CONTRATO DE CONVIVÊNCIA E SUAS REPERCUSSÕES NO DIREITO SUCESSÓRIO
CONTRATO DE CONVIVÊNCIA E SUAS REPERCUSSÕES NO DIREITO SUCESSÓRIO
Edgard Borba Fróes Neto1
Resumo
A possibilidade dos companheiros livremente estipularem regras de cunho patrimonial, mediante celebração de pacto de convivência (art. 1725 CC), incluindo o regime da comunhão universal de bens, acarreta sérias repercussões na sucessão do companheiro sobrevivente, sobretudo se considerado o dispositivo legal que disciplina este direito (art. 1790).
Palavras chave: contrato de convivência - união estável - comunhão total de bens - companheiro - direito sucessório
O contrato de convivência, previsto no art. 1725 CC2, é o instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável regulamentam seus reflexos, que serão tratados adiante, quando analisadas as disposições contratuais entre os conviventes3.
Tendo como pilar fundamental o princípio da autonomia privada, esse contrato possibilita que os companheiros, livremente, estipulem, a qualquer tempo (antes, durante ou após o término da relação estável), regras patrimoniais específicas e cláusulas de cunho pessoal. Ressalte-se, contudo, que nula será a convenção violadora de disposição absoluta de lei.
Vale registrar que é permitida a modificação do conteúdo contratual, exigindo- se apenas a declaração de ambas as partes.
Ademais, por se tratar de negócio jurídico informal, o contrato convivencial pode ser celebrado por escritura particular ou pública, desde que, necessariamente, por escrito.
1 Advogado de Direito de Família e Sucessões (Salvador/BA)
2 “Art. 1725 - Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”
3 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. Contrato de convivência na união estável, p.55
No tocante à sua eficácia, abalizadas vozes da doutrina divergem. Alguns autores, a exemplo de Maria Berenice Dias4, sustentam que seus efeitos são retro operantes, enquanto outros, como Cristiano Chaves5, em sentido oposto, indicam que são ex nunc.
Não obstante esse dissenso, ainda no que concerne à eficácia, indiscutível parece que serão ex tunc os efeitos produzidos pelo contrato convivencial, se os companheiros adotarem o regime da comunhão total de bens. Neste caso, será formado um único patrimônio, incluindo os bens existentes antes da união do casal.
Em face da última constatação, faz-se mister cotejar uma situação específica em que a escolha do regime da comunhão universal de bens, através de celebração do contrato de convivência, geraria importantes repercussões no direito sucessório do companheiro sobrevivente.
Como exemplo hipotético, Xxxxxx e Xxxxxxx, 27 e 24 anos, respectivamente, passaram a conviver em união estável e, dessa relação, nasceram dois filhos. Ocorre que o companheiro, antes mesmo de conhecer Xxxxxxx, era dono de considerável patrimônio, ao passo que esta era desprovida de recursos materiais.
Celebraram, então, contrato de convivência, ficando estipulado que o regime da comunhão total de bens vigoraria entre o casal, de sorte que, com fulcro no art. 1667 CC6, todos os bens de Xxxxxx passariam a pertencer a ambos os conviventes.
Além disso, importa asseverar que, ao longo da vigência da relação, o casal não adquiriu qualquer bem a título oneroso.
4 Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx opina da seguinte forma: “(...), há a possibilidade de os conviventes, a qualquer tempo (antes, durante, ou mesmo depois de solvida a união), regularem da forma que lhes aprouver as questões patrimoniais, agregando, inclusive, efeito retroativo às deliberações”, cf. Manual de Direito das Famílias, p. 179.
5 Xxxxxxxxx Xxxxxx, por sua vez, leciona que “é importante observar, ainda, que tal negócio jurídico não produzirá efeitos retroativos (ex tunc), pois as relações jurídicas patrimoniais dos companheiros até a data da celebração do referido pacto estarão submetidas à regra geral do regime da comunhão parcial de bens”, cf. Direito das Famílias, p. 494.
6 “Art. 1667 - O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte”.
A dúvida que surge, portanto, é relativa aos efeitos sucessórios advindos da escolha do regime da comunhão total de bens pelo casal, através da celebração do referido pactum.
Xxxxxx, convém esclarecer que o art. 1790 CC7, ao tratar do direito sucessório do companheiro, determina que a concorrência deste com os demais herdeiros se dará apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.
No caso em tela, insta relembrar que não houve aquisição onerosa de bens ao longo da união estável. Todo o patrimônio particular do companheiro, em conseqüência da celebração do contrato, passou a pertencer, também, à companheira, em co-propriedade.
Nesse passo, como ilustração, é imprescindível traçar um paralelo com o direito hereditário do cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão total de bens, previsto no art. 1829, I, CC8, que estatui não haver concorrência com os descendentes, se o mesmo for casado sob aquele regime. Todavia, é óbvio que o cônjuge sobrevivente possui direito à meação sobre todo o acervo patrimonial9.
Por outro lado, no que tange ao direito sucessório do companheiro, o regime de bens não teria o condão de retirar do sobrevivente a condição de herdeiro10, que sempre, em princípio, concorreria à herança com os demais herdeiros, nas condições postas no art. 1790 CC.
7“Art. 1790 – A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”
8“Art. 1829 - A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”
9 Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx, Manual das Sucessões, p. 164.
10 Idem, ibidem, p. 154.
O segundo aspecto a ser cotejado é que o direito à meação do companheiro sobrevivente fica adstrito, da mesma forma, aos aquestos, isto é, bens adquiridos de forma onerosa na vigência da união estável.
Nessa esteira de raciocínio, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx afirma que “o acervo construído durante a vida em comum é de ambos os companheiros”11.
Fazendo menção, ainda, à hipótese da inexistência de contrato de convivência entre os companheiros, aduz que “(...) os bens particulares que cada um tinha antes do início do relacionamento, bem como os recebidos por doação ou herança pertencem ao seu titular”12.
É fundamental ressaltar que tal observação parece ter pertinência, apenas, se o regime de bens adotado fosse o da comunhão parcial. Não sendo assim, careceria de justa solução o aludido problema sucessório.
Se fosse seguida à risca a norma do art. 1790 CC, a companheira estaria injustamente excluída do processo sucessório, pois o citado canon legal determina que apenas participa da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente, na vigência da união estável.
Ainda que, em tese, o direito à concorrência estivesse garantido, não podendo ser afastado nem mesmo através de pacto convivencial, in casu, verifica-se que não existem bens sob a forma de aquestos. Logo, à luz do referido dispositivo legal, descaberia à companheira sobrevivente tal prerrogativa.
Como não houve aquisição onerosa de patrimônio ao longo da vida em comum, com espeque no citado comando legal, a companheira também não teria direito à meação, porque este e o de concorrência estão limitados aos aquestos.13
Assim, nos termos do art. 1790 CC, a companheira sobrevivente, que, em vida, por conta de pacto de convivência, elegeu a comunhão total como regime de bens do casal, tornou-se co-proprietária de todo o patrimônio, por falecimento do companheiro, ficaria totalmente desprovida desses bens.
11 Idem, ibidem, p. 75.
12 Idem, ibidem, p. 75.
13 Idem, ibidem, p. 139.
Em outros termos, os bens que eram da companheira em vida, passariam obrigatoriamente aos seus filhos, a título de herança, sem que ela tivesse direito de concorrência ou mesmo direito à meação do patrimônio.
Ao revés, adotando o art. 1.829, I, CC, a companheira seria meeira de todo o patrimônio do casal, ao passo que, aos seus descendentes, como herdeiros, caberia a outra metade dos bens, em partes iguais.
Em linha conclusiva, então, obtempera-se a necessidade de mitigação das regras atinentes ao direito sucessório do companheiro, quando vigorar entre o casal regime de bens diverso da comunhão parcial.
Se o casal estável optar por outro regime de bens, mediante contrato de convivência (art. 1725 CC), as regras do direito sucessório deveriam acompanhar as respectivas normas de cunho patrimonial, afastando a incidência do comando previsto no art. 1790 CC, sob pena de incorrer em latente e desmedida injustiça.
Referências
XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. Contrato de convivência na união estável. São Paulo: Saraiva, 2002.
XXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Manual de Direito das Famílias, 7ª ed.rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
XXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Manual das Sucessões, 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011
XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumem Juris Editora, 2011.