ACÓRDÃO CONSULTA AC-CON Nº 00007/2020– TCMGO – PLENO
ACÓRDÃO CONSULTA AC-CON Nº 00007/2020– TCMGO – PLENO
PROCESSO N. : 05442/20 MUNICÍPIO : RIO VERDE
ASSUNTO : Consulta
CONSULENTE : XXXXX XXXXX XX XXXX – Prefeito
RELATOR : Conselheiro Substituto Xxxxx X. X. Jambo
EMENTA: CONSULTA. CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE ESCOLAR. SITUAÇÃO DE ANORMALIDADE OCASIONADA PELA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS (COVID-19). ANTECIPAÇÃO DE PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS QUE NÃO SE APLICAM À REFERIDA CONTRATAÇÃO. REGRAS DA MP Nº 961/2020. NÃO APLICAÇÃO AOS CONTRATOS VIGENTES ANTES DE SUA PUBLICAÇÃO. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DAS DESPESAS FIXAS DO CONTRATO. RESTRIÇÕES.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, processo nº 05442/20, que tratam de consulta formulada pelo Exmo. Sr. XXXXX XXXXX DO VALE, Prefeito de Rio Verde, solicitando posicionamento deste Tribunal de Contas sobre a possibilidade de antecipação de pagamento nos contratos firmados com prestadores de serviço de transporte escolar, enquanto durar a suspensão das aulas presenciais, bem como se as disposições da Medida Provisória nº 936/2020 aplicam-se aos contratos em vigência.
Considerando a Proposta de Decisão nº 77/2020 – GABVJ, proferida pelo Conselheiro Substituto Xxxxx X. X. Jambo;
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás, reunidos em Sessão do Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator em:
1. Conhecer da presente consulta, visto terem sido atendidos os requisitos de admissibilidade previstos no art. 31, caput e § 1.º da Lei Orgânica deste Tribunal, bem como no art. 199, caput e § 1.º do seu Regimento Interno;
2. Responder o questionamento do consulente, abaixo transcrito, nos termos pontuados nos subitens 2.1 a 2.3:
É possível antecipar parcialmente o pagamento aos prestadores de serviços de transporte escolar com contratos ativos enquanto as aulas presenciais se encontram suspensas e o valor pago ser descontado quando as aulas presenciais retornarem à normalidade e os prestadores voltarem a efetuar o transporte dos alunos?
As disposições da Medida Provisória nº 961, de 06 de maio de 2020, que autoriza pagamentos antecipados nas licitações e contratos, aplicam-se também aos contratos em vigência?
1.1. Não é possível a antecipação do pagamento aos prestadores de serviços de transporte escolar enquanto as aulas presenciais se encontrarem suspensas, realizando-se a compensação dos valores adiantados quando as aulas presenciais retornarem à normalidade e os prestadores voltarem a efetuar o transporte dos alunos, visto que referida conduta não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro, nem tampouco na jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU);
1.2. As regras da Medida Provisória nº 961/2020, editada pela União, incluindo as hipóteses de antecipação do pagamento, destinam-se a garantir a aquisição de bens, serviços e insumos durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, não se aplicando aos contratos em vigência, tendo em vista que os requisitos estabelecidos pela norma legal são de observância prévia às contratações, o que não ocorreu no caso dos contratos em andamento;
1.3. Caso haja conveniência e oportunidade e não ocorra o comprometimento dos limites orçamentários e financeiros, é possível ao município promover a análise das cláusulas econômicas do contrato buscando eventual manutenção da contraprestação das despesas fixas do instrumento (por exemplo, remuneração dos motoristas), realizando o reequilíbrio financeiro futuramente, observadas as seguintes diretrizes:
1.3.1. a manutenção dos referidos pagamentos não deve comprometer a capacidade orçamentária e financeira do Município, devendo o gestor promover estudos de viabilidade de manutenção das contratações sopesando em todos os casos a saúde financeira do Município;
1.3.2. a referida manutenção apenas pode abranger os custos fixos do contrato, especialmente o valor correspondente à remuneração dos motoristas, não havendo que se falar em pagamento, nesse momento de suspensão, das despesas variáveis, como lucro do contratado, combustível, lubrificantes, depreciação dos veículos, dentre outras despesas variáveis;
1.3.3. o valor a ser pago pelo Município com a remuneração dos motoristas deve levar em conta a possibilidade de redução do salário em virtude da redução da carga horária, conforme permitido pela Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, ou seja, ainda que o contratado não tenha realizado tal negociação de redução salarial com seus empregados, o município não poderá pagar o valor integral dos respectivos salários;
1.3.4. os valores pagos devem necessariamente ser compensados com os futuros valores a serem dispendidos quando as aulas presenciais retornarem à normalidade e os prestadores voltarem a efetuar o transporte dos alunos, sob pena de responsabilização do gestor público.
1.4. A eventual implementação das medidas sugeridas no item 2.3 deve ser efetivada, preferencialmente, considerando:
1.4.1. a necessidade de análise prévia individualizada dos itens e custos de cada contrato, com participação do contratado e dos setores da Administração responsáveis pela execução e fiscalização contratual;
1.4.2. a possibilidade de suspensão consensual da execução do contrato administrativo, com participação da Administração e dos contratados, devidamente formalizada e contendo justificativa a respeito dos prazos, das despesas fixas que serão mantidas, dentre outras questões consideradas relevantes;
1.4.3. o direito unilateral reconhecido à Administração de solicitar a retomada da execução contratual.
1.4.4. Determinar que se cumpram as demais formalidades de praxe.
1.4.5. À Superintendência de Secretaria, para as providências.
1.4.6. TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DE GOIÁS, 10 de Junho de 2020.
1.4.7. Presidente: Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx Xxxx
1.4.8. Relator:. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx
1.4.9. Presentes os conselheiros: Cons. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, Cons. Fabricio Macedo Motta, Cons. Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxx, Cons. Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx Xxxx, Cons. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx, Cons. Valcenôr Braz de Queiroz, Cons. Sub. Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxx, Cons. Sub. Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx, Cons. Sub. Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, Cons. Sub. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Jambo e o representante do Ministério Público de Contas, Procurador Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx.
1.4.10. Votação:
1.4.11. Votaram(ou) com o Cons. Sub. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Jambo, Cons. Fabricio Macedo Motta: Cons. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, Cons. Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxx, Cons. Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx Xxxx, Cons. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx, Cons. Valcenôr Braz de Queiroz.
PROPOSTA DE DECISÃO N. 77/2020 – GABVJ
PROCESSO N. : 05442/20 MUNICÍPIO : RIO VERDE
ASSUNTO : Consulta
CONSULENTE : XXXXX XXXXX XX XXXX – Prefeito
RELATOR :Conselheiro Substituto Xxxxx X. X. Jambo
RELATÓRIO
Versam os presentes autos sobre consulta formulada pelo Exmo. Sr. XXXXX XXXXX DO VALE, Prefeito de Rio Verde, solicitando posicionamento deste Tribunal de Contas sobre os seguintes questionamentos:
a. É possível antecipar parcialmente o pagamento aos prestadores de serviços de transporte escolar com contratos ativos enquanto as aulas presenciais se encontram suspensas e o valor pago ser descontado quando as aulas presenciais retornarem à normalidade e os prestadores voltarem a efetuar o transporte dos alunos?
b. As disposições da Medida Provisória nº 961, de 06 de maio de 2020, que autoriza pagamentos antecipados nas licitações e contratos, aplicam-se também aos contratos em vigência?
2. Vieram os autos instruídos inicialmente com documentos de fls. 1/6, contendo, dentre outros documentos, a petição inicial da consulta e parecer jurídico da Procuradoria do Município de Rio Verde.
3. Inicialmente, por meio do Despacho nº 188/2020 – GABVJ (fl. 7), foram os autos encaminhados à Divisão de Documentação e Biblioteca, no intuito de que se informasse a existência de resolução/acórdão respondendo matéria semelhante.
4. Conforme Despacho nº 057/2020 (fl. 8), a supracitada divisão informou não existir manifestação deste Tribunal a respeito do assunto questionado nos autos.
5. Por meio do Despacho nº 190/2020 – GABVJ (fl. 9), esta relatoria, realizando um juízo prévio de admissibilidade, encaminhou os autos para a devida instrução técnica, com as considerações de que a solução da controvérsia deveria encontrar respaldo nas normas de caráter geral e abstrato que regem as contratações da Administração Pública.
I – DA MANIFESTAÇÃO DO ÓRGÃO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA/JURÍDICA DA AUTORIDADE CONSULENTE
6. Em observância ao previsto no art. 31, § 1.º, da Lei Orgânica do TCMGO1, a presente consulta foi instruída com o parecer técnico da Procuradoria do Município de Rio Verde.
7. Conforme Parecer Jurídico Nº 081/2020/PGM/SME (fls. 4/6), concluiu- se que:
“(...)
Ante o exposto, com fundamento no Item 6 do Edital 004/2018, na Cláusula Quinta, subitens I e II do Contrato (anexo do Edital supracitado) e no princípio da vinculação ao Instrumento Convocatório, a Procuradoria do Município opina pela inviabilidade jurídica de se proceder à antecipação de pagamento aos prestadores de serviço de transporte escolar enquanto perdurar a suspensão das aulas presenciais, pois não há o fator determinante para o pagamento: a efetivação prestação do serviço.
É o parecer. (...)”
1 § 1º As consultas devem conter a indicação precisa do seu objeto, ser formuladas articuladamente e instruídas com parecer do órgão de assistência técnica ou jurídica da autoridade consulente.
II – DA MANIFESTAÇÃO DA SECRETARIA DE CONTROLE EXTERNO
8. Remetidos os autos à Secretaria de Licitações e Contratos, para análise técnica do feito, foi proferido o Parecer nº 004/2020 – SLC (fls. 10/14), mediante o qual a referida unidade técnica manifestou-se no sentido da impossibilidade de antecipação de pagamento aos prestadores de serviços de transporte escolar, enquanto perdurar a suspensão das aulas escolares.
9. Asseverou ainda que as regras da Medida Provisória nº 961, de 6 de maio de 2020, editada pela União, não se aplicam aos contratos em vigência, tendo em vista que os requisitos estabelecidos pela norma legal são de observância prévia às contratações, o que não teria ocorrido no caso dos contratos já vigentes quando de sua edição.
10. Por fim, destacou que seria possível ao Município, como solução para a presente situação, promover a análise das cláusulas econômicas do contrato buscando eventual manutenção da contraprestação das despesas fixas do instrumento (por exemplo, remuneração dos motoristas), enfatizando que as despesas de natureza variável não podem ser suportadas pelo Poder Público, num cenário de ausência de prestação de serviço.
11. Por elucidativa, transcreve-se abaixo trecho de sua manifestação:
(...)
2. ANÁLISE JURÍDICA:
O presente pronunciamento se dá com fulcro no art. 109, inciso IV do Regimento Interno deste Tribunal que prevê ser competência desta Especializada a análise dos processos referentes às consultas, denúncias, solicitações e outros relacionados com a sua área de atuação.
Diante do juízo positivo de admissibilidade realizado pelo Conselheiro Relator (fl. 04), passa-se ao exame do mérito da consulta propriamente dita.
Convém ressaltar que o tema atinente à possibilidade de se realizar pagamentos antecipados a fornecedores de produtos ou serviços no âmbito dos contratos administrativos está ligado à legalidade estrita.
Conforme preceitua a Lei nº 4.320/64 as despesas públicas devem observar as seguintes fases: a realização do empenho, a liquidação e, por fim, o pagamento. Como é na etapa da liquidação2 que se verifica o direito adquirido do credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito, vale dizer, é realizada a confirmação pelas unidades executoras do recebimento do objeto empenhado, produto ou serviço, e apenas após referida fase a lei estabelece de forma clara e objetiva que a Administração Pública poderá pagar ao fornecedor.
Nessa linha, os editais de licitações e os contratos públicos, sempre possuem em suas cláusulas determinações no sentido de retribuir o contratado apenas na circunstância de comprovação da execução do serviço ou entrega do produto; de forma mais sucinta: paga-se após recebimento o produto ou serviço.
Toda essa retórica pretendeu comprovar que em termos legais, não é possível realizar, em regra, antecipação de pagamento.
Entretanto, para o referido mandamento existe exceção; é admitido o pagamento antecipado apenas em condições excepcionais, contratualmente previstas, sendo necessárias ainda garantias que assegurem o pleno cumprimento do objeto3.
É nesse sentido o Acordão nº 1341/2010 da lavra do TCU e a Orientação Normativa nº 37 da Advocacia Geral da União, observe, respectivamente:
Não obstante a correção da falha, ele considerou pertinente reforçar o entendimento de que a realização de pagamentos antecipados aos contratados somente poderá ocorrer com a conjunção dos seguintes requisitos: I) previsão no ato convocatório; II) existência, no processo licitatório, de estudo fundamentado comprovando a real necessidade e economicidade da medida; e III) estabelecimento de garantias específicas e suficientes, que resguardem a Administração dos riscos inerentes à operação. Considerando que tais requisitos não se fizeram presentes no caso examinado, o relator propôs e o Plenário decidiu expedir determinação corretiva à municipalidade. Acordão nº 1341/2010.
2 Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.§ 1° Essa verificação tem por fim apurar: I - a origem e o objeto do que se deve pagar; II - a importância exata a pagar; III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base: I - o contrato, ajuste ou acordo respectivo; II - a nota de empenho; III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.
3 TCU, Acordão nº 1614/2013.
A ANTECIPAÇÃO DE PAGAMENTO SOMENTE DEVE SER ADMITIDA EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS, DEVIDAMENTE JUSTIFICADA PELA ADMINISTRAÇÃO, DEMONSTRANDO-SE A EXISTÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO, OBSERVADOS OS SEGUINTES CRITÉRIOS: 1) REPRESENTE CONDIÇÃO SEM A QUAL NÃO SEJA POSSÍVEL OBTER O BEM OU ASSEGURAR A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, OU PROPICIE SENSÍVEL ECONOMIA DE RECURSOS; 2) EXISTÊNCIA DE PREVISÃO NO EDITAL DE LICITAÇÃO OU NOS INSTRUMENTOS FORMAIS DE CONTRATAÇÃO DIRETA; E 3) ADOÇÃO DE INDISPENSÁVEIS GARANTIAS, COMO AS DO ART. 56 DA LEI Nº 8.666/93, OU CAUTELAS, COMO POR EXEMPLO A PREVISÃO DE DEVOLUÇÃO DO VALOR ANTECIPADO CASO NÃO EXECUTADO O OBJETO, A COMPROVAÇÃO DE EXECUÇÃO DE PARTE OU ETAPA DO OBJETO E A EMISSÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO PELO
CONTRATADO, ENTRE OUTRAS. (Orientação Normativa nº 37 – AGU).
Nesses termos, apesar da determinação fatal da lei, existem circunstâncias especiais que autorizam o pagamento antecipado, desde que garantias sejam ofertadas.
Tal exceção, nesta senda, é bem restrita, além de exigir garantias para tanto, isto é, o fornecedor em recebendo de maneira prematura deverá prestar caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda; seguro-garantia; ou fiança bancária4.
Ocorre que, com o cenário atual de pandemia, cresceu de forma exponencial a preocupação dos fornecedores em manter contratos com a Administração Pública, pois em decorrência dos efeitos negativos na economia do ente contratante, poderia acontecer de mesmo com o fornecimento do produto ou serviço, a contrapartida deixar de ser cumprida.
De forma mais objetiva, tem-se uma conjuntura na qual houve um recrudescimento de receio, por parte dos contratados pela Administração, de inadimplência do Poder Público na condução de seus contratos administrativos.
Foi respaldado nessa hipótese, entre outras não mencionadas aqui, que foi editada a Medida Provisória nº 961, de 6 de maio de 2020, a qual autorizou pagamentos antecipados nas licitações e contratos pela Administração. Para tanto definiu os seguintes requisitos:
a) a antecipação represente condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço; ou
b) propicie significativa economia de recursos.5
4 Art. 56 da Lei nº 8.666/93.
5 Art. 1º, II, da MP nº 961/2020.
E ainda, trouxe citada Medida Provisória que a Administração deverá:
I - prever a antecipação de pagamento em edital ou em instrumento formal de adjudicação direta;
II - exigir a devolução integral do valor antecipado na hipótese de inexecução do objeto.
E poderá prever cautelas aptas a reduzir o risco de inadimplemento contratual, tais como:
I - a comprovação da execução de parte ou de etapa inicial do objeto pelo contratado, para a antecipação do valor remanescente;
II - a prestação de garantia nas modalidades de que trata o art. 56 da Lei nº 8.666, de 1993, de até trinta por cento do valor do objeto;
III - a emissão de título de crédito pelo contratado;
IV - o acompanhamento da mercadoria, em qualquer momento do transporte, por representante da Administração; e
V - a exigência de certificação do produto ou do fornecedor.
Pois bem, verifica-se, diante do disposto acima, que a legislação atual passou a autorizar antecipações de pagamentos desde que os requisitos autorizadores estejam presentes.
Saindo do plano da abstração e adentrando o caso em análise, observa-se que o Prefeito de Rio Verde pretende realizar pagamentos de forma antecipada aos prestadores de serviço de transporte escolar, no afã de manter os contratos com estes fornecedores.
Levando em consideração essa aspiração de manutenção dos contratos com prestadores de serviço de transporte escolar, vê-se que não existe respaldo legal à pretensão proposta na consulta, pois não ficou demonstrado o atendimento dos requisitos autorizadores da regra de exceção. Observe:
Em primeiro lugar, realizar as antecipações não representa condição indispensável para se obter o bem ou assegurar a prestação do serviço, porquanto o contrato irá continuar produzindo efeitos independentemente da ocorrência ou não de pagamentos, isto é, não é necessária qualquer prestação pecuniária para se manter em vigência o instrumento em questão.
Há outras alternativas que podem ser tomadas pelo gestor para se proteger de eventual pedido de rescisão contratual por parte dos fornecedores, como, por exemplo, suspensão dos contratos até o retorno das aulas.
Ademais, vislumbra-se uma dificuldade de se calcular a maneira como essa antecipação iria proceder, uma vez que conforme cláusulas contratuais, o pagamento seria efetuado em 10 diais, e com base na quilometragem mensal aferida por tacógrafo e/ou GPS.
Nessa esteira, e já trazendo à baila o segundo requisito, economia de recursos, não se assimila vantagem pecuniária para administração estimar uma quantia antecipatória, porquanto há grandes chances de não se refletir a realidade.
Outrossim, fazendo uma análise teleológica do dispositivo autorizador da regra de ressalva, infere-se que o autor da norma pretendia evitar que fornecedores rescindissem o contrato por receio de inadimplência da administração, ou seja, mesmo entregando o produto ou serviço, em razão da crise econômica no pais, não obteriam sua contrapartida.
Nesse sentido, nota-se que em relação ao serviço de transporte escolar não há esta problemática, já que em decorrência da suspensão das aulas no município, os prestadores não estão operando.
Por todo o exposto, em relação ao questionamento contido no expediente encaminhado, propõe-se responder ao consulente que não é possível, em regra, antecipar parcialmente o pagamento aos prestadores de serviços de transporte escolar com contratos ativos enquanto as aulas presenciais se encontram suspensas e o valor pago ser descontado quando as aulas presenciais retornarem à normalidade e os prestadores voltarem a efetuar o transporte dos alunos.
Quanto ao segundo questionamento colocado, as regras da MP nº 961/2020 não se aplicam aos contratos em vigência, tendo em vista que os requisitos estabelecidos pela norma legal são de observância prévia às contratações, próprios da fase interna do procedimento, como conteúdo do próprio Edital, o que não ocorreu no caso dos contratos em andamento.
Superadas as questões aventadas pelo Consulente, expandindo o tema proposto na presente consulta, vale a pena destacar que considerando a circunstância de o serviço de transporte escolar acomodar contraprestações fixas e variáveis que culminam com o valor a ser remunerado pelo quilômetro rodado, os Tribunais de Contas vêm orientando os municípios a promoverem análise das cláusulas econômicas do contrato pela eventual manutenção do pagamento das despesas fixas do instrumento (por exemplo, remuneração dos motoristas), realizando o reequilíbrio financeiro futuramente, ou suspendam integralmente o pagamento e, da mesma forma, como na outra alternativa, estabeleçam o reequilíbrio financeiro na retomada da prestação dos serviços.
Nessa esteira, é salutar para a Administração ter conhecimento das despesas fixas e variáveis da contratação, pois diferente das primeiras, as despesas de natureza variável6 não podem ser suportadas pelo Poder Público, num cenário de ausência de prestação de serviço, sob pena de danos ao erário público.
Explica-se, como a despesa variável ocorre no decorrer do dia a dia da execução do serviço, se este não estiver sendo fornecido, a consequência fatal é a ausência de despesa desta natureza, de maneira que realizar o pagamento por algo que sequer
6 Combustível; lubrificantes; pneus; e até mesmo depreciação dos veículos.
superou as primeiras etapas do ciclo da despesa pública representa conduta irregular.
De todo modo, não se deslegitima a preocupação do gestor em manter certos pagamentos a fim de evitar prejuízos à empresa que presta serviço para a Administração. Todavia, a inquietação não pode sobrepor as limitações econômicas do Município. Nesse sentido o Tribunal de Contas de Santa Catarina, v.g., vem orientando os gestores a promoverem estudos de viabilidade de manutenção das contratações sopesando em todos os casos a saúde financeira do Município, isto é, as repactuações e manutenções contratuais são legítimas, desde que não prejudiquem financeiramente o erário público, veja:
2.8. Devido às incertezas geradas pelo coronavírus, qual orientação acerca das liquidações e pagamentos dos serviços nos meses que eventualmente tiveram suas condições de prestação prejudicados. Os serviços terceirizados foram reduzidos, e alguns não estão sendo realizados em virtude da quarentena imposta pelo Governo Estadual. Como fica a questão do pagamento desses serviços? Serão descontados os dias não trabalhados? Há alguma orientação do Tribunal? Trata-se de questão controversa sem precedentes doutrinários ou na jurisprudência. Os aspectos vão além da análise jurídica, pois as despesas dos órgãos governamentais têm grande repercussão na economia dos respectivos entes federativos, especialmente na atividade das empresas que prestam serviços e geram grande número de empregos. Em princípio, sugere- se verificar as disposições contratuais, que variam para cada caso, sendo possível, contudo, a existência de previsão de suspensão nos casos de serviços prestados em caráter continuado (serviços de vigilância, limpeza, zeladoria, recepção, transporte escolar terceirizado, entre outras possibilidades). Entende-se pertinente avaliar cada circunstância para decidir sobre a continuidade ou não dos pagamentos, tendo em vista que os serviços não estão sendo prestados ou sua execução está total ou parcialmente prejudicada por fator alheio a ambas as partes (contratante e contratado). Importante ter em mente que a situação não pode servir para benefício de alguma das partes, por exemplo, no caso de a empresa contratada demitir ou dar licença não remunerada a sua força laboral e continuar auferindo os pagamentos do contrato vigentes. Neste tipo de circunstância estará havendo benefício com os recursos públicos com características de má-fé do contratado. Por outro lado, depreende-se que o momento acarretará sequelas do ponto de vista econômico, que poderão, em algum momento, prejudicar o equilíbrio das contas públicas, uma vez que a arrecadação será reduzida, colocando em risco a solvência de pagamentos dos órgãos públicos. Sendo assim, a sugestão vai no sentido de buscar soluções que ajudem na sobrevivência tanto do ente público como das empresas que para ele prestam serviços e para o quadro de trabalhadores que dependem de seu trabalho para a subsistência. Vale lembrar que as modificações recentes na legislação trabalhista possibilitam soluções alternativas, sendo que o mais importante é a sobrevivência que permita a retomada em momento posterior. O TCE/SC em procedimentos de fiscalização avaliará a questão da
liquidação das despesas em cada caso e de acordo com as peculiaridades da situação atípica vivenciada no momento, sendo indicado que existam justificativas que fundamentem a motivação da decisão, amparadas na avaliação contratual e no equilíbrio das contas públicas. Por fim, recomenda- se, a título de sugestão, a leitura das "Recomendações Covid-19 - Contratos de prestação de serviços terceirizados", que, embora aplicável à esfera federal, pode contribuir para esclarecer determinadas situações enfrentadas pelo Estado e pelos municípios. (Grifou-se)
Portanto, não restam dúvidas de que a maior preocupação no atual momento de pandemia seja assegurar a saúde financeira do caixa municipal, sendo relegado para segundo plano a adoção de medidas para preservar a renda de particulares, pois é dever do administrador público atender o interesse público. Eventual medida que pretenda acolher os anseios dos prestadores de serviços de transporte escolar por ajuda, neste momento de parca atividade econômica, deve possuir cunho de assistência social desvinculado dos contratos em voga.
3. Conclusão:
Diante do exposto, esta SECRETARIA DE LICITAÇÕES E CONTRATOS
RECOMENDA ao TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DE
GOIÁS, por seu Tribunal Pleno que:
a) Conheça da consulta realizada por cumprir os requisitos previstos nos arts. 31 e 32 da Lei nº 15.958/07 e arts. 199 e 200 do RITCM/GO;
b) Responda ao Consulente, Sr. Xxxxx Xxxxx do Vale, que:
1. Não é possível antecipar parcialmente o pagamento aos prestadores de serviços de transporte escolar com contratos ativos enquanto as aulas presenciais se encontram suspensas e, em consequência, o valor pago ser descontado quando as aulas presenciais retornarem à normalidade e os prestadores voltarem a efetuar o transporte dos alunos, tendo em vista que as circunstâncias previstas da MP nº 961/20 e na jurisprudência vigente do TCU não se adequam ao presente caso;
2. As regras da MP nº 961/2020 não se aplicam aos contratos em vigência, tendo em vista que os requisitos estabelecidos pela norma legal são de observância prévia às contratações, o que não ocorreu no caso dos contratos em andamento;
3. Caso haja o interesse, como solução para a presente situação, é possível ao município promover a análise das cláusulas econômicas do contrato buscando eventual manutenção da contraprestação das despesas fixas do instrumento (por exemplo, remuneração dos motoristas), realizando o reequilíbrio financeiro futuramente. Nesses termos, a Administração deve conhecer as despesas fixas e variáveis da contratação, pois diferente das primeiras, as despesas de natureza variável não podem ser suportadas pelo Poder Público, num cenário de ausência de prestação de serviço.
c) Seja dada ciência ao Consulente da decisão que vier a ser adotada.
II – DA MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS
12. O Ministério Público de Contas, por meio do Parecer nº 2228/2020 (fls. 15/16), corroborou com a manifestação da unidade técnica supracitada, conforme abaixo transcrito:
Esta Procuradoria de Contas se manifesta em consonância com as razões expostas no Parecer nº 004/2020 – SLC. Em razão da suficiência da argumentação desenvolvida pela Secretaria de Licitações e Contratos, apresenta-se abaixo breve reforço ao posicionamento que ora se ratifica.
A consulta que inaugura os presentes autos suscita um dentre os vários desafios enfrentados pelas Administrações dos entes locais goianos decorrentes da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Os contratos celebrados com prestadores de transporte escolar sofrem significativos impactos no atual cenário de suspensão das aulas, reclamando decisões inéditas por parte dos gestores municipais.
Entende esta Procuradoria de Contas, entretanto, coadunando as razões consignadas pela Unidade Técnica, que a providência mencionada pelo prefeito do município de Rio Verde em seu primeiro questionamento não encontra abrigo no regramento jurídico vigente. A resposta negativa à questão proposta tem por fundamento a inaplicabilidade do regime de pagamentos antecipados previsto na Medida Provisória nº 961/20 a contratos vigentes, posicionamento que responde também de forma negativa à segunda hipótese apresentada pelo consulente.
A leitura dos dispositivos compreendidos na medida provisória em estudo, especialmente do art. 1º, II e §§ 1º a 3º7, apontam para a incidência do novo regramento apenas em contratos futuros, uma vez que o pagamento antecipado está condicionado à previsão em edital ou em instrumento formal de adjudicação direta.
7Art. 1º Ficam autorizados à administração pública de todos os entes federativos, de todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos:
I - (…);
II - o pagamento antecipado nas licitações e nos contratos pela Administração, desde que:
a) represente condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço; ou
b) propicie significativa economia de recursos; e III - (…);
§ 1º Na hipótese de que trata o inciso II do caput, a Administração deverá:
I - prever a antecipação de pagamento em edital ou em instrumento formal de adjudicação direta; e II - exigir a devolução integral do valor antecipado na hipótese de inexecução do objeto.
§ 2º Sem prejuízo do disposto no § 1º, a Administração poderá prever cautelas aptas a reduzir o risco de inadimplemento contratual, tais como:
I - (…);
§ 3º É vedado o pagamento antecipado pela Administração na hipótese de prestação de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra.
Cuida-se de exigência garantidora da impessoalidade e isonomia8 pois, ao anunciar, previamente à contratação, a disciplina das contraprestações, mitiga-se a possibilidade de atribuição privilegiada de modo de pagamento mais benéfico a contratados selecionados. Por esta razão, a aplicação da antecipação em contratos vigentes parece colidir com as exigências e precauções extraídas dos dispositivos legais enfocados.
No ponto, convém destacar o seguinte trecho do oportuno Parecer nº 004/2020 – SLC:
Conforme preceitua a Lei nº 4.320/64 as despesas públicas devem observar as seguintes fases: a realização do empenho, a liquidação e, por fim, o pagamento. Como é na etapa da liquidação que se verifica o direito adquirido do credor, (...) apenas após referida fase a lei estabelece de forma clara e objetiva que a Administração Pública poderá pagar ao fornecedor. (…).
Toda essa retórica pretendeu comprovar que em termos legais, não é possível realizar, em regra, antecipação de pagamento.
Entretanto, para o referido mandamento existe exceção; é admitido o pagamento antecipado apenas em condições excepcionais, contratualmente previstas, sendo necessárias ainda garantias que assegurem o pleno cumprimento do objeto.
Tal exceção, (...), é bem restrita, além de exigir garantias para tanto (...).
Ocorre que, com o cenário atual de pandemia, cresceu de forma exponencial a preocupação dos fornecedores em manter contratos com a Administração Pública, pois em decorrência dos efeitos negativos na economia do ente contratante, poderia acontecer de mesmo com o fornecimento do produto ou serviço, a contrapartida deixar de ser cumprida. (…).
Foi respaldado nessa hipótese, entre outras não mencionadas aqui, que foi editada a Medida Provisória nº 961, de 6 de maio de 2020 (…).
Pois bem, verifica-se, diante do disposto acima, que a legislação atual passou a autorizar antecipações de pagamentos desde que os requisitos autorizadores estejam presentes.
Saindo do plano da abstração e adentrando o caso em análise, observa-se que o Prefeito de Rio Verde pretende realizar pagamentos de forma antecipada aos prestadores de serviço de transporte escolar (…).
Levando em consideração essa aspiração de manutenção dos contratos com prestadores de serviço de transporte escolar, vê-se que não existe respaldo
8 Segue nesse sentido a opinião de Xxxxxxx Xxxx Xxxxx que, em artigo denominado Contratações Públicas: MP 961 e MP 966 (disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/xx-000-000-xxxxxxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxx/ ), anotou: Neste ponto, ainda, a MP impõe a necessidade da previsão da antecipação em edital ou instrumento formal de adjudicação como forma de garantir a ausência de direcionamento e consequente ocorrência de favorecimento ilícito na sua utilização.
legal à pretensão proposta na consulta, pois não ficou demonstrado o atendimento dos requisitos autorizadores da regra de exceção.
Diante da inaplicabilidade das exceções previstas na Medida Provisória nº 961/2020 aos contratos vigentes, caberia à Administração Municipal buscar, através da análise casuística de cada contrato, a melhor maneira de satisfazer o interesso público na manutenção do equilíbrio das contas públicas e na preservação, na medida do possível, das atividades econômicas locais.
Em relação aos contratos de transporte escolar, como bem ressaltado pela Especializada, incumbe ao município observar a composição das contraprestações previstas e a pertinência da manutenção do pagamento de parcelas relacionadas a custos fixos, mediante regular processo de liquidação. Impende ressaltar que a análise concreta da conveniência desta, ou de outras medidas eventualmente concebidas, cabe unicamente aos administradores responsáveis e sua fiscalização será realizada pelo controle externo no momento oportuno.
Diante do exposto, o Ministério Público de Contas, coadunando as razões consignadas pela Secretaria de Licitações e Contratos, pugna pela adoção, por esta Corte, dos posicionamentos constantes dos itens 1 a 3 da conclusão do Parecer nº 004/2020 – SLC.
13. É o Relatório.
DA PROPOSTA DE DECISÃO I – DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
14. Preliminarmente, verifica-se que a presente consulta atende aos requisitos de admissibilidade previstos no art. 31 da Lei Orgânica deste Tribunal, vez que: a) o Prefeito, consulente, possui legitimidade ativa; b) contém a indicação precisa do seu objeto; c) está acompanhada do parecer do órgão de assistência jurídica/técnica da autoridade consulente; e d) está compreendida no rol de competência deste Tribunal.
15. Ademais, constata-se que a matéria consultada nos autos não possui nítido caráter de caso concreto, possuindo o devido grau de abstração, não
incorrendo, portanto, na vedação do art. 200, segunda parte, do Regimento Interno desta Corte de Contas.
16. Conforme já destacado por esta relatoria, muito embora o Parecer Jurídico Nº 081/2020/PGM/SME (fls. 4/6) tenha adentrado no caso concreto, ao respaldar sua fundamentação na análise do edital de licitação que deu origem à contratação, o questionamento formulado pelo consulente permite a devida abstração, visto possuir o potencial de atingir uma generalidade de situações semelhantes vivenciadas pelos jurisdicionados do Tribunal, sobretudo no atual cenário excepcional de pandemia vivenciado.
17. Diante do exposto, esta relatoria manifesta-se pelo conhecimento da presente consulta, passando à análise meritória do feito.
II – DO MÉRITO
18. No tocante ao mérito, pontue-se que esta relatoria não encontrou razões de ordem técnica e/ou jurídica para divergir do entendimento manifestado pela Secretaria de Licitações e Contratos e corroborado pelo Ministério Público de Contas.
19. Em seu primeiro questionamento, o consulente indaga se seria possível antecipar parcialmente o pagamento aos prestadores de serviços de transporte escolar com contratos ativos enquanto as aulas presenciais se encontram suspensas, sendo o valor pago descontado quando as aulas presenciais retornarem à normalidade e os prestadores voltarem a efetuar o transporte dos alunos.
20. De forma correta, a Secretaria de Licitações e Contratos, tecendo comentários a respeito das etapas da despesa pública dispostas na Lei nº 4.320/64, pontuou que o pagamento apenas poderia ocorrer, em regra, após o empenho e
liquidação prévios. Em outras palavras, somente após a Administração Pública atestar que recebeu o bem, ou que teve o serviço prestado, é que poderá se falar em pagamento.
21. Coerente com tal mandamento é que os editais de licitações e minutas de contratos administrativos firmados pela Administração Pública preveem em suas cláusulas que a contraprestação ao contratado apenas ocorrerá na circunstância de comprovação da execução do serviço ou entrega do produto9.
22. Preliminarmente, destaque-se que, embora o questionamento do consulente diga respeito a uma situação excepcionalíssima, referente à paralisação do serviço de transporte escolar em decorrência da pandemia ocasionada pelo Coronavírus (COVID-19), a resolução do referido problema não pode encontrar solução fora das normas vigentes no nosso ordenamento, motivo pelo qual revela-se necessário tecer comentários a seu respeito, demonstrando como a doutrina e a jurisprudência as têm interpretado e aplicado.
23. De fato, conforme dispõe o art. 62 da Lei 4.320/64, “o pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação”, estabelecendo o art. 63 do mesmo diploma que “A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito”.
9 Muito embora não seja imprescindível para o deslinde da questão, destaque-se que, conforme exposto no Parecer Jurídico Nº 081/2020/PGM/SME (fls. 4/6), no contrato firmado pelas empresas de transporte escolar com o Município de Rio Verde, em sua cláusula quinta, há a previsão de que o pagamento apenas será efetuado em 10 (dez) dias após a apresentação da nota fiscal eletrônica correspondente à execução dos serviços, devendo ser atestada pela contratante.
24. Destaque-se que, embora não seja posição unânime da doutrina10, a proibição do pagamento antecipado, como regra, encontra amparo na jurisprudência majoritária dos Tribunais de Contas brasileiros, sobretudo no âmbito do TCU, onde tem se decidido que:
“A jurisprudência do TCU é firme em coibir a realização de pagamento sem a prévia liquidação da despesa, salvo para situações excepcionais devidamente justificadas e com as garantias indispensáveis (v.g Acórdãos 51/2002, 193/2002 e 696/2003, da 1ª Câmara e 1146/2003, da 2ª Câmara, Acórdão nº 918/2005 – 2ª Câmara; Acórdãos nºs 48/2007, 1.090/2007, 374/2010, do Plenário). Isso se deve ao fato de tal prática, além de deixar a Administração ao desabrigo de eventuais riscos de inadimplências do contratado, contrariando expressas disposições normativas contidas nos artigos 62 e 63, § 2.º, inciso III, da Lei 4.320/1964, e nos artigos 38 e 43 do Decreto 93.872, de 23/12/1986 (...)” (Xxxxxxx 158/2015, Plenário, rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx).
“9. Consoante os arts. 62 e 63 da Lei 4.320/64, não se admite na administração financeira pública a antecipação de despesas. Por esses dispositivos, ‘o pagamento de despesa só será efetuado (...) após a sua regular liquidação, a qual, por seu turno, dependerá cumulativamente da existência do contrato, da nota de empenho e dos comprovantes da entrega de material ou da prestação de serviço.
10. Apesar de ser algo discutível do ponto de vista do controle de legalidade, o art. 38 do Dec. 93.872/1986 conferiu ligeira excepcionalidade a essa regra, dispondo que “não será permitido o pagamento antecipado de fornecimento de materiais, execução de obra, ou prestação de serviço, inclusive de utilidade pública, admitindo-se, todavia, mediante as indispensáveis cautelas ou garantias, o pagamento de parcela contratual na vigência do respectivo contrato, convênio, acordo ou ajuste, segundo a forma de pagamento nele estabelecida, prevista no edital da licitação ou nos instrumentos formais de adjudicação direta’. (Xxxxxxx 297/2001, Xxxxxxxx, rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx). (grifos nosso)
10 Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx afirma que não existe no ordenamento jurídico brasileiro qualquer norma que proíba a antecipação do pagamento, bem como que os arts. 62 e 63 da Lei 4.320/64, que tratam das etapas da despesa pública, não vedam a possibilidade de que o contrato preveja legitimamente o pagamento antecipado. Nas palavras do autor: “(...) Ou seja, é necessário afastar um equívoco hermenêutico propiciado pela expressão ‘antecipado’. Cabe ao contrato determinar as condições do pagamento, inclusive prevendo a sua ocorrência em momento anterior à execução da prestação pelo particular. As condições do pagamento no contrato devem ser respeitadas de modo rigoroso. Não se admite que o pagamento seja efetivado em momento anterior àquele previsto no contrato”. (Comentários à Lei de Licitações e Contratos, 17ª Ed, p. 303) (grifos nosso).
25. Ocorre que, conforme se extrai dos próprios julgados acima, existem situações excepcionais que demandam uma solução diferente, permitindo, nessas hipóteses, a antecipação do pagamento ao contratado.
26. E não poderia ser diferente. Exigir que a Administração Pública estivesse sempre limitada à regra da prévia liquidação para realização do pagamento poderia colocar em risco contratações que, pela sua natureza e as práticas adotadas no mercado, exigem condições de pagamento diferenciadas. Em última análise, prejudicar-se-ia o próprio interesse público, que se veria privado de bens e serviços necessários à efetivação de direitos constitucionalmente assegurados.
27. Nesse sentido, antes mesmo de se cogitar da situação de anormalidade ocasionada pela pandemia gerada pela COVID-19, tanto a doutrina pátria, quanto a jurisprudência do TCU, apontavam para situações excepcionais que autorizariam, mediante adoção de cautelas e garantias próprias, para a possibilidade de antecipação do pagamento.
28. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx00, a respeito do assunto, afirma que:
O tema do pagamento antecipado foi enfocado pelo TCU em diversas ocasiões. Usualmente, a questão foi solucionada em função do ato convocatório da licitação. O TCU rejeitou o pagamento antecipado quando ali não previsto.
O pagamento antecipado não pode representar benesse injustificada da Administração para os particulares. A defesa ao fim buscado pelo Estado conduz a que, como regra, o pagamento se faça após comprovada a execução da prestação a cargo do particular.
O pagamento antecipado depende da existência de dois requisitos.
Primeiramente, só poderá ocorrer quando previsto no ato convocatório. Desse modo, amplia-se o universo de competidores, especialmente aqueles que não
11 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 17 Ed, p. 1095-1096.
disporiam de recursos para custear a prestação. Todos os competidores terão reduzidos seus custos e, desse modo, a Administração será beneficiada.
Porém, a Administração não poderá sofrer qualquer risco de prejuízo. Por isso, o pagamento antecipado também deverá ser condicionado à prestação de garantias efetivas e idôneas destinadas a evitar prejuízos à Administração. (grifos nosso)
29. No âmbito da jurisprudência do TCU, como afirmado, a possibilidade de pagamento antecipado no âmbito dos Contratos Administrativos encontra respaldo apenas em situações excepcionais, desde que observados determinados requisitos, conforme ementas de julgados abaixo transcritos:
“Pode-se pensar em situações excepcionais que justificariam aceitar pagamento antecipado como, por exemplo, quando for, comprovadamente, a única alternativa para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço desejado, ou, ainda, quando a antecipação assegurar considerável economia de recursos. Nessas circunstâncias, existe a possibilidade de a irregularidade ser relevada.” (Xxxxxxx 751/2011, Plenário, rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx)
“Não obstante a correção da falha, é pertinente lembrar que a realização de pagamentos antecipados aos contratados somente poderá ocorrer se houver a conjunção dos seguintes requisitos: previsão no ato convocatório, existência no processo licitatório de estudo fundamentado comprovando a real necessidade e economicidade da medida e estabelecimento de garantias específicas e suficientes que resguardem a Administração dos riscos inerentes à operação (...).” (Xxxxxxx 1.341/2010, Plenário, rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx).
30. De plano, constata-se que nenhuma das exceções presentes na jurisprudência do TCU que justificam o pagamento antecipado se aplica ao caso questionado nos autos.
31. Conforme já relatado, o consulente indaga se poderia realizar a antecipação do pagamento aos prestadores de serviço de transporte escolar, até a normalização das aulas escolares, suspensas devido à pandemia ocasionada pelo Coronavírus (COVID-19), compensando-se futuramente o valor que seria pago sem a correspondente contraprestação do serviço.
32. A referida antecipação não visa, portanto, assegurar considerável economia de recursos para o município, nem tampouco representa a única alternativa para assegurar o serviço desejado (que, repita-se, sequer está sendo prestado nesse momento).
33. Ademais, até mesmo pelo momento em que foi realizada, a possibilidade de antecipação do pagamento não constou do ato convocatório da respectiva licitação.
34. Destaque-se ainda que, conforme já exposto pela Secretaria de Licitações e Contratos e Ministério Público de Contas, as regras da Medida Provisória nº 961, de 6 de maio de 2020 (MP nº 961/2020), não se aplicam aos contratos em vigência e, consequentemente, à situação questionada na presente consulta12.
35. Pontue-se que a medida provisória supracitada, com aplicação no âmbito de todos os entes federativos (União, Estados, Municípios e DF), visou autorizar pagamentos antecipados nas licitações e nos contratos, dentre outras medidas, durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.
36. Em seu art. 1.º, II, “a” e “b”, a MP nº 961/2020 previu os casos em que, mediante a previsão em edital ou em instrumento formal de adjudicação direta, estaria permitida a antecipação do pagamento ao contratado:
Art. 1.º Ficam autorizados à administração pública de todos os entes federativos, de todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos: (...)
12 O segundo questionamento do consulente consiste em saber se “As disposições da Medida Provisória nº 961, de 06 de maio de 2020, que autoriza pagamentos antecipados nas licitações e contratos, aplicam-se também aos contratos em vigência? ”
II - o pagamento antecipado nas licitações e nos contratos pela Administração, desde que:
a) represente condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço; ou
b) propicie significativa economia de recursos;
37. De início, relevante destacar que os casos previstos na MP nº 961/2020 em que se possibilita a antecipação do pagamento correspondem às mesmas situações excepcionais já previstas na jurisprudência do TCU como autorizadores da referida antecipação e que, conforme pontuado por esta relatoria acima, não se aplicam ao caso questionado nos autos.
38. Ademais, em uma análise teleológica da norma, é possível inferir que a antecipação do pagamento nela prevista visou atender, na verdade, situações que, destinadas ao enfrentamento das consequências ocasionadas pela situação de anormalidade vivenciada, não poderiam ficar submetidas às regras tradicionais praticadas no âmbito das licitações e contratos administrativos, como é exemplo a questão do pagamento somente após a entrega do bem ou execução do serviço.
39. Conforme descrito na exposição de motivos da MP nº 961/2020:
2. A proposta visa estabelecer medidas voltadas para garantir a aquisição de bens, serviços e insumos durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, ou seja, até 31 de dezembro, visando atender a situações regulares, em que o gestor público necessita se valer de regras diferenciadas para garantir a disponibilidade de bens ou serviços indispensáveis ao atendimento do interesse público, o que demonstra sua relevância. Inclusive será exitoso para o enfrentamento da atual situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID 19), de que trata a Lei nº 13.979 de 2020, conforme será demonstrado. (...)
4. Medida relevante e urgente, que merece nota, é a possibilidade do pagamento antecipado, já previsto na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, todavia de forma muito mitigada e sem instrumentos adequados. Desta feita, considerando o cenário
de calamidade pública, em que o mercado exige pagamento antecipado para a efetiva entrega do bem, houve a necessidade de se garantir regras que traduzam segurança jurídica ao gestor e à empresa contratada. (grifos nosso)
40. Constata-se assim que a medida não visa assegurar o pagamento dos contratados que, em decorrência do atual cenário, não estejam prestando serviço à Administração Pública, mas sim garantir que esta possa adquirir os bens e serviços essenciais para a manutenção do seu funcionamento e para o enfrentamento das graves consequência vivenciadas, sobretudo no âmbito da saúde pública.
41. Um exemplo de aplicação dessa medida excepcional pode aclarar a situação. Em parecer exarado em 01.04.2020 (Parecer nº 00254/2020/CONJURMS/CGU/AGU), a Advocacia Geral da União firmou o seguinte entendimento:
DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. CONTRATAÇÃO POR DISPENSA. AQUISIÇÃO DE VENTILADORES PULMONARES. MINUTA PADRONIZADA. EXISTÊNCIA DE PARECER REFERENCIAL. SOLICITAÇÃO DE ANÁLISE ESPECÍFICA SOBRE CLÁUSULAS DE GARANTIA E PAGAMENTO.
a) Nos termos da Lei nº 13.655/2018, na interpretação de normas sobre gestão pública, devem ser considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
b) Diante do cenário de combate ao COVID-19, é necessário que velhas rotinas sejam revistas, quando prejudiciais ou impeditivas ao atendimento da missão precípua do gestor público de saúde, tendo em vista a prevalência de princípios como eficiência e dignidade da pessoa humana.
c) A restrição à antecipação de pagamento não deve ser percebida em termos absolutos, podendo ser relativizada, notadamente quando o pagamento antecipado se mostrar vantajoso ao interesse público.
d) Numa perspectiva econômica, a antecipação de pagamento pode mitigar riscos, incrementar a competitividade, fomentar a ampliação da oferta dos insumos e aparelhos necessários, além de induzir redução dos preços.
e) É possível a previsão contratual de antecipação de pagamento, desde que seja justificadamente necessária ao atendimento da pretensão administrativa e acompanhada de medidas de garantia.
42. Destaque-se, assim, que a antecipação do pagamento não pode se destinar a atender uma conveniência e necessidade do contratado, sendo admitida apenas nas estritas hipóteses em que visa assegurar o interesse público da coletividade.
43. Em outras palavras, a antecipação do pagamento não é possível aos prestadores de serviços de transporte escolar com contratos ativos enquanto as aulas presenciais se encontram suspensas e, em consequência, o valor pago ser descontado quando as aulas presenciais retornarem à normalidade e os prestadores voltarem a efetuar o transporte dos alunos.
44. Embora o consulente alegue a necessidade do referido pagamento como forma de manutenção dos contratos de prestação de serviço de transporte escolar, evitando assim a sua rescisão, existem outros instrumentos jurídicos legítimos destinados a assegurar a referida manutenção.
45. Neste ponto, relevante destacar que, embora possa se entender como nobre o objetivo do gestor público de Rio Verde de realizar a antecipação do pagamento enquanto suspensa a necessidade da prestação do serviço, alegando que os contratados possuem financiamento de seus veículos a adimplir e precisam garantir a sua subsistência, a solução proposta vai na contramão do que tem sido proposto para o setor público.
46. Inicialmente, destaca-se que a situação vivida atualmente é ímpar em nossa história: por meio de decretos, em sua maioria editados pelos governos estaduais e municipais, foram suspensas aulas escolares, impondo-se a restrição ao funcionamento do comércio e circulação de pessoas, dentre outras medidas adotadas.
47. Como uma das consequências imediatas, as finanças públicas, que já viviam um momento de austeridade, impondo-se a redução do gasto público, ficaram ainda mais comprometidas. A quase totalidade dos municípios brasileiros sofreu forte queda na arrecadação, comprometendo assim até mesmo o pagamento de despesas essenciais, como a remuneração de seus servidores públicos e a manutenção do serviço público de saúde.
48. Nesse sentido, a palavra de ordem do momento foi corte de gastos e redução de despesas não essenciais. Em muitos Estados e Municípios, determinou- se a revisão e/ou suspensão dos contratos administrativos não essenciais, rescisão de contratações temporárias e, até mesmo, congelamento de salários dos servidores públicos.
49. Diante desse contexto, embora louvável o objetivo, a solução de manutenção do pagamento dos contratos de transporte do serviço escolar, além de não encontrar amparo nas regras do ordenamento jurídico brasileiro, vai de encontro ainda a um importante vetor na interpretação e resolução de conflitos no âmbito das contratações públicas: a necessidade de manutenção do equilíbrio econômico- financeiro do contrato.
50. Nas palavras de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx00:
O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo significa a relação (de fato) existente entre o conjunto dos encargos impostos ao particular e a remuneração correspondente.
O equilíbrio econômico-financeiro abrange todos os encargos impostos à parte, ainda quando não se configurem como “deveres jurídicos” propriamente ditos. São relevantes os prazos de início, execução, recebimento provisório e definitivo previstos no ato convocatório; os processos tecnológicos a serem aplicados; as matérias-
13 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 17 Ed, p. 1179-1180.
primas a serem utilizadas; as distâncias para entrega dos bens; o prazo para pagamento etc.
O mesmo se passa quanto à remuneração. Todas as circunstâncias atinentes à remuneração são relevantes, tais como prazos e forma de pagamento. Não se considera apenas o valor que o contratante receberá, mas, também, as épocas previstas para sua liquidação. (grifos nosso)
51. Ora, ao se cogitar da manutenção do pagamento integral ao contratado em um momento onde os serviços não estão sendo prestados, comprometer-se-ia, em última análise, o próprio equilíbrio econômico-financeiro do contrato: à remuneração da Administração Pública, não se corresponderia um equivalente encargo do contratado.
52. Ainda que se possa falar de uma posterior compensação dos valores adiantados, a equação poderia ficar comprometida, visto que, por não possuir previsão contratual, não se cobrariam encargos (juros e correção monetária) do contratado pela antecipação dos valores a cargo da Administração Pública.
53. Ademais, em um momento de crise na economia e saúde pública, com forte redução na arrecadação de tributos, destinar os parcos recursos públicos para atividades que não sejam essenciais, adiantando valores de serviços que não se fazem imprescindíveis no momento, não se revela como a melhor solução.
54. Diante de todo o acima exposto, é que esta relatoria, corroborando o entendimento da Secretaria de Licitações e Contratos e Ministério Público de Contas, manifesta-se no sentido de que seja respondido ao consulente que:
55. Não é possível antecipar o pagamento aos prestadores de serviços de transporte escolar com contratos ativos enquanto as aulas presenciais se encontram suspensas e, em consequência, o valor pago ser descontado quando as aulas presenciais retornarem à normalidade e os prestadores voltarem a efetuar o
transporte dos alunos, tendo em vista que as circunstâncias previstas na MP nº 961/20 e na jurisprudência do TCU não se adequam à referida contratação; e
56. As regras da MP nº 961/2020 destinam-se a garantir a aquisição de bens, serviços e insumos durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, não se aplicando aos contratos em vigência, tendo em vista que os requisitos estabelecidos pela norma legal são de observância prévia às contratações, o que não ocorreu no caso dos contratos em andamento;
57. De igual forma, esta relatoria corrobora com o entendimento da unidade técnica de responder ao consulente que:
58. Caso haja conveniência e oportunidade e não ocorra o comprometimento dos limites orçamentários e financeiros, é possível ao município promover a análise das cláusulas econômicas do contrato buscando eventual manutenção da contraprestação das despesas fixas do instrumento (por exemplo, remuneração dos motoristas), realizando o reequilíbrio financeiro futuramente. Nesses termos, a Administração deve conhecer as despesas fixas e variáveis da contratação, pois diferente das primeiras, as despesas de natureza variável não podem ser suportadas pelo Poder Público, num cenário de ausência de prestação de serviço.
59. Sobre o referido aspecto, embora tenha se afirmado que o Município não pode funcionar como um salvaguarda universal para todos aqueles prejudicados pelo atual cenário de crise vivido, não se pode deixar de lado o aspecto social presente nas contratações públicas.
60. Pontue-se que os contratos administrativos empregam milhares de pessoas, especialmente os de terceirização de serviços. Nesse contexto, medidas mais drásticas, como suspensão, redução expressiva de seus quantitativos ou rescisão dos contratos por motivo de caso fortuito ou força maior importam no desemprego de milhares de pessoas, resultando em consequências indesejáveis.
61. Em interessante artigo sobre o tema (“O que fazer com os contratos administrativos em tempos de coronavírus?”14), Xxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx apresenta solução que ampara a manutenção do pagamento das despesas fixas dos contratos de prestação de serviços, sobretudo a remuneração dos respectivos empregados:
O problema tem dois vetores fundamentais que apontam para direções opostas. O primeiro vetor diz respeito à função social dos contratos administrativos, que empregam milhares de pessoas, especialmente os de terceirização de serviços. Ações mais drásticas, como suspensão, redução expressiva de seus quantitativos ou rescisão dos contratos por motivo de caso fortuito ou força maior importam no desemprego de milhares. Ninguém quer isso. O segundo vetor é econômico, as entidades administrativas, pura e simplesmente, não têm dinheiro para fazer frente a tais contratos. Por esse vetor, ações drásticas precisam ser levadas a efeito, para desonerar, ainda que parcialmente, a Administração desses pagamentos. A solução para o problema é encontrar o ponto de equilíbrio entre os dois vetores. Equação complicada.
(...)
Uma outra providência poderia ser a suspensão dos contratos administrativos, o que depende apenas da Administração Pública, como lhe autoriza o parágrafo único do artigo 8º da Lei n. 8.666/1993. Xxxxx, consoante o inciso XIV do artigo 78 da Lei n. 8.666/1993, a empresa contratada somente tem a faculdade de pleitear a rescisão do contrato diante de suspensão que ultrapassa 120 dias. E, se a empresa contratada não se opor, é permitido que a suspensão vá para além dos 120 dias, que se estenda pelo tempo que for necessário, o que é positivo. Essa solução atende bem ao vetor da economicidade por parte da Administração, porque ela se desonera dos pagamentos durante o período de suspensão. O negativo é o vetor social, que não é minimamente contemplado. Com a suspensão, a empresa contratada não recebe e é induzida a demitir os seus empregados.
14 Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxx.xxxx.xx/x-xxx-xxxxx-xxx-xx-xxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxxx-xx-xxxxxx-xx- coronavirus/>, acesso em 7/6/2020.
Para equilibrar os vetores social e econômico nos casos de suspensão de contratos administrativos é necessário levar em consideração ações não usuais. Um dos meus amigos, dos que me consultaram, avaliava a possibilidade de um acordo para suspender os contratos de terceirização e os contratos de trabalho dos empregados, com a previsão de que a Administração se comprometesse a pagar uma espécie de benefício durante o período de suspensão diretamente aos empregados da empresa contratada que não fossem realocados ou que não conseguissem outro emprego. Tudo com a participação dos sindicatos, formalizado por meio de acordo ou convenção coletiva.
(...)
Consigo conjecturar sobre vários fundamentos jurídicos para esse acordo e para o pagamento dessa ajuda compensatória sob a ótica do Direito Administrativo. Sem me aprofundar, rapidamente, lembro da satisfação do interesse público primário, da obrigação constitucional dos poderes constituídos de promoverem justiça social, dos princípios da economicidade e da proporcionalidade e de questões atinentes à própria Lei de Licitações e à suspensão dos contratos administrativos. Dentre os possíveis fundamentos jurídicos, gostaria de destacar, também sem me aprofundar, o artigo 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que autoriza a celebração de compromisso entre a Administração e terceiros para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa, buscando “solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais”. (grifos nosso)
62. Ainda que a solução não seja exatamente a mesma daquela proposta no artigo supracitado, a manutenção das despesas fixas do contrato, sobretudo os valores correspondentes à remuneração dos empregados, contempla a solução desse aspecto social.
63. Algumas diretrizes, no entanto, devem ser estabelecidas.
64. Em primeiro lugar, a manutenção dos referidos pagamentos não deve comprometer a capacidade orçamentária e financeira do Município. Conforme exposto pela Secretaria de Licitações e Contratos, citando orientação do TCE/SC, os gestores devem promover estudos de viabilidade de manutenção das contratações sopesando em todos os casos a saúde financeira do Município, isto é, as repactuações e manutenções contratuais são legítimas, desde que não prejudiquem financeiramente o erário público.
65. Em segundo, a referida manutenção apenas pode abranger os custos fixos do contrato, especialmente o valor correspondente à remuneração dos motoristas, não havendo que se falar em pagamento, nesse momento de suspensão, das despesas variáveis, como lucro do contratado, combustível, lubrificantes, pneus e até mesmo depreciação dos veículos.
66. Ademais, o valor a ser pago pelo Município com a remuneração dos motoristas deve levar em conta a possibilidade de redução do salário em virtude da redução da carga horária, conforme permitido pela Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, ou seja, ainda que o contratado não tenha realizado tal negociação de redução salarial com seus empregados, o município não poderá pagar o valor integral dos respectivos salários.
67. Mencione-se ainda que, diferentemente do que pontuado pela unidade técnica, os valores despendidos com a manutenção das despesas fixas não devem possuir cunho de assistência social, vinculando-se sim aos contratos em voga, devendo ser necessariamente compensados com os futuros valores a serem pagos, sob pena de responsabilização do gestor público.
68. Por fim, relevante alertar que a eventual implementação das medidas sugeridas acima deve ser efetivada, preferencialmente, considerando:
69. A) a necessidade de análise prévia individualizada dos itens e custos de cada contrato, com participação do contratado e dos setores da Administração responsáveis pela execução e fiscalização contratual;
70. B) a possibilidade de suspensão consensual da execução do contrato administrativo, com participação da Administração e dos contratados, devidamente
formalizada e contendo justificativa a respeito dos prazos, das despesas fixas que serão mantidas, dentre outras questões consideradas relevantes; e
71. C) o direito unilateral reconhecido à Administração de solicitar a retomada da execução contratual.
72. Diante de todo o exposto, amparado na fundamentação supra, nos termos do artigo 85, § 1º da Lei 15.958/2007, com redação acrescida pela Lei 17.288/2011, art. 83 do Regimento Interno, regulamentado pela Resolução Administrativa nº 232/2011, cujo artigo 6º, IV foi disciplinado pela Portaria n. 557/2011, proponho que o Tribunal Pleno adote a minuta de Acórdão Consulta que submeto à sua deliberação.
73. É a Proposta de Decisão.
Gabinete do Conselheiro Substituto Vasco C. A. Jambo, Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás, em Goiânia, aos 8 de junho de 2020.
Vasco C. A. Jambo
Conselheiro Substituto – relator
1.4.12.