rearranjo é necessário à medida que os fatos mudam constantemente, aliás uma certeza a qual precisamos nos atentar.
Muitas foram as alterações transcorridas desde o modelo clássico de contrato, fundado em amplo formalismo, passando pelo contrato social, por meio da necessária interveniência do Estado nas relações privadas, até a descrita fase pós-moderna, que apresenta maior fluidez e está afeta aos elementos globalizantes das relações contratuais.
Todas as transformações alteraram significativamente a disciplina contratual e requerem reflexões constantes dos estudiosos. No entanto, as mudanças agudas não alteraram as bases contratuais. E é sob esse fundamento que seguiremos para o redirecionamento do contrato contemporâneo.
2.5 Redimensionamento do contrato
O tema proposto é assoberbado de divergências e de proposições. Muito se discutiu, por décadas, acerca da preeminência ou não do contrato em razão do novo contexto de relações privadas, primacialmente em detrimento da figura do contrato por adesão, que para muitos significou a morte do contrato, diante do esvaziamento da autonomia da vontade e dos novos fenômenos envolvendo as declarações de vontade.
Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx-Guelfucci237 observa que a relação contractual, assim como a humana, está sujeita à ação de forças coesivas, tendendo à manutenção, ou seja, à durabilidade do contrato, ou à evolução, talvez com sua ruptura.
Segundo a autora, a teoria geral favorece a manutenção do contrato na busca da segurança contratual compreendida na imutabilidade de seus termos. A exceção à obrigatoriedade do pacto por fatores desequilibrantes, como a superveniência de circunstâncias extraordinárias e imprevisíveis, e o próprio limite imposto para proteger os vulneráveis, incluído o aderente no contrato por adesão e o consumidor na relação consumerista, são propícios para a adaptação das cláusulas, tornando o contrato mais elástico. É possível reconhecer outro caminho, o de não aceitar a flexibilização da obrigatoriedade da convenção, e decretar a morte do contrato. Mediante as duas possibilidades, questiona-se: até que ponto o contrato pode se flexibilizar?238
O processo evolutivo caminhou da teoria subjetiva para a teoria objetiva, fixando a declaração de vontade como funcionalizadora da relação negocial numa base segura e estável para as relações privadas, principalmente em se tratando de contratos por adesão. O contrato, inobstante as vozes dissonantes, conserva sua autonomia da vontade não ampla, mas restrita, para atender às necessidades transitórias do período atual, que cessadas reconduzirá o contrato para necessidades outras.
2.5.1 Processo evolutivo: objetivação
A concepção inicial de contrato baseada no postulado jusnaturalista da vontade, fonte criadora de direitos e de obrigações legais, amadureceu nos séculos XVII e XVIII e aperfeiçoou-se no século XIX. Nessas bases, contrato é consenso, convergência de vontades. Essa disciplina mostrava-se adequada para o sistema econômico da época, mais estático, com relações econômicas ponderadas, de caráter mais individual239.
237 GUELFUCCI-XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Libres propos sur la transformation du droit des contrats. In: Revue Trimestrielle de Droit Civil, Paris, n. 2, abr.-jun. 1997. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xx/0000/00/00/xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/0. Acesso em: 24 maio 2021.
238 GUELFUCCI-XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Libres propos sur la transformation du droit des contrats. In: Revue Trimestrielle de Droit Civil, Paris, n. 2, abr.-jun. 1997. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xx/0000/00/00/xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/0. Acesso em: 24 maio 2021.
239 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 297-298.
A moderna economia de massa recobriu-se de outras vestes, extraordinário volume de transações, crescente padronização e muita impessoalidade, movimento que requer objetividade, incompatível com a centralização da vontade individual e consideração das atividades psíquicas dos indivíduos. Deu-se passagem à teoria da declaração, que condiciona os efeitos e o tratamento jurídico aos elementos objetivos, exteriorizados e socialmente reconhecíveis, preterindo a vontade à declaração. A teoria da declaração da vontade protege o destinatário, que confiou no teor objetivo e socialmente perceptível da avença, convertendo-se em garantia de segurança e de agilidade das relações, por conseguinte privilegiando a continuidade e a estabilidade dos negócios240.
Inúmeros reflexos decorrem da objetivação da feição contratual. Na formação do contrato há desprendimento da vontade do indivíduo, que pode ser inexistente e até contrária ao declarado, como a subsistência da oferta após a morte do proponente, revogação da aceitação por chegar após a conclusão do contrato; quanto aos vícios de vontade, o erro essencial por si só não desfigura o contrato, é preciso haver correspondência exterior e ser cognoscível; na simulação existe a proteção aos terceiros de boa-fé, fazendo prevalecer a aparência do negócio e não a vontade interior das partes; a revogação da representação deve chegar ao conhecimento dos terceiros a ela vinculados para ter efeito241.
A objetivação do direito contratual e do próprio conceito de contrato, baseado na declaração e não na vontade psíquica da parte, implica em se preservar a confiança e garantir a estabilidade, a continuidade, a celeridade e o dinamismo na circulação da riqueza, com relevo ao significado concreto e típico dos comportamentos ao reconhecimento social, imperativa para estandardizar e despersonalizar as operações econômicas processadas em série242.
Xxxx Xxxxx trata das transformações do mundo moderno, da estabilidade e da continuidade nas relações contratuais para viabilizar a contratação em massa, principal fenômeno econômico do mundo atual:
Está agora claro que as transformações do instituto contratual, que designámos em termos de sua objectivação, não contrariam, mas antes secundam, o princípio da autonomia privada, desde que se queira ter deste princípio uma noção realista e correcta: autonomia privada, portanto, não como sinónimo de
«autonomia da vontade individual», mas como forma jurídica e legitimação da liberdade económica, da liberdade de prosseguir o lucro ou, então, de actuar
240 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 298-299.
241 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 299-300.
242 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 301.
segundo as conveniências de mercado – nos modos ou com as técnicas adequadas ao tipo de mercado historicamente determinado. Por outras palavras, as tendências objectivistas do direito moderno não vão necessariamente contra o princípio da autonomia privada, porque este – como já se tinha advertido – não se identifica com o «dogma da vontade»243.
O modelo subjetivo atendia ao mercado da época, ao desenvolvimento do setor primário no início do século XIX, sustentado por outra ideologia. Dois sociólogos dos diferentes momentos tratam dos distintos períodos: Xxxxxxx Xxxxxxx (1820-1903), do utilitarismo liberal- individual, e Xxxxx Xxxxxxxx (1858-1917)244.
No mundo contemporâneo, as relações representativas de trocas individuais e pessoalizadas são exceção, mas em momento passado, eram a regra. O contrato precisa ser hoje autônomo da vontade de seu autor, insensível à “mente” e sensível ao “ambiente social”, às condições objetivas do mercado.
O contrato evoluiu para atender aos novos reclamos sociais e econômicos e apresenta- se hoje modificado com redução da autonomia privada pelo Estado, que mediante intervenção preserva a própria contratualidade do negócio, invocando a paridade de forças na relação, a boa-fé objetiva e a função social do contrato, princípios contratuais que conjuntamente corroboram o lineamento do Estado social contemporâneo.
2.5.2 O novo papel do contrato
Alguns fenômenos assinalam uma redução da incidência e importância do contrato enquanto instrumento de mediação social, ao contrário de outros fenômenos que exaltam e dilatam o seu papel, por vezes um fenômeno partilha de ambas as tendências.
O dirigismo contratual promove a intervenção do Estado social nas relações privadas, restringindo a autonomia da vontade no exercício dos poderes legislativo e judiciário, para equilibrar a relação contratual, desestabilizada pela desenfreada liberdade de contratar. Há uma tendência inversa de por meio da lei, contratar.
Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx-Guelfucci245 observa que hoje contratar não é apenas querer, é também usar o instrumento forjado pela lei, dessarte o acordo de vontades só produz efeitos
243 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 311.
244 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 310.
245 GUELFUCCI-XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Libres propos sur la transformation du droit des contrats. In: Revue Trimestrielle de Droit Civil, Paris, n. 2, abr.-jun. 1997. Disponível em:
jurídicos porque a lei objetiva reconhece tal poder dentro dos limites por ela definidos. A autora argumenta que a multiplicação dos limites contratuais decorre do desenvolvimento da ordem pública, consequentemente o contrato para se implantar validamente e gerar efeitos deve obedecer às restrições emanadas pela ordem jurídica.
Xxxx Xxxxx compreende que o contrato não morreu e nem deve retornar ao status original nos moldes tradicionais da ampla autonomia privada, sofreu transformações, e varia conforme a ideologia que condiciona os fatos em cada período histórico:
Na realidade, estas posições resultam desmentidas pela nossa análise: se, em alguns aspectos, o contrato se mostra actualmente em declínio, noutros aspectos, o seu papel conhece uma expansão e um relançamento; o contrato não está «morto», mas está simplesmente «diferente» de como era no passado; e mais que de um retorno «do contrato ao status», parece legítimo falar de uma passagem de um modelo de contrato a um novo modelo de contrato, adequado às exigências dos novos tempos. Os raciocínios a que se fez referência mostram-se agora viciados: e esse vício consiste no facto de partirem de premissas metafísicas onde é necessário assumir um ponto de vista rigorosamente histórico. Dizer que o contrato «está morto», afirmar – quase subentendendo a ideia de um retrocesso histórico – que o seu papel tende a ser reocupado pelo «status», só tem, de facto, sentido se se postula a ideia de uma
«essência» do contrato, imutável e indiferente à história246.
Verificamos cada fase do contrato, suas particularidades e afetações em diferentes períodos históricos. Lembramos que o contrato clássico nasceu pertinente às singelas relações contratuais desenvolvidas num fluxo menos intenso de transações econômicas, quando as relações privadas se estabeleciam paritariamente de forma mais artesanal e progressivamente ganhou força, atingindo fluxos extremamente intensos e sofisticados.
A autora portuguesa Xxx Xxxxx, ao tratar das transformações do século XX, considera não haver reformulação dos conceitos de autonomia privada e contrato. Evidencia a elasticidade da autonomia privada para abarcar toda a realidade que se perfaz, que inclusive, é transitória. Considera que a autonomia privada é o ponto de chegada e de partida do contrato e a intervenção do Estado é sua mera delimitação:
Persiste-se no entendimento clássico destes conceitos, acreditando não só que a alteração é meramente quantitativa e que não acarreta qualquer transformação essencial, mas também que, e em consequência, desta sua imutada essência decorre uma capacidade expansionista e potencialmente abarcadora de toda a realidade, que, por si mesma, pressupõe que a intervenção estatal – onde foi produzida – cesse logo que desnecessária,
xxxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xx/0000/00/00/xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/0. Acesso em: 24 maio 2021.
246 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p. 347.
retomando a autonomia privada toda a sua aptidão de regulamentação jurídica da vida econômica. Tal como se começa a falar de elasticidade da propriedade, para designar a sua tendência reintegradora da totalidade dos poderes sobre a coisa, se poderia falar de elasticidade da autonomia privada – quando uma e outra começam patentemente a entrar em crise247.
Concordamos com Xxx Xxxxx, aceitando a elasticidade da autonomia privada, com força ora expansionista, ora restringida, conforme as configurações econômicas e sociais de dado período.
Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, por usa vez, observa um novo modo de compreender o contrato, assinalando que seu significado será sempre mantido, porém insiste no argumento de que não é sensato persistir na simplicidade diante da complexidade das relações que se afiguram. É preciso perquirir o significado e a eficácia dos instrumentos jurídicos.
Na nossa opinião, deve admitir que, dentro da noção de contrato, existe uma multiplicidade de fatores de atribuição dos efeitos obrigacionais. A contratação atual, assim como a sociedade, evolui na direção de múltiplos subsistemas autônomos; a hipótese fática única, o “ideal” do contrato está fragmentado. Existem relações por adesão e de consumo; verifica-se também a presença de megacontratos entre grandes empresas, relações entre as pequenas e médias empresas, contratações internacionais e muitas outras248.
Xxxxxxx Xxxxx000 atenta para a evolução do fenômeno da contratação no sentido da reconstrução do sistema contratual, fala em libertação da ideia de autonomia privada, admitindo outras fontes no conteúdo da figura jurídica.
Os autores divergem e travam verdadeiras batalhas, levantam críticas e deformidades à teoria do contrato por adesão ou às condições gerais do contrato, mas a grande discussão paira mesmo acerca da sua figura jurídica. Em razão dessa incessante e ardorosa discussão, tratamos no primeiro capítulo, do negócio jurídico e seus elementos básicos, enquadrando o contrato por adesão na teoria do negócio jurídico e verificando suas possíveis deficiências.
Neste capítulo, trouxemos a evolução dessa forma de contratação, seu fundo social e econômico, suas justificativas e adequações. Entendemos que as ideologias empregadas para justificar comportamentos em cada período influenciaram o contrato, que permanece como instrumento econômico e jurídico para alicerçar relações econômicas, todavia varia a cada
247 PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, p. 34.
248 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx X. Comércio eletrônico. Tradução de Xxxxxxx Xxxxx; com notas de Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. São Paulo: XX, 0000, p. 280.
249 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 15.
processo evolutivo para atender às necessidades sociais e econômicas reclamadas por cada período.
Consideramos, consentaneamente à ideologia de cada período histórico, a condição de elasticidade da autonomia privada para atender às demandas do fluxo contratual e suas características que se transformam cotidianamente, alimentando sempre uma nova sociedade, que gera novos fenômenos.
Xxxxxxxxx os conceitos e os elementos fundamentais do negócio jurídico, buscando sempre situar o contrato por adesão nesses parâmetros, assim como as ideologias consagradas em cada fase evolutiva da teoria contratual, alinhando-as às perspectivas do contrato contemporâneo e, talvez, pós-moderno. Repassadas as bases jurídicas do contrato por adesão e suas justificativas históricas, adentremos à teoria geral do contrato por adesão, verificando seus conceitos e sua estrutura.
3 DELINEAMENTOS GERAIS DOS CONTRATOS POR ADESÃO
Trataremos aqui dos contornos gerais do contrato por xxxxxx, mencionando sua estrutura, terminologia, características, formulações contratuais pertinentes às relações sociais e figuras afins.
3.1 Estrutura
O contrato por adesão não se ajusta bem à estrutura clássica de contrato250, surgindo daí a necessidade de examinar sua estrutura. É possível fragmentar o contrato por adesão em duas partes distintas: i) a formulação do conteúdo contratual por uma das partes; e ii) a aceitação do conteúdo global predisposto.
Trata-se de figura contratual em que há predisposição genérica do conteúdo construído por uma das partes, eliminando a livre discussão que precede a formação dos contratos classicamente paritários251. Nesse sentido, retrata Xxxxxxx Xxxxx000: “No contrato de adesão uma das partes tem de aceitar, em bloco, as cláusulas estabelecidas pela outra, aderindo a uma situação contratual que encontra definida em todos os seus termos. O consentimento manifesta- se como simples adesão a conteúdo preestabelecido da relação jurídica”.
Atualmente, o contrato paritário não representa a regra, ao contrário, trata-se de minoria, conforme destaca Sílvio de Salvo Venosa253: “Já enfocamos que o contrato com negociação paritária ocupa hoje pequena parcela do Direito Privado. Podemos afirmar que persiste ele como reminiscência romântica do antigo Direito”.
O traço distintivo do contrato por adesão é a imposição da vontade por um dos contratantes, uma deformidade na estrutura natural do contrato. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx observa uma restrição mais extensa à autonomia da vontade nos contratos por adesão:
Normalmente, vamos encontrá-lo nos casos de estado de oferta permanente, seja por parte de grandes empresas concessionárias ou permissionárias de
250 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 107.
251 “Os contratos paritários são aqueles em que as partes interessadas, colocadas em pé de igualdade, ante o princípio da autonomia da vontade, discutem na fase de pontuação, os termos do ato negocial, eliminando os pontos divergentes mediante transigência mútua. Xxxxxxx, os interessados livremente se vinculam, discutindo amplamente e fixando as cláusulas ou as condições que regerão a relação contratual”. XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Tratado teórico e prático dos contratos. 6. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 117-118.
252 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 107.
253 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos. v. 3. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 25.
serviços públicos ou ainda titulares de um monopólio de direito ou de fato (fornecimento de água, gás, eletricidade, linha telefônica), seja por parte de lojas e empresas comerciais ou prestadoras de serviços, envolvendo relações de consumo (transporte, venda de mercadorias em geral, expostas ao público). O indivíduo que necessita contratar com uma grande empresa exploradora de um serviço público se depara com um contrato-padrão, previamente elaborado, limitando-se a dar a sua adesão ao paradigma contratual já estabelecido. Ou se submete a ele, sem chance de discutir o preço e outras condições propostas, contratando, ou se priva de um serviço muitas vezes indispensável254.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxx000 observa um “recuo” da autonomia da vontade e aponta a desigualdade na relação contratual: “apresenta-se como um recuo da autonomia da vontade, havendo desigualdade entre as partes, preponderando a situação do ofertante, pois a proposta não pode ser discutida”.
Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx000 reflete acerca da natureza contratual, consignando a posição de autores que negam a natureza contratual dos contratos por adesão em decorrência da supressão da liberdade de discutir o conteúdo contratual.
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx000 retoma, também, a discussão doutrinária que nega a contratualidade do contrato por adesão em razão da ausência de vontade de uma das partes, mencionando seu entendimento pela contratualidade da figura jurídica.
O contrato por adesão é forte e presente realidade contemporânea, por consequência as considerações acerca da sua estrutura alimentam imprescindíveis reflexões acerca do contrato contemporâneo.
Sob o ângulo258 da formulação das cláusulas por uma das partes, unilateral e abstratamente, temos as “condições gerais dos contratos”, que se perfazem sob o prisma das regras que cuidam da natureza desse aspecto jurídico. Sob o ângulo da concretização da relação contratual, considerando a eficácia jurídica do contrato, perfaz-se o “contrato por adesão”, em que se examina a formação do vínculo bilateral do contrato.
254 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. v. III. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 76.
255 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Tratado teórico e prático dos contratos. 6. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 119.
256 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil: contratos. Atualizado por Xxxxxxx Xxxxxxxxxx.
v. 3. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 62.
257 “Em razão dessa característica, alguns autores chegaram a lhe negar natureza contratual, sob o fundamento de que falta a vontade de uma das partes – o que evidencia o seu caráter institucional. Todavia, prevalece o entendimento de que a aceitação das cláusulas, ainda que preestabelecidas, lhe assegura aquele caráter”.
XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. v. III. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 76.
258 XXXXX, Xxxxxxx. Contrato de adesão: condições gerais dos contratos. São Paulo: XX, 0000, p. 4.
Xxxxxx Xxxxx000, ao comentar a estrutura do contrato por adesão, aponta o desequilíbrio significativo, que propicia o surgimento de cláusulas abusivas decorrente da estrutura comum desses contratos, qual seja, a constituição por condições gerais e a predisposição clausular por umas das partes, o que importa em evidente desigualdade no equilíbrio de poder.
As condições gerais abrangem os contratos padronizados, destinados a um número indeterminado de pessoas, como os contratos com pessoas jurídicas privadas no exercício de atividade atinente a serviço essencial, como distribuição de água, transporte público, energia elétrica, e os contratos cujas cláusulas foram elaboradas para uma única pessoa, sempre no interesse exclusivo do predisponente260.
Nesse sentido, as condições gerais destinam-se a governar, cercar e circunscrever a relação contratual como um todo e permitir que o contrato estabeleça um equilíbrio entre direitos e obrigações de cada uma das partes. Os termos injustos são justificados exatamente pelo fato de serem elaborados por apenas uma das partes em detrimento da outra261.
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx000 enfatiza a submissão da vontade individual na relação contratual por adesão a ditames de cunho normativo, regulamentar ou fático, expressos por cláusulas e condições gerais unilateralmente fixadas, rompendo a igualdade e o equilíbrio do contrato. Consequentemente, o utente ou adquirente de bens e serviços fica jungido a fórmulas, modelos e contextos definidos nos diferentes contratos colocados no mercado, não se permitindo interferências concretas da vontade do possível aderente no negócio realizado, pois a influência se dá pelos disponentes ou ofertantes ou pelo Estado em contratos, em leis ou em regulamentos. A estrutura do contrato por adesão estabelece o desequilíbrio patente na relação contratual, que se consubstancia pelas regras lançadas por uma parte apenas. Aliás, podemos dizer regras, não no sentido de lei do poder legislativo, com exceção das relações sob a égide do poder público, que concretamente pode se valer de leis e de regulamentos em razão do caráter de sua atividade, mas no sentido da imutabilidade e da rigidez lançada exclusivamente pela
parte conducente do negócio jurídico.
259 XXXXX, Xxxxxx. Le contract adhésion. 2017. 93f. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial). Xxxxxxxxxx xx xx Xxxxxxx, Xxx xx xx Xxxxxxx, 0000, p. 42.
260 XXXXX, Xxxxxx. Le contract adhésion. 2017. 93f. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial). Xxxxxxxxxx xx xx Xxxxxxx, Xxx xx xx Xxxxxxx, 0000, p. 23.
261 XXXXX, Xxxxxx. Le contract adhésion. 2017. 93f. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial). Xxxxxxxxxx xx xx Xxxxxxx, Xxx xx xx Xxxxxxx, 0000, p. 23.
262 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. A fenomenologia contratual nos dias presentes. In: XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx (Coord.); XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxxx; XXXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxxx. Os contratos de adesão e o controle de cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 3-4.
Xxxxxx Xxxxx000 menciona que os contratos privados concluídos no contexto da atividade industrial e comercial serão provavelmente contratos por adesão. De tal sorte que, se a pessoa pública determinou unilateralmente o conteúdo do contrato privado que concluiu com pessoa privada, o contrato fica sujeito à classificação de contrato por adesão. Por outro lado, se uma pessoa privada determinou unilateralmente o conteúdo do contrato privado que concluiu com uma pessoa pública, tal contrato é inserido na classificação de um contrato por adesão. Em síntese, podemos identificar contratos por adesão em âmbito público e privado.
Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx considera a bilateralidade contratual e, ao analisar o ato negocial, certifica a estrutura do contrato por adesão, descrevendo bem as cláusulas ou as condições como oferta ao púbico e a adesão como aceitação pura e simples do oblato.
Não se pode negar a existência do acordo de vontades, que resulta da análise do ato negocial: A – De um lado, há oferta permanente, aberta a quem desejar os serviços do proponente. As cláusulas ou condições deverão da mesma constar, ou de anúncios ou tabuletas em lugar visível, ou de regulamentos ou portarias baixadas pela Administração etc. Não pode o ofertante alterar as condições da proposta senão precedendo de ampla divulgação, ou aprovação das autoridades (nos casos em que estas controlam tais contratos como se dá com as tarifas de transportes, de serviços de luz, ou telefone, ou de fornecimento de gás, de diversões públicas etc.). B – A aceitação do oblato dá-se pura e simples. De regra, não comporta o contrato por adesão exceções pessoais. A aceitação é imediata, e o contrato se forma com qualquer pessoa, a não ser naqueles casos em que a oferta ao público admite ressalvas (v. n. 188, supra), como, por exemplo, a empresa de transporte não ser obrigada a admitir passageiro além da lotação do veículo, ou a casa de diversões públicas não ser compelida a tolerar o ingresso a quem não tenha condições de saúde ou moralidade264.
Podemos considerar dois momentos265lógica e cronologicamente diversos de um mesmo fenômeno. Num primeiro momento, o proponente formula o corpo contratual abstrato, redigindo as cláusulas que perfazem o conteúdo das contratações que se pretende concluir com agentes indeterminados. Num segundo momento, ocorre a adesão pelo potencial aderente. Atribui-se ao vínculo direitos e obrigações do contrato que não se relacionam com os outros contratos de igual conteúdo e modo, formalizados com outros sujeitos.
263 XXXXX, Xxxxxx. Le contract adhésion. 2017. 93f. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial). Xxxxxxxxxx xx xx Xxxxxxx, Xxx xx xx Xxxxxxx, 0000, p. 29.
264 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil: contratos. Atualizado por Xxxxxxx Xxxxxxxxxx.
v. 3. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 63.
265 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 108.
Podemos considerar dois aspectos266 do mesmo fenômeno. Trata-se de um só fenômeno e uma só categoria jurídica. A formulação prévia das cláusulas não teria sentido se não houvesse adesão pelos contratantes em número indefinido. As condições só têm significado quando ingressam no mundo jurídico através da aceitação, antes disso representam um nullum.
O autor português Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx000 atribui ao fenômeno uma fase estática “a da elaboração das cláusulas, que antecede e abstrai dos contratos que venham futuramente a celebrar-se” e outra dinâmica “a da celebração de cada contrato singular, isto é, a fase em que se celebra efectivamente o contrato com alguém”.
Xxxxxxx Xxxxx000 assinala que, sob o ponto de vista dogmático, a determinação da maior relevância dos aspectos do contrato por adesão é questão de preferência pelo ângulo, momento ou aspecto focalizado, em que se considere a “maior originalidade” do fenômeno. Em suma, é possível atribuir ao contrato a denominação tanto de condições gerais do contrato como de contrato por adesão. Lembramos que o autor reconhece a maior abrangência do termo condições gerais ao admitir os contratos originados pelo acordo entre as partes, por regulamento administrativo e formulado por terceiros.
A estrutura do contrato por adesão perfaz-se em duas partes distintas. Consideramos que o maior relevo se encontra na adesão, em virtude de somente através dela firmar-se o vínculo contratual. As condições gerais estabelecidas unilateralmente pelo policitante indicam um modo de contratação e refletem de fato uma evidente e forte característica neste contrato. Todavia consideramos que não seja este o ponto culminante da contratação na forma estandardizada, que é irrefragavelmente selada pela adesão.
A ótica de enfrentamento da matéria é retomada quando discutimos a terminologia, uma questão muito divergente, considerando que cada ordenamento possui normatização e características próprias. A seguir, veremos as justificativas das principais nomenclaturas adotadas.
266 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Atualização de Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 108.
267 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. O novo regime jurídico dos contratos de adesão/cláusulas contratuais gerais. Revista da Ordem dos Advogados Portugueses, Lisboa, ano 62, v. 1, jan. 2002. Disponível em: xxxxx://xxxxxx.xx.xx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxx-0000/xxx-00-xxx-x-xxx-0000/xxxxxxx-xxxxxxxxxx/xxxxxxx-xxxxx- monteiro-o-novo-regime-juridico-dos-contratos-de-adesao-clausulas-contratuais-gerais/. Acesso em: 20 dez. 2020.
268 XXXXX, Xxxxxxx. Contrato de adesão: condições gerais dos contratos. São Paulo: XX, 0000, p. 5.
3.2 Terminologia
Há controvérsia acerca do termo a se utilizar para nominar o fenômeno contratual. As designações variam conforme o realce que se deseja evidenciar. Segundo Xxxxxx Xxxxxxxxx000, os autores ressaltam a uniformidade e o caráter abstrato das cláusulas unilaterais predispostas pelo ofertante. A autora relata que a comparação entre os sistemas normativos demonstra essa designação:
(i) ora se acentuando a uniformidade e a abstração das cláusulas (contratos standard); (ii) ora a circunstância de que são predeterminadas e se destinam a uma série indefinida de contratações (condições gerais de contratação); (iii) ora a preponderância da vontade de um dos contratantes, à qual o outro apenas adere (contratos de adesão).
Há muitos desígnios para o contrato por adesão. Acompanhados de acentuada divergência, encontramos os termos condições gerais do contrato, condições gerais de contratação, condições uniformes de contrato, cláusulas contratuais gerais, predisposição de cláusulas uniformes, contratos standard, contratos regulamentados, contratos-tipos entre outros. A maior dúvida ocorre entre contrato por adesão e condições gerais do contrato.
Sob uma visão portuguesa, Xxx Xxxxx destaca a divergência acerca da nomenclatura:
A caracterização distintiva entre contratos de adesão e condições gerais de contratação (cláusulas contratuais gerais, na terminologia da lei portuguesa) nunca foi clara. Segundo alguns, a primeira categoria constituiu o género de que a segunda é uma espécie. Para outros, a distinção não é aparente, para não dizer inexistente; para alguns, ainda, contratos de adesão são aqueles que são individualmente celebrados pela(s) aceitação(ões) das condições gerais de contratação270.
O termo “condições gerais do contrato” é acolhido na Alemanha, allgemeine Geschäftsbedingungen (AGB), na Itália, condizioni generali dei contratti, e na Espanha, condiciones generales de los contratos. Na França, predomina a expressão contract d’adhésion, e, no domínio do common law, standard contract ou adhesion contract.
Os variados termos de alguma forma expressam o contrato por adesão, não há como negá-los. No entanto, conforme menciona Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx, isso varia conforme o ângulo que se deseja evidenciar. Assim, analisaremos os principais termos, quais
269 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 368- 369.
270 PRATA, Ana. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: anotação ao Xxxxxxx-Xxx x. 000/00, xx 00 xx xxxxxxx. Xxxxxxx: Almedina, 2010, p. 27-28.
sejam, contrato por adesão e condições gerais dos contratos, diante da menor expressividade dos demais, que são, inclusive, na grande maioria, derivações das duas expressões.
3.2.1 Contrato por adesão
O primeiro termo para identificar contratações massivas foi “contrato de adesão”, surgido na França, preconizado por Sailelles271, em 1901, em obra que estuda a declaração de vontade na parte geral do Código Civil alemão. Foi utilizado inicialmente de forma genérica e ainda embrionária.
O termo “contrato de adesão” goza de maior aceitação no Brasil, sob influência da doutrina francesa. O Código Civil brasileiro e o Código de Defesa do Consumidor adotaram a expressão “contrato de adesão”, em seus arts. 423 e 424; e 54, respectivamente. São adeptos do contrato de adesão: Xxxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Sílvio de Xxxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx.
O Código Civil brasileiro não definiu o contrato por adesão, embora o aceite expressamente, mas o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 54, assim o fez: “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
O Código Civil francês272, no art. 1.110, 2ª parte, adota a expressão “contrato de adesão” e o reconhece nos seguintes termos: “O contrato de adesão é aquele que inclui um conjunto de cláusulas não negociáveis, previamente definidas por uma das partes”. Contrapõe-se ao contrato paritário, gré à gré, descrito no mesmo artigo, 1ª parte: “O contrato por mútuo acordo é aquele cujas estipulações são negociáveis entre as partes”. Tradução livre.
Xxxxxx Xxxxx000 observa que o projeto preliminar da recente reforma contratual na França previa no art. 1.108, 2ª parte, que “o contrato de adesão é aquele cujas estipulações essenciais, retiradas da livre discussão, foram determinadas por uma das partes”. O termo “estipulações essenciais” foi retirado, dado que o contrato por adesão tem todas as cláusulas não negociadas, inclusive as cláusulas essenciais atinentes ao preço e ao objeto são as prioritariamente confirmadas pelo aderente, já as acessórias são desprezadas. No entanto, estas
271 XXXXXXXXX, Xxxxxxx. De la déclaration de volonté. Paris: Kessinger Legacy reprints, 1901, p. 229-230. 272 No original: “Article 1110. Le contrat de gré à gré est celui dont les stipulations sont négociables entre les parties. Le contrat d'adhésion est celui qui comporte un ensemble de clauses non négociables, déterminées à l'avance par l'une des parties”.
273 XXXXX, Xxxxxx. Le contract adhésion. 2017. 93f. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial). Xxxxxxxxxx xx xx Xxxxxxx, Xxx xx xx Xxxxxxx, 0000, x. 00.