CONJUNTO DE DIRETRIZES AO INVESTIDOR IMOBILIÁRIO NO CONTRATO BUILT TO SUIT COM REFORMA SUBSTANCIAL DO IMÓVEL PELO FUTURO OCUPANTE
CONJUNTO DE DIRETRIZES AO INVESTIDOR IMOBILIÁRIO NO CONTRATO BUILT TO SUIT COM REFORMA SUBSTANCIAL DO IMÓVEL PELO FUTURO OCUPANTE
São Paulo 2023
CONJUNTO DE DIRETRIZES AO INVESTIDOR IMOBILIÁRIO NO CONTRATO BUILT TO SUIT COM REFORMA SUBSTANCIAL DO IMÓVEL PELO FUTURO OCUPANTE
Monografia apresentada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Especialista em Real Estate
– Economia Setorial e Mercados MBA-USP
Orientador:
Prof. Dr. Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx
São Paulo 2023
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação-na-publicação
Xxxxx, Xxxxx Xxxxxx e
Conjunto de diretrizes ao investidor imobiliário no contrato built to suit com reforma substancial do imóvel pelo futuro ocupante / B. T. Silva -- São Paulo, 2023.
181 p.
Monografia (MBA em Economia setorial e mercados, com ênfase em Real Estate) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Poli-Integra.
1.Real estate 2.Operação built to suit 3.Reforma substancial 4.Diretrizes 5.Investidor imobiliário I.Universidade de São Paulo. Escola Politécnica. Poli Integra II.t.
Aos meus pais (in memoriam) pelos ensinamentos e a presença amorosa durante o tempo em que estivemos juntos em vida; e à minha amada esposa pelo apoio incondicional e a compreensão no dia a dia.
Ao Prof. Dr. Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx pelos ensinamentos compartilhados durante o curso, bem como pela compreensão, gentileza e disponibilidade durante todo o processo de orientação desta monografia.
À Profa. Dra. Abla Maria Proência Akkari, pelos ensinamentos e as trocas durante o curso, que me permitiram escolher o gerenciamento de riscos como uma das ferramentas para o desenvolvimento deste trabalho.
À Profa. Dra. Xxxxx Xxxxxxx Porto, pelos ensinamentos e as trocas durante o curso, bem como pela sugestão da realização das entrevistas com especialistas em operações built to suit, que se mostraram úteis para complementar e qualificar o conjunto de diretrizes resultante deste trabalho.
A todos os professores do MBA, especialmente pelos desafios enfrentados e superados na árdua tarefa do ensino remoto imposto pelas circunstâncias do período da pandemia de Covid-19.
À BSP Empreendimentos Imobiliários, na pessoa do Sr. Xxxxxx Xxxxxx, pelo incentivo, confiança e as trocas durante o desenvolvimento deste trabalho.
Aos profissionais que participaram das entrevistas realizadas no curso deste trabalho, pela oferta de seus conhecimentos e as experiências compartilhadas durante as sessões de entrevistas.
Aos funcionários do apoio administrativo da Poli-USP, aqui representados na pessoa do Sr. Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, pelo tempo dedicado aos alunos do MBA em todas as questões operacionais e a disponibilidade em nos auxiliar no dia a dia.
Aos amigos que fiz durante o MBA, Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxx, pelo tempo dedicado aos trabalhos desenvolvidos ao longo do curso, as trocas de experiências e o bom-humor para enfrentar os desafios de conciliar as agendas profissionais com o MBA.
No Brasil, o contrato built to suit recebeu tratamento legal a partir da introdução do artigo 54- A, na Lei n.º 8.245, de 18 de outubro de 1991, pela Lei n.º 12.744, de 19 de dezembro de 2012. Uma das novas possibilidades de operações built to suit amparadas pelo artigo 54-A, da Lei n.º 8.245, de 18 de outubro de 1991, é a reforma substancial de imóvel contratada e conduzida pelo futuro ocupante, em imóvel de propriedade do investidor imobiliário. Esta monografia tem por objetivo o estabelecimento de um conjunto de diretrizes ao investidor imobiliário em operação built to suit com reforma substancial do imóvel contratada e conduzida pelo futuro ocupante, voltadas à prevenção, mitigação ou transferência de riscos econômicos, financeiros e jurídicos, que possam ser adotadas como respostas a possíveis ameaças negativas que se apresentem a esse investidor nas seguintes fases dessa espécie de operação built to suit: pré-contratual; de negociação e formalização do contrato; e de administração do contrato firmado. Para tanto, como metodologia, utilizou-se o estudo de caso de um contrato built to suit firmado entre uma rede varejista e um empreendedor imobiliário, que teve por objeto a operação built to suit com reforma substancial do imóvel contratada e conduzida pelo futuro ocupante – a rede varejista – em imóvel de propriedade do investidor imobiliário, para, a partir da aplicação de métodos de gerenciamento de riscos, extrair-se a base da construção do citado conjunto de diretrizes. Passados 10 anos da introdução do artigo 54-A, na Lei n.º 8.245, de 18 de outubro de 1991, conclui-se que esse comando legal conferiu maior segurança jurídica às relações nele alicerçadas e abriu portas para novas formas de estruturação de operações built to suit, sendo que o conjunto de diretrizes estabelecido nesta monografia, tendo por objeto uma de suas novas modalidades de operações built to suit, mostra-se útil aos investidores imobiliários para a construção de planos de gerenciamento de riscos em operações built to suit com reforma substancial do imóvel pelo futuro ocupante, especialmente na prevenção, mitigação ou transferência de riscos econômicos, financeiros e jurídicos, que possam afetar a rentabilidade ou colocar em xeque a segurança jurídica desses investidores.
Palavras chaves: Operação built to suit. Reforma substancial. Gerenciamento de riscos. Diretrizes. Investidor imobiliário.
In Brazil, the built-to-suit contract received legal treatment from the introduction of article 54- A, in Law No. 8245, of October 18, 1991, by Law No. 12744, of December 19, 2012. One of the new possibilities for built-to-suit operations supported by article 54-A of Law no. 8,245, of October 18, 1991, is the retrofit of a property contracted and carried out by the future tenant, in a property owned by the real estate investor. This monograph aims to establish a set of guidelines from the perspective of this investor in a built-to-suit operation with retrofit of the property contracted and carried out by the future tenant, aimed at preventing, mitigating or transferring economic, financial and legal risks, that can be adopted as responses to possible negative threats presented to the real estate investor, in the following phases of this type of built-to-suit operation: pre-contractual; negotiating and formalizing the contract; as well as the contract administration. For that, as a methodology, we used the case study of a built-to-suit contract signed between a retail company and a real estate developer, which has as its object a built-to-suit operation with retrofit of the property contracted and conducted by the future tenant
– the retail chain –, in property owned by the real estate investor, in order to, from the application of risk management methods, extract the basis for the construction of the mentioned set of guidelines. Ten years after the introduction of article 54-A, in Law nº 8.245, of October 18, 1991, it was concluded that this legal command provided greater legal certainty to the relationships based on it and opened the door to new ways of structuring built-to-suit operations, and the set of guidelines presented in this monograph, having as object one of these new types of built-to-suit operations, proves to be useful to real estate investors and their advisors for the construction of risk management plans in built-to-suit operations with retrofit of the property by the future tenant, especially in the prevention, mitigation or transfer of risks that could affect profitability or jeopardize the legal security of these investors.
Keywords: Built-to-suit operation. Retrofit. Risk management. Guidelines. Real estate investor.
Quadro 1 – Melhorias sugeridas nas entrevistas 113
Quadro 2 - Diretrizes na fase pré-contratual da Operação Inovadora 120
Quadro 3 - Diretrizes na fase de negociação e celebração da Operação Inovadora 122
Quadro 4 – Diretrizes na fase de administração da Operação Inovadora 129
Quadro 5 – Plano de respostas aos riscos identificados no estudo de caso 158
Figura 1 - Transações bancárias 2021: volume por tipo de canal 14
Figura 2 - Comércio varejistas: estabelecimentos abertos por trimestre em 2021 15
Figura 3 - Síntese da Metodologia 20
Figura 4 – Contrato Varejista-Investidora | Linha do Tempo 68
Figura 5 – Síntese das principais condições do contrato Varejista-Investidora 88
AVCB Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros BTS Built to Suit
CNC Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo CNO Cadastro Nacional de Obra
CRI Certificado de Recebíveis Imobiliários Delloite Delloite Touche Tohmatsu Limited EBI Empreendimentos de Base Imobiliária
EEL Empreendimentos de Escritórios para Locação EI Empreendimentos Imobiliários
FEBRABAN Federação Brasileira de Bancos FGV Fundação Xxxxxxx Xxxxxx
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IGP-M Índice Geral de Preços - Mercado
INCC-DI Índice Nacional de Custo de Construção - Disponibilidade Interna INSS Instituto Nacional do Seguro Social
IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo ISS Imposto Sobre Serviços
SFH Sistema Financeiro da Habitação
SFI Sistema de Financiamento Imobiliário
1. INTRODUÇÃO 12
1.1 Contextualização do tema 12
1.2 Objetivo 17
1.3 Metodologia empregada 17
1.4 Estruturação do Trabalho 21
2. DESENVOLVIMENTO 23
2.1 Os empreendimentos de base imobiliária 23
2.1.1 Conceito de EBI 23
2.1.2 Os ciclos do EBI 24
2.2 Operações built to suit (BTS) 27
2.2.1 Contexto evolutivo das operações BTS no Brasil 27
2.2.2 Conceito de contrato BTS e sua característica de atipicidade 31
2.2.3 O art. 54-A da Lei de Locações 36
2.2.4 Aspectos polêmicos da operação BTS 39
2.2.4.1 O termo “reforma substancial” 39
2.2.4.2 O relativismo do caráter intuito personae após a Lei n.º 12.744/2012 42
2.2.4.3 A multa por denúncia antecipada do contrato BTS 44
2.2.4.4 A renúncia ao direito à revisão da remuneração 48
2.2.4.5 Garantias contratuais na operação BTS 51
2.2.4.6 Os recebíveis da operação BTS: securitização versus vedação à compensação 54
2.2.4.7 Equilíbrio econômico-financeiro do contrato BTS 57
2.3 Gerenciamento de riscos 59
3. ESTUDO DE CASO 64
3.1 O caso objeto de análise 65
3.2 Dados obtidos do contrato entre a Varejista e a Investidora 68
3.3 Análise dos dados obtidos do contrato: enfoque no investidor imobiliário 89
3.3.1 Identificação e categorização dos riscos 90
3.3.2 Entrevistas com especialistas em operações BTS 110
3.3.3 Estruturação do plano de respostas aos riscos identificados 115
4. O CONJUNTO DE DIRETRIZES AO INVESTIDOR IMOBILIÁRIO 118
4.1.1 Seção I - Fase pré-contratual da Operação Inovadora 119
4.1.2 Seção II - Fase de negociação e celebração da Operação Inovadora 121
4.1.3 Seção III – Fase de administração da Operação Inovadora 129
5. CONCLUSÃO 132
5.1 Considerações finais 132
5.2 Recomendações para futuros trabalhos 134
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 135
APÊNDICE A – REGISTRO DAS SESSÕES DE ENTREVISTAS 141
APÊNDICE B – PLANO DE RESPOSTAS DE RISCOS 157
1. INTRODUÇÃO
Em cenários econômicos desafiadores, como o enfrentado, por exemplo, por proprietários de imóveis quando ocorrem movimentos de devolução de imóveis por segmentos da economia que passam por reestruturação do seu modelo de negócio, a opção por novas formas de estruturação de operações imobiliárias se apresenta como uma das alternativas para a requalificação dos imóveis, no intuito de recolocá-los em novo ciclo operacional e, por conseguinte, reduzir a vacância gerada por esses movimentos.
Como se demonstra a seguir, a operação built to suit de reforma substancial do imóvel conduzida e contratada pelo futuro ocupante, em ativo de propriedade do investidor imobiliário, é uma dentre as alternativas de negócios imobiliários que se apresentam àqueles proprietários em cenários econômicos desafiadores.
1.1 Contextualização do tema
Tomando-se o setor bancário como exemplo de um dos segmentos da atividade econômica que passam por remodelação do seu modelo de negócio, percebe-se, no decorrer dos últimos anos, um quadro de crescimento das operações eletrônicas (internet banking, mobile banking) e do uso de novos meios de transações financeiras (o PIX, especialmente), bem como de gradativo aumento da concorrência a partir do surgimento dos denominados bancos digitais e fintechs e de iniciativas das autoridades voltadas à promoção dessa concorrência, tais como o Open Finance1 e o Cadastro Positivo2.
O cenário de transformação do setor bancário brasileiro foi refletido pela pesquisa FEBRABAN de Tecnologia Bancária 20223, elaborada em conjunto pela Federação dos Bancos do Brasil (FEBRABAN) e a Delloite Touche Tohmatsu Limited (Delloite). Essa pesquisa trouxe como principais constatações:
1 Segundo a definição do Banco Central do Brasil (BACEN) em sua página na Internet, o Sistema Financeiro Aberto ou simplesmente Open Finance “é a possibilidade de clientes compartilharem seus dados cadastrais e transacionais entre instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central, bem como terem acesso a serviços relacionados a pagamentos e à contratação de operações de crédito no âmbito do ecossistema.” (BACEN, disponível em: <xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxxxxxx/xxxx_xxxxxxx>; acessado em: 12 de nov. 2022)
2 Corresponde ao banco de dados com informações de adimplementos relacionados a contratações de crédito (empréstimos, financiamentos, crediários) por pessoas naturais e jurídicas, instituído pela Lei n.º 12.414, de 9 de junho de 2011.
3 FEBRABAN e DELLOITE. Pesquisa FEBRABAN de Tecnologia Bancária 2022. Volume 3: Transações bancárias. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx.xx/Xxxxxxxx/xxxxxxxxxx/XXX/xxxxxxxx-xxxxxxxx- 2022-vol-3.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2022.
a) o fato de que, no ano de 2021, sete a cada dez operações bancárias foram feitas por meio de canais digitais;
b) o expressivo aumento do uso do PIX (crescimento de 809% entre março de 2020 e março de 2021);
c) o incremento do mobile banking na abertura de contas correntes (66% de crescimento frente ao ano de 2020) e como meio de contratação de produtos e serviços financeiros; e
d) a sinalização de maior aderência das pessoas físicas em relação ao compartilhamento de seus dados via Open Finance (18% de aumento em comparação ao ano de 2020).
Adicionalmente, percebe-se que, paulatinamente, vem se modificando o tradicional modelo de negócio estruturado em agências bancárias – geralmente localizadas em lojas de rua ou shopping centers, formadas por grandes espaços físicos dedicados ao atendimento dos clientes e ao suporte das operações administrativas dessas agências –. É o que se observada a partir da demonstração do processo de encerramento de agências bancárias pelas cinco maiores instituições financeiras do país, no período entre dezembro de 2017 e dezembro de 2022 (Tabela 1).
Tabela 1 – Agências encerradas pelos 5 maiores bancos no Brasil (dez/17 – dez/22)
Instituições Financeiras
Agências Ativas
Agências Encerradas
dez/17 | dez/18 | dez/19 | dez/20 | dez/21 | dez/22 | Saldo | Acumulado | |
Banco Bradesco S.A. | 4745 | 4612 | 4474 | 3391 | 2947 | 2864 | (1.881) | (39,70%) |
Banco do Brasil S.A. | 4770 | 4722 | 4356 | 4368 | 3980 | 3983 | (787) | (16,50%) |
Banco Santander (Brasil) S.A. | 2656 | 2681 | 2731 | 2758 | 2588 | 2572 | (84) | (3,20%) |
Caixa Econômica Federal | 3394 | 3375 | 3373 | 3372 | 3372 | 3372 | (22) | (0,70%) |
Itaú Unibanco S.A. | 3339 | 3331 | 2966 | 2841 | 2844 | 2534 | (805) | (24,20%) |
Total | 18904 | 18721 | 17900 | 16730 | 15731 | 15325 | (3.579) | (19,00%) |
Fonte: o autor a partir de dados do BACEN.4
Associando-se os números trazidos na Tabela 1 aos resultados da pesquisa patrocinada pela FEBRABAN e Delloite, denota-se que o processo de fechamento de agências bancárias pelos cinco maiores bancos do Brasil acompanha o movimento de alteração da forma pela qual os clientes das instituições financeiras passaram a lidar com os canais digitais, cada vez mais demandados em comparação aos meios tradicionais (agências bancárias, correspondentes bancários e contact centers), como se observa da Figura 1.
4 Disponível em: <xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/xxxx/xxxxxxxx.xxx?xxxxxx0>. Acesso em: 26 fev. 2022.
Figura 1 - Transações bancárias 2021: volume por tipo de canal.
Fonte: FEBRABAN e Delloite.5
Nesse sentido, tomando-se por referência a mudança por que passa o setor bancário no Brasil, conclui-se que movimentos de reestruturação dos modelos de negócios por segmentos de atividade empresarial, que tragam em seu cerne a diminuição da demanda por espaços físicos e o incremento do uso de tecnologias que substituam o atendimento presencial, tendem a gerar a gradual devolução de imóveis antes alugados por esses segmentos da atividade econômica e, por conseguinte, impõem aos proprietários desses imóveis o desafio de buscarem novas formas de requalificação de seus ativos, de maneira a reinseri-los em novo ciclo operacional, que seja capaz de gerar as rendas recorrentes a que estão vocacionados.
Por outro lado, esses movimentos também podem revelar uma janela de oportunidade para a acomodação dos interesses de novos locatários, que intencionem se posicionar nos imóveis até então ocupados por outros segmentos econômicos. Foi o que se viu, por exemplo, no setor varejista após o período mais agudo da pandemia de Covid-19.
Em contraposição ao ocorrido no setor bancário, o comércio varejista retomou a abertura de lojas em 2021, com mais de 200 mil novos estabelecimentos no acumulado desse ano, como
5 Pesquisa FEBRABAN de Tecnologia Bancária 2022. Volume 3: Transações bancárias. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx.xx/Xxxxxxxx/xxxxxxxxxx/XXX/xxxxxxxx-xxxxxxxx-0000-xxx-0.xxx>. Acesso em: 12 nov. 2022.
revelou a Pesquisa – Balanço de estabelecimentos comerciais em 2021, publicada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)6.
Figura 2 - Comércio varejistas: estabelecimentos abertos por trimestre em 2021
Fonte: CNC. Pesquisa – Balanço de estabelecimentos comerciais em 2021.7
Assim, tendo por paradigmas os movimentos havidos nos setores bancário e varejista, infere-se que novos modelos e formas jurídicas de estruturação de negócios imobiliários ganham relevância como ferramentas úteis não apenas aos proprietários de imóveis para a requalificação de seus ativos e reinserção em novo ciclo operacional, como também aos potenciais novos ocupantes que busquem se posicionar em imóveis antes alugados a outras parcelas da atividade empresarial.
Neste contexto, a operação BTS de reforma substancial do imóvel sob responsabilidade do futuro ocupante do imóvel se apresenta como uma dentre as alternativas factíveis para conciliar os interesses do proprietário de requalificar o seu ativo e auferir as rendas recorrentes derivadas da locação de seu imóvel e do futuro ocupante de deter uma loja especialmente adaptada ao seu negócio, mas sem imobilizar capital na compra de um imóvel em tais condições.
Outrossim, a convergência dos interesses do investidor e do futuro ocupante passa invariavelmente pela formatação de negócios que harmonizem as expectativas econômicas e financeiras das duas partes, com a necessária segurança jurídica e legal, bem como o alcance
6 CNC. Pesquisa – Balanço de estabelecimentos comerciais em 2021. Publicado em 07/03/2022. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxx-xx-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxxxxxxx-xx- 2021/416463>. Acessado em: 12 nov. 2022.
7 Ibidem.
dos benefícios econômicos e financeiros que cada contraparte espera extrair de suas posições no negócio entre elas alinhavado.
Xxxxxxxx, desde a edição da Lei n.º 12.744, de 19 de dezembro de 2012 (“Lei n.º 12.744/2012”), que alterou a Lei n.º 8.245/1991, de 18 de outubro de 1991 (“Lei de Locações”), para nela prever as operações BTS em seu art. 54-A, o contrato built to suit se apresenta como fator de estabilização das relações entre investidores e ocupantes de imóveis sustentados em operações BTS, especialmente pelo fato de o novo comando legal privilegiar a preservação do núcleo econômico-financeiro desse contrato, correspondente ao direito do investidor de receber o retorno do investimento.
Nesse sentido, Xxxxxxxx (2016), louvando a alteração introduzida pela Lei n.º 12.744/2012 na Lei de Locações, conclui que essa modificação legal atendeu aos anseios dos agentes do mercado imobiliário, notadamente ao apaziguar questões como o direito à renúncia da revisão trienal da remuneração e permitir que a multa por rompimento contratual seja arbitrada em patamar não excedente a soma das remunerações devidas até o termo final do contrato.
Além de ter contribuído para um ambiente de maior previsibilidade e segurança ao investidor a partir da introdução de disposições legais que preservam o núcleo econômico- financeiro da operação BTS, Grotti e Piza (2019) destacam que o art. 54-A, da Lei de Locações, ampliou as hipóteses de operações BTS para além da clássica operação em que há, necessariamente, a compra do terreno ou imóvel e subsequente construção ou reforma do imóvel pelo investidor, para atender ao interesse do futuro ocupante de deter um imóvel personalizado à sua atividade empresarial.
Dentre as modalidades de operações BTS que encontram amparo no art. 54-A, da Lei de Locações, reside a reforma substancial de imóveis contratada e conduzida pelo futuro ocupante, em imóvel de propriedade do investidor imobiliário.
Como dito, essa nova modalidade de operação BTS se apresenta como uma das opções aos proprietários de imóveis para a colocação em novo ciclo operacional dos imóveis devolvidos por locatários de segmentos afetados por transformações em seu modelo de negócio. Contudo, há pouca literatura acerca da operação built to suit com reforma substancial do imóvel pelo futuro ocupante.
Nesse sentido, diante do cenário do possível incremento do emprego dessa nova modalidade de operação BTS e considerada a escassez de estudos acadêmicos que a tenha por objeto, o presente trabalho explora a operação BTS com reforma substancial do imóvel pelo
futuro contratante sob o enfoque do investidor – proprietário desse imóvel –, tendo por escopo o estabelecimento de um conjunto de diretrizes que sirva de guia aos diferentes perfis de investidores imobiliários – conservador, moderado ou arrojado –, para a prevenção, mitigação e transferências de riscos econômicos, financeiros e jurídicos, a que esses investidores estão sujeitos na operação BTS em comento.
1.2 Objetivo
O objetivo desta monografia é o estabelecimento de um conjunto de diretrizes sob o enfoque do investidor imobiliário na operação BTS consubstanciada na reforma substancial de imóvel contratada e conduzida pelo futuro ocupante, em imóvel de propriedade desse investidor, voltadas à prevenção, transferência ou mitigação dos potenciais riscos econômicos, financeiros e jurídicos a que ele se sujeita neste negócio imobiliário, limitando-se, porém, aos eventos que possam causar impactos negativos ao investidor imobiliário na mencionada espécie de operação BTS.
O referido conjunto de diretrizes foi subdivido em três seções:
a) seção I: trouxe as diretrizes aplicáveis à fase pré-contratual da operação BTS de reforma substancial de imóvel pelo contratante e futuro ocupante do imóvel;
b) seção II: apresentou as diretrizes recomendadas para a fase de negociação e celebração do contrato que sustenta a referida operação BTS; e
c) seção III: abordou as diretrizes para a fase de administração do citado contrato. Para que fosse possível o desenvolvimento do conjunto de diretrizes em questão,
adotou-se a metodologia detalhada a seguir.
Pontue-se que, deste ponto em diante da monografia, para fins de simplificação, adotou- se a expressão “Operação Inovadora” para designar a operação BTS consubstanciada na reforma substancial de imóveis contratada e conduzida pelo futuro ocupante, em imóvel de propriedade do investidor imobiliário, de sorte que, doravante, sempre que a referida expressão for empregada estar-se-á fazendo referência a essa modalidade de operação BTS.
1.3 Metodologia empregada
A metodologia adotada nesta monografia foi o estudo de caso.
O estudo de caso, segundo Xxxxx (2013), concentra-se no conhecimento do particular, ou seja, no interesse do pesquisador de destacar uma unidade de estudo, sendo que Xxx (2005) apud Assuit (2016) o define como “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto de vida real”.
Em adição, como xxxxxx Xxxxxxx (1999), a relevância do método do estudo de caso também está no estímulo a novas investigações sobre o tema objeto do estudo, não havendo, por conseguinte, o seu exaurimento no estudo de caso.
Dessa forma, o estudo de caso desenvolvido no presente trabalho não teve a pretensão de ser uma pesquisa exploratória que identificasse e esgotasse a análise de todos os riscos passíveis de ocorrência em um Operação Inovadora, mas sim de servir de insumo e alicerce para o alcance do objetivo desta monografia.
Feito esse esclarecimento, o estudo de caso foi desenvolvido da seguinte maneira:
a) análise de um contrato de Operação Inovadora, celebrado entre uma rede varejista na posição de contratante e futura ocupante do imóvel e uma empresa de investimento e administração de EBI na condição de investidora e proprietária do imóvel8;
b) extração dos dados necessários à identificação, categorização e elaboração do plano de respostas aos riscos que se apresentem ao investidor em uma Operação Inovadora, tendo por insumo a análise descrita na alínea anterior;
c) emprego do método de gerenciamento de risco preconizado na 6ª edição (2017) do Guia PMBOK9, sendo desenvolvidas exclusivamente as etapas de: identificação e categorização dos riscos derivados da análise do contrato objeto do estudo de caso; e elaboração do plano de respostas a esses riscos;
8 Uma vez que a literatura acerca da Operação Inovadora ainda é escassa e que os contratos built to suit em regra não são levados a registro pelas partes para a preservação de dados e informações sigilosas, o autor não logrou identificar um universo de contratos que permitisse um espectro mais abrangente de elementos de pesquisa e, portanto, a construção de análises qualitativas e quantitativas dos riscos identificados e categorizados no estudo de caso.
9 Esclareça-se que a versão mais atual do Guia PMBOK é a sua 7ª edição (2021). Contudo, para o presente trabalho, optou-se por utilizar a 6ª edição (2017) do referido Guia, pelo fato desta edição oferecer, de maneira encadeada, um grupo de etapas para o estabelecimento do gerenciamento de riscos em um projeto, característica que melhor se amolda ao fim a que se destinou o estudo de caso, ou seja, a construção de um plano de respostas aos riscos identificados e categorizados a partir da amostra analisada no referido estudo, que serviu de fundamento para o conjunto das diretrizes que resultou desta monografia. Para melhor compreensão dessa opção, remete-se o leitor à seção 2.3, deste trabalho.
d) como procedimento validador e complementar do referido plano de respostas, foram realizadas sessões de entrevistas qualitativas para a coleta de percepções e sugestões de quatro profissionais com experiência em operações BTS; e
e) por fim, elaborou-se o plano de respostas de riscos, de maneira a contemplar, na sua versão final, o resultado obtido nas sessões de entrevistas, de sorte que as sugestões e ajustes recomendados pelos entrevistados foram assinalados no referido plano com o acréscimo da letra “E” entre parênteses – (E) –, de maneira a identificá- los como produto dessas sessões.
Em seguida, sustentado no estudo de caso desenvolvido, nas sessões de entrevistas com aqueles especialistas e na experiência do autor como assessor jurídico em operações BTS, estabeleceu-se o conjunto de diretrizes ao investidor imobiliário em Operação Inovadora10, observando-se a sua estruturação em três seções assim detalhadas:
a) seção I – fase pré-contratual: compreendeu as diretrizes cuja implementação pelo investidor imobiliário, como mecanismo de resposta a possíveis ameaças negativas ao projeto imobiliário sustentado na Operação Inovadora, deva ser providenciada no curso da etapa pré-contratual dessa operação, em especial aquelas voltadas aos cuidados prévios com a regularidade física, documental e ambiental do imóvel, bem como a certificação de que a reforma a ser empreendida é de natureza substancial;
b) seção II – fase de negociação e celebração contratual: trouxe o conjunto de diretrizes relacionadas à negociação e celebração do contrato built to suit da Operação Inovadora, que possam ser aplicadas pelo investidor e seus assessores nessa fase da referida operação, em especial para o resguardo da higidez formal, jurídica e legal desse contrato, a proteção do seu núcleo econômico-financeiro e o adequado tratamento das potenciais ameaças negativas que possam se fazer presentes no curso da vigência da Operação Inovadora; e
c) seção III – fase de administração contratual: apresentou o conjunto de diretrizes relacionadas aos mecanismos de administração dos direitos e obrigações assumidas no contrato firmado como o futuro ocupante, com a sugestão de meios de monitoramento e gestão desse contrato ao longo de sua vigência, no intuito de mitigar ou atenuar, em boa medida, os efeitos dos potenciais eventos que possam
10 Torna-se imperioso esclarecer que o contrato objeto do estudo de caso possui particularidades em comparação ao tradicionalmente praticado em operações BTS. Todavia, o conjunto de diretrizes entregue nesta monografia não ficou restrito a essas particularidades, de sorte que, tendo por base a experiência do autor como assessor jurídico em operações BTS e os resultados extraídos das entrevistas com os especialistas em operações dessa natureza, essas diretrizes ultrapassaram as especificidades daquele contrato.
levar o investidor a perdas financeiras e afetar a rentabilidade do investimento realizado.
Faz-se relevante destacar que também o conjunto de diretrizes contou com as contribuições colhidas nas sessões de entrevistas com os especialistas em operações BTS, razão pela qual igualmente se utilizou da adição da letra “E” entre parênteses – (E) –, nas seções desse conjunto, para identificar as diretrizes que contaram com essas contribuições.
Por fim, apresentou-se a conclusão desta monografia, momento em que foi retomado o seu objetivo central, os resultados e contribuições alcançados neste estudo, os desafios enfrentados no seu desenvolvimento e, ainda, as recomendações do autor para futuros estudos que tenham a Operação Inovadora.
Frise-se, ainda, que as abordagens trazidas a partir das referências bibliográfica acerca dos EBI, das operações BTS em geral e do gerenciamento de riscos serviram para respaldar tanto as análises feitas durante o estudo de caso, quanto o próprio conjunto de diretrizes entregue nesta monografia e as considerações finais apresentadas no encerramento do trabalho.
A figura a seguir sintetiza a metodologia empregada neste trabalho.
Figura 3 - Síntese da Metodologia
Fonte: o autor.
1.4 Estruturação do Trabalho
Esta monografia foi estruturada em quatro capítulos, a seguir detalhados.
Inicia-se no capítulo 2 com as abordagens das referências bibliográficas, subdivididas da seguinte forma:
a) seção 2.1: abordou os EBI, tendo por enfoque a sua conceituação e a dinâmica dos ciclos dos EBI, evidenciando-se a sua correlação com as operações BTS na hipótese em que o comando prévio do futuro ocupante é o fator motivacional do investimento feito na construção, reforma ou aquisição do EBI;
b) seção 2.2: abrangeu os aspectos formais e legais da estruturação das operações BTS, passando pela contextualização evolutiva das operações BTS no Brasil, o estabelecimento da linha do tempo das operações BTS em termos legais e jurídicos e a abordagem dos estágios prévio e posterior à Lei n.º 12.744/2012; o estudo do alcance do art. 54-A, da Lei de Locações, a partir da análise pormenorizada do referido artigo de lei e dos elementos que caracterizam a operação BTS, bem como da sua abrangência e delimitação; e os aspectos jurídicos controversos que podem afetar a Operação Inovadora; e
c) seção 2.3: abordou o conceito de gerenciamento de riscos, o seu objetivo e as etapas do gerenciamento de riscos desenvolvidas pelo autor ao longo do estudo de caso.
Em seguida, no capítulo 3, foi desenvolvido o estudo de caso, alicerçado na análise de um contrato firmado entre uma rede varejista (futuro ocupante) e uma empresa atuante no segmento de EBI (investidor imobiliário), que tem por objeto a Operação Inovadora. Nesse capítulo, os objetivos foram:
a) a extração dos dados necessários para a categorização e identificação dos potenciais riscos a que se submete o investidor em uma Operação Inovadora;
b) a elaboração do plano de respostas a esses riscos – que serviu de alicerce ao conjunto de diretrizes desenvolvido neste trabalho –;
c) a identificação, no referido plano de respostas, em qual ou quais fases da Operação Inovadora é recomendável que as respostas aos mencionados riscos sejam implementadas pelo investidor, ou seja, se nas etapas: pré-contratual; de negociação e celebração do contrato dessa operação; ou de administração dos direitos e obrigações decorrentes do contrato da Operação Inovadora; e
d) a coleta de impressões e sugestões de especialistas em operações BTS, obtidas em sessões de entrevistas qualitativas, no intuito de validar e complementar o plano de respostas de risco que serviu de base para o conjunto de diretrizes ao investidor imobiliário em Operação Inovadora.
Em sequência, no capítulo 4, desenvolveu-se o conjunto de diretrizes, sob o enfoque exclusivo do investidor imobiliário na Operação Inovadora, que se mostra como um guia de medidas de prevenção, mitigação ou transferência de riscos econômicos, financeiros e jurídicos, que possam se apresentar como ameaças negativas a esse investidor, especialmente sob o aspecto da rentabilidade do investimento realizado e da segurança jurídica do contrato que tenha essa operação por objeto.
Por fim, no capítulo 5, foi presentada a conclusão do trabalho, que, partindo da retomada do objetivo da monografia e dos passos percorridos para o alcance desse objetivo, aborda as conclusões obtidas e os desafios enfrentados no desenvolvimento do trabalho.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Os empreendimentos de base imobiliária
Os empreendimentos resultantes de uma Operação Inovadora se situam no âmbito dos chamados empreendimentos de base imobiliária (EBI), de sorte que a sua conceituação e a exploração dos chamados ciclos dos EBI são aspectos que contribuem para a melhor compreensão da Operação Inovadora e, por corolário, o desenvolvimento do estudo de caso e do conjunto de diretrizes construído nesta monografia.
2.1.1 Conceito de EBI
Segundo Xxxxx Xxxx, Xxxxxxx e Xxxxxxx (2011), os empreendimentos no real estate se subdividem em empreendimentos imobiliários (EI) e empreendimentos de base imobiliária (EBI).
Os EI, em síntese, são os empreendimentos do real estate em que o investidor emprega capital, próprio ou captado de terceiros, na edificação do ativo imobiliário com o objetivo de vendê-lo. O exemplo clássico de EI são os edifícios de apartamentos destinados à venda ao público em geral. (XXXXX XXXX; XXXXXXX; XXXXXXX, 2011).
De outro lado, os EBI são os empreendimentos do real estate nos quais o empreendedor investe recursos, próprios ou captados de terceiros, na edificação ou reforma do ativo imobiliário ou na compra do empreendimento pronto para operar, com o escopo de auferir renda recorrente com a exploração do ativo imobiliário edificado, reformado ou adquirido. Os edifícios de escritórios para locação são o exemplo mais rotineiro de EBI, mas também estão compreendidos nessa categoria os complexos hoteleiros, os galpões industriais ou logísticos e os shoppings centers. (XXXXX XXXX; XXXXXXX; XXXXXXX, 2011).
Portanto, a Operação Inovadora se situa no âmbito dos EBI, uma vez que o investidor, nessa operação, provocado pelo futuro ocupante, investe na reforma substancial do imóvel com o objetivo de obter a renda recorrente pactuada com o contratante da Operação Inovadora.
2.1.2 Os ciclos do EBI
Xxxxx Xxxx (1994) revela que os ciclos do EBI são compreendidos pelas etapas de formatação, implantação, operação e exaustão do EBI.
Nas lições do citado autor, os ciclos do EBI são assim caracterizados:
CICLO DE FORMATAÇÃO – Compreende o período em que se estrutura o empreendimento, formulando o produto e seu projeto, o planejamento para produção e preparando o suporte legal para seu desenvolvimento.
CICLO DE IMPLANTAÇÃO – Fase de construção e equipamento do imóvel, além das contratações relacionadas com a exploração do empreendimento, que poderão ser locações, arrendamentos, ou outros serviços mais complexos e especializados.
CICLO DE OPERAÇÃO – O empreendimento é explorado, atendendo o objetivo para o qual se construiu o imóvel. Neste ciclo, entende-se que o imóvel mantém sua capacidade de ser explorado, gerando renda num padrão de desempenho estável, usando-se, para sua conservação e “up grading”, recursos recolhidos da receita operacional para um fundo de reposição de ativos, que se exaure ao final do ciclo.
PERÍODO DE EXAUSTÃO – O empreendimento só pode continuar a ser explorado se, no início do ciclo, forem promovidos investimentos para reciclagem do imóvel, no sentido de que seja capaz de se manter proporcionando renda num padrão de desempenho equivalente ao ciclo anterior, mantido o critério de constituição do fundo de reposição de ativos. (XXXXX LIMA, 1994, p. 12 [extraído da fig. 2])
Faz-se imperioso ressaltar, todavia, que nem todo investidor em EBI escolhe passar pelos quatro ciclos do EBI, isto porque, no intuito de ser proprietário de um ativo imobiliário gerador de rendas recorrentes, o investidor em EBI, como visto, dispõe de duas opções: (i) alocar o capital na formatação e implantação do EBI11; ou (ii) empregar o capital na compra de EBI pronto e acabado.
A escolha por uma ou outra daquelas opções, naturalmente expõe o proprietário do EBI a riscos distintos e a análises da qualidade do investimento que não se confundem, uma vez que o investimento em EBI não deve ser percebido como uma operação única, como observam Xxxxx Xxxx, Xxxxxxx e Xxxxxxx (2011, p. 383-384):
i. Implantar para deixar pronto para operar é um empreendimento cujo risco se concentra em prazos e custos de implantação e na arbitragem de uma capacidade de penetração no mercado para geração de renda, que só será comprovada ao final da
11 No caso da Operação Inovadora objeto do estudo de caso, é importante destacar que o imóvel já é de propriedade do investidor, assim o investimento correspondente à reforma substancial se apresenta como uma requalificação do ativo de propriedade do investidor. Contudo, esse investimento não decorreu de movimento especulativo para recolocar o EBI a mercado em novo ciclo operacional, e sim para atender ao comando prévio do futuro ocupante de deter o imóvel nas condições resultantes da reforma substancial do imóvel e, por conseguinte, o investimento foi condicionado a esse comando.
implantação (podemos considerar um prazo agressivo de três anos desde a decisão de investir até a possibilidade de entrar no mercado para competir na locação dos espaços).
ii. Operar o edifício com o propósito de auferir renda regular significa outro empreendimento, que tem início com um investimento definido (preço do edifício comprado ou valor dos investimentos aplicados na implantação) e ocorre em um ciclo longo de 20 anos.
Nesse sentido, cada ciclo do EBI comporta exposição de riscos próprios e, por consequência, devem ser ponderados pelo investidor em EBI vis-à-vis ao prêmio de retorno que ele considera adequado para remunerar o seu capital frente ao nível de risco a que está disposto a correr. Ao abordar uma das espécies de EBI, no caso, os chamados edifícios de escritórios para locação (EEL), Porto (2010, p. 61-62) sintetiza tais riscos da seguinte forma:
Os riscos associados aos edifícios de escritórios para locação podem ser classificados em três grupos:
(i) Riscos macroeconômicos: relacionados a eventos políticos, sociais ou econômicos ou à política monetária, por exemplo, alterações na taxa de juros e na taxa cambial, inflação.
(ii) Riscos setoriais e de inserção urbana: referentes à relação entre a oferta e demanda na região onde está inserido o empreendimento, à legislação relacionada às atividades do setor e aos demais fatores locais que podem impactar os valores de locação ou o valor dos ativos, como por exemplo, alterações da estrutura viária, alterações da legislação de zoneamento, entre outros.
(iii) Riscos próprios do ativo: relacionados à competitividade do edifício em relação aos demais no seu entorno, sua idade, condições tecnológicas, entre outros fatores específicos do edifício em relação ao seu conjunto competitivo. No caso de incorporação ao portfólio de edifícios em fase de desenvolvimento e implantação, cabe considerar também os riscos advindos da construção.
Em se tratando do grau de risco, o ciclo de formatação do EBI é, dentre os demais ciclos desta espécie de empreendimento do real estate, o de menor exposição para o investidor, pois envolve, como se vê da doutrina de Xxxxx Xxxx (1994), atividades pré-implantação que, em regra, não reclamam grandes dispêndios de recursos pelo investidor.12 Porém, o mesmo não pode ser dito do clico de implantação.
Sendo a etapa em que estão concentradas a construção ou reforma do imóvel e a aquisição dos equipamentos que integrarão o EBI, o ciclo de implantação expõe o investidor a diversos fatores de risco, tais como: (i) a inflação dos custos de produção; (ii) os desafios inerentes da obra, que vão desde a seleção da construtora – idealmente com comprovada
12 Em negociações de operações BTS, a etapa de formatação do produto e dos projetos, comumente, é regrada em instrumentos jurídicos prévios ao contrato de locação BTS – normalmente, memorando de entendimentos ou side letter – ou nas condições precedentes do próprio contrato BTS, admitindo-se o desfazimento do negócio até a submissão do projeto construtivo à aprovação da autoridade municipal, mediante a reposição pelo contratante dos custos comprovadamente incorridos ou comprometidos (parcelas ainda não vencidas de obrigações já assumidas, por exemplo) pelo contratado na fase de formatação do EBI.
capacidade técnica e financeira para empreendimentos do porte de um EBI – ao relacionamento e gestão de fornecedores diversos – mão de obra, serviços e fornecimentos de materiais e equipamentos –; (iii) as incertezas de etapas dependentes do poder público – notoriamente custosa e morosa no Brasil – ; (iv) riscos de engenharia; (v) fatores macroeconômicos – inflação de insumos; aumento da taxa básica de juros com pressão sobre a disponibilidade e o custo do financiamento à produção –; e (vi) a administração dos marcos contratuais assumidos com o futuro ocupante do EBI, que, se não cumpridos ou cuidadosamente administrados ou repassados no contrato de construção, podem penalizar o retorno do investimento em decorrência da aplicação de sanções contratuais derivadas do atraso na entrega do EBI ou de concessões que o investidor precise fazer para manutenção do contrato – extensão de carências e compensações ao futuro ocupante, por exemplo – .
Cumprida a etapa da implantação do EBI, entra-se no ciclo operacional. Nesse estágio, como se dessume das palavras de Xxxxx Xxxx, Xxxxxxx e Xxxxxxx (2011), o EBI, pronto e acabado, cumpre o escopo de ser fonte das rendas recorrentes objetivadas pelo investidor do EBI, materializadas por contratos de locação que geram obrigações de pagamento de aluguéis pelo ocupante do EBI, respeitado o prazo acordado de locação.
No ciclo operacional, o investidor em EBI conviverá com circunstâncias que poderão afetar positiva ou negativamente os seus resultados, a depender do momento econômico, da natureza do contrato de locação e de aspectos mercadológicos – região de inserção do EBI e sua qualidade frente aos EBI concorrentes, por exemplo –, como se obtém das citadas lições de Porto (2010).
Assim, fatores como os ciclos de revisão do aluguel13, a possibilidade de denúncia antecipada da locação pelo locatário, o risco de inadimplência deste e, não menos importante, os ciclos do real estate (recuperação, expansão, excesso de oferta e recessão) influenciarão, positiva ou negativamente, o preço do aluguel e as taxas de ocupação do EBI ao longo do seu ciclo operacional e, por consequência, terão efeitos sobre o retorno do investimento.
13 Para afastar a confusão comum aos que atuam no mercado imobiliário, mas que não são próximos da ciência jurídica, vale jogar luz ao fato de que as partes, de comum acordo, podem rever o valor do aluguel a qualquer tempo para ajustá-lo a mercado, e não apenas no prazo trienal da revisional do aluguel. Da interpretação conjugada dos artigos 18 e 19, da Lei de Locações (BRASIL, 1991, [s.p.]), extrai-se duas conclusões: (i) locador e locatário, de comum acordo, podem fixar novo aluguel a qualquer tempo; e (ii) não havendo consenso entre as partes, impõe- se o limitador do prazo trienal para revisões a mercado do valor de locação. Na primeira hipótese, reside o consenso das partes, enquanto na segunda o dissenso levará o locador (se o valor de locação a mercado estiver em alta) ou o locatário (se o valor de locação estiver em baixa) a promover a chamada ação revisional de aluguel, esta sim submetida ao prazo trienal.
Por fim, o ciclo de exaustão do EBI coincide com o momento que reclamará do investidor o emprego de capital na requalificação do EBI, de maneira a mantê-lo atrativo e capaz de gerar um novo ciclo operacional, em patamares semelhantes ao ciclo operacional anterior. O maior ou menor grau de exposição do investidor nesse momento do ciclo do EBI depende especialmente de como o EBI foi mantido ao longo do ciclo operacional anterior e da presença ou não de ativos concorrentes, aspectos que podem levar o proprietário do EBI a investir em uma requalificação de maior ou menor extensão, empregando, respectivamente, maior ou menor quantidade de capital para tanto.
Assim, sendo a Operação Inovadora uma das fontes de EBI, conclui-se que o investidor dessa modalidade de operação built to suit deve estar atento aos riscos próprios dos ciclos do EBI, de maneira a adotar diretrizes de gerenciamento desses riscos voltadas, especialmente, à prevenção, mitigação ou transferência de ameaças negativas que possam afetar o retorno do investimento, bem como à adequada formalização da relação jurídica entre o investidor e o futuro ocupante do EBI, de maneira que encontre a devida segurança para o tratamento das questões que lhe são caras e o correto mecanismo de pesos e contrapesos nos momentos em que necessitar fazer uso de suas proteções contratuais e legais.
2.2 Operações built to suit (BTS)
Como dito alhures, a Operação Inovadora se apresenta como uma dentre as modalidades de operação BTS que resultaram do aprimoramento do ambiente legal e jurídico dos contratos built to suit no país, notoriamente a partir da introdução do art. 54, na Lei de Locações, pela Lei n.º 12.744/2012.
Assim, a abordagem histórica e conceitual da operação BTS no Brasil, bem como o estudo do alcance do artigo legal que a fundamenta e dos seus aspectos polêmicos, apresentam- se como exercício preliminar e necessário para as análises feitas ao longo do estudo de caso e a construção do conjunto de diretrizes ao investidor imobiliário que atua no segmento da Operação Inovadora.
2.2.1 Contexto evolutivo das operações BTS no Brasil
Com registros de origem norte-americana e introdução em território nacional a partir da segunda metade da década de 1990 (BENEMOND, 2015; MARZAGÃO, 2016; XXXXXX e
PIZA, 2019), o contrato built to suit e, por consequência, as relações jurídicas a ele inerentes colocaram os agentes econômicos subordinados à nova modalidade contratual em um ambiente de incertezas e insegurança, que naturalmente se verifica nos momentos iniciais do emprego de novas formas de estruturação de negócios.
Em situações como esta, ou seja, em que algo parece não se amoldar ao cenário pré- existente, há o movimento natural de se buscar na nova modalidade negocial traços que permitam enquadrá-la ou ao menos conformá-la em parte às estruturas legais e jurídicas já conhecidas.
No Brasil, com os negócios imobiliários fundamentados em contratos built to suit não foi diferente, como destaca Marzagão (2016, p. 120):
Desse modo, em face da realidade da introdução das operações de Built-to-suit no cenário econômico brasileiro, coube aos operadores jurídicos identificar as normas jurídicas de nosso ordenamento que refletissem a operação em si, criando um ávido debate sobre a natureza jurídica do Built-to-suit, especialmente no que tange a esse contrato configurar uma locação, talvez com características especiais, ou efetivamente uma relação jurídica atípica, consoante o permissivo legal do art. 425 supracitado.
Sustentando-se apenas em um dos aspectos que compõem a complexa relação que se forma a partir do contrato built to suit, os agentes econômicos e os operadores do direito logo se apressaram a enquadrá-lo como uma espécie de locação especial e, como tal, surgiram debates acerca da sua submissão ou não à Lei de Locações, bem como, se submetido, em que proporção os aspectos próprios da locação não residencial tradicional seriam aplicáveis à nova modalidade contratual. (MARZAGÃO, 2016)
Assim, temas comuns à locação tradicional de imóveis não residenciais foram trazidos à baila em negociações sustentadas no contrato built to suit, dentre eles a limitação da multa pela quebra contratual por parte do locatário, o direito à revisão do aluguel a cada ciclo de três anos, a vedação da cobrança antecipada de aluguéis e a limitação das espécies de garantias e sua não cumulatividade.
Nessa senda, apesar do amadurecimento das operações BTS desde a sua introdução aos negócios imobiliários no país e de decisões judiciais que paulatinamente confirmavam o caráter de atipicidade das locações derivadas do contrato built to suit, referida modalidade contratual ainda convivia com a desconfiança das partes contratantes, especialmente dos investidores, que viam o reflexo da insegurança jurídica e legal na casual aplicação de aspectos próprios da locação típica aos negócios alicerçados na operação BTS e o risco do equilíbrio econômico- financeiro do contrato ser rompido por eventuais revisões judiciais que inadvertidamente não
confirmassem o seu caráter de atipicidade, bem como deixassem de privilegiar o respeito às condições livremente pactuadas entre o investidor e o futuro ocupante14 (NEGRÃO, SARMENTO; QUINAN, 2019).
Esse cenário de incertezas e insegurança foi em boa medida superado no apagar das luzes do ano de 2012, quando, aos dezenove dias do mês de dezembro do referido ano, foi publicada a Lei n.º 12.774, que introduziu pontuais, porém relevantes, modificações na Lei de Locações.
Neste ponto, traz-se os dois artigos centrais da Lei n.º 12.744/2012, para que, a partir deles, seja possível extrair os aspectos que foram fonte de apaziguamento das questões centrais que até então jogavam sombra sobre a segurança das operações BTS no Brasil.
Art. 2º O caput do art. 4º da Lei n.º 8.245, de 1991, passa a vigorar com a seguinte redação:
‘ Art. 4º Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2º do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.
.................................................................................... (NR)’
Art. 3º A Lei n.º 8.245, de 1991, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 54-A:
‘Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.
§ 1º Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.
§ 2º Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.
§ 3º (VETADO).’ (BRASIL, 2012, [s.p.] – grifos nossos)
Retomando os aspectos inerentes às locações tradicionais que, no início das operações BTS no Brasil, eram fonte de inquietudes aos que se aventuravam na celebração de negócios imobiliários dessa natureza e considerado o texto legal acima reproduzido, tem-se que as mudanças processadas na Lei de Locações pela Lei n.º 12.744/2012 resultaram no reconhecimento:
14 Como forma de atenuar o risco da revisão judicial do contrato built to suit, era comum, antes da entrada em vigor da Lei n.º 12.744/2012, que as partes optassem pela eleição da arbitragem como meio de solução de disputa, confiando no fato de que a câmara arbitral, formada por árbitros com reconhecida expertise sobre o negócio imobiliário built to suit, tenderiam a confirmar a sua atipicidade e, por conseguinte, a não submissão aos comandos da Lei de Locações que desarranjam o equilíbrio econômico-financeiro da operação BTS.
a) da atipicidade dos negócios imobiliários built to suit, na medida em que, expressamente, o legislador reafirmou a liberdade contratual das partes nas negociações envolvendo operações BTS15;
b) da faculdade de renúncia ao direito de revisão das remunerações pactuados no contrato built to suit – medida de inegável efeito para o sentimento de maior segurança às partes contratantes, pois permite ao futuro ocupante, em boa medida, provisionar sua obrigação de longo prazo e ao investidor confere a guarida legal de que o retorno do seu investimento não será alcançado pela típica revisão trienal do aluguel presente nos contratos tradicionais de locação; e
c) da possibilidade de fixação da multa por denúncia antecipada do contrato built to suit em patamar que garanta ao investidor o recebimento da somatória das remunerações devidas até o termo final do contrato, condição legal que igualmente contribuiu para atenuar o temor da não proteção do retorno do seu investimento.
Portanto, a despeito de o legislador não ter solucionado de forma explícita todas as questões controversas do contrato built to suit16, não se pode negar que a lei avançou na proteção do núcleo econômico-financeiro do contrato built to suit, que reside no investimento feito pelo contratado-investidor para atender ao comando prévio e vinculante do contratante-ocupante (AMATUZZI, 2019), posto que, de maneira explícita, jogou luz sobre a liberdade contratual das partes, o direito à renúncia da revisão trienal das remunerações e o direito à fixação da multa por rompimento prematuro do contrato built to suit em patamar correspondente à somatória do saldo vincendo das remunerações devidas pelo contratante-ocupante.
Nesse sentido, a despeito das críticas dos que consideram não adequada a opção da introdução dos princípios basilares das operações BTS na Lei de Locações, uma vez que o contrato built to suit não compreende exclusivamente uma locação, não se pode refutar que, a partir da Lei n.º 12.774/2012, boa parte das inquietações dos investidores imobiliários foi satisfatoriamente dirimida com o art. 54-A, da Lei de Locações, o que serviu para a consolidação de um ambiente de negócios mais seguro para os que se utilizam do contrato built
15 Deve ser dito, por necessário, que a liberdade contratual não deve ser entendida de forma dissociada dos princípios gerais do contrato, especialmente a boa-fé contratual, e da necessária observância das regras gerais de validade de qualquer negócio jurídico (agente capaz, forma prescrita ou não defesa em lei e objeto lícito), bem como, no caso das operações built to suit sustentadas no art. 54-A, da Lei de Locações, do necessário respeito às regras procedimentais contidas na referida lei.
16 Algumas delas serão objeto de análise pormenorizada na seção 2.2.4, dedicada aos aspectos polêmicos das operações BTS, pois servirão de base para a construção do conjunto de diretrizes ao investidor imobiliário em Operação Inovadora.
to suit na estruturação de investimentos no segmento de EBI, o que alcança, por consequência, a Operação Inovadora.
2.2.2 Conceito de contrato BTS e sua característica de atipicidade
Antes de se avançar na exploração do alcance do art. 54-A, da Lei de Locações, e dos pontos polêmicos que envolvem as operações BTS no Brasil, faz-se prudente dar um passo anterior no sentido da conceituação do que venha a ser o contrato built to suit e sua natureza atípica.
Historicamente, a chamada operação imobiliária built to suit surgiu do interesse de indústrias ou empresas em ocupar instalações físicas bastante específicas e diferenciadas, com o escopo de transferir ou ampliar seus negócios, sem, contudo, promover a imobilização do seu capital produtivo na aquisição e construção da nova unidade produtiva ou sede. (NEGRÃO; XXXXXXXX; QUINAN, 2019; CILLI apud BENEMOND, 2015).
Dentro do espectro clássico da operação BTS, somava-se o caráter intuito personae, que se transmutava em construções ou adaptações personalíssimas, de maneira que a nova unidade produtiva não seria útil a quase nenhuma outro ocupante que não propriamente quem a encomendou ao investidor imobiliário. (MARZAGÃO, 2016)
Dessa forma, a clássica noção de contrato built to suit compreendia, em regra17, as seguintes etapas:
a) o futuro ocupante inicialmente definia o imóvel objeto de interesse, incluindo a localização, área e as condições físicas e tecnológicas que a futura unidade produtiva ou sede deveria ter para atender às condições especiais de seu negócio, com características personalíssimas;
b) o futuro ocupante, diretamente ou por meio de terceiros, identificava e selecionava o investidor imobiliário;
c) o imóvel era adquirido pelo investidor imobiliário após aprovação do futuro ocupante;
d) o desenvolvimento e aprovação do projeto de construção da nova unidade produtiva ou sede, em regra, acontecia com a participação das duas partes;
17 Frise-se que, neste ponto, o trabalho se dedica aos momentos iniciais das operações BTS, de sorte que as variações que ela assumiu ao longo da sua evolução, especialmente em terras brasileiras, foram abordadas na seção 2.2.1, desta monografia, que tratou da evolução dessas operações após a entrada em vigor da Lei n.º 12.744/2012.
e) a construção da nova unidade produtiva ou sede era conduzida pelo investidor imobiliário, que o fazia diretamente ou por meio de construtora especialmente contratada para este fim – o mais comum –;
f) concluída a obra, o investidor imobiliário entregava ao futuro ocupante a nova unidade produtiva ou sede em locação de longo prazo – usualmente, superior a 10 anos –, que passava a pagar, de acordo com a periodicidade acordada, a remuneração ajustada com o investidor, que, nas palavras de Marzagão (2016), possui natureza una e indivisível por comportar de, forma indissociável, a contraprestação pelo investimento realizado pelo proprietário do imóvel e o uso e gozo do imóvel objeto da faceta locatícia do contrato built to suit.
Frise-se que, após a entrada em vigor da Lei n.º 12.744/2012, alguns dos traços da clássica noção de contrato built to suit não estão presentes em todos os negócios nele alicerçados, sem que, contudo, deixem de ser considerados como tal e recebam a devida proteção do ordenamento jurídico vigente.
Elementos como o caráter intuito personae, a construção ou reforma associada à aquisição prévia do imóvel pelo investidor e mesmo o ato solitário do futuro ocupante acerca das definições de seu projeto, não mais se apresentam em todas as operações BTS.
Neste contexto, o moderno conceito de contrato built to suit deve compreender não apenas a clássica operação BTS – compra do imóvel e construção pelo investidor, com futura cessão do imóvel ao ocupante, nas condições por este previamente especificadas –, mas também as demais variações que surgiram ao longo da evolução dos negócios imobiliários built to suit no Brasil, em sintonia com o dinamismo que a eles foi conferido pelo legislador ao introduzir o art. 54-A, na Lei de Locações.
Todavia, Gomide (2020), de forma didática, contextualiza que para ser considerado um contrato built to suit há de se ter: (i) empreitada e locação18; ou (ii) compra e venda, empreitada e locação.19
18 A operação BTS objeto do estudo de caso é um exemplo de operação BTS fundamentada em empreitada com locação, ou seja, que prescindiu da compra do ativo, uma vez que o imóvel reformado já integrava o portfólio do investidor ao tempo da formalização do contrato built to suit.
19 À luz do art. 54-A, como melhor foi detalhado na seção 2.2.3, desta monografia, são admitidos outros negócios jurídicos como o sale-lease e o sale-leasebak, contudo, por faltar-lhes o elemento empreitada (construção ou reforma substancial do imóvel), sob o aspecto jurídico, não são considerados contratos built to suit, a despeito de gozarem das garantias que o referido comando legal confere em termos de prevalência da liberdade contratual das partes, da não revisão da remuneração acordada e da multa por denúncia antecipada em patamar que proteja o retorno do investimento realizado pelo adquirente do imóvel naqueles negócios imobiliários.
Após analisar diferentes conceitos sobre o contrato built to suit, Benemond (2015) adverte que o contrato built to suit é composto não apenas pela locação – elemento sempre presente, mas que não pode ser considerado como central e único deste negócio jurídico, como equivocadamente possam ser levados os que se deparam com o não raro emprego do termo “locação atípica” para qualificar o contrato built to suit –, mas também por outras relações jurídicas não menos importantes e que integram o complexo e multifacetário vínculo obrigacional que se estabelece entre o ocupante e o investidor nas operações BTS, a saber:
a) a empreitada, presente na etapa de construção ou reforma substancial do imóvel, como acentua Gomide (2020); e
b) a compra do imóvel, que também se faz presente em algumas operações BTS, a despeito de, como esclarece Benemond (2015), não ser mandatória a todas elas, uma vez que o imóvel objeto da empreitada pode integrar o acervo patrimonial do contratado ou mesmo ser de propriedade do futuro ocupante ou de terceiros – como quando, nesta hipótese, estrutura-se a operação BTS com a constituição do direito real de superfície ao investidor, e não propriamente com a compra do imóvel por este –.
Dessa forma, resumir a operação BTS a um mero contrato de locação não se coaduna com a complexidade das relações dele nascidas e tampouco oferece a correta compreensão do núcleo econômico-financeiro albergado nesta modalidade contratual (MARZAGÃO, 2016).
Enquanto na locação tradicional o equilíbrio econômico-financeiro do contrato está presente no pagamento do aluguel mensal devido exclusivamente pelo uso do imóvel, associado ao direito de revisão trienal do aluguel de maneira a mantê-lo em patamar de mercado; no contrato built to suit, esse equilíbrio se revela na necessária garantia de que a remuneração, a ser paga na periodicidade acordada entre as partes, mantenha-se estável por todo o período de uso do imóvel pelo contratante-ocupante, de maneira a assegurar ao contratado-investidor não apenas o recebimento da contraprestação pelo uso do imóvel, mas, principalmente, o retorno do investimento realizado em atendimento ao prévio interesse e comando do contratante- ocupante. (XXXXXX; XXXXXX, 2019; PRANDO; XXXX, 2019).
Outrossim, há de ser observado que findo o contrato built to suit ou se a condição de atipicidade do contrato built to suit se esgotar durante a sua vigência, a ocupação do imóvel pelo contratante sairá da esfera do art. 54-A, da Lei de Locações, e da liberdade contratual por ele resguardada, e passará ao espectro da locação tradicional, ou seja, à submissão do contrato de locação não residencial típico (CASTRO e RASSLAN, 2019).
De maneira a esgotar as características do contrato built to suit, há de ser perquirido se a referida modalidade contratual, após a entrada em vigor da Lei n.º 12.744/2012, manteve-se como um contrato atípico ou foi alçado à condição de contrato típico.
Inicialmente, é importante pontuar que para as ciências jurídicas um contrato é típico quando suas características e bases jurídicas estão substancialmente previstos em lei, de sorte que, a contrario sensu, atípicos são todos os contratos não regrados em lei e aqueles que, mesmo previstos em lei, não recebem da legislação o tratamento exaustivo a ponto de seu objeto e efeitos serem suficientes para conformar a relação jurídica estabelecida entre as partes. (BENEMOND, 2015)
Observado conceito de contrato típico, a tendência natural, após a inserção do art. 54- A, na Lei de Locações, pela Lei n.º 12.744/2012, seria considerá-lo como um contrato típico.
Todavia, como visto, os contratos built to suit conservam natureza complexa e multifacetária, encontrando-se, nessa modalidade contratual, a presença da empreitada, da locação e, algumas vezes, da compra do imóvel, que será objeto do desenvolvimento ou adaptação imobiliária para uso do futuro ocupante. Em face dessa natureza, Xxxxxxxx (2015) os classifica como contratos mistos, por conterem elementos próprios da empreitada e da locação, sem que haja a total simbiose desses tipos contratuais no contrato built to suit.
Ademais, a introdução do contrato built to suit na Lei de Locações, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12.744/2012, não foi capaz de exaurir em tratamento legal toda a multiplicidade das relações jurídicas próprias do contrato built to suit, uma vez que o art. 54-A, da Lei de Locações, limitou-se a: (i) permitir a renúncia ao direito de revisar a remuneração ajustada entre as partes; (ii) estipular o limite da multa em caso de denúncia antecipada do contrato built to suit ao valor correspondente a somatória das remunerações vincendas; e (iii) prever a necessidade de observância das regras procedimentos da Lei de Locações. (BENEMOND, 2015)
Quanto ao mais, preconiza Marzagão (2016) que o legislador privilegiou a liberdade contratual das partes em contratos built to suit, permitindo que elas, observados aqueles comandos mandatórios e as normas gerais do Código Civil, ajustem o clausulado que melhor se amolde ao negócio entre elas costurado.
Nessa senda, sem maiores embargos, conclui-se que o art. 54-A, da Lei de Locações, não esgotou o tratamento legal do contrato built to suit a ponto de transmutá-lo da esfera dos contratos atípicos para os típicos. Portanto, é possível afirmar que essa modalidade contratual mantém sua natureza de contrato atípico, com todos os benefícios que isto representa aos
contratantes, especialmente a liberdade de dispor e transigir em condições que tradicionalmente não encontrariam abrigo se estivessem sob a égide de um contrato típico de locação.
Em adição, no intuito de retirar qualquer sentimento de insegurança que possa trazer aos que não são afetos às ciências jurídicas, faz-se imperioso esclarecer que a ausência da previsão legal ou do exaurimento de seus contornos na lei não faz de um contrato atípico algo ilegal. Não por outra razão, o art. 425, do Código Civil, afirma a licitude de as partes estipularem contratos atípicos, observadas as normas gerais estabelecidas no referido diploma legal.
Nesse sentido, reconhecer a natureza atípica do contrato built to suit não configura uma fragilidade jurídica, e sim um aspecto de fortalecimento da prevalência das condições contratuais e da liberdade de pactuar das partes submetidas a essa modalidade contratual, o que é extremamente salutar a projetos que tenham como contrapartes empresas e a presença do desejo e necessidade das partes de fazer concessões e buscar alternativas atípicas que as levem à conformação dos seus interesses, como é o caso da aquisição, construção ou reforma de um EBI fundamentado em contrato built to suit.
Tendo por referências as abordagens anteriores, e a despeito do risco que envolve a construção de um conceito jurídico, pode-se conceituar, modernamente, o contrato built to suit como sendo o negócio jurídico bilateral, misto e atípico, em que o investidor-contratado, mediante prévia determinação do ocupante-contratante e para atender ao interesse deste, adquire, constrói ou reforma substancialmente, por si ou terceiros – que pode ser inclusive o contratante –, o imóvel especificado pelo ocupante-contratante – que pode ser previamente adquirido pelo investidor-contratado, integrar o seu patrimônio ou mesmo pertencer a terceiros (incluindo o ocupante-contratante) –, observando o projeto e demais condições de entrega aprovados pelo ocupante-contratante ou estabelecidos pelas partes, mediante o compromisso do ocupante-contratante de: (i) receber a posse do imóvel resultante da obra ou reforma substancial, realizada pelo investidor-contratado ou por terceiros, para dar-lhe o uso acordado com o investidor-contratado, pelo prazo estabelecido entre as partes; e (ii) pagar a remuneração, na periodicidade acordada, composta pela retribuição do retorno do retorno do investimento feito pelo investidor-contratado na compra, construção ou reforma substancial do imóvel e a contraprestação pelo uso e gozo do imóvel, durante toda a vigência do contrato built to suit.
2.2.3 O art. 54-A da Lei de Locações
Desde a entrada em vigor do art. 54-A, da Lei de Locações, muito se debate acerca do efetivo alcance desse dispositivo legal. Estaria ele limitado ao conceito tradicional do contrato built to suit ou teria o legislador ampliado o seu alcance a formas não ortodoxas de built to suit e até mesmo admitido outros negócios imobiliários além deste?
É o que se pretende ora esclarecer, especialmente porque o conjunto de diretrizes objeto desta monografia tem por destinação e fundamento uma operação built to suit que se sustenta na interpretação dos elementos do art. 54-A, da Lei de Locações, ou seja: a operação BTS consubstanciada na reforma substancial de imóvel de propriedade do investidor imobiliário, contratada e conduzida pelo futuro ocupante, que, nesta monografia, para fins de simplificação, adotou-se a expressão “Operação Inovadora” para designar essa espécie operação BTS .
Para tanto, é preciso dissecar a definição legal, para que sejam extraídos os elementos necessários às conclusões acerca do alcance do art. 54-A, da Lei de Locações.
Assim, tem-se:
Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei. (BRASIL, 1991 apud BRASIL, 2012, [s.p.] – xxxxxxx e grifo nossos)
A primeira das conclusões que se obtém da reprodução do artigo legal é que as operações built to suit de que tratam o art. 54-A, da Lei de Locações, estão restritas às locações não residenciais de imóveis urbanos. Por conseguinte, como pontuam Grotti e Piza (2019), estão fora de seu alcance negócios imobiliários que tenham por objeto a locação residencial e aquelas em que o imóvel esteja localizado em área não urbana.
Dessarte, operações BTS, por exemplo, de galpões logísticos ou plantas industriais com imóveis situados fora de áreas urbanas não terão por sustentação formal e jurídica um contrato alicerçado no art. 54-A, da Lei de Locações. Contudo, poderão ser estruturadas sob a forma de operações BTS ancoradas nas disposições da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2022 ou das leis especiais que tratam das locações rurais. (GROTTI; PIZZA, 2019)
A segunda conclusão que surge da letra do art. 54-A, da Lei de Locações, é que ao investidor é franqueado agir em três negócios distintos no objetivo de colocar à disposição do
futuro ocupante o imóvel que este especificou, quais sejam: (i) a aquisição do imóvel; (ii) a construção do imóvel; ou (iii) a sua reforma substancial20.
Neste ponto, é importante atentar para o fato de que os referidos negócios não necessariamente precisarão ocorrer de forma cumulativa para que haja o seu enquadramento no art. 54-A, da Lei de Locações. Grotti e Piza (2019) observam que o legislador, ao fazer o emprego da conjunção “ou”, conferiu o caráter de não cumulatividade à dicção legal “prévia aquisição, construção ou reforma substancial”, de sorte que a presença de qualquer desses elementos, ainda que de forma isolada, é suficiente para que a operação seja albergada pelo art. 54-A, da Lei de Locações, desde que atendidas as demais condições formais e legais circunscritas pelo citado dispositivo legal.
O caráter de não cumulatividade conferido pelo legislador ao elemento “prévia aquisição, construção ou reformar substancial do imóvel” acabou por dar maior dinamismo aos negócios imobiliários, permitindo estruturas que fogem ao conceito tradicional de operação BTS.
Referido dinamismo pode ser observado em operações em que: (i) o investidor já seja proprietário do imóvel de interesse do futuro ocupante e, por conseguinte, limita o seu investimento à construção ou reforma do imóvel – como é o caso da Operação Inovadora –;
(ii) o investidor sequer se torna o efetivo proprietário do imóvel, como na hipótese da operação BTS em que este adquire tão somente o direito real de superfície do imóvel objetivado pelo futuro ocupante, com o compromisso de promover, diretamente ou por meio de terceiros, a edificação sustentada no referido direito; ou (iii) o negócio se restringe à compra do imóvel pretendido pelo futuro ocupante, sem a obrigação de construção ou reforma pelo investidor, como, por exemplo, em contratos que resultem de movimentos de desmobilização de agentes econômicos que ofertam ao mercado a venda de seus imóveis, contra a obrigação de manterem locações de longo prazo e a fixação de multa por denúncia antecipada que preserva o investimento feito pelo investidor na compra destes imóveis21. (XXXXXX; PIZA, 2019).
20 O conceito de reforma substancial será objeto de análise específica na seção 2.2.4.1, por se tratar de uma das questões polêmicas surgidas da interpretação do art. 54-A, da Lei de Locações, e que tem correlação direta com a Operação Inovadora.
21 Esse exemplo de negócio imobiliário não se configura propriamente como uma operação BTS, pois o elemento construção ou reforma substancial não estão presentes. Todavia, como esclarecem Grotti e Pizza (2019), com espeque na conjunção “ou” presente no elemento “prévia aquisição, construção ou reforma substancial do imóvel” do artigo de lei objeto de nossa análise, as operações de sale-lease e sale-leaseback igualmente podem ser estruturadas com fundamento no art. 54-A, da Lei de Locações, conferindo ao investidor-comprador a segurança de que o seu investimento estará preservado em situações como o da denúncia antecipada da locação atípica pelo locatário-vendedor.
Outro ponto relevante na análise do art. 54-A, da Lei de Locações, relaciona-se à figura de quem pode avocar a responsabilidade pela prévia aquisição, construção ou reforma substancial do imóvel especificado pelo futuro ocupante.
Sobre este aspecto, como se vê da retro reprodução do texto legal, o legislador emprega a expressão “por si ou por terceiros” na sequência da dicção legal “prévia aquisição, construção ou reforma substancial” (BRASIL, 1991 apud BRASIL, 2012, [s.p.] – grifo nosso). Dessa forma, o comando legal autoriza que não apenas o investidor aja na aquisição, construção ou reforma substancial do imóvel, mas também terceiros, sendo que, dentre estes, está o próprio contratante da Operação Inovadora e futuro ocupante do imóvel nela especificado – como ocorreu no contrato objeto do estudo de caso desta monografia –.
Encerrando a análise do alcance do art. 54-A, da Lei de Locações, traz-se à luz o elemento da prévia especificação do imóvel pelo futuro ocupante.
De início, há de ser dito que a prévia especificação do imóvel pelo futuro ocupante é o elemento que permite segregar a operação BTS do universo da locação não residencial típica.
[...] onde estaria o núcleo que diferencia o Built-to-suit de uma mera locação e que justificaria as questões específicas do Built-to-suit, tais como a não aplicação da revisional e o pagamento do saldo dos aluguéis na hipótese de rescisão antecipada da locação?
Esse núcleo reside exatamente na relação econômica estabelecida entre as partes e que o operador do direito não pode olvidar no processo de subsunção da realidade dos fatos ao mundo do dever-ser jurídico. Há, de fato, uma relação anterior à relação locatícia, que se inicia com a solicitação de uma parte à outra para que esta desenvolva um imóvel consoante os interesses da primeira, para posterior concessão de uso desse imóvel desta. Há, nesse momento, uma promessa da primeira de que, em troca de a segunda prover o desenvolvimento do imóvel, a primeira manterá o uso do imóvel por um determinado período de tempo, contra o pagamento de uma contraprestação. (MARZAGÃO, 2016, p. 120-121 – negrito nosso)
Assim, por mais vultosa que venha a ser a alocação de capital que o investidor faça ao implantar ou adquirir pronto e acabado um EBI, se esse investimento ocorrer dissociado da prévia especificação pelo futuro contratante do imóvel de seu interesse, contra a promessa de ocupá-lo após a aquisição, construção ou reforma levada a cabo pelo contratado, não há que se falar em operação BTS sustentada no art. 54-A, da Lei de Locações. (XXXXXX; PIZA, 2019).
Percorridos os elementos centrais do dispositivo legal objeto de análise, conclui-se que o alcance do art. 54-A, da Lei de Locações, é delimitado pela presença dos seguintes requisitos:
a) ser a locação de natureza não residencial e o seu objeto um imóvel urbano;
b) o imóvel deve ser previamente adquirido, construído ou reformado pelo investidor ou por terceiros com investimentos aportados por aquele; e
c) o investimento na compra, construção ou reforma substancial do imóvel é condicionado pela preliminar especificação do imóvel desejado pelo futuro ocupante e o compromisso deste de pagar a integralidade das remunerações compostas não apenas pela retribuição pelo uso do imóvel, mas, e principalmente, pelo retorno do investimento realizado pelo investidor.
2.2.4 Aspectos polêmicos da operação BTS
Como dito, o legislador, ao introduzir a Lei n.º 12.744/2012 no ordenamento jurídico brasileiro, optou por não fazer o regramento exaustivo do contrato built to suit, mantendo-o como um contrato atípico e privilegiando a liberdade contratual das partes em operações BTS, como se extrai do caput, do art. 54-A, da Lei de Locações.
Assim, é natural que ainda grassem dúvidas e controvérsias sobre determinados aspectos do contrato built to suit, de sorte que mereceram abordagem nesta monografia aqueles que, de maneira direta ou indireta, servem de alicerce para as análises feitas no estudo de caso e no desenvolvimento do conjunto de diretrizes ao investidor imobiliário em Operação Inovadora.
2.2.4.1 O termo “reforma substancial”
Tendo por norte a Operação Inovadora, o primeiro dos aspectos controversos diz respeito ao que possa ser considerado como reforma substancial, para fins de qualificação do negócio entre o investidor e o futuro ocupante como uma operação BTS sustentada no art. 54- A, da Lei de Locações.
Esta busca talvez seja um dos exercícios de maior insegurança às partes que fundamentam a operação BTS em uma reforma substancial de imóvel, pois o termo “substancial” não veio acompanhado, no citado artigo de lei, de elementos objetivos que possam ser utilizados para se chegar à inegável conclusão de que a reforma acordada entre o investidor e o futuro ocupante tem ou não natureza substancial.
Toda expressão que carrega o peso da subjetividade é fator de instabilidade para as relações negociais e jurídicas que nela se sustentam, pois coloca o operador da lei e as partes em ambiente de possíveis divergências interpretativas, que, não raro, se traduzem em insegurança jurídica e disputas judiciais entre as partes contratantes.
Nesse sentido, ao agregar o termo “substancial” ao elemento “reforma” no art. 54-A, da Lei de Locações (BRASIL, 1991 apud BRASIL, 2012, [s.p.]), o legislador flertou com a insegurança da subjetividade que aquele termo traz para o âmbito das operações BTS, não havendo, nas avaliações de Grotti e Piza (2019) e de Amatuzzi (2019), parâmetros claros na lei para se atingir uma definição irrefutável sobre o alcance desse termo.
Esse vazio legal fomentou interpretações sobre o termo “reforma substancial” que partem da tentativa de estabelecer a relação entre o montante investido na reforma versus o valor de mercado do imóvel; passam pela argumentação que o limita aos chamados retrofits22; e chegam ao desenvolvimento da interpretação do art. 22, I, da Lei de Locações, que trata das adaptações de rotina que o locador faz para conferir o imóvel ao ocupante em estado de servir ao uso a que se destina – como pintura, pequenos reparos etc. –, para pontuar que a “substancial reforma” (BRASIL, 1991 apud BRASIL, 2012, [s.p.]) se situa no espectro que transcende a essas adaptações. (GROTTI; PIZZA, 2019; AMATUZZI, 2019)
Iniciando-se pela narrativa que coloca o termo “reforma substancial” sob o enfoque da relação entre o montante investido na reforma e o valor de mercado do imóvel, tem-se que o subjetivismo remanesce na exegese que a tem por fundamento. Se não, veja-se: qual seria o percentual seguro de investimento que pudesse ser considerado como uma reforma substancial? Cinco, dez, vinte por cento do valor de mercado do imóvel a ser adaptado?
Além de a lei não prever tal mecanismo como fator de definição do elemento-legal “substancial reforma” (BRASIL, 1991 apud BRASIL, 2012, [s.p.]), o exercício de ponderação entre os valores do investimento e do imóvel não se apresenta como um critério objetivo para essa definição e, portanto, fator de segurança às partes no contrato built to suit.
Segundo Xxxxxxxx (2019), não existe uma relação direta e necessária entre aqueles valores numa operação BTS, de sorte que deve prevalecer uma interpretação mais ampla do referido termo, e não o entendimento que a restringe sob a visão distorcida do montante investido na reforma do imóvel. Para o citado autor:
Talvez a forma mais sensata seja a de entender que é preciso comprovar investimentos efetivos e de alguma forma consideráveis no imóvel (consideráveis o suficiente para serem amortizados ao longo do tempo), que alterem as suas características e atendam a demandas específicas do futuro locatário. (AMATUZZI, 2019, p. 272).
22 Refere-se ao termo empregado no mercado imobiliário para designar as reformas que requalificam por completo o imóvel e seus equipamentos.
Sobre a linha interpretativa que isola a reforma substancial do imóvel aos casos de retrofits, igualmente não parece ser o melhor caminho para o intérprete do art. 54-A, da Lei de Locações, pois uma reforma não deixará de ser substancial por não contemplar a total requalificação do imóvel.
Caso se admita o enclausuramento da reforma do imóvel objeto da operação BTS à hipótese do retrofit, negar-se-ia ao investidor a segurança do art. 54-A, da Lei de Locações, na situação em que o seu investimento contemplasse a reforma parcial do imóvel especificado pelo futuro ocupante. Nesse sentido, igualmente não se mostra adequada a interpretação do artigo de lei que pretenda limitar a reforma substancial aos casos de requalificação integral do imóvel, pois: (i) a lei não estabelece essa limitação; e (ii) caso fosse admitida, o alcance do citado comando legal seria restringido de forma descabida.
Seguindo na abordagem sobre as linhas de análise do termo “reforma substancial”, chega-se à construção interpretativa elaborada por Xxxxxx (2017) apud Amatuzzi (2019) e Grotti e Piza (2019), que tem no art. 20, I, da Lei de Locações, a base para o alcance do citado termo.
Segundo Xxxxxx (2017) apud Grotti e Piza (2019) e Xxxxxxxx (2019), a reforma substancial é aquela em que se ultrapassa o ordinário das pequenas obras que o locador realiza ou concede em carência para que o locatário o faça, de forma a deixar o imóvel em condições para o uso a que se destina – pintura ou limpeza de paredes, pequenos reparos civis, dentre outros –.
Essa linha de abordagem, por estabelecer um critério que encontra respaldo na evolução interpretativa do art. 20, I, da Lei de Locações, mostra-se mais lógica e próxima da realidade dos que estão inseridos na operação BTS, bem como converge com o alcance do art. 54-A, da Lei Locações, na medida em que: (i) não limita a reforma do ativo a um critério subjetivo de investimento versus valor de mercado do imóvel e tampouco a aprisiona aos chamados retrofits; e (ii) de outro lado, a posiciona fora das obras de meros ajustes para ocupação do imóvel pelo locatário em locações típicas.
Por fim, pontue-se que o art. 54-A, da Lei de Locações, privilegia a liberdade de contratação ao consagrar que entre o investidor e o futuro ocupante “prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo...” (BRASIL, 1991 apud BRASIL, 2012, [s.p.]), sendo que o parágrafo único, do art. 421-A, do Código Civil, introduzido pela Lei n.º 13.874, de 2019, consagra, em adição, o princípio da intervenção mínima em contratos civis e
empresariais, a partir da presunção de que esses contratos são paritários e simétricos (BRASIL, 2002 apud BRASIL, 2019, [s.p.]).
Nesse sentido, à mingua de critérios legais objetivos, remanescendo no intérprete da lei a dúvida se está diante ou não de uma reforma substancial para os fins do art. 54-A, da Lei de Locações, há de prevalecer o caminho do respeito ao equilíbrio econômico-financeiro da operação BTS, que reside, como dito alhures, na preservação do retorno do investimento feito pelo investidor para atender ao comando e desejo do futuro ocupante, em derivação dos princípios da liberdade contratual e da intervenção mínima aplicáveis, sem embargos, à relações derivadas da operação BTS.
2.2.4.2 O relativismo do caráter intuito personae após a Lei n.º 12.744/2012
Com a entrada em vigor da Lei n.º 12.744/2012, é possível se afirmar que o caráter intuito personae permanece como condição de validade do contrato built to suit formalizado com amparo no art. 54-A, da Lei de Locações?
De início, frise-se que não há consenso entre os doutrinadores acerca desse questionamento.
Xxxxxxxx (2019), por exemplo, filia-se ao entendimento de que o caráter intuito personae subsiste, sob o argumento de que uma contratação intuito personae não significa que as intervenções feitas no imóvel, para atender a especificação feita pelo contratante da operação BTS, sejam de tal ordem que não permitam o seu uso por outro ocupante que não aquele que a contratou.
Por outro lado, Xxxxxxxx (2016) constrói argumento diverso ao caráter personalíssimo da operação BTS chamando a atenção para o fato de que isto sequer se mostra atraente para as partes do contrato built to suit, na medida que, se tido por intuito personae, o built to suit tolheria, por exemplo, a possibilidade de cessão da posição contratual ou de sublocação do imóvel pelo contratante-ocupante.
Data venia ao respeitável entendimento manifestado por Xxxxxxxx (2019), após a introdução do art. 54-A na Lei de Locações pela Lei nº 12.744/2012, a realidade parece conduzir para uma tendência interpretativa mais próxima do exposto por Xxxxxxxx (2016).
O primeiro aspecto que se deve registrar é que a redação do art. 54-A, da Lei de Locações, não positivou o chamado caráter intuito personae, de maneira que não se vê da dicção do citado artigo legal: (i) a obrigatoriedade de que o imóvel resultante da construção ou reforma
seja algo que somente sirva ao futuro ocupante; e (ii) tampouco a vedação ao direito de cessão da posição contratual por este ou, ainda, a proibição de sublocação, parcial ou total, do imóvel
– como bem pontuado por Xxxxxxx (2016) –.
O que a lei estabelece como um dos requisitos de legalidade da operação BTS fundamentada no art. 54-A, da Lei de Locações, é que o futuro ocupante especifique o imóvel de seu interesse. Contudo, ela não regra que a construção ou a reforma substancial acordada seja de tal ordem que não sirva a nenhum outro interessado no imóvel ou que contenha grau de especialização que o diferencie de outros imóveis não desenvolvidos sob a égide de um contrato built to suit.
Nesse sentido, o que distingue uma operação BTS de uma locação típica, não é o grau de personificação do imóvel indicado pelo futuro ocupante, mas se a construção ou reforma do imóvel foi realizada pelo investidor para atender a indicação, prévia e expressa, daquele.
Assim, é plenamente possível, por exemplo, que o contratante da operação BTS tenha interesse na construção de um edifício corporativo em condições de entrega core & shell23 e opte por confiar a uma empresa do segmento do real estate a aquisição e construção do referido edifício com investimentos feitos por essa empresa, contra a obrigação daquele contratante de alugar o imóvel mediante o pagamento da remuneração, que corresponde à “contraprestação una e indivisível das obrigações assumidas pela contratada no contrato Built-to-Suit” (Marzagão, 2016, p. 124).
É inegável que um edifício corporativo no padrão core & shell serve não apenas ao contratante da operação BTS, como também a diversas outras empresas que necessitem de um imóvel com tais características na mesma região de localização daquele edifício. Contudo, este fato não invalida a natureza de operação BTS, caso a construção do edifício contenha, em seu cerne, a especificação do futuro ocupante para que o investidor o edifique, contra o compromisso daquele de pagar as remunerações devidas pelo retorno do investimento e a cessão do direito de uso do imóvel.
Outro exercício que se pode fazer para validar a prescindibilidade do caráter intuito personae no contexto do art. 54-A, da Lei de Locações, é imaginar um empreendimento não residencial em que o proprietário do terreno aprove a construção de uma única torre corporativa, promova o seu desenvolvimento e ao final a alugue a um ou mais locatários. Passado algum tempo, e ainda sem esgotar o potencial construtivo do referido terreno, uma empresa,
23 Expressão do mercado imobiliário utilizada para identificar os imóveis entregues pelo locador ao locatário sem adaptações em seu interior, de maneira que o locatário tenha a liberdade para definir e promover as adaptações de leiaute que melhor se adaptem ao uso que pretenda fazer do imóvel alugado.
interessada em um edifício corporativo na mesma região, procura o proprietário do imóvel e propõe que este invista na aprovação e construção de uma segunda torre na área remanescente do seu terreno, com as mesmas características da primeira torre, mediante o compromisso da proponente de alugar integralmente a segunda torre, pagando remuneração que retribua o retorno do referido investimento, bem como o uso e gozo da segunda torre.
No exemplo acima, sequer há diferença de padrões construtivos, tamanhos de lajes ou outros aspectos que imponham ao proprietário uma personalização em padrão minimamente distinta da primeira torre – alugada em condições de mercado a diversos locatários –.
Porém, na construção da segunda torre, estão presentes os elementos centrais da operação BTS, ou seja, o contratante encomendou ao proprietário do terreno a construção da segunda torre e se obrigou a alugá-la por período necessário para que as remunerações acordadas com esse proprietário remunerem o investimento realizado e a ocupação do imóvel correspondente à segunda torre corporativa.
Nesse sentido, sem embargos, pode-se afirmar que o comando legal do art. 54-A, da lei, não deixou de ser cumprido pelas partes contratantes na situação hipotética da construção da segunda torre com as mesmas características da primeira torre existente no terreno, de sorte que o elemento intuito personae, no exemplo retro analisado, não revela qualquer relevância para sustentar a operação BTS formalizada entre as partes.
Por derradeiro, frise-se que o legislador sequer vedou o direito de sublocar, no todo ou em parte, o imóvel objeto da operação BTS e tampouco proibiu a cessão da posição contratual pelo contratante da operação BTS, como acentuado na doutrina de Xxxxxxxx (2016). Assim, presentes as possibilidades de sublocação do imóvel ou de cessão da posição contratual pelo ocupante do imóvel, também por esse ângulo de análise da legislação se conclui que o caráter intuito personae não mais prevalece como requisito legal nos contratos built to suit sustentados no art. 54-A, da Lei de Locações.
2.2.4.3 A multa por denúncia antecipada do contrato BTS
Nos contratos built to suit, em regra, grandes volumes financeiros são empregados pelo investidor na implantação, requalificação ou aquisição pronta e acaba do imóvel especificado pelo futuro ocupante do imóvel.
Nesse sentido, Xxxxxx e Xxxxxx (2019) advertem que a alocação de recursos em uma operação BTS reclama um determinado nível de segurança, sob pena de o investidor preferir
não empregar o seu capital em um dado ativo ou de exigir um prêmio de risco elevado para assumir o risco do investimento.
Em se tratando das operações BTS sustentadas no art. 54-A, da Lei de Locações, o legislador, expressamente, conferiu ao investidor o manto de proteção do seu investimento no
§2º, do referido artigo legal, ao admitir a fixação da multa penal por denúncia antecipada da locação em patamar que não exceda a soma das remunerações vincendas até o termo final da locação nascida da operação BTS.
De maneira didática, Xxxxxxxx (2016) esclarece que outro não poderia ser o comando legal nas operações BTS, uma vez que, em tais negócios, o investidor, antes mesmo da destinação do capital, próprio ou captado de terceiros, na aquisição, construção ou reforma substancial do imóvel, recebe do futuro ocupante a indicação prévia do imóvel de seu interesse e das condições em que o ativo deverá lhe ser entregue.
Nesse sentido, não há operação BTS sustentada em movimento isolado do investidor – como acontece em uma locação não residencial típica –, mas sim alicerçada na conjunção do querer do futuro ocupante do imóvel com o agir do investidor no sentido de satisfazer esse querer.
O querer do futuro ocupante está na sua livre e espontânea decisão de especificar o imóvel que melhor atenda ao uso que intenciona fazer em sua atividade empresarial e na imposição das condições que deverão ser atendidas pelo investidor, para que o imóvel seja recebido pelo ocupante ao final da construção ou reforma substancial acordada. Essas circunstâncias delimitam e condicionam o agir do investidor, uma vez que a sua decisão de adquirir, construir ou reformar o imóvel não decorrerá, como expressado por Xxxxxxxx (2016), de um movimento especulativo, e sim do agir condicionado pelo citado querer do contratante e futuro ocupante do imóvel.
Outrossim, não raro, nas mesas de negociação de operações BTS, surge por parte dos assessores do futuro ocupante o argumento contrário à proteção integral do investimento em caso de rompimento antecipado da operação BTS, sob o fundamento de que o investidor manterá a propriedade do EBI. Essa narrativa, todavia, não se sustenta, pelos seguintes aspectos:
a) como dito, a operação BTS derivada da predeterminação do imóvel e das condições de sua entrega ditadas pelo futuro ocupante do imóvel, e não do agir voluntário do investidor, que, possivelmente, sequer cogitaria desenvolver o imóvel ou adquiri-lo pronto e acabado, sem que houvesse um contratante que o motivasse a tanto, com
a promessa de manutenção da locação por longo período e atrelada à garantia de estabilidade no recebimento das rendas recorrentes;
b) não é do interesse do investidor na operação BTS a aquisição, construção ou reforma do imóvel para oferecê-lo indistintamente ao mercado, sem garantias de ocupação e de fonte estável de geração de rendas recorrentes, condição a que ficaria subjugado caso a extinção da operação BTS recebesse igual tratando das locações não residenciais típicas; e
c) não se deve esquecer que, na hipótese de rompimento prematuro do contrato built to suit pelo ocupante do imóvel, o empreendimento imobiliário desenvolvido estará adaptado às condições de ocupação especificadas pelo ocupante, que, em algumas situações, não são plenamente adaptáveis a um novo locatário, como, por exemplo, em imóveis resultantes de operações BTS para atender empresas dos segmentos da saúde ou indústria.
Não menos importante é observar que a proteção do capital investido e do lucro do investidor em operações BTS não resulta em desequilíbrio na relação entre as partes contratantes, e sim representa “medida de equidade eis que a cláusula penal compensatória nos contratos built to suit é um dos pilares necessários para garantir o retorno dos investimentos realizados e permite a viabilização desse tipo de negócio.” (XXXXX; XXXXXXXXX, 2019, p. 138).
Caso não se admitisse a proteção legal do capital e do lucro do investidor na hipótese do rompimento precoce da operação BTS, a relação entre as partes do contrato built to suit resultaria em flagrante desequilíbrio favorável ao contratante, que poderia se ver desobrigado desse contrato pagando multa por denúncia antecipada dentro de patamar praticado em locação não residencial típica e, portanto, insuficiente para retribuir o investimento realizado pelo empreendedor imobiliário e a colocação do imóvel à disposição do ocupante pelo período de locação a que este livremente se obrigou a cumprir quando da celebração daquela operação.
Como se dessume da doutrina de Xxxxxx e Xxxx (2019), o respeito ao prazo de vigência é crucial no contrato built to suit, pois é pelo cumprimento integral do termo da operação BTS que se assegura o equilíbrio contratual com a percepção das rendas pelo empreendedor imobiliário. Nesse sentido, a eleição de proteções contratuais necessárias à manutenção desse equilíbrio, como é o caso da previsão em contrato da multa penal no patamar previsto no §2º, do art. 54-A, da Lei de Locações, são elementos fundamentais ao contrato built to suit.
Em desfecho, faz-se imperioso indicar a controvérsia existente sobre a possibilidade de se aplicar ou não o art. 413, do Código Civil, na revisão do valor da multa penal convencionada pelas partes com respeito ao limite estabelecido no art. 54-A, §2º, da Lei de Locações.
O art. 413, do Código Civil, admite que, considerada a natureza e a finalidade do negócio, a multa penal seja reduzida pelo juiz: (i) se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte; ou (ii) caso o montante dessa multa seja manifestamente excessivo (BRASIL, 2002, [s.p.]).
O cerne da divergência entre os doutrinados sobre a aplicação ou não do art. 413, do Código Civil, às operações built to suit, reside na interpretação se esse artigo de lei, como norma cogente, se sobrepõe ao art. 54-A, §2º, da Lei de Locações, que, como visto, admite a fixação da multa penal em valor correspondente a somatória das remunerações vincendas da operação BTS.
Gomide (2017) apud Xxxxxx e Xxxxxx (2019) entende que o art. 413, do Código Civil, é hierarquicamente inferior ao art. 54-A, §2º, da Lei de Locações, e, por consequência, este prevalece sobre aquele na disciplina jurídica do contrato built to suit.
Da mesma forma, Xxxxxxx Xxxxxx (2016), trazendo à baila o princípio da especialidade, entende ser inaplicável o art. 413, do Código Civil, às operações BTS sustentadas no art. 54-A, da Lei de Locações, em atenção ao equilíbrio do contrato que as tem por objeto.
Xxxxxx e Xxxxxx (2019) trilham posição que reforça a autonomia privada e o caráter paritário como elementos inerentes ao contrato built to suit – portanto, convergem com Gomide (2017), para, a cabo, concluírem, aqueles doutrinadores, no sentido de que a multa prevista no art. 54-A, §2º, da Lei de Locações, há de prevalecer, sob pena de modificação do equilíbrio almejado pelas partes no nascedouro da relação contratual.
Em sentido contraposto às doutrinas retro abordadas, Xxxxxxxx (2015) argumenta que, presentes indícios de enriquecimento sem causa, abuso contratual ou de injustiça contratual, considerada a natureza cogente do art. 413, do Código Civil, o juiz poderá intervir para rever a multa penal estabelecida no patamar admitido no art. 54-A, §2º, da Lei de Locações.
A despeito da tendência de consolidação do entendimento de prevalência do art. 54-A,
§2º, da Lei de Locações, dada a existência de divergências entre estudiosos da matéria, tem-se que o investidor, no contrato built to suit, não deve se descuidar da inserção de declarações, bem como da positivação de circunstâncias e fatos pré-contratuais e negociais que reafirmem:
a) o investimento como derivação do comando prévio do futuro ocupante imóvel;
b) o compromisso do contratante da operação BTS de manter o contrato pelo prazo total da locação;
c) o reconhecimento, pelo contratante, de que essa manutenção é condição de equilíbrio econômico-financeiro do contrato, especialmente para garantir o retorno do investimento realizado pelo empreendedor imobiliário e a retribuição pelo uso do imóvel;
d) tratar-se de negociação que se deu em condições de paridade econômica e jurídica; e
e) a prevalência da liberdade contratual e econômica, amparadas nos princípios da autonomia da vontade e da intervenção mínima nas relações de natureza privada.
2.2.4.4 A renúncia ao direito à revisão da remuneração
Como dito, os ciclos do investimento em EBI trazem ao investidor desafios diversos, que são mais ou menos agudos a depender do momento em que decida aportar o seu capital.
Um dos fatores de risco para quem decide investir em EBI reside na incerteza se o empreendimento imobiliário será capaz de gerar rendas recorrentes sustentáveis ao longo do seu ciclo operacional, em patamares que permitam ao investidor recompor o capital investido e auferir o retorno estimado nos cenários simulados na etapa preliminar da análise da qualidade do investimento.
Algumas das circunstâncias que contribuem para aquela incerteza decorrem de aspectos legais, especialmente: (i) a proibição da correção monetária dos aluguéis em período inferior a um ano, conforme previsto no art. 21, §5º c/c art. 28, §1º, da Lei n.º 9.069, de 29 de junho de 1995 (BRASIL, 1995, [s.p.]); e (ii) a regra geral do art. 19, da Lei de Locações, que permite a revisão do valor do aluguel a cada ciclo de três anos de vigência do contrato de locação ou do último acordo realizado (BRASIL, 1991 apud BRASIL, 2012, [s.p.]), que, a depender do momento econômico vivenciado durante o ciclo operacional do EBI, pode ser favorável ou desfavorável ao investidor.
Relativamente aos efeitos inflacionários decorrentes da proibição da correção monetária antes de um ano do último reajuste, eles se fazem presentes independentemente de a locação ser típica ou derivada de um contrato built to suit. Assim, é algo que o investidor vivencia em qualquer dessas modalidades locatícias, uma vez que não é lícito transigir de forma diversa, pois a vedação em comento se configura como norma de natureza cogente, instituída a partir
do Plano Real e positivada no citado art. 28, §1º, da Lei 9.069/1995, não merecendo, pois, maior aprofundamento.
Porém, o direito à revisão trienal dos aluguéis é fator que merece um olhar mais detalhado. Enquanto nas locações típicas ele surge como algo, na maioria das vezes, não afastado pelas partes24, no ambiente das locações derivadas de operações BTS tal direito é claramente passível de renúncia pelas partes contratantes, sendo comumente eleito pelas partes como medida de estabilização do valor da remuneração do contrato built to suit ao longo de sua vigência e de proteção ao retorno do investimento feito pelo empreendedor imobiliário nesta modalidade de negócio imobiliário.
Art. 54-A. [...]
§1º Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.
[...] (BRASIL, 1991, [s.p.] – negrito nosso)
Inicialmente, extrai-se da reprodução do texto legal que a renúncia ao direito à revisão da remuneração acordada nas operações BTS não é algo automático, mas que surge da convenção entre o investidor e o futuro ocupante do imóvel. Dessa forma, uma vez ausente essa convenção no contrato built to suit, as partes poderão lançar mão desse direito ao longo do período locatício da operação BTS.
Todavia, frise-se que, normalmente, o investidor condiciona o seu investimento à renúncia pelo futuro ocupante do direito à revisão trienal da remuneração pactuado no contrato built to suit.
Isto decorre do fato de que, caso admitisse a revisão trienal do valor da remuneração pactuado no contrato built to suit, o investidor, em momentos de excesso de oferta de imóveis na região de inserção do seu imóvel ou de recessão econômica, poderia ser afetado por revisões que trouxessem a remuneração da operação BTS a valores praticados no mercado de locações em que se situa o imóvel objeto da referida operação e, por consequência, como advertem
24 É comum, mesmo no ambiente dos que se dedicam às ciências jurídicas, o hábito de replicar máximas ouvidas ao longo da vida civil, mas que, se analisadas detidamente, não se sustentam com a evolução das interpretações das leis pelo Poder Judiciário. A crença de que o direito à revisão dos aluguéis é algo inegociável nas locações não residenciais típicas é um bom exemplo desse hábito. Muito antes do art. 54-A, da Lei de Locações, permitir que as partes convencionem a renúncia a esse direito em operações BTS, a jurisprudência dos tribunais superiores deste país já a admitia, mesmo nos contratos de locação típica. Se não, veja-se o disposto na Súmula 357 do Supremo Tribunal Federal: “É lícita a convenção pela qual o locador renuncia, durante a vigência do contrato, à ação revisional do art. 31 do Decreto 24.150, de 20.4.34.” (STF, 1967, [s.p.]); e o precedente do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial n.º 127.355-SP, que concluiu que a renúncia ao direito de revisão dos aluguéis envolve direitos patrimoniais, portanto, passíveis de renúncia, sem que isso configure violação à Lei de Locações (STJ, 1997, [s.p.]).
Xxxxxxxx (2016) e Xxxxx e Veríssimo (2019), o retorno do seu investimento, como parte integrante da dessa remuneração, seria penalizado por essas revisões.
Em complemento, pontue-se que, não raro, as remunerações das operações BTS são objeto de securitizações e emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários, que servem de fonte de financiamento ao empreendedor ou mesmo de antecipação do retorno almejado ao se firmar o contrato built to suit.
Havendo a securitização dos recebíveis imobiliários do contrato built to suit, a Companhia Securitizadora e os investidores em CRI igualmente confiam que as rendas, antecipadas por aquela e que conferem lastro a estes, manter-se-ão estáveis ao longo da vigência do contrato built to suit. Nesse sentido, a renúncia ao direito à revisional da remuneração é fator de estabilização desta expectativa e, por corolário, imperiosa para a segurança das operações de securitização, que, segundo Xxxxx e Veríssimo (2019), poderiam ser prejudicadas ou mesmo inviabilizadas caso aquelas rendas fossem alcançadas pela revisão trienal estabelecida no art. 19, da Lei de Locações.
Frise-se, ademais, que o direito à revisão das remunerações ao longo do contrato BTS é um direito conferidos às partes, de sorte que pode ser convencionada entre as partes de maneira bilateral ou unilateral.
Entretanto, a renúncia unilateral é menos comum em operações BTS, uma vez que: (i) o investidor imobiliário, em regra, não aceita o risco de que o seu investimento fique sujeito a variações de mercado que não lhe garanta o retorno do capital investido; e (ii) o ocupante do imóvel, por outro lado, não se sujeita ao mecanismo de revisão unilateral por parte do investidor, uma vez que, se o admitisse, ficaria subjugado ao risco de descolamento do valor da remuneração acima do patamar que aceitou pagar quando da celebração do contrato built to suit.
Assim, nas operações BTS, o mais comum é a renúncia bilateral ao direito de revisão da remuneração ao longo de sua vigência, como medida que conjuga o interesse do investidor de preservar o retorno do seu investimento e a intenção do ocupante do imóvel de garantir o valor estável da remuneração que aceitou pagar por todo o ciclo de vida da operação BTS.
Em desfecho, esclareça-se que, mesmo antes da inserção do art. 54-A, na Lei de Locações, o Poder Judiciário já admitia a disponibilidade do direito à revisão das rendas pelas partes, não apenas em operações BTS, mas também em locações típicas. (XXXXXXX XXXXXX, 2016; XXXXXX; XXXXXXX, 2019; XXXXX; XXXXXXXXX, 2019).
É o que se obtém, por exemplo, da Súmula n.º 357 do Supremo Tribunal Federal: “É lícita a convenção pela qual o locador renuncia, durante a vigência do contrato, à ação revisional do art. 31 do Decreto 24.150, de 20.4.34.” (STF, 1967, [s.p.]); e do precedente do Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso Especial n.º 127.355-SP, concluiu ser a revisão dos aluguéis um direito de natureza patrimonial e, portanto, passível de renúncia pelas partes, sem que isso configure violação da Lei de Locações (STJ, 1997, [s.p.]).
Todavia, há de ser louvada a expressa previsão da possibilidade da convenção pelas partes da renúncia ao direito de revisão da remuneração da operação BTS no art. 54-A, §1º, da Lei de Locações (BRASIL, 1991 apud BRASIL, 2012, [s.p.]), como fator de estabilização dessas operações no país, na medida em que: (i) preserva o núcleo econômico-financeiro do contrato built to suit, consubstanciado na garantia do retorno do investimento feito pelo investidor para atender ao interesse do contratante da operação BTS de ocupar um imóvel adaptado ao seu negócio; (ii) confere maior segurança às operações de securitização que tenham lastro nessas operações; e (iii) reafirma a jurisprudência que privilegiava o entendimento da possibilidade dessa renúncia.
2.2.4.5 Garantias contratuais na operação BTS
O investimento por meio de operações BTS encontra na constituição de garantias pelo futuro ocupante do imóvel um dos principais meios de administração dos riscos assumidos pelo investidor nessas operações imobiliárias.
Xxxxxxxx, faz-se relevante a análise se as garantias contratuais nas operações BTS se cingem às espécies de garantias do art. 37, da Lei de Locações, bem como se a essas operações é aplicável ou não a vedação do parágrafo único do referido artigo. Tem-se nessa lei:
Art. 37. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia:
I - caução; II - fiança;
III - seguro de fiança locatícia.
IV - cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento. (Incluído pela Lei n.º 11.196, de 2005)
Parágrafo único. É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação. (BRASIL, 1991, [s.p.] – negrito nosso)
Como se observa da reprodução do texto legal, as locações típicas admitem uma única garantia, selecionada dentre as espécies taxativamente expressas no art. 37, IV, da Lei de Locações.
Contudo, em relação aos contratos built to suit, a limitação das espécies e da quantidade de garantias não se mostra aderente à alocação dos riscos inerentes a essa modalidade contratual, uma vez que nela, como dito alhures, o investidor se priva de elevado volume de capital para atender ao desejo do futuro ocupante, de sorte que a garantia do retorno do seu investimento se consubstancia no equilíbrio econômico-financeiro do contrato built to suit, que, como asseveram Prando e Neto (2019), apenas se alcança e estabiliza pelo recebimento da totalidade das remunerações acordadas no contrato built to suit.
Por conseguinte, é normal e necessário que o investidor busque a constituição de um “colchão” de garantias que assegure o recebimento das remunerações acordadas na operação BTS, seja na hipótese de inadimplência ou mora no pagamento dessas remunerações ou quando a impontualidade do ocupante do imóvel alcança a obrigação de pagamento da multa devida pela denúncia voluntária ou rescisão por culpa do contratante da operação BTS.
De outro lado, é preciso recobrar que o art. 54-A, da Lei de Locações, privilegia a liberdade contratual das partes em operações por ele amparadas. Essa liberdade permeia o contrato built to suit e, por consequência, estende-se à possibilidade de as partes optarem pela constituição de mais de uma modalidade de garantia contratual em operação BTS alicerçada nesse comando legal.
Contudo, a parte final do art. 54-A, da Lei de Locações, acaba por causar insegurança às partes, na medida em que as remete à observância das disposições procedimentais da referida lei, o que poderia ser interpretado como submissão dessas partes ao retro transcrito parágrafo único, do art. 37, da mesma lei, que veda a constituição de mais de uma garantia em contratos de locação. Sobre esse tema, Xxxxxxxx (2019, p. 279) destaca:
O ponto central da discussão é que, muito embora o artigo 37 da Lei n.º 8.245/91 (Lei de Locações) não esteja inserida em seu Título II, que trata dos ‘Procedimentos’ aplicáveis a essa lei, há uma infinidade de normas de natureza procedimental espalhadas ao longo de toda a lei n.º 8.245/91 (Lei de Locações), assim entendidas aqueles artigos que impõe determinado procedimento ou prazo a ser seguido pelo locador ou locatário. Em especial, gera muita insegurança a presença do artigo 43 na Lei n.º 8.245/91, em especial do seu inciso II, que ainda configura como contravenção penal a exigência, pelo locador, de múltiplas garantias.
Amatuzzi (2019) conclui, no entanto, que o contrato built to suit não se coaduna com as vedações inerentes aos contratos típicos de locação, devendo-se admitir a multiplicidade de
garantias nas operações BTS, em atenção ao fato de que os contratos built to suit se dão entre partes sofisticadas, em ambiente de liberdade contratual própria dos contratos atípicos.
Benemond (2015) acentua, em adição, que a aplicação da vedação do art. 37, da Lei de Locações, não se mostra compatível com a natureza paritária do contrato built to suit, em que as partes estão em pé de igualdade.
Por outro lado, tendo por horizonte os elevados riscos financeiros a que se submete o investidor na operação BTS, é natural e comum que o investidor imobiliário exija do contratante a constituição de garantias líquidas, firmes e, não raro, de diversas modalidades para suportar esses riscos, de sorte que limitar as operações BTS a uma única garantia dentre as espécies previstas no art. 37, I a IV, da Lei de Locações, pode impor maiores dificuldades ao futuro ocupante na constituição de suas garantias, seja por não possuir patrimônio suficiente ou disponível para ofertá-lo em garantia, seja pelos elevados custos de contratação de garantias junto a instituições financeiras ou companhias seguradoras.25
Nesse sentido, ampliar o leque de opções das garantais e admitir a possibilidade de constituição de mais de uma modalidade de garantia, de forma complementar ou simultânea, apresenta-se como fator de benefício não apenas ao investidor na proteção do seu risco, mas também ao contratante da operação BTS, na medida em que este pode se favorecer da diminuição dos seus custos com garantias bancárias ou securitárias ao conciliá-las com outras modalidades contratuais (fianças pessoais, alienação fiduciária de bens móveis ou imóveis, cessão fiduciária de direitos creditórios etc.) e, portanto, reduzir a sua exposição a bancos e seguradoras26.
Do exposto, conclui-se que a multiplicidade de garantias se amolda às características legais e contratuais das operações BTS e deve ser admitida, seja:
a) porque o contrato BTS comporta negócios imobiliários complexos – aquisição, construção ou reforma substancial do imóvel –, que reclamam vultosos recursos do investidor e, por conseguinte, a constituição de garantias contratuais hígidas e em patamares adequados para responder à exposição de risco financeiro;
25 Não se deve perder de vista a relação entre o custo das garantias e a exposição de riscos, especialmente quando se trata de garantias bancárias (fianças, escrow accounts etc.) ou securitárias (seguro fiança locatícia, seguro garantia, dentre outros).
26 Comumente, os contratos built to suit trazem em suas cláusulas a previsão da ordem de prioridade de acionamento das garantias contratuais, assim como a destinação de cada modalidade de garantia a uma espécie de obrigação contratual, de maneira a se evitar que mais de uma garantia seja acionada ao mesmo tempo para cobrir uma mesma obrigação inadimplida.
b) pelo reconhecimento da liberdade contratual inerente aos contratos atípicos e da condição de paridade entre o investidor e o contratante da operação BTS; ou
c) pelo sentido prático da redução dos custos com contratação de garantias contratuais, na medida em que possibilita a formação de um “colchão” de garantias, que torna possível os arranjos contratuais que preveem: o acionamento, em primeira ordem27, das garantias não bancárias ou securitárias; ou o isolamento das garantias de maior custo à cobertura de obrigações pontuais – como, por exemplo, a mora ou inadimplência no pagamento da remuneração acordada –, reservando as garantais menos onerosas – fiança pessoal ou alienação fiduciária de bens, por exemplo – às obrigações cujo custo de contratação das garantias pode ser elevado, se feita junto a bancos ou seguradoras – como é o caso, a título de ilustração, da cobertura pelo não pagamento da multa por denúncia antecipada de um contrato built to suit –.
2.2.4.6 Os recebíveis da operação BTS: securitização versus vedação à compensação
De maneira a viabilizar o investimento a ser feito em atendimento à obrigação assumida na operação BTS, o investidor pode optar por lançar mão de veículos de financiamento para cumprir com a sua obrigação de adquirir, construir ou reformar o imóvel especificado pelo futuro ocupante. Essa opção, normalmente, acontece quando o investidor: não dispõe, no todo ou em parte, do capital necessário para esse investimento; ou conclui que as condições de captação de financiamento estão mais atrativas versus o custo do emprego de capital próprio. (XXXXXXXX, 2015; XXXXX; XXXXXXXXX, 2019)
A operação de securitização de créditos imobiliários é uma dentre as possíveis fontes de financiamento do empreendedor imobiliário, sendo que, no contrato built to suit, aqueles créditos correspondem às remunerações que serão pagas pelo futuro ocupante do imóvel ao longo da vigência desse contrato.
27 Aqui é preciso destacar a queda de braço que normalmente se estabelece entre o investidor e o contratante da operação BTS. Considerada a liquidez das garantias bancárias e securitárias, o investidor, na negociação do contrato, tende a se posicionar buscando a liquidação das garantias em ordem que privilegie o acionamento dessas modalidades de garantia. Por outro lado, o ocupante, no intuito de diminuir os custos com a excussão de suas garantias, tende a pleitear que as garantias bancárias e securitárias somente sejam acionadas na hipótese em que as demais garantias por ele oferecidas, uma vez acionadas, não sejam suficientes para cobrir a sua inadimplência parcial ou total.
A operação de securitização de recebíveis imobiliários tem origem na Lei n.º 9.514, de
20 de novembro de 1997 (“Lei n.º 9.514/2017”)28. Por ela, foi instituído o Sistema de Financiamento Imobiliário - SFI, com o objetivo de ampliar as formas de captação e promoção do financiamento imobiliário em geral, permitindo, como contextualizado por Xxxxxxxx (2015), o acesso de agentes originadores de créditos imobiliário ao mercado de capitais.
Assim, o SFI ampliou o espectro das fontes de financiamento do mercado imobiliário, antes restrito ao Sistema Financeiro da Habitação – SFH e às suas limitadas fontes de financiamento – no caso, circunscritas aos recursos aplicados em poupança e aos provenientes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS –. (XXXXXXXX, 2015; XXXXX; XXXXXXXXX, 2019)
De forma sintética, a securitização de créditos ou recebíveis consiste na operação em que o titular de direitos creditórios, com o escopo de adiantar o recebimento dos seus recebíveis para utilizá-los no financiamento de suas operações ou antecipar o retorno do investimento feito na operação originadora dos direitos creditórios, transfere a titularidade dos seus recebíveis à uma empresa – a Companhia Securitizadora –, que: adquire os recebíveis com deságio em relação ao seu valor original; emite títulos lastreados nos recebíveis; e comercializa esses títulos junto ao público investidor, diretamente ou por meio de agentes de distribuição. (XXXXXXXX, 2015; XXXXX; XXXXXXXXX, 2019)
No caso das operações de securitização de créditos imobiliários, os títulos emitidos pelas Companhias Securitizadoras são denominados de Certificados de Recebíveis Imobiliários - CRI29, conforme terminologia cunhada pelo art. 6º, da Lei n.º 9.514/2017.
Nesse sentido, contratos que garantam a estabilidade do valor e do fluxo de recebimento dos recebíveis por ele originados, bem como impeçam a compensação destes créditos contra débitos que o titular do direito creditório tenha em relação ao contratante da operação originadora dos recebíveis, são fontes naturais de operações de securitização de créditos. É nesta condição que os contratos built to suit, em regra, se qualificam, atraindo a atenção e o interesse de Companhias Securitizadoras.
28 Atualmente, as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e emissão de certificados de recebíveis estão disciplinadas na Lei n.º 14.430, de 3 de agosto de 2022, que acabou por revogar as normas procedimentais de emissão contidas na Lei n.º 9.514/1997, restando nesta tão somente a definição de Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI).
29 O CRI ganhou a atenção das pessoas naturais em virtude, especialmente, pelo benefício da não tributação da renda fruto da aplicação neste título mobiliário; da facilidade de transacionar esses títulos nas plataformas digitais das corretoras de valores e instituições financeiras; e da melhor rentabilidade em comparação a outros produtos tradicionais de renda fixa, especialmente a Caderneta de Poupança e os Certificados de Depósitos Bancários emitidos por grandes Bancos.
No caso das operações BTS, a securitização das remunerações delas derivadas surge como natural alternativa aos empreendedores deste segmento do real estate, seja, como dito, para antecipar o retorno do seu investimento ou para financiar a aquisição, construção ou reforma substancial a que se obrigou no contrato built to suit. (XXXXXXXX, 2015; XXXXX; XXXXXXXXX, 2019)
De outro lado, como pontuam Rocha e Veríssimo (2019), para as empresas do mercado de securitização de recebíveis, as operações BTS são igualmente fontes naturais de interesse, notadamente se comparadas às locações não residenciais típicas, uma vez que, em situação de normalidade, produzem fluxos estáveis e seguros de recebíveis imobiliários, ancorados em contratos que: contém locações de longo prazo – normalmente, superiores a 10 anos –; não se submetem, em regra, aos riscos da revisão do valor das remunerações por admitirem a renúncia ao direito a esta revisão; garantem o recebimento da totalidade das remunerações, mesmo na hipótese de rompimento prematuro do contrato pelo contratante; e produzem remuneração acima das praticadas em locações não residenciais típicas, uma vez que, no contrato built to suit, essa remuneração é composta não apenas da retribuição pelo uso e ocupação do imóvel, mas também do retorno dos investimentos feitos pelo empreendedor imobiliário.
Para que a securitização se aperfeiçoe com a devida segurança e os CRI dela decorrentes tenham maior apelo junto ao público investidor, adicionalmente aos comandos ordinariamente previstos nos contratos built to suit, voltados à perenidade do fluxo das remunerações e à manutenção do seu valor ao longo de toda a vigência desse contrato, recomenda-se a inserção da cláusula que veda a compensação das remunerações derivadas do contrato built to suit contra as obrigações que sejam inadimplidas pelo investidor.
A cláusula de não compensação dos créditos da operação BTS com outras dívidas do investidor deriva da liberdade contratual consagrada no art. 54-A, da Lei de Locações, em associação com o direito de as partes transacionarem sobre a não compensação de créditos e débitos, na forma do art. 375, do Código Civil30, sendo que essa cláusula tem por função evitar que os créditos imobiliários objeto da securitização sejam consumidos, no todo ou em parte, com o pagamento das dívidas do empreendedor imobiliário e, por consequência, que os fluxos de recebíveis dos CRI sejam prejudicados ou que a operação de securitização precise ser liquidada antecipadamente. (XXXXX; VERÍSSIMO, 2019).
30 “Art. 375. Não haverá compensação quando as partes, por mútuo acordo, a excluírem, ou no caso de renúncia prévia de uma delas.” (BRASIL, 2002, [s.p.])
Nesse sentido, em operações BTS que tragam a ela associadas a imediata ou futura securitização de seus recebíveis, a presença da cláusula de não compensação é fator de segurança à Companhia Securitizadora e aos titulares dos CRI.
Todavia, de nada ou pouco valerá a previsão no contrato built to suit da renúncia ao direito de revisão da remuneração pactuada, da multa compensatória em caso de seu rompimento prematuro e da proibição da compensação dessa remuneração com débitos de responsabilidade do investidor, se essas previsões estiverem dissociadas de garantias contratuais que assegurem o recebimento dos créditos que lastreiam os CRI emitidos, em momentos de instabilidade financeira do contratante da operação BTS.
Dessarte, é medida de igual prudência que os contratos built to suit e de securitização sejam providos de garantias líquidas e hígidas para fazer frente aos possíveis momentos de inadimplência do contratante da operação BTS, seja na hipótese de não pagamento da remuneração na data acordada ou na circunstância de não quitação da multa compensatória em caso de rompimento prematuro da operação BTS.
Por todo o exposto, conclui-se que as operações BTS e as de securitização de recebíveis caminham juntas e promovem o desenvolvimento do mercado imobiliário, na medida em que as primeiras são fontes geradoras de créditos estáveis de longo prazo e as segundas, ao se alimentarem dessas fontes, acabam por financiar novas operações imobiliárias e contribuem para a promoção do acesso ao CRI ao público investidor.
2.2.4.7 Equilíbrio econômico-financeiro do contrato BTS
Quando se analisa uma figura contratual sob o aspecto do bem jurídico tutelado – a vida, o bem imóvel, a pessoa etc. –, deve-se ponderar não somente o condão jurídico e legal imediato, mas também o viés econômico-financeiro subjacente.
Ao comparar a locação não residencial típica e o contrato built to suit, Xxxxxx e Xxxxxx (2019) evidenciam que naquela o locador almeja a percepção de um aluguel pela cessão da posse ao locatário, enquanto na operação BTS o interesse do empreendedor imobiliário é o de auferir o retorno do investimento empregado na compra, construção ou reforma do imóvel previamente especificado pelo seu futuro ocupante.
Nesse sentido, enquanto na locação típica as forças de equilíbrio econômico-financeiro do contrato se concentram no pagamento do aluguel mensal pela outorga da posse do imóvel ao locatário, na operação BTS o seu núcleo econômico-financeiro reside no resguardo do
retorno do investimento realizado pelo empreendedor imobiliário, e não apenas na retribuição pelo uso que o contratante da operação BTS fará do imóvel. (XXXXXXXX, 2016; XXXXXX; XXXXXX, 2019; XXXXX; ANDERS, 2019)
Para a referida proteção e preservação do equilíbrio econômico-financeiro da operação BTS, apresentam-se como aspectos centrais: (i) a garantia da estabilidade do valor da remuneração, representada pela possibilidade da renúncia ao direito de revisá-la durante a vigência da operação BTS, consagrada no art. 54-A, §1º, da Lei de Locações; e (ii) o direito ao recebimento da totalidade das remunerações acordadas nessa operação, consubstanciado na possibilidade de impor a multa penal por rompimento do contrato em patamar correspondente ao saldo vincendo dessas remunerações, como prevista no §2º, do citado artigo de lei.
Outrossim, sendo a remuneração da operação BTS o elemento que confere ao empreendedor imobiliário o retorno do investimento da operação BTS e a retribuição pelo uso e gozo do imóvel pelo futuro ocupante, deve-se perquirir se o valor dessa remuneração há de guardar relação direta, respectivamente, com montante investido e o valor de locação praticado na região em que se situa o imóvel objeto da operação BTS.
Inicialmente, há de ser ponderado que a valoração do retorno do investimento é algo particular de cada empreendedor. O prêmio de risco que um dado empreendedor aceita para alocar o seu capital em uma certa operação BTS, não necessariamente é replicado por outro empreendedor, ainda que este analise a mesma oportunidade de investimento recebida por aquele.
De outro lado, não se pode olvidar que cada operação BTS é única e, por conseguinte, submete o investidor a condições que, em regra, não se replicam ou se padronizam ao longo do tempo.
A forma de financiamento escolhida – capital próprio ou de terceiros –, a espécie de imóvel a ser adquirido, construído ou reformado – complexos hospitalares, por exemplo, demandam maior especialização se comparados a prédios de escritórios, bem como tendem a exigir maior esforço de recolocação a mercado, caso a locação não seja renovada ao final da vigência da operação BTS –, o rating do contratante e as circunstâncias macroeconômicas – taxa básica de juros, inflação, expansão ou retração do PIB –, são fatores que podem modificar o prêmio de risco exigido em uma dada operação BTS, caso comparada a outra oportunidade de investimento que contenha variações em um ou mais desses fatores.
Em adição, como observam Xxxxx e Xxxxxx (2019), a remuneração da operação BTS ultrapassa a mera contraprestação pelo uso do imóvel e, portanto, não se assemelha ao valor pago em imóvel similar objeto de uma típica locação não residencial.
Assim, não se mostra aderente ao arcabouço econômico, financeiro e jurídico da operação BTS o exercício que objetive comparar o valor da remuneração arbitrada na operação BTS aos valores de locações tradicionais praticadas no mercado de locações da região em que se situa imóvel objeto da operação BTS. São situações distintas em termos de investimento e tutela econômico-financeira do bem jurídico, de sorte que, por corolário, não são comparáveis.
Ademais, o contrato built to suit, como apresentado em outras oportunidades, forma-se em ambiente paritário e de liberdade contratual das partes, que igualmente permeia a negociação entre o empreendedor imobiliário e o contratante da operação BTS acerca do valor da remuneração a ser paga por este. Nesse sentido: “Se a fórmula final for, a qualquer momento do contrato, mais benéfica para uma ou outra parte, isso é parte dos riscos e bônus a que as partes estão sujeitas em qualquer negociação.” (AMATUZZI, 2019, p. 276)
Dessa forma, a remuneração livremente acordada entre o investidor e o futuro ocupante se presume equilibrada na medida em que as partes, sob a condição de privilégio da liberdade de contratar, aceitem-na como justa e adequada para remunerar não apenas o retorno do investimento daquele investidor, mas também o uso do imóvel pelo contratante, por todo o período de vigência da operação BTS.
Assim, pode-se afirmar que a proporcionalidade da remuneração acordada pelas partes na operação BTS decorre da liberdade contratual inerente aos contratos atípicos, e não de pretensas correlações diretas entre o montante investido pelo empreendedor imobiliário ou o valor de locação praticado no mercado de inserção do imóvel objeto de uma operação BTS, que, como visto, não se apresentam como exercícios adequados para ponderação do equilíbrio econômico-financeiro da remuneração nascida da operação BTS.
2.3 Gerenciamento de riscos
O conceito de risco pode assumir diferentes contornos nos diversos ramos das ciências.
A ciência jurídica, por exemplo, volta a sua atenção aos efeitos do dano decorrente de um risco que potencialmente se materialize, bem como à atribuição da responsabilidade a quem o causou, por ação ou omissão, e ao dever de reparação de quem causou a perda ou dano, e não especificamente à construção de um conceito próprio de risco. (CATARINE FRADE, 2009)
Já para o ramo das finanças, o risco tem correlação com as chances de que algo afete a rentabilidade de um investimento. Dessarte, quanto mais arriscado o empreendimento e, por conseguinte, maior a exposição ao risco de perda financeira ou de ganhos abaixo do esperado, maior será o prêmio de risco que será cobrado pelo investidor para aportar o seu capital no projeto. Em sentido inverso, quanto menores forem as chances de perdas e, portanto, mais seguro o investimento, menor será o prêmio de risco a ser alcançado pelo investidor como recompensa pelo investimento realizado. (FIA, 2021)
Em se tratando do gerenciamento de riscos, a ideia de risco é associada a eventos ou condições incertas que podem afetar de maneira positiva ou negativa os objetivos de um projeto, como, por exemplo, os que causem atrasos ao projeto, aumentem ou reduzam o seu custo, imponham ajustes ao seu escopo ou afetem a qualidade das entregas esperadas deste projeto. (XXXXXXX, 2002 apud ASSUIT, 2016)
Nesse sentido, o escopo do gerenciamento de riscos está na adoção de medidas que contribuam para potencializar a probabilidade da ocorrência de eventos positivos ao projeto e, de maneira oposta, a construção de medidas que possam reduzir a probabilidade e os efeitos das causas negativas ao projeto. (COUTINHO, 2010)
Dentre as alternativas possíveis de serem utilizadas como referencial para o desenvolvimento do gerenciamento de riscos empregado no estudo de caso, optou-se nesta monografia pelo Guia PMBOK do Project Management Institute - PMI.
É importante ressaltar que o Guia PMBOK tem na 7ª edição, publicada pelo PMI em 2021, a sua versão mais atual. Diferentemente da 6ª edição (2017), que tem enfoque nos processos e etapas do gerenciamento de riscos, a 7ª edição do Guia PMBOK se sustenta em 12 princípios de gerenciamento de projetos – Servidão, Colaboração, Empatia, Foco no Valor, Pensamento Sistêmico, Liderança, Adaptação, Qualidade, Complexidade, Riscos e Adaptabilidade e Resiliência –. (GUIA PMBOK, 2021).
Dentre as principais alterações trazidas pela 7ª edição do mencionado Guia em comparação à sua 6ª edição, pode-se destacar: (i) a ampliação do número de princípios de sete para 12, no intuito de melhor contextualizar a razão de se fazer e o que é feito na gestão de projetos; (ii) a substituição das chamadas Áreas de Conhecimento pelos Domínios de Desempenho, com o escopo de melhor compreender o que conduz um projeto à eficácia; e (iii) o foco na entrega de valor ao cliente, em substituição à preocupação com prazos e qualidade em projeto. (FIA, 2022)
A despeito das contribuições e melhorias trazidas pela mais recente versão do Guia PMBOK, para o presente trabalho, optou-se pela 6ª edição (2017) do referido Guia, pelo fato dessa edição oferecer, de maneira encadeado, um grupo de etapas para o estabelecimento do gerenciamento de riscos em um projeto, que melhor se amolda ao fim a que se destinou o estudo de caso desenvolvido nesta monografia, ou seja, a identificação das ameaças negativas e as formas possíveis de prevenção, mitigação ou transferência dessas ameaças em uma Operação Inovadora, com o objetivo da elaboração do conjunto de diretrizes que sirva de referencial aos diferentes perfis de investidores imobiliários – conservador, moderado ou arrojado – em operações BTS dessa natureza.
Assim, feita a ressalva da escolha pelo emprego do Guia PMBOK em sua 6ª edição (2017), tem-se por essa versão que o gerenciamento dos riscos de um projeto compreende sete etapas. São elas:
a) planejar o gerenciamento dos riscos: abrange a definição de como se dará o desenvolvimento e condução das atividades necessária para a formulação do plano de gerenciamento de riscos;
b) identificar os riscos: consiste na individualização e categorização de cada um dos riscos que possam afetar o projeto, as potenciais origens desses riscos e suas naturezas ou características;
c) realizar a análise qualitativa dos riscos: trata-se do exercício de priorização de cada risco identificado na etapa de categorização e identificação dos riscos, a partir da atribuição do grau de probabilidade e criticidade definidos na matriz de probabilidade e impacto de risco, que tem por base o juízo de valor da empresa que pretende estabelecer o plano de gerenciamento de riscos e o histórico do emprego de planos de respostas de riscos ao longo de projetos anteriores desenvolvidos ou acompanhados por essa empresa;
d) realizar a análise quantitativa dos riscos: consiste em ponderar numericamente a probabilidade e impacto dos riscos que foram classificados na análise qualitativa como de maior propensão e impacto em caso de sua ocorrência ao longo do projeto;
e) planejar as respostas aos riscos: trata-se da atividade de prover as respostas possíveis aos riscos identificados e analisados, com o objetivo de oferecer soluções que ofereçam o adequado tratamento aos riscos do projeto;
f) implementar as respostas aos riscos: abrange a etapa de colocar em prática o plano de respostas aos riscos identificados e categorizados, que, em regra, remanesçam
da matriz de riscos como os que devam ser monitorados após as análises qualitativas e quantitativa dos riscos identificados; e
g) monitorar os riscos: resulta no processo de acompanhamento da implementação do plano de resposta aos riscos, verificação e monitoramento dos riscos identificados nesse plano, bem como a constatação e análise de novos riscos que se apresentem ao longo do projeto. Serve de verdadeiro exercício de constatação do desempenho do processo de gerenciamento de riscos constituído para o projeto. (GUIA PMBOK, 2016).
Para o presente trabalho, foram desenvolvidas exclusivamente as etapas de planejamento do gerenciamento de riscos, categorização e identificação de riscos e construção do plano de respostas de riscos, pelas razões a seguir expostas.
Considerada a necessidade de preservação do sigilo sobre as partes envolvidos, o imóvel e outros aspectos melhor esclarecidos no estudo de caso, o planejamento do gerenciamento de riscos foi definido tendo por norte a intenção de que o conjunto de diretrizes ao investidor imobiliário em Operação Inovadora seja passível de aplicação de maneira integral ou flexibilizada pelos diversos perfis de investidores – conservador, moderado ou arrojado –, de sorte que se buscou, na estruturação daquele planejamento, que o plano de respostas aos riscos, categorizados e identificados ao longo do estudo de caso, contemplasse o nível de proteção adequado em termos de riscos associados a fatores econômicos, financeiros e jurídicos, a que possa ser submetido o empreendedor imobiliário na Operação Inovadora.
Relativo à etapa de identificação e categorização dos riscos, esta se desenvolveu a partir da análise dos dados extraídos do contrato built to suit objeto do estudo de caso. Como produto dessa etapa do gerenciamento de riscos, apresentou-se as categorias e riscos identificados, com uma abordagem sintética de como cada um desses riscos podem ameaçar o investidor no curso da Operação Inovadora, de maneira a consolidar o estudo de caso como alicerce do conjunto de diretrizes objetivado nesta monografia.
Faz-se importante ressaltar que foram objeto de pesquisa exclusivamente os riscos que representam ameaças negativas à Operação Inovadora. Assim, na etapa de categorização e identificação, não foram destacados os possíveis eventos positivos, ou seja, aqueles que, se ocorressem, poderiam se traduzir em oportunidades ao investidor na referida operação.
Em relação às etapas de análises qualitativas e quantitativas dos riscos individualizados na etapa de identificação dos riscos, optou-se por não as desenvolver, pelas seguintes razões:
a) definiu-se por construir o conjunto de diretrizes dentro do maior nível de proteção ao investidor, por conseguinte, a seleção de riscos mais ou menos relevantes na análise qualitativa, poderia eliminar desse conjunto uma série de riscos que, a depender do perfil do investidor que dele fizer uso, devam ser ponderados como relevantes e necessários na construção do plano de gerenciamento de riscos de um dado investidor;
b) considerou-se inviável o exercício de priorização e de ponderação numérica de probabilidade e impacto dos riscos – próprias das análises qualitativas e quantitativas –, uma vez que, para o desenvolvimento dessas etapas do gerenciamento de riscos, é ideal que se tenha à disposição dados sobre os riscos individualmente identificados para o projeto, assim como uma sólida base histórica de registros de como tais riscos afetaram a empresa em projetos anteriores, o que não se mostrou factível no estudo de caso em face: (i) do não acesso a outras amostras, além da que serviu de insumo para o estudo de caso; e (ii) da escassez de estudos sobre a Operação Inovadora, que não permitiu a identificação de bases históricas de gerenciamento de riscos que a tenha por fundamento.
Dessa forma, na etapa de construção do plano de respostas aos riscos, optou-se por analisar todos os riscos assinalados na etapa de identificação e categorizados dos riscos, sem atribuir grau de priorização ou de ponderação numérica de probabilidade e impacto – próprio de análises qualitativas e quantitativas de riscos –.
Por fim, o gerenciamento de riscos desenvolvido ao longo do estudo de caso não comportou, ainda, as etapas de aplicação e monitoramento do plano de respostas construído no desenvolvimento do estudo de caso, uma vez que o desenvolvimento dessas etapas demandaria o emprego empírico do plano de gerenciamento de riscos a um pretenso projeto de operação BTS com reforma substancial do imóvel pelo futuro ocupante, o que foge ao escopo desta monografia.
3. ESTUDO DE CASO
Quando da análise do art. 54-A, da Lei de Locações, destacou-se que as operações BTS ganharam dinamismo com esse novo comando legal, abrindo espaço para operações que fogem ao modelo tradicional de operação BTS, dentre estas a Operação Inovadora.
No presente estudo de caso, a Operação Inovadora foi estudada sob o enfoque exclusivo do investidor imobiliário, tendo por base um contrato BTS que a trouxe como objeto, formalizado entre uma rede varejista e uma empresa do segmento de real estate31. Para tanto, foi empregada a seguinte estrutura de análise: (i) compilação dos dados obtidos da avaliação do conteúdo contratual (objeto, obrigações, garantias etc.); (ii) análise desses dados para extração dos riscos identificados e sua caracterização, sempre sob o espectro do investidor e consideradas exclusivamente as potenciais causas negativas que se apresentem em uma Operação Inovadora;
(iii) construção do plano de resposta a esses riscos, igualmente sob o prisma do investidor; e
(iv) entrevistas com quatro especialistas em operações BTS, de maneira a colher impressões e sugestões sobre as versões preliminares do plano de respostas de riscos e do conjunto de diretrizes entregue como produto desta monografia.
A partir do plano de respostas de riscos resultante do estudo de caso, foi elaborado, como resultado deste trabalho, o conjunto de diretrizes que possam ser adotadas por diferentes perfis de investidores – conservador, moderado ou arrojado –, no intuito de prevenir, mitigar ou transferir riscos econômicos, financeiros e jurídicos, que se apresentem como ameaças ao investidor imobiliário na Operação Inovadora, bem como de contribuir para um ambiente de aprimoramento da segurança jurídica em contratos built to suit que tenham essa operação por objeto.
Adicionalmente, torna-se imperioso registrar que o contrato objeto do estudo de caso possui particularidades em comparação ao tradicionalmente praticado em operações BTS – destacadas na seção 3.2, desta monografia –. Contudo, as análises feitas e as conclusões ofertadas ao longo do estudo de caso e do conjunto de diretrizes ao investidor imobiliário não ficaram restritas a essas particularidades, de sorte que contemplaram, a partir da experiência do autor como assessor jurídico em operações BTS e do resultado das entrevistas com os especialistas, visões e constatações que ultrapassam as especificidades daquele contrato.
31 Por questão de sigilo da operação objeto do estudo de caso, os nomes das partes, localização do imóvel, segmento de atuação do varejista e outras informações ou dados que possam sugerir ou identificar as verdadeiras contratantes do contrato built to suit foram substituídos por dados fictícios.
3.1 O caso objeto de análise
O estudo de caso se fundamentou em um contrato BTS que teve por objeto a Operação Inovadora, resultante de expansão feita por uma rede de varejo na cidade de São Paulo – SP (“São Paulo”) e que, para tanto, procurou uma empresa do segmento de desenvolvimento e administração de EBI, proprietária de imóveis localizados em regiões dessa cidade e considerados pela rede varejista como aderentes ao seu objetivo de expansão.
Para fins de simplificação, deste ponto em diante, convencionou-se chamar a rede varejista de “Varejista” e a empresa proprietária do imóvel de “Investidora”.
Conforme extraído do introito do contrato objeto de estudo, como forma de dar maior dinamismo e velocidade na adequação do imóvel de seu interesse e antecipar a inauguração da nova loja, a rede varejista se predispôs a contratar e conduzir a reforma substancial do imóvel, contra a obrigação de investimento pelo proprietário do imóvel consubstanciado no reembolso do custo dessa reforma e o compromisso da rede varejista de alugar o imóvel por todo o período de vigência do contrato BTS.
A partir da narrativa do contrato firmado entre as partes, constatou-se que: (i) a Varejista objetivava expandir a sua presença na cidade de São Paulo por meio da abertura de novas lojas, distribuídas nas diversas regiões do referido município; e (ii) suas lojas possuem padrão visual e de comunicação próprios e são dotadas, além de áreas da comercialização de produtos, de espaços cedidos a profissionais que detém sinergia com a atividade principal da Varejista.
Para a Varejista é estratégico estar posicionada em ruas com bom fluxo de pessoas e comércio local estruturado. Contudo, não pretende, como se constatou da leitura do contrato objeto de estudo, fazer imobilização de capital por meio da aquisição de novos pontos comerciais, mas sim alugar imóveis situados nas regiões de seu interesse, e que passem por reformas, custeadas pelos proprietários dos imóveis, que os adaptem ao seu negócio e ao padrão de comunicação de sua marca.
A Investidora é uma empresa do segmento de EBI, desenvolvidos ou adquiridos ao longo de sua existência. Especificamente na cidade de São Paulo, a Investidora é proprietária de lojas de rua ocupadas por agências bancárias.
Nos últimos anos, em virtude do movimento de requalificação e modernização do setor bancário brasileiro e como efeito do crescimento do uso dos canais digitais, os antigos locatários devolveram à Investidora algumas daquelas lojas, situadas nas diversas regiões da cidade de São Paulo.
A Investidora não tem a necessidade de alavancagem em seus negócios e opta por fazer os investimentos com capital próprio.
Delineados os interesses empresariais da Varejista e da Investidora extraídos do contrato firmado entre elas, tem-se como plenamente legal e eficaz que as relações jurídicas entre elas estejam alinhavadas por meio de contrato built to suit, uma vez que tais interesses revelam os elementos legais albergados pelo art. 54-A, da Lei de Locações, que permitem caracterizar o negócio entre a Varejista e a Investidora como uma operação BTS.
Como perquirido, o alcance do art. 54-A, da Lei de Locações, expandiu as possibilidades de estruturação de operações BTS, quando abarcou, sob a dicção do elemento “aquisição, construção ou reforma substancial” (BRASIL, 1991 apud BRASIL, 2012, [s.p.] – negrito e grifo nosso), não apenas a clássica operação BTS, ou seja, aquela em que o empreendedor imobiliário previamente adquire o terreno ou imóvel e, ato subsequente, o constrói ou reforma de acordo com as condições predeterminadas pelo contratante e futuro ocupante desse imóvel, mas também outras operações BTS, dentre estas a operação em que a construção ou reforma do imóvel prescinde da compra do imóvel pelo empreendedor e, por conseguinte, ocorre em imóvel já integrante do portfólio de ativos deste.
Em adição, como dito alhures, o referido dispositivo legal, na dicção “por si mesmo ou por terceiros” (BRASIL, 1991 apud BRASIL, 2012, [s.p.]), admitiu que a construção ou reforma substancial do imóvel possa ser feita diretamente pelo empreendedor, como também por terceiros.
Ademais, como exposto na abordagem sobre o alcance do art. 54-A, da Lei de Locações, no emprego do termo “terceiros” (BRASIL, 1991 apud BRASIL, 2012, [s.p.]), o legislador abrigou não apenas a hipótese ordinária da contratação da construtora pelo empreendedor imobiliário, como também aquela em que o próprio contratante e futuro ocupante do imóvel se interesse por promover, diretamente ou por intermédio de empreiteiros, a construção ou reforma do imóvel por ele objetivado, seja:
a) para ter maior controle do investimento a ser feito pelo empreendedor imobiliário e, por conseguinte, da remuneração final a ser paga durante o período locatício da operação BTS;
b) por possuir padrões construtivos ou de governança próprios que o leve a decidir por contratar e conduzir a obra ou reforma pretendida em substituição à opção de franqueá-la aos cuidados do investidor imobiliário e seus prestadores de serviços; ou
c) por deter um modelo de negócio em regime de franquias, de sorte que a adaptação do imóvel a ser ocupado deve seguir padrões de exposição de produtos, posicionamento de marcas e sistemas de comercialização e logísticos próprios, sendo a proteção desses padrões algo estratégico para o contratante da operação BTS e, portanto, que o leve a não confiar as adaptações do imóvel ao empreendedor imobiliário.
Dever ser notado, ainda, que o elemento essencial que diferencia o contrato built to suit da locação não residencial tradicional se faz presente na relação Varejista-Investidora, uma vez que o investimento na reforma substancial do imóvel foi feito pela Investidora para atender ao interesse da Varejista de ocupar o imóvel por ela especificado, após a conclusão da reforma substancial32 que o adaptou aos padrões visuais, físicos e logísticos próprios da Varejista.
É igualmente importante perceber que a Investidora não deixou de fazer os investimentos necessários à adaptação dos imóveis de sua propriedade, mas o fez de forma diferida, uma vez que, por opção da Varejista manifestada em contrato, esta contratou e custeou, no primeiro momento, os projetos, licenças e a reforma substancial do imóvel, condicionado a que tais custos fossem integralmente reembolsados pela Investidora ao final da reforma substancial do imóvel.
Portanto, no contrato sob análise, ao final da reforma empreendida no imóvel e comprovados os custos da Varejista com esta etapa, a Investidora aportou o investimento – correspondente ao custo de obra – sob a forma de reembolso integral dos valores antecipados pela Varejista na consecução dessa reforma. Por conseguinte, restou justificado o fato da remuneração a ser paga pela Varejista ser composta não apenas da retribuição pelo uso e gozo do imóvel pela Varejista, mas também do retorno do investimento incorrido pela Investidora.
Pelo exposto, na relação Varejista-Investidora, não se tem um cenário especulativo em que a Investidora faz investimentos em seu imóvel para requalificá-lo e ofertá-lo indistintamente ao mercado, mas sim um quadro no qual os investimentos da Investidora foram condicionados e determinados pelo interesse prévio e manifestado da Varejista em ocupar tal imóvel, contra a realização de reforma substancial que o adaptasse aos padrões das demais lojas da rede varejista.
32 Normalmente, o investimento na Operação Inovadora é feito pelo contratado ao longo da execução da reforma substancial do imóvel pelo contratante, sendo as parcelas do investimento liberadas por aquele a este contra a medição da evolução física e financeira da obra. Nesse sentido, a realização do investimento após a conclusão física e formal da obra é uma característica peculiar do contrato objeto do estudo de caso, e não um evento ordinário em operações BTS.
Nesse sentido, o contrato que fundamentou a Operação Inovadora encontra respaldo no art. 54-A, da Lei de Locações e, por conseguinte, o legitimou como base para o estudo de caso desenvolvido.
3.2 Dados obtidos do contrato entre a Varejista e a Investidora
É importante reforçar que alguns dos dados do contrato foram alterados de forma a preservar o sigilo da operação, especialmente aqueles que pudessem levar à identificação das partes, do imóvel, dos garantidores e de outros aspectos sensíveis da operação objeto do contrato (a natureza da atividade empresarial da Varejista e os parceiros comerciais desta na ocupação de suas lojas).
Preliminarmente, apresenta-se, na figura a seguir, a linha do tempo do contrato objeto do estudo de caso, contendo marcos referenciais desse instrumento necessários para a melhor compreensão das abordagens feitas sobre os dados extraídos do contrato.
Figura 4 – Contrato Varejista-Investidora | Linha do Tempo
Fonte: o autor a partir de dados extraídos do contrato entre a Varejista e a Investidora.
Para sustentação da posterior categorização e identificação dos riscos, bem como do plano de resposta a esses riscos, apresenta-se, a seguir, as características do contrato built to suit firmado entre Xxxxxxxxx e Investidora.
i. O objeto do contrato:
O contrato firmado teve por objeto:
a) a locação pela Varejista de imóvel de propriedade da Investidora, de natureza urbana e não residencial, localizado em xxx xx xxxxxxx xxxxxxxxxxx xxxxxxxxx xx xxxxxx xxxxxx-xxx xx xxxxxx xx Xxx Xxxxx;
b) a obrigação da Investidora de realizar os investimentos necessários à reforma substancial do ativo previamente selecionado pela Varejista, observando os projetos desenvolvidos pela Varejista e aprovados pela Investidora, bem como o teto de investimentos estabelecido entre as partes – esse teto, como será exposto oportunamente, não foi indexado a índices de correção monetária e tampouco contou com mecanismo de revisão da taxa em caso de alterações macroeconômicas entre a assinatura do contrato e a data do efetivo desembolso do investimento pela Investidora –;
c) a obrigação da Varejista de desenvolver e aprovar junto aos órgãos competentes, diretamente ou por meio de prestadores de serviços de sua confiança, todos os projetos necessários para a reforma substancial do imóvel por ela pretendido, obtendo, se necessária, a licença de obra;
d) uma vez obtida a licença de obra, a Varejista se obrigou, diretamente ou por meio de prestadores de sua confiança, a proceder com a reforma substancial do imóvel, observados os projetos por ela desenvolvidos e aprovados pela Investidora, bem como, como condição para o reembolso correspondente ao investimento feito pela Investidora, a demonstrar que os custos incorridos tiveram por justificativa e destinação exclusiva a referida reforma; e
e) concluída a reforma substancial do imóvel, a Varejista se comprometeu a obter o auto de vistoria do Corpo de Bombeiros e, se necessária, a atualização do “Habite- se” do imóvel.
A locação objeto do contrato foi expressamente declarada e reconhecida pelas partes como uma locação atípica, fundamentada no art. 54-A, da Lei de Locações, considerando as declarações prévias das partes e todo o contexto fático e jurídico do contrato, que reafirmaram:
a) a estratégia da Varejista de ampliar a sua rede de lojas na cidade de São Paulo por meio da seleção de imóveis de propriedade de terceiros, localizados em regiões de comércio local pujante e que recebam investimentos de adaptação pelos proprietários destes imóveis, de maneira a atender aos interesses da Varejista de padronização visual, física e logística de sua rede de lojas;
b) a seleção de Investidora com capacidade financeira para assumir o compromisso de investir na reforma substancial do imóvel especificado pela Varejista para atender ao interesse desta; e
c) o compromisso da Varejista de firmar contrato de locação atípico, que garantisse à Investidora a geração de fluxo de remuneração estável e de longo prazo, como retribuição pelo uso do imóvel e o retorno do investimento feito na reforma substancial do imóvel, com garantias contratuais de que esse fluxo fosse integralmente pago, ainda que houvesse o rompido prematuro do contrato por decisão voluntária da Varejista ou em decorrência de rescisão por culpa desta.
ii. O imóvel de propriedade da Investidora:
O imóvel selecionado pela Varejista é uma loja de rua que, previamente à reforma substancial empreendida pela Varejista, apresentava características físicas típicas de uma agência bancária.
O imóvel é situado em importante rua de comércio na região centro-sul da cidade de São Paulo, contido na mancha de expansão da Varejista, conforme declaração em contrato.
iii. A reforma substancial do imóvel:
O acordo firmado entre Xxxxxxxxx e Investidora estabeleceu a realização de reforma substancial do imóvel de propriedade desta, que consistiu:
a) na modificação do imóvel para retirar-lhe as características de uma agência bancária e adaptá-lo aos padrões físicos, visuais e logísticos da rede varejista; e
b) na ampliação da área construída de fachada do imóvel, com o objetivo de conferir maior e melhor exposição da marca da Varejista.
A Varejista se obrigou a desenvolver e aprovar os projetos referentes à citada reforma, bem como a contratar, gerir e fiscalizar os fornecedores e prestadores de serviços de sua confiança, que, por conta e ordem da Varejista, promoveram a reforma substancial nos limites dos projetos aprovados pelas partes e as autoridades competentes, ficando a obra sob administração exclusiva da Varejista.
Em relação à reforma substancial, a Investidora assumiu exclusivamente a responsabilidade pela realização dos investimentos necessários para consecução da reforma
substancial de seu imóvel, com um teto de investimentos estipulado na data-base de celebração do contrato built to suit – novembro de 2021 –, que não sofreu ajustes por variações inflacionárias ou alterações macroeconômicas havidas entre a assinatura do contrato – novembro de 2021 – e a data do desembolso do capital pela Investidora – junho de 2022 –. Dessa forma, a Investidora não manteve qualquer obrigação pelo sucesso ou insucesso da obra civil e legalização da reforma de seu imóvel, que, como dito, ficou a cargo da Varejista.
Das características acima, extrai-se dois traços da Operação Inovadora que fogem ao ordinário de uma operação BTS tradicional:
a) a responsabilidade pela realização e conclusão física e formal da obra foi assumida pela Varejista – em operações BTS tradicionais, esta obrigação fica a cargo do investidor imobiliário –;
b) e o desembolso correspondente ao investimento da Investidora foi diferido para o momento em que a reforma substancial fosse concluída pela Varejista, ou seja, para o final das obras de adaptação do imóvel – em operações BTS tradicionais, o investidor imobiliário, em regra, realiza os aportes de acordo com a evolução física e financeira da obra –.
iv. Prazo para conclusão da reforma substancial:
A Varejista assumiu a obrigação de concluir a reforma substancial do imóvel no prazo de até 120 dias, contados da aprovação do orçamento de obra pela Investidora ou da obtenção das licenças necessárias, prevalecendo o que por último acontecer, ressalvado o prazo de tolerância de 60 dias33 em relação ao termo original de obra, sem a imposição de sanções por atraso até o limite dessa tolerância – a reforma teve início em janeiro de 2022 e foi concluída em junho do mesmo ano –.
Em relação ao cronograma de execução da reforma substancial, a Varejista teve a liberdade para estabelecê-lo, sem a necessidade de aprová-lo com a Investidora, observado, contudo, o dever de concluí-la dentro do prazo limite de 180 dias – 120 dias de prazo ordinário, acrescido de mais 60 dias de prazo tolerância –.
É importante destacar que o contrato estabeleceu como conclusão de obra a comprovação pela Varejista à Investidora da execução da obra civil e da obtenção dos
33 Caso o atraso na conclusão da reforma substancial ultrapassasse esse prazo de tolerância, o contrato estabeleceu o acréscimo de um percentual ao dia à taxa utilizada para apuração da remuneração do investimento, devido por dia de atraso da obra.
documentos de legalização da reforma (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros, Certidão Negativa de Obra da Receita Federal e, se necessário, a atualização do “Habite-se” do imóvel).
Assim, dentro do prazo limite de obra, a Varejista, diretamente ou por intermédio de seus prestadores e fornecedores, deveria comprovar à Investidora a conclusão física e formal da reforma a que se obrigou.
v. O investimento da proprietária do imóvel:
As partes acordaram que o investimento feito pela Investidora se desse mediante o reembolso integral dos custos que a Varejista incorresse com a reforma substancial do imóvel, observado o teto de investimento estabelecido pela Investidora na data-base do contrato – novembro de 2021 – , sendo que sobre esse teto não incidiu correção monetária ou outra forma de revisão em caso de mudanças macroeconômicas entre a assinatura do contrato e aquele reembolso.
Dessa forma, qualquer valor que ultrapassasse o teto de investimento seria suportado pela Varejista com recursos próprios, de maneira exclusiva e sem o direito a reembolso por parte da Investidora, ainda que empregado na consecução ou conclusão da reforma do imóvel. De outro lado, em face da não correção monetária do referido teto, o risco da variação inflacionária sobre os insumos necessários para a realização da reforma – mão de obra, materiais etc. – acabou alocado na Varejista. Trata-se de condição que igualmente foge à ordinariedade das operações BTS, pois, nestas, o mais comum é que o valor do investimento seja ajustado pela inflação do período – comumente com base em um índice setorial34 –, sendo mais um aspecto da Operação Inovadora em que as partes transacionaram de maneira
excepcional ao que se vê em operações BTS tradicionais.
Em adição, no intuito de assegurar a destinação do seu investimento exclusivamente à execução da obra civil e às etapas de sua legalização, a Investidora, a despeito de não ter sido a responsável pela contratação, gestão e fiscalização da reforma substancial do imóvel, exigiu e fez constar do contrato mecanismos de acompanhamento dos desembolsos feitos pela Varejista e de comprovação da vinculação desses desembolsos com o projeto de reforma substancial do seu imóvel, especialmente a fixação de marcos contratuais para apresentação pela Varejista de documentos que permitissem a confirmação dessa vinculação, tais como:
34 Como, por exemplo, o Índice Nacional de Custo de Construção - Disponibilidade Interna (INCC-DI), divulgado pela Fundação Xxxxxxx Xxxxxx – FGV.
a) as cópias dos contratos firmados com os seus fornecedores e prestadores de serviços;
b) a cópia do alvará de reforma emitido pela autoridade competente – se o caso –;
c) a prova de inscrição da obra no CNO; e
d) o relatório periódico com a demonstração da evolução física e financeira da reforma, incluindo as notas fiscais pagas pela Varejista e as provas dos recolhimentos fiscais, trabalhistas e previdenciários por seus prestadores de serviços.
A Investidora, como proteção contratual complementar, ainda condicionou que o seu investimento acontecesse em parcela única, contra a devida comprovação pela Varejista da conclusão física e formal da reforma do imóvel e a apresentação de prestação de contas detalhada, contendo:
a) a relação e as imagens das notas fiscais sacadas pelos prestadores de serviços e fornecedores da Varejista, que deveriam tê-la por sacada, indicar o endereço da obra e as retenções legais pertinentes, especialmente, sem se limitar, o Imposto Sobre Serviços (ISS) e as contribuições previdenciárias com indicação do número da obra no CNO;
b) os recibos de quitação fornecidos pelos prestadores de serviços e fornecedores da obra;
c) os comprovantes de recolhimentos e retenções legais, incluindo os de natureza previdenciária, trabalhista e tributária;
d) a prova de quitação dos prêmios de seguro de risco de engenharia e responsabilidade civil, geral e cruzada, bem como do seguro patrimonial do imóvel para os períodos de ocupação do imóvel anterior ao início da obra e posterior à conclusão desta;
e) o termo de vistoria e aceitação da obra assinado pela equipe de gerenciamento própria ou terceirizada da Investidora; e
f) os documentos de legalização da reforma concluída, ou seja, o AVCB e o “Habite- se” atualizados.
Atendidas as condições de demonstração da conclusão física e formal da reforma do imóvel e apresentada a documentação que compõe a prestação de contas, a Investidora, ao final da reforma, reembolsaria a Varejista, em parcela única, dos valores incorridos e comprometidos por esta, observado o mencionado teto de investimento – a obra foi concluída em junho de 2022,
oportunidade em que também foi feito o investimento pela Investidora por meio do reembolso dos custos da reforma demonstrados pela Varejista –.
É importante destacar que o modelo de financiamento da reforma do imóvel estruturado entre a Varejista e a Investidoras, em que aquela custeou a reforma e foi reembolsada desse custo pela Investidora somente ao final da obra, não é o que normalmente acontece em operações BTS tradicionais.
Em operações BTS tradicionais, as estruturas mais comuns de financiamento das adaptações do imóvel são:
a) o investidor contratar e financiar diretamente o custo da reforma do imóvel e outorgar a posse do imóvel ao contratante da operação BTS ao final da reforma; ou
b) o contratante da operação BTS contratar e conduzir a reforma do imóvel e o investidor fazer os aportes de custeio dessa obra à medida em que esse contratante demonstre o atingimento dos marcos de evolução física e financeira da obra – normalmente, esta opção de financiamento é selecionada pelas partes quando: o contratante da operação BTS tem a intenção de conduzir a obra por questões estratégicas; ou o investidor não deseja conduzi-la diretamente, mas tão somente financiá-la –.
Contudo, torna-se igualmente relevante pontuar que a estrutura de financiamento, desde que admitida pela legislação, pode ser livremente escolhida pelas partes na operação BTS, observada a prevalência da liberdade contratual que permeia esse tipo de operação imobiliária, como pontuado ao longo desta monografia.
Assim, o fato de a Varejista e a Investidora terem optado por uma estrutura de financiamento diferido, não descaracteriza a Operação Inovadora firmada entre a Varejista e Investidora de locação built to suit para locação típica, uma vez que estiveram presentes os elementos do art. 54-A, da Lei de Locações, que a tipificam como uma operação built to suit, ou seja:
a) o comando prévio da Xxxxxxxxx à Investidora para que esta investisse na reforma do imóvel para adaptá-lo aos interesses daquela;
b) a realização do investimento pela Investidora para atender a esse comando, mediante o reembolso dos custos incorridos pela Varejista, até o limite do teto de investimento ajustado entre as partes; e
c) a reforma substancial do imóvel ocupado pela Varejista.
vi. A remuneração da Investidora:
Igualmente de maneira peculiar e diversa do que normalmente se observa em operações BTS tradicionais, as partes fixaram a remuneração devida pela Varejista à Investidora com segregação dos valores devidos por aquela em: (i) remuneração pelo uso do imóvel – a obrigação de pagamento teve início a partir da outorga da posse do imóvel à Varejista, ou seja, novembro de 2021 –; e (ii) remuneração pelo retorno do investimento – a obrigação de pagamento teve início a partir da realização do investimento, ou seja, junho de 2022 –.
Em relação à remuneração pelo uso do imóvel, foi estabelecido pelas partes:
a) um valor de aluguel mensal, corrigido, anualmente ou na menor periodicidade que a lei venha a admitir, pela variação exclusivamente positiva do Índice Geral de Preços Mercado – IGP-M, divulgado pela FGV, devido pela Varejista desde a data de sua imissão na posse do imóvel – no caso, novembro de 2021 –;
b) a concessão de seis remunerações de carência, de sorte que, nos primeiros seis meses de vigência do prazo locatício da Operação Inovadora firmada entre as partes
– que se iniciou na data de assinatura do contrato pelas partes –, a Varejista foi exonerada do pagamento da parcela da remuneração devida pelo uso do imóvel; e
c) a faculdade de as partes postularem a revisão trienal da parcela da remuneração atinente ao uso do imóvel35.
No tocante à parcela da remuneração do built to suit correspondente ao retorno do investimento, Investidor e Varejista acordaram o seguinte mecanismo para a definição do seu valor mensal:
a) aplicação de uma taxa percentual mensal sobre o valor do investimento efetivamente incorrido pela Investidora, sendo que não foi arbitrado um mecanismo de revisão dessa taxa caso as condições macroeconômicas se alterassem entre a data de assinatura do contrato e a data da realização do investimento pela Investidora – contudo, em caso de atraso na conclusão da reforma, a referida taxa seria acrescida de um percentual ao dia, por dia de atraso na conclusão da reforma –;
b) sobre o valor da remuneração mensal apurada na forma do alínea “a”, incide a correção monetária pela variação exclusivamente positiva IGP-M/FGV, devido pela Varejista, apurada a cada período de 12 meses ou na menor periodicidade que a lei venha a admitir, contados da data em que ocorreu o desembolso do
35 Sobre esta questão, remete-se o leitor ao exposto no item “viii”, da presente seção 3.2.
investimento pela Investidora, no caso, a data em que a Varejista comprovou a conclusão física e formal da reforma à Investidora, ou seja, junho de 2022 – data- base para a correção monetária dessa parcela da remuneração na Operação Inovadora firmada entre a Varejista e a Investidora –;
c) houve a renúncia ao direito de postular a revisão trienal da remuneração correspondente ao retorno do investimento feito pela Investidora, durante o prazo de vigência da Operação Inovadora em questão.36
É importante observar que, ao arbitrar a taxa mensal para apuração do valor da remuneração do retorno do investimento, e não prever um mecanismo de revisão dessa taxa em caso de alterações macroeconômicas que afetassem o custo do capital entre a assinatura do contrato e o momento do desembolso desse capital – inflação ou aumento da taxa básica de juros, por exemplo –, a Investidora assumiu o risco de exposição do retorno do seu capital a essas alterações, que poderiam comprometer a rentabilidade esperada pela Investidora, se, no momento de aplicação da taxa arbitrada, o custo do capital empregado pela Investidora estivesse acima do projetado no momento da assinatura do contrato ou a inflação do período fosse de tal ordem que penalizasse o retorno esperado.
Todavia, deve ser relembrado que o prazo limite para conclusão da reforma era de 180 dias – 120 dias, mais 60 dias de tolerância –, de sorte que, pela natureza da operação firmada, tem-se um cenário de curto prazo. Dessa forma, possivelmente, a Investidora ponderou que o risco de mudanças bruscas no cenário macroeconômico fosse diminuto no momento da celebração da Operação Inovadora com a Varejista e optou, na negociação, por não estipular algum gatilho de ajuste do percentual da taxa de remuneração do investimento, assumindo, assim, o risco de variações que a afetassem no período entre a assinatura do contrato e a data da realização do investimento.
Sobre este aspecto, como exposto, a Investidora, no contrato analisado, buscou se resguardar daquelas potenciais variações exclusivamente na hipótese em que o prazo total da reforma ultrapasse o prazo total de obra, arbitrando um percentual de acréscimo da taxa de remuneração por dia de atraso em relação a esse prazo.
36 Sobre esta questão, remete-se o leitor ao exposto no item “viii”, da seção 3.2, deste trabalho.
vii. Índice de reajuste da remuneração:
As partes elegeram o IGP-M/FGV como fator de atualização monetária das parcelas da remuneração correspondentes ao uso do imóvel e ao retorno do investimento realizado pela Investidora.
viii. Revisão das remunerações da Investidora:
Comumente, as operações BTS são estabelecidas com a renúncia ao direito de revisão da remuneração de forma abrangente, ou seja, alcançado tanto a parcela dessa remuneração devida pelo uso do imóvel, quanto a que remunera o retorno do investimento da contratada.
Porém, na Operação Inovadora firmada entre a Varejista e a Investidora, as partes, de maneira sui generis, renunciaram ao direito de revisão trienal da remuneração exclusivamente em relação à parcela correspondente ao retorno do investimento da Investidora.
Nesse sentido, na operação entre a Varejista e a Investidora, ficou aberta a possibilidade da revisão trienal da contraprestação pelo uso do imóvel, de sorte que, em relação a essa parcela da remuneração do contrato built to suit, a Varejista e a Investidora optaram por se sujeitar aos benefícios e riscos que tal decisão possa gerar a uma ou outra parte, observadas as prováveis alterações das condições econômicas e de mercado que se apresentem ao longo de um contrato com vigência de 15 anos – prazo de vigência da Operação Inovadora entre Varejista e Investidora –.
Considerado o exposto no parágrafo anterior, a Investidora, por exemplo, pode se ver incentivada a fazer uso da revisão do valor da remuneração pelo uso do imóvel, caso o ciclo do real estate esteja em momento de retomada ou expansão, uma vez que o preço da locação, nesses momentos, tende a subir em virtude da carência de imóveis disponíveis para locação em associação com o aumento da procura pelos espaços disponíveis ou em construção, bem como do momento econômico de estabilização da inflação e redução da taxa básica de juros que pode atrair investidores para o mercado imobiliário ávidos por taxas de remuneração mais atrativas do que as encontradas no mercado financeiro.
Por outro lado, em cenário de ciclo do real estate recessivo ou de excesso de oferta de imóveis, a tendência é que a Varejista lance mão do pedido de revisão da parcela da remuneração para trazê-la a patamares condizentes com o praticado no mercado de inserção do imóvel, uma vez que, nesses ciclos, o preço da locação do imóvel tende a ser pressionado para
baixo em virtude do aumento da taxa de vacância ocasionada pelo excesso de imóveis ou da fuga de capitais do mercado imobiliário para o financeiro em busca de aplicações financeiras que acompanhem o aumento da taxa básica de juros para contenção de crescimento inflacionário.
Dessa forma, dada a opção das partes de, no contrato objeto do estudo de caso, limitarem a renúncia ao direito de revisão exclusivamente à parcela da remuneração corresponde ao retorno do investimento, Varejista e Investidora tendem a lançar mão do mecanismo de revisão trienal da parcela da remuneração devida pelo uso do imóvel, sendo que, ponderada a data de início da obrigação de pagamento desta parcela no contrato entre a Varejista e Investidora – novembro de 2021 –, a primeira revisão trienal da parcela da remuneração devida pelo uso do imóvel poderá ser acionada por qualquer das partes contratantes a partir de novembro de 2024. Porém, considerando se tratar de um contrato built to suit, há de ser ponderado que é remota a probabilidade de rompimento prematuro do contrato pela Varejista em caso de dissenso com a Investidora acerca da revisão do valor da parcela da remuneração devida pelo uso do imóvel, uma vez que, para tanto, a Varejista precisará quitar a multa corresponde pela
denúncia antecipada da Operação Inovadora, tradicionalmente gravosa em operações BTS.
Por corolário, no caso específico, ainda que a Varejista não alcance a melhor condição na eventual pretensão de revisar o valor da parcela da remuneração devida pelo uso do imóvel, a locação atípica tenderá a ser mantida por ela, considerado o fator desestimulante da multa por denúncia antecipada.
ix. Vedação à compensação:
Como exposto na abordagem acercada da sinergia entre a operação de securitização de créditos e os contratos built to suit, é comum em contratos dessa natureza que as partes transacionem a vedação à compensação das remunerações dele derivadas com débitos que o contratado tenha em relação ao contratante, de maneira a preservar a higidez da operação de securitização que tenha por objeto os créditos imobiliários oriundos de operações BTS.
Assim, objetivando garantir a perenidade do fluxo de recebimento das remunerações e permitir a eventual securitização dos recebíveis do contrato pela Investidora, no contrato firmado entre a Varejista e a Investidora, foi estabelecida a vedação à compensação de créditos que a Varejista tenha ou venha a ter contra a Investidora, incluindo, sem se limitar, os que decorram de sanções aplicadas durante a vigência da Operação Inovadora.
x. Prazo locatício:
Em relação à imissão na posse e início da fase locatícia do contrato firmado entre a Varejista e Investidora, a Operação Inovadora também se diferenciou de uma operação BTS clássica, em que, tradicionalmente, o contratante é imitido na posse do imóvel somente após a conclusão da obra ou reforma de responsabilidade do investidor.
No contrato analisado, considerando que a Xxxxxxxxx assumiu a obrigação de aprovar e realizar a reforma substancial do imóvel de propriedade da Investidora, para adaptá-lo às condições e necessidades operacionais e comerciais da Varejista, a Investidora outorgou a posse do imóvel à Varejista na data de celebração do contrato built to suit – novembro de 2021 –, para que esta, desde logo, pudesse empreender as atividades necessárias à consecução da reforma a que se obrigou a contratar, gerir e concluir, no tempo e condições estabelecidos contratualmente.
Assim, a posse do imóvel foi transmitida pela Investidora à Varejista na data de celebração do contrato built to suit, oportunidade em que as partes firmaram um instrumento de vistoria e entrega do imóvel, com o objetivo de consolidar as condições em que o imóvel se encontrava previamente à realização da reforma substancial prevista em contrato.
Além de relevante para a administração das responsabilidades e obrigações das partes, uma vez que atestou o estado do imóvel no momento da transmissão da sua posse à Varejista, o referido termo de vistoria e entrega do imóvel, no caso do contrato estudado, teve por objetivo servir de referencial para a definição pela Investidora de como o imóvel deverá ser devolvido pela Varejista ao final do prazo da Operação Inovadora.
Isto porque, igualmente em condição peculiar e não comum em operações BTS tradicionais, as partes acordaram que, não havendo a renovação da locação ao final do prazo original da Operação Inovadora ou na hipótese de seu rompimento prematuro por decisão voluntária ou decorrente de culpa da Xxxxxxxxx, a Investidora tem a faculdade de optar por receber o imóvel:
a) com as características resultantes da reforma substancial empreendida pela Varejista; ou
b) recomposto pela Varejista ao estado em que o recebeu da Investidora na data de celebração do contrato built to suit.
No presente caso, a eventual opção da Investidora por receber o imóvel no estado anterior à reforma empreendida pela Varejista, ao que tudo indica, não se mostrará viável, pois,
relembrando que o imóvel, como declarado no contrato, continha características próprias de uma agência bancária, o exercício dessa opção apenas se mostrará benéfica à Investidora se ela, no futuro, xxxxx como pretendente a locatária uma instituição financeira. Todavia, mesmo nesse cenário, é pouco provável que a futura locatária, em face das transformações pelas quais passa o segmento bancário – como expostas no introito desta monografia –, demande um imóvel nos padrões físicos antecedentes a reforma empreendida – considerando que a devolução do imóvel pela Varejista somente ocorra ao final do prazo original da Operação Inovadora –.
Dessa forma, ao que parece, a opção de devolução do imóvel nas condições prévias à reforma tende a ser uma faculdade que não será exercida pela Investidora, mostrando-se, possivelmente, inócua a peculiar composição assumida pela Varejista no contrato objeto deste estudo de caso.
Por fim, registre-se que o prazo de vigência do prazo locatício da Operação Inovadora foi estabelecido em 15 anos, contados da imissão da Varejista na posse do imóvel, ou seja, a data em que o contrato foi celebrado entre as Partes – novembro de 2021 –, sendo facultado à Varejista requerer a sua renovação, desde que o faça com antecedência mínima de seis meses da data de término da vigência da Operação Inovadora e esteja em dia com as suas obrigações contratuais.
É importante destacar, por fim, que sobre o prazo adicional de locação, ou seja, aquele que se seguirá ao fim do prazo da Operação Inovadora, Varejista e Investidora deixaram em aberto, no contrato, a definição das condições futuras de locação, prevendo, contudo, a necessidade de prévio aditamento ao contrato da Operação Inovadora para o ajuste dessas condições.
xi. Multas contratuais:
No tratamento dos efeitos de extinção do contrato, a Varejista e a Investidora buscaram refleti-lo tendo por norte:
a) a opção feita pelas partes de explicitar a parcela da remuneração devida pela Varejista a título de ocupação do imóvel e a parcela dessa remuneração atinente ao retorno do investimento; e
b) o momento em que o rompimento contratual possa ocorrer ao longo da vigência da peculiar operação BTS.
Assim, as multas contratuais estabelecidas para as hipóteses de rompimento voluntário ou culposo da Varejista, e que objetivam compensar a Investidora em caso de extinção precoce do contrato built to suit e preservar o equilíbrio econômico-financeiro em momento de estresse contratual, foram estabelecidas pelas partes da seguinte forma:
a) multa em caso de rompimento contratual ocorrido no período entre a assinatura do contrato e o início da reforma substancial do imóvel: a Varejista assumiu a obrigação de pagar uma multa equivalente a seis vezes o valor da parcela da remuneração que corresponde ao uso do imóvel – como visto, outorgado pela Investidora à Varejista já na assinatura do contrato –;
b) multa por rompimento contratual ocorrido no período entre o início da reforma substancial do imóvel e a não conclusão física e formal desta: a Varejista assumiu a obrigação de pagar uma multa no valor equivalente à soma de seis remunerações pelo uso do imóvel e o valor do teto do investimento assumido pela Investidora; e
c) multa por rompimento contratual ocorrido após a conclusão física e formal da reforma substancial: a Varejista se obrigou ao pagamento de multa penal no valor equivalente a seis remunerações pelo uso do imóvel, acrescido da somatória do saldo vincendo das remunerações devidas pelo retorno do investimento.
Frise-se que as multas arbitradas para a hipótese de rompimento prematuro da Operação Inovadora firmada entre a Varejista e a Investidora foram estabelecidas pelas partes com natureza compensatória exclusivamente em relação ao evento denúncia voluntária ou rescisão por culpa da Xxxxxxxxx. Nesse sentido, havendo perdas e danos causados à Investidora não correlacionados a esse evento, a Xxxxxxxxx assumiu o compromisso de indenizá-las.
Em adição às multas aplicáveis em caso de rompimento prematuro da Operação Inovadora firmada entre a Varejista e a Investidora, as partes acordaram as seguintes sanções pecuniárias:
a) multa pelo descumprimento de obrigações contratuais ou legais acessórias do contrato: para as hipóteses em que o contrato não prevê multa específica em caso de descumprimento da obrigação inadimplida, as partes estabeleceram uma multa, bilateral e geral, no valor equivalente a uma remuneração mensal devida pelo uso do imóvel, aplicável à parte que deixar de observar a condição contratual ou legal; e
b) multa e encargos em caso de não cumprimento de obrigações de natureza pecuniária
– pagamento das remunerações e dos encargos locatícios (IPTU, contas de consumo
etc.) –: as partes acordaram a correção monetária do valor devido pelo mesmo índice de reajuste da remuneração mensal da Operação Inovadora, ou seja, o IGP- M/FGV, bem como a aplicação de juros de mora de 1% ao mês ou fração, e a multa de 10% sobre o valor do débito corrigido, apurados pro rata die.
Em relação à possibilidade de cura da obrigação inadimplida antes da aplicação de sanções contratuais, Varejista e Investidora estabeleceram o mecanismo da cura exclusivamente para os eventos de mora ou inadimplência correlatos à multa pelo descumprimento de obrigações contratuais ou legais acessórias do contrato – ou seja, a situação tratada na alínea “b” do parágrafo anterior –, de sorte que, nessa circunstância, a parte infratora somente sofre a sanção se, notificada pela parte inocente, deixar de sanar a sua mora ou inadimplência dentro do prazo previsto em contrato para tanto – no caso, 30 dias –.
Esse mecanismo de cura da obrigação inadimplida visa evitar que um contrato da relevância econômica e financeira, como é o caso de um contrato built to suit, seja rompido de maneira automática na hipótese de descumprimento de uma obrigação acessória e, portanto, de menor potencial ofensivo, como, por exemplo, a não entrega de um documento de fornecimento obrigatório por uma das partes.
A despeito de não terem previsto o mecanismo da cura para obrigações de natureza pecuniária, faz-se importante notar que a Varejista mantém, por lei, o direito de purgar a sua mora antes de ter o contrato da Operação Inovadora rescindido por culpa daquela, caso essa rescisão tenha por fundamento a falta de pagamento da remuneração ou dos encargos locatícios previstos no contrato firmado com a Investidora.
O direito de purgação da mora pela Varejista decorre da interpretação conjugada dos artigos 54-A e 62, II, da Lei de Locações. Pelo art. 54-A, da citada lei, há a prevalência das disposições procedimentais ao contrato built to suit sustentado no referido comando legal; por outro lado, o art. 62, II, da citada legislação, consagra o direito da purgação da mora, no prazo de até 15 dias, contados da citação do locatário para responder a ação de despejo fundamentada na falta de pagamento do aluguel e/ou de encargos da locação – condomínio, impostos incidentes sobre o imóvel etc. –.
Portanto, mesmo a Investidora não tem admitido expressamente o mecanismo de cura para obrigações pecuniárias no contrato firmado com a Varejista, esta pode fazer uso da previsão legal que assegura o direito de purgação da mora, antes da extinção da relação locatícia derivada do contrato built to suit, não havendo a extinção direta e imediata da Operação Inovadora em caso de mora ou inadimplência da Varejista no cumprimento de uma obrigação
pecuniária, no que se inclui, por corolário, o dever de pagar a remuneração acordada e os encargos locatícios – IPTU, condomínio etc. –.
Outrossim, há de ser destacado que a falta de admissão de um mecanismo prévio de notificação para a cura de obrigações pecuniárias igualmente se apresenta como uma hipótese extraordinária ao que normalmente se verifica em contratos BTS, especialmente quando se tem empresas do setor varejista na ponta contratante dessa operação.
Isto porque, receosos de falhas operacionais, os varejistas, em regra, postulam a inserção em contrato da notificação prévia para a cura da obrigação pecuniária inadimplida, de maneira a se evitar o risco de o proprietário do imóvel fazer uso da distribuição imediata da ação de despejo, hipótese em que, mesmo exercendo o direito à purgação da mora como forma de se evitar o despejo, o varejista se veria onerado pelos custos de uma ação judicial.
xii. Seguros nas etapas de obra e de ocupação do imóvel:
Como dito, a Xxxxxxxxx tomou posse do imóvel no momento da celebração do contrato built to suit firmado com a Investidora, sendo que, dadas as características peculiares da Operação Inovadora, foi exigida a contratação de seguros para a cobertura dos riscos inerentes a cada etapa do contrato, assim discriminados:
a) seguro de risco patrimonial ao imóvel e responsabilidade civil: contratado e renovado para os períodos antecedente ao início da reforma substancial do imóvel e posterior à conclusão dessa reforma; e
b) seguro de risco de engenharia e responsabilidade civil, geral e cruzada: contratado com vigência no curso da etapa de realização da reforma substancial do imóvel.
De maneira complementar à segurança objetivada com a contratação dos seguros em questão, a Investidora não excluiu do contrato a responsabilidade da Varejista por eventuais perdas e danos causados ao imóvel, a terceiros e à Investidora, estejam ou não cobertos pelos seguros contratados.
Por fim, destaque-se que o contrato entre a Varejista e Investidora não estabeleceu a obrigação de contratação por aquela do chamado seguro performance bond37, normalmente
37 Trata-se de seguro garantia normalmente exigido em contratos de empreitada, incluindo os que derivam de operações BTS, cujo objetivo é proteger a parte contratante da inadimplência da construtora em relação à sua obrigação de construção ou reforma do imóvel. Esse tipo de seguro, em regra, possibilita ao segurado (o contratante da obra) duas escolhas: (i) ser indenizado pela perda decorrente do descumprimento contratual da construtora; ou
(ii) a substituição da tomadora do seguro por outra construtora, que passará a ser a responsável pela conclusão das etapas faltantes da obra e remunerada pela Companhia Seguradora até o limite da cobertura contratada.
previsto em contratos de operações BTS como resposta ao risco de não cumprimento da obrigação de construção ou reforma assumida nesses contratos.
xiii. Garantias contratuais:
Em termos de garantias contratuais, o contrato estabeleceu um “colchão” de garantias, incluindo seguro fiança locatícia, alienação fiduciária de imóveis de propriedade de terceiros garantidores e fiança da holding38controladora da Varejista.
As garantias foram declaradas pelas partes como complementares e garantidoras de todas as obrigações assumidas pela Varejista no contrato, podendo ser acionadas pela Investidora de acordo com a ordem de execução que melhor lhe aprouver, e sem que a excussão de uma das garantias importe na renúncia ou impossibilidade de excussão das garantias remanescentes, se e quando necessária.
Especificamente em relação à alienação fiduciária de imóvel dos terceiros garantidores, o contrato ressalvou que ela corresponde a uma porcentagem específica das obrigações garantidas, de maneira que a Varejista reconheceu e renunciou expressamente ao art. 27, §§ 4º e 5º, da Lei n.º 9.514/97, que confere quitação ao devedor em caso de venda ou consolidação da propriedade do imóvel pelo credor para fazer frente à dívida objeto de garantia, independentemente se o valor de venda ou de consolidação sejam suficientes para quitar o saldo da dívida objeto de cobrança.
Assim, no contrato objeto deste estudo de caso, se a alienação fiduciária do imóvel do terceiro garantidor for acionada pela Investidora e o produto da venda ou o valor de consolidação do imóvel for inferior ao necessário para quitar a integralidade das obrigações assumidas pela Varejista no contrato built to suit, esta permanece obrigada pelo cumprimento do saldo não pago dessas obrigações, não se operando, nos termos do comando legal renunciado pela Varejista, a extinção e exoneração da Varejista relativamente ao saldo remanescente da dívida.
38 Expressão derivada do verbo to hold, que, em tradução livre, significa controlar, foi definida por Carvalhosa da seguinte forma: “As holdings são sociedades não operacionais que tem seu patrimônio composto de ações de outras companhias. São constituídas ou para o exercício do poder de controle ou para a participação relevante em outras companhias, visando nesse caso, constituir a coligação. Em geral, essas sociedades de participação acionária não praticam operações comerciais, mas apenas a administração de seu patrimônio. Quando exerce o controle, a holding tem uma relação de dominação com as suas controladas, que serão suas subsidiárias.”. (2009, p. 14). A figura das chamadas Holdings encontram tratamento na Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
Há de ser observado que a estrutura de garantias da Operação Inovadora entre a Varejista e Inovadora não é algo peculiar a essa modalidade de operação imobiliária, mas uma circunstância normalmente buscada pelos investidores em operações BTS em geral, dado os relevantes investimentos e os elevados riscos envolvidos em negociações dessa natureza, especialmente na hipótese em que a contratante deixe de honrar com o pagamento da remuneração contratada e/ou com a indenização pela denúncia ou rescisão antecipada da operação BTS.
xiv. Sublocação do imóvel:
No contrato, a Varejista declarou que o seu negócio demanda a oferta de serviços complementares à comercialização de seus produtos, por meio da cessão de espaços em suas lojas a parceiros comerciais. Em face dessa necessidade da Varejista, as partes negociaram as condições em que a Varejista pudesse sublocar, dar em comodato ou ceder espaços na futura loja a esses parceiros.
Dessa forma, a Investidora admitiu que a Varejista ceda ou subloque espaços a seus parceiros comerciais, sem a necessidade de anuência prévia ou posterior da Investidora. Contudo, como contrapartida, a Investidora regrou as condições mínimas para que isso ocorra ao longo da vigência do contrato da Operação Inovadora, dentre elas que:
a) os contratos entre a Varejista e seus parceiros comerciais não ultrapassem a vigência do contrato built to suit;
b) a Varejista responda, de forma exclusiva e direta, perante a Investidora e a terceiros, por qualquer perda ou dano que os seus parceiros comerciais causem ao imóvel, à Investidora ou a terceiros;
c) as garantias e seguros contratados se mantenham hígidos e eficazes, devendo ser dada ciência aos garantidores e às Companhias Seguradoras acerca da possibilidade da sublocação, cessão ou comodato de espaços na loja pela Varejista, bem como, que tal circunstância, nas apólices dos seguros e nos contratos de garantia, não seja tida como diminuição, afastamento ou exoneração das garantias e coberturas contratadas; e
d) os parceiros comerciais da Varejista disponham das licenças necessárias para as atividades que desenvolverão no espaço cedido ou sublocado na loja.
A circunstância da permissão de sublocar, ceder ou dar em comodato o imóvel objeto do BTS pode causar estranheza, especialmente aos que se prendem ao entendimento de que as operações BTS possuem natureza intuito personae. Todavia, é muito comum a sua admissão em operações BTS nas quais os futuros ocupantes explorem negócios sustentados em parcerias comerciais – como é o caso da Varejista – ou são grandes conglomerados empresariais – em que a nova sede será utilizada não apenas pela holding controladora desse conglomerado, mas também pelas empresas sob o seu controle –.
Nesse sentido, a estrutura de sublocação ou cessão do imóvel construída pela Varejista e a Investidora na Operação Inovadora é algo presente também em outras modalidades de operações BTS, não se revelando como algo inusitado em negócios imobiliários dessa natureza.
xv. Venda do imóvel na vigência do contrato e direito de preferência:
À semelhança dos contratos típicos de locação não residencial, o contrato built to suit não afasta o direito de preferência do ocupante na aquisição do imóvel em caso de sua venda na constância da operação BTS, bem como, em regra, assegura, por meio de cláusula de vigência, o respeito ao referido contrato pelo novo proprietário do imóvel, caso o ocupante opte por não exercer a preferência de compra do ativo.
No caso do contrato firmado entre a Varejista e a Investidora, as partes fizeram constar a cláusula de preferência da Varejista na hipótese de venda do imóvel a terceiros, assim como a cláusula de vigência em que Investidora se obriga a prever, no contrato ou escritura de venda do imóvel, a obrigação do novo proprietário de respeitar a locação decorrente do contrato built to suit, ainda que o direito de preferência não seja exercido e o contrato não esteja averbado à margem da matrícula do imóvel.39
Todavia, relativamente ao direito de preferência na aquisição do imóvel, a Varejista renunciou a esse direito nas seguintes situações:
a) na hipótese de transferência do imóvel aos controladores diretos ou indiretos da Investidora, ainda que ela não se processe por uma das hipóteses de exceção ao direito de preferência previstos no art. 32, da Lei de Locações – permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação (BRASIL, 1991, [s.p.]) –; e
39 “Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.” (BRASIL, 1991, [s.p.])
b) no caso de transferência do imóvel a fundos em que o cotista majoritário seja a Investidora ou empresa que a controle, direta ou indiretamente.
Frise-se que a renúncia acima exposta não é de todo rara em operações BTS, especialmente quando o investidor é uma empresa que possa passar por reestruturações societárias ou no modelo de exploração dos seus ativos imobiliários ao longo de sua existência.
Assim, considerando que os contratos built to suit são de longo prazo, normalmente com prazo de vigência superior a dez anos, é comum que os investidores se preocupem em negociar condições de transferências dos ativos de seu portfólio que lhes permitam operacionalizar o eventual novo arranjo societário ou de organização do portfólio imobiliário – criação de fundos imobiliários, por exemplo, em sucessão a estrutura de holdings imobiliárias –, sem a necessidade de submissão ou aprovações prévias dos ocupantes dos imóveis.
De outro lado, os ocupantes, ao fazerem esse tipo de renúncia, normalmente exigem que o investidor assegure o cumprimento do contrato BTS pelo novo controlador da empresa proprietária do imóvel ou pelo fundo imobiliário que suceder o antigo proprietário, bem como que esse controlador ou fundo não seja um concorrente da ocupante.
No caso do contrato objeto de análise, não se constatou a preocupação da Varejista em vedar que a eventual nova organização societária da Investidora resulte na transferência do imóvel a um concorrente da Varejista – o que, como exposto, não é comum em negociações de cláusulas dessa natureza –.
xvi. Síntese ilustrativa das condições contratuais do contrato da Operação Inovadora entre Varejista e Investidora e aspectos peculiares desse contrato:
Como resumo dos dados extraídos do contrato da Operação Inovadora entre a Varejista e Investidora, apresenta-se uma síntese ilustrativa dessas condições, por meio da figura a seguir.
Figura 5 – Síntese das principais condições do contrato Varejista-Investidora (continua)
Fonte: o autor a partir dos dados extraídos do contrato objeto do estudo de caso.
Adicionalmente à síntese das condições contratuais acima apresentada, para melhor realce das condições peculiares do contrato da Operação Inovadora firmado entre a Varejista e a Investidora destacadas ao longo da abordagem dos dados extraídos desse contrato, apresenta- se, a seguir, uma tabela que compara o referido contrato ao que ordinariamente é previsto em operação BTS tradicionais.
Tabela 2 – Contrato Varejista-Investidora x Contrato BTS Tradicional | Peculiaridades
Condições Contratuais Contrato Varejista-Investidora Contrato BTS Tradicional
Estrutura de Investimento Diferido: reembolso após a prova de conclusão física
e formal da obra ("Habite-se" e AVCB)
Desembolsos de acordo a medição do avanço físico e financeiro da obra
Indexação do Investimento Sem indexação Corrigido por índice inflacionário previsto em
contrato
Responsabilidade pela Reforma Transferida ao contratante da operação BTS Responsabilidade do contratado na operação BTS
Desenvolvimento de Projetos e Obtenção do Alvará de Obra
Transferido ao contratante da operação BTS Responsabilidade do contratado na operação BTS
Remuneração da Operação BTS
Composição da remuneração aberta: (i) remuneração pelo uso do imóvel; e (ii) remuneração pelo retorno do investimento
A remuneração é una e indivisível (não identifica quanto do seu valor é retribuição pelo uso do imóvel e quanto é retorno do investimento)
Renúncia ao Direito de Revisão Trienal da Remuneração
Restrita à parcela da remuneração pelo retorno do investimento
Ampla, uma vez que a remuneração é una e indivisível
Condições de Devolução do Imóvel
Xxxxxxxxx ao contratado receber o imóvel: (i) recomposto ao estado pré-obra; ou (ii) com as alterações resultantes da reforma substancial
Imóvel é devolvido com as alterações resultantes da obra
Cura de Obrigações Pecuniárias Sem prazo de cura (possibilidade de despejo
imediato)
Há prazo de cura antes do acionamento do despejo por falta de pagamento de obrigações pecuniárias
Multa p/ Denúncia Antecipada
Transferência do Imóvel a Concorrentes do Contratante na vigência da locação
Inferior ao teto legal: 6 remunerações pelo uso + saldo vincendo das remunerações pelo retorno do investimento
Não foi proibida a transferência do imóvel a concorrentes do contratante
Em valor correspondente ao teto legal (soma das remunerações devidas até o termo final da locação)
Há proibição de transferência do imóvel a concorrentes do contratante
Seguro Performance Bond Sem exigência do seguro performance bond Com exigência de seguro performance bond
Fonte: o autor.
3.3 Análise dos dados obtidos do contrato: enfoque no investidor imobiliário
Abordados os principais aspectos do contrato da Operação Inovadora firmada entre a Varejista e a Investidora, tem-se, a seguir, a identificação e categorização dos riscos extraídos a partir da análise dos dados obtidos do referido contrato.
3.3.1 Identificação e categorização dos riscos
Preliminarmente ao desenvolvimento da identificação e categorização de riscos identificados a partir da análise dos dados obtidos do contrato da Operação Inovadora firmada entre a Varejista e a Investidora, faz-se importante destacar que:
a) no exercício de categorização e identificação dos riscos, foram objeto exclusivamente os riscos que representam ameaças negativas ao investidor na Operação Inovadora, de sorte que não foram destacados os possíveis eventos positivos, ou seja, aqueles que, se ocorressem, poderiam se traduzir em oportunidades ao referido investidor;
b) não se teve a pretensão neste trabalho de esgotar todas as hipóteses possíveis de ameaças negativas que se possam apresentar ao investidor em uma Operação Inovadora, de sorte que a extração e categorização dos riscos teve por fonte a interpretação dos dados e informações que puderam ser obtidos da amostra disponível, ou seja, do contrato da Operação Inovadora firmada entre a Varejista e a Investidora; e
c) por xxxxxxxxxx, retomando que o objetivo desta monografia foi a construção de um conjunto de diretrizes que sirva de guia a investidores na formalização da Operação Inovadora, os potenciais riscos ao contratante dessa operação igualmente não fizeram parte do exercício de categorização dos riscos.
Observados os esclarecimentos acima, as categorias de risco extraídas a partir das análises dos dados e informações obtidos do contrato firmado entre a Varejista e a Investidora, tendo por enfoque a figura do investidor na Operação Inovadora, foram as seguintes:
a) risco da natureza da reforma;
b) risco de imóvel irregular;
c) risco reputacional;
d) risco de transferência da reforma;
e) risco de revisão da remuneração;
f) risco inflacionário;
g) risco de inadimplência ou mora do contratante;
h) risco de rompimento do contrato;
i) risco da cessão ou sublocação do imóvel;
j) risco quanto aos seguros do contrato;
k) risco quanto às garantias contratuais;
l) risco associado ao uso do imóvel;
m) risco pela falta das condições de renovação da locação;
n) risco associado à operação de securitização de recebíveis;
o) risco associado ao exercício do direito de preferência do contratante na aquisição do imóvel; e
p) risco quanto a investimentos pré-contratuais.
Aliado à sua experiência como advogado de empresa do segmento de real estate, incluindo a participação em negociações e elaboração de contratos built to suit, para a construção dos potenciais riscos que possam se apresentar dentro das 16 categorias retro identificadas, o autor promoveu, antecipadamente ao resultado dessa categorização, um exercício de brainstorming que contou com a participação de outros dois advogados que assessoraram a Investidora na Operação Inovadora.
Diante do exposto, observadas as 16 categorias de risco acima detalhadas, os riscos identificados foram os seguintes:
a) Categoria: risco da natureza da reforma:
- Risco: descaracterização de operação BTS para locação típica.
À luz do art. 54-A, da Lei de Locações, não é todo e qualquer investimento na reforma de um imóvel que pode ser tido como passível de enquadramento como uma operação BTS, mas apenas aquele investimento empregado em uma reforma que se caracterize como “substancial” (BRASIL, 1991 apud BRASIL, 2012, [s.p.]) e decorra da especificação prévia do contratante para que o contratado invista nessa reforma, a fim de adaptar o imóvel aos interesses empresariais daquele.
Como dito alhures, o emprego, no art. 54-A, da Lei de Locações, do adjetivo “substancial” para qualificar o substantivo “reforma” (BRASIL, 1991 apud BRASIL, 2012, [s.p.]) não trouxe a devida segurança aos que formalizam operações BTS em que a reforma do imóvel é o objeto que determina o aporte de investimento a ser feito pelo empreendedor imobiliário, uma vez que a lei não positivou os requisitos que conferem a natureza de “substancial” à uma obra de reforma do imóvel.
Portanto, a eventual revisão do contrato built to suit, fundamentada na prova de que a reforma não se configurou como "substancial", pode alterar a natureza do contrato de built to suit para uma locação típica.
Em tal cenário, o ocupante do imóvel pode lançar mão das tentativas de: (i) revisão do valor da remuneração paga sob o argumento de abusividade por conter o retorno de um investimento que não se materializou como “reforma substancial” e, portanto, que não deveria compor aquele valor; e (ii) revisão do valor da multa por denúncia antecipada para adequá-la a patamares de locações típicas40, que, como visto, acaba por não garantir ao investidor o retorno do investimento realizado.
Assim, considerada a Operação Inovadora, ganha especial relevância a adoção de medidas pelo investidor no sentido de assegurar que a reforma objeto dessa operação se configura como “substancial”, sob pena de ficar sujeito aos potenciais efeitos da descaracterização do negócio de built to suit para locação típica, com todos os infortúnios que isso possa trazer em termos de não garantia do retorno do investimento realizado.
b) Categoria: risco de imóvel irregular:
- Risco: pagamento de multa pelo atraso ou não aprovação da reforma;
- Risco: suspensão do pagamento da remuneração pelo contratante; e
- Risco: indenização por perdas e danos ao contratante.
No contexto da Operação Inovadora, um dos benefícios ao investidor é o deslocamento dos ônus aprovativos e construtivos para a figura do contratante dessa operação.
Todavia, o investidor, em regra, na condição de proprietário do imóvel, compromete-se a transmitir o imóvel ao futuro ocupante em condições físicas e formais que permitam a aprovação e execução da reforma por aquele. 41
40 Frise-se que o valor da multa penal por denúncia da locação típica não é prefixado pela Lei de Locações. Esta, em verdade, estabelece apenas, em seu art. 4º, que a multa arbitrada pelas partes ou pelo juiz deve ser reduzida proporcionalmente ao prazo de cumprimento do contrato de locação (BRASIL, 1991, [s.p.]). Contudo, para locações típicas com prazo de até 5 anos, as partes costumam convencioná-la em três aluguéis, observada a redução proporcional consagrada no citado artigo da Lei de Locações, referencial que acaba sendo repetido em julgamentos que tratem da multa por denúncia antecipada em locações típicas.
41 Fala-se em regra, pois nada impede que o contratante, ciente dos vícios construtivos e documentais do imóvel, assuma o risco da regularização como parte das atividades de aprovação da reforma alinhavada na Operação Inovadora. Nessa hipótese, os riscos identificados nesta categoria de risco deixarão de ser administrados pelo investidor, dado que terá feito a transferência deste ônus ao contratante da referida operação. Essa transferência poder ocorrer, por exemplo, na situação em que o contratante confie deter equipe interna ou prestadores de serviços com capacidade técnica para regularizar imóvel em maior velocidade, se comparada à hipótese de atribuí-la ao proprietário do imóvel.
Neste cenário, a regularidade física e documental do imóvel objeto da reforma substancial deve ser um dos fatores de preocupação prévia do investidor, pois a falta de cautela na verificação dessa regularidade ou a não adoção de providências para sanar os vícios formais ou físicos do imóvel pode levá-lo à inadimplência em relação a obrigação de transferir o imóvel ao contratante da Operação Inovadora em condições que o permita aprovar e conduzir a obra, no tempo e modo previstos em contrato. Caso o investidor falhe na administração dessa obrigação, ele pode ficar sujeito a sanções contratuais e extracontratuais, tais como:
i) o pagamento de multa contratual por falhas físicas ou documentais do imóvel que resultem em não aprovação ou retardem o início e/ou a conclusão da reforma do imóvel pelo contratante;
ii) a suspensão do pagamento da remuneração pelo contratante durante o período que perdurar a não aprovação ou o retardo do início e/ou conclusão da reforma do imóvel; e
iii) o dever de indenizar o contratante pelas perdas e danos suportados em função do atraso na inauguração da sua loja ou, no limite, pela rescisão contratual por culpa do investidor.
Assim, caso a obrigação de regularização documental e física do imóvel seja mantida sob responsabilidade do investidor, de maneira a contornar os efeitos dos riscos derivados da aplicação de sanções contratuais pelo não atendimento dessa obrigação, o investidor deve ter especial atenção à adoção de diretrizes que objetivem prevenir a ocorrência desses riscos ou mitigar os seus efeitos, caso ocorram.
c) Categoria: risco reputacional:
- Risco: danos à imagem do investidor.
Ao transferir o ônus da execução da reforma ao contratante, o investidor não está integralmente resguardado dos riscos reputacionais que possam ser causados por condutas inidôneas que o contratante ou seus prestadores de serviços venham a praticar, por exemplo, nas etapas de aprovação, execução e licenciamento da reforma substancial do imóvel.
Pelo fato do imóvel ser de propriedade do investidor, os processos de licenciamento e regularização final da reforma ocorrem em nome do proprietário junto aos órgãos públicos – Prefeitura, Cartórios etc. – e, não raro, precisam contar com a assinatura dos representantes
legais deste ou com a outorga de poderes pelo investidor a procuradores indicados pelo contratante da Operação Inovadora.
Assim, o zelo na seleção do contratante e na exigência de que este contrate apenas prestadores de serviços com ilibada reputação, bem como na adoção de diretrizes que mitiguem o risco reputacional, há de ser uma preocupação do investidor ao transferir o encargo da reforma do imóvel ao contratante da Operação da Inovadora.
A não adoção de medidas preventivas pelo investidor pode afetar a reputação do empreendedor imobiliário, com sujeição das empresas e seus representantes a sanções penais, cíveis e administrativas, especialmente em aspectos relacionados a crimes de corrupção e suborno de agentes públicos.
Dessa forma, as ameaças negativas ao investidor relacionadas a riscos reputacionais devem ser cuidadosamente ponderadas dentro do gerenciamento de riscos da Operação Inovadora, especialmente com a acurada adoção de medidas preventivas e mitigadoras desses riscos.
d) Categoria: risco da transferência da reforma:
- Risco: custos adicionais para concluir a reforma ou readequar o imóvel;
- Risco: custos de refazimento ou demolição da obra;
- Risco: postergação do retorno do investimento por atraso na conclusão da obra;
- Risco: responsabilização em ações trabalhistas, previdenciárias ou fiscais;
- Risco: custo final da reforma acima do teto de investimento; e
- Risco: perda financeira por não destinação do investimento ao custeio da reforma.
A transferência do ônus construtivo ao contratante da Operação Inovadora, se não acompanhada de cautelas para garantir que a reforma seja concluída no prazo e modo previstos no contrato built to suit, pode expor o investidor a efeitos negativos derivados do eventual descumprimento contratual pelo contratante, incluindo, sem se limitar, nas seguintes situações:
i) necessidade de substituir o contratante nas medidas necessárias para conclusão da reforma ou recomposição do imóvel em condições de recolocação a mercado, caso o contratante não a conclua ou não tenha condições financeiras para suportar os custos que extrapolem o teto de investimento acordado;
ii) execução da reforma sem a devida observância do projeto aprovado pelas partes e as autoridades públicas;
iii) emprego de materiais e equipamentos de baixa qualidade;
iv) descumprimento de legislações trabalhista, previdenciária e tributária por parte dos prestadores de serviços da reforma;
v) aporte de investimento acima do esperado, caso não haja um teto para o investimento na reforma ou o investidor necessite complementar o custo de obra pela falta de capacidade financeira do contratante de arcar com os valores que excedam a esse teto; e
vi) desvio do investimento, caso não seja feita a fiscalização e exigida a comprovação de que o capital transferido ao contratante está sendo empregado pelo contratante na reforma.
Nesse sentido, a delegação ao contratante da responsabilidade pela contratação e condução da reforma substancial do imóvel há de ser feita com a adoção de cautelas, especialmente para que algo que se apresenta como um benefício ao investidor, ou seja, a desoneração da responsabilidade pela requalificação do imóvel, não se consubstancie em perdas ou danos que afetem a rentabilidade do investimento ou o inviabilizem por completo.
e) Categoria: risco de revisão da remuneração:
- Risco: perda financeira pelo não retorno do investimento.
Em contratos built to suit, ponderados os expressivos montantes de recursos empregados pelo investidor e atento ao fato de que a remuneração nessa modalidade contratual objetiva a retribuição não apenas do uso do imóvel pelo contratante, mas, também, pelo retorno do investimento suportado pelo investidor, a Lei de Locações, no seu art. 54-A, §1º, estabelece de forma expressa o direito de as partes renunciarem ao direito de revisão dessa remuneração ao longo da vigência da operação BTS.
Porém, o referido comando de lei trata a renúncia à revisão trienal do valor da remuneração da operação BTS com um direito, e não uma obrigação das partes no contrato built to suit. Nesse sentido, as partes podem optar por renunciar a tal direito ou por mantê-lo, sem que a opção por o manter desnature a operação BTS.
Outrossim, caso o investidor opte por não exigir, em contrato, a renúncia ao direito de revisão trienal do valor da remuneração da operação BTS, ele ficará sujeito ao risco de perdas financeiras derivadas de revisões havidas ao longo da vigência dessa operação, que podem reduzir o valor da remuneração pactuada e, por consequência, afetar o retorno do investimento
realizado em atendimento ao comando prévio e necessário do contratante e futuro ocupante do imóvel no sentido de deter um imóvel adaptado às suas necessidades. Há de ser dito, contudo, que caso optem por não renunciar àquele direito, as partes agirão de maneira não ortodoxa, pois o mais comum, em operações BTS, é que o investidor preveja essa renúncia como forma de proteção do retorno do seu investimento e o contratante como meio de assegurar a previsibilidade do valor de remuneração a que se obrigou a pagar por um longo período.
Dessa forma, a não renúncia ao direito de revisão da remuneração se mostra como algo excepcional nas operações BTS, mas que nada impede seja transacionada entre as partes. É o caso, por exemplo, do contrato da Operação Inovadora firmada entre a Varejista e a Investidora. Nesse contrato, de maneira inusitada, as partes optaram por um regramento misto do direito à revisão da remuneração objeto da Operação Inovadora: (i) admitiram-no em relação à parcela da remuneração atinente ao uso do imóvel pela Varejista; e (ii) vedaram-no em relação à parcela da remuneração referente ao retorno do investimento feito pela Investidora.
Apesar de menos rara atualmente em face da previsão expressa do art. 54-A, §1º, da Lei de Locações, que, como exposto, deixou inconteste a legalidade da renúncia ao direito de revisão trienal da remuneração derivada da operação BTS, não se deve desprezar a hipótese em que o contratante da operação BTS, em cenários recessivos ou de excesso de oferta de imóveis do ciclo do real estate, ainda que tenha feito aquela renúncia, postule a revisão do valor da remuneração.
Há de ser ponderado, todavia, que a postulação da revisão do valor da remuneração, quando houver a expressa renúncia a este direito, não é tarefa das mais simples.
Além da garantia legal retro abordada, o Poder Judiciário, como mencionado alhures, já preconizava a necessidade de preservação do retorno do investidor em operações BTS, bem como a admitia mesmo em locações típicas, por entender, a jurisprudência, que o direito de revisão do aluguel a cada ciclo de três anos tem natureza patrimonial e, por conseguinte, sobre ele é lícito às partes transacionarem a sua renúncia.42
Nesse sentido, em contratos que tenham operações BTS por objeto, no que se inclui, por consequência, a Operação Inovadora, trata-se de exercício hercúleo a postulação da revisão da remuneração pactuada pelas partes que renunciaram a esse direito. Contudo, a adoção de condições contratuais que objetivem mitigar o risco da tentativa dessa revisão permanece como boa técnica do gerenciamento desse risco, uma vez que ainda se vê, especialmente em cenários
42 Sobre este aspecto da operação BTS, remete-se o leitor ao abordado na seção 2.2.4.4, desta monografia.
de crise econômica, a tentativa por parte de locatários da discussão da cláusula de renúncia ao direito de revisão do aluguel.
f) Categoria: risco inflacionário:
- Risco: não correção das obrigações pecuniárias pela falta de eleição do índice de reajuste contratual;
- Risco: perda financeira por correção da remuneração do contrato em patamar inferior à variação do índice eleito;
- Risco: perdas financeiras com a vedação legal de reajustes mensais.
Assim como em outros contratos de longo prazo, a correção monetária da remuneração pactuada na operação BTS tem por objetivo recompor o seu valor em face das variações inflacionárias havidas ao longo da vigência dessa operação.
Por corolário, a escolha do índice de reajuste contratual é fator de estabilização das relações entre as partes e de preservação do valor da remuneração ao longo do tempo, sendo de importância ímpar a sua eleição quando da celebração do contrato. Esta providência evita a necessidade de negociações sobre qual o índice de correção monetária deva ser aplicado a cada período de 12 meses43, bem como que a questão seja levada ao Poder Judiciário pelas partes, em caso da falta de consenso sobre qual o índice a ser aplicado diante da carência de sua previsão no contrato.
Outro fator importante a ser destacado é o risco de o contratante postular a revisão do contrato built to suit no intuito de substituir o índice contratual previamente acordado, especialmente em cenários em que esse índice, no acumulado do período, apresente uma variação que seja considerada desproporcional pelo contratante.
Trata-se, por exemplo, do cenário vivenciado nos anos de 2020 e 2021 em relação aos contratos indexados ao IGP-M/FGV44, uma vez que esse índice apresentou, nos referidos anos, alta acumulada de 23,14% e 17,78%45 respectivamente.
43 Como exposto em outras oportunidades, a legislação em vigor no país veda o reajuste de aluguéis em intervalos de tempo inferior a 12 meses.
44 É importante esclarecer que as partes são livres para definir o índice de correção monetária, não estando obrigadas à eleição do IGP-M/FGV. Esse índice é comumente eleito pelas partes em contratos de locação, mas, respeitados critérios legais – especialmente os ditados na Lei n.º 9.069/1995 – nada impede que outros índices de correção monetária sejam selecionados pelas partes – o IPCA/IBGE, por exemplo – ou tampouco que elas estabeleçam cestas de índices para a apuração de um média de reajuste da remuneração estabelecida em contrato.
45 Portal FGV. Disponível: < xxxxx://xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxx-x-xxxxxxxxxx-0000?xxx_xxxxxxxxxxxxx- fgv&utm_medium=fgvnoticias&utm_campaign=fgvnoticias-2021-01-04>. Consulta: 05 out. 2022.
Diante desse quadro de aumento do IGP-M/FGV nos referidos anos, muitos locatários buscaram a negociação com os proprietários dos imóveis ou, em alguns casos, a revisão judicial do índice contratual, alegando que o IGP-M/FGV não seria adequado para a correção de aluguéis ou que a aplicação do percentual acumulado levaria a reajustes dos aluguéis em patamares que desequilibrariam a relação locatário-locador.
Contudo, como exposto em outras oportunidades, em relações sustentadas por contratos built to suit, em que prevalece a natureza atípica e a preservação da liberdade contratual, alegações que objetivem revisar as condições contratuais não são de fácil aceitação pelos investidores e tampouco de simples sustentação, incluindo, mas sem se limitar, em ações judiciais que objetivem a substituição de índices de correção monetária em contratos built to suit, como se observa do recente acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo:
LOCAÇÃO DE IMÓVEL – FINS COMERCIAIS – AÇÃO DE REVISÃO
CONTRATUAL – Índice de correção monetária – IGP-M – Abusividade – Inexistência – Substituição pelo IPCA – Descabimento - Modalidade 'built to suit' - Desequilíbrio contratual – Inocorrência - Impactos econômicos causados pela pandemia afetam ambas as partes contratantes – Ação procedente – Recurso provido. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n.º 1134436-35.2021.8.26.0100. Apelante: Vita Perdizes Empreendimentos e Participações Ltda. Apelado: Vivace Residencial para Idosos Ltda. Rel. Des. Melo Bueno. São Paulo, 7 de dezembro de 2022. Disponível em: < xxxxx://xxxx.xxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxxXxxxxxxx.xx;xxxxxxxxxxx00X000X000XXX000X 166DDB2B6CCDFD3.cjsg3>. Acesso em: 18 mar. 2023.)
Por fim, os contratos built to suit, como se detalhou em outras passagens, comportam um emaranhado de relações jurídicas, dentre elas a locação. Considerada a fase locatícia do contrato built to suit, temos que a Operação Inovadora, assim como em contratos típicos de locação, submete-se ao comando legal que veda a correção monetária mensal da remuneração prevista em contrato, sendo admitido tão somente o reajuste anual pelo índice eleito pelas partes.
Nesse sentido, o investidor, ao longo da vigência da locação resultante do contrato built to suit que sustenta a Operação Inovadora, submete-se às perdas inflacionárias pela impossibilidade de reajustar mensalmente o valor da sua remuneração pelo índice inflacionário e, por conseguinte, ao risco das perdas inflacionárias não compensadas pela vedação do ajuste mensal à variação do índice contratual eleito pelas partes.
Contra esse efeito inflacionário, pouco resta a fazer ao investidor, a não ser prever em contrato que o reajuste, atualmente limitado a períodos de 12 meses pela Lei n.º 9.069/95, seja alterado de imediato, sem a necessidade de aditamento ao contrato, caso a legislação recepcione o reajuste em período inferior ao atualmente admitido.