O CONTRATO DIDÁTICO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA
O CONTRATO DIDÁTICO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA
AUTORES
Xxxxxx Xxxxxx, UTFPR, xxxxxxx@xxxxx.xxx Xxxxxxx Xxxxxxx, UEM, xxxxxxx@xxx.xx
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, UFMS, xxxxxxxxxxxx@xxxxxxx.xxx
RESUMO
As relações em sala de aula entre professor e aluno estão atreladas a um acordo implicitamente construído entre eles. Acordo esse que Xxxxxxxxx chamou de contrato didático. O objetivo desse artigo é mostrar considerações positivas sobre o contrato didático e suas rupturas. Para tanto, selecionamos a tese de Xxxxxxx (1995) e um artigo de Xxxxxxx (1998) que julgamos importantes para a discussão desse assunto. Pretendemos alertar ao professor sobre a existência de tal acordo e a necessidade de rompê-lo em situações em que já não há construção de conhecimentos pelos alunos.
Palavras chaves: Contrato Didático, Rupturas do Contrato Didático, Situações Didáticas.
ABSTRACT
The relationships in classroom between teacher and student are linked to an agreement implicitly built between them. This agreement by Xxxxxxxxx is called a didactic contract. The objective of this article is to show positive considerations about the didactic contract and its ruptures. For this purpose, we selected the thesis of Xxxxxxx (1995) and an article of Xxxxxxx (1998) that we consider important for the discussion of this subject. We intend to alert the professor about the existence of such agreement and the need to break it in situations where there is no construction of knowledge by students.
Keywords: Didactic Contract, Ruptures of Didactic Contract, Didactic Situations.
1 Introdução
O texto aqui apresentado trata da relação existente entre professor, aluno e o saber que é originada pelo funcionamento da educação escolar, denominada
relação didática1. Atentamos para o fato de que essa relação está atrelada, por meio de um “acordo” construído implicitamente, pelas dinâmicas do sistema escolar2. Tal acordo, como veremos, foi entendido por Guy Brousseau3 como sendo um contrato didático.
As regras deste contrato parecem claras, mas em alguns casos os “vícios” dos professores tornam o contrato didático um componente irrelevante, dispensável. Estes vícios são práticas de ensino imperceptíveis aos professores, um exemplo disso se dá quando o professor propõe uma atividade aos alunos e ao perceber que estes apresentam dificuldade em desenvolvê-la se antecipa e apresenta a solução, não permitindo que os alunos encontrem sozinhos a resposta. Tem essa atitude tão frequentemente que não percebe o prejuízo disso para a aprendizagem dos alunos. Muitos professores inexperientes se deixam levar por esses “vícios”, dizem promover a aprendizagem de seus alunos, mas rompem os contratos por diversas razões.
Por outro lado, existem contratos mais flexíveis, proporcionados por ambientes nos quais são testadas metodologias de ensino diferenciadas, conduzidas por professores atentos, que valorizam o diálogo na sala de aula. Esses contratos são aqueles, por exemplo, em que os alunos resolvem os exercícios como entenderam e o professor faz uma plenária para que a turma decida qual solução é mais adequada para uma dada questão.
Por meio dessa diferenciação de contratos, reconhecemos regras próprias de cada um, identificando quais delas são frequentemente rompidas e como isso acontece, a chamada ruptura do contrato didático.
Em geral, o contrato didático só fica explícito no momento das rupturas e é, em decorrência disso, posto à prova. Inicia-se assim uma negociação/discussão de opiniões entre professor e alunos que alteram o contrato vigente. Essa manifestação
1 Uma relação didática existe a partir do momento em que alunos (ou qualquer outro tipo de aprendizes) reúnem-se com um professor (ou qualquer outro mediador) para realizar atividades (essencialmente atividades de aprendizagem, mas não exclusivamente) a propósito de um conteúdo (podem ser saberes pertencentes a disciplinas escolares, saberes profissionais, saber fazer, saber- ser) em um quadro espacial determinado (em geral, um local de aula) e por um prazo limitado (em geral, um horário escolar) (JONNAERT e XXXXXX, 2002 apud FOGGIATO, 2006, p. 14).
2 Entendemos o sistema escolar como o espaço/meio em que um conjunto de personagens e fatores sociais, culturais e afetivos interagem para constituir as diretrizes para a escola, diretrizes essas que interferem na dinâmica da sala de aula, principalmente na relação professor-aluno-saber.
3 Xxx Xxxxxxxxx é um didata francês que ficou muito conhecido pela explanação da Teoria das Situações Didáticas. Atualmente, como integrante do Instituto de Investigação do Ensino de
contribui, em certa medida, para que a relação professor-aluno fique mais refinada ou, ainda, a aprendizagem seja de fato alcançada.
Mas até que ponto a interferência desse contrato didático, com suas cláusulas e rupturas, pode aprimorar a relação professor-aluno(s) e facilitar a compreensão dos saberes escolares?
O que os autores como Xxxxxxxxx (2008), Xxxxxxxxx (2007), D’Amore (2007), Pais (2002), Xxxxxxx et al (2002), Franchi (1995) e Xxxxxxx (1998) têm a nos dizer sobre isso?
Nosso objetivo, nesse sentido, é mostrar por meio de uma análise de textos dos referidos autores quais as contribuições que os estudos sobre o contrato didático e suas possíveis rupturas podem trazer para a melhoria do ensino de matemática.
2 O contrato didático
A ideia de contrato didático surgiu em meados dos anos de 1970, mediante as observações do fracasso escolar no domínio da Matemática (D’AMORE, 2007).
Segundo D’Amore (2007), após Xxxxxxxxx e Pères (em 1981) observar o caso do menino Xxxx, que frequentava a segunda série com mais de 8 anos, algumas hipóteses surgiram para explicar o insucesso do aprendizado em Matemática, pois:
• ao invés de exprimir conscientemente o próprio conhecimento, Gäel o exprimia sempre e somente em termos que envolvia o professor;
• as suas capacidades estratégicas nunca eram suas próprias capacidades, mas o que e como a professora disse que devia ser feito (D’AMORE, 2007);
ou seja, Xxxx tinha atitudes influenciadas pela sua professora, possivelmente consequência de um ensino precário conduzido por ela. A professora induzia uma aprendizagem forjada, em que suas condutas e imposições se sobrepunham às manifestações cognitivas e até mesmo afetivas do aluno; o aluno era meramente um repetidor.
Matemática (IREM) em Bordeaux (França), continua trabalhando com as problemáticas relacionadas ao ensino e a aprendizagem.
O que Xxxxxxxxx teve em mente foi chamar a atenção para a posição do professor e do aluno nas situações didáticas4, às tarefas que cada um deveria cumprir numa espécie de acordo, que pudesse amparar os envolvidos sem comprometer a relação destes mesmos com o objeto do saber e com a aprendizagem. Esse acordo foi denominado por Xxxxxxxxx (2008) de contrato didático:
Numa situação de ensino preparada e realizada pelo professor, o aluno em geral tem a tarefa de resolver o problema que lhe é apresentado, por meio da interpretação das questões colocadas, das informações fornecidas, das exigências impostas, que são a maneira de ensinar do professor. Esses hábitos específicos do professor, esperados pelo aluno, e os comportamentos deste, esperados pelo professor, constituem o contrato didático (BROUSSEAU, 2008, p. 9).
Para ele
[...] As cláusulas não podem ser escritas, as sanções em caso de quebra não podem ser previstas etc. Contudo, a ilusão de que existe um contrato é indispensável para que a relação aconteça e seja, eventualmente, bem- sucedida (BROUSSEAU, 2008, p. 73-74).
Xxxxxxxxx (2008) ainda explica que o contrato didático é um fenômeno presente nas situações didáticas, mas que pré-existe a essas situações (ASTOLFI et al, 2002; XXXXXXXXX, 2008), isto é, as regras intrínsecas do contrato didático ultrapassam as dimensões explícitas de uma negociação. Xxxxx pensarmos num contrato sendo pré-fixado sob a condição de se trabalhar com diversos saberes – alguns ainda não conhecidos pelos alunos. Como os estudantes poderiam opinar/negociar com o professor sobre aquilo que ainda não aprenderam?
Logo, sendo algumas cláusulas do contrato didático não explicitáveis ou negociáveis com os alunos, cabe ao professor, ao elaborar as situações didáticas, esperar que possíveis modificações venham ocorrer em consequência da multiplicidade dos saberes propostos e do desconhecimento dos alunos sobre aquilo
4 Situações didáticas são entendidas como o conjunto de relações estabelecidas explicitamente e/ou implicitamente entre um aluno ou grupo de alunos, um certo milieu (contendo eventualmente instrumentos ou objetos) e um sistema educativo (o professor) para que esses alunos adquiram um saber constituído ou em constituição (BROUSSEAU, 1978 apud ALMOULOUD, 2007, p. 33). Numa situação didática manifesta-se o desejo de ensinar que envolve, pelo menos, uma situação-problema e um contrato didático (XXXXXXXXX, 2007, p.89).
que irão estudar. Nestas condições, o professor pode organizar um rol de situações de ensino que estejam preparadas para tais modificações e até mesmo forçá-las a acontecer.
3 Rupturas do Contrato Didático
Como já foi dito anteriormente o contrato didático preexiste à situação didática e só se explicita no momento das suas rupturas. “Isto, não porque o docente procurasse ocultar alguma coisa aos alunos, mas porque tanto ele como estes estão ligados por esse contrato que os ultrapassa e que caracteriza a situação de ensino” (XXXXXXX et al, 2002, p.69).
Isso quer dizer que, em geral, as rupturas não acontecem propositalmente (pelas partes envolvidas no contrato), mas de uma reação independente gerada por diversos motivos:
• algumas rupturas são ocasionadas quando o aluno não demonstra interesse pela resolução das atividades propostas ou quando não há o envolvimento necessário nas atividades. Nesse caso a ruptura ocorre porque mesmo que não se tenha dito ou escrito que o aluno deve se envolver e se interessar no desenvolvimento das atividades, o esperado é que isso aconteça dentro de certos limites exigidos pela atividade didática. Perceber tal ruptura assim como sua superação é imprescindível para dar continuidade ao processo de ensino e isso requer que se busquem os motivos que geraram esta situação de desinteresse (PAIS, 2002, p. 81);
• outras rupturas acontecem porque os alunos tendem a buscar uma forma mais conveniente (para eles) de solucionar os problemas ou são incapazes de reconhecer que tipo de situação problema lhes foi colocada. Em um exemplo
clássico: pede-se ao aluno que fatore 4x2 - 36x ; ele responde:
4x2 − 36x = 4x2 − 2(2.9)x + 92 − 92
= (2x − 9)2 − 92
= (2x − 9 + 9)(2x − 9 − 9)
= 2x(2x −18)(XXXXXXXXXX, 2005, p. 64),
o professor certamente não pode dizer que o aluno errou, mas vê aí o “rompimento” do que esperava acontecer;
• um exemplo de ruptura causada pelo professor é quando ele apresenta uma postura pedagógica que não condiz com o seu papel de orientador das situações de aprendizagem, como por exemplo: quando o professor “perde a paciência” e passa a aplicar retaliações ao aluno, ou quando usa do próprio saber para aplicar essa retaliação (PAIS, 2002, p. 82).
Por outro lado, podemos citar os professores que arriscam romper o contrato didático que está em jogo durante suas aulas e propõem (intencionalmente) situações-problema cuja solução não está explícita, ou propõem problemas que não tem solução, com a finalidade de que os alunos resolvam os problemas sozinhos, mudem seus hábitos diante de situações inéditas e também compreendam os saberes de maneira autônoma.
Como veremos da análise do trabalho de Xxxxxxx (1995) e de Xxxxxxx (1998), existem diferentes encaminhamentos para o contrato didático, alguns que caminham para o êxito da relação didática e outros que atrapalham o processo de aprendizagem.
4 Contribuições de Xxxxxxx e Xxxxxxx sobre o conceito de contrato didático
Antes de iniciarmos a explanação dos textos de Xxxxxxx (1995) e Xxxxxxx (1998), consideramos importante ressaltar o porquê da escolha destes autores.
Primeiramente, buscamos na CAPES por todos os trabalhos acadêmicos que mencionavam o termo contrato didático e depois procuramos por algum texto que fizesse uma crítica construtiva a esse conceito. Após encontrarmos 36 trabalhos, não nos cabendo aqui fazer uma análise de todos eles, selecionamos a tese de Xxxx Xxxxxxx – Compreensão das situações multiplicativas elementares (1995) – e o artigo de Xxxxxxx – Assimilação Solidária: escola, mais-valia e consciência cínica (1998) – , o primeiro por se tratar de uma pesquisa rica em detalhes e o segundo por fazer uma crítica ao enfoque dado por Xxxxxxxxxx (1986)5 e Xxxxxxx (2002) no que se refere ao conceito de contrato didático alicerçado pela tríade professor-aluno-saber.
Dessa forma, iniciamos o estudo sobre o conceito de contrato didático seguindo duas vertentes: uma que examina o contrato didático sob a tríade
5 XXXXXXXXXX, X. & XXXXXXXX, X. (1986) Pour une analyse didactique de l'évaluation. IREM d'Aix-Marseille.
professor-aluno-saber – a de Franchi – e outra que apresenta mais elementos que interferem na relação didática – a de Xxxxxxx.
Em sua tese Xxxxxxx abordou conceitos da didática francesa, como o de contrato didático, referenciando seu precursor na área da didática da matemática – Xxx Xxxxxxxxx. Além disso, para a análise desse contrato, Xxxxxxx (1995) buscou aportes teóricos que traziam uma discussão sobre as questões culturais, afetivas e pragmáticas– consideradas para ela elementos que implicam diretamente no processo de ensino-aprendizagem6.
Tal pesquisa foi baseada em observações e propostas de atividades que uma professora da 4ª série de uma escola pública de São Paulo aplicou em dado período quando trabalhava com as operações multiplicativas.
Observando o contrato didático existente nesta sala de aula, Xxxxxxx percebeu que a professora encontrava-se conformada com a incompreensão dos alunos sobre o assunto que estudavam; relacionamos este episódio a uma ruptura do contrato didático.
A docente da turma da 4ª série propunha situações-problema formuladas pelos seus alunos, como a seguinte: “Eu estava com 353 bolinhas. Em quatro vezes ganhei o mesmo tanto. Com quantas bolinhas fiquei se perdi 449?” (FRANCHI, 1995).
Analisando essa questão, Franchi notou que nem mesmo a professora soube propor uma reformulação do enunciado para que o problema fosse resolvido. Tal exercício já de início rompia o contrato didático, pois como faltavam dados no problema, isso se tornou um obstáculo para os alunos e para a professora, revelando a inabilidade da docente para lidar com situações imprevisíveis.
A pesquisadora observou ainda que a professora encorajava alguns alunos a resolver no quadro as questões que acertavam. Entretanto, quando outros erravam ou não faziam de acordo ao esperado pela professora, ela só pedia para que apagassem e tentassem de outra forma e estes, por sua vez, esperavam passivamente pela confirmação da professora. Entendemos que as atitudes dos
6 Concordamos com ela que ao “regular” os estudos com enfoque estritamente cognitivo não consideramos outros fatores tão importantes quanto. Por isso mesmo devemos partir da premissa que ao analisar um contrato didático – sua ruptura e estabelecimento – ou outro fator da didática, devemos pensar o ser humano como um ser biológico, social, afetivo e cognitivo.
alunos não eram autônomas, mas reagiam ao discurso da professora, mostrando um contrato didático “ditatorial”7.
Para Xxxxxxx (1995, p.70) essas limitações derivam mais de uma situação ritualizada do que de uma possível inabilidade no manejo do discurso pelos interlocutores.
Além da passividade em esperar pelas respostas, os alunos não eram desafiados a pensar sobre os “entremeios” dos problemas. A professora da turma apresentava situações que não atingiam uma reflexão considerável sobre as operações fundamentais. Eram exercícios em que o enunciado já trazia um encadeamento das respostas exigidas, os alunos não precisavam interligar ideias em tais atividades.
Xxxxxxx (1995) também verificou que as representações culturais e pragmáticas dos alunos os levavam a interpretar os problemas como peças narrativas da linguagem corrente e concluiu que essas representações é que se interpunham entre o ato de interpretar e o de compreender os reais significados matemáticos (FRANCHI, 1995, p. 88). A professora da turma, por sua vez, preferia dar a resposta aos alunos que confundiam os enunciados, levando assim a uma ruptura no contrato – já que o ideal seria discutir com os estudantes as possíveis respostas para uma dada questão e, não respondê-la antecipadamente.
A exemplo disso, citamos um exercício elaborado e resolvido por um aluno descrito no trabalho de Xxxxxxx: “Comprei 20 bolinhas e meu tio falou que ia comprar o dobro. E meu amigo tem 47, quantas bolinhas ficarei? Quem tem mais bolinhas? Resolução (20 x 2 = 40; 47 – 40 = 7) (FRANCHI, 1995, p. 97).
A autora comenta:
Pedi-lhe que lesse o problema e que relesse a primeira pergunta: “essa pergunta tem sentido?” E a resposta do aluno foi:
“Sim (...) porque meu tio ia dar pra mim o dobro que ia comprar das minhas, mais o vinte que eu já tinha” (XXXXXXX, 1995, p. 97).
Sobre exercícios que podem causar diferentes interpretações fazemos duas considerações:
7 Usaremos da palavra ditatorial para os contratos em que o comportamento do professor é autoritário; contratos em que o professor decide tudo sozinho dando ordens a todo o momento, não permitindo aos alunos exporem suas opiniões.
• Um professor atento ao rompimento de um contrato didático em que até então só se trabalhava com problemas sem sentido para os alunos, pode usar de exercícios que geram diferentes interpretações e daí retirar informações que lhe propiciem elaborar enunciados mais relacionados à vida dos alunos e ao mesmo tempo inerentes à matemática;
• Quando há diferentes interpretações pelos alunos sobre os exercícios da aula, o professor não deveria responder prontamente ao exercício. O recomendável seria abrir um diálogo com a turma ou com cada aluno em particular, pois os alunos não detectam a confusão que fazem e também não podem reafirmar uma postura de esperar pelas respostas certas.
A escola que ignora ou não compreende que as condições de interpretação dos alunos trazem outras referências – como as culturais, afetivas, etc –, não favorece uma reflexão sobre a natureza dos textos didáticos. Nesse caso, “o aluno tenta aderir ao contrato didático a sua maneira; comporta-se de maneira acrítica frente às tarefas de matemática, não as tomando como uma atividade intelectual de produção de processos de pensamento”. (FRANCHI, 1995, p. 105).
Verificamos, segundo as conclusões de Xxxxxxx (1995), que a valorização dos referenciais dos alunos, a forma que pensavam e que encaravam as situações- problema eram descartadas pelo contrato didático imposto – rígido e mal conduzido pela professora da escola e que só após a intervenção da pesquisadora que problemas diferentes foram propostos, discutidos em detalhes e explorados coletivamente.
Notamos que há resistência para o rompimento de contratos didáticos que já se configuram há anos numa sala de aula, mas é preciso vigilância e prontidão para quando se deve mudar.
Sobre essas resistências, Xxxxxxx (1998) apresenta uma ideia sobre os contratos didáticos que nos faz entender o porquê delas acontecerem, mostrando ainda que para romper os contratos outros elementos, além daqueles já comentados, devem ser considerados.
5 Para além de um contrato didático
De acordo com Xxxxxxxxx (2008) a constituição do contrato didático decorre do resultado da relação que envolve três elementos essenciais: professor, aluno e
saber. Mas para Xxxxxxx (1998) existe um momento em especial que essa relação agrega ainda outros fatores impactantes que perturbam a harmonia do contrato didático.
Segundo Xxxxxxx (1998), o contrato que permeia as avaliações é estruturado por algumas cláusulas que dizem respeito ao tratamento com os saberes, como por exemplo: o que se deve estudar para a prova, qual será o critério de correção, qual o nível das questões, etc. (XXXXXXX, 1998, p. 3); como também, estruturam-se numa lógica interna que norteia algumas regras da sala de aula, tais como: número e as datas das provas, a quantidade de ajuda que pode ser obtida do professor durante a prova, a existência de provas em segunda chamada, a revisão da prova, a possibilidade de aula de revisão com a esperada dica para a prova, o critério de aprovação (nota mínima) (BALDINO, 1998, p. 3-4).
Dessa forma, Xxxxxxx (1998) observa que o contrato didático como o que é proposto por Xxxxxxxxxx (1986) e Xxxxxxx (2002) não abrange todos os fatores que “regulamentam” o funcionamento didático; para ele, algo além da tríade professor- aluno-saber interfere em tal funcionamento.
Poderíamos citar como exemplo o caso de alunos que pouco ou nada aprenderam durante um ano letivo, mas acabam passando de ano na disciplina. Isso quer dizer que outros critérios intervêm na relação didática e, consequentemente, na avaliação.
Além dessa questão e de uma lógica interna que rege algumas regras na sala de aula, Xxxxxxx (1998) ainda nos apresenta outra importante observação: a de que há oposição de interesses entre professor e alunos quando se referem ao trabalho com os saberes, ou seja, o professor quer apenas executar sua obrigação, trabalhando o menos possível para isso – ele ensina, mas se o aluno aprendeu... fica para um próximo professor se preocupar; o aluno, por sua vez, quer um bom currículo sem muito esforço, não está interessado na aprendizagem – poderíamos citar a frase: o professor xxxxx que xxxxxx e o aluno finge que aprende e, nessa farsa, tudo se resolve.
Sintetizando essas ideias para nosso contexto, diríamos que:
• o professor, nesse modelo, não está interessado se o aluno aprendeu; a ele interessa cumprir seu planejamento, a ementa e o cronograma;
• o aluno, segundo essa concepção, sabe que está na escola para aprender, que ao se esforçar terá um bom currículo e consequentemente melhores condições no futuro, mas constantemente “negocia” com o professor pela “menor quantia possível” de saberes a serem aprendidos, ou seja, o aluno quer o êxito sem precisar trabalhar muito para isso.
Nesse processo professor e aluno não se interessam pela qualidade do trabalho, mas o executam em função da “subsistência diária”.
Ora, sendo esse o condicionamento escolar, como haveria aprendizagem de conteúdos escolares?
Para reverter esse quadro, Xxxxxxx (1998) apresenta o contrato didático como fenômeno em que se deveria considerar a noção de sujeitos livres em uma sociedade livre para pactuarem sob as mesmas condições às regras do jogo escolar, rompendo as “farsas” presentes. Sua ideia é a de não limitar a avaliação ou atividades escolares sob a ótica de “medição” de saberes, mas ir além disso; examinar todos os fatores que podem levar o aluno a aprender ou não, inclusive considerando que o aluno sempre estará buscando melhores resultados na escola esforçando-se o menos possível para isso.
Sobre além do contrato didático, julgamos essas considerações necessárias para repensarmos o nosso modelo de ensino.
6 Considerações finais
A partir da leitura e análise dos trabalhos referenciados anteriormente, averiguamos que o contrato didático funciona como “organizador de papeis a serem desempenhados”, ou seja, a partir dele ficam definidas, implicitamente, quais as obrigações/tarefas dos professores e quais as dos alunos, tendo em vista a aprendizagem.
Entretanto, um contrato didático não está imune aos contratempos que surgem da fragilidade da relação didática. Dizemos, nesse caso, que o contrato didático pode romper-se; são as rupturas do contrato.
Resumindo, poderíamos dividir essas rupturas em dois grupos: as positivas e as negativas. As positivas:
• quando o professor considera o tempo de aprendizagem do aluno e não somente o seu tempo de ensino;
• quando o professor leva os alunos a compreenderem que pode haver mais de uma solução para uma questão, inclusive que pode não haver solução, rompendo assim o pensamento “tradicional” de que só existem soluções únicas;
• quando o aluno passa a questionar o professor é porque enxerga nesse personagem um mediador dos conhecimentos e não apenas um “impositor” de ideias; etc.
Sobre as rupturas negativas, poderiam ser aquelas em que:
• o professor sabe que é preciso ensinar, mas só ensina quando quer;
• o aluno sabe que está na aula para trabalhar pela sua aprendizagem, essa é uma das suas obrigações diante do contrato didático, mas ao contrário disso, só dá respostas erradas para atrapalhar a aula;
• o professor sabe que sua tarefa é deixar o aluno aprender sozinho, porém, não tem paciência, responde todas as questões propostas ao aluno;
• o professor não testa as questões destinadas aos alunos e quando menos espera também não sabe respondê-las e, desse modo, a ruptura do contrato se dá porque na concepção ideal o professor sempre sabe tudo.
Acreditamos que este estudo serve de alerta aos professores de todos os níveis sobre a existência do contrato didático e a necessidade de rompê-lo nas situações em que já não ocorre a construção de conhecimentos pelos alunos.
7 Referências
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