FELISBERTO LUMBONGO SILVANO
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EXTINÇÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA
Orientador: Dr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
Departamento de Direito
XXXXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA
Tese/Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Mestre em Direito no Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Forenses conferido pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.
Orientador: Dr. Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
Departamento de Direito
Os pactos são para cumprir e
as promessas para honrar!
(Desconhecido)
DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação:
A minha família pelo seu imensurável amor, xxxxxxx e permanente apoio ao longo deste moroso percurso, bem como em todos os outros momentos.
A todos os profissionais do Direito que, colocando o seu saber em prol da comunidade, pugnam por um mundo mais justo.
E a todos aqueles que acreditaram em mim e fizeram parte de todo o processo de realização desta tese.
AGRADECIMENTOS
Mais do que um trabalho individual, esta dissertação é o resultado da colaboração e contributos de várias pessoas num processo que foi tudo, menos solitário. Por esta razão quero expressar os meus sinceros agradecimentos:
Em primeiro lugar a Deus e a minha família, os quais numa sociedade marcada por constantes encontros e desencontros, ligam-me a uma estimável e sincera amizade cuja génese radica do amor.
Ao Sr. Professor Doutor Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, por honrar-me com a sua orientação e pela disponibilidade e partilha de conhecimentos durante a concepção e execução desta dissertação. Foi uma honra ter sido seu aluno e orientando!
A todos os meus amigos que foram uma presença constante e incansável ao longo do meu percurso pessoal, académico e cujos momentos partilhados recordo com grande estima e xxxxxxx.
E finalmente à Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, como a todos os seus docentes e funcionários pela calorosa recepção que me proporcionaram e pelos doutos conhecimentos partilhados que me permitiram chegar aquilo que hoje sou.
RESUMO
O meu trabalho centra-se no domínio da extinção do contrato de empreitada.
Num primeiro momento, procura-se fazer uma análise histórica do contrato de empreitada, desde o Código de Hamurábi, passando pelo Direito Romano até à disposição legal vigente.
Num segundo momento, refere-se a noção de empreitada, sem deixar de mencionar outros ordenamentos jurídicos com o intuito de verificar se existe algum mecanismo semelhante ao do nosso estudo. Também destaca-se, nomeadamente, os elementos essências do contrato de empreitada, distinção de figuras afins, características qualificativas, distinção entre empreitada de direito público e de direito privado, como também um esclarecimento acerca da natureza civil ou comercial da empreitada. Ainda debate-se sobre a forma e formação do contrato de empreitada.
Num último momento, trata-se propriamente da extinção do contrato de empreitada, suas causas objecto de regimes específicos. E na subempreitada, aborda-se, assim de um sub- contrato de empreitada, em que o empreiteiro assume a posição de dono da obra perante um novo empreiteiro.
ABREVIATURAS
Ac. – Xxxxxxx al. – Alínea
art. (s.) – artigo (s)
BGB – Código Civil Alemão CC – Código Civil
CCEsp. – Código Civil Espanhol CCFr – Código Civil Francês CCom. – Código Comercial
CCP – Código dos Contratos Públicos CCIt – Código Civil Italiano
Cfr. – Confronte
CIRE – Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas CH – Código de Hamurábi
CO – Código Civil Suíço CT – Código de Trabalho
D. – Digesto
D.L. – Decreto-Lei
d.C. – depois de Cristo
FIDIC – Fédération Internacional des Ingenieurs Conseils ICE – Institution of Civil Engineers
n.º(s) - Número(s)
p. - página pp. – páginas
RJEOP – Regime jurídico de obras públicas RPt – Relação do Porto
RGui – Relação de Guimarães ss. – seguintes
STJ – Supremo Tribunal de Justiça Vol. - Volume
ÍNDICE
CAPÍTULO I: ANTECEDES HISTÓRICOS DE EMPREITADA 11
1.1. Regulamentação específica 11
1.1.2. Responsabilidade do empreiteiro 12
2.1.1. Origem da Empreitada 13
3.2. Codificação oitocentista 16
3.2.1. Código de Comércio de 1833 16
3.2.2. Código Civil de 1867 18
CAPÍTULO II: NOÇÃO E ASPECTOS GERAIS DE EMPREITADA 20
4.1. Os elementos essenciais do contrato de empreitada 22
4.1.1.1. Capacidade dos sujeitos 23
4.1.1.2. Legitimidade dos sujeitos 24
4.1.1.3. Pluralidade de sujeitos 26
4.1.3.1. Empreitada por preço global 34
4.1.3.2. Empreitada por artigo, por medida ou por tempo de trabalho 37
4.1.3.3. Empreitada por percentagem 38
5. Distinção de figuras afins 41
5.1. Contrato de prestação de serviços 41
5.3. Contrato de compra e venda 49
5.4. Contrato de promoção imobiliária ou venda em estado de acabamento 52
6. Empreitada de direito público e de direito privado 55
7. Natureza civil ou comercial da empreitada 59
8. Características qualificativas da empreitada 61
8.1. A empreitada como contrato nominado e típico 61
8.2. A empreitada como contrato normalmente não formal 61
8.3. A empreitada como contrato consensual 62
8.4. A empreitada como contrato obrigacional, podendo ser também real quoad effectum 62
8.5. A empreitada como contrato oneroso 62
8.6. A empreitada como contrato sinalagmático 63
8.7. A empreitada como contrato comutativo 63
8.8. A empreitada como contrato de execução instantânea ainda que prolongada 63
9. Forma do contrato de empreitada 64
10. Formação do contrato de empreitada 66
Capítulo III: EXTINÇÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA 72
11.1. Causas de extinção como regime específico 72
11.1.1. Impossibilidade de Cumprimento Não Imputável às Partes 72
11.1.2. Risco pela perda ou deterioração da obra 78
11.1.3. Desistência do Dono da Obra 79
11.1.4. Morte, incapacidade, extinção ou insolvência do empreiteiro 85
11.1.4.1. Morte, incapacidade ou extinção do empreiteiro 85
11.1.4.2. Insolvência do empreiteiro 89
11.1.5. Morte, extinção ou insolvência do dono da obra 90
11.1.5.1. Morte ou extinção do dono da obra 90
11.1.5.2. Insolvência do dono da obra 90
11.2.1. Considerações gerais 91
BIBLIOGRAFIA 100
• Jurisprudência 100
ANEXOS CII
• Minuta do contrato de empreitada CII
INTRODUÇÃO
O presente estudo, mais do que o resultado de uma dissertação da cadeira de Instituições do Direito Privado orientado pelo professor Doutor Xxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx da Faculdade de Direito na Universidade Lusófona, é uma forma de abordar mais directamente uma temática de interesse cada vez mais acentuado nos dias de hoje. Afinal, todos os dias, certamente, se celebram contratos de empreitada. É por isso imperativo que qualquer jurista mais ligado ao direito privado esteja bem informado do regime legal que trata este tipo de contrato. São os artigos 1207.º a 1230.º do Código Civil que se ocupam dele.
O contrato de empreitada tem um papel relevante no comércio jurídico, na medida em que são vários os fins que se podem alcançar através do recurso a este negócio. Por via de regra, o contrato de empreitada encontra-se associado à construção de edifícios, até porque o “sector da construção civil” tem conhecido, nas últimas décadas, uma importância e um desenvolvimento considerável, e muitos dos edifícios são construídos por empreiteiros, relacionados com os proprietários dos terrenos mediante contratos de empreitada. Daí que o legislador tenha, sobretudo, feito incidir a sua acção neste sector da actividade económica.
Mas o objecto do contrato de empreitada não se esgota na construção e reparação de edifícios. Os negócios jurídicos mediante os quais se acorda a construção ou reparação de bens móveis, tais como automóveis, navios, mobiliário, também se enquadram na noção de empreitada. E podem igualmente ser objecto do contrato em apreço o desaterro e a remoção de terras, a perfuração de túneis e poços, a abertura ou reparação de estradas, a dragagem de portos e de estuários, a drenagem de pântanos, etc.1.
A delimitação do objecto do contrato de empreitada não é de forma alguma, pacífica. Há, por exemplo, dúvidas quanto a classificar como de empreitada o contrato pelo qual alguém se obriga a escrever livro, a lavar ou passar a roupa, a organizar um espectáculo, etc.; ou mesmo contratos por força dos quais um engenheiro ou um arquitecto tome o encargo de elaborar um projecto, um médico se comprometa a realizar determinada intervenção cirúrgica, um jurista se vincule a dar um parecer, etc.. Um exemplo actual de empreitada, embora discutível, configura-se na hipótese de alguém se comprometer a elaborar um determinado programa para computadores2.
1 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª edição, Almedina, 2010, p. 318.
2 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª edição, Almedina, 2010, p. 318.
Tem-se verificado uma tendência para alargar, cada vez mais, o objecto do contrato em apreço. Mas mesmo admitindo que a empreitada se restringe à construção, modificação e reparação de coisas corpóreas, não se pode pôr em causa a enorme importância prática deste negócio jurídico.
O art. 1207.º do Código Civil define a empreitada como o contrato pelo qual alguém se compromete a realizar certa obra mediante um preço. Trata-se de uma modalidade da figura mais ampla da prestação de serviços, na qual se incluem igualmente, outros contratos distintos da empreitada como o de mandato, de depósito ou da prestação de serviços atípica. Diverso da empreitada é também o contrato de trabalho mencionado no art. 1152.º do Código Civil. Algum tipo de sobreposição, a requerer clarificação, pode existir também entre o contrato de compra e venda e o contrato de empreitada.
Embora este trabalho incida mais sobre a extinção do contrato de empreitada entre as partes (dono da obra e empreiteiro), pareceu-me da mais alta conveniência fazer um breve percurso sobre o desenrolar do contrato de empreitada para que pudesse ser feito um seguimento lógico-racional e também jurídico da questão, bem como facilitar a compreensão de certos aspectos do regime.
Posto isto, resta-me iniciar o estudo.
CAPÍTULO I: ANTECEDES HISTÓRICOS DE EMPREITADA
1. Código de hamurábi
O presente estudo inicia-se pelo Direito sumério, não porque se saiba que tenha influenciado, directa ou indirectamente, o Direito português, mas porque nele se encontravam disciplinados certos aspectos que, em Portugal, só foram alvo de legislação no séc. XIX e, mesmo assim, de forma menos pormenorizada.
O Código de Hamurábi (1728-1686 a.C.), apesar de não ser o corpo de leis mais antigo de entre os conhecidos, é, sem dúvida, o melhor transmitido3.
O termo «código», usado com referência a este conjunto de princípios jurídicos, deve-se a Scheil, que identificou e traduziu uma «estela» encontrada em Susa. A própria divisão em duzentos e oitenta e dois (282) parágrafos deve-se ao supracitado tradutor. Todavia, a opinião maioritária tende hoje no sentido de considerar o conteúdo da referida estela como uma obra literária, não obstante nela estarem consagrados certos princípios jurídicos. Esta tese sustenta-se, para além de outros aspectos, no facto de serem frequentes as passagens laudatórias4 à acção do rei (Xxxxxxxx), bem como por constarem sentenças justas que o monarca proferira, as quais seriam exemplo para os outros julgadores.
1.1. Regulamentação específica
Nos §§ 215 a 250 CH encontram-se especificados os direitos e obrigações de diversas classes profissionais, entre as quais as de pedreiro (§§ 228 a 233 CH) e de construtor naval (§§ 234 e 235 CH).
Em relação a estas duas actividades, o Código resolve dois problemas: o da determinação do preço e o da responsabilidade do empreiteiro.
1.1.1. Preço
Quanto à fixação do preço, os §§ 228 e 234 CH estabelecem o montante a pagar ao construtor que, respectivamente, edifica uma casa ou calafeta um barco. Nos termos do
3 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª edição, Almedina, 2010, p. 343.
4 Passagens que encerram louvores.
primeiro destes preceitos, por cada trinta e seis (36) metros quadrados construídos o empreiteiro deveria receber dezasseis (16) gramas de prata. Tal como refere o § 234 CH, o calafetador de um barco de quinze (15) ou de dezoito (18) toneladas teria direito a receber dezasseis (16) gramas de prata.
1.1.2. Responsabilidade do empreiteiro
Nos §§ 229 ss. e no § 235, o Código de Hamurábi apresenta um conjunto de regras, cujo tratamento pormenorizado da matéria só voltou a merecer o cuidado do legislador de Direito Civil com o BGB.
Se o empreiteiro não tivesse «reforçado» o trabalho e a casa construída caísse, ele teria de indemnizar o dono da mesma (§ 229 CH). O termo «reforçado» talvez seja de interpretar no sentido de que a responsabilidade do empreiteiro dependeria de culpa.
Relativamente à responsabilidade do construtor estabelecida no Direito sumério, podem distinguir-se os seguintes aspectos:
1. Quanto aos danos pessoais aplicava-se o ius talionis. Impunha-se a morte do “pedreiro”, se ele tivesse dado azo à morte do dono da obra (§ 229 CH), a morte do “filho do mestre”, se este causasse a morte do filho do comitente (§ 230 CH), ou “a entrega de um escravo” equivalente, se o construtor tivesse morto um cavalo do dono da obra (§ 231 CH).
2. Os danos materiais causados noutros bens do comitente eram indemnizados (§ 232, 1ª Parte CH). Estava, por conseguinte, prevista a indemnização por danos extra rem.
3. Em relação ao defeito da obra, foi estabelecida a possibilidade de ser exigida uma pretensão de cumprimento. Se a obra ruísse, o empreiteiro teria de a “reconstruir” (§ 232, 2ª Parte CH); se a obra ameaçasse cair, o pedreiro teria de «reforçar» os muros à custa (§ 233 CH). Estavam, assim, consagrados os direitos de exigir, tanto a nova realização da obra como a eliminação dos defeitos.
4. Por último, se o barco calafetado sofresse de avaria durante um ano após a realização desse trabalho, o construtor “teria de repará-lo com os seus próprios recursos” (§ 235 C H). Mais uma vez, era imposto ao empreiteiro o dever de eliminar os defeitos durante um prazo de garantia.
2. Direito romano
2.1. Digesto
Embora serem escassas as referências jurídicas ao contrato de empreitada, é sabido que a actividade de construção, principalmente a partir da República e com especial incidência no início do Império teve grande apogeu em Roma, tanto no que se refere a obras públicas como privadas. Num “trecho de Horácio5” refere-se que as ruas de Roma naquela época, estavam cheias de mulas carregadas de materiais de construção. Em Roma, o auge da construção ter-se-á verificado nos finais do séc. I e inícios do séc. II d. C..
2.1.1. Origem da Empreitada
O contrato de empreitada parece que se terá desenvolvido no “Direito Público” e daqui veio a influenciar idênticos tipos de contratação no domínio privado.
Os trabalhos públicos eram executados pelas legiões, por prisioneiros, por escravos e por homens livres. A direcção dos trabalhos públicos era confiada ao curator operis – que tinha a direcção e responsabilidade da obra pública (D. 50.8.11(9)) e representava os interesses do Estado e do Município -, aos inspectores e ao mensor aedificarum (verificador); mas eram os censores que se ocupavam das construções, especialmente em Roma, quando estas se apresentavam como essenciais para a cidade, tais como vias, condução de água e portos6.
Sempre que os trabalhos públicos eram realizados com a pecunia publica, a sua execução era fiscalizada por “magistrados” (aediles, duoviri e quattuorviri).
As construções públicas podiam ser financiadas pelo imperador, pelas cidades ou pelos cidadãos. Neste último caso, o financiamento poderia corresponder a um agradecimento pelas honras recebidas, como forma de se furtarem às obrigações para como o poder público ou como mecenas para perpetuarem a sua memória.
No Direito Privado romano, o contrato de empreitada era um tipo de locatio conductio e, como tal, o seu tratamento pode encontrar-se no Digesto7 (19.2), distinguido por
5 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª edição, Almedina, 2010, p. 345. 6 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª edição, Almedina, 2010, p. 346. 7 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª edição, Almedina, 2010, p. 346.
três contratos de locação diversos8: a locação de coisa (locatio-conductio res), de trabalho (locatio-conductio operarum) e de obra (locatio-conductio operis) 9. Contudo, esta teoria da tripla locatio, dominante no século XIX, tem vindo a ser contestada em favor da doutrina da unidade contratual da figura junto dos romanos.
A distinção romana ainda aparece subjacente ao Código Civil francês de 1804, bem como aos Códigos por este influenciados, como o Código italiano de 1865. O Código civil português de 1867 autonomizou, porém, a locação, que restringiu ao gozo de coisas, do contrato de prestação de serviços e do contrato de trabalho, quebrando assim essa ligação histórica. A mesma coisa fez o actual Código Civil, limitando a locação ao gozo de coisas (art. 1022.º), e separando os contratos de trabalho (art. 1152.º), do contrato de prestação de serviços (art. 1154.º), de que a empreitada constitui uma modalidade (art. 1155.º)10.
Enfim, a locação (locatio-conductio) correspondia a um contrato consensual, sinalagmático e de boa-fé11, no qual uma pessoa se obrigava a atribuir o gozo temporário de uma res12 ou prestar serviços ou a realizar uma obra13, tendo como contrapartida o pagamento de um preço.
3. Direito português
3.1. Ordenações
No âmbito das fontes de Direito português, em sentido próprio ou autêntico, as Ordenações nacionais não acompanharam, a regulamentação proveniente do Direito romano.
As Ordenações Afonsinas (1446-1447) disciplinam o “aluguer de casas” no Liv. IV, Tit. LXXIII e seguintes. Enquanto isso, o contrato de prestação de serviços aparece regulado, de forma incipiente, no Liv. IV, Tit. XXVI e de seguintes, sem qualquer relação com a locação de coisas. Parece patente a unificação, num só contrato, da empreitada e da prestação de serviços – sendo, portanto, a primeira apenas uma modalidade, porém, da segunda.
8 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III (Contratos em Especial), 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 509.
9 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª edição, Almedina, 2010, p. 346 e ss..
10 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III (Contratos em Especial), 7ª Edição, Xxxxxxxx, 0000, pp. 509- 510.
11 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em especial), Vol. II, 2ª Edição Revista, Almedina, 2013, p. 19.
12 Origem da actual locação.
13 Actual empreitada.
O mesmo aparenta suceder com as Ordenações Manuelinas, promulgadas em 1521. O “contrato de aluguer de casa” vem regulado no Liv. IV. Tit. LVII e seguintes, sem qualquer ligação à empreitada à prestação de serviços. Em contrapartida a disciplina deste último contrato, tratado no Liv. IV, Tit. XVII e seguintes, de forma também relativamente superficial, mostra indícios de compreender também a actual empreitada14.
Finalmente, as Ordenações Filipinas (sancionadas em 1595 e mandadas observar em 1603) prevêem o “aluguer de casas” no Liv. IV, Tit. XXIII e seguintes e, pela primeira vez, fazem seguir a este regime, do ponto de vista sistemático, o contrato de prestação de serviços nos Tit. XXVII e subsequentes. Isto com única excepção: no contexto da “regulamentação da lesão na compra e venda”, se o vendedor foi enganado para além de metade do justo preço, manda-se aplicar o regime previsto para este contrato de arrendamento e a todos os outros nos quais se deixa uma coisa por outra. Porém, estabelece-se, em norma inserida sistematicamente a propósito da disciplina da compra e venda, não na da locação de serviços15, “não poderem beneficiar das disposições legais a este respeito os oficiais de cantaria, alvenaria, carpintaria nem quaisquer outros oficiais nas obras de seus ofícios, por si, ou por interpostas pessoas, a concerto das partes, ou sendo-lhes arrematadas em pregão. Isto porque, no das Ordenações Filipinas, professando eles ser mestres daquelas artes, sabem e têm razão de saber, o verdadeiro preço das obras. Mas não há qualquer ligação, nas Ordenações Filipinas, entre a locação e a prestação de serviços.
Em suma, com respeito às duas primeiras Ordenações, verifica-se até que os dois contratos encontram regulamentação em locais distintos; o mesmo não se pode dizer quanto às Ordenações Filipinas, em que o contrato de prestação de serviços vem tratado a seguir ao de locação. Apesar desta sequência expositiva, na última das Ordenações não se encontra qualquer afinidade entre os dois negócios jurídicos; além de que, em nenhum dos casos, é usada a expressão «locação-condução».
A figura que actualmente se qualifica como sendo um contrato de empreitada não tinha, então, autonomia jurídica, pois, ou bem que se incluía no contrato de prestação de serviços, em especial no hoje designado contrato de trabalho, ou não se distinguia da compra e venda.
14 Xxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em especial), Vol. II, 2º Edição Revista, Almedina, 2013, p. 118.
15 Xxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em especial), Vol. II, 2º Edição Revista, Almedina, 2013, p. 118.
Quanto à primeira situação é de voltar a referir que a autonomia do contrato de empreitada com respeito ao de prestação de serviços só ocorre quando se verifica uma maior especialização na execução das obras; pois, até lá, a regra é estas serem realizadas sob a autoridade directa daquele a quem se destinam. A indistinção entre os dois contratos pode apreciar-se na seguinte passagem das Ordenações Afonsinas (Liv. IV, Tit XXIX, n.º 1): «(…) que alguns serviçaaes (…) aas vezes demandão pelo serviço, que ham de fazer, mais do que val a cousa (…)». A própria doutrina, ainda no séc. XIX, continuava a reflectir a mesma tendência16.
Em relação ao segundo aspecto, Xxxxxx xx Xxxxx00, exprimindo o pensamento da sua época e, possivelmente, de épocas anteriores, refere que se o empreiteiro fornece o material e a mão-de-obra, o contrato é uma verdadeira venda.
Apesar de as Ordenações não fazerem referência ao contrato de empreitada, a doutrina anterior ao primeiro Código Civil, tomando por base a legislação estrangeira, em especial o Código Civil Francês, estabelecia certos princípios válidos neste domínio, nomeadamente no que respeita a assunção do risco, ao pagamento do preço e a responsabilidade do empreiteiro.
3.2. Codificação oitocentista
3.2.1. Código de Comércio de 1833
Nos arts. 512º e seguintes do Código de Comércio de 1833, ao arrepio da tradição18 jurídica portuguesa e possivelmente por influência francesa, usa-se a expressão «locação- condução» com referência aos “contratos de prestação de serviços e de empreitada”.
16 Nesse sentido pode ver-se, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em especial), Vol. II, 2ª Edição Revista, Almedina, 2013, p. 355 (que menciona também o facto de a actual empreitada poder, nesta altura, confundir-se, ainda, com a compra e venda. É, aliás, a diferenciação entre compra e venda e locatio operis ou empreitada, um aspecto que preocupava, os juristas romanos, particularmente quando a obra era realizada com materiais fornecidos pelo próprio executante, e continuou, perpetuando-se, depois, nas inquietações dos juristas do ius commune): Ordenações Afonsinas, 4, 29, n.º 1 onde, sob a epígrafe «Dos mancebos e serviçaaes, quaes devem ser constrangidos, e como deve ser pagados».
17 Xxxxxx xx Xxxxx, Instituições de Direito Civil Portuguez, Tomo II, 6 ª edição, Coimbra, 1886, § 850, pp. 662 e 663.
18 Em sentido contrário, v., porém, Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em especial), Vol. II, 2ª Edição Revista, Almedina, 2013, p. 134, para quem o Código de Comércio de 1833, ao regular a prestação de serviços e empreitada no contexto de locação-condução, surge ao arrepio da tradição jurídica que vinha, no período do ius commune ou Direito intermédio, do Direito romano,
A locação-condução era entendida à luz deste Código, como o contrato pelo qual uma das partes se obrigava a dar à outra, por certo tempo e por um determinado preço, o gozo de uma coisa ou de seu trabalho (art. 512.º). O seu objecto era, assim, constituído por coisas ou trabalho (art. 513.º).
Esta noção era, ela própria, fortemente tributária da tradição romanista e do ius commue, como o atesta, de imediato, o seu confronto com as definições oferecidas pelos autores pertencentes às sucessivas escolas do vasto e secular oceano do Direito comum.
Não obstante identificar-se a prestação de serviços e a empreitada com o contrato de locação, o código mandava aplicar àqueles negócios jurídicos as regras relativas a feitores, caixeiros, recoveiros e demais empregados do comércio (art. 514º do CCom. de 1833); ou seja, os arts. 154º e seguintes do CCom. de 1833. Porém, o Código esclarecia que o contrato de locação de obras ou trabalho podia ser um negócio no qual se convencionava o fornecimento apenas do seu trabalho ou indústria – i.e., apenas uma prestação de serviço – ou fornecer igualmente a matéria. Nesse caso tratava-se de um contrato de empreitada (arts. 514.º e 515.º). Os operários que de per se tomavam directamente empreitadas eram apelidados de empreiteiros e ficavam sujeitos às regras prescritas no título relativo à locação-condução (arts. 515.º e 525.º).
Em matéria de risco dispunha o art. 516.º se, tomada uma obra de empreitada, a coisa perecesse, por qualquer modo, antes de entregue, a perda corria pelo empreiteiro, salvo estando o dono da obra em mora. Se o operário só fornecesse o seu trabalho ou indústria ele só respondia pelo perecimento culposo (art. 517.º), mas, não havendo nesse caso mora da outra parte, perdia o direito ao salário se a coisa não perecesse por vício próprio (art. 518.º). Tratando-se de um contrato de empreitada propriamente dito (i.e., o definido como tal pelo art. 515.º), o empreiteiro era ainda responsável, na eventualidade de o bem perecer no todo ou em parte por vício da coisa, por perdas e danos (art. 519.º). Da mesma forma o locator operis respondia pelo facto das pessoas por ele empregues (art. 523.º)19.
A regulamentação específica do contrato de empreitada, estabelecida neste Código de Comércio nos arts. 515º a 525º, veio a passar, com algumas alterações, para o Código Civil de 1867.
A qualificação da empreitada como um contrato de locação, estabelecida no Código de Comércio de 1833, não só, não tinha tradição no sistema jurídico português, como não teve
subsidiariamente vigente entre nós a este respeito dada a insuficiência da disciplina constante do Direito pátrio e, particularmente, das sucessivas ordenações.
19 A extinção do contrato de empreitada essa era regulada pelos arts. 521.º e 522.º.
seguimento, pois foi abandonada no Código Civil de 1867, diploma onde a empreitada passou a encontrar regulamentação.
3.2.2. Código Civil de 1867
O Código de Seabra procedeu, de algum modo, a uma ruptura com a tradição nacional proveniente da vigência subsidiária do ius commune e do Código de Comércio de 1833 ao autonomizar a empreitada da locação. Na verdade, o Código Civil de 1867 viria a disciplinar o contrato de empreitada na secção III, Capítulo IV, Título II (contratos em particular), Xxxxx XX (Dos direitos que se adquirem por facto e vontade própria e de outrem conjuntamente a propósito do contrato de prestação de serviços)20.
Assim, o mesmo começa por dar uma noção de empreitada (art. 1396.º) que, em termos gerias, não se afasta muito do conceito do actual Código Civil. Nos termos deste preceito, os elementos do contrato seriam as partes (dono da obra e empreiteiro), a realização de uma obra e o pagamento do preço.
A obra deveria ser realizada no prazo acordado ou, na falta deste, naquele que fosse razoável para a sua execução (art. 1400.º).
Relativamente ao preço da empreitada, salvo costume da terra ou convenção em contrário, em princípio, seria pago aquando da entrega da obra (art. 1406.º) e o empreiteiro, em obras mobiliárias, gozava do direito de retenção (art. 1407.º). Preenchidos determinados pressupostos, os vendedores de materiais e os operários podiam exigir a sua remuneração ao dono da obra (art. 1405.º). Mesmo que o preço dos materiais ou da mão-de-obra tivesse aumentado, o empreiteiro não podia exigir qualquer aumento da remuneração (art. 1401.º), desde que não se encontrassem preenchidos os pressupostos do § (parágrafo) único do mesmo preceito.
Quanto ao «risco» este pertencia ao dono da obra se os materiais fossem por ele fornecidos. Fosse, porém, o empreiteiro a prestar a matéria utilizada na obra era ele a suportar o perigo de deterioração da mesma (arts. 1397.º e 1398.º).
Tal como no actual Código Civil, também então se admitia que o dono da obra desistisse da empreitada já começada, contanto que indemnizasse o empreiteiro (art. 1402.º). A morte ou incapacidade do empreiteiro implicava a rescisão do contrato (art. 1403.º), pois
20 Sendo, de resto, o modo como a prestação de serviços se relacionava no Direito romano e no ius commune com a própria locatio-conductio, ela própria, tal como referido ao longo das páginas anteriores, questão objecto de disputa e desentendimento.
partia-se do princípio que o negócio era celebrado intuitu personae. De modo diverso, o falecimento do dono da obra não afectava a execução do contrato (art. 1404.º).
Por último, a responsabilidade do empreiteiro baseava-se na culpa deste (arts. 1398º e 1408.º), mas, à excepção dos contratos de empreitada respeitantes à realização de edifícios ou de outras construções consideráveis, em que foi estabelecido um prazo de garantia de cinco anos (art. 1399.º), o mestre de obra não respondia por danos detectados após a aceitação.
CAPÍTULO II: NOÇÃO E ASPECTOS GERAIS DE EMPREITADA
4. Noção de empreitada
Frequentemente, nos códigos de Direito Civil, a regulamentação do contrato21 de empreitada costuma ser precedida de uma definição do mesmo. Mas nem sempre isso acontece, como se verifica, verbi gratia, no Código Civil Brasileiro (arts. 1237.º e ss.) e no Código Civil Francês (arts. 1787)22. Nestes diplomas, o conceito de empreitada infere-se do regime estabelecido.
No Código Civil Espanhol (art. 1544), define-se empreitada (arrendamento de obras ou de serviços) como o contrato mediante qual uma das partes se obriga a executar uma obra ou a prestar um serviço, por preço certo.
O Código das Obrigações Suíço (art. 363) considera como sendo de empreitada o contrato pelo qual uma das partes fica adstrita a executar uma obra, mediante um preço que a contraparte se vincula a pagar-lhe.
No nosso Código Civil (art. 1207º) define-se a empreitada como o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante preço. Daqui se infere que a noção dada pelo Código Civil português, à excepção do que respeita ao objecto da empreitada, não difere substancialmente das definições que constam de outros diplomas de Direito Civil.
Segundo Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx00, das definições legais referidas, e em especial da constante do art. 1207º do CC, resulta três elementos do contrato de empreitada: os sujeitos; a realização de uma obra; e o pagamento do preço. Já Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00, fazem referência aos dois elementos essenciais: a realização da obra e o pagamento do preço, que são simultaneamente o objecto das duas obrigações principais sinalagmáticas criadas pelo contrato.
21 No presente estudo parte-se do pressuposto de que a realização da obra é consequência de um dever de origem contratual, mas nada obsta a que o empreiteiro a efectue na qualidade de gestor de negócios, caso em que encontram aplicação as disposições constantes dos arts. 464º ss. CC.
22 É de notar que o art. 610 CCBr., tem uma redacção muito similar à do artigo 1787. Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 361.
23 O art. 1207º CC (Noção de empreitada) teve também por fonte o art. 1396º CC 1867. Veja-se também Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx, Código Civil Anotado, ao artigo 1207º, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, p. 863 e ss., no que respeita a críticas a esta noção.
24 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 150.
A simplicidade da noção de empreitada é enganadora25: o contrato de empreitada tem tido enorme evolução como tipo social. O esquema tradicional – e de alguma forma pressuposto no regime jurídico-civil contido nos arts. 1207.º a 1230.º do nosso CC – partia da ideia de um dono da obra que pessoalmente contrata um profissional da sua confiança (e daí, por exemplo, a exigência de autorização para a subcontratação) e acompanha o processo de execução, tendo uma intervenção decisiva, utilizando e afeiçoando depois a obra de acordo com a sua própria planificação, até ter o resultado final que verdadeiramente lhe interessa e que resulta da celebração de vários contratos: um contrato de empreitada para a construção do imóvel, contratos para a aquisição dos bens que equipam o imóvel, e assim por diante.
Pelo contrário, a tendência actual é a de uma simultânea simplificação externa e complexificação interna dos esquemas contratuais relacionados com a construção ou remodelação de imóveis e de equipamentos complexos (como máquinas industriais, sistemas de informação e comunicação, sistemas de segurança, etc.26). Ou seja, cada vez mais o interesse do cliente final é o de estar envolvido num único instrumento contratual, que lhe permita obter tudo o que pretende, delegando numa única entidade, com reconhecida experiência e solidez (que ofereça, designadamente, garantias de solvabilidade), reduzindo os custos da chamada «gestão de contrato» - multiplicando-se os chamados contratos de tipo
«chave na mão» e análogos.
A essa simplificação externa na relação com o interessado final corresponde, inversamente, uma evidente complexificação interna na posição do empreiteiro: já não é o cliente final que vai obter, por si, o concurso dos técnicos de electricidade, canalizações, engenharia, etc.27, através de múltiplos contratos, ou as licenças necessárias àquilo que se pretende realizar; mas obviamente, o concurso dessas diversas especialidades e a obtenção dessas licenças continua a ser necessário: quem fica com a obrigação de os obter é a parte (na grande maioria dos casos, um profissional), que assume a obrigação de entregar uma obra concluída, que é, portanto, o «empreiteiro». Simplesmente, apesar dessa designação, o empreiteiro não vai, muitas vezes, executar pessoalmente a obra, pelo menos integralmente, ficando como que numa posição de controlo (e responsabilidade) das prestações de outrem, garantindo ao dono da obra o resultado final.
25 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Miguel Raimundo, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Xxxxxxxx, 0000, pp. 151 e 152.
26 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 151.
27 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 151.
A estas modalidades contratuais complexas a Doutrina e a Jurisprudência vêm atribuindo designações específicas (contrato de arquitectura, contrato de engenharia – inspirado no contrato de engineering anglo-saxónico – contrato de management), que, no entanto, parecem dever ainda poder ser reconduzidas ao contrato de empreitada, e não, por exemplo, ao contrato de mandato ou à prestação de serviços atípica.
O movimento acima referido, complementado pela prática de aproveitar outros modelos, mais desenvolvidos, de contrato de empreitada (como o da empreitada de obras públicas, ou os modelos internacionais), leva à existência de vozes no sentido da necessidade de uma actualização do regime da empreitada, por se pretender que o regime jurídico-civil da empreitada retome alguma da centralidade que outrora teve, porventura hoje nalguma medida perdida. A matéria da empreitada (acaso em maior medida do que os outros contratos da parte especial do Livro das Obrigações do Código Civil) seria nesta perspectiva um campo de intervenção privilegiado numa futura lei de modernização do Direito das obrigações28.
4.1. Os elementos essenciais do contrato de empreitada
4.1.1. Os sujeitos
São sujeitos no contrato de empreitada, o dono da obra, também designado de comitente, e o empreiteiro.
Nas empreitadas de obras públicas, o dono da obra poderá ser a administração estadual, directa e indirecta, a administração regional e a administração local (art. 2.º/1 do CCP), além disso, também podem assumir o papel de dono da obra em tais empreitadas as empresas públicas e as sociedades anónimas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos, bem como as empresas concessionárias de serviços públicos.
Nas restantes empreitadas, o comitente pode ser uma pessoa, singular ou colectiva, que encarrega outra de executar certa obra.
28 A matéria do contrato de empreitada não foi objecto de particular atenção nos relatórios preliminares elaborados ao abrigo do Protocolo celebrado entre o Gabinete de política legislativa e planeamento do Ministério da Justiça e as Faculdades de Direito da Universidade de Coimbra, da Universidade de Lisboa, da Universidade Católica e da Universidade Nova de Lisboa, in Reforma do Direito Civil, 2005, que, com particular destaque para os Relatórios da Faculdade de Direito de Coimbra e da Faculdade de Direito de Lisboa, recomendam alguma cautela quanto à reforma legislativa do Direito Civil. Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 152.
Em qualquer dos tipos de empreitada, o empreiteiro será a pessoa, singular ou colectiva29, a quem foi encomendada a execução de uma obra.
4.1.1.1. Capacidade dos sujeitos
Em matéria de capacidade para a celebração do contrato de empreitada, é consensual a afirmação de que não existem especificidades de maior a assinalar30. Aplicam-se, pois, as regras gerias sobre capacidade para a celebração de negócio jurídicos privados. Para alguns efeitos (capacidade do menor emancipado, do inabilitado e do representante legal do menor), essas regras obrigam à distinção entre actos de administração (ou de administração ordinária e extraordinária, dentro dos actos de administração) e actos de disposição, sendo necessário averiguar em que categoria se enquadra o contrato de empreitada em questão para concluir acerca da capacidade jurídica necessária à sua celebração31.
O critério exige uma precisão no caso dos empreiteiros profissionais. Com feito, para essa parte no contrato, o ajuste de uma empreitada parece ser em princípio, salvo casos excepcionais, um acto de administração ordinária, pois corresponde ao modo normal de prossecução da sua actividade empresarial32; só há que aplicar plenamente o critério acima mencionado no caso de o empreiteiro não ser profissional. Assim, Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00 afastam-se ligeiramente da visão, defendida por Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx00, segundo a qual para o empreiteiro a celebração de empreitadas seria sempre um acto de administração ordinária.
Segundo Xxxxxxx Leitão35, a empreitada de administração ordinária pode, pois, ser celebrada pessoalmente por todos quantos são dotados de capacidade (apenas) para a prática de actos desse tipo, por exemplo, os inabilitados, que só não podem praticar por si actos de disposição (art. 153.º do CC). Nas empreitadas que excedam a mera administração a celebrar em nome de pessoas com capacidade reduzida, há que cumprir as formalidades exigidas por
29 Estas pessoas colectivas assumem normalmente a forma societária, mas nada obsta a que, em circunstâncias determinadas, possam revestir o carácter cooperativo. Sobre esta questão, vd. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 364.
30 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 365; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 521.
31 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 249.
32 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 365.
33 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 250.
34 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 365.
35 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 521.
lei para a celebração do contrato (intervenção dos representantes legais do menor e eventualmente do tribunal, do curador do inabilitado, etc.) sob pena de anulabilidade do contrato.
Afirma-se que existe uma correspondência entre as empreitadas de reparação – que seriam sempre actos de administração ordinária – e de nova construção (ou em geral de criação) – que seriam sempre actos de administração extraordinária ou de disposição36.
Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00, afastam essa concepção no tocante à posição do empreiteiro, ao concluir ser, no caso de se tratar de um profissional, o contrato, em princípio, acto de administração ordinária; mas pensam ser a mesma igualmente de afastar a propósito da posição do dono da obra. Com efeito, o máximo susceptível de se afirmar é corresponder a empreitada de nova construção, em princípio, a um acto de disposição para o dono da obra, e a de reparação ou manutenção a um acto de administração ordinária; mas apenas in casu, por aplicação do critério acima enunciado, se poderá concluir definitivamente38. Se alguém se dedica profissionalmente à compra e venda de imóveis, e no quadro da sua actividade compra um terreno no qual se encontra uma casa em ruínas, e celebra uma empreitada para demolição dessa construção e construção de um novo prédio, com fito de revender o imóvel, isso poderá configurar um acto de mera administração – mesmo tratando-se de uma empreitada de nova construção.
4.1.1.2. Legitimidade dos sujeitos
O dono da obra deve ter legitimidade para celebrar a empreitada. Tal exige, nas empreitadas que pressuponham a existência de uma coisa39, a existência, na esfera jurídica do dono da obra, de um direito susceptível de permitir a realização da intervenção objecto da empreitada.
A contratação de empreitadas, na qualidade de dono da obra, pode estar especialmente regulada; assim, por exemplo, no caso de existir um direito de usufruto, certas obras competem ao usufrutuário (as obras de reparação ordinária) e outras ao proprietário da coisa (art. 1471.º e ss., do CC), ou no caso da locação; por outro lado, podem existir servidões
36 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 521.
37 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 251.
38 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 366.
39 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 366.
de prédios confinantes, impeditivas da celebração da empreitada ou que pelo menos limitem o seu conteúdo lícito40.
Mostra-se debatida a questão de saber se os problemas de legitimidade na empreitada só podem verificar-se em relação ao dono da obra41, ou se também do ponto de vista do empreiteiro se colocam questões particulares42. Parece a Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00 ser também relativamente ao empreiteiro possível suscitar-se questões de legitimidade – tal pode acontecer se o empreiteiro se propuser executar o contrato num terreno pertencente a outrem (admitindo estarmos aí perante empreitada)44.
Tem-se considerado não invalidar o contrato a falta de legitimidade para celebração da empreitada, mas pode ser causa de responsabilidade do sujeito cuja legitimidade não exista, quer perante terceiros, quer perante a contraparte45, assim como capaz de determinar a aplicação do «regime da acessão», por exemplo no caso de obra realizada em terreno alheio46. Obviamente, interessará mais ao terceiro cujo direito esteja a ser (ou esteja para ser) afectado47 evitar a consumação dessa ofensa, usando os meios adequados, designadamente, o
embargo de obra nova (art. 397.º e ss. do Código de Processo Civil)48.
No Direito português, a actividade de execução de empreitadas de construção civil é regulada, dependendo o seu exercício lícito da titularidade de alvará de empreiteiro de construção civil para as classes de trabalhos objecto do contrato, ou de título de registo (cfr. arts. 4.º, 6.º e 6.º-A do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 69/2011, de 15 de Junho).
É duvidosa a questão de saber quais as consequências da celebração de contrato de empreitada por empreiteiro sem o competente alvará. Embora com dúvidas, inclinamo-nos
40 Acerca da legitimidade em caso de existência de direitos reais menores v. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, pp. 366 e 367; e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 522.
41 Como entende Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 366.
42 Neste sentido, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 521. Em sentido contrário Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 366.
43 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 252.
44 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 522.
45 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 366.
46 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 522. 47 O titular de direito idêntico sobre a coisa (comproprietário que não tenha autorizado a obra), o titular de direito real menor ou de direito pessoal de gozo cujo direito seja prejudicado pela obra; v. para os vários casos possíveis Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 522; Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Xxxxxxxx, 0000, pp. 366-367.
48 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 522.
para o entendimento segundo o qual a única consequência será a aplicação de uma coima ao empreiteiro, não sendo inválido o contrato de empreitada.
4.1.1.3. Pluralidade de sujeitos
A empreitada pode ser celebrada por partes singulares ou plurais. Na posição de dono da obra pode surgir mais do que um sujeito (pense-se no caso de empreitada em imóveis em regime de compropriedade). No caso de se tratar de «empreitada civil», a regra é a da parciariedade ou conjunção (art. 513.º do CC), sendo os direitos e obrigações dos donos da obra exercidos conjuntamente; se a «empreitada for comercial», a regra é a da solidariedade (art. 100.º do CCom.)49. Podem as posições dos dono da obra cifrar-se em obrigações indivisíveis; será aplicável nesses casos o regime do art. 538.º50 do CC.
O mesmo pode suceder com a posição do empreiteiro – se dois ou mais empreiteiros tomam a mesma obra. Da estipulação das partes decorrerá a resposta à questão de saber se a obrigação de execução da obra é parciária ou solidária, nos termos gerais, sendo as mesmas as regras supletivas: no caso de «empreitada civil», a regra será a da conjunção (art. 513.º do CC), com efeitos a nível processual, convocando situações de litisconsórcio necessário; no caso de «empreitada comercial», a regra será a da solidariedade (art. 100.º do CCom.). Pode suceder, também aqui, que a obrigação de executar a obra seja indivisível – nesse caso, aplicar-se-á o regime dos arts. 535.º e ss. do CC.
Os empreiteiros podem associar-se em modalidades contratuais específicas (como o consórcio ou a associação em participação, entre outras, realizar contratos de subempreitada, etc.); desde que essa associação não dê origem à criação de nova pessoa colectiva, temos ainda pluralidade de partes na posição de empreiteiro. Caso se crie nova pessoa colectiva um só empreiteiro, que é precisamente essa pessoa colectiva, sendo, quando muito, os seus sócios ou accionistas subcontratados dessa pessoa colectiva.
Note-se que há uma diferença entre a situação de pluralidade de empreiteiros próprio sensu, vinculados pelo mesmo negócio jurídico à execução da mesma obra (da qual temos vindo a tratar), e a situação em que vários empreiteiros se vinculam, por negócios jurídicos diferentes (mesmo quando outorgados, por hipótese, num único documento, em união externa de contratos), perante o dono da obra, à execução da mesma obra (i.e., de partes da mesma
49 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 368.
50 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 367.
obra: parte eléctrica, canalização, fundações, etc.51), ou de obras diferentes que concorrem para um mesmo fim (por exemplo, a construção de vários pavilhões para uma exposição52); esta última situação não dá origem ao regime da pluralidade de sujeitos, e em rigor não levanta quaisquer questões jurídicas específicas (poderá levantar, sim, problemas operacionais, de articulação entre os vários empreiteiros, e também problemas de prova, na hipótese de se colocar o problema de saber a que empreiteiro se deve um determinado defeito de execução).
A pluralidade de empreiteiros também não deve ser confundida com a situação onde o dono da obra dá uma obra a um determinado empreiteiro, e a dá de seguida, em outro momento, a um outro, caso em que podemos estar, consoante os casos, perante uma desistência tácita da primeira empreitada, ou, no caso de o primeiro empreiteiro entrar em situação de incumprimento, perante uma simples continuação da obra com outro empreiteiro, após exercício do direito de resolução por inadimplemento53 (art. 801.º/2 do CC).
A diferença essência entre as duas situações – a empreitada com pluralidade de empreiteiros e a situação que agora analisamos – consiste na circunstância de que na primeira não ocorre substituição de um empreiteiro por outro, mas simultaneidade e cooperação de ambos na execução da mesma obra.
Deve fazer-se uma distinção clara entre a empreitada com pluralidade de sujeitos na posição de empreiteiro e a empreitada com permissão de subcontratação. A primeira é um caso de pluralidade de sujeitos numa das partes do contrato (o empreiteiro), a segunda não: na subempreitada não há mais do que um sujeito na parte do contrato relativa ao empreiteiro; a relação entre o empreiteiro e o dono da obra continua intocada, recorrendo apenas o empreiteiro a outra entidade para levar a cabo a sua prestação no contrato principal. Na empreitada com pluralidade de empreiteiros, todos os que surgem a executar a obra são partes num único contrato de empreitada com o dono da obra; na subempreitada o subempreiteiro não é parte no contrato inicial com o dono da obra.
A distinção, clara em teoria, não deixa de levantar problemas práticos, máxime, porque por vezes é pouco evidente, ou não é de todo perceptível, a que título um determinado profissional surge na execução material da prestação: se como auxiliar do empreiteiro, subempreiteiro ou parte num contrato autónomo com o dono da obra.
51 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 254.
52 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 254.
53 Falta de cumprimento.
4.1.2. A Obra
A empreitada tem por objecto a realização de uma obra54. No entanto, a obra, para efeitos da empreitada, não se identifica com o sentido geral de serviço, sendo antes uma modalidade específica de serviço que se traduz num resultado material, correspondente à criação, modificação ou reparação de uma coisa, como o fabrico, manufactura, construção, benfeitorias, etc..
Existiu uma controvérsia na doutrina sobre se a obra teria que ser entendida em sentido material ou se a obra intelectual poderia igualmente ser objecto do contrato de empreitada.
Tal problema tem antecedentes longínquos e liga-se à dúvida, presente no Direito romano e no ius commune de saber se se podia subordinar à locatio-conductio as actividades intelectuais. Viu-se na verdade, como o pensamento filosófico e a mentalidade social romana estiveram na base da rejeição da sujeição das artes liberais e intelectuais ao regime da locatio- conductio, por não pretenderem sujeitá-las ao mesmo contrato regulador de actividades manuais tidas por desprezíveis. Esse pensamento e mentalidade foram ultrapassados por diversos factores, entre os quais os resultantes da influência da visão cristã do trabalho e do homem, ao ponto de no ius commune se ter chegado a aceitar, durante algum tempo, porventura nunca de forma inequívoca e absolutamente pacífica, a subordinação das profissões liberais à disciplina da locatio-conductio. Não obstante, aos poucos, no plano jurídico, à medida que se avançava através das sucessivas escolas do ius commune, a recusa da subordinação das artes liberais e actividades de maior nobreza acabaria por vencer, sobretudo a partir do “humanismo”, jurisprudência elegante holandesa e usus modernus pandectarum, para atingir um ponto alto com a pandectística, embora noutro contexto filosófico e de consideração social do trabalho manual.
Os Códigos Civis modernos que mais influenciaram o nosso, como o «italiano e o alemão», voltaram, porém, a quebrar a recusa, na sua origem histórica ditada, sublinhe-se de novo, pelo menosprezo sentido em Roma pelas profissões manuais e consequente rejeição da sujeição das artes liberais e criações intelectuais ao regime da locatio-conductio, aplicando- lhes a disciplina do actual contrato de empreitada cuja génese se encontra na referida locatio- conductio. Na verdade, face ao Codice Civile italiano ou ao BGB, é pacífico abranger o
54 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 362.
contrato de empreitada a realização de uma obra sobre uma coisa corpórea, mas também a prestação de um serviço de natureza intelectual.
De acordo com o art. 1655.º Código Civil italiano55 a empreitada (designada de
appalto):
É o contrato através do qual uma das partes assume, mediante a organização dos meios necessários e com a gestão por sua conta e risco, a realização de uma obra ou de um serviço, contra um correspectivo em dinheiro.
Por sua vez, nos arts. 2222.º e ss. do CCIt considera-se contrato de obra56:
Quando uma pessoa se obriga, contra correspectivo, a realizar uma obra ou um serviço, com trabalho prevalentemente seu e sem vínculo de subordinação para com o comitente (…).
Finalmente, o § 631 do BGB, a propósito da indicação dos deveres típicos deste contrato, formula a noção de empreitada (Werkvertrag) nos seguintes modelos:
1) Através da empreitada fica o empreiteiro obrigado à realização da obra prometida e o comitente ao pagamento da remuneração acordada.
2) Tanto pode ser objecto do contrato de empreitada a realização ou modificação de uma coisa como qualquer outro resultado a produzir pelo trabalho ou prestação de serviço.
Perante estes preceitos, a doutrina tudesca e a italiana não têm hesitado em considerar poder ser objecto da empreitada tanto a realização de uma obra relativa a uma coisa corpórea como um bem intelectual ou resultado artístico ou intelectual. Nestes termos, chega-se ao ponto de reputar de empreitada um corte de cabelo, a realização de um concerto, representação teatral, o parecer de um advogado ou de um médico, uma operação cirúrgica,
55 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Miguel Raimundo, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p.154.
56 A distinção entre o contrato de applato e o contrato de obra está, pois, na circunstância de no primeiro se exigir uma organização de meios empresarial. Em rigor, de acordo com o conceito de empreitada – e descontada agora a questão de seguida abordada - de saber se entre nós também as obras intelectuais podem ser objecto deste contrato, ambos são empreitadas. Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Miguel Raimundo, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 154.
o desenvolvimento de um programa individual de software, etc.57. Central é, todavia, traduzir- se, tanto na Alemanha como em Itália, o fim do contrato não numa mera actividade mas num determinado resultado distinto, em termos de análise abstracta, da acção desenvolvida, de outro modo não haverá contrato de empreitada.
Quanto ao «Código Civil francês» refere-se nele, entre as várias formas de locação, um contrato de locação de obra e indústria (art. 1708.º), para explicar, depois (art. 1779.º) três tipos de locação de obra ou indústria que, de certo modo na tradição do Direito romano e ius commune, vão muito para além da nossa empreitada e compreendem a locação de serviços de pessoas de trabalho que são contratadas para um serviço; os transportadores; e os arquitectos ou empreendedores de obras e técnicos na sequência de estudos, estimativas ou negócios. Quando alguém se compromete à realização de uma obra pode, nos termos do art. 1787.º, convencionou-se fornecer apenas o seu trabalho ou indústria ou também a matéria. Perante este regime aceita-se, sem dificuldade, a aplicação ao regime da empreitada ou da locação de obra dessas artes e actividades admitindo-se mesmo poderem ter estes contratos bens de natureza totalmente imaterial.
Podem, pois, afirmar-se estarem vencidos, nestes ordenamentos, os resquícios jurídicos dos originais e ultrapassados preconceitos do Direito romano que, depois, ditaram as soluções aceites nesta matéria, em certos períodos e autores do ius commune, contra a subordinação das artes liberais e actividades intelectuais no âmbito do contrato de locação – para, como se viu, repita-se de novo, não sujeitar ofícios tidos por honrosos e nobres ao mesmo tipo de outros vistos como desprezíveis e objecto de menosprezo. Mas o mesmo parece não ter sucedido no nosso Direito onde o tema da possibilidade de se sujeitar, ou não, as actividades intelectuais está ainda em efervescente ebulição58.
Entre nós, o reacender, relativamente recente, da disputa – a que não será, revele-se o respeito sublinhado, certamente alheia a oscilação e balancear secular, no Direito romano e no Direito comum, sobre se as artes liberais criativas e intelectuais podiam, ou não, ser susceptíveis de locação – a questão surgiu essencialmente a propósito de um contrato pelo qual uma empresa se obrigara a realizar uma série de doze programas de televisão para a
57 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 155.
58 Não se pretende com isto dizer sobreviver no nosso Direito o menosprezo pelas actividades manuais próprio do pensamento romano oportunamente referido na Parte histórica. Mas os resquícios estritamente jurídicos a que esse desprezo conduziu os romanos no plano das soluções, também elas, jurídicas, ainda, fazem sentir as suas marcas no actual debate jurídico. Pontualmente os próprios motivos na origem do sinuoso caminho verificado neste âmbito parecem inconscientemente irromper, sem também com isso se pretender afirmar, subscrever quem quer que seja os pontos de vista romanos.
Rádio Televisão Portuguesa, resolvido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/11/1983 (Xxxxxx Xxxxxxxx, com votos de vencido de Xxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxx), no BMJ 331 (1983), pp. 489-503=ROA 45 (1985), pp. 113-125=RLJ 121 (1988-1989), pp. 173-
183. Numa decisão salomónica, o STJ sustentou que a empreitada exigiria uma obra corpórea, o que afastaria a obra intelectual do seu âmbito, mas considerou que no caso concreto se estava perante uma empreitada, dado que a materialização da obra intelectual nos filmes e fitas seria suficiente para caracterizar a prestação como de empreitada, por existir aí algo material, mesmo que a parte intelectual fosse consideravelmente superior.
A decisão do Supremo foi objecto de bastante crítica por parte de alguns sectores da nossa Doutrina59 e efectivamente não pode aceitar-se. Uma coisa é a realização da obra intelectual, e outra o suporte da mesma, sendo que o objecto do contrato de produção de filmes é o filme enquanto tal, e não o seu suporte. Assim, para a posição maioritária na Doutrina nacional60, a noção de obra abrange apenas e só um resultado material, sendo a obra intelectual (ou mais latamente, incorpórea), à partida, objecto inidóneo61 de um contrato de empreitada.
Alguma Doutrina aponta ainda como razão para a não recondução destes contratos à empreitada, o art. 14.º do Código de Direito de Autor e Direitos Conexos, que nomina expressamente o «contrato de encomenda de obra», o qual deve por isso ser considerado como um tipo contratual autónomo.
No mesmo sentido se orienta uma boa parte da Jurisprudência, mesmo mais recente:
- Em STJ 21-11-2006 (Xxxxxxxxx Xxxxxx)62, qualificou-se como prestação de serviços atípica e inominada o contrata celebrado com um gabinete de arquitectura no qual este se comprometeu a avaliar a aptidão construtiva de um terreno e a apresentar propostas de loteamento do mesmo.
59 V., por exemplo, Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx, Código, Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, pp. 865, comentário ao art. 1207.º, ao escreverem de forma satírica: «Pouco faltaria, por este critério inaceitável em face da nossa lei, para se considerar que os actores da TV que participam em determinados programas, por eles concebidos como Badaró ou Xxxxxxx Xxxxxxx, não são artistas contratados para prestação de serviços... mas sim empreiteiros da Televisão Portuguesa, com fundamento de que a prestação por eles devida se materializa nas imagens e nos sons que a TV fornece aos telespectadores».
60 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Miguel Raimundo, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Xxxxxxxx, 0000, pp. 159-160.
61 Que não possui as condições ou os requisitos necessários.
62 STJ 21-11-2006 (Xxxxxxxxx Xxxxxx), proc. 06A3716/ITIJ (prestação de serviços – empreitada, cumprimento imperfeito - equidade).
- No STJ 22-09-2005 (Xxxxxxxx xx Xxxxx)63 a mesma qualificação foi feita, para um contrato de arquitectura em que «as prestações (eram) o resultado de um trabalho intelectual», embora, com bastante interesse, se tenha aqui decido aplicar ao cumprimento defeituoso desse contrato, precisamente, o regime da empreitada.
- Em STJ 17-06-1999 (Torres Paulo)64, qualificou-se da mesma forma contrato de prestação de serviços atípico e inominado – um contrato de «elaboração de projectos e estudo de construção civil», pois considerou-se determinante o trabalho técnico a realizar e apenas secundária a sua concretização posterior em documento.
Deve, no entanto, chamar-se a atenção para a inexistência de uma perfeita unidade na construção das teses que negam a qualificação como empreitada. Com efeitos, as várias teses propugnadas oscilam no que diz respeito a resultados concretos.
Assim, enquanto algumas teses – sobretudo defendidas na Jurisprudência – retiram todas as consequências da qualificação destes contratos como prestações de serviços atípicas, aplicando-lhes, consequentemente, o regime do mandato, a título subsidiário, por força do art. 1156.º do CC; outras defendem que tal seria desadequado, pois esse regime quadraria mal com os interesses em causa, sendo mais adequada a aplicação de pelo menos algumas das regras do contrato de empreitada.
Em suma, a questão que parece preferível é a de que a obra intelectual não pode ser objecto do contrato de empreitada, que se restringe a obras corpóreas, sendo antes objecto do contrato de encomenda de obra intelectual, nominado no art. 14.º do CDADC. Efectivamente, a noção de obra constante do art. 1207.º do CC, ao contrário do que normalmente acontece nos Códigos civis estrangeiros65, é restringida às coisas corpóreas, dado que o regime da fiscalização (art. 1209.º do CC), da transferência da propriedade (art. 1212.º e ss. do CC), das alterações (arts. 1214.º e ss. do CC), e dos defeitos da obra (arts. 1218.º e ss. do CC), é
63 STJ 21-11-2006 (Xxxxxxx xx Xxxxx), 06A3716/ITIJ (prestação de serviços, empreitada, cumprimento imperfeito, equidade).
64 STJ 17-06-1998 (Torres Paulo), in Boletim do Ministério da Justiça, 1998, 478, 351 (contrato de prestação de serviço – contrato de empreitada (interpretação restritiva) – contrato de elaboração de projectos e estudos de construção civil – contrato de prestação de serviço inominado: regime – contrato de informações – contrato de mandato).
65 Efectivamente, tanto no direito francês (art. 1710 C.C. fr.), como nos direitos alemão (§ 631 II BGB) e italiano (art. 1655 C.C. it.), a empreitada (louage d’ouvrage, Werkvertrag, appalto) pode ter por objecto quer a realização de uma obra (ex.: construção de uma casa), quer a prestação de um serviço com vista a um resultado (ex.: realização de uma cirurgia médica), pelo que a doutrina entende pacificamente que a realização de obras intelectuais, como escrever um livro ou criar um programa de computador, pode ser objecto de empreitada. Entre nós, no entanto, o art. 1207.º é expresso no sentido de que a empreitada abrange a realização de obras, mas não a prestação de serviços em geral (art. 1154.º), o que leva a que o seu âmbito tenha que ser necessariamente mais restrito.
dificilmente compatível com a criação de obras intelectuais, uma vez que nestas tem que ser assegurada uma maior liberdade ao criador e a questão principal prende-se com a atribuição do direito de autor sobre a obra, questão que o regime da empreitada não resolve. Por último, se viesse a abranger as obras intelectuais, o contrato de empreitada passaria a ser uma figura demasiado ampla, esgotando quase completamente o regime da prestação de serviços.
Não obstante, entendesse que algumas disposições da empreitada poderão ser aplicada por analogia, atenta a parca regulação legal da encomenda de obra intelectual. A analogia não abrangerá, porém, as normas excepcionais pelo que manifestamente o art. 1229.º do CC, não é aplicável à encomenda de obra intelectual.
A obra objecto de empreitada tanto pode consistir na construção de uma coisa, como na sua alteração, modificação, ou reparação, podendo a coisa a construir, alterar ou reparar, ser móvel ou imóvel. As empreitadas de construção colocam, porém, o problema de atribuição da propriedade da coisa construída, o que não ocorre com as restantes empreitadas (art. 1212.º do CC).
Quando a empreitada tem por objecto a construção ou reparação de navios é sujeita a um regime especial constante dos artigos 12.º e seguintes e 32.º do D.L. 201/98, de 10 de Julho. Nesse caso, o regime geral da empreitada só se aplica subsidiariamente (artigo 13.º
D.L. 201/98, de 10 de Julho).
4.1.3. Preço
Para que haja empreitada, há ainda necessidade de existência de contraprestação, tratando-se por isso, necessariamente, de contrato oneroso (implicando sacrifício económico para as ambas partes); mais do que isso, ao falar-se em «preço», exige-se a sua fixação em dinheiro66.
Quando faltar a estipulação de um preço67 num contrato onde uma das partes se obriga à realização de uma obra, haverá um contrato atípico, que pode ser, por exemplo, uma prestação de serviço gratuito (se não existir qualquer atribuição patrimonial por parte do beneficiário da obra), ou um contrato misto (de empreitada e permuta, se a contraparte
66 Assim, Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx, Código, Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, p. 867, comentário ao artigo 1207.º. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 393; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 524.
67 O que não é obviamente a mesma coisa que existir a estipulação de um preço ainda não determinado, o que é perfeitamente possível.
proceder, por exemplo, à alienação de um terreno em favor do empreiteiro, ou ficar estipulada uma atribuição patrimonial em géneros, como uma parte dos tecidos a produzir ao abrigo do contrato, ou um apartamento do prédio a construir)68; nestes últimos casos, que são de contratos mistos acoplados ou de duplo tipo, há, em princípio, aplicação das regras da empreitada à prestação que tem por objecto a execução da obra, o que aliás atenua o rigor da exigência de fixação do preço em dinheiro, pois o regime aplicável à «prestação característica» do contrato (a de realizar uma obra) acaba por ser o mesmo.
Como é evidente, admite-se aqui a dação em cumprimento (art. 837.º do CC), nos termos gerais: a fixação do preço é uma coisa, e essa fixação deve ser feita numa quantia em dinheiro; o cumprimento da obrigação de pagar o preço é que pode ser feito de outra forma que não consista na entrega de dinheiro, nos termos da dação em cumprimento, se o empreiteiro aceitar essa dação.
A forma de estipular o preço na empreitada teve um aprofundamento assinalável, encontrando-se um conjunto bastante amplo de modalidades de fixação dessa prestação. Qualquer contrato tem subjacente uma equação de risco, sendo a estipulação da forma do pagamento do preço crucial para compreender essa equação.
Assim, é comum distinguir-se, pelo menos, os seguintes tipos de empreitada, em atenção ao critério da modalidade de fixação do preço:
• por preço global,
• por artigo,
• por medida,
• por tempo de trabalho, e
• por percentagem.
4.1.3.1. Empreitada por preço global
Na empreitada por preço global (ou à forfait, ou a corpo, ou per aversionem), o preço é fixado globalmente, para toda a obra, independentemente das quantidades de trabalho ou materiais a realizar efectivamente. Há uma clara assunção de «risco» pelo empreiteiro, já que embora a obra lhe saia mais cara do que o planeado (por exemplo porque precisou de aplicar mais materiais do que os inicialmente estimados), recebe o mesmo, não podendo exigir aumento de preço, excepto, obviamente, se tiver havido alterações ao plano
68 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 394.
convencionado; «o preço fixo é garantia originária do dono da obra». No Code Civil français, cujo art. 1793.º regula especificamente o contrato de empreitada de construção de imóveis à forfait69, consagra-se expressamente que o empreiteiro não pode, nestes casos, pedir qualquer aumento de preço «sob o pretexto do aumento do custo da mão-de-obra ou dos materiais». Pressupõe-se que o empreiteiro, conhecedor do seu ofício, saiba estabelecer preço adequado tendo em conta já as previsíveis vicissitudes do mercado.
Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Raimundo70, sublinham que o facto de referir- se a «preço global» ou «preço fixo» não significa necessariamente «preço determinado no momento da conclusão do contrato», nem sequer «preço inalterável». Com efeito, o estabelecimento de uma empreitada à forfait é compatível com a indeterminação do preço no momento da celebração do contrato. O que é necessário é que o seja uma única entidade, um único valor, que não varie consoante as unidades de trabalho ou material a aplicar. Assim, é ainda uma empreitada por preço global aquela na qual se estipule que o preço será de 1 000 000€ no caso de a variação da inflação durante o período de execução do contrato ser inferior a 1%, mas já será de 1 200 000€ no caso de essa variação se situar entre 1% e 2%, e assim por diante. Com efeito, nesses casos não se abdica de fixar um único valor para a totalidade dos trabalhos objecto da empreitada, independentemente de ser necessário fazer mais do que o que se tinha antecipado para concluir a obra; as únicas especificidades nestes casos são a inicial indeterminação do preço (nada obsta, como resulta do art. 1211.º/2 do CC) e o facto de, no fundo, se estabelecerem dois (ou mais) preços globais possíveis, apenas se determinando o preço real a aplicar após a execução da obra.
Contrapartida do maior risco que o empreiteiro assume na empreitada por preço global é a maior possibilidade de ganho, como é também habitual: e isso significa que o dono da obra não pode pedir a redução do preço global, mesmo que os custos de produção tomados como referência pelo empreiteiro baixem, fazendo com que a realização da obra seja menos onerosa para si (e aumentando a sua margem de lucro). Pelas suas características de alguma rigidez, o contrato de empreitada por preço global corre algum risco de se tornar antieconómico, se utilizado para a feitura de obras com processo de elaboração demorado (onde a flutuação dos custos de produção é mais provável), pelo que é aconselhável que haja uma actividade pré-contratual rigorosa, que permita a determinação precisa do preço; normalmente o orçamento prévio cumpre esta função, compreendendo já o valor da
69 Segundo um orçamento ou por preço ajustado previamente.
70 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 185.
remuneração do empreiteiro71. Por estas razões a modalidade de preço é utilizada sobretudo para empreitadas de baixo valor e pouca demora no processo de realização da obra (porque aí, o ganho de simplicidade oferecido pelo preço global fixado previamente compensa eventuais flutuações, que sempre serão de baixa repercussão), e para empreitadas de valor razoável, onde os montantes envolvidos justificam precauções prévias, sobretudo do dono da obra, procurando saber antecipadamente com o que conta e evitando dessa forma custos inesperados72.
Por vezes o processo de formação de determinadas empreitadas reveste-se de certa complexidade, com a elaboração de desenvolvidos cadernos de encargos, que contêm a discriminação dos preços parcelares, concorrentes para a formação do preço global73.
Quando sejam indicados os referidos preços parcelares, coloca-se contudo o problema da eventual discrepância entre essas parcelares e o preço global. Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx00 pronunciam-se no sentido da ausência de valor vinculativo desses preços parcelares: valeria o preço global fixado. Sem dúvida que será essa a solução, se a vontade das partes for no sentido de se considerarem vinculadas ao mesmo; não assim se, por exemplo, o contrato é formado com uma declaração do dono da obra de que aceita o caderno de encargos afirmando que «concorda com os preços parcelares», e nada dizendo sobre o preço global. Claro que pode entrar em jogo, neste caso, o regime dos erros de cálculo ou escrita (art. 249.º do CC), nos termos gerais.
Salienta-se, por fim, que se é verdade o estabelecimento de um preço global consistir na assunção de certa medida de risco pelas partes, não transforma o contrato de empreitada em contacto aleatório: pelo contrário, continua a ser necessário encontrar em cada momento, perante factos novos, o equilíbrio contratual pretendido inicialmente pelas partes. Isto significa, designadamente, que a empreitada à forfait não obsta ao funcionamento do mecanismo geral da alteração das circunstâncias, verificados dos seus pressupostos (art. 437.º do CC), pois esse mecanismo é decorrência directa do princípio da boa-fé.
71 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 395.
72 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 395.
73 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Miguel Raimundo, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Xxxxxxxx, 0000, pp. 186-187.
74 Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, p. comentário ao artigo 1211.º, 874.
4.1.3.2. Empreitada por artigo, por medida ou por tempo de trabalho
Nas empreitadas por artigo, por medida ou por tempo de trabalho, há a fixação prévia não de um preço global, mas de preços unitários (transformação de uma certa quantidade de madeira fornecida pelo dono da obra em cadeiras, a «x» a cadeira; pintura ou construção de uma parede ou construção de uma estrada a «y» por metro quadrado; demolição de um armazém a «z» por hora de trabalho, respectivamente75), sendo o preço final resultante da multiplicação desses preços pelas quantidades efectivamente utilizadas ou realizadas, que não são certas aquando da celebração do contrato, mas meras estimativas.
A liquidação do montante efectivamente devido ao empreiteiro é feita após a realização das necessárias medições ao trabalho realizado, com a consequência de que o empreiteiro nada pode exigir do dono da obra enquanto não fizer prova das quantidades de trabalhos efectivamente realizadas.
As medições referidas, pelo seu papel central na determinação do correspectivo devido, são em muitos casos objectos de detalhado clausulado. Em regra, são feitas ou em conjunto entre empreiteiro e dono da obra, ou pelo menos validadas por este último ou por alguma entidade a seu mando; a aceitação das medições (que na construção civil têm a designação de «autos de medição») pelo dono da obra ou pessoa com poderes de representação por si conferidos tem valor negocial e vincula o dono da obra quanto às quantidades efectuadas, sem prejuízo, claro, das regras sobre vícios na formação da vontade. Na falta de estipulação em contrário, todas as actividades necessárias à medição e os custos da sua realização parecem ainda dever considerar-se integrados na prestação do empreiteiro.
Nestes tipos de empreitada, retomando a questão acima mencionada da repartição do risco, podemos dizer que ambas as partes assumem algum: o empreiteiro assume o risco da fixação antecipada de um preço unitário para um tipo de trabalho ou tarefa (que depois pode deixar de corresponder ao seu custo efectivo), e o dono da obra assume o risco de serem necessárias mais quantidades de trabalhos e/ou materiais do que os estimados (o chamado
«risco de quantificação da obra»).
A fixação aparente de preços unitários pode configurar uma empreitada por preço global, mesmo que este não seja expressamente indicado como tal: basta que se fixe um custo
75 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Xxxxxxxx, 0000, pp. 187 e 188.
unitário e se indique de forma rígida qual a quantidade a produzir (por exemplo: pintura da fachada de um prédio com 700 metros a 100€ por metro quadrado)76.
É ainda possível (e frequente) que ocorram combinações entre a modalidade de preço global e a modalidade de preço unitário, como quando se estabelecem preços unitários e se faz depender a determinação do preço da medição a realizar no final da obra, mas fica definido um tecto máximo que em caso algum poderá ser ultrapassado77; tal como é obviamente possível, por acordo modificativo das partes (art. 406.º do CC), que um contrato inicialmente estipulado à forfait passe a contrato ad mensuram78 ou vice-versa.
4.1.3.3. Empreitada por percentagem
Finalmente, na empreitada por percentagem (ou costs plus fee), a remuneração do empreiteiro encontra-se por contabilização dos custos que o empreiteiro teve na realização da obra, que lhe são reembolsados, acrescidos de um valor que resulta de uma razão (uma percentagem), a título de margem de lucro, que incide sobre aqueles custos.
Esta forma de fixação do preço da empreitada encontra-se sobretudo nas empreitadas internacionais, e a sua principal vantagem é facilitar ao dono da obra o controlo das despesas, mediante a intervenção no processo de execução (por exemplo através de perito por si designado). Está pressuposto nesta modalidade de empreitada que os gastos do empreiteiro devem ser necessários e razoáveis para atingir o resultado final.
Do ponto de vista do empreiteiro, a empreitada por percentagem exclui os riscos da determinação antecipada dos seus próprios custos de produção, riscos esses que como se viu existem, quer na empreitada a corpo, que na empreitada por medida, mas são da conta do dono da obra nesta particular modalidade de empreitada. Com efeito, na empreitada por percentagem, o empreiteiro sabe sempre que o que gastou vai ser suportado integralmente pelo dono da obra, acrescido de uma certa margem de lucro. Mais uma vez, a contrapartida desta maior protecção do empreiteiro é a limitação da sua margem: o empreiteiro sabe que o seu lucro ficará sempre limitado ao que tiver sido inicialmente convencionado.
76 Assim, Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx, Código, Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, p. 874, comentário ao artigo 1211.º do Código Civil.
77 Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx, Código, Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, p. 874, comentário ao artigo 1211.º do Código Civil.
78 Contrato que serve para designar aquela transacção imobiliária cuja estipulação do preço foi condicionada à especificação das dimensões e da área do imóvel, o que enseja ao comprador o direito à complementação da área, abatimento do preço e, até mesmo, ao desfazimento do contrato.
A diferença entre estas formas de estipular o preço não deve ser absolutizada: como se disse, é possível e frequente que elas sejam combinadas, pelo que ser até inútil ou mesmo contraproducente nomear a empreitada genericamente de acordo com estas categorias, pois isso pode levar a que não se atenda ao mais importante, que é a vontade das partes, a qual pode consistir em diferenciar várias classes de preços e formas de estipulação, correspondentes a partes diferentes da obra ou até à mesma parte. Quando muito, pode dizer- se que a empreitada, para certos efeitos (por exemplo, aplicação do regime das variações do plano convencionado) será classificada de acordo com estas categorias, atendendo àquela que seja a predominante no contexto global do contrato.
Pelo contrário, já para Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00, parece de rejeitar a proposta de alguns no sentido de, em caso de dúvida na qualificação de um contrato com à forfait ou por medida, se estabelecer um critério de preferência, que seria no sentido da preferência pela empreitada por medida, como modalidade onde o risco é distribuído de forma mais equilibrada. Com efeito, não vemos razões para abdicar aqui dos critérios gerais de interpretação-integração da vontade das partes.
Como os autores acima citados referiram a propósito da empreitada à forfait (embora a afirmação se aplique qualquer que seja a modalidade de empreitada), o facto de o preço ser elemento essencial do contrato não significa que tenha de estar à partida determinado. Isso mesmo é expressamente admitido pelo art. 1211.º/2 do CC, ao remeter para o art. 883.º do CC nessa matéria. Do art. 883.º do CC (previsto a propósito da determinação do preço no contrato de compra e venda), como se sabe, decorre que na falta de critérios que as partes tenham definido para a fixação do preço (ou de preço injuntivamente fixado por entidade pública), se deve recorrer sucessivamente aos critérios:
a) O preço que o empreiteiro normalmente praticar à data da conclusão do contrato;
b) Na falta dele, o preço do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o dono da obra deva cumprir;
c) Na insuficiência destas regras (por exemplo, se não for possível determinar em juízo o quantitativo dos preços referidos), o preço é determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade.
79 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 191.
Recorde-se que, de acordo com as regras gerais, as partes podem não ter definido o preço, mas deixando a um terceiro a tarefa de realizar essa determinação, nos termos do art. 400.º do CC. Parece a Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00, também possível aplicar à determinação do preço na empreitada a especificidade de regime do art. 466.º do CCom. (aplicável por força do art. 939.º, nas empreitadas que aí se enquadrem, e nas demais por analogia), na parte em que vai além dos casos regulados pelo art. 400.º do CC e prevê a possibilidade de as partes remeterem para o «arbítrio» de terceiro a fixação do preço. Estas hipóteses foram analisadas em pormenor a propósito do contrato de compra e venda, para onde se remete, já que não existem particularidade a assinalar.
Pode ter relevância a questão de saber se o preço fixado pelas partes, por terceiro ou pelo tribunal inclui cargas fiscais, com relevo para o imposto sobre o valor acrescentado (IVA). Obviamente, a questão pressupõe que não tenha sido possível extrair um sentido claro das declarações negociais das partes.
Essa questão foi já debatida na nossa Jurisprudência. Em acórdão recente81, decidiu- se que, por falta de qualquer prova no sentido de as partes terem acordado que os preços eram já com IVA incluído (acordo que o dono da obra afirmava existir, mas não logrou provar), ao preço definido pelo tribunal com recurso à equidade deveria ainda acrescer o valor desse imposto.
Contudo, essa solução parece prender-se exclusivamente com o circunstancialismo do caso concreto: é adequado que quando seja o tribunal a fixar o preço (para mais com recurso à equidade), se considere que esse preço não inclui IVA, até porque essa parcela do preço nada tem a ver com os critérios de determinação do preço que ao tribunal cabe aplicar.
Assim, parece a Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00, que a regra, nos casos mais frequentes, que são aqueles em que as partes fixaram o preço, mas nada disseram sobre a incidência do IVA, deve ser a oposta: caberá ao empreiteiro provar que as partes pretendiam que ao preço fixado ainda acrescesse IVA, sob pena de se considerar que já o incluía. Com efeito, parece dever considerar-se, à luz do princípio da boa-fé (arts. 227.º, 762.º/2 do CC) e dos deveres de lealdade e informação dele decorrentes, que se ao preço ainda
80 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 192.
81 RGui 19-06-2008 (Xxxxxxx Xxxxxxxx), Proc. 548/08-2/ITIJ (contrato de empreitada), cuja solução foi perfilhada por Xxxxxxx Xxxxxx, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 526.
82 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Xxxxxxxx, 0000, pp. 192-193.
acrescia IVA, competiria ao empreiteiro, que é quem melhor conhece os elementos que concorrem para a formação do preço, dar conta disso ao dono da obra.
5. Distinção de figuras afins
5.1. Contrato de prestação de serviços
Apesar de o contrato de empreitada ser uma modalidade de contrato de prestação de serviços (art. 1155.º, do CC), é fundamental distingui-lo, quer das outras modalidades típicas de prestação de serviços (mandato e depósito), pois cada uma dessas modalidades convoca a aplicação de regimes específicos (arts. 1157.º a 1184.º do CC, para o mandato, e 1185.º a 1206.º do CC, para o depósito), quer ainda das próprias prestações de serviços atípicas, já que a lei civil manda aplicar a estas o regime do contrato de mandato (art. 1156.º do CC)83.
A diferenciação possível entre empreitada e prestação de serviços (atípica) tem sido realizada recorrendo aos critérios do tipo de obrigação assumida e de repartição de risco84. De acordo com o primeiro, dir-se-á que enquanto nos contratos de prestação de serviços o prestador se obriga à execução de uma actividade, na empreitada há um compromisso de resultado85. Isto é, como entende Xxxxxxx Xxxxxx00, que todo e qualquer resultado do trabalho intelectual ou manual, que não possa ser reconduzido a uma obra, não corresponderá a uma empreitada, mas antes a uma prestação de serviços atípica, regulada pelo regime do mandato (art. 1156.º do Código Civil).
Nestes termos, por circunscrever a empreitada às coisas corpóreas, STJ 17- 06-1998 (Torres Paulo)87: no contrato de prestação de serviços uma das partes obriga- se a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual. O seu objecto é o resultado do trabalho. Na empreitada uma das partes obriga-se a realizar, perante a outra, uma obra.
83 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 327.
84 A este propósito cfr., designadamente, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 326 e ss..
85 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 327.
86 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 510; Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 327.
87 STJ 17-06-1998 (Torres Paulo), in Boletim do Ministério da Justiça, 0000, 000, 000 e ss..
Afirma-se que na prestação de serviço é o cliente que suporta o risco da não obtenção do resultado por si visado, enquanto na empreitada o risco é do empreiteiro88.
Quando a Doutrina maioritária afirma garantir-se na empreitada um resultado, isso não significa a negação de existir um resultado (num certo sentido) na prestação de serviços atípica89. Faz sim, também ela, apelo a uma contraposição linguística ou verbal; significa um modo de dizer ter o resultado específico da empreitada certas características que permitem a sua qualificação como uma obra, e é essa a distinção entre o resultado da empreitada e o resultado das prestações de serviços de outra natureza. Se se quiser, o objecto da empreitada é, de facto, o resultado de um resultado, o que nada tem de ilógico ou incompreensível.
Aliás, se bem se atentar nos exemplos referidos pela generalidade da Xxxxxxxx a propósito da distinção entre prestação de meios e de resultados verifica-se como muitas das hipóteses ilustrativas da primeira são casos de prestação de serviços: assim, diz-se, na prestação do serviço médico, de advocacia, etc.90, se o obrigado apenas se vinculou a desenvolver os melhores esforços a falta de resultado só lhe pode ser imputada se se mostrar não ter posto em acção o cuidado suficiente. Nas hipóteses referidas – descontada a actuação sem as cautelas devidas – nenhum dos prestadores de serviços está obrigado a conseguir o resultado da cura do doente ou o ganho da causa. E o mesmo se dirá em tantos outros casos de prestação de serviço: pense-se na eventualidade de alguém contratar uma empresa de segurança para vigiar um local; uma empresa de limpeza para limpar uma nódoa que pode, ou não, sair, etc.91. Em todas estas situações o único resultado é o ontologicamente associado a toda a actividade humana: se se quiser é, apenas, e tão-só essa mesma actividade. Por isso, o resultado referido no art. 1154.º do CC, ao considerar o contrato de prestação de serviço como
«(…) aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição», não é, senão, o implicado na própria actividade humana e no melhor esforço necessários, ambos, à prestação do serviço ou trabalho. Se se quiser, o resultado inerente a toda a acção final. Não se trata, pois, de um qualquer resultado particular susceptível de se separar dessa acção, como sucede, na empreitada, com a obra.
88 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 327.
89 Assim, por exemplo, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 510, afirma: «Todo e qualquer resultado do trabalho intelectual ou manual, que não possa ser reconduzido a uma obra, já não corresponderá a uma empreitada».
90 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 197.
91 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 197.
Em situação limite, mesmo com a clarificação que acaba de ser feita, a distinção não é fácil. Um médico dentista compromete-se a fazer uma prótese dentária para um cliente; um arquitecto obriga-se a elaborar um projecto de arquitectura; um engenheiro vincula-se a fazer medições e elaborar uma planta de áreas de um imóvel; um tradutor obriga-se a fazer a tradução de um conjunto de cartas comerciais92 – em qualquer um destes casos pode colocar- se a dúvida sobre se estamos perante uma prestação de serviços atípica ou uma empreitada93; e em qualquer um desses casos, parece a Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00, que há uma obrigação de entregar uma obra, pelo que consideram estarmos aí perante contratos de empreitada.
A esta conclusão não é alheia uma dimensão sinépica, ou seja, de atenção ao resultado das posições defendidas: a consequência de qualificar tais contratos como prestações de serviços atípicas levaria a que lhes fosse aplicável o regime do mandato, o que é manifestamente desadequado na maior parte dos casos. Não parece questionável, hoje, a relevância da atenção aos resultados da operação de interpretação-integração-aplicação do Direito.
Face ao mandato (além de se poder convocar os mesmos critérios que diferenciam a empreitada das prestações de serviços atípicas – com relevo para o que atende à realização de uma obra), a Doutrina costuma distinguir a empreitada notando que enquanto no mandato, o mandatário obriga-se à prática de actos jurídicos (art. 1157.º do CC), na empreitada obriga-se à prática de actos materiais conducentes à elaboração da obra (art. 1207.º do CC). Nomeadamente, Menezes Leitão, entende que em relação às outras modalidades típicas da prestação de serviços, a empreitada distingue-se do mandato pelo facto de o empreiteiro não realizar actos jurídicos, mas actos materiais, e actuar por conta própria e não por conta de outrem95. Já Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, sublinha que a distinção é de grau e não de natureza: o mandatário pode e deve, obviamente, praticar actos materiais implicados no cumprimento do mandato (por exemplo, a entrega de uma coisa), e o empreiteiro pode assumir como obrigação a prática de actos jurídicos (por exemplo, o pedido de uma licença em nome do dono da obra), mas em qualquer um dos casos, esses actos não descaracterizam o núcleo essencial das
92 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 199.
93 V. alguns destes exemplos em Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 328.
94 Xxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 199.
95 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 510; Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Xxxxxxxx, 0000, pp. 328-329.
obrigações das partes: no mandato, esse núcleo é constituído pela prática de um acto jurídico, e na empreitada, pela prática dos actos materiais necessários à elaboração da obra. Assim, uma prestação de serviços que não consista, a título principal, na prática de actos jurídicos, será uma empreitada, se a obrigação consistir na entrega de uma obra.
Pode ainda acrescentar-se que no mandato o mandatário actua sempre por conta do mandante, ao contrário do que sucede na empreitada, onde o empreiteiro actua por conta própria; o mandato pode ser gratuito (art. 1158.º do CC), ao contrário da empreitada, que é sempre onerosa (art. 1207.º do CC).
Tem sido afirmado na Doutrina que o regime de responsabilidade do dono da obra é ainda distinto do regime de responsabilidade do mandante, o que teria duas manifestações: responsabilidade do dono da obra face ao empreiteiro, e responsabilidade do dono da obra face a terceiros por actos do empreiteiro.
Assim, internamente, o mandante responde objectivamente por danos sofridos pelo mandatário na execução do mandato e por causa dela (art. 1167.º/d) do CC), o mesmo não sucedendo com o dono da obra, cuja responsabilidade contratual face ao empreiteiro segue as regras gerais. Face a terceiros, tem ainda sido afirmado que o mandante pode responder objectivamente pelos danos causados pelo mandatário ao abrigo do regime da responsabilidade do comitente (art. 500.º do CC), não assim o dono da obra por danos causados pelo empreiteiro96, pois aí não existiria relação de comissão, na medida em que o empreiteiro goza de autonomia de meios.
Não parece ser de acolher a proposta de critério complementar de distinção que possa por afirmar que o mandatário está sujeito a instruções do mandante (art. 1161.º/a) do CC), o que não aconteceria com o empreiteiro97. Com efeito, essa afirmação parece separar, em termos de grau de autonomia, o mandatário do empreiteiro, o que é duvidoso: ambos são prestações a que se refere o art. 1161.º/a), só podem ser instruções dadas pelo mandante que, mesmo trazendo à luz do dia elementos até aí não explícitos no programa contratual, se mantenham ainda dentro do mesmo (por exemplo: chamadas de atenção para o que é exigido pelo pontual cumprimento do contrato, avisos, especificações, clarificação de aspectos que ainda não pudessem ter sido definidos aquando da celebração do mandato por pressuporem negociação com terceiros, etc.) e que deixem ao mandatário liberdade de meios (xxxxx xxxxxxxxxxxxx pelo art. 1162.º do CC), sob pena de não estarmos diante de trabalho autónomo
96 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 329.
97 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 329.
(perante um serviço) mas, sim, perante um contrato de trabalho subordinado. Desse ponto de vista é mais curial aproximar o poder do mandante de dar instruções conferido pelo art. 1161.º/a), dos poderes do dono da obra que lhe permitem em todos os momentos da execução da obra conformá-la, também com limites, ao seu próprio interesse (designadamente, os poderes de fiscalizar e de impor certas alterações ao plano convencionado, que em todo o caso não podem descaracterizá-lo complemente), pois todos esses traços de regime servem o poder de «orientação genérica e de supervisão» da prestação de que xxxxx, quer o mandante, quer o dono da obra.
Apesar da aparente nitidez da distinção entre empreitada e mandato – a Doutrina costuma referir que a distinção entre empreitada e mandato se reveste de alguma facilidade, nomeadamente por comparação com as prestações de serviços atípicas -, as actuais modalidades de contracção, sobretudo em sede de empreitadas de construção de edifícios, têm colocados dificuldades. Como se referiu acima, contratos dotados de designações autónomas na prática, como os contratos de arquitectura e engenharia, ou os contratos «chave na mão», colocam dificuldades por serem, por vezes, celebrados com profissionais que não são, eles próprios, construtores, e assumem um papel de direcção global de todo o processo de construção (incluindo uma parcela muito relevante de celebração de contratos), oferecendo ao cliente a garantia de entrega de uma obra, sem o cliente se relacionar de qualquer forma com nenhum dos profissionais (projectistas, construtores, fiscais da obra…98) que contribuem para o resultado final.
Nestes casos, deve-se procurar saber, através da interpretação do contrato, se o prestador se vinculou a um resultado (a obra), que prossegue com autonomia, celebrando contratos livremente para obter esse resultado, fixando livremente os preços e condições e maximizando o seu próprio lucro, sem que esses contratos interessem e/ou sejam celebrados em nome e por conta do seu cliente, e se o preço pago é mais propriamente o preço pago pela totalidade da obra, em lugar de uma remuneração por celebração e gestão de contratos. Se estes traços estiverem reunidos, o contrato será, em princípio, de empreitada. Se, pelo contrário, o profissional (por exemplo, arquitecto ou engenheiro) se limita a angariar, celebrar, gerir e, eventualmente, cumprir contratos por conta e possivelmente em nome do comitente, concorrendo apenas com a sua experiência e qualificação nessa actividade, estar- se-á perante um mandato.
98 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 204.
Em STJ 18-09-2003 (Xxxxx Xxxxxx)99 o Supremo, num informado e desenvolvido acórdão, qualificou como contrato de empreitada (apesar de as partes terem dado ao contrato os nomen iuris de «prestação de serviços» e «fiscalização»), fazendo referência às dogmáticas espanhola e alemã sobre os contratos de
«arquitectura» e «engenharia», um contrato pelo qual um arquitecto se obrigou perante uma empresa a uma prestação que envolvia a entrega final de uma obra (assumindo o referido arquitecto uma função de «direcção geral» da obra), mediante o pagamento de um preço.
É verdade que o contrato importava para o arquitecto um conjunto de actos jurídicos que também seriam concebíveis no quadro de um mandato, qualificação pela qual pugnava o Réu arquitecto; e é claro que não foi o próprio arquitecto, pessoalmente, a construir a obra, recorrendo para o efeito a outros profissionais que o fizeram (designadamente, uma empresa de construções e um engenheiro, que ficou como responsável da obra).
O Tribunal considerou, contudo, que havia uma garantia de um resultado final, a entrega de uma obra, dada pelo próprio arquitecto, que por isso tomou a posição de empreiteiro (pelo que os contratos que celebrou com os profissionais que fizeram a construção deveriam ser qualificados como de subempreitada, por exemplo, assim se compreendendo a obrigação de «fiscalização» assumida pelo arquitecto no contrato: era a obrigação, assumida por qualquer empreiteiro no contrato de subempreitada, de fiscalizar a subempreitada, pois o empreiteiro é dono da obra face ao subempreiteiro).
O raciocínio subjacente à decisão do Tribunal é o de que seria artificial e não coincidente com o conteúdo das obrigações assumidas dizer que o Réu se obrigou apenas a celebrar vários contratos com terceiros, na sequência dos quais adquiriria uma obra, que depois transmitiria ao Autor (nesse caso mandante), no quadro da execução de um mandato (art. 1181.º/1 e 1161.º/e) do CC). É que o preço pago pela Autora (perto de 75 000€) era um preço correspondente à entrega da obra (cujas condições de realização ficaram expressas no contrato), e não uma remuneração pela celebração de contratos e fiscalização do cumprimento dos mesmos, ao contrário do
99 STJ 18-09-2003 (Xxxxx Xxxxxx), Proc. 03B019/ITIJ (empreitada – efeitos – empreiteiro – dono da obra – autonomia – acto jurídico – contrato de mandato – cumprimento imperfeito – incumprimento do contrato – licença de utilização - vistoria).
que pretendia o Réu: este defendia, por exemplo, que os contratos de empreitada tinham sido celebrados pelo Réu em representação da Autora, e que por isso o incumprimento por parte do empreiteiro devia ser accionado pela Autora. Mas isso seria, supõe Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Raimundo100, contrário à função expressa do contrato celebrado entre ambos, sendo que o Réu assumiu o risco pela obra: por exemplo, a Autora não pagava aos contratados pelo Réu qualquer remuneração; era o Réu que tinha a obrigação de os contratar, pelo preço que entendesse, e de lhes pagar, desde que o resultado final que interessava à Autora, fosse obtido.
Em resultado desta qualificação como empreitada, o Tribunal condenou o próprio Réu a concluir a construção da obra, que tinha ficado incompleta (resultado diferente poderia decorrer da eventual qualificação como mandato, máxime por força do artigo 1183.º do CC).
A empreitada distingue-se ainda da última modalidade típica de contrato de prestação, o «contrato de depósito».
Uma distinção mais formal, relativa ao modo de celebração do contrato, permite desde logo separá-los: o depósito é um contrato real quoad constitutionem, que exige a entrega da coisa para a sua perfeição (art. 1185.º do CC), ao contrário da empreitada, que é um contrato consensual. Mas essa distinção deve ser complementada com um critério material, que se prende com a diferença de obrigações assumidas pelas partes.
Assim, no depósito há uma obrigação de guarda a título principal (art. 1187/a) do CC), enquanto a obrigação de guarda na empreitada, se existir, é a título secundário. Ou seja, como afirma Xxxxxxx Xxxxxx, quanto ao depósito, que este distingue-se da empreitada pelo facto de a obrigação do empreiteiro ser principalmente a realização da obra, tendo a sua guarda cariz meramente eventual, enquanto que a obrigação de guarda do depositário é exercida a título principal101Por outro lado, ainda que o exercício diligente do dever de guarda possa, no limite, obrigar à realização de obras (pelo depositário ou por terceiro) na coisa depositada (por exemplo, obras de conservação); mas aí estamos sempre apenas e só no cumprimento da obrigação principal de guarda.
100 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 206.
101 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 510; Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 329.
5.2. Contrato de trabalho
O contrato de trabalho distingue-se do contrato de empreitada pela autonomia com que o empreiteiro desenvolve a sua prestação102; é esse critério básico da distinção, mas é possível apontar critérios complementares. De acordo com um deles, assente na distinção entre obrigações de meios e obrigações de resultado, coloca-se o contrato de trabalho enquanto fonte das primeiras (o trabalhador obriga-se simplesmente a prestar o seu trabalho, assumindo o empregador todo o risco com a prestação) e o contrato de empreitada enquanto fonte das segundas (já que o empreiteiro se obriga a um resultado, que é a elaboração de uma obra)103; este critério, como se vê, corresponde ao critério geral de distinção entre o contrato de trabalho e os contratos de prestação de serviços, categoria que engloba a empreitada. Desta feita, Xxxxxxx Xxxxxx afirma que, o empreiteiro actua assim com autonomia em relação ao dono da obra, ainda que exista a possibilidade de este elaborar o projecto, determinar alterações ou fiscalizar a obra. O facto de o empreiteiro ser pago em função do tempo de trabalho não determina a qualificação do contrato como de trabalho, ainda que seja um índice nesse sentido104.
De acordo com o critério do tipo de repartição de risco entre as partes, refere-se que na empreitada é o empreiteiro a assumir o risco da potencial maior onerosidade ou mesmo da impossibilidade de execução da obra não imputável a qualquer das partes, pois nesses casos, embora não fique completamente desprotegido, o empreiteiro não tem, contudo, direito ao preço total da empreitada; pelo contrário, o salário do trabalhador é sempre devido, mesmo que o resultado visado pelo empregador com a prestação do trabalho não seja xxxxxx000.
Não obstante, é ao critério da subordinação jurídica que devemos atentar como critério fundamental. Ao contrário do que sucede no contrato de trabalho, na empreitada não existe esse vínculo, a que se convencionou chamar subordinação jurídica, definida esta enquanto feixe de poderes conferidos ao empregador sobre o trabalhador, de entre os quais avultam o poder de direcção e o poder disciplinar. Na empreitada, pelo contrário, o empreiteiro é um prestador autónomo, em termos técnicos e não só (pois a autonomia técnica
102 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 330; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 510. 103 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 330.
104 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 510.
105 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 332.
também pode existir no contexto de uma relação laboral – cfr. art. 116.º do CT), já que exerce o seu trabalho apenas sujeito ao disposto no contrato, às «regras da arte» e à fiscalização do dono da obra, a qual não é comparável aos poderes do empregador: «fiscalizar não é o mesmo que dar ordens»106. A autonomia do empreiteiro «consiste na possibilidade de realizar a obra fora da ingerência da contraparte, (…) com liberdade de acção, designadamente na escolha dos meios ou do ritmo dos trabalhos, para o conseguir»107. Mesmo a possibilidade, atribuída ao dono da obra, de alterar unilateralmente o conteúdo da prestação do empreiteiro (art. 1216.º do CC), para além de ser excepcional e estar sujeita a limites de diversa ordem, não afasta a autonomia do empreiteiro na execução da obra108.
Na prática, a distinção pode tornar-se difícil, sobretudo entre o contrato de trabalho e a empreitada celebrada com um empreiteiro que seja pessoa singular e que se limite a fornecer o seu trabalho, sem fornecer equipamentos e materiais (o figurino típico da chamada empreitada «de lavor»)109; sendo certo que hoje, crescentemente, na empreitada, a posição do empreiteiro é ocupada por um profissional (normalmente uma pessoa colectiva), que irá recorrer, isso sim, a trabalho subordinado para executar a sua prestação. Apesar desta evolução no figurino típica da empreitada, ocorrida por força da especialização do trabalho, há ainda muitos profissionais singulares que exercem o seu trabalho autonomamente; e por essa razão, há que acautelar que o contrato de empreitada (e o de subempreitada) – que não oferecem notoriamente a mesma protecção ao empreiteiro, comparada com a protecção que o contrato de trabalho oferece ao trabalhador – não seja utilizado de modo fraudulento, para ocultar verdadeiras relações de trabalho subordinado110.
5.3. Contrato de compra e venda
É ponto assente ter a distinção entre o contrato de empreitada e o contrato de compra e venda das mais difíceis de realizar111, sobretudo em determinados casos de compra e venda
106 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 332. 107 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 331. 108 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 331.
109 E é tanto mais assim quanto actualmente o Direito do trabalho contém uma chamada «presunção» da celebração de um contrato de trabalho quando se verifiquem determinados indícios de laboralidade: art. 12.º do CT.
110 Neste sentido, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 332.
111 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 333 e ss; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 510 e ss..
(como compra e venda de coisa futura), quando comparados com determinados casos de empreitada, como a empreitada em que é o empreiteiro a fornecer os materiais a utilizar na obra. A dificuldade da questão, que no nosso Direito não é isenta de consequências práticas, é testada pela existência de uma jurisprudência significativa sobre a matéria.
Assim, diz-se vulgarmente, na compra e venda o vendedor está adstrito a uma prestação de dare; na empreitada o empreiteiro a uma prestação de facere.
A compra e venda é um contrato real quoad effectum112, enquanto a empreitada é sempre contrato obrigacional, e pode ou não ter efeitos reais, caso haja uma transferência de propriedade da obra, que segue um regime particular (art. 1212.º do CC).
Contudo, há dificuldades de qualificação, sobretudo face à compra e venda de bens futuros, quando é o empreiteiro a fornecer os bens a empregar na obra, como é aliás a regra, na falta de convenção ou uso em contrário (art. 1210.º/1 do CC), e ainda mais quando o valor dos bens ultrapassa o valor do trabalho.
O primeiro critério utilizado para resolver essa dificuldade de qualificação é expresso pelo brocardo accessorium sequitur principale113: o elemento predominante determina a qualificação (no caso de construção de imóveis em terreno do dono da obra, toda a construção é acessória do solo). O critério é válido para as situações em que a transferência da coisa é acompanhada de uma prestação acessória (por exemplo, venda de automóvel com obrigação de fazer alterações na carroçaria, ou venda de um computador com deveres de instrução e assistência técnica114). Contudo, por vezes é difícil determinar o que é acessório: continuando o exemplo dado acima, será possível entender que no caso em que se vende um automóvel mas com obrigação de fazer alterações significativas, o essencial ainda é uma coisa, e que é acessório o trabalho que nela será feito?
Um desenvolvimento desta mesma ideia leva a considerar que a celebração de um contrato que tem por objecto a produção e entrega, por uma das partes, de bens produzidos em massa, sem que o adquirente tenha introduzido qualquer diferença específica face a um modelo (Xxx encomenda a Xxxxx 12 cadeiras do modelo «X» constante do catálogo deste último), seja configurada como uma compra e venda; já numa hipótese semelhante, mas em que os bens sejam produzidos por medida, ou tomando como base um modelo ao qual se
112 Para a justificação desenvolvida desta afirmação, v. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 14, 15 e 20 e ss..
113 A este respeito v., entre nós, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 334; e Xxxxxxx Xxxxxx, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 511.
114 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 211.
introduzem alterações relevantes para satisfazer o interesse do adquirente, a qualificação será a de empreitada (Xxx encomenda a Xxxxx 12 cadeiras baseadas no modelo “X” do catálogo deste último, mas alternando os materiais, as cores, introduzindo alguns elementos de design diferentes, etc.)115.
Xxxxx discutido se apresentou na nossa Jurisprudência doutrinal e judicial o caso particular do fornecimento e montagem de elevadores. Doutrina e tribunais, reconhecendo a essencialidade dos trabalhos de montagem e instalação na economia do contrato e na satisfação o interesse do cliente, bem como a especial preparação técnica necessária a esses trabalhos, defenderam a qualificação como empreitada. Exemplos próximos são os do fornecimento e da instalação de casas pré-fabricadas e de caldeiras116.
A Doutrina confere ainda relevância à vontade das partes117, o que parece claramente de perfilhar: a forma como as partes intencionaram o contrato celebrado é determinante para encontrar o «centro» do negócio, na coisa ou no trabalho.
Em STJ 09-06-2005 (Xxxxxxxx xx Xxxxxxx)118, decidiu-se que «O fornecimento dos materiais necessários à execução da obra não altera a natureza do contrato, como resulta dos arts. 1210.º e 1212.º, do Código Civil, o primeiro dos quais põe mesmo normalmente a cargo do empreiteiro o fornecimento dos materiais e utensílios necessários à execução da obra»; afirmando-se ainda que «Há empreitada, se o fornecimento dos materiais é um simples meio para a feitura da obra, e o trabalho constitui o fim do contrato. Há venda se o trabalho é simplesmente um início para obter a transformação da matéria».
Em STJ 15-01-1992 (Xxxxxxx xx Xxxxxxxx)119, considerou-se como «contrato de fornecimento de materiais (compra e venda) com assistência técnica na sua aplicação e não de subempreitada, o contrato no qual uma firma de construção civil se obriga a impermeabilizar uma laje de um estádio desportivo, fornecendo os materiais para tal, embora o trabalho de aplicação seja da responsabilidade técnica daquela firma e seja efectuado por pessoal de quem a contratou».
115 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 212.
116 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 213.
117 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 337.
118 STJ 09-06-2005 (Xxxxxxxx Xxxxxxx), Proc. 5B1396/ITIJ (poderes do Supremo Tribunal de Justiça – poderes da Relação – matéria de facto – empreitada – compra e venda – distinção – contrato misto).
119 STJ 15-01-1992 (Xxxxxxx xx Xxxxxxxx), in Boletim do Ministério da Justiça, 1992, 413, 503 (compra de subempreitada e compra e venda (distinção) – venda de coisas defeituosas).
5.4. Contrato de promoção imobiliária ou venda em estado de acabamento
Alguma Doutrina distingue o contrato de empreitada do contrato de promoção imobiliária120. Trata-se de um contrato onde uma das partes, que por sua própria iniciativa ou ao abrigo de contrato de empreitada, constrói um imóvel (normalmente, destinado à constituição em regime de propriedade horizontal), e transfere a propriedade da totalidade (no caso de moradias ou armazéns, por exemplo) ou de uma parte desse imóvel (fracção autónoma), já construído, em construção ou ainda antes do início da construção, mediante o pagamento de um preço pelo adquirente do imóvel121. No âmbito destes contratos, existe uma particularidade: quando a construção ainda não se deu ou está em curso, quem procede à transferência obriga-se a realizar (ou a terminar) os trabalhos de construção, e o adquirente tem um conjunto de faculdades próximas do esquema típico da empreitada: pode exercer a fiscalização da obra e tem um poder (normalmente limitado) de impor variações do projecto (por exemplo, nos materiais dos acabamentos). Além de tudo isto, quem procede à transferência do imóvel fica sujeito ao regime de responsabilidade por defeitos aplicável ao empreiteiro na construção de imóveis.
No Direito francês, a prática, primeiro, e o Direito positivo, depois, deram origem a uma figura contratual autónoma, que o Code Civil regula sob a designação de vente en état d’achévement futur (venda em estado de acabamento), e que se aplica em sede de obras de construção imobiliária. Foi um movimento acompanhado pela Jurisprudência doutrinal e judicial da generalidade dos países europeus122. Como sublinha Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx000, a autonomização desta figura deveu-se a um reconhecimento generalizado de que o regime geral dos defeitos da coisa no contrato de compra e venda era desadequado quando aplicado à venda de imóveis, tendo em conta os reduzidos prazos de denúncia de defeitos e de caducidade dos direitos do comprador.
Em Portugal, apesar das indicações da Doutrina nesse sentido e de algumas decisões isoladas dos tribunais, a Jurisprudência mostrava-se em regra relutante em aplicar o regime da empreitada – designadamente o prazo mais amplo de garantia de cinco anos constante do art.
120 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, pp. 338 e ss.. 121 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 215.
122 V., com referências, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Xxxxxxxx, 0000, pp. 338 e 339.
123 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 339.
1225.º do CC – o legislador, através do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, veio trazer duas alterações importantes: uma para aumentar, em geral, o prazo de responsabilidade do vendedor de imóvel por defeitos do mesmo, passando esse prazo a ser de cinco anos (art. 916.º/3, do CC); e a segunda para conferir ao adquirente de imóvel de longa duração, que o adquira a quem o construiu ou reparou, a mesma tutela dispensada pelo art. 1225.º do CC ao dono da obra perante o empreiteiro (novo art. 1225.º/4).
A questão que aqui coloca-se, no entanto, permanece sem uma resposta clara: são contratos diferentes a empreitada e o contrato de promoção imobiliária ou de «venda em estado de acabamento»?
Com efeito, essa questão permanece sem resposta porquanto o art. 1225.º/4, introduzido em 1994, se limita a aplicar a um contrato de alienação de um imóvel celebrado por quem o construiu ou reparou o regime dos defeitos em imóveis de longa duração, nada resolvendo quanto à autonomização de um tipo contratual específico, diferente da empreitada e diferente também da compra e venda. Mais: há quem já se tenha pronunciado no sentido de o art. 1225.º/4 resolver o problema, mas precisamente no sentido da não autonomização do contrato de aquisição de imóvel ao construtor, reconduzindo-se esse contrato, apenas, a um tipo de contrato de compra e venda.
A resposta à questão colocada não parece a Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, ser unívoca, porque diferentes parecem-lhes os contratos subjacentes. E por isso a resposta, para ser completa e não enfermar de generalizações eventualmente redutoras, implica distinções prévias.
Assim, em primeiro lugar, se o contrato que leva à transmissão do imóvel é um contrato onde o construtor edificou, por sua iniciativa, e depois procedeu à alienação; se a alienação teve lugar após a construção, ou se teve lugar antes de a obra estar terminada, mas o adquirente não teve qualquer possibilidade de controlo sobre o resultado final – então o esquema contratual é correspondente a uma compra e venda (de bem presente ou de bem futuro, respectivamente), a qual terá, como única particularidade de regime, a aplicação do regime do art. 1225.º nas relações entre o vendedor e o comprador, por decisão expressa do legislador, a qual não revela do ponto de vista da qualificação. Com efeito, neste caso, o facto de o legislador mandar aplicar o regime do art. 1225.º não tem outro sentido que não o de uma simples remissão, ou seja, um expediente técnico-jurídico, que visa aplicar a um dado contrato um regime que já existe para outro contrato, dispensando o legislador de reproduzir esse regime a propósito do contrato que quer regular. Nestes casos, o art. 1225.º/4 não tem por
efeito alterar a natureza do contrato: permanece uma compra e venda, mesmo se sujeita a um regime de defeitos específico em termos de prazos de pressupostos de actuação, denúncia de defeitos e caducidade do direito de acção. Ninguém defende, por exemplo, deixarmos de estar, pelo facto de o art. 936.º do CC, mandar aplicar à locação-venda o regime da venda a prestações, perante uma locação-venda e passarmos a lidar com uma venda a prestações. Há aí, unicamente uma remissão, a aplicação a um contrato de um regime previsto para outro contrato, sem confusão de qualificações.
Contudo, outra hipótese parece possível. Se a transferência do imóvel se dá numa fase em que a construção ainda não terminou (seja porque não se iniciou, seja porque está em curso e apenas faltam, por exemplo, os acabamentos), e ao adquirente do imóvel se dá a possibilidade de ir acompanhando a execução dos trabalhos e eventualmente de modificar, ainda que de forma limitada, certos aspectos da obra, face ao previsto no projecto, então, para Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Raimundo124, estamos perante um tipo autónomo, que não é susceptível de qualificação como contrato de compra e venda (mesmo como contrato de compra e venda de bem futuro). Com efeito, neste figurino, perde-se o enfoque na coisa final, que é típico da compra e venda, e o centro do negócio passa para o processo de realização de uma obra que corresponda ao interesse (que neste caso é dinâmico, e pode traduzir-se em alterações ao projecto) da parte a quem a obra se destina.
Conclui-se, pois: no caso em que o contrato estabelecido entre as partes siga o segundo figurino, estaremos perante um contrato misto de compra e venda e empreitada, social mas não legalmente típico125, sob as designações de contrato de promoção imobiliária ou venda em estado de acabamento, e que estará sujeito, em primeira linha, ao regime que as partes para ele estabeleceram, em segunda linha, ao regime imperativo que resulta claramente aplicável aos contratos de alienação de imóveis de longa duração por quem os construiu – ou seja, ao regime do art. 1225.º do CC, sendo absolutamente impossível e irrelevante saber se essa sujeição ocorre directamente, ou por força da remissão do n.º 4 do mesmo artigo – e finalmente, às regras supletivas mais adequados ao aspecto concreto a regular que se encontrem nos regimes dos dois tipos contratuais que constituem a base do contrato, nos termos da teoria da combinação (assim, por exemplo, à fiscalização aplicar-se-á o regime do
124 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 218.
125 O que poderia ser alterado, de jure condendo, numa reforma que procedesse a um muito necessário
aggiornamento do regime jurídico-legal do contrato de empreitada.
art. 1209.º do CC, e à resolução do contrato por falta de pagamento do preço aplicar-se-á o regime do art. 886.º do CC).
6. Empreitada de direito público e de direito privado
A existência paralela de dois tipos contratuais tendentes à construção de obras, um de Direito público e outro de Direito privado, é uma constante ao longo da história do Direito. Já no “Direito romano” a realização de empreitadas de obras públicas tinha especificidades, pelo menos, do ponto de vista dos esquemas de financiamento126, mas também, parece, do ponto de vista do próprio regime de execução do contrato, que se diferenciava do regime do contrato de locatio-conductio celebrado entre particulares.
A emergência de um regime específico de Direito público para as empreitadas decorre, evidentemente, do papel que o poder público sempre assumiu e assume na realização de infraestruturas de interesse geral (máxime redes: de comunicação, de fornecimento de bens essenciais à vida, de fornecimento de energia, etc.127).
A diferença entre a empreitada de Direito Público e de Direito Privado, com jurisdição e, principalmente, regimes diversos, não é comum a todos os sistemas jurídicos e tem origem no Direito francês, oriundo da revolução. E mesmo aí, não obstante a existência de uma jurisdição administrativa, o Conseil d`Éat aplica o Code Civil, designadamente no respeitante à responsabilidade do empreiteiro.
Verifica-se que, na Itália, os tribunais administrativos só têm competência para resolver os litígios que advêm da formação dos contratos de empreitada de obras públicas, pois, quanto aos diferendos derivados da execução dos mesmos, a competência cabe aos tribunais comuns. No Brasil, na Bélgica e no Luxemburgo todos os problemas suscitados pelos contratos de empreitada de obras públicas são dirimidos nos tribunais judiciais, não havendo, por conseguinte, qualquer jurisdição especial.
Relativamente ao regime jurídico, verifica-se na Itália, no Brasil, na Bélgica, no Luxemburgo, bem como na Suíça os contratos de empreitada de obras públicas, para além de algumas diferenças de pormenor, designadamente “quanto à sua formação, estão sujeitos às
126 Aprovado pelo Decreto-lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18- A/2008, de 27 de Março, e entretanto já alterado por diversos diplomas: Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro; Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de Outubro; Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril; e Decreto-Lei n.º 131/2010, de 14 de Dezembro.
127 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 219.
regras estabelecidas nos respectivos códigos civis”. Nestes espaços jurídicos, as empreitadas de obras públicas apresentam-se como contratos regidos pelo Direito Privado128.
Por virtude da influência francesa, onde se subordinava ao Direito administrativo a celebração de certos contratos entre a administração e os particulares, veio a ser tradicional entre nós a qualificação da empreitada de obras públicas como contrato administrativo. Essa qualificação constava logo do artigo 815.º, § 2.º, do Código Administrativo de 1940. Em consequência foram aprovados sucessivos regimes especiais para a empreitada de obras públicas, sendo de salientar o D.L. 48871, de 19 de Fevereiro de 1969. Esse diploma foi posteriormente substituído pelo D.L. 235/86, de 18 de Agosto, alterado pelo D.L. 320/90, de 15 de Outubro, os quais foram revogados pelo D.L. 405/93, de Dezembro. Este último diploma viria a ser revogado pelo D.L. 59/99, de 2 de Março, que instituiu o Regime Jurídico da Empreitada de Obras Públicas, que entrou em vigor em 3 de Junho de 1999, o qual foi sucessivamente alterado pela Lei 163/99, de 14 de Setembro, e pelo Decreto-Lei 159/2000, de 27 de Julho. Actualmente, o respectivo regime consta dos arts. 343.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei 18/2008, de 29 de Janeiro, tendo este diploma revogado o RJEOP (artigo 14.º, n.º 1, al. d))129.
O regime do contrato de empreitada de obras públicas encontra-se hoje previsto no Código dos Contratos Públicos, concretamente nos seus arts. 343.º a 406.º, sendo de assinalar, além das regras aí contidas, que também são aplicáveis ao contrato de empreitada as disposições gerais que o Código dedica aos contratos administrativos (arts. 278.º a 342.º).
A empreitada de obras públicas é legalmente definida como contrato oneroso que tenha por objecto quer a execução quer, conjuntamente, a concepção e a execução de uma obra pública que se enquadre nas subcategorias previstas no regime de ingresso e permanência na actividade de construção (art. 343.º, n.º 1 do CCP). Por sua vez, o art. 343.º, n.º 2 do CCP considera “obra pública” o resultado de quaisquer trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alteração ou adaptação, conservação, restauro, reparação, reabilitação, beneficiação e demolição de bens imóveis executados por conta de um contraente público.
Porém, a noção aí referida pode parecer incompleta, pois deixa, aparentemente, na sombra um elemento essencial para se tratar, efectivamente, de um contrato de empreitada obra pública: a natureza de pelo menos um dos outorgantes. Todavia, essa exigência acaba
128 Vd. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 319.
129 Vd. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 513.
por estar presente na menção à obra pública e à especificação, no art. 343.º/2 em análise, ao facto de obra pública ser o resultado de quaisquer trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alteração ou adaptação, conservação, restauro, reparação, reabilitação, beneficiação e demolição de bens imóveis executados por conta de um contraente público.
A definição de “contraentes públicos” consta do art. 3.º do CCP, sendo assim o regime da empreitada de obras públicas aplicável sempre que o dono da obra seja alguma dessas entidades. Caso o dono da obra não seja nenhuma das entidades referidas no art. 3.º do CCP é aplicável à empreitada, o regime dos arts. 1207.º e seguintes do Código Civil. Há porém, que referir que múltiplas vezes, mesmo em empreitadas de Direito Privado, as partes efectuam remissões para o regime da empreitada de obras públicas, que pretendem ver aplicado a essa empreitada. Essa solução apenas será possível relativamente às normas supletivas do Código Civil, dado que as suas normas injuntivas não poderão ser derrogadas por essa via. Fora desses casos, parece possível as partes estabelecerem essa remissão, a qual, no entanto, não terá carácter absoluto, uma vez que certos preceitos do Código dos Contratos Públicos apenas se justificam em função do regime de Direito Público, pelo que não se poderão aplicar a empreitadas de Direito privado130.
Na verdade, pode retirar-se da conjugação dos arts. 3.º e 434.º do CCP um critério predominantemente orgânico ou subjectivo, que passa pela necessidade de existir no contrato de empreitada pelo menos uma das partes que possa ser qualificada como «contraente público» (art. 3.º CCP), embora exija igualmente a presença de uma «obra pública» no sentido da definição dada pelo art. 343.º/2 do CCP; os dois elementos são cumulativos131. Contudo, a definição de obra pública é totalmente neutra e descritiva, em nada se distinguindo das obras de Direito privado com o mesmo objecto (designadamente, não se exige que a obra satisfaça directa ou indirectamente um fim de interesse público). Por isso, o centro do contrato, aquilo
130 Vd. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Xxxxxxxx, 0000, pp. 513-514.
131 A referência aos critérios cumulativos quer significar que: (i) a qualidade de contraente público não é determinada pela natureza da pessoa, mas pelo contexto da sua actuação e até, eventualmente, apenas pela própria vontade das partes (cfr. art. 3.º/2 CCP); e por outro lado, (ii) as actividades materiais referidas no art. 343.º/2 são compatíveis, quer com uma empreitada de obra pública, quer com uma empreitada privada. Significa isto poder um sujeito privado – por exemplo, um concessionário, eventualmente uma simples sociedade comercial de capitais privados – ser dono de uma obra na qual se executem exactamente os trabalhos referidos no art. 343.º do CCP; mas bastará não ser essa entidade, nesse contrato, de considerar contraente público, ou, o que é o mesmo, o contrato não preencher os índices de administratividade do art. 1.º/6 do CCP, para o contrato em causa corresponder a uma empreitada de obra privada. Por isso parece espelhar o panorama completo dizer- se ser a obra pública se for relativa às tarefas mencionadas no art. 343.º/2 e executada por conta de um contraente público. Isso dá a entender bastar atender à natureza do sujeito do contrato para se qualificar esse contrato. Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em especial), Vol. II, 2º Edição Revista, Almedina, 2013, p. 221.
que decide sobre a sua qualificação como empreitada de obra pública, é a qualificação de uma das partes, pelo menos, como contraente público132.
Assim, torna-se essencial determinar as entidades consideradas pelo Direito contraentes públicos. São-no, primeiramente, as referidas no art. 2.º/1 do CCP133, para todos os contratos de empreitada por elas celebrados; e são-no, em segundo lugar, as entidades referidas no art. 2.º/2 do mesmo Código134, estas últimas (apenas) na medida em que celebrem um contrato qualificado (por vontade sua ou por força do regime substantivo de Direito público que regule o contrato) como contrato administrativo (art. 3.º/1 e 2 do CCP). A diferença de regimes entre os dois tipos de entidades (as do art. 2.º/1 e as do art. 2.º/2 do Código) decorre do facto de as entidades do art. 2.º/2 desempenharem as suas actividades sujeitas a regimes mais flexíveis, menos tributários do Direito público e mais próximos do Direito privado. Basta mencionar que a maioria das empresas públicas, a ser contraente público, sê-lo-á nos termos do art. 2.º/2 do Código, e por isso as empreitadas de obras por si contratadas, embora estejam, em regra, sujeitas a um regime de formação de Direito público (ou seja, à Parte II do Código, cujo âmbito subjectivo de aplicação é delimitado pelo art. 2.º do CCP), apenas o estando se a própria entidade qualificar como de Direito Público o seu contrato de empreitada, ou incluir nele cláusulas específicas da regulação jurídico-pública do contrato de empreitada, ou ainda se uma disposição submeter esses contratos a traços de regime típicos do Direito público.
132 Acolheu-se, pois, a tese de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª edição, Almedina, 2010, p. 321.
133 Isto é: a) O Estado, b) As Regiões Autónomas; c) As autarquias locais; d) Os institutos públicos; e) As fundações públicas, com excepção das previstas na Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro; f) As associações públicas; g) As associações de que faça parte uma ou várias das pessoas colectivas referidas nas alíneas anteriores, desde que sejam maioritariamente financiadas por estas, estejam sujeitas ao seu controlo de gestão ou tenham um órgão de administração, de direcção ou de fiscalização cuja maioria dos titulares seja, directa ou indirectamente, designada pelas mesmas.
134 O mesmo é dizer: a) Quaisquer pessoas colectivas que, independentemente da sua natureza pública ou privada: (i) Tenham sido criadas especificamente para satisfazer necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial; e (ii) Sejam maioritariamente financiadas pelas entidades referidas no art. 27.º/1, estejam sujeitas ao seu controlo de gestão ou tenham um órgão de administração, de direcção ou de fiscalização cuja maioria dos titulares seja, directa ou indirectamente, designada por aquelas entidades; b) Quaisquer pessoas colectivas que se encontrem na situação referida anterior relativamente a uma entidade que seja, ela própria, uma entidade adjucante nos termos do disposto na mesma alínea; c) (previa que as associações privadas de natureza científica e tecnológica fossem sujeitas a influência dominante, mas esta parte do preceito foi revogado em 2009); d) As associações de que façam parte uma ou várias das pessoas colectivas referidas nas alíneas anteriores, desde que sejam maioritariamente financiadas por estas, estejam sujeitas ao seu controlo de gestão ou tenham um órgão de administração, de direcção ou de fiscalização cuja maioria dos titulares seja, directa ou indirectamente, designada pelas mesmas. O art. 2.º/2 do CCP consagra no Direito português a noção, proveniente do Direito comunitário, de organismo de direito público, que é uma entidade adjucante cujo regime de contratação é mais flexível do que o regime dos chamados «poderes públicos» (referidos no art. 2.º/1 do CCP). Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em especial), Vol. II, 2º Edição Revista, Almedina, 2013, p. 222.
Em empreitadas de Direito Internacional é frequente remeter-se para as regras de modelos contratuais padrão, em especial as do FIDIC (Fédération Internacional des Ingenieurs Conseils). Esta federação internacional, “com sede na Suíça”, tem publicado formulários de contratos de empreitada que, funcionando como padrão, servem para preencher os negócios jurídicos individuais. Os contratos padronizados do FIDIC baseiam-se na inglesa ICE (Institution of Civil Engineers) Conditions of Contract e, em termos de publicação, apresentam uma divisão bipartida, a primeira das quais contém regras gerais, índice e formação do contrato e da segunda parte constam condições particulares de aplicação, com várias hipóteses à escolha dos interesses.
7. Natureza civil ou comercial da empreitada
Apesar do grande peso do movimento de unificação do Direito Civil e do Direito Comercial, que teve início no fim do séc. XIX com o primeiro Código das obrigações Suíço (1881) e que culminou, em 1942, com o actual Código Civil Italiano, continua a verificar-se uma autonomia substancial destes dois ramos do Direito Privado que, em muitos países, como em Portugal, se traduz também numa autonomia formal. Por se considerar que a codificação dos contratos civis em especial não poderia prescindir de um contrato com a relevância social e jurídica da empreitada, bem como por razões de tradição (o Código de 1867 autonomizava a empreitada) e de proximidade de outros Direitos europeus que mantinham a empreitada nos respectivos códigos civis135. Por outro lado, a manutenção do contrato de empreitada no Código civil e a sua ausência do Código Comercial não assume importância decisiva do ponto de vista sistemático, já que o Direito civil é o Direito subsidiário do Direito comercial (art. 3.º do CCom.)136.
O contrato de empreitada é hoje em dia primordialmente levado a cabo mediante estruturas empresariais, que organizam os factores de produção tendentes à prossecução da sua actividade e recorrem a mão-de-obra subordinada; e é por isso regulado, no todo ou em parte, pelas regras do Direito comercial. Já assim era aquando da elaboração do Código Civil de 1966, o que levou a que se questionasse se se justificava a inclusão, no Código Civil, de um regime específico para este contrato, como o tinha feito o código de Seabra137.
135 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª edição, Almedina, 2010, p. 326.
136 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª edição, Almedina, 2010, p. 326.
137 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª edição, Almedina, 2010, p. 324 e ss.; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Xxxxxxxx, 0000, pp. 514.
Segundo Xxxxxx Xxxxxx000, o contrato de empreitada de natureza comercial é aquele em que «alguém se obriga a realizar uma obra mediante a organização dos meios necessários e gestão por conta e risco próprios, em contrapartida de uma retribuição em dinheiro», e que
«implica na sua execução uma empresa mais ou menos complexa. O empreiteiro é empresário; reúne e organiza os factores da produção e gere por sua conta essa combinação económica e técnica. Além do próprio capital, aplica normalmente – o que aliás não é essencial – trabalho alheio que recruta e dirige; e emprega capital, ou no pagamento desse trabalho, ou na aquisição de materiais (se é ele que os fornece), ou nas duas coisas, sem falar nas despesas gerais de exploração. Esta fica a seu risco».
Por força do art. 2.º do CCom., poder-se-á considerar como mercantil o contrato de empreitada cujo resultado seja economicamente produtivo e a obra realizada através de uma empresa. E, nos termos do n.º 6 do art. 230.º do Código Comercial, se o empreiteiro se propuser edificar ou construir casas para outrem, com materiais por ele subministrados, será considerado uma empresa comercial, isto é, organização empresarial.
A empreitada pode, contudo, ter uma natureza civil (art. 230.º, § 1.º do CCom.)139: Se aquele que se obriga a realizar uma obra não emprega capital, ou emprega pouco capital (exemplo, situações de trabalho quase artesanal) que faz pouco significativo tendo em conta o valor total da obra a realizar, e se só assume o risco do seu trabalho e de algum material que tenha fornecido, mas cujo valor seja reduzido em relação ao preço da obra no seu conjunto, o contrato de empreitada assume uma natureza civil. É o caso do operário que ergue sozinho o muro com materiais fornecidos pelo comitente140. Neste exemplo, “o contrato não deixará de ser civil se o operário fornecer o cimento necessário para a elevação do muro ou, como é mais frequente, os utensílios com que normalmente trabalha”. Assim sendo, a incumbência de realização de uma mesma obra, por exemplo, construir uma casa, pode ter simultaneamente natureza comercial ou civil, consoante o empreiteiro se assuma ou não como empresário141.
Tendo em conta que o CCom. não contempla como tipo negocial autónomo o contrato de empreitada, são bem poucas as regras jus-comerciais que encontram aplicação nas empreitadas comerciais – salientem-se as que resultam da regra da solidariedade nas obrigações assumidas por mais de um sujeito (art. 100.º do CCom.) e as que regulam as consequenciais da mora (art. 102.º do CCom. e agora também o Decreto-Lei n.º 32/2003, de
138 Vd. Xxxxxx Xxxxxx, «Aspectos Comuns aos Vários Contratos», RFDUL VII (1950), pp. 270 ss.
139 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 514.
140 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª edição, Almedina, 2010, p. 325.
141 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª edição, Almedina, 2010, p. 325.
17 de Fevereiro, que transpõe para o Direito português a Directiva 2000/35/CE, de 29 de Junho, a qual veio estabelecer um regime específico para o atraso no cumprimento em transacções comerciais).
O Código Civil Italiano distingue as duas modalidades de empreitada. Assim, nos arts. 1655 e ss. CCIt. vem regulado o contrato de appalto, nos termos do qual «alguém, com organização dos meios necessários e gestão a seu risco, assume a obrigação de realizar uma obra ou um serviço». Pressupõe, por conseguinte, uma “actividade empresarial” nos termos do artigo 2082 CCIt. Por outro lado, nos arts. 2222 e ss. CCIt., aparece regulado o contrato d`opera, mediante o qual «o empreiteiro é uma pessoa singular que realiza uma obra ou um serviço com trabalho predominantemente próprio. Neste último caso, estar-se-á perante actividades artesanais».
Outros diplomas, tais como os Códigos alemão (BGB), suíço (CO), francês (CCFr), espanhol (CCEsp.) e portugueses de 1867 (CC 1867 e de 1966l), não fazem tal distinção. E, de facto, não se podem apontar diferenças de fundo entre os dois tipos de contrato. Mesmo no sistema italiano, apesar da diferença constante do respectivo Código Civil, muitas das normas que regulam o appalto encontram aplicação no domínio do contrato d`opera142.
8. Características qualificativas da empreitada143
8.1. A empreitada como contrato nominado e típico
A empreitada é, antes de tudo, um contrato nominado e típico, uma vez que a lei reconhece a sua categoria e estabelece o seu regime nos arts. 1207.º e ss. do CC.
8.2. A empreitada como contrato normalmente não formal
A empreitada é, por outro lado, um contrato não formal, uma vez que, dado que a lei não estabelece forma especial, o contrato é válido, independentemente da forma que venha a ser adoptada. Há, no entanto, certos casos especiais de empreitada, em que a lei sujeita o
142 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Xxxxxxxx, 0000, pp. 325-326.
143 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, pp. 515 – 517.
contrato à forma escrita, como a empreitada de obras públicas (art. 94.º Código dos Contratos Públicos) e contrato de construção de navio (art. 12.º do D.L. 201/98, de 10 de Julho).
8.3. A empreitada como contrato consensual
A empreitada é ainda um contrato consensual (por oposição a real quoad constitutionem), dado que a lei não exige para a sua constituição a entrega de uma coisa. Efectivamente, embora essa entrega possa vir a ser necessária para a execução do contrato – o dono da obra tem que proporcionar ao empreiteiro o solo nas empreitadas de construção de imóveis, ou a coisa a reparar ou a transformar nas empreitadas de construção e reparação – a verdade é que em lugar algum a lei exige essa entrega como pressuposto de constituição do contrato, o que leva a que a empreitada tenha que ser qualificada como contrato consensual (art. 219º CC).
8.4. A empreitada como contrato obrigacional, podendo ser também real quoad effectum
A empreitada é sempre um contrato obrigacional, na medida em que é fonte de obrigações, sendo a obrigação do empreiteiro a realização da obra, e a obrigação do dono da obra o pagamento do preço. A empreitada pode ser, porém, além disso um contrato real quoad effectum, quando a propriedade da obra seja atribuída ao empreiteiro, e esta venha a transmitir-se para o dono da obra. É o que acontece na empreitada de coisas móveis realizada com materiais pertencentes ao empreiteiro, em que é a aceitação da coisa que transmite a propriedade para o dono da obra (art. 1212.º, n.º 1), regime que aliás se afasta do regime geral quanto à transmissão de direitos reais sobre coisas futuras e por isso mesmo vem a ser a empreitada referida como excepção ao art. 408.º, n.º 2 do CC.
8.5. A empreitada como contrato oneroso
A empreitada é um contrato oneroso, uma vez que gera sacrifícios económicos para ambas as partes. Efectivamente, o dono da obra tem que pagar o preço, enquanto que o empreiteiro tem o sacrifício do valor do seu trabalho e dos materiais que eventualmente forneça.
8.6. A empreitada como contrato sinalagmático
Sendo um contrato oneroso, a empreitada é também um contrato sinalagmático, uma vez que faz surgir obrigações recíprocas para ambas as partes, sendo a do empreiteiro a de realizar a obra e a do dono da obra a de pagar o preço. Estas duas obrigações surgem ligadas entre si em termos causais no momento da constituição do contrato (sinalagmático genético), permanecendo essa ligação durante a sua execução (sinalagma funcional).
8.7. A empreitada como contrato comutativo
A empreitada é um contrato comutativo e não aleatório, uma vez que tanto a atribuição patrimonial do dono da obra como a do empreiteiro se apresentam como certas quanto à sua existência (an) ou conteúdo (quantum), o que exclui a verificação de uma álea144 ou risco económico neste contrato.
8.8. A empreitada como contrato de execução instantânea ainda que prolongada
Apesar de a execução da empreitada se poder prolongar perante um período considerável, a verdade é que a empreitada não pode ser qualificada como um contrato de execução continuada, sendo por isso um contrato de execução instantânea145 (verbi gratia, colocar um vidro, afinar o carburador do automóvel146). É evidente que as partes podem ajustar um contrato de empreitada cujas prestações sejam permanentes; por exemplo, uma empreitada respeitante à conservação de um imóvel.
Menezes Leitão147, efectivamente, entende que o tempo não influi no conteúdo e extensão da obrigação, dado que apenas interessa ao credor a execução da obra. Mesmo que essa execução se possa prolongar no tempo, este nunca é visto como relevante em termos de delimitação do conteúdo da obrigação, sendo apenas um prazo de execução da obrigação do empreiteiro, que é assim considerada de execução instantânea, ainda que prolongada. Mas
144 Risco, acaso.
145 Cfr. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Obrigações, pp. 362 e ss. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Xxxxxxxx, 0000, pp. 362-363.
146 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 363.
147 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 517.
segundo Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx000, sendo a empreitada um contrato cujas prestações se prolongam no tempo, é frequente que as partes acordem quanto aos termos inicial e final de execução da obra, a fim de que a indeterminação dos mesmos não seja causa de incerteza. Não tendo as partes chegado a acordo – aquando da celebração do contrato ou em momento posterior – em relação àqueles prazos, pode qualquer uma delas recorrer ao tribunal exigindo a respectiva fixação, nos termos dos arts. 400º, n.º 2 e 777º, n.º 2 do CC. Apesar desta faculdade ser bilateral, na prática, só o dono da obra tem necessidade de enveredar por este caminho.
9. Forma do contrato de empreitada
O contrato de empreitada está, regra geral, sujeito ao «princípio da liberdade de forma» constante do art. 219.º do CC. Isto é, como afirma Xxxxxxx Leitão149, a empreitada é em princípio um contrato não formal, dado a lei não a sujeita a forma especial, podendo assim ser celebrada consensualmente. Significa isso que o consenso pode ser exteriorizado pelos modos típicos de formação do contrato: esquema tradicional de proposta-aceitação ou outros modos que a Doutrina tem vindo a distinguir; mediante declarações expressas ou tácitas; mesmo através de comportamento concludente (por exemplo, quando uma das partes inicia a execução da obra e a outra lhe confere um adiantamento para despesas).
À margem deste princípio de liberdade de forma, a verdade é que se tem assistido a uma evolução clara da lei e da prática no sentido da formalização do contrato, em empreitadas de maior valor, por razões de segurança e clareza na assunção das obrigações. Assim, o art. 29.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, consagra a forma escrita para contratos de empreitada e subempreitada de obra (de construção civil) particular acima de certo valor, embora a nulidade não seja invocável pela parte obrigada a diligência pelo cumprimento da forma, que é o empreiteiro.
Em muitos casos, ao clausulado propriamente dito é acrescentado o projecto da obra e o «caderno de encargos», que contêm as especificações técnicas a observar pelo empreiteiro. Há necessidade de determinar, por interpretação das declarações negociais, que tipo de vinculatividade quiseram as partes atribuir a tais documentos, para efeitos da aplicação do regime das alterações convencionado.
148 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Xxxxxxxx, 0000, pp. 363-364.
149 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 519.
Na empreitada por preço global a possibilidade de o empreiteiro exigir ao dono da obra o aumento do preço decorrente de alterações da iniciativa daquele está dependente da existência de autorização escrita dada pelo dono da obra, com indicação do quantitativo desse aumento de preço (art. 1214.º/2 do CC). Mesmo se se entender não estarmos perante uma regra de sujeição das alterações ao contrato a forma escrita (no sentido de a autorização ser nula se a não observar), o resultado prático é o mesmo: ainda que a autorização tenha sido dada, se o foi apenas verbalmente, o empreiteiro não tem direito ao aumento do preço mas apenas ao enriquecimento sem causa.
A Doutrina refere igualmente que nos casos em que o empreiteiro fornece o solo onde irá ser construída a obra, há sujeição do contrato à forma exigida para a transmissão do direito sobre o imóvel. Contudo, é duvidoso que estejamos perante um contrato de empreitada, quando nos referirmos à transferência da propriedade da obra.
É perfeitamente possível ser a empreitada utilizada como esquema contratual de fornecimento de bens no âmbito de uma relação de consumo: o “Direito do consumo” não está limitado pelo contratual (por exemplo, compra e venda prestação de serviços) mas tem antes um escopo de protecção que leva a desvalorizar esse tipo de aspecto mais formal e a ter em conta a materialidade subjacente. A empreitada dá origem ao fornecimento de um bem mediante um preço e por isso lhe tem sido expressamente estendido, em recentes intervenções legislativas, o regime do Direito do consumo (v. por exemplo o art. 1.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 84/2008).
Justifica-se esta menção porquanto num caso específico, a celebração de contratos no âmbito de relações de consumo está sujeita a forma especial: trata-se dos contratos celebrados no domicílio do consumidor e contratos equiparados150. Nos contratos que se enquadrem nesse regime, o contrato deve pois ser sujeito a forma escrita, com as menções constantes do art. 16.º do Decreto-Lei n.º 143/2001, sob pena de nulidade. Sendo certo que não se aplica o regime dos contratos ao domicílio e equiparados aos contratos de construção de imóveis (art. 14.º/a), do DL n.º 143/2001), ele aplica-se, sem dúvida, a todos os contratos de empreitada (mesmo de construção) de bens imóveis, bem como aos contratos de empreitada que tenham por objecto imóveis mas que não se destinem à construção (por exemplo, contratos de modificação ou reparação de imóveis).
150 Os contratos ao domicílio aparecem definidos no art. 13.º/1 do Decreto-Lei n.º 143/2001, de 26 de Abril, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 82/2008, de 20 de Maio, e os contratos a eles equiparados surgem referenciados no n.º 2 do mesmo artigo.
O contrato de empreitada de construção de navio está sujeito a forma escrita, nos termos do art. 12.º do Decreto-Lei n.º 201/98, de 10 de Julho151.
Para a «empreitada de obras públicas» há igualmente exigência de forma escrita (art. 94.º do CCP), que apenas é dispensada em casos de empreitadas de reduzida complexidade e baixo valor (cfr. art. 95.º do Código dos Contratos Públicos). Neste último caso, o contrato deve conter as menções referidas no art. 96.º do CCP, sob pena nulidade.
Também os contratos de subempreitada celebrados por um empreiteiro no contexto da execução, por este, de um contrato de empreitada de obras públicas estão sujeitos à forma escrita, estabelecendo a lei um conjunto de menções que devem constar desse subcontrato (art. 384.º/1 do CCP).
Note-se ainda que o Código dos Contratos Públicos integra na designação de contratos de «aquisição de bens imóveis» contratos que são, na realidade, de empreitada de coisa imóvel (cfr. os arts. 437.º e 439.º do CCP), o que se prende com o facto de, para o Código, só haver empreitada de obra pública quando há uma intervenção relacionada com um imóvel (arts. 343.º/2, do CCP)152. Esta situação está em linha com a crescente indiferenciação de regimes entre compra e venda (de bem futuro) e empreitada de construção de coisa móvel no Direito civil e no Direito do consumo, a qual é visível, por exemplo, na forma como o Decreto-Lei n.º 67/2003 abrange comodamente as duas categorias, sem necessidade de distinções fracturantes de regime (cfr. o art. 1.º-A do DL n.º 67/2003).
Na categoria a que o Código dos Contratos Públicos chama «aquisição de bens móveis» cabem, por isso, verdadeiros contratos de empreitada (de bens móveis), que nessa medida estão igualmente sujeitos, por força da regra geral do art. 94.º, à forma escrita, apenas dispensada nos termos do art. 95.º do CCP.
10. Formação do contrato de empreitada
No que respeita à formação do negócio jurídico, a empreitada de Direito privado obedece ao regime geral da formação do contrato, estabelecido nos artigos 224.º e seguintes
151 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 519.
152 Confirmando esta afirmação, veja-se o art. 442.º do Código dos Contratos Públicos: trata-se da previsão legal da possibilidade de fiscalização do processo de fabrico de um bem. Como se sabe, a fiscalização é um traço típico da empreitada, e não da compra e venda, havendo mesmo quem afirme a incompatibilidade entre as duas figuras.
do Código Civil153. A formação da empreitada ganha uma coloração particular por uma circunstância, relacionada com o próprio elemento distintivo do contrato: a realização de uma obra154. De facto, esse elemento exige que as partes acordem especificamente nas características da obra a realizar, através de um projecto, um plano, etc..
Não quer isso significar que para existir empreitada tenha de existir um «projecto» ou «plano» no sentido mais «formal» que os usos linguísticos lhe dão (de um projecto com especificações técnicas, medições, feito por escrito, etc.) – quer-se aqui significar, simplesmente, que a obra a realizar deve estar suficientemente determinada, pelo menos nos seus elementos essenciais e resultado final, mesmo que por mera «descrição». Bastará, para que exista projecto ou plano, deste ponto de vista, que as partes convencionem, mesmo verbalmente, as características essenciais da obra pretendida, sabendo, obviamente, que a autonomia do empreiteiro na realização da obra varia na proporção inversa da minúcia colocada na definição da obra.
Pode igualmente constituir já uma parte da prestação do empreiteiro ao abrigo do próprio contrato (e não como acto pré-contratual, objecto de uma prestação de serviços ou empreitada autónoma) a elaboração do projecto, de acordo com as especificações do dono da obra e normalmente objecto de uma concordância expressa deste antes da sua execução. Quando assim é, deixa de colocar-se a questão, que nos demais casos sempre está presente, da divisão de responsabilidade entre projectista e executante.
Embora «o projecto» não seja necessário para que haja empreitada, a verdade é que ele se coloca como elemento fundamental e vinculante num dos casos por excelência de aplicação deste contrato: a construção civil. Com efeito, nesses casos o projecto ou se destina a ser aprovado por entidade administrativa, ou já o foi, o que aliás coloca questões específicas na economia do contrato (por exemplo, no que se reporta à possibilidade e termos concorrência de variações ao projecto, ou à análise da medida da culpa do empreiteiro na não detecção de erros do projecto na fase pré-contratual).
Por vezes é necessária a obtenção de «licença administrativa» para a realização da obra155, o que normalmente (e razoavelmente) sucede antes da contratação da empreitada, sob
153 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 520.
154 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 421 e ss.; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, pp. 520 e 521.
155 O que acontece nos casos referidos no artigo 4.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, alterado por diversos diplomas, o último dos quais o
pena de os trabalhos estarem depois sujeitos a variações significativas, após a sua apreciação pelas entidades administrativas. Assim, em muitos casos, antes da celebração da empreitada existe uma negociação, por vezes demorada, do conteúdo da prestação do empreiteiro, que é enquadrada por um projecto, elaborado pelo próprio dono da obra, por terceiro ou pelo empreiteiro. Também normalmente, sobre aquele projecto incide uma actividade prospectiva, de estimativa, do empreiteiro, onde ele orçamenta o preço que irá cobrar pela realização do projecto naqueles termos.
O contrato de empreitada, salvo disposição especial em contrário, pode ser celebrado por mero consenso das partes (art. 219º do CC). O formalismo não foi estabelecido em relação ao contrato de empreitada, na medida em que acarretaria alguns inconvenientes, como sejam a dificuldade de celebrar contratos de pequeno valor, demoras, incómodos e despesas para a conclusão de contratos. E, principalmente, por conduzir a injustiças, na medida em que contratos que as partes tivessem de facto celebrado, seriam nulos por falta de forma (art. 220º do CC).
Não obstante a regra geral de liberdade de forma, principalmente nos contratos de construção, as partes costumam reduzi-los a escrito, muitas vezes, com remissões para tipos estandardizados, como por exemplo as normas do FIDIC.
Em empreitada mais complexas, frequentemente tem lugar a elaboração de um documento pré-contratual autónomo – o caderno de encargos – que contém a especificação dos tipos de trabalho a realizar e respectivo custo, e que pode vir a constituir um documento contratual, vinculativo para o empreiteiro, caso as partes nisso convenham. É de extrema relevância compreender se as partes se quiseram vincular contratualmente ao documento que contém os tipos de trabalho a realizar, designadamente para aplicação das regras relativas à variação do plano convencionado (arts 1214.º e ss.).
Nestas hipóteses, o processo de formação do contrato de empreitada também não dispensa, hoje em dia, a realização de estudos geológicos, que não só permitem ao empreiteiro avaliar os trabalhos necessários como podem, em certos casos, inviabilizar de todo a obra pretendida. Tais estudos, quando realizados na fase pré-contratual, podem ficar a cargo de qualquer uma das partes no processo negocial, sendo comum que fiquem a cargo do empreiteiro, pois servem à sua actividade de fixação do preço e é o empreiteiro o perito; embora seja corrente a atribuição de um correspectivo no caso de o contrato não se
Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, que procedeu à respectiva republicação); há diversas excepções à exigência de licenciamento: v. artigos 6.º e seguintes do RJUE.
concretizar. Quando os estudos devam ser realizados já na fase executiva do contrato, e na ausência de estipulação contratual, entende-se que estes estudos são da conta do empreiteiro, agora não porque constituam condição da fixação do preço mas porque a sua realização é condição do adequado cumprimento das regras da arte, que integra a sua prestação.
Acompanhando o movimento geral de formalização e regulação negocial da fase de formação do contrato, por diversos instrumentos, também em sede de empreitada privada se tem assistido a uma cada vez maior utilização de mecanismos que garantem a boa-fé (art. 227.º do CC) na contratação – em empreitadas de envergadura substancial, não só é comum o estabelecimento, no próprio contrato de empreitada, da prestação de garantias de boa execução dos trabalhos (performance bonds), como ocorre por vezes (máxime quando o dono da obra entabula negociações com vários possíveis empreiteiros, ao abrigo de um procedimento pré-contratual de Direito privado) que para apresentação de proposta seja necessário oferecer uma garantia da proposta (bid bond) – normalmente mediante garantia bancária ou seguro-caução – para ser executada na eventualidade de o proponente retirar a sua proposta antes do termo do processo de selecção, ou se se recusar a formalizar o contrato após a adjudicação.
No caso do «pedido de orçamento», que muitas vezes envolve a entrega para análise da coisa a modificar ou reparar, estamos numa antecâmara do contrato de empreitada, que ainda não existe. A Doutrina tem procurado enquadrar juridicamente a realização de orçamento e/ou projecto, que tem sido considerado objecto de uma prestação de serviços atípica156, que ou é gratuita, se o orçamento não é pago, ou é onerosa, quando é pago.
O orçamento e/ou caderno de encargos, se aceite pelo dono da obra, dá origem à celebração do contrato de empreitada, podendo ocorrer uma de duas situações: ou o valor do orçamento é entendido como valor fixo, que não pode ser ultrapassado, e teremos empreitada por preço global, que vincula o empreiteiro, nos termos referidos, ou é entendido como mera estimativa, caso em que teremos empreitada por quantidades ou preços unitários. Muitas vezes sucede que a aceitação do orçamento pelo cliente não é acompanhada de qualquer ressalva ou indicação sobre o seu carácter fechado. Na generalidade dos casos a questão é resolvida mediante a inclusão, no próprio orçamento ou em prévio acordo com o cliente, de cláusulas contratuais gerais cujo sentido genérico é o de atribuir carácter meramente estimativo ao valor constante do orçamento. É esse igualmente o entendimento social
156 Assim, para a elaboração do projecto, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, pp. 520 e 521.
predominante sobre a função do orçamento, pelo que nada sendo dito, parece de presumir que a vontade das partes não foi que o empreiteiro ficasse vinculado ao preço global. Nada obsta, evidentemente, a que da interpretação das declarações das partes resulte o contrário.
O contrato também poderá ser concluído mediante a “aceitação das cláusulas gerais do negócio jurídico”, remetendo-se para um projecto, um desenho, uma análise de preços, ou qualquer outra concretização da obra a elaborar ulteriormente, e que o passará a integrar. Neste caso, podem levantar-se problemas derivados de incompatibilidades entre cláusulas do primeiro e do segundo documento; incompatibilidades essas que deverão ser solucionadas tendo por base as regras gerais da interpretação negocial dos arts. 236.º ss do CC, relacionando-as com o disposto no art. 222.º do CC.
Na empreitada de Direito privado, o processo de formação difere em muito do processo de formação de obras públicas, que se encontra, em regra, dependente da tramitação de um dos procedimentos previstos no art. 16.º, nº 1, e nº 2 al. a) do CCP157: ajuste directo, concurso público, concurso limitado por prévia qualificação, procedimento de negociação ou diálogo concorrencial. A escolha do procedimento é feita de acordo com os arts. 17.º e ss. do CCP, e pode genericamente afirmar-se que há uma tendencial correspondência entre o valor do contrato e o grau de concorrência e abertura do procedimento: quanto maior o valor do contrato, maior a concorrência exigida. Há, contudo, excepções a este princípio, já que certos fundamentos materiais podem permitir a celebração de contratos de empreitada, independentemente do valor: cfr. arts. 24.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos.
Claro que, mesmo no Direito privado nada impede – e é caso relativamente frequente
– que se leve a cabo um procedimento concursal (art. 463º do CC) para atribuição do contrato, em obras que o justifiquem. O dono da obra pode, então, através de um concurso, que segue as regras por ele determinadas, comparar várias propostas, optando pela que lhe parecer mais favorável. Mas a melhor proposta não é, necessariamente, aquela que oferece um preço mais baixo, pois nas empreitadas há também que atender a outras condições, como sejam a competência técnica, a organização financeira, o prazo de execução, etc..
Tendo o dono da obra optado por um dos concorrentes, deve comunicar-lhe que foi ele o escolhido.
No que respeita à celebração do contrato de empreitada há, então, a ter em conta as regras constantes do diploma sobre “cláusulas contratuais gerais” (Decreto-Lei n.º 446/85, de
157 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 520.
25 de Outubro), na medida em que, muitas das vezes, as propostas apresentadas pelos empreiteiros constam de formulários por eles elaborados de antemão.
São igualmente frequentes as situações em que o contrato de empreitada, depois de concluído, em razão de alguma indeterminabilidade quanto a certos aspectos da obra – indeterminabilidade essa que, contudo, não pode constituir causa de nulidade do contrato (art. 280.º, n.º 1 do CC) -, carece de uma concretização ulterior. Estas situações devem-se, por vezes, ao facto de não se poderem prever todos os aspectos inerentes à obra em causa. Se as partes nada tiverem previsto quanto a esta questão, e não chegarem a acordo para ultrapassar o problema, a determinação da prestação será feita pelo tribunal (art. 400º, n.º 2 do CC). Tendo, porém, uma das partes sido incumbida de determinar a prestação a efectuar, ela deverá actuar segundo juízos de equidade (art. 400º, n.º 1 do CC).
Capítulo III: EXTINÇÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA
11. Aspectos gerais
Aos contratos de empreitada aplicam-se «as causas gerais de extinção dos contratos»: cumprimento, revogação por mútuo acordo, caducidade, resolução por incumprimento, resolução por alteração de circunstâncias e denúncia. Relativamente a essas causas de extinção nada há a assinalar, sendo aplicáveis as regras gerais.
Importa, sim, conhecer «as causas de extinção objecto de regimes específicos». São elas a impossibilidade objectiva de cumprimento não imputável às partes; o risco pela perda ou deterioração da obra; a desistência do dono da obra; a morte, extinção, incapacidade ou insolvência do empreiteiro; a morte, extinção ou insolvência do dono da obra. Delas tratarei em seguida. Forma específica de pôr termo à empreitada é ainda a denúncia do contrato pelo empreiteiro, nas hipóteses de existência de alterações necessárias superiores a certo valor (art. 1215.º/2), enfim faz parte do regime das alterações necessárias.
11.1. Causas de extinção como regime específico
11.1.1. Impossibilidade de Cumprimento Não Imputável às Partes
O primeiro motivo de extinção com regime específico em matéria de empreitada é a impossibilidade objectiva de realização da obra.
Esta impossibilidade pode ser decorrente, da natureza das coisas – paradigmaticamente, estamos perante situações em que a coisa destinada a objecto da empreitada deixa de existir – mas pode igualmente tratar-se de uma impossibilidade baseada em motivos estritamente jurídicos: o funcionamento das normas de vinculação do solo por motivos de interesse público (por exemplo, planeamento urbanístico, protecção ambiental, servidões de protecção a vias de comunicação, monumentos nacionais, grandes infraestruturas públicas como aeroportos ou portos, instalações militares…158) oferece
158 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 496.
numerosas hipóteses de solos onde a construção era possível e de um momento para o outro deixa de o ser, com óbvios reflexos em contratos de empreitada que tivessem sido celebrados. A impossibilidade objectiva aqui relevante é apenas a impossibilidade superveniente;
a impossibilidade originária nada tem de específico e segue o regime geral do artigo 401.º do Código Civil: se a realização de uma determinada obra é objectivamente impossível logo aquando da celebração do contrato – por exemplo, o mecânico obriga-se a fazer determinadas modificações a um automóvel que, no entanto, havia sido totalmente destruído antes da celebração do contrato, sem as partes disso se terem apercebido159 -, o contrato é nulo (art. 401.º/1 do CC). Já não o será, porém, se as partes celebraram o negócio na expectativa de o seu objecto deixar de ser impossível – por exemplo, uma empreitada para a construção de uma ponte com um sistema de sustentação inovador, previsto apenas teoricamente, sem existirem no momento da celebração os meios técnicos necessários para fazer a construção160
– (art. 401.º/2 do CC). A lei afasta ainda deste regime a situação de objecto apenas ser impossível para o devedor (art. 401.º/3). A fronteira entre cumprimento defeituoso e nulidade do contrato por impossibilidade originária da prestação é por vezes difícil de traçar161.
Também não nos interessa, nesta sede, a impossibilidade objectiva imputável a uma das partes: essa, como é sabido, é nosso Direito equiparada ao incumprimento imputável ao devedor (art. 801.º/1 do CC), deste modo, a parte que lhe deu origem será responsável nos termos gerais (arts. 798.º e ss. do CC)162.
O art. 1227.º do CC, ao regular a matéria da «impossibilidade superveniente» de execução, ordena em primeira linha a aplicação às situações de impossibilidade objectiva não imputável a nenhum dos sujeitos o disposto no art. 790.º do CC163: ambas as obrigações se extinguem. O empreiteiro não fica obrigado a realizar a obra e o dono não fica obrigado a pagar o preço; se o tinha já pago, tem direito à restituição integral, sem prejuízo de eventual ressarcimento do empreiteiro por créditos detidos contra o dono da obra.
159 Já se o automóvel perecer depois da celebração mas antes de ter sido entregue ao empreiteiro (in casu o mecânico) para o reparar, estamos numa situação de impossibilidade objectiva superveniente. A isso não obsta o facto de a execução ainda não se ter iniciado; isso mesmo resulta do art. 1227.º CC. Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 497.
160 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 497.
161 Cfr. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 447.
162 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 448.
163 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 565.
No entanto, apesar dessa extinção do contrato e das obrigações das partes, o art. 1227.º do CC tutela a posição do empreiteiro na hipótese de a obra já ter tido início, pois permite o pagamento do seu trabalho e das despesas – deste modo, derroga o regime do art. 795.º/1 do CC, de outro modo aplicável, dado a empreitada ser um contrato bilateral. É essa aliás a principal função do art. 1227.º, a diferença de regime justificativa de uma norma especial sobre impossibilidade de cumprimento no regime da empreitada164.
Na verdade, da aplicação do art. 795.º/1 do CC resultaria apenas poder o empreiteiro que já tivesse realizado a sua prestação apenas obter do dono da obra ressarcimento na medida do enriquecimento sem causa deste. Ora, a solução do art. 1227.º do CC é a esse respeito bastante mais favorável ao empreiteiro, pois permite-lhe receber, não apenas o enriquecimento sem causa do dono da obra, mas o valor efectivo do trabalho prestado165 e das despesas por si realizadas. Menezes Leitão166, entende que trata-se de uma forma equitativa de repartir as consequências da impossibilidade de execução da obra, já que, embora o dono da obra possa não tirar qualquer proveito do trabalho e despesas realizadas pelo empreiteiro, na medida em que a execução da obra se tornou impossível, a verdade é que as despesas e trabalho foram realizadas no interesse do dono da obra, e este normalmente adquire a correspondente propriedade da parte já realizada da obra, pelo que é justo que ele as compense, até porque o empreiteiro também perde o direito à remuneração convencionada para a empreitada.
164 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Xxxxxxxx, 0000, pp. 565-566.
165 Aqui parece ser de entender que o valor do trabalho será não só aquele que resultar do custo de produção propriamente dito para o empreiteiro (ou seja, do custo, para o empreiteiro, do emprego de mão-de-obra subordinada ou independente), mas também a margem de lucro do empreiteiro para esse tipo, classe ou unidade de trabalho. Assim, se no contrato ficou definido que o valor-hora do trabalho seria de 100€, a que correspondem, por exemplo, 70€ de remuneração de trabalhadores e 30€ de lucro do empreiteiro, e foram despendidas três horas de trabalho até que se tenha detectado a impossibilidade de executar o contrato, o valor a pagar ao empreiteiro ao abrigo do art. 1227.º CC deve ser 300€, e não 210€.
Dubitativamente, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010,
p. 450, ao referir que o empreiteiro também não vai lucrar com a indemnização, na medida em que o montante desta só cobre os trabalhos executados e as despesas realizadas. No entender de Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, o empreiteiro tem, na realidade, algum lucro, relativamente ao trabalho realizado.
166 Cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p.
565. Trata-se de uma forma equitativa de repartir as consequências da impossibilidade de execução da obra, já que, embora o dono da obra possa não tirar qualquer proveito do trabalho e despesas realizadas pelo empreiteiro, na medida em que a execução da obra se tornou impossível, a verdade é que as despesas e trabalho foram realizadas no interesse do dono da obra, e este normalmente adquire a correspondente propriedade da parte já realizada da obra, pelo que é justo que ele as compense, até porque o empreiteiro também perde o direito à remuneração convencionada para a empreitada.
O direito do empreiteiro à retribuição destes valores não depende do facto de o dono da obra retirar alguma utilidade do trabalho e das despesas realizadas167, ao contrário do verificado em idêntica situação em alguns outros sistemas.
Menezes Leitão168, constata que, o art. 1227.º do CC não esclarece, no entanto, o que sucede em caso de impossibilidade parcial. Parece que nesta situação continua a aplicar-se o disposto no art. 793.º do CC, exonerando-se o empreiteiro com a prestação do que for possível, e sendo proporcionalmente reduzida a contraprestação a que a parte estiver vinculada, o que implica que o empreiteiro mantenha o direito a uma remuneração parcial da empreitada e não apenas o direito à compensação pelo trabalho executado e despesas realizadas. Essa compensação pode, porém, ser exigida no caso de o dono da obra optar por resolver o contrato, ao abrigo do art. 793.º, n.º 2 do CC, por não ter interesse no cumprimento parcial da obrigação169, parecendo ainda que essa compensação se manterá na medida em que a redução do preço deixar de compensar o trabalho e despesas na parte da obra cuja realização ficou impossibilitada.
A segunda parte do art. 1227.º do CC, atinente às situações de direito do empreiteiro ao ressarcimento do trabalho e despesas, refere-se ao «começo de execução» como momento relevante para aferir da existência desse direito, e menciona igualmente o trabalho
«executado» e as despesas «realizadas». Porém, essas alusões necessitam de interpretação atenta; designadamente, pode suscitar-se o problema de saber se as «despesas» do art. 1227.º do CC são todas as realizadas pelo empreiteiro tendo em vista a obra ou, apenas, as dos materiais já gastos na obra e impossíveis de reaver sem detrimento da mesma.
O problema não é porventura passível de uma única resposta, mas há critérios de justiça resultantes do sistema (do sistema em geral e do sistema da empreitada) susceptíveis de serem úteis. Assim, se se admitisse o ressarcimento de todas as despesas feitas pelo empreiteiro tendo em vista a obra, poderia assistir-se a situações injustas, de pagamento ao empreiteiro dos gastos e posterior utilização dos materiais ou os equipamentos noutra obra. Noutro ponto de regime da empreitada, dotado de algumas semelhanças com a situação em análises – o dos trabalhos a menos -, o Código Civil expressamente afasta uma solução geradora de enriquecimento injustificado do empreiteiro (art. 1216.º/3). Por isso, devem
167 Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, p. 905, comentário ao art. 1227.º CC; Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 450.
168 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 566.
169 Cfr. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 450.
considerar-se, em princípio, ressarcíveis apenas as despesas já «consumidas»: é esse o sentido normativo relevante da expressão «começo de execução». Na realidade, o nosso Código Civil procurou, dessa forma, exprimir uma ideia: a de as despesas serem pagas se não forem recuperáveis. Fê-lo de uma forma não totalmente clara: o critério do ressarcimento de uma despesa não deve ser, evidentemente, o de ela já se ter realizado despois do início de execução da obra (aspecto relativamente formal e manifestamente manipulável pelo empreiteiro), mas sim a afectação das despesas à obra170. Ou seja, o verdadeiro critério é o da irreversibilidade da afectação da despesa sem detrimento da (parte da) obra já realizada e a ser entregue ao respectivo dono.
Porém, se em princípio as despesas abrangidas são apenas as já consumidas, isso não significa não existirem situações em que a solução deva ser diferente. Assim se o empreiteiro, para realizar uma certa obra, obteve materiais de construção civil invulgares, dotados de especificidades para a obra projectada, insusceptíveis de revender sem prejuízo, parece dever ser ressarcido, mesmo se esses materiais ainda não tiverem sido incorporados na obra.
Aliás, julgasse haver, necessidade de se ir, ainda, ligeiramente mais longe e afirmar poderem estas soluções ser válidas mesmo se ainda não se tiver iniciado a execução material da obra. Para retomar o exemplo dado, entendesse dever o empreiteiro ser compensado da despesa com os materiais particular e concretamente específicos para a obra não efectuada, mesmo se a execução material ainda não tiver começado. Esta posição decorre de uma interpretação-compreensão-aplicação adequada do sentido da expressão «começo de execução», em função do seu teor normativo e índole problemática, não exactamente coincidente com o sentido mais imediato da expressão. Julgasse ser uma posição harmonizável com a ideia, acima referida, de irreversibilidade da despesa: na verdade, a aquisição, pelo empreiteiro, na fase prévia à do início material da execução, de um bem por ele não obtido se não tivesse tomado a empreitada, é já, normalmente, um acto irreversível: o empreiteiro já não conseguirá devolver o bem adquirido e receber o preço por ele pago, pois, por um lado, o terceiro alienante é totalmente estranho à impossibilidade objectiva de realização da empreitada171, e, por outro, o empreiteiro não consegue, à partida, aplicar o
170 E até se deve acrescentar um outro dado que ajuda a «fechar o círculo»: nas situações do art. 1227.º CC, parece que se já tiver existido início de execução, for impossível continuá-la, e o empreiteiro quiser o ressarcimento de despesas, tudo o que já tiver sido produzido com essas despesas pertence ao dono da obra. A solução será essa, claramente, na hipótese de empreitada de construção de coisa imóvel em terreno do dono da obra (art. 1212.º/2 CC).
171 Obviamente, poderá não ser assim: é relativamente frequente que se estabeleçam contratos de compra e venda de materiais de construção civil, por exemplo, sujeitos à condição (resolutiva) de se concretizar a aplicação prevista para os bens adquiridos.
mesmo bem noutra empreitada172. Estas situações estão, pois, ainda abrangidas pelo sentido normativo do art. 1227.º do CC: na realidade este encerra um conceito bastante amplo de início de execução, onde se incluem os actos imediatamente preparatórios dessa execução insusceptíveis de serem revertidos.
A impossibilidade objectiva superveniente, neste âmbito relevante, deve ser, na formulação já clássica, efectiva, absoluta e definitiva173.
Deve ser efectiva pois não basta apenas um mero agravamento da dificuldade da prestação174. Se a prestação de uma das partes (o problema suscita-se sobretudo relativamente à prestação do empreiteiro) se torna mais onerosa (por exemplo, porque houve um aumento inesperado dos salários para o empreiteiro, em virtude da subida do salário mínimo), isso em princípio é abrangido pelos riscos do negócio, inerentes à celebração de todo o contrato e especialmente relevantes na empreitada, contrato de execução prolongada. Se a variação exorbita esses riscos do negócio, pode invocar-se o mecanismo da alteração das circunstâncias (art. 437.º do CC), nos termos gerais175.
Deve ser absoluta, pois exige-se não poder a obra ser realizada pelo empreiteiro ou por terceiro176. Na verdade, se a obra apenas se tornou impossível para o empreiteiro, estamos perante mera impossibilidade relativa ou subjectiva, e o empreiteiro não se desonera da sua prestação – deve cumpri-la recorrendo aos meios necessários e ao eventual concurso de terceiros (art. 791.º do CC)177. Há, porém, uma excepção. Trata-se da circunstância de o empreiteiro ter sido escolhido pelas suas qualidades particulares. Nessa hipótese a sua prestação, apesar de, do ponto de vista meramente técnico, poder ser fungível, foi tomada por infungível pelas partes. Nesta hipótese, a impossibilidade relativa releva, e as obrigações extinguem-se178, parecendo dever aplicar-se o art. 1227.º do CC, para a determinação do montante a receber pelo empreiteiro179.
172 O que também significa o seguinte: se o empreiteiro, que é, por hipótese, uma sociedade comercial que executa profissionalmente empreitadas de construção, se tinha limitado a comprar uma carga de tijolos, e eles não foram aplicados na obra, parece difícil admitir o direito ao ressarcimento: é verdade que o empreiteiro poderá não conseguir devolvê-los a quem lhos vendeu, mas um bem dessa natureza, à partida, só muito excepcionalmente não será aplicado na actividade do empreiteiro.
173 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 449. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 565. 174 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 449.
175 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 449. 176 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 449. 177 Note-se que isto não configura uma autorização tácita para o empreiteiro recorrer a subempreiteiros. 178 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 449.
179 Repare-se aliás que a lei prevê expressamente a aplicação do art. 1227.º CC a um caso em tudo semelhante a este: o da cessação do contrato de empreitada após a morte ou incapacidade do empreiteiro, se foram tomadas em conta as especiais características deste na celebração – artigo 1230.º/2 CC. Cfr infra.
Finalmente, a impossibilidade deve ser definitiva: isso não acontece, por exemplo, se os materiais estiveram esgotados durante algum tempo ou as condições climatéricas não permitiram a regularidade dos trabalhos e atrasaram a obra180. Nessa situação, a prestação permanece possível e devida. Existirá apenas um atraso na sua entrega, não respondendo o empreiteiro pelos efeitos de mora (art. 792.º/1 do Código Civil). Tudo se passa, então, como se não tivesse existido atraso e o prazo de cumprimento se tivesse transferido para a data do prazo inicial acrescido da duração do atraso originado por facto fortuito ou de terceiro.
11.1.2. Risco pela perda ou deterioração da obra
Diferente da situação da impossibilidade de realização da obra é a questão do risco pela perda ou deterioração da mesma. Efectivamente, na primeira situação a obra impossibilita-se, já não sendo possível realizá-la, o que implica que o dono da obra perca o direito de exigir a sua realização. Pelo contrário, na segunda situação continua a ser possível efectuar a realização da obra, mas esta, ou a parte da mesma já realizada, vem a ser objecto de perda ou deterioração, havendo que determinar qual das partes deve suportar o correspondente prejuízo.
O regime do risco pela perda ou deterioração da coisa encontra-se referido no art. 1228.º do CC, e estabelece a tradicional regra res perit domino, ou seja, a de que o risco pelo perecimento ou deterioração da coisa corre por conta do seu proprietário. Assim, haverá que aplicar as regras do art. 1212.º do Código Civil para determinação da propriedade da obra. Se ela perecer enquanto for propriedade do empreiteiro – o que sucederá se for ele a fornecer os materiais nas empreitadas de coisas móveis ou se for ele o dono do solo nas empreitadas de construção de imóveis – o risco correrá por conta do empreiteiro. Se a coisa perecer, sendo o dono da obra o seu proprietário – o que sucederá se for ele a fornecer os materiais nas empreitadas de construção de coisa móvel, ou se for ele o dono do solo nas empreitadas de construção de imóveis – já o risco correrá por conta do dono da obra.
Mesmo sendo o empreiteiro o proprietário da obra, o risco da empreitada pode correr por conta do dono da obra, no caso de este se encontrar em mora quanto à verificação ou aceitação da coisa, já que, nos termos do art. 1228.º, n.º 2 do CC, essa situação produz a inversão do risco por essa perda ou deterioração. Em relação à aceitação, a solução
180 Os exemplos são de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 449.
compreende-se pelo facto de que esta produzirá normalmente a transferência da propriedade para o dono da obra, com a consequente transmissão do risco, pelo que não deve a mora do dono da obra em aceitar a coisa beneficiá-lo em prejuízo do empreiteiro. Já em relação à mora na verificação, a solução é mais questionável, mas justifica-se pelo facto de que essa mora coloca o empreiteiro na dúvida quanto à aceitação, a qual poderia em qualquer caso ocorrer, não se justificando por isso que o risco se mantenha na esfera do empreiteiro181.
11.1.3. Desistência do Dono da Obra
O art. 1229.º do CC prevê um mecanismo de extinção do contrato de empreitada designado de «desistência». Esta disposição refere que “o dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra”. Trata-se de uma forma de extinção ad nutum (isto é, sem necessidade de motivo justificativo) do contrato de empreitada, susceptível de operar todo o tempo, tenha ou não sido iniciada a obra, e dotado da particularidade, além do mais, de ser atribuída apenas a uma das partes do contrato (o dono da obra)182. Está-se diante de mais uma derrogação ao art. 406.º do CC em benefício do dono da obra183, a acrescentar à já decorrente do art. 1216.º do CC. Assim, Xxxxxxx Xxxxxx tem o entendimento de que, “não deixa de existir uma obrigação de indemnizar a outra parte pelo interesse contratual positivo, sendo assim o dono da obra responsabilizado como se tivesse incumprido o contrato, ainda que se trate de uma responsabilidade por factos lícitos ou pelo sacrifício. Esta faculdade existe, assim, apenas para evitar que, quando a obra deixa de interessar ao dono da obra, este se visse forçado a deixar o empreiteiro executá-la para depois ter custos suplementares com a sua demolição”. Os seus efeitos produzem-se apenas para o futuro (ex nunc)184, não são, deste modo, retroactivamente
181 No nosso anterior Código Civil (art. 1397.º), bem como nos Códigos Civis francês (art. 1788.º) e alemão (§ 644 I), apenas a mora na aceitação importa a transferência do risco para o dono da obra, não a mora na verificação. Já o Código Italiano (art. 1673, I) estabelece a transferência do risco, quer em consequência da mora na aceitação, quer em virtude da mora na verificação. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Xxxxxxxx, 0000, pp. 566-567.
182 Embora, como se viu, se possa defender uma atribuição deste direito ao «empreiteiro» em alguns casos específicos, como o da encomenda de obra intelectual, e isso mesmo sem estipulação das parte.
183 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 567.
184 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 568.
destruídos os efeitos do contrato. Isto é, o dono da obra mantém o direito à parte já realizada (executada), mas libera o empreiteiro do dever de concluir a obra185.
A mesma solução encontra-se nos arts. 1247 CCBr., 1594 CCEsp., 1794 CCFr. e 1671 CCIt., que mandam indemnizar o empreiteiro por despesas feitas, trabalhos executados e proveito perdido186..
Não importa nenhuma forma especial para desistência. Vale, pois, o princípio da liberdade de forma (art. 219.º do CC).
A desistência pode ser expressa ou tácita, nos termos gerais (art. 217.º do CC). Por a motivação da desistência ser, à partida (salvo abuso de direito nos termos gerais), insusceptível de controlo jurisdicional187, uma resolução infundada pode ser considerada uma desistência.
Bem, pelo exposto, RPt 23-10-2001 (Marques de Castilho)188, ao entender constituir desistência o comportamento do dono da obra quando «apresenta novo projecto de arquitectura para a dita obra e a mando deste passam lá a trabalhar pessoas que nada têm a ver com o recorrido (empreiteiro) e nem aquele negoceia com este as referidas alterações (…)».
Em reforço desta decisão, parece, o tribunal poderia ainda ter invocado o art. 1171.º do CC, em sede de mandato (obedecendo à norma do art. 1156.º do CC a propósito dos contratos de prestação de serviço, onde a empreitada se insere).
É duvidoso o problema de saber se para a desistência deve ser exigido um pré-aviso razoável. A Doutrina e a Jurisprudência orientam-se para uma resposta negativa. Para além da ausência de previsão expressa no art. 1229.º189, argumenta-se também neste sentido ser o aviso prévio um instituto próprio dos contratos de duração indeterminada. Ele existe para a outra parte190 poder dispor de um tempo razoável para fazer face aos efeitos de cessação, para si inesperada. Ora, o empreiteiro não deverá merecer essa tutela, até por já receber, como
185 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 568.
186 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 456.
187 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 568.
188 RPt 23-10-2001 (Marques Castilho), Proc. 0021818/ITIJ (empreitada – desistência – dono da obra – suspensão – empreiteiro – pagamento - preço).
189 Ao contrário do sucedido em sede de revogação unilateral do mandato: art. 1172.º/c) e d).
190 Que não toma iniciativa de pôr fim ao contrato.
efeito da desistência, uma indemnização substancial, assimilável à indemnização devida em hipóteses de incumprimento.
Parece a Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx000, por regra, não poder afirmar-se a necessidade de pré-aviso. Além dos argumentos referidos, pode ainda adicionar- se que se a desistência se justifica para permitir ao dono pôr termo ao contrato e controlar as suas perdas, evitando o prosseguimento da obra e o avolumar das despesas, seria antinómico192 ter o empreiteiro um direito de ser avisado previamente. Diversamente: decidida a desistência pelo dono da obra, o que fará sentido é ela produzir efeitos no momento imediato da comunicação ao empreiteiro.
A exigência de pré-aviso pode justificar-se, porém, atendendo à boa-fé (art. 762.º/2 do CC), perante as circunstâncias da situação específica – designadamente, em contratos de execução duradoura (como os contratos de empreitada de manutenção), que se tenham mantido em execução por longos períodos de tempo; ou onde o empreiteiro esteja em situação de particular dependência económica face ao dono da obra (por exemplo, por existirem cláusulas de exclusividade ou outras). Independentemente de se mostrar necessário, ou não, o pré-aviso, o dono tem de indemnizar o empreiteiro dos seus gastos e do proveito que poderia tirar da obra.
Tem sido discutida da desistência, do ponto de vista da sua integração nas várias formas de extinção dos contratos (resolução, revogação, denúncia, caducidade). A tese geralmente aceite vê na desistência uma forma específica de cessação do contrato de empreitada, insusceptível de ser reconduzida a nenhuma das formas típicas de cessação dos contratos193.
A possibilidade de desistência nestes termos amplos tem sido explicada mediante a ideia de prevalência do interesse do dono da obra no contrato de empreitada. Prevalência também presente, designadamente, no regime das alterações da iniciativa do dono da obra (art. 1216.º do CC).
Ao arrepio da regra geral nos contratos (art. 406.º do CC), da irrevogabilidade unilateral (mas de acordo com a regra geral em sede de mandato, art. 1170.º do CC, e por essa via também em sede de prestação de serviços, art. 1156.º do CC), é reconhecida, embora só ao
191 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 504.
192 Que encerra antinomia. Ou seja, contradição entre leis.
193 Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, p. 908, comentário ao artigo 1229.º; Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 456.
dono da obra, a possibilidade de pôr termo ao contrato unilateralmente, sem motivo justificativo194.
A empreitada é, muitas vezes, financeiramente exigente para o dono da obra, e mudanças inesperadas das suas disponibilidades, ou alterações encarecedoras da obra (por exemplo, alterações necessárias – art. 1215.º do CC), ou «mudanças de vida»195, podem induzir fortemente uma paragem na obra. Este regime permite ao dono da obra deixá-la em
«espera», até ter possibilidade de a retomar, sem ter de a ver destruída.
Nas hipóteses mais frequentes de necessidade de reavaliação da empreitada, as de imóveis, a regra de transferência da propriedade da obra presente no art. 1212.º/2 do CC, é particularmente útil: o dono fica com uma obra imperfeita, mas pelo menos é proprietário dela. Um imóvel incompleto pode sempre, em momento posterior, ser terminado, mesmo se isso dita por vezes valores aditados pela degradação dos materiais muitas vezes resultantes da exposição às condições climatéricas e deficiente protecção dos materiais oferecida pela falta de acabamento, mediante a celebração de novo contrato de empreitada, seja usando o mesmo empreiteiro ou outro, seja até por administração directa196.
A cessação do contrato através de desistência é, pois, por força do art. 1229.º do CC, acto lícito; mas tal não impede, o surgimento de um dever de indemnizar. Trata-se de mais uma situação, no âmbito dos contratos de prestação de serviços, de responsabilidade civil por facto lícito ou pelo sacrifício197, traduzido na extinção do contrato (v. o lugar paralelo dos arts. 1170.º e 1172.º do CC em sede de mandato).
O dever de indemnizar abrange não só os gastos resultantes dos materiais e trabalho, mas também o proveito susceptível de ser retirado da execução da obra pelo empreiteiro. Nesta última parte, estamos perante uma indemnização do interesse contratual positivo198, e
194 É evidente dever esta possibilidade, pelos efeitos indemnizatórios, ser bem ponderada e designadamente não deve ser vista como alternativa à resolução ou à exigência de indemnização baseadas em incumprimento: o dono da obra até pode ter alguma pretensão contra o empreiteiro (por exemplo, por mora na execução), mas de duas uma: ou retira daí as consequências adequadas em termos de não cumprimento das obrigações, ou utiliza a figura da desistência; neste último caso, é obrigado a indemnizar.
195 Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, p. 908, comentário ao artigo 1229.º.
196 Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, p. 908, comentário ao artigo 1229.º.
197 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 568.
198 Assim, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 567.
não, como por vezes se afirma, de uma indemnização por lucros cessantes a título de interesse contratual negativo199.
A indemnização do proveito que o empreiteiro poderia retirar da obra traduz, pois, ter ele direito à margem de lucro noutras circunstâncias auferida. Ou seja, à diferença entre o custo da obra e o preço a receber por ela. Trata-se da margem de lucro integral, e não apenas, por exemplo, a respeitante à parte da obra já realizada. O dever de indemnizar não está dependente do facto de a parte da obra realizada possuir alguma utilidade para o dono da obra.
Este dever de indemnizar previsto no art. 1229.º do CC é, por isso, formado mediante o apelo a um critério positivo de adição (indemnização = despesas realizadas + proveito que se poderia obter), opondo-se por isso ao preceito do art. 1216.º/3 do CC – esse uma regra negativa, de subtracção (indemnização = preço convencionado – (despesas poupadas + ganhos obtidos de outras aplicações da actividades do empreiteiro)200. A diferença pode não ser descipienda, num passo devidamente sublinhado por Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. O padrão positivo parece funcionar de modo mais favorável para o empreiteiro, pelo menos teoricamente: designadamente, com base nesse modelo, é irrelevante a atitude do empreiteiro após a desistência, por exemplo, se a desistência lhe permitir tomar uma outra empreitada dotada de preço mais vantajoso.
Poderá estranhar-se a diferença de critérios. Na verdade, a ratio do art. 1216.º/3 do CC é a de assegurar a tomada em apreciação das alterações do plano convencionado favoráveis ao empreiteiro, diminuindo os seus encargos, sob pena de alguma fractura da harmonia da relação. Estas razões tanto podem valer seja para uma situação de diminuição dos valores no âmbito da execução do contrato, como para uma situação em que essa diminuição ocorre porque há cessação do contrato. No fundo, deste ponto de vista, o art. 1216.º/3 do CC, traduz uma espécie de desistência parcial, o que justificaria plenamente a sua aplicação também nas hipóteses do art. 1229.º do CC201.
Seja qual for a posição a perfilhar de jure condendo, parece que há boas razões para entender que de jure condito a opção do legislador foi a de excluir o critério negativo do art. 1216.º/3 do CC. Desde logo, porque essa solução era a defendida pelo Anteprojecto Vaz
199 A distinção tem consequências: significa, por exemplo, não ser possível ao empreiteiro pedir indemnização pelo facto de, ao aceitar a empreitada depois objecto de desistência, ter perdido a oportunidade de tomar uma outra que teria eventualmente chegado ao seu termo.
200 Assim, Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, p. 909, comentário ao art. 1229.º.
201 O art. 334.º/2, in fine, do Código dos Contratos Públicos, aplicável às empreitadas de obras públicas, consagra uma solução semelhante (embora mais restritiva do direito do empreiteiro) à defendida no texto para as situações de resolução do contrato pelo dono da obra por motivo de interesse público, pois faz descontar nos lucros cessantes que seriam devidos ao empreiteiro os benefícios resultantes da antecipação dos seus ganhos.
Xxxxx, e foi afastada na versão final do Código, preferindo-se a redacção actual do art. 1229.º do CC202. Por outro lado, parece existir alguma diferença (mais conceptual do que material) entre as duas situações, que pode justificar o tratamento diferenciado do empreiteiro: enquanto nas hipóteses de alterações ao plano convencionado (art. 1216.º do CC) a obra subsiste, as situações de desistência (art. 1229.º do CC) o empreiteiro é privado de todo do direito de levar a bom porto a realização da obra, pondo-se em causa o próprio contrato.
Discute-se se a desistência por parte do dono da obra é harmonizável com a exigência de indemnização por danos provocados pelo empreiteiro, nas hipóteses de execução já iniciada.
Segundo Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx000, entendem afastar a desistência a possibilidade de o dono da obra poder exigir os direitos atribuídos pelos arts. 1220.º e ss. do CC, pois tais direitos pressuporiam a manutenção do contrato.
Não parece sustentável esta última posição. Se o dono da obra desiste do contrato depois da obra iniciada, isso não pode significar a irresponsabilidade do empreiteiro por erros de execução entretanto verificados. A obra global pode ter ficado incompleta, mas partes da mesma podem estar ultimadas. Ora, essa eventualidade deve gerar os efeitos normais dos arts. 1220.º e ss. do CC. Supondo ter o dono da obra contratado a construção de um prédio de cinco andares e desistido do contrato na fase de acabamentos vindo, mais tarde, a terminar a empreitada, usando um segundo empreiteiro, se o prédio vem a ruir posteriormente, provando-se ser isso resultado de deficiências na execução das fundações, não se vê como negar ao dono obra, perante o (primeiro) empreiteiro, todos os direitos atribuídos pelo art. 1225.º do CC. Exigência para isso suceder é, obviamente, a prova dos seus pressupostos, designadamente em termos de prazos, nesta hipótese, evidentemente, a serem contados desde a desistência da obra face ao primeiro empreiteiro. Não desde a sua entrega ao dono da obra pelo segundo empreiteiro.
O argumento de os direitos em análise dependerem da manutenção do contrato, salvo o devido respeito, não convence: uma parte da obra foi entregue e aceite como perfeita, mas afinal mal executada, é uma prestação cumprida defeituosamente. Ou seja, traduz um contrato que (num certo sentido) não foi «terminado». A verificação do cumprimento defeituoso permite simplesmente um «retomar» do contrato, tendo em vista impor o cumprimento
202 Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx. Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, p. 909, comentário ao artigo 1229.º.
203 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 509.
perfeito inicialmente falhado. Isto é, assim tenha havido, ou não, desistência. Este último facto (a desistência) é perfeitamente acidental e mostra-se, destarte, para os presentes efeitos, irrelevante. Esta é, aliás, a solução resultante de a desistência apenas operar para o futuro: na verdade, a parte da obra realizada não é destruída e, no respeitante a ela, o contrato mantém- se, por isso vemos motivo para não aplicar as soluções do cumprimento defeituoso.
11.1.4. Morte, incapacidade, extinção ou insolvência do empreiteiro
11.1.4.1. Morte, incapacidade ou extinção do empreiteiro
A morte ou incapacidade do empreiteiro não importam, em regra, a caducidade do contrato: isso mesmo resulta do art. 1230.º/1 do CC, ao reafirmar, na sua primeira parte, a regra geral: as obrigações contratuais de natureza patrimonial são objecto de sucessão por morte (art. 2024.º do CC), dado, em geral, as prestações em jogo serem fungíveis204.
Porém, o art. 1230.º/1 do CC admite a possibilidade de a selecção do empreiteiro ser intuitu personae (disposição idêntica no art. 1674 CCIt.; diversa foi a solução do art. 1595 CCEsp. e do art. 1795 CCFr., na medida em que os respectivos legisladores partiram do princípio de que o contrato de empreitada era celebrado intuitu personae205), ou seja, de o dono da obra ter ponderado os especiais atributos ou talentos do empreiteiro. Se essa índole intuitu personae existir, não há sucessão (numa solução, aliás, resultante de apropriada interpretação-compreensão-aplicação do art. 2025.º/1 do CC). Tem-se, então, o contrato por extinto em virtude de impossibilidade objectiva, exonerando-se ambas as partes das suas prestações (art. 1230.º/2 do CC). Se se transmitir, há uma «cessão legal» dos herdeiros na posição do empreiteiro. Nesta última norma, o legislador ficciona a aplicação do art. 1227.º do CC, o que determina que o empreiteiro ou os seus herdeiros adquiram o direito à indemnização pelo trabalho executado e despesas realizadas.
Tem-se dito pertencer ao dono da obra a prova da existência do intuitu personae. É duvidoso bastar, para essa demonstração, a existência de uma cláusula de proibição da cessão da posição contratual pelo empreiteiro. Também não parece poderem os herdeiros do empreiteiro invocar o intuitu personae (relativamente à pessoa do de cujus), pois essa atenção
204 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 568.
205 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 458.
específica à pessoa do empreiteiro foi estipulada em benefício do dono, não tendo os herdeiros um interesse juridicamente atendível em invocá-la.
No nosso Direito, a regra, na ausência de prova do intuitu personae, é, assim, a da manutenção do contrato de empreitada na hipótese de morte do empreiteiro. Não é, manifestamente, a melhor solução. A solução provém, praticamente inalterada, do Código de Seabra (art. 1404.º), e num certo âmbito socioeconómico, ela teria, porventura, um sentido: numa economia onde as pessoas colectivas eram ainda poucas e os empreiteiros se apresentavam, normalmente, como pessoas singulares. Além disso, a mobilidade social era bastante reduzida, os ofícios passavam de pais para filhos e como tal compreendia-se a regra geral, não cessação do contrato de empreitada em virtude da morte do empreiteiro: os seus descendentes, normalmente seus herdeiros, substituiriam o empreiteiro na prestação de facere do de cujus. Destarte, a regra funcionava até como uma protecção dos herdeiros na eventualidade de morte do empreiteiro: em vez de serem desapropriados de uma parte do seu ganha-pão, tinham assegurado a respectiva manutenção. Para o dono da obra, a solução também não era prejudicial. Por um lado, o seu interesse estava acautelado se conseguisse provar o intuitu personae; se a identidade do empreiteiro não fosse fundamental. Por outro, ficava igualmente dispensado de encontrar novo empreiteiro.
Mas a regra afigura-se hoje ultrapassada e inútil. Apenas por imobilismo (e por influência do Direito italiano) permaneceu no regime legal supletivo da empreitada. A sua aplicação não interessa nem ao dono da obra nem, sobretudo, aos herdeiros do empreiteiro. Presentemente, só por casualidade terão, os herdeiros, seguido o ofício do de cujus. Donde, na situação de morte do empreiteiro, os seus sucessores ficam, depois, de habilitação de herdeiros, perante uma obrigação de facere de execução de uma obra sem terem a mínima aptidão técnica para o efeito. Terão, deste modo, obviamente, de recorrer a terceiros. O tertius irá, naturalmente, fixar as suas condições e preço e, além disso, agir sem grande possibilidade de controlo crítico pelos herdeiros. Por tudo isto, a intervenção desses terceiros anulará, provavelmente, alguma margem de lucro proporcionado pelo contrato de empreitada original.
Por outro lado, a transmitir-se a obrigação para os herdeiros, estes ficarão responsáveis nos mesmos termos do empreiteiro (mesmo se limitadamente às forças da herança: art. 2071.º), por força dos arts 1220.º e ss. do CC ou do Decreto-Lei n.º 67/2003, num fenómeno manifestamente desadequado. Já para o dono da obra, a solução até poderia interessar do ponto de vista económico, mas as perdas resultantes da espera pela habilitação
dos herdeiros e pela contratação, por estes, de um empreiteiro, anulam também algum interesse que pudesse existir.
Perante este cenário, não é de admirar ter-se, entre nós, procurado atenuar, tanto quanto possível, o alcance da regra. Assim, tem-se entendido, mesmo se o contrato não caducar, dever ser reconhecido ao dono da obra um direito de resolução, se os herdeiros não derem garantias de boa execução da obra. Esta solução é, aliás, expressamente prevista pelo Código Civil italiano, no art. 1674.º206. Estamos, nesta hipótese, perante um direito de resolução por justa causa – cuja atribuição não depende apenas de meras circunstâncias subjectivas, mas exige elementos objectivos susceptíveis de permitirem ao dono afirmar não darem os herdeiros suficiente segurança ou penhor de cumprimento.
Mas é, ainda, feita uma restrição adicional a esta regra, ao entender-se que, para além do dono da obra, também os próprios herdeiros, se não estiverem «(…) em condições de cumprir o contrato»207, podem desvincular-se unilateralmente dele, por não lhes ser, então,
«exigível» a realização da obra e, terem, destarte o direito de «não aceitar» (sic) a transmissão
mortis causa do dever208.
Estas soluções são bem reveladoras da necessidade de se ultrapassar uma interpretação presa aos proscutos limites do texto da lei e bem elucidativas acerca da desadequação da norma aos interesses regulados pelo contrato de empreitada.
Do ponto de vista do Direito a constituir, a melhor solução seria a de, em regra, fazer caducar o contrato na hipótese de morte do empreiteiro. Ao mesmo tempo poder-se-ia atribuir a alguma das partes a possibilidade de pedir a execução à outra, tendo, porém, esta última a possibilidade de obstar a isso invocando motivos justificados, num regime semelhante ao existente em sede de insolvência. Tal solução, aliás, esteve já consagrada em sede de empreitada de obras públicas209, embora o Código dos Contratos Públicos nada preveja agora sobre o ponto. Porém, enquanto vigorar a regra do art. 1230.º do CC, deve admitir-se uma
206 Solução que mesmo assim deve reputar-se algo artificial e insuficiente: se os herdeiros ficam obrigados, dentro das forças da herança, a executar a obra, como provar que não dão garantias de o fazer? Se a herança tiver património suficiente para suportar o custo do recurso a um empreiteiro, técnico especializado, como argumentar que os herdeiros não dão garantias de boa execução da obra? A única coisa que poderia não dar garantias seria a herança, não os herdeiros.
207 Condição que sofre do mesmo artificialismo da que acabamos de referir: quando muito deveria dizer-se que pode a herança não estar em condições de cumprir o contrato.
208 Parece-nos, porém, não se tratar de um caso de caducidade: esta possibilidade parece igualmente reconduzível a uma figura de resolução por justa causa, tal como a hipótese inversa de o dono resolver, por não haver garantias por parte dos herdeiros.
209 Tratava-se do art. 123.º do Decreto-Lei n.º 48 871, que, partindo da regra da caducidade do contrato na hipótese de morte do empreiteiro, previa que o dono da obra poderia, se lhe conviesse, aceitar que os herdeiros do empreiteiro realizassem a obra.
restrição clara do seu âmbito de aplicação. Dir-se-á, porventura, consistir isso numa verdadeira correcção da solução normativa ou mesmo autónoma constituição do Direito. Trata-se, do ponto de vista metodológico, de processos perfeitamente normais à luz de uma adequada visão do Direito.
O regime do art. 1230.º do CC tem por pressupostos a morte ou incapacidade do empreiteiro pessoa singular, como é evidente. Torna-se por isso necessário apurar o regime na hipótese de o empreiteiro ser uma pessoa colectiva.
Parece que a entrada do empreiteiro pessoa colectiva em liquidação não impede automaticamente a execução do contrato; não assim se a liquidação redundar na extinção da pessoa colectiva sem que a obra se encontre executada, caso em que parece de aplicar o regime do art. 1230.º do CC, cujo sentido normativo seguramente abarca esta hipótese.
A extinção do empreiteiro pessoa colectiva por fusão noutra pessoa da mesma natureza, existente ou constituída ex novo, também não parece dar origem à extinção do contrato nos termos do art. 1230.º do CC, executadas as hipóteses em que o dono da obra prove que a escolha do empreiteiro havia sido intuitu personae; ou ainda quando se mostre que a nova empresa não oferece as mesmas garantias de cumprimento, por exemplo, porque em resultado da fusão o seu património ficou gravado com um enorme passivo da sociedade incorporante.
Quando o contrato se extinga nos termos do art. 1230.º do CC, aplica-se o regime da impossibilidade objectiva de cumprimento, previsto no art. 1227.º do Código Civil (art. 1230.º/2). Trata-se de uma ficção legal, pois mesmo se a prestação pode ser, do ponto de vista técnico, executada por terceiro, entende-se assentar a economia contratual numa ligação incindível entre a realização da obra e a pessoa do empreiteiro. Dito de outro modo, a prestação em jogo, era não apenas a realização da obra, mas a sua realização por certa pessoa. Estamos, pois, perante um motivo de extinção do contrato ope legis e produtor de efeitos apenas para o futuro (ex nunc).
A aplicação do regime do art. 1227.º do CC, na situação de morte (ou extinção, na hipótese de ser pessoa colectiva) do empreiteiro, implica ser a compensação a pagar aos sucessores do empreiteiro apenas a correspondente ao trabalho executado e despesas realizadas, não incluindo, por isso, ao contrário do sucedido nas hipóteses de desistência do dono da obra (art. 1229.º do CC), o proveito total susceptível de ser retirado pelo empreiteiro da obra. A diferença de solução justifica-se facilmente se ponderarmos a circunstância de na desistência o dono tomar livremente a iniciativa de fazer cessar o contrato, enquanto nas
hipóteses de cessação decorrentes de morte do empreiteiro (seja de caducidade por existência de intuitu personae, ou de resolução, pelo dono ou pelos herdeiros, as situações acima mencionadas), tal não sucede, havendo uma razão legítima para a cessação do contrato.
11.1.4.2. Insolvência do empreiteiro
A insolvência do empreiteiro não importa a caducidade do contrato de empreitada.
O regime previsto concede ao administrador da insolvência o direito de optar por cumprir ou denunciar o contrato, segundo o interesse da massa falida (art. 102.º/1 do código da insolvência e da recuperação de empresas). Note-se só ter o preceito aplicação na hipótese de contratos bilaterais (característica presente na empreitada), e «em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte (…)»; ou seja, é necessário, para o referido regime se aplicar à empreitada, não estar a obra ainda terminada nem/ou paga.
O art. 111.º/1 do CIRE só se refere a contratos de prestação de serviços. No entanto, mesmo se o administrador optar pela manutenção do contrato, o dono da obra pode desvincular-se, nos termos do art. 111.º/1 do CIRE, se, designadamente, considerar não lhe dar garantias a execução nesses termos.
Para o administrador da insolvência ter a possibilidade de exercer o referido direito de opção, a declaração de insolvência produz uma vicissitude sobre o contrato. Trata-se da sua suspensão (art. 102.º/1 do CIRE), até ao administrador da insolvência fazer a sua opção, ou, se lhe tiver sido fixado pela contraparte um prazo para o fazer, até esse prazo terminar. Findo este sem resposta do administrador, considera-se ter ele optado pelo não cumprimento (art. 102.º/2 do CIRE).
A mencionada suspensão não opera, porém, em sede de empreitada se o empreiteiro for uma pessoa singular e estiver obrigado a uma prestação (transitória210) infungível não enquadrada em estrutura empresarial: isso resulta expressamente do art. 113.º/1, ex vi do art. 114.º/1 do CIRE.
Por outro lado, o art. 114.º/2 estabelece ser aplicável o disposto no artigo 111.º, com as necessárias adaptações aos contratos de prestação duradoura, mas o dever de indemnizar apenas existe se for da outra parte a iniciativa da denúncia. Ou seja, estando-se na presença de uma prestação duradoura, aplica-se sempre o art. 111.º, com as necessárias adaptações. O
210 No sentido de não duradoura.
mesmo vale se a prestação, duradoura, ou não, for fungível ou estiver enquadrada em estrutura empresarial. Abrangidas pelo sentido normativo do art. 114.º/2 do CIRE estão, naturalmente, todas as hipóteses de empreiteiro-empresa, englobando, assim, a pessoa colectiva e, portanto, aplica-se-lhes, igualmente, o art. 111.º do CIRE, com os imprescindíveis ajustamentos.
11.1.5. Morte, extinção ou insolvência do dono da obra
11.1.5.1. Morte ou extinção do dono da obra
O facto de o art. 1230.º do Código Civil só se referir especificamente à morte ou incapacidade do empreiteiro como razão de cessação da empreitada não deve levar a considerar não ser a hipótese inversa possível.
Na verdade, é perfeitamente concebível ser a celebração da empreitada com aquele concreto dono da obra condição, para o empreiteiro, da sua tomada da obra. Não há nenhuma razão de ordem pública susceptível de limitar a liberdade das partes nessa matéria. A única razão pela qual esta hipótese não surge autonomizada no art. 1230.º/1 do CC resulta, sem dúvida, da circunstância de ser hipótese menos vulgar.
Assim, provando-se o intuitu personae na escolha do dono da obra – e a prova pertence ao empreiteiro; e ao dono da obra na hipótese inversa – o efeito da sua morte será a mesma prevista no art. 1230.º/2 do CC para a morte do empreiteiro. Ou seja, aplicar-se-á o regime da impossibilidade de execução não imputável a alguma das partes (art. 1227.º do CC), tendo o empreiteiro direito à compensação pelo trabalho realizado e despesas efectuadas.
11.1.5.2. Insolvência do dono da obra
Na situação de insolvência do dono da obra, o empreiteiro pode denunciar o contrato (art. 111.º, CIRE). Pode pensar tratar-se de uma solução, no dizer de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx000, afastada das regras comuns. Na verdade, num passo assinado pelo Autor, o regime de empreitada, especialmente em matéria de cessação, tem tendencialmente em vista a protecção do dono da obra. Não se admite, por isso, a liberdade de denúncia ou desistência do
211 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 403. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 459.
empreiteiro, excepto havendo alterações significativas na obra, nos termos do art. 1215.º/2 do CC. Ora, o CIRE admite, diante da insolvência do dono da obra, a possibilidade de denúncia pelo empreiteiro e, ainda, a indemnização deste nos termos do art. 108.º do CIRE. Não se pensa, porém, diversamente de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, tratar-se de um convite à denúncia ou de uma solução estranha. É verdade apenas poder o empreiteiro, se o dono da obra deixasse de pagar o preço, invocar a excepção de não cumprimento e, em última análise, a resolução do contrato. Mas tendo Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx000, defendido pelo interesse contratual positivo, na hipótese de resolução, e postulado dever-se a solução inversa a mero conceptualismo e formalismo não podendo, hoje, sob pena de retrocesso científico continuar a defender-se a simples indemnização pelo interesse negativo, não vislumbramos nisso, com a devida vénia, nenhuma estranheza.
11.2. Subempreitada
11.2.1. Considerações gerais
O Código Civil define o contrato de subempreitada: nos termos do art. 1213.º, nº 1 como «o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela»213. Trata-se, assim de um subcontrato de empreitada, em que o empreiteiro assume a posição de dono da obra perante um novo empreiteiro.
Menezes Leitão214, afirma que, a realização de subempreitadas é muito frequente na área da construção, não apenas porque o encargo de realização integral da obra é normalmente demasiado volumoso para ser executado exclusivamente pelo empreiteiro, mas também porque a construção é uma actividade muito especializada, o que implica que partes da obra tenham que ficar a cargo de entidades com mais perícia na matéria.
Assim, é lugar-comum apontar as razões justificativas da grande difusão da subempreitada, pelo menos nas empreitadas de construção civil:
212 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 518.
213 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 403. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 484 e ss..
214 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Xxxxxxxx, 0000, pp. 545-546.
i. sobretudo a especialização técnica, a impossibilitar serem todas as valências de uma obra asseguradas por um único empreiteiro;
ii. a possibilidade de o empreiteiro poder gerir de forma mais adequada a utilização dos seus meios e responsabilizar claramente os seus subempreiteiros por partes determinadas da obra.
A extrema frequência da subempreitada e os específicos problemas jurídicos por ela colocados justificaram mesmo, em alguns países, a aprovação de normas injuntivas próprias aplicáveis a todas as subempreitadas.
11.2.2. O Regime
Decorre do funcionamento da figura geral do subcontrato e do art. 1213.º/1, ficar o empreiteiro que celebre uma subempreitada na posição de dono da obra face ao subempreiteiro215.
A afirmação traz múltiplas consequências:
❖ Desde logo o regime da empreitada é genericamente aplicável ao contrato de subempreitada, executados os traços cujo teleologia seja a protecção de um dono da obra leigo face a um empreiteiro profissional: encontra-se, nessa situação, por exemplo, o art. 1214.º/3, em matéria de alterações da iniciativa do empreiteiro216.
❖ Além disso, o contrato de subempreitada está, face ao contrato empreitada subjacente a respectiva génese, numa relação de dependência, por exemplo, relativamente à sua (não) subsistência após a cessação desse contrato – a subempreitada é um contrato subordinado a um outro.
Não obstante partilharem, total ou parcialmente, o mesmo objecto (os dois têm por objectivo a execução da mesma obra) e visarem a mesma finalidade217 ambos os contratos permanecerem separados e não fundidos num único pacto.
215 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 403; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 545. 216 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 414.
217 A satisfação do interesse do dono da obra.
Discute-se o problema de saber quando é admissível a subcontratação em sede de empreitada. Pode dizer-se, aliás, manterem-se as dúvidas, mesmo nos Direitos, como o português, onde a questão merece tratamento específico na lei.
O preceito de referência no nosso ordenamento é o art. 1213.º/2, que, por sua vez, remete para o art. 264º218. Segundo essa norma, o empreiteiro pode, pois, fazer-se substituir por outrem nos mesmos modelos do procurador.
Na análise do regime resultante do art. 264.º é necessário, em primeiro lugar, destrinçar «substitutos» de «auxiliares». Os primeiros são todos quantos tomam a posição do empreiteiro na execução da obrigação principal e, além disso, o fazem nos mesmos termos do empreiteiro: ou seja, com autonomia e liberdade de meios. Já os auxiliares são todos meros prestadores de apoio material ao empreiteiro enquanto este executa, por si, as obrigações assumidas.
Para compreender a distinção, é essencial relacionar os números 1 e 4 do art. 264.º. O art. 264.º/1 trata dos «substitutos do procurador», e apenas admite a substituição se o representado o permitir, ou se tal faculdade resultar da procuração ou da natureza da relação jurídica em causa. Pelo contrário, no art. 264.º/4, referente aos «auxiliares do procurador», a regra é já outra. Apenas na hipótese de a procuração o impedir, ou isso resultar da natureza do acto a praticar, é vedado ao procurador servir-se de auxiliares. Tudo isto, compreende-se a diferença na regra: é mais exigente deve sê-lo – a permissão de recorrer a substitutos, atendendo ao respectivo papel e à responsabilidade no tipo de colaboração prestada ao procurador.
Assim, voltando à subempreitada, pode afirmar-se resultar do art. 264.º poder o empreiteiro celebrar contratos de subempreitada:
i. Se o dono da obra o aceitar,
ii. Se o contrato de base (entre o dono da obra e o empreiteiro) o permitir, ou, na ausência de autorização expressa ou tácita ou de cláusula contratual,
iii. Se isso for necessário para a execução do contrato219.
A nossa Doutrina, seguida pela Jurisprudência, tem admitido, porém, a existência de uma espécie de habilitação tácita (na falta de habilitação expressa) de recurso a
218 Como acontece também em sede de contrato de mandato: v. art. 1165.º.
219 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 409.
subempreiteiros. Deste modo, mesmo se o contrato não estipula essa habilitação, ela deve ter- se por existente, excepto se se demonstrar ter sido ele celebrado em função das particularidades qualidades do empreiteiro, ou seja, excepto se se demonstrar a infungibilidade da prestação220.
Se confrontarmos a Doutrina e a Jurisprudência sobre esta matéria (e até algumas indicações normativas, por exemplo em matéria de empreitadas de obras públicas, dotadas de um influxo importante no regime privado da empreitada), há uma perspectiva actualmente dominante: é o comitente a ter o ónus de provar ser o contrato intuitu personae, não o empreiteiro a ter de justificar o recurso a subempreiteiro. Mais: vai ganhando terreno a ideia de o dono da obra, excepto nos casos onde escolheu o empreiteiro pelas suas qualidades pessoais (tendo, claro, de o provar), não poder recusar sem motivo justificado a subcontratação221.
O recurso a subempreiteiros não exonera o empreiteiro das responsabilidades assumidas perante o dono da obra: o empreiteiro permanece inteiramente responsável perante o segundo por todos os defeitos da prestação, mesmo se eles decorrerem exclusivamente de culpa do subempreiteiro222. Nos termos do art. 800.º/1, do Código Civil, o empreiteiro responde, perante o dono da obra, pela totalidade das imperfeições ou falhas da prestação originadas pelo subempreiteiro. Na verdade, essa norma responsabiliza o devedor223 face ao credor224 pela actuação dos respectivos auxiliares no cumprimento da obrigação. Ora, auxiliares do devedor no cumprimento da obrigação são, aqui, tanto os trabalhadores dependentes do empreiteiro, como os seus subempreiteiros e todos os outros ajudantes, mesmo autónomos225.
Na eventualidade de ser chamado a responder perante o dono da obra, o empreiteiro possui simplesmente direito de regresso face ao subempreiteiro. Trata-se de um efeito do art. 1226.º. Aliás, normalmente, interessará ao empreiteiro demandado em juízo pelo dono da obra chamar à demanda o subempreiteiro, para exercer logo nessa sede o seu direito de regresso.
220 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 409. 221 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 411. 222 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 404. 223 O empreiteiro.
224 O dono da obra.
225 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 408.
Diversamente do já defendido na Doutrina, parece a Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Raimundo226, não existir esse direito de regresso se o empreiteiro aceitou a prestação do subempreiteiro sem reservas, existindo vícios aparentes dessa prestação, depois detectados e denunciados pelo dono da obra ao empreiteiro227. Na verdade, nessa hipótese, o empreiteiro, ao não reservar os seus direitos perante os vícios aparentes da prestação do subempreiteiro, perde, segundo a opinião dos mesmos autores, a possibilidade de os exercer, nos termos do art. 1219.º do CC, aplicável às relações entre empreiteiro e subempreiteiro, de resto, à semelhança das demais normas supletivas do regime da empreitada, incluindo todas as relativas à verificação e aceitação da obra, denúncia de defeitos e respectivo regime de responsabilidade.
Nas empreitadas de obra públicas, há uma possibilidade genérica de subcontratar (por parte do empreiteiro e dos subempreiteiros), se a entidade subcontratada preencher os requisitos exigidos para o efeito (em termos de alvará e outros que tenham sido exigidos no procedimento), e se na contratação do empreiteiro não tiverem sido ponderadas as especiais qualidades do empreiteiro (art. 385.º/2 do CCP).
Note-se, porém, existir uma limitação à possibilidade de subcontratação por parte de um empreiteiro de obras públicas: não pode este subcontratar trabalhos em valor superior a 75% do preço contratual (art. 383.º/2 do CCP). De outra forma: proíbe-se a subempreitada total. A proibição aplica-se à subempreitada entre empreiteiro e subempreiteiro e às eventuais subempreitadas a jusante dessa228.
O art. 385.º/1 do CCP prescreve que, “a subempreitada de obras públicas não depende de autorização do dono da obra, salvo quando as particularidades da obra exigirem uma especial qualificação técnica do empreiteiro e a mesma tenha sido exigida na fase da formação do contrato”. Segundo Xxxxxxx Leitão229, no caso de ser celebrada uma subempreitada sem a autorização do dono da obra, quando exigível, o contrato não será inválido mas apenas inoponível em relação ao dono da obra, gerando responsabilidade contratual para o empreiteiro a realização pelo subempreiteiro de qualquer parte da obra.
226 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 341.
227 Parece que é também o que resulta da exposição de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª Edição, Almedina, 2010, p. 416.
228 Parece ser esse também o entendimento de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 485.
229 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 546.
Levanta-se a questão de saber se o subempreiteiro pode demandar o dono da obra para obter o pagamento do preço da sua parte da empreitada, se o empreiteiro incumprir o dever de lhe pagar. O problema é desde logo debatido na Jurisprudência:
No STJ 26-01-1999 (Xxxxx Xxxxxxxx)230: retomando argumentos presentes em Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx julgou-se: «I – O dono da obra não é o devedor do preço da subempreitada; II – O subempreiteiro é responsável apenas perante o empreiteiro; III – Todavia, poderá admitir-se que deve ser concedida ao subempreiteiro uma acção directa contra o dono da obra por motivos de justiça imaterial e para evitar o conluio deste com o empreiteiro em detrimento daquela».
Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx000, colocam dúvidas em admitir a acção directa, por uma razão simples: a remuneração fixada pelo empreiteiro com o subempreiteiro não é, decididamente, aspecto que deva ser considerado do âmbito das preocupações do dono da obra. Isto ao contrário da obrigação do subempreiteiro de construir uma obra ou parte dela segundo o plano convencionado. Há diferença notória entre as duas situações: a prestação do subempreiteiro interesse ao dono da obra e deve ser conforme ao projecto inicialmente aprovado por ele, por se tratar do seu destinatário final. Diversamente, a prestação do empreiteiro ao subempreiteiro não interessa ao dono da obra, por ele não estar obrigado a satisfazê-la nem ter sido ele a estabelecê-la ou a definir os seus termos.
Em todo caso, os mesmos autores tendem, não sem dúvidas, a admitir essa possibilidade, por motivos de equilíbrio da relação e pelo facto de o dono da obra beneficiar directamente do trabalho realizado pelo empreiteiro, nas hipóteses de não ter havido pagamento, pelo comitente, ao empreiteiro. Não deve esquecer-se ter o subempreiteiro direito de retenção sobre a coisa e poder exercê-lo mesmo contra o dono da obra, até ser pago pelo seu trabalho e despesas.
Enfim, o regime civil da empreitada não estabelece nenhuma relação directa entre o dono da obra e o subempreiteiro, apenas admite o exercício por aquele da acção sub- rogatória, nos termos gerais (arts. 606.º e ss.). Não parece, por isso, possível aceitar-se no âmbito civil uma acção directa do subempreiteiro contra o dono da obra, a qual violaria o
230 STJ 26-01-1999 (Xxxxx Xxxxxxxx), Proc. 98A1113/ITIJ (empreitada – subempreitada – dono da obra – acção directa – subcontrato – preço), com mera indicação de sumário.
231 Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Direito das Obrigações (Contratos em Especial), Vol. II, 2ª Edição revista, Almedina, 2013, p. 348.
regime da relatividade dos contratos (art. 406.º, n.º 2) e as regras do concurso de credores (art. 604.º, n.º1). Admite-se, no entanto, conforme acima referido que, em caso de não pagamento, o subempreiteiro possa exercer o direito de retenção, o qual é naturalmente oponível ao dono da obra.
Em relação à extinção, a subempreitada extingue-se se a empreitada se extinguir, pois aquela é dependente desta. A extinção desta pode ser por qualquer causa, nomeadamente a desistência do dono da obra (art. 1229.º do CC), faz extinguir o contrato de subempreitada, aplicando-se quanto a esta o regime do art. 1227.º do CC. Pode, porém, o empreiteiro desistir da mesma forma da subempreitada, ao abrigo do art. 1229.º do CC, mantendo-se em vigor a empreitada. Neste caso, porém, o empreiteiro continua vinculado perante o dono da obra a realizar os trabalhos que eram objecto da subempreitada, não podendo reclamar deste qualquer acréscimo de custos causado pela sua desistência232.
232 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 7ª Edição, Almedina, 2010, p. 548.
CONCLUSÃO
Na elaboração deste trabalho tive oportunidade de conhecer melhor o regime do contrato de empreitada e sua extinção. Com a análise de questões teórico - doutrinárias mas também práticas, pude constatar as opções do nosso legislador face aos problemas decorrentes deste tipo de contrato.
Constatei que, no actual Direito português, o contrato de empreitada surge com duas influências distintas.
Quanto ao objecto, a origem remonta às Ordenações, tendo o Código Civil de 1867 prosseguido na mesma senda. Nestes termos, a empreitada é tida como um tipo especial de prestação de serviços, cujo resultado consiste na realização de uma obra, entendida esta no sentido de coisa corpórea, desde que não esteja abrangida nos pressupostos da compra e venda. Dito de outra forma, a empreitada é um contrato que se autonomizou, destacando-se da prestação de serviços e da compra e venda.
No que diz respeito ao conteúdo, o contrato de empreitada, no actual Código Civil, tal como acontecia no precedente, baseou a sua regulamentação nos diplomas civis mais directamente influenciados pelo Direito Romano, onde a empreitada era havida como um tipo de locação. Assim, no Código Civil de 1867, não obstante se ter enquadrado a empreitada nos contratos de prestação de serviços, foi-se buscar a respectiva regulamentação ao Código Francês, onde ela, por influência do Direito Romano, vem regulada como um contrato de locação. O Código Civil actual manteve esta dualidade; só que a influência, em termos de conteúdo, encontra-se no Código Civil Italiano.
O contrato de empreitada extingue-se normalmente com a sua execução. Assim, cabe ao dono da obra verificar se a mesma está conforme ao acordado entre as partes, comunicar o resultado dessa mesma verificação ao empreiteiro e aceitar a obra, caso em que cessa a relação contratual entre os mesmos (art. 1218.º, nºs 1 e 4 do CC). A falta de verificação ou comunicação do resultado da mesma ao empreiteiro implica uma aceitação da obra – art. 1218.º, nº5 do CC.
Outra causa de extinção do contrato de empreitada será a verificação da situação contida no art. 1229.º do CC, em que o dono da obra desiste da realização da mesma e fica obrigado a indemnizar o empreiteiro pelos gastos e trabalhos que teve, bem como pelo proveito que poderia tirar da obra.