MESTRADO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO
CIÊNCIAS JURÍDICO-ADMINISTRATIVAS
A Relicitação dos Contratos de Concessão
Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx
M
2023
Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Administrativas apresentada à Faculdade de Direito da Universidade do Porto, elaborada sob a orientação científica do Professor Doutor Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx
2
FACULDADE DE DIREITO
Aos meus amados pais, a minha linda irmã e
a minha companheira de vida.
A vocês agradeço o apoio incondicional e vos dedico não apenas essa dissertação,
mas meu amor.
RESUMO
A dissertação de mestrado analisará o instituto da “relicitação”, um mecanismo de devolução coordenada e negociada do contrato de concessão. O objetivo perquirido com o desenvolvimento dessa solução foi o de evitar um processo lento de extinção por resolução sancionatória do artigo 333, do Código de Contratos Públicos (CCP), o que, no Brasil, denomina-se extinção por caducidade, prevista no art 35, III, da Lei n.º 8.987/95. Trata-se de solução juridicamente pensada para os casos nos quais o concessionário não esteja atendendo as condições do contrato ou quando já demonstre incapacidade de adimplir essas obrigações. O estudo tem como ponto de partida uma análise sobre a racionalidade jurídica e econômica dos contratos de concessão, a dogmática construída em torno da relicitação e, por fim, procura pontuar os desafios e impactos de sua utilização para o universo das contratações públicas.
Palavras-chaves: Relicitação; Contrato de Concessão; Resolução Sancionatória; Caducidade.
ABSTRACT
The master's thesis analyzes the institute of "relicitação" a mechanism for the coordinated and negotiated return of a concession contract. The objective pursued with the development of this solution was to avoid a slow process of termination through sanctioning resolution under Article 333 of the Public Procurement Code (CCP), which in Brazil is known as "extinction by caducity," provided for in Article 35, III, of Law No. 8.987/95. This is a legally thought-out solution for cases in which the concessionaire is not meeting the contract's conditions or is already demonstrating an inability to fulfill these obligations. The study starts with an analysis of the legal and economic rationality of concession contracts, the doctrine built around “relicitação”, and finally seeks to highlight the challenges and impacts of their use in the universe of public procurement.
Keywords: Relicitação; Concession Contracts. Sanctioning Resolution. Caducity.
Índice
Introdução 6
1. A natureza jurídica do contrato de concessão 8
1.1. O princípio da confiança legítima 29
1.2. O consensualismo na Administração Pública 38
2. Renegociação e crise do contrato de concessão 49
3. Relicitação 58
3.1. Os principais desafios enfrentados pelo processo de relicitação 77
Conclusão 87
Bibliografia 89
Introdução
O contrato de concessão é uma técnica de gestão de serviços públicos, por sujeitos privados, destinada a satisfazer necessidades coletivas a cargo do Estado.1 Dada a sua natureza, um contrato de concessão está sujeito a mudanças imprevisíveis no curso de sua execução, que podem abalar a sua estrutura de receita ou o seu custo e levar o concessionário a sucessivos descumprimentos contratuais.
A doutrina e as legislações avançaram muito no desenho dos arranjos institucionais e dogmáticos próprios ao momento inicial da contratação e, até mesmo, à fase de execução desses contratos, no entanto parece haver uma lacuna que necessita ser preenchida quanto as formas tradicionais de extinção do contrato de concessão.
Dada a sensibilidade dos equipamentos operados por parceiros privados nesses contratos e o seu impacto direto na vida do utente, fez-se necessário pensar uma forma de extinção contratual menos traumática, capaz de pôr fim ao ajuste entre o poder público e o concessionário, sem comprometer a segurança e a continuidade da prestação dos serviços públicos aos usuários. No Brasil, a relicitação foi a solução adotada com o objetivo de possibilitar uma devolução coordenada e negociada do contrato de concessão.
O mecanismo surge para acrescer ao arcabouço normativo do poder público mais uma forma de horizontalizar sua relação com o parceiro privado, legitimando a negociação do exercício da prerrogativa imperativa da autoridade reguladora, fomentando um profícuo ambiente ao desenvolvimento da regulação consensual.
Com efeito, o presente estudo desenvolve-se em três partes fundamentais, tendo como ponto de partida, no primeiro capítulo, uma análise sobre a natureza jurídica dos contratos de concessão, observando a racionalidade jurídica e econômica desses ajustes de longo prazo. Nessa perspectiva, o princípio da confiança será objeto de estudo, uma vez que ele atuará como vetor de interpretação normativa e constituirá, por isso, um elemento preponderante na definição
1 Nesse sentido, AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000. p. 78; Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx, A Fuga para o Direito Xxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 43 e ss.; Xxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, Concessões de Serviços Públicos – Sua natureza Jurídica, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1914, pp.14 e ss. e Xxxxx Xxxxxxxxx. A concessão de serviços públicos. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, pp. 7 e ss.
da hermenêutica da relicitação. Igualmente, por se tratar de uma alternativa consensual, o capítulo inaugural irá analisar o consensualismo na Administração Pública e a sua importância na construção da dogmática do instituto da extinção amigável dos contratos de concessão.
A segunda parte destina-se a abordar as renegociações e os seus efeitos na performance contratual, bem como a sua inevitável ocorrência nos contratos de concessão. Sob essa perspectiva, apesar de haver um conjunto de medidas possíveis de serem adotadas com a finalidade de se proceder ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, em determinadas situações se estará diante de concessões inviáveis. Para a crise dessas concessões, a relicitação foi uma alternativa que se colocou à disposição da Administração.
A terceira parte é, precisamente, destinada a analisar a dogmática construída em torno do instituto da relicitação e apontar os principais desafios a serem enfrentados.
Desse modo, pela inovação que o instituto propõe ao universo dos contratos de concessão, faz-se importante o seu estudo, que terá por objetivo definir a sua dogmática, revelar as suas características, os desafios enfrentados, analisar o seu impacto na política pública, bem como os incentivos econômicos dos agentes públicos e privados frente a possibilidade de extinção amigável do contrato de concessão de serviço público.
1. A natureza jurídica do contrato de concessão
Os contratos de concessão, nas últimas décadas, alcançaram o centro do debate jurídico ao atuar como importante mecanismo de implementação de políticas públicas. O universo da contratação pública, de forma geral, assumiu uma relevância inquestionável na moderna Administração Pública, de modo que hoje é possível, de acordo com Xxxx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx, aludir ao Estado do nosso tempo como um contracting state, já que a Administração adotou a cultura do contrato como forma de realização de seus fins institucionais.2
De acordo com Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx a contratação pública reconfigurou o papel do Estado no estabelecimento de pontes de cooperação com as entidades privadas,3 podendo-se dizer, num patamar de segurança jurídica inédito, que o contrato administrativo é de facto uma “instituição do nosso tempo”.4 É por meio da contratação pública que o Estado prestador ganha força para cumprir seus objetivos constitucionais.
Neste cenário, o particular assume o papel de partilha com o Estado da tarefa de prosseguir o interesse público e os respectivos fins institucionais. Dessa forma, reconhece-se aos agentes privados uma função crucial na execução de tarefas de interesse público, ele passa a desempenhar tarefas nucleares do Estado, tornando manifesto que a governação não constitui uma missão exclusiva do poder público.5
Nesse sentido, as parcerias público-privadas – PPP6 emergiram, sobretudo, como uma consequência da necessidade não só de reorientar e redimensionar o setor público, mas também de favorecer a participação da iniciativa privada na esfera da governação pública. Nesses
2 XXXXXXX, Xxxx; XXXXX, Xxxxxx. Reframing the outsourcing debates. In: XXXXXXX, Xxxx; XXXXX, Xxxxxx.
Outsourcing and American Democracy. Cambridge and London: Harvard University Press, 2009, p. 16.
3 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Entidades Privadas com Poderes Públicos: O exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas com funções administrativas. Coimbra: Almedina, 2008, p. 330.
4 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. O contrato administrativo. Uma instituição do direito administrativo do nosso tempo,
2003, pp. 31 e seguintes.
5 XXXXXXX, Xxxx. Private parties, public functions and the new administrative law, ob. cit., p. 824. Ainda nesse sentido, Xxxxx Xxxxxxxxx, Entidades Privadas com Poderes Públicos, ob. cit., pp. 144 e ss., ao afirmar que o interesse público não constitui um monopólio do Estado e da Administração, não podendo excluir-se a possibilidade de os interesses privados aparecerem entrelaçados com interesses públicos.
6 A OCDE define as parcerias público-privadas como “um acordo entre o poder público e uma ou mais entidades privadas, no qual estas últimas prestam um serviço que corresponde aos requisitos definidos pelo governo e que ao mesmo tempo gera lucro para os acionistas, dependendo estes dois requisitos dos riscos alocados a cada parte.” In: OECD (2008), Public Private Partnerships: in pursuit of risk sharing and value for money, p. 17.
arranjos, grosso modo, o setor privado é contratado para prestar um conjunto de obras e serviços públicos que tradicionalmente eram da responsabilidade do setor público.7
De acordo com Xxxxxxx Xxxxxxxx, as PPPs são definidas como toda e qualquer forma de colaboração entre o sector público e o sector privado que tenha por objeto uma atividade em benefício da população.8
Como defendem H. Xxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxxxxx, a parceria público-privada representou uma dupla oportunidade, por um lado, tornou possível uma mudança no processo de financiamento das infraestruturas, colocando a ênfase na montagem financeira dos projetos na ótica da geração de xxxxxxxx0 e, por outro, encorajou o envolvimento do capital privado no investimento de serviços públicos, mobilizando recursos adicionais aos já afetos pelo setor público.10 Assim, elas foram responsáveis por financiar os grandes projetos de infraestrutura das últimas décadas, como energia elétrica, telecomunicações, rodovias, portos, aeroportos, saneamento etc.11
Para Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx, as PPPs são definidas como “uma relação por um prazo determinado entre duas ou mais organizações – uma ou mais de natureza pública e uma ou mais de natureza privada ou social – baseada em expectativas e valores mútuos, com a finalidade de alcançar objectivos negociais específicos, através da maximização da eficácia dos recursos de ambas as partes. As PPPs são, portanto, caracterizadas pelo facto de partilharem investimento, risco, responsabilidade e resultados”.12
7 A parceria público-privada constituiu uma forma de contratação pública firmada num conjunto combinado de vetores: financiamento predominante do sector privado; transferência da responsabilidade e dos riscos de financiamento dos investimentos de capital para o sector privado; maiores benefícios na utilização dos dinheiros públicos; e garantia de uma melhor gestão dos riscos associados. In: XXXXX, Xxxxxxxx, Lessons from the Private Finance Initiative in the United Kingdom, EIB Papers, vol. 10, nº 2, 2005, pp. 59 e ss.
8 XXXXXXXX, Xxxxxxx X. Xxxxxxxxxx. As PPP/PFI – Parcerias Público Privadas e Sua Auditoria, Colecção Auditoria, Lisboa: Áreas Editora, 2003. p. 46.
9 A respeito da técnica do project finance, utilizada para estruturação desses projetos, cfr.: Xxxxxxx Xxxxxxx, Enquadramento orçamental das PPP, in: Manual Prático de Parcerias Público-Privadas, Sintra, NPF – Pesquisa e Formação, 2004, pp. 86 e ss.
00 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxxxxx e XXXXXXX, X. Linder., Mapping the Terrain of the Public-Private Policy Partnership, Public-private Policy Partnerships. MIT Press, 2000, pp. 67 e ss.
11 Sobre o tema, XXXXX-XXXXXX, Xxxx. Regulating infrastructure: monopoly, contracts and discretion. Cambridge: Harvard University Press, 2003, p. 16.
12 DOS XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx e XXXXXX XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito Económico, 5ª edição revista e actualizada, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 195.
Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx define-as como uma “forma de cooperação entre actores públicos e actores privados para a realização de determinados objectivos. A cooperação pode ter subjacente uma complementaridade de fins entre a intervenção pública e privada (parcerias em rede) ou uma divergência de finalidades e objectivos a alcançar por via da parceria: o parceiro público participa para cumprir as suas missões de interesse público e o parceiro privado para obter lucros (parcerias contratuais e associativas)”.13
O modelo europeu não definiu aprioristicamente um conceito para as PPPs, o Livro Verde sobre as Parcerias Público-Privadas e o Direito Comunitário em Matéria de Contratos Públicos e Concessões apontou os seus principais elementos: “a duração relativamente longa da relação contratual, que implica a cooperação entre os parceiros público e privado; o modo peculiar de financiamento do projecto; o papel importante do agente económico e o foco do poder público essencialmente na definição dos objectivos a atingir em termos de interesse público e a partilha dos riscos entre os atores privado e público”14.
Na Comunidade Europeia, foram criados dois tipos de PPPs, as PPPs de tipo institucionalizado, implicando a cooperação entre os setores público e privado numa entidade distinta e as PPPs do tipo puramente contratual, em que a parceria entre os sectores público e privado se assenta em relações exclusivamente convencionais.15
Nas PPPs do tipo contratual, é possível que haja uma miríade de configurações, capazes de atribuir uma ou várias tarefas ao parceiro privado, que incluem a concepção, o financiamento, a realização, a renovação, ou a exploração de uma infraestrutura ou de um serviço público.
Nesse caso, é possível visualizar dois modelos distintos de PPPs do tipo contratual, o modelo concessivo, caracterizando-se pela relação direta entre o parceiro privado e o utente final, onde o parceiro privado presta um serviço ao público, sob o controlo do poder público, sendo
13 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Entidades Privadas com Poderes Públicos, ob. Cit., p. 328.
14 Cfr. Livro Verde sobre as parcerias público-privadas e o direito comunitário em matéria de contratos públicos e concessões, in: xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxx-xxxxxxx/XX/XXX/XXXX/?xxxxXXXXX:00000XX0000. Acesso em 04 de fevereiro de 2023.
15 Cfr. Livro Verde sobre as parcerias público-privadas e o direito comunitário em matéria de contratos públicos e concessões, in: xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxx-xxxxxxx/XX/XXX/XXXX/?xxxxXXXXX:00000XX0000. Acesso em 04 de fevereiro de 2023.
remunerado por contraprestações cobradas dos utentes do serviço, eventualmente acompanhadas de subvenções por parte dos poderes públicos. O modelo inglês de Private Finance Iniciative (PFI)16, onde o parceiro privado é incumbido de realizar e gerir infraestruturas para a Administração Pública, sendo remunerado não por tarifas cobradas aos utentes, mas através de pagamentos regulares por parte do parceiro público.17
Na legislação portuguesa, a definição legal encontra-se estampada no artigo 2º n.º 1 do Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de abril, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 141/2006, de 27 de julho. A lei portuguesa definiu PPP como “o contrato ou união de contratos, por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma actividade tendente à satisfação de uma necessidade colectiva, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado.” Seu art. 4°, por sua vez, fornece um rol exemplificativo de contratos que poderão regular as relações entre os parceiros públicos e privados, são eles concessão de obras públicas, concessão de serviço público, fornecimento contínuo, prestação de serviços. contrato de gestão e contrato de colaboração.
Andou bem o legislador português ao seguir a esteira metodológica contida no Livro Verde sobre o Direito Comunitário em matéria de Contratos Públicos e Concessões e, ao invés de cristalizar em lei uma definição, tratou de identificar as suas características fundamentais18.
No Brasil, pode-se identificar duas concepções em torno do termo parceria público- privada, uma concepção mais restritiva e outra, mais atual, em sentido amplo.
16 De acordo com Xxxxxxxxxx Xxxxx x Xxxxxx, sugiram alguns problemas com este modelo nos primeiros anos da sua implementação, relacionados, principalmente, “com a falta de coordenação ânsia de iniciar novos projectos, assistindo- se, apenas a partir de 1997, a um incremento na celebração das PPP no Reino Unido, o que originou uma representativa progressão no montante de recursos envolvidos.” In: XXXXXX, Xxx Xxxxxxx Xxxxx. Parcerias Público Privadas e Justiça – uma análise comparada de diferentes experiências. Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia, 2007, p. 26 e ss.
17 Nesse sentido, “tanto podem ser consideradas PPP situações em que a entidade privada assegura directamente a satisfação da necessidade pública, como aquelas em que o ente privado fornece bens ou presta serviços de apoio, utilizados pelo ente público no desempenho das suas atribuições.” In: XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx, As parcerias público-privadas: instrumento de uma nova governação, Almedina, 2009, p. 303.
18 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. As parcerias público-privadas: instrumento de uma nova governação, Almedina, 2009, p. 303.
De forma mais abrangente, a Lei 13.334/2016, no § 2º, do art. 1º, definiu os contratos de parceria como sendo a concessão comum, a concessão patrocinada, a concessão administrativa, a concessão regida por legislação setorial, a permissão de serviço público, o arrendamento de bem público, a concessão de direito real e os outros negócios público-privados que, em função de seu caráter estratégico e de sua complexidade, especificidade, volume de investimentos, longo prazo, riscos ou incertezas envolvidos, adotem estrutura jurídica semelhante.
Por sua vez, de forma restritiva, encontram-se as espécies de parcerias público- privadas previstas na Lei 11.079/2004, compreendidas por contratos administrativos de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. Na concessão administrativa, a Administração Pública é a usuária dos serviços contratados, mesmo que envolvam execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.19 Já a concessão patrocinada é caracterizada pela contraprestação pecuniária do parceiro privado ao parceiro público, além da remuneração tarifária típica dos contratos de concessão comuns regidos pela Lei 8.987/95.20
Para o que interessa ao presente estudo, iremos nos aprofundar na natureza jurídica dos contratos de concessão, responsáveis por instrumentalizar a forma como, em grande parte do mundo, as PPPs foram concebidas.21 Em síntese, esses contratos correspondem à uma forma
19 Cfr. art. 2º, § 2º, da Lei 11.079/2004.
20 Cfr. art. 2º, § 1º, da Lei 11.079/2004.
21 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. A concessão de serviços públicos. Ob. Cit. p. 8. Para o autor, “historicamente, em alguns Estados membros as concessões tinham constituído um instrumento ao serviço da realização e do financiamento de grandes obras infraestruturais. No entanto, ultrapassada a fase de ouro das concessões, essencialmente centrada no último quartel do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, assistiu-se de forma generalizada à regressão da participação do sector privado no financiamento dos investimentos públicos, com os Estados a privilegiarem a realização e a gestão direta dos equipamentos e dos serviços públicos para a satisfação das necessidades coletivas. Então, perante o desenvolvimento da Administração de prestações, a Administração pública passou a assumir o encargo de proporcionar aos cidadãos, através dos seus próprios meios, a satisfação direta de necessidades nos mais diversos sectores. Numa época de responsabilidade administrativa máxima, à Administração pública não se pedia que garantisse a satisfação de certas necessidades coletivas, mas antes que chamasse a si o encargo ou a responsabilidade de exercer as actividades que o faziam. Neste quadro, a concessão como instrumento de colaboração entre os sectores público e privado tinha perdido espaço e influência. Todavia, no final dos anos setenta e início da década de oitenta, a reação à hipertrofia do sector público arrastou consigo a diminuição do papel económico e social do Estado, incluindo a amplitude da intervenção de uma Administração pública que se havia tornado verdadeiramente tentacular sobre a sociedade civil e o indivíduo. E, nesta medida, a redução da dimensão do sector público ganhou foros de objectivo programático da generalidade dos Governos. Nestes termos, na década de oitenta assistiu-se ao surgimento das teses neo-liberais e a um processo de liberalização e de privatização das economias europeias, com a transferência da responsabilidade pela execução das actividades económicas, antes prosseguidas pelos Estados, para a esfera privada, continuando o Estado a assumir a responsabilidade por garantir a prossecução do interesse público Num cenário de desmantelamento dos serviços públicos tradicionais, com alguma doutrina a falar já na crise da concessão, o novo ciclo das práticas concessórias a que passou a assistir entre os parceiros da UE parece corresponder à possibilidade de os
descentralizada da prestação de serviço público, que se cristaliza através de um contrato administrativo por meio do qual o poder público competente transfere a um particular a sua execução, sob regulação estatal indireta, mediante o pagamento de tarifas pelos usuários.22
A compreensão do conteúdo do contrato público pressupõe antes a sua prévia distinção em relação ao ato administrativo, o instrumento clássico de ação do poder público.23 De acordo com o magistério de Xxxxxxx Xxxxxxx, o critério de distinção entre o ato e o contrato depende do grau de colaboração do particular na estrutura do instrumento de atuação pública. No plano estrutural, se a manifestação de vontade do particular surgir como requisito de existência, trata-se de um contrato. Por sua vez, se a manifestação da vontade do particular apenas constituir um requisito de validade está-se diante de um ato administrativo.24
Para Xxxx Xxxxxx, é no plano estrutural que a distinção entre o ato e o contrato administrativo se apresenta mais persuasiva.25 Assim, no contrato, as vontades são iguais como requisito de existência e, no ato administrativo, elas são desiguais, porque neste último o poder
Estados se comprometerem com fins sociais sem, no entanto, terem de realizar os investimentos indispensáveis, permitindo aos países do “clube” euro garantir o cumprimento da disciplina orçamental imposta pelos critérios de Maastricht e mantida pelo PEC, e aos países de tradição jurídica anglo-saxónica assegurar a observância da mecânica de funcionamento da ordem jurídico-económica do sector público. Daí que nos últimos anos tenha começado a assistir- se à redescoberta da concessão, ao verdadeiro ressurgimento desta figura, com os poderes públicos a almejarem o benefício da associação a operadores privados tanto por motivos financeiros, como pela assimilação da eficiência operacional do sector privado.” No mesmo sentido, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, As Diversas Configurações da Concessão de Serviço Público, RDPE nº 1, Jan/Fev/Mar, 2003, pp. 95 e ss.
22 No Brasil, a lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 é a responsável por disciplinar o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal. Por sua a Lei nº 13.334, de 13 de setembro de 2016, que criou o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, com o objetivo de ampliar e fortalecer a interação entre o Estado e a iniciativa privada por meio da celebração de contratos de parceria para a execução de empreendimentos públicos de infraestrutura e de outras medidas de desestatização, no § 2º do art. 1º dispôs que: “consideram-se contratos de parceria a concessão comum, a concessão patrocinada, a concessão administrativa, a concessão regida por legislação setorial, a permissão de serviço público, o arrendamento de bem público, a concessão de direito real e os outros negócios público-privados que, em função de seu caráter estratégico e de sua complexidade, especificidade, volume de investimentos, longo prazo, riscos ou incertezas envolvidos, adotem estrutura jurídica semelhante.”
23 A Administração Pública prestacional viu-se obrigada a adotar formas mais consensuais de atuação, utilizando-se de mecanismos institucionalizados de audição e participação dos interessados, mesmo na formatação de decisões administrativas unilaterais. Sobre “a crise do ato administrativo”, descrita por Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, ver: XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx xx. Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, pp. 67-68.
24 XXXXXXX XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx. Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, 1987, p. 350.
25 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx-Xxxx. Contratos sobre o exercício de poderes públicos: O exercício contratualizado do poder administrativo de decisão unilateral. Coimbra: Coimbra Editora, 2011, p. 41.
constitutivo apenas depende da vontade da Administração, atuando a vontade do particular como uma virtualidade integrativa da vontade constitutiva da Administração.26
Nesse sentido, a natureza pública do contrato advém da virtualidade que este possui de criar, modificar ou extinguir relações jurídicas de direito público, nas quais os direitos e interesses de ambas as partes, contratante e contratado, emergem em análogo grau, formalizando uma relação jurídica administrativa.27
O contrato público tem, pois, o condão de criar, modificar ou extinguir relações administrativas. Com razão, o seu critério definidor não considera apenas e tão somente os polos da relação jurídica, mas o objeto contido no contrato.
Contudo, as características que, em tese, delimitariam o contrato público provocaram intermináveis debates no âmbito do direito administrativo.28 Com efeito, desde a primeira metade do século passado, a ideia de contrato na qual participasse a Administração como parte percorreu um longo caminho, que teve início com a ideia de sua rejeição, até o momento atual, de grande efervescência teórica e prática em torno da figura.29 Em Portugal, Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx, com grande maestria, explicitou em diversas obras essa trajetória.30
De acordo com Xxxx Xxxxxx o contrato amplia as possibilidades da Administração, no exercício dos seus poderes discricionários, realizar a conformação jurídica de casos concretos, na medida em que esta pode estabelecer com o administrado um programa de intervenção sobre a realidade subjacente à relação jurídica em causa, por forma a moldá-la à previsão da norma de competência, e de assim se criarem as condições para que a decisão administrativa possa ser produzida em conformidade com o fim de interesse público que aquela preconiza. Por outro lado, o contrato revela-se um flexível e eficaz instrumento, ao possibilitar definir uma disciplina
26 XXXXXXX XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx. Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, 1987, p. 350.
27 XXXXXXX XX XXXXX, Xxxxx. Em Busca do Acto Administrativo Perdido. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, pp. 149 e ss. 28 Sobre o tema, ESTORNINHO, Xxxxx Xxxx. Requiem pelo Contrato Administrativo. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, pp. 21 e ss.
29 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx. Apresentação. In: Contratações Públicas e seu Controle. Xxxxxx Xxx Xxxxxxxx (Org.) São Paulo: Malheiros, 2013, p. 04.
30 Cfr. XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Curso de Direito dos Contratos Públicos: Por uma Contratação Pública Sustentável. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000; Direito Europeu dos Contratos Públicos. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000 e Réquiem pelo Contrato Administrativo. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000.
integrada e coerente em cenários de complexidade, favorecendo a planificação e a racionalização da intervenção administrativa, uma maior aderência das normas habilitantes à realidade, a aceleração da actividade administrativa e uma inegável economia do esforço que é exigido aos particulares na adequação da iniciativa privada aos constrangimentos jurídicos que decorrem do ordenamento em vigor. 31
O Código de Contratos Públicos Português definiu contratos públicos, no seu artigo 1.º, n.º 2, como “aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código”, para efeitos da sua sujeição à Parte II do CCP, ou seja, aos procedimentos pré-contratuais, distinguindo-os dos contratos administrativos, aos quais se aplica também a Parte III do Código.”32
Nas palavras de Xxxxxxxxx Xxxxxx, “a dicotomia entre contrato público e contrato administrativo não merece o seu aplauso, uma vez que lhe parece que o conceito juscomunitário de contrato público, apesar de ser aparentemente neutro relativamente aos modelos tradicionais de contratação administrativa dos diferentes Estados-membros, resulta numa concepção mais abrangente de contrato administrativo, que acaba por pôr em causa o “velho” conceito de contrato administrativo”.33 De facto, o regime comunitário parece não reconhecer essas diferenças entre o
31 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx-Xxxx. Contratos Administrativos de Subordinação: natureza, funções e limites, Lisboa: AAFDL 2002, pp. 30 e 32.
32 A Parte III do CCP encontra-se, por seu turno, dividida em 2 Títulos. O Título I consagra aquilo a que se pode designar como regime substantivo comum dos contratos administrativos em geral, pois não se limita a estabelecer um aglomerado de disposições de aplicabilidade comum aos contratos administrativos típicos, definindo igualmente o regime substantivo dos contratos administrativos atípicos (isto é, contratos que nos termos do Código devem ser qualificados como administrativos, embora não correspondam a qualquer dos tipos especificamente previstos na lei). Ademais, a própria necessidade de instituir legalmente um regime imperativo aplicável aos contratos administrativos atípicos prende-se com razões de interesse público. No II Título da Parte III do CCP, trata do regime referente a um conjunto específico de contratos administrativos, que, sem prejuízo da previsão de outros em lei avulsa, dizem respeito aos contratos administrativos típicos mais importantes, são eles: os contratos de empreitada de obras públicas; os contratos de concessão de obras públicas e de serviços públicos; e os contratos de locação e aquisição de bens móveis e serviços.
33LEITÃO, Alexandra. O Tempo e as Alterações Contratuais, p. 2. In: xxxxx://xxx.xxxx.xx/xxxxx/xxxxxxx/xxxxx/xxxxx/x_xxxxx_x_x_xxx._xxx_xxxx._xxxxxxxxxxx-0.xxx, acesso em 15 de maio de 2022. Ainda sobre o tema, XXXXXX, Xxxxxxxxx. Contratos Interadministrativos, Coimbra, 2011, págs. 119 e seguintes. No mesmo sentido, v. XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Direito Europeu dos Contratos Públicos, Coimbra, 2006, pág. 306 e XXXXXXX XX XXXXX, Vasco. Em busca do ato administrativo perdido, Coimbra, 1996, p. 194.
contrato público e o contrato administrativo, dada a diversidade dos modelos tradicionais e sua intenção de se projetar para além das peculiaridades de cada Estado-membro.34
Por sua vez, a corrente da autora, que tem em Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx o seu grande expoente, enfrenta críticas doutrinárias. O professor Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx adverte que essa linha de denegação do direito positivo português acaba por não encontrar amparo na dogmática desenvolvida pelo Código de Contratos Públicos, inclusive com a Revisão do CCP de 2021.35
A par das distinções entre contratos da administração e contratos administrativos, para Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx, facto é que a doutrina francesa criou essas diferenças para disfarçar a utilização pela Administração de técnicas autoritárias, em um campo que até então era habitual estarem-lhe vedados. A preocupação central em França era a de se livrar das amarras rígidas dos instrumentos contratuais do Direito Privado, onde não lhe seria permitido modificar as suas cláusulas em função das exigências e mutações do interesse público, especialmente nos contratos de concessão de infraestrutura36, que demandavam atualização em razão dos avanços tecnológicos e econômicos.37
34 Atualmente, as diretivas comunitárias sobre contratação pública vigentes são a Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31/03/2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços e a Directiva n.º 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31/03/2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos sectores da água, da energia.
35 Para aprofundar a temática, cfr. XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx de. Introdução ao Direito dos Contratos Públicos. Coimbra: Almedina, 2021, p. 55-90.
36 Vide Conseil d'État, Cie du Gaz de Bordeaux, 24/03/1917, LONG-WEIL-BRAIBANT-DELVOLVÉGENEVOIS, Les grands arrêts de la juisprudence administrative, p. 182, Conseil d' État, Gaz de Déville-Iés- Rouen, 10/01/1902, LONG-WEIL-BRAIBANT-DELVOLVÉ-GENEVOIS, Les grands arrêts de la juisprudence administrative, 1990, p. 64 e Conseíl d'État, Cie Générale Française de Trai Iways, 21/03/1910, LONG-WEILBRAIBANT-DELVOLVÉ- GENEVOIS, Les grands arrêts de la juisprudence administrative, p. 136 e a Revue du Droit Publíc, 1910, p. 270.
37 Para Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx, “o contrato administrativo não foi o tal ‘sinal da modernidade’ mas sim, pelo contrário, uma ‘invenção’ da doutrina francesa para encobrir o recurso pela Administração à técnicas autoritárias, em áreas onde lhe costumava ser vedado. O contrato administrativo surgiu quando a Administração começou a sentir-se ‘espartilhada’ nos esquemas contratuais rígidos do Direito Privado, nos quais não podia mover-se a seu bel-prazer nem podia, nomeadamente, alterar as cláusulas ao sabor das variações do interesse público. Punha-se, assim, fora de questão que tais problemas pudessem continuar a ser resolvidos nos termos tradicionais do Direito Privado. No entanto, também repugnava que à Administração fosse permitido, em tais casos, o recurso à solução unilateral e autoritária. Por estas duas razões, a única solução possível foi a da criação do ‘expediente’ do contrato administrativo que, sob a forma contratual, escondia uma realidade na qual Administração poderia, em última instância, recorrer às suas prerrogativas.” XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Requiem pelo contrato administrativo. Coimbra: Almedina, 2003, p. 44.
Esse racional se espraiou para além da França e foi recepcionado em Portugal e Espanha38, tendo sido exportado para o Brasil, que apesar de não dispor da dualidade de jurisdição, construiu a dogmática de um contrato público que carrega em si prerrogativas especiais.39
De acordo com Laubadère, os princípios subjacentes à natureza jurídica do contrato administrativo que determinam as linhas essenciais do seu regime jurídico seriam: i) princípio do consensualismo; ii) princípio das exigências do serviço público; iii) princípio da conciliação entre poder público e contrato; iii) princípio da mutabilidade do contrato administrativo; iv) princípio do equilíbrio honesto das prestações.40
Em essência, foi o princípio da prossecução do interesse público que marcou o regime jurídico exorbitante dos contratos públicos. Deste princípio, derivariam três características essenciais: i) a mutabilidade do contrato administrativo; ii) o entendimento de que o contraente particular é um colaborador da Administração; iii) o exercício pela entidade pública de prerrogativas de autoridade.
Foi, como visto, a partir da ideia de prossecução do interesse público que a doutrina francesa legitimou a natureza essencialmente flexível do contrato administrativo. Ou seja, em razão de um determinado interesse público, ele deve ser apto a conformar as suas cláusulas aos anseios da Administração ao longo do tempo contratual. Desse princípio, resulta o exercício das prerrogativas de autoridade da Administração, uma vez que, sendo ela a guardiã do interesse público, está legitimada a recorrer ao exercício dos seus poderes, particularmente aqueles
38 No ordenamento jurídico espanhol, o direito administrativo incide sobre a formação de todos os contratos da Administração Pública, inclusive sobre os contratos privados da Administração. No entanto, a especificidade do sistema espanhol reside no facto dos contratos privados da Administração se regerem, quanto aos seus efeitos e extinção, pelas normas do direito privado mas, quanto à sua preparação, competência e adjudicação, pelas normas administrativas especiais e, na falta destas, pelas disposições da Ley de Contratos de las Administraciones Públicas e respectivo Regulamento.
39 De acordo com Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, o que realmente tipifica o contrato público e o distingue do contrato privado é a participação da Administração na relação jurídica com supremacia de poder para fixar as condições iniciais do ajuste. Desse privilégio administrativo, na relação contratual decorre para a Administração a faculdade de impor as cláusulas exorbitantes do Direito Comum”. XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Direito administrativo brasileiro. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 213-215.
40 XXXXXXXXX, Xxxxx xx. Direito público económico. Coimbra: Coimbra Editora, 1985. pp. 699 e ss.
estampados no artigo 302.º do CCP41, que consagrou as tradicionais prerrogativas de autoridade ou poderes exorbitantes da Administração.
Nesse contexto, se inicialmente as primeiras parcerias público-privadas foram celebradas como contratos de direito privado, como no exemplo histórico da iluminação pública de Déville-lés-Rouen42, a evolução da doutrina francesa fez, posteriormente, com que esses arranjos público-privados fossem pactuados sob o mantra da supremacia do interesse público sobre o privado.43
Desse modo, os contratos de concessão, que nasceram como contratos de direito privado44, hoje são reconhecidos pelo ordenamento jurídico português e brasileiro como contratos administrativos.45
41 Cfr. art. 302.º, Código dos Contratos Públicos: “Salvo quando outra coisa resultar da natureza do contrato ou da lei, o contraente público pode, nos termos do disposto no contrato e no presente Código: a) Dirigir o modo de execução das prestações; b) Fiscalizar o modo de execução do contrato; c) Modificar unilateralmente as cláusulas respeitantes ao conteúdo e ao modo de execução das prestações previstas no contrato por razões de interesse público, com os limites previstos no presente Código; d) Aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato; e) Resolver unilateralmente o contrato; f) Ordenar a cessão da posição contratual do cocontratante para terceiro.”
42 Para uma análise acurada da jurisprudência do Conseil d´Etat, em especial o caso da iluminação pública de Déville- lès-Rouen e outros, ver AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de. Introdução ao Direito dos Contratos Públicos. Coimbra: Almedina, 2021, p. 182-190.
43 De acordo com Xxxxx Xxxxxx “registam-se contratos de concessão no séc. XVII na construção de canais (o canal de Midi, lançado pelo empreendedor Xxxx-Xxxx Xxxxxx na época de Xxxxx XXX e Colbert) e na secagem de pântanos (cedida por Xxxxxxxx XX para todo o território nacional).”, pelo que é “a partir da segunda metade do séc. XIX, as concessões presidiram esmagadoramente à construção de grandes infra-estruturas como os caminhos-de-ferro, transportes urbanos (Metro de Paris), redes de electricidade, de água e esgotos, e de recolha de lixo.”. In: XXXXXX, Xxxxxxxxxx xx Xxxxx. Parcerias Público Privadas e Justiça – uma análise comparada de diferentes experiências, Centro de Estudos Sociais. Faculdade de Economia, 2007, p. 28.
44 Sobre a génese do contrato administrativo e evolução histórica do contrato da Administração Pública, ver AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de. Introdução ao Direito dos Contratos Públicos. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, p. 179-215.
45 Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx classifica os entendimentos sobre concessão da seguinte forma: (a) como “acto administrativo”; (b) como “fattispecie global, desdobrada em dois momentos jurídicos: acto administrativo de concessão seguido de contrato”; (c) como “contrato administrativo”; (d) como “acto misto (normativo e contratual)”; e (e) como “acto de natureza dupla, variável em função das pessoas a quem se aplicam as disposições nele inseridas”. In: XXXXXXXXX, Xxxxx. A concessão de serviços públicos. Ob. Cit. p. 181-193. A par da falta de consenso doutrinário que paira sobre o tema, adota-se o entendimento segundo o qual os contratos de concessão são verdadeiros contratos administrativos, sendo esta a corrente adotada por Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx para quem a concessão se perfaz com a “manifestação recíproca de concessionário e concedente (ambos capazes para exarar validamente essa manifestação) tendo por objeto a oferta e a exploração da atividade pública”, resultando em um contrato administrativo, In: XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx. Concessões. 1ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 144.
O contrato de concessão46, em sua generalidade, foi o instrumento jurídico que materializou as parcerias público-privada, atuando como uma técnica de gestão dos serviços públicos por sujeitos privados ligada às iniciativas que visaram a implantação e exploração de novas infraestruturas destinadas a satisfazer necessidades coletivas a cargo do Estado.47
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, um ano antes da promulgação da Lei nº 8.987, de 1995, afirmava que “pela concessão de serviço público, como é sabido e ressabido, instaura-se uma relação jurídica complexa, através da qual o Estado atribui a alguém o exercício de um serviço público e este, sob a garantia de um equilíbrio económico-financeiro, aceita prestá-la, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, em nome de quem atuará, conquanto o faça a suas expensas, por sua própria conta e riscos, remunerando-se mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários.”48
Conquanto louvável a precisão e clareza com que se debruçou sobre o instituto, antes mesmo da promulgação da lei que o disciplinou no Brasil, a rigidez de suas palavras foi com os anos perdendo força e novas reflexões foram surgindo. Xxxx Xxxxxxxx, por exemplo, compreende que existe um gênero "concessão, no qual as regras podem ser adaptadas e associadas a contratos administrativos diversos, desde que cumpram a mesma função da concessão, demonstrando uma permeabilidade entre as espécies do mesmo gênero. O gênero concessão, por sua vez, é representado como forma de viabilizar investimentos privados na disponibilização de bens e serviços à sociedade, cabendo aos contratantes elaborarem a melhor composição de mecanismos de colaboração. 49
No mesmo sentido, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx para quem vê nas concessões gênero que tem como fundamento a consecução do interesse público, existindo convergência dos
46 Sobre a trajetória do reconhecimento do contrato de concessão de serviço público no direito comunitário na instrumentalização das parcerias público-privadas: C. Bréchon-Moulènes, F. Xxxxxxx, X. Xxxxxx, X. Xxxxxxxxx, X-X. Auby e P. Devolvé. La Concession de service public face au droit communautaire, Paris, Sirey, 1992.
47 Trata-se de uma análise consagrada pela doutrina portuguesa e estrangeira. Nesse sentido, COLLAÇO, Xxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx. Concessões de Serviços Públicos – Sua natureza Jurídica, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1914, pp.14 e ss.; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do. Curso de Direito Administrativo, ob. cit., p. 78; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. A Fuga para o Direito Xxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 43 e ss.; XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. A Concessão de Serviços Públicos, ob. cit., pp. 7 e ss.
48 BANDEIRA DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p.7.
49 XXXXXXXX, Xxxx. Concessão. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 200-201.
interesses públicos e privados para a realização do contrato, que conterá normas especiais pelo seu objeto.50
Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx afirma que “a concessão, sendo um conceito jurídico unitário, conhece múltiplas e distintas aplicações, conteúdos muito variados e regimes bastante diversos. Para referida autora, os critérios tradicionais para distinção dos contratos públicos pouco explicam o fenômeno das parcerias que, em vez de ser um ‘novo’ contrato, é resultado das mais diversas relações contratuais, e colocam problemas de direito comercial, bancário, das obrigações, e de direito administrativo.”51
Continua a autora e adverte que a noção comunitária de concessão é singela e aberta, pois “são actos imputáveis ao Estado, pelos quais uma autoridade pública confia a um terceiro - seja por acto contratual seja por acto unilateral, com consentimento de terceiro - a gestão total ou parcial de serviços que relevem normalmente da sua responsabilidade e pelos quais o terceiro assume os riscos da exploração."52
Para Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, a técnica concessória é utilizada para atribuir ao concessionário um direito que deriva de um poder ou direito prévio da Administração, consistindo a concessão administrativa numa figura que se presta a duas aplicações fundamentais: na atribuição do direito de utilização privativa de bens públicos e na atribuição do direito de exploração, gestão ou exercício de atividades públicas.53
Nos termos do artigo 410.º do CCP, as concessões têm a duração necessária à amortização do investimento do concessionário, por forma a permitir-lhe remunerar-se do capital investido, fixando, na falta de estipulação contratual, um prazo de vigência de 30 anos.
Dessa forma, o prazo integra a própria racionalidade econômica do ajuste, cabendo à Administração fixar um prazo que integre a equação econômico-financeira do contrato de
50 XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Concessões. Ob. it., 2015, p. 134-135.
51 XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. A Fuga para o Direito Privado. Ob. Cit., p. 113.
52 Ibdem. p. 89-96.
53 XXXXXXXXX, Xxxxx. A concessão de serviços públicos. Ob. Cit., p. 190.
concessão, suficiente para que o concessionário obtenha o retorno econômico projetado, que se materializa na Taxa Interna de Retorno do empreendimento.54
Fácil perceber, pois, que o desenho jurídico desses contratos em nada se assemelha a estrutura dos contratos de curto prazo.55 Nos contratos de concessão, falamos em projeções do dinheiro ao longo do tempo de execução do contrato e lidamos com os conceitos de Taxa Interna de Retorno, Valor Presente Líquido e Custo Médio Ponderado de Capital, técnicas financeiras capazes de estimar o valor do dinheiro no tempo. Esse é um mundo econômico-financeiro completamente diferente, tendo nosso Direito Administrativo evoluído para contemplar um arcabouço normativo que dê segurança e sustentabilidade para o uso desses contratos de longo prazo. 56
54 Nesse sentido, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx de Xxxxxxx, para quem “a fixação do prazo das concessões não é matéria de lei; ao ato normativo caberá, tão somente, fixar os prazos máximos e mínimos (v.g., art. 57 da Lei nº 8.666/1993 e art. 5º, I, da Lei nº 8.987/1995) desses contratos de longo prazo. Essa competência é privativa do Poder Concedente que, ao examinar o empreendimento que será delegado à iniciativa privada, estipulará um prazo que integre a equação econômico-financeira do contrato de concessão, suficiente para que o concessionário obtenha o retorno econômico projetado quando da apresentação de sua proposta na licitação. Essa equação se materializa na Taxa Interna de Retorno (TIR) do empreendimento, a qual se decompõe pela amortização dos investimentos realizados (em razão da aquisição de bens reversíveis, por exemplo) e pela sua remuneração (seja pelos usuários, ou pelo Poder Público, nas hipóteses de parceiras público-privadas); tudo isso sem que se desrespeite o dever de modicidade tarifária (previsto no art. 6º, § 1º, da Lei nº 8.987/1995).” In: XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx de. A prorrogação dos contratos de concessão de aeroportos. In: Interesse Público – IP. Belo Horizonte: v. 17, n. 93,
p. 152-153, set./out. 2015. Igualmente, Xxxxxx Xxxxx de Xxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx dispõe que “a relevância de se afirmar, desde logo, que os prazos dos contratos de concessão não devem ser fixados de forma imotivada. É que, por traz do estabelecimento de um número aleatório pelo Poder Concedente, está toda a arquitetura econômica que o agente privado estabelece, em seu fluxo de caixa, para amortizar os seus investimentos durante aquele período. Mais do que isso, está o custo de oportunidade que o orientou a investir recursos próprios ou de terceiros em dado empreendimento público, e não em outro, ou no mercado financeiro.” In: XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx de; XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. O prazo como elemento da economia contratual das concessões: as espécies de “prorrogação”. In: XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx (Coord.). Contratos administrativos, equilíbrio econômico-financeiro e a taxa interna de retorno: a lógica das concessões e parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 283.
55 De acordo com Xxxxxx Xxxxxx, “nos contratos administrativos de menor prazo e que resultam na entrega de uma obra ou de um bem, ou mesmo na prestação de um serviço instrumental, a dimensão regulatória ocupa um espaço mais tímido, que visa, como de resto nos demais contratos, disciplinar juridicamente o compartilhamento de direitos e obrigações. A regulação contratual opera, como regra, em efeitos restritos às partes, com objetivos e pretensões de conformar relações jurídicas com particulares que acedam interesse em prover o setor público dos bens e serviços necessários ao atendimento das mais distintas e variadas finalidades.” XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. A Mutabilidade nos Contratos de Concessão no Brasil. Tese apresentada como requisito para obtenção do grau de Doutor em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, in: xxxxx://xx.xx.xx/xxxxxx/00000/00000, 2019, p. 29.
56 Essas são afirmações presentes nos estudos do Prof. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, para aprofundar o tema, ver: XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Contratos administrativos de longo prazo: a lógica de seu equilíbrio econômico- financeiro. In: XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx (Coord.) Contratos administrativos, equilíbrio econômico-financeiro e taxa interna de retorno: a lógica das concessões e parceiras público-privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 91.
Xxxxxxxxx Xxxxxxx defende que os contratos de longo prazo são marcados por uma autonomia conceitual própria, chamando a atenção para os elementos de equilíbrio entre as prestações, cooperação e confiança, e duração do negócio no tempo, elementos esses que ganham relevância decisiva.57
De acordo com o Xxxxxxxx Xxxxxx, a duração dos contratos é crucial para incentivar investimentos irrecuperáveis entre as partes, além de estabilizar soluções contratuais complexas ou muito amplas,58 como é o caso dos contratos de concessão que regulam a prestação de serviços públicos. Xxxxxx Xxxx e Xxxx Xxxxx afirmam que a principal função do contrato de longo prazo é facilitar o negócio entre duas partes que precisam fazer investimentos específicos no relacionamento.59
Com efeito, a duração do contrato é necessária para que se possa implementar o programa contratual, tal como ocorre nos contratos de concessão que envolvam grandes infraestruturas. Esses contratos, por sua vez, envolvem relações múltiplas e têm a pretensão de regular uma miríade de comportamentos e situações que tornam a sua estrutura jurídica e financeira complexas. Os seus efeitos se projetam para além da relação bilateral e atingem outras esferas jurídicas igualmente impactadas, a formar, nos dizeres de José Gomes Canotilho60, uma relação jurídica administrativa poligonal ou multipolar, definida por como relações nas quais não existe um esquema referencial binário — de um lado o poder público e de outro o cidadão ou vários cidadãos com interesses idênticos — mas um complexo multipolar de interesses diferentes ou até contrapostos.
Assim, há uma evidente dificuldade de se harmonizar as condições escritas com a dinâmica das relações contratuais, que revela a tensão inerente aos contratos de longo prazo. Dessa forma, o contrato de concessão exige das partes uma continua adaptação, o que torna a sua estrutura
57 XXXXXXX, Xxxxxxxxx. Adeguamento e rinegoziazione nei contratti a lungo termine. Napoli: Jovene Editore, 1996, p. 90.
58 XXXXXX, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 380.
59 XXXX, Xxxxxx; XXXXX, Xxxx. Incomplete Contracts and Renegotiation. The Review of Economics Studies, vol. 56, n. 4, p. 755-785, Jul., 1988. p. 755.
60 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx. Relações Jurídicas Poligonais: ponderações ecológicas de bens e controlo judicial preventivo. In: Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente. Lisboa: IDUAL, nº 1, p. 56-57, jun./1994.
complexa e dependente de uma forte estrutura de confiança e governação, o que os faz serem contratos relacionais.
Xxx Xxxxxxx defende que nos contratos relacionais as partes mantêm um relacionamento mais intenso e próximo, destacando-se o papel da interação, da colaboração, da confiança e do interesse comum da relação. Aqui, a relação possui importância fundamental.61
Por serem complexos, a boa-fé e seu dever anexo de cooperação são fatores fundamentais para o desenvolvimento do programa contratual, evitando-se custos de transação desnecessários. A confiança é a pedra angular nesses ajustes e fará com que a performance contratual seja dependente do grau de relacionamento cultivado entre as partes, que irá agir de tal ou qual forma a depender do que espera do desenrolar da execução contratual ao longo dos anos.
Por sua própria etimologia, o contrato pressupõe a confiança recíproca, o dever de observância aos valores de confiança e lealdade. A etimologia da expressão contrato, em língua portuguesa, assim como dos demais idiomas latinos, advém da composição de dois elementos. O prefixo “com”, diz respeito às ideias de “junto de”, de “estar próximo”, por sua vez, o radical “tractus” significa tanto a “ação de arrastar”, quanto confiança, fidelidade, sinceridade. O radical latino “tractus”, apresenta cognatos nos idiomas germânico e saxônico, respectivamente trauen e vertrauen e true e trust.62
Com efeito, para além de sua complexidade e de serem relacionais, os contratos de concessão são intencionalmente incompletos, uma vez que nesses ajustes as partes não conseguem e não devem sequer tentar prever, por racionalidade limitada, todas as cláusulas que irão regular relações que nasceram para durar 10, 15, 30 ou mais anos.
No mesmo sentido, Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxx para quem os contratos de longa duração têm seguramente características relacionais, no sentido de que internamente a eles criam-se
61 XXXXXXX, Xxx. The many future of contracts. South California Law Review, vol. 47, p. 691-816, 1973- 1974, p. 720. O mesmo exemplo é citado por ele no texto: Contracts: adjustment of long-term economic relations under classical, neoclassical, and relational contract law. Northwestern University Law Review, vol. 72, p. 854-905, 1977- 1978, p. 857. Ainda de acordo com o Autor: “two common characteristics of long-term contracts are the existence of gaps in their planning and the presence of a range of process and techniques used by contract planners to create flexibility in lieu of either leaving gaps or trying to plan rigidly. In: Contracts: adjustment of long-term economic relations under classical, neoclassical, and relational contract law, cit., p. 865.
62 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Dicionário dos Contratos Públicos. Coimbra: Almedina, 2010, p. 134.
vínculos de reciprocidade e interdependência, da mesma forma são incompletos, porque assim querem as partes (por oportunismo ou racionalidade limitada) e pela ação inquestionável do tempo sobre a vida do relacionamento.63
Nos contratos de concessão, a rigidez do texto contratual tende a se mostrar incompatível com o desenho desses ajustes, que ao seu revés clamam pela adoção de clausulados flexíveis e capazes de se adaptar a novas circunstâncias e realidades. Nas palavras de Xxxxxxxx Xxxxxx, 64 “o inacabamento contratual é a resposta pragmática a um contexto económico e jurídico eivado de imperfeições e incertezas — é o fruto da constatação de que talvez não valha a pena alongar as negociações quando as resultantes estipulações não erradicariam ou cobririam eficiente os riscos subsistentes, ou quando elas se tornassem insusceptíveis de desencadear reacções tutelares adequadas. Em termos de eficiência, dir-se-á que o inacabamento se encara como uma deliberação assente numa ponderação de custos, os custos do contrato completo, de um acordo em que tivessem sido levadas em conta, no clausulado final, todas as variáveis que podem ter um impacto nas condições da relação entre as partes pela duração do acordo.”
Para Xxxxxxxx Xxxxxxx Marques, “especialmente considerando contratos de concessão de longo prazo, fato é que a medida de investimentos nunca será satisfatoriamente definida no momento inicial da concessão. A natural indeterminação dos contratos de concessão congrega os deveres de investimento. O cenário se torna ainda mais salutar com o contexto de novas tecnologias em desenvolvimento.”65
Essa “incompletude deliberada dos contratos de longo prazo”, expressão utilizada pelo professor Xxxxxx Xxxxxxx, é decorrência do princípio da atualidade, de acordo com o qual o objeto do contrato visa à satisfação do usuário e de suas necessidades, que naturalmente evoluem
63 “contratti di durata hanno sicuramente caratteristiche relazionale, nel senso che all'interno di essi creano vincoli di reciprocità ed interdipendenza; allo stesso modo, sono incompleti, perché cosí vogliano le parti (per oportunismo o razionalità limitata) e per l'azione incontrastabile del tempo sulla vita del rapporto.” (tradução própria) In: XXXXXXXX, Xxxxxxxxxxxx. Il tempo e il contratto. Itineario storico-comparativo sui contratti di durata. Giuffrè: Milano, 2007, p. 145.
64 XXXXXX, Xxxxxxxx. Teoria económica do contrato. Ob. Cit., p. 151.
65 XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Dinâmica da Regulação: estudo de casos da jurisprudência brasileira – a convivência dos tribunais e órgãos de controle com agências reguladoras, autoridade da concorrência e livre iniciativa. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 112.
com o passar do tempo. 66 Na maioria dos casos, não se está contratando um conjunto exaustivo de obras, mas o compromisso de atender as necessidades dos usuários.67 Por esse motivo, os contratos de longo prazo são maleáveis, de modo a permitir sua correta aderência às vicissitudes do “mundo do ser”.68
Nessa esteira de raciocínio, Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxx defendem que um contrato de concessão precisa ter flexibilidade endógena, que, na linguagem proposta pelos autores, seria adaptabilidade, de forma que tenha resolutividade. Quanto mais adaptável o contrato, menor a ocorrência de seleção adversa.69
Em importante passagem sobre a temática, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx afirma que “as peculiaridades da concessão residem na impossibilidade de cristalização do conteúdo da posição jurídica das partes na disciplina contemplada no ato convocatório e no contrato de concessão. A delegação promovida por meio da concessão apresenta natureza dinâmica em virtude de inúmeros fatores. Há de observar o princípio da adequação do serviço público, a exigir a constante atualização, e a permanente transformação das utilidades ofertadas, acompanhando o ritmo das alterações da realidade circundante. Existe a natureza empresarial da atividade desempenhada pelo concessionário, o que impõe a necessidade de correção de rotas inicialmente traçadas, revisão de projeções e ampliação da racionalidade econômica. Há a dinâmica das mutações sociais, introduzindo novos interesses e modificando necessidades coletivas, o que envolve inclusive alterações legislativas frequentes e imprevisíveis. Daí se pode afirmar uma característica essencial
66 XXXXXXX, Xxxxxx. Contratos incompletos e infraestrutura: contratos administrativos, concessões de serviço público e PPPs. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP: Belo Horizonte, ano 7, n. 25, abr./jun. 2009. No mesmo sentido, XXXXXX, Xxxxxxxx. Teoria económica do contrato. Ob. Cit., p. 151. O autor afirma que o inacabamento da teoria é voluntário e que as partes reconhecem a necessidade da lacuna. Nas suas palavras, é possível que haja um inacabamento voluntário, resultante de assimetria de informação, impossibilidade de supervisão da conduta das partes por si mesmas ou por terceiros, por exemplo. O modelo “canônico” da teoria evolui, ficando mais claro que a incompletude pode decorrer de fatores exógenos (porque ninguém é dado prever o futuro), fatos endógenos de inacabamento deliberado, e até a fatores causas, por falta de minúcia ou sutileza nas previsões.
67 Nesse sentido, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, para quem “o objeto da concessão apresenta, a um só tempo, um interesse público, correspondente à finalidade justificadora da delegação de uma atribuição sua, e um interesse privado.”, in XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Ob. Cit., p. 164.
68 VÉRAS DE FREITAS, Xxxxxx x XXXXXX XXXXXXX, Xxxxxxxx. O Prazo como Elemento da Economia Contratual das Concessões: As Espécies De “Prorrogação”, in XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. (Coord.). Tratado do equilíbrio econômico-financeiro: contratos administrativos, concessões, parcerias público-privadas, Taxa Interna de Retorno, prorrogação antecipada e relicitação. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 375.
69 XXXXXXX, Xxxxxx; XXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxxx. Contratação Incompleta De Projetos De Infraestrutura. working paper psphub#002. V. 3, julho de 2023, p. 40.
dessa nova concessão: tão ou mais importante do que a configuração original da concessão é a sua gestão ao longo do tempo. Isso significa o reconhecimento de competências exercitadas de modo contínuo e permanente, relacionadas com a regulamentação do serviço e com a reformulação contínua das regras pertinentes à sua execução. Tal como se passa com o universo social circundante, torna-se impossível aludir a uma modelagem definitiva para cada concessão em concreto. Todas elas se encontram em processo de adaptação a uma realidade cambiante e mutável.” 70
Dada a sua natureza de longo prazo, concorda-se com os autores que defendem a posição segundo a qual o contrato de concessão não pode ser completo, uma vez que mudanças imprevistas na sua estrutura de receita ou no seu custo, ao longo do tempo, podem exigir uma renegociação e, até, levar a ganhos de eficiência para ambas as partes.71 Como exemplo, em Portugal pode-se mencionar o caso de Fertagus72 onde a renegociação corrigiu falhas, beneficiando ambas as partes.73
Ademais, a incompletude contratual é uma decorrência imediata da assimetria de informação e dos custos de transação, pelo que não se imagina que um contrato de concessão seja formatado sem que se considere espaços para acomodações futuras. Os contratos de longo prazo, por assim dizer, devem ser necessariamente incompletos.74
Adverte Xxxxxxxx Xxxxxx que a estabilidade da relação é um incentivo para que os contratos não deixem desnecessárias “clareiras” nas quais possam se manifestar o oportunismo e os efeitos da assimetria de informação. Mas, em relações complexas e duradouras, como é o caso
70 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Teoria Geral das Concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 426.
71 XXXXX, Xxxxxxx e XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. "Urban transport: can public-private partnerships work?," Policy Research Working Paper Series 6873, The World Bank, 2014.
72 Relatório 31/05, 2ª Secção: Follow-up da concessão Fertagus, disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxx.xx/xx/xxxxx/xxx_xxxxxxxxx/0000/xxxxx-xxxx-xxx000-0000-0x.xxx.
73ENGEL, E., FISCHER, R. & XXXXXXXXX, A., "Soft budgets and renegotiations in public-private partnerships", National Bureau of Economic Research. Também em Portugal, caso Lusoponte, cfr. De Lemos, T., Eaton, D., Betts,
M. & Tadeu, L., (2004), "Risk management in the Lusoponte concession—a case study of the two bridges in Lisbon, Portugal". International Journal of Project Management, vol. 22, 2009, pp. 63–73.
74 “Incomplete contract is defined as one that imposes one or more ad hoc restritions on the set of feasible contracts in a givin model” in: TIROLE, J. Incomplete contracts: Where do we stand? Econometrica 67, 1999. pp. 741-781. Segundo Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, são incompletos porque realisticamente impossibilitados de regular todos os aspectos da relação contratual, o que os torna naturalmente inacabados e com lacunas, que reclamarão tecnologia contratual capaz de resolver a infinidade de contingências que poderão surgir durante sua execução in: AMARAL, Xxxxxx. Concessões, parcerias e regulação. São Paulo: Malheiros, 2019. p. 148-149.
dos contratos de concessão, é de se esperar que existam lacunas, inclusive racionalmente pensadas, que necessitem de futuras decisões e, quiçá, negociações.75 Sendo os contratos de longa duração essencialmente dinâmicos, mutáveis, complexos, com relações interdependentes e multilaterais, eles devem ter estruturas de governação interna aptas a solucionar as contingências capazes de desestruturá-lo.
Na esteira desse pensamento, Xxxxxx Xxxxxxx assevera que “o contrato de concessão é um modelo de regulação endógeno, por intermédio do qual se estabelece um sistema de incentivos, que visa a equilibrar todos os interesses enredados na relação jurídica concessória (de Estado, de governo, dos concessionários, dos usuários), no âmbito de uma rede de contratos coligados – connected contracts (contrato de concessão, contratos de financiamento, contratos privados das concessionárias, contratos com os usuários, dentre outros).76
Com efeito, a relação contratual duradoura impõe uma dinâmica de interdependência nos direitos e deveres das partes, justificando que o desenho contratual estimule comportamentos e condutas amparadas na boa-fé e na cooperação. Em outros termos, para a concepção relacional dos contratos, vislumbram-se benefícios recíprocos às partes quando essas adotam uma postura baseada na cooperação, confiança e boa-fé como elementos centrais na construção coordenada das soluções pós-contratuais da relação duradoura77.
A confiança é tida como aspecto principal em tais contratos, na medida em que o relacionamento entre as partes será diferenciado porque entre elas existem uma maior interação. Por isso, a confiança deve ser maior, de modo a diminuir os custos de transação.78
75 XXXXXX, Xxxxxxxx. Teoria económica do contrato. Ob. Cit., p. 184-185.
76 XXXXXXX, Xxxxxx; XXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxxx. Contratação Incompleta De Projetos De Infraestrutura. Ob. Cit., p. 19.
77 XXXXXX, Xxxxxxxx. Ob. Cit., p. 410. No mesmo sentido, Xxxx Xxxxxxx: “In contrast, in relational contracts, such as a long-term requirements contract or a major construction Project, then contractual behavior will be oriented towards the long-term business objectives of the parties, and it will recognize the need for co-operation and adjustment in order to achieve those objectives. This comparison between discrete and relational contracts does throw some light on diferences in contractual behavior”. (XXXXXXX, Xxxx. Regulating Contracts. Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 141).
78 Conforme Xxxxxx Xxxxxxx, a incompletude decorre da impossibilidade (decorrente da racionalidade limitada) e dos elevados custos de transação de se tentar redigir um contrato completo. Nesse quadrante, costuma-se afirmar que os contratos de longo prazo possuem uma incompletude deliberada, o que é consistente com a estrutura do contrato aqui proposta. Em complemento, assevera que “Esses contratos relacionais são de longo prazo, podendo durar décadas, e têm uma relação distinta dos contratos de curto prazo, podendo ser descritos como jogos repetitivos”. De acordo com o professor, “para esse tipo de relacionamento duradouro, existe ampla evidência sugerindo que os contratados e as
Assim, “o contrato assume, numa dimensão maior do que a teoria neoclássica é capaz de admitir e incorporar, uma dimensão processual, que adquire a forma de um jogo reflexionante.”79 Nessa linha, a adaptabilidade é uma das características essenciais ao contrato relacional, pois a relação contratual entre as partes e sua mutação são elevadas a outro patamar de importância. A teoria relacional admite alterações no contrato, mesmo sem previsão expressa para tanto.
À despeito da mutabilidade dos contratos administrativos em Portugal, nos termos do artigo 312.º, alínea a) do Código de Contratos Administrativo: “os contratos podem ser modificados quando as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal e imprevisível, desde que a exigência das obrigações por si assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.
Observa-se, assim, que a possibilidade de modificação dos contratos é uma decorrência direta do princípio da boa-fé80 e, portanto, do princípio da proteção da confiança legítima, entendendo-se este último como instrumento de proteção do administrado. Dessa forma, não é exigível que aquele que confiou na Administração Pública e fez um investimento, mantenha as mesmas obrigações se a base do negócio se alterou.81
Os contratos administrativos de longo prazo trazem a incerteza como parte de sua conformação, assim é que o tempo, ou melhor, o longo tempo de sua duração é responsável por moldar o desenho dessa figura contratual. Entender, pois, a incerteza como algo inerente ao
autoridades públicas geralmente esperam uma certa quantidade de adaptações ex post, independentemente de quão bem o projeto foi planejado e executado”. XXXXXXX, Xxxxxx. Contratos incompletos e infraestrutura: contratos administrativos, concessões de serviço público e PPPs. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, v. 7, n. 25, abr./jun., 2009.
79 XXXXXX XX. Xxxxxxx Xxxxx. Contratos relacionais no Direito brasileiro. Disponível em: file:///C:/Users/55619/Downloads/Contratos%20relacionais.pdf . Acesso em: 15 novembro 2021, p. 7.
80 De acordo com XXXXXXX XXXXXXXX, Contratos Públicos. Subsídios para a Dogmática Administrativa, com exemplo no Princípio do Equilíbrio Financeiro, in Cadernos O Direito, n.º 2, 2007, pág. 106, “a confiança não se limita à não ocorrência de graves prejuízos: ela antes assenta em todo um programa contratual, a desenrolar no tempo, e que irá proporcionar o lucro mobilizador em toda a operação”.
81 Nesse sentido, cfr. Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, Alteração das Circunstâncias e Modificação de Propostas em Procedimentos de Contratação Pública, in Estudos de Contratação Pública - III, obra colectiva, Xxxxxxx, 0000, pág. 167.
contrato de concessão, faz perceber ainda mais a importância do princípio da confiança legítima para esses ajustes.
De facto, o princípio da confiança, com toda sua densidade normativa, e entendido como instrumento de salvaguarda do princípio da boa-fé para os administrados, revela substancialmente sua importância no desenho dos contratos de concessão.
E mais, como esses contratos são utilizados para regular a prestação de serviços ou obras essenciais a sociedade, o seu fim, por força, sempre será o interesse público. De modo que, alterando-se as circunstâncias do pactuado, de forma a comprometer-lhe a execução, a sua modificação se faz necessária, para bem perseguir o interesse público.
Na Administração Pública, a segurança jurídica outrora entendida como certeza da imutabilidade, alçou, na breve história do século XX, novos contornos jurídicos, para passar a ser percebida como instrumento de proteção das mudanças.
Nesse sentido, pode-se concluir com certa margem de segurança que não há mais espaço para dissociarmos a dogmática dos contratos de longo prazo do princípio da segurança jurídica ou, mais precisamente, da sua faceta confiança legítima. Como bem advertiu o professor Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, sem a fidúcia não conseguimos manter nem mesmo casamentos, alicerçados no amor, quanto mais as contingências de relações contratuais nascidas para durar 15, 30 ou mais anos.
1.1. O princípio da confiança legítima
O princípio da proteção à confiança (Vertrauensschutz) nasceu na jurisprudência alemã por meio do célebre caso da "Viúva de Berlim", julgado pelo Superior Tribunal Administrativo de Berlim em 14 de novembro de 1956.82 O caso tratou da anulação de vantagem
82 Xxxxxxx Xxxxxx elucida os fundamentos para a tomada de decisão e o novo entendimento adotado: Xxxxx de partida foi o entendimento que a questão sobre a retratabilidade de atos administrativos beneficentes antijurídicos é dominada por dois princípios, ou seja, por um lado, pelo princípio da legalidade da administração, que exige a eliminação de atos administrativos antijurídicos e, por outro, pelo princípio de proteção à confiança, que pede a manutenção do ato administrativo beneficente. Como ambos os princípios requerem validez, mas também estão em conflito um com o outro, deve segundo a opinião do Tribunal Administrativo Federal, ser ponderado e examinado, no caso particular, a qual interesse – ao interesse público na retratação ou ao interesse individual na existência do ato administrativo – é devido a primazia. Nisso também são possíveis soluções que diferenciam, por exemplo, uma retratação limitada
prometida a viúva de funcionário, caso se transferisse de Berlim Oriental para Berlim Ocidental, o que ocorreu. Ela então percebeu a vantagem durante um ano, ao cabo do qual o benefício lhe foi retirado, ao argumento de que era ilegal, por vício de competência. O Tribunal, entretanto, sopesando o princípio da legalidade com o princípio da proteção à confiança, entendeu que este incidia com mais força ou mais peso no caso, afastando a aplicação do outro. Na década de 70, ocorreu o reconhecimento, pelo Tribunal Federal Constitucional, da proteção à confiança como princípio de valor constitucional.83
Após a consolidação da jurisprudência pela proteção à confiança, a Lei do Processo Administrativo Federal germânico, de 1976, nos §§48 e 49 positivou regras relativas ao princípio, sobretudo, no tocante aos efeitos e à possibilidade de revogação de atos administrativos beneficentes.
Com efeito, o modelo alemão é o que melhor perfaz o exercício de ponderação de aplicação do princípio de proteção da confiança legítima, na medida em que analisa o comportamento do requerente (indivíduo com a expectativa quebrada) frente ao comportamento da Administração em que ele depositou sua confiança. A revisão judicial compete avaliar, a depender das circunstâncias concretas, se a alteração deve ser suportada, tendo em vista o interesse público utilizado como justificativa. 84
Em trabalho pioneiro no Brasil sobre o tema, Almiro do Couto e Xxxxx ressalta que “no direito alemão e, por influência deste, também no direito comunitário europeu, "segurança jurídica" (Rechtssicherheit) é expressão que geralmente designa a parte objetiva do conceito, ou então simplesmente o "princípio da segurança jurídica", enquanto a parte subjetiva é identificada como "proteção à confiança" (Vertrauensschutz, no direito germânico) ou "proteção à confiança legítima" (no direito comunitário europeu), ou, respectivamente, "princípio da proteção à confiança" ou "princípio da proteção à confiança legítima".85
objetiva ou temporalmente. XXXXXX, Xxxxxxx. Elementos de Direito Administrativo Alemão. Tradução de Xxxx Xxxxxx Xxxx. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 70-71.
83 XXXXXX, Xxxxxx. Du Principe de Protetion de la Confiance Legitime en Droits Allemand, Comunnautaire et Français, Paris, DaIloz, 2001, p. 11
84 Ibdem, p. 170.
85 DO XXXXX X XXXXX, Almiro. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99), publicado na RDA nº 237, 2004, p. 279.
Em Portugal, o princípio de proteção da confiança legítima não aparece expressamente positivado, sendo doutrinariamente considerado como decorrência lógica do princípio da segurança jurídica.86
No direito brasileiro não há previsão expressa do princípio da proteção à confiança, mas a doutrina costuma subdividir o princípio da segurança jurídica em seu aspecto objetivo, relacionado a estabilidade das relações jurídicas, a necessidade de obediência ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada e o seu aspecto subjetivo, e neste se sublinha o sentimento do indivíduo em relação a atos, inclusive e principalmente do Estado, dotados de presunção de legitimidade e com a aparência de legalidade.87
Registramos que alguns autores, referem-se ao princípio da confiança legítima como um princípio autônomo88, ao passo que outros apenas tratam do princípio da segurança jurídica ou da confiança legítima como sinônimos. No direito brasileiro, fala-se, via de regra, em princípio da segurança jurídica, pois assim procedeu o legislador nacional, ao passo que no direito alemão, ele é denominado de princípio da proteção à confiança (Vertrauenschutz).
De qualquer forma, a par de sua denominação, é importante entender que o objetivo do princípio aqui estudado é garantir a estabilidade das relações jurídicas estabelecidas por meio da confiança legítima entre o Estado e o cidadão, o que faz nascer a exigência de respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.
É possível notar, em uma perspectiva geral, elementos comuns aos principais ordenamentos jurídicos ocidentais, sobretudo após a emergência do direito europeu, onde as eventuais divergências tornaram-se simbólicas, em razão da aplicação do princípio do primado ou
86 XXXXX, Xxxxx Xxxx. A proteção da confiança na ‘jurisprudência da crise, in RIBEIRO, Xxxxxxx xx Xxxxxxx x XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx (org.). O Tribunal Constitucional e a crise: ensaios críticos, Coimbra: Xxxxxxxx, 0000. p. 135-181.
87 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Manual de direito administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 57.
88 Para o Canotilho, “abstraídas as distinções conceituais dos dois princípios, o conteúdo da segurança jurídica e da confiança exigem i) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos de poder; e ii) a garantia aos cidadãos de que suas expectativas pessoais legítimas e os efeitos dos atos constituídos sejam preservados pela Administração Pública. Nessa linha de ideias, o Estado Constitucional impôs um modelo no qual a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria ideia de justiça, com repulsa aos comportamentos que frustrem a dimensão objetiva da “confiança” e da “segurança”, enquanto elementos centrais de um Estado de Direito”. In: X. X. Xxxxx Xxxxxxxxx, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 257.
mesmo pelo contínuo processo de “influência recíproca” entre o direito comunitário e os sistemas jurídicos nacionais89
Com efeito, o Tribunal de Justiça da União Europeia, no julgamento TJUE, 12.12.2013, C-362/12, conclui que o princípio da segurança jurídica, que tem por corolário o princípio da proteção da confiança legítima, exige que qualquer lei que dê origem a consequências desfavoráveis para particulares seja clara e precisa e que a sua aplicação seja previsível para os destinatários.
Outrossim, o Tribunal Constitucional de Portugal, no Acórdão n.º 128/2009, afirmou que é certo que, em Estado de direito, os cidadãos devem poder saber com o que contam. É igualmente certo que a confiança, a ser justificada, deve ser tutelada, conforme se tem vindo a decidir, em firme jurisprudência, pelo Tribunal.90
O Supremo Tribunal Federal brasileiro, no julgamento do Mandado de Segurança 24448/DF, cujo relator fora o Ministro Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx, decidiu que o princípio da segurança jurídica é projeção objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana e elemento conceitual do
89 XXXXXXX, Xxxxx. O princípio da protecção da confiança como garantia dinâmica, in XXXXXXX XX XXXXX, Xxxxxx x XXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx (coord.). Trajectórias de sustentabilidade: tributação e investimento, Coimbra: Instituto Jurídico da FDUC, 2013, p. 163.
90 O Tribunal Constitucional (TC) no Acórdão nº 93/84, concluiu que “É que, agora segundo jurisprudência conforme das duas secções deste Tribunal Constitucional, aquela norma retroactiva viola o princípio do Estado de direito democrático que, referido no preâmbulo da Constituição, se acha actualmente consignado, expressamente tio seu artigo 2º (...). Sem dúvida que, tal princípio, cujos contornos são fluídos, variando no tempo e segundo as épocas e lugares, tem um conteúdo relativamente indeterminado quando não acha directo apoio noutros preceitos constitucionais. Por isso, tais características sempre inspirarão prudência ao intérprete e convidá-lo-ão a não multiplicar, com apoio nesse princípio, as ilações de inconstitucionalidade. (...) Não obstante, qualquer que seja a latitude jurídica, o princípio do Estado de direito democrático sempre garantirá - parafraseando, uma vez mais, o já citado Acórdão nº 437 da Comissão Constitucional – ‘seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e consequentemente a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica’” (ACÓRDÃO de 31 de Julho de 1984, Plenário, Relator Conselheiro Xxxxx Xxxxxxxx, Processo nº 10/84).
No mesmo sentido, Cfr. Acórdão TC nº 17/84, “(...) O princípio do Estado de direito democrático garante um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, em consequência, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica. O cidadão deve poder prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para adequar a elas. Ele deve poder confiar em que a sua atuação de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as suas consequências juridicamente relevantes”, (ACÓRDÃO de 22 de fevereiro de1984, 1ª Secção, Relator Xxxxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, Processo nº 25/83).
Estado de Direito. Portanto, se a confiança é aduzida e está interligada ao próprio conceito de segurança jurídica, depreende-se desta imediatamente.91
A concepção de que, nas relações jurídicas, as partes nelas envolvidas devem proceder corretamente, com lealdade e lisura, em conformidade com o que se comprometeram e com a palavra empenhada da conteúdo ao princípio da segurança jurídica, pelo qual, nos vínculos entre o Estado e os indivíduos, se assegura uma certa previsibilidade da ação estatal, do mesmo modo que se garante o respeito pelas situações constituídas em consonância com as normas impostas ou reconhecidas pelo poder público, de modo a assegurar a estabilidade das relações jurídicas e uma certa coerência na conduta do Estado.92
Ou seja, fácil perceber que existe uma relação umbilical entre o princípio da segurança jurídica e o princípio da boa-fé93, ainda que não se confundam. É possível afirmar que a boa-fé deve pautar a atuação do Estado e do particular e, assim, o princípio da segurança jurídica atuará como instrumento de proteção do administrado.94
Nesse sentido, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx para quem a "administración pública y administrado han de adoptar un comportamiento leal en todas las fases de constitución de las relaciones hasta el perfeccionamiento del acto que las dé vida y en las relaciones frente a los possibles defectos dei acto. Han de adoptar nu comportamiento leal e el desenvolvimiento de las relaciones en las direcciones en que se manifesten derechos y deberes. Y han de comportarse lealmente en el momento de extinción: ai exercer las potestades de revisión y anulación y ai
91 Cfr. MS 24448 / DF - DISTRITO FEDERAL. Relator: Min. Carlos Britto. Julgamento: 27/09/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
92DO XXXXX X XXXXX, Almiro. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99)”, publicado na RDA nº 237, 2004, p. 271-315. 93 O Supremo Tribunal Administrativo (STA), por meio do ACÓRDÃO de 18 de junho de 2003, 1ª Subsecção, Relator Xxxxxx Xxxxxxx, Processo nº 01188/2012, afirmou: “Pode dizer-se, numa formulação sintética, que a Administração viola a boa-fé quando falta à confiança que despertou num Particular ao actuar em desconformidade com aquilo que fazia antever o seu comportamento anterior, sendo que, enquanto princípio geral de direito, a boa-fé significa “que qualquer pessoa deve ter um comportamento correcto, leal e sem reservas. (...)Xxx, como já atrás se assinalou, um dos elementos que informa o conteúdo da noção de boa-fé consiste, precisamente, na necessidade de se estar perante uma conduta contraditória, que não fosse razoável intuir de um determinando comportamento anterior, destarte não existindo a invocada violação de dever jurídico-funcional de um comportamento consequente”.
94 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Os princípios da proteção à confiança, da segurança jurídica e da boa-fé na anulação do ato administrativo. Direito público atual: estudos em homenagem ao professor Xxxxxx Xxxxxxxxxx. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 304.
soportar los efectos de la extinción, así como en el ejercicio de las acciones ante la Jurisdicción contencioso- administrativa".95
O notável constitucionalista português Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, em preciosa lição, adverte que "o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de direito.”96 No mesmo sentido caminha a doutrina alemã, entendendo que o princípio da proteção da confiança tem como matriz constitucional o princípio da segurança jurídica, que é subprincípio, ainda que não expresso, do princípio do Estado de Direito.97
A segurança jurídica é, portanto, um dos fatores mais importantes do Estado democrático de direito e tem por funções garantir a estabilidade das relações jurídicas consolidadas e a certeza das consequências jurídicas dos atos praticados pelos indivíduos nas suas relações sociais.98
Para Xxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, ainda que o homem possa viver sob injustiças, como as tem suportado imemorialmente, o certo é que, para a própria existência da sociedade e como condição para que qualquer uma logre o progresso, será sempre necessário um mínimo de segurança institucional e complementa ao dizer que a segurança jurídica é um megaprincípio do Direito, o cimento das civilizações.99
Inerente a complexidade de sua compreensão e alcance, o princípio da confiança legítima traz ao debate a ideia de tempo e, especialmente, de como compatibilizar a estabilidade das relações jurídicas atrelada a certeza da mudança que advém do tempo. Assim é que, a análise
95 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. El Principio General de la Buena Fé en el Derecho Administrativo, Madri, Civitas, 1989, p. 89.
96 XXXXXXXXX, X. X. Xxxxx. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2000, p. 256.
97 XXXXXX, Xxxxxxx. Allgemeines Verwaltungsrecht, Munique, X. X. Xxxx, 1999, p. 280. No mesmo sentido, Xxxx
J. Xxxxx, XxxX Xxxxxx, Xxxx Xxxxxx, Verwaltungsrecht, Munique, X. X. Xxxx, 1994, vol. I, p. 350.
98 O Supremo Tribunal Federal em outras duas decisões (MC n° 2.900-RS, 23 Turma, relator Min. Xxxxxx Xxxxxx, data 08.03.2003, Informativo do STF n° 231) e MS 24268/MG, relator Min. Xxxxxx Xxxxxx, data 15.03.2004, Informativo do STF n° 343) qualificou a segurança jurídica como princípio constitucional na posição de subprincípio do Estado de Direito.
99 XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 16. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.155.
a respeito da segurança jurídica necessariamente conduz à vinculação ambivalente entre o Direito e a decorrência do tempo100.
Tal qual as relações humanas, os pactos estabelecidos entre o Estado e os cidadãos não se mantém inertes no tempo, pelo que se torna necessário adaptar o Direito à mudança social. Com isto, como aludido, as relações definidas pelo direito fundamentam-se em um paradoxo temporal, resultante do afastamento da inércia e da transformação diante das novas situações. 101
Como dito por Xxxxxxxx Xxxxx, o tempo é um elemento que modificou o modo de apreciar as obrigações na contratação moderna.102 Nos contratos de longo prazo, as partes acordam sobre o modo como vão agir no tempo e no futuro e acabam definindo hoje, como será o amanhã. O programa contratual é uma domesticação (ou tentativa de domesticação) dos eventos futuros.103
O professor Xxxx Xxxxxxxx, a respeito do tema, em instigantes palavras, elucida que, “aquilo que o direito faz é um cerzido entre os tempos, o tempo da tecnologia, dos consumidores, do mercado, do investidor, do regulador público, do legislador e do judiciário. Por meio dessa integração, as coisas mudam e, ao mesmo tempo, permanecem estáveis. Contratos perenes, mas não imutáveis. Isso porque o direito da regulação integra tais cronologias e torna possível que convivam entre si, sem rupturas. À essa costura que tenta harmonizar tempos incompatíveis, nós chamamos de segurança jurídica.”104
O surgimento do princípio da segurança jurídica, como visto, se deu em um contexto em que se fazia necessário, e ainda se faz, controlar o arbítrio da Administração. Para frear o ímpeto
100 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. A protecção da confiança, in XXXXX, Xxxxx Xxxxx (org.). V Encontro dos Professores Portugueses de Direito Público, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, julho 2012, p. 21-29. Disponível [em linha]: <xxx.xxxx.xx>. Acesso em 16 de novembro de 2022.
101 VILANOVA, Lourival. Fundamentos do Estado de Direito, in CLÈVE, Xxxxxxxxx Xxxxxx x XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx (org.). Direito Constitucional – Volume II – Teoria Geral do Estado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 563-580.
102 XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. A obrigação de renegociar no Direito Contratual brasileiro, em Revista do Advogado, São Paulo, AASP, Ano XXXII, n 116, p. 88-97, Julho de 2012, p. 91.
103 XXXXX, Xxxx Xxxxxx xxxxxxxx da. O tempo no direito e o tempo do direito. Provocação para uma releitura entre o direito e a literatura a partir de um tema borgiano. In: XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx (Coord.). Narração e normatividade: ensaios de direito e literatura. Rio de Janeiro: GZ Ed. P. 95-100, 2013, p. 96.
104 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. As mutações contratuais nas telecomunicações: concessões que se transformam em autorizações. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx/xxxx-xxxxxxxx- moreira/asmutacoes-contratuais-nas-telecomunicacoes-concessoes-que-se-transformam-em- autorizacoes18g70d2z0f062dx7g87qnmdac/. Acesso em: 10 de novembro de 2021, p. 4.
do Estado, limitou-se o poder de autoridade no tocante à alteração da conduta pela Administração Pública. No entanto, em face da velocidade como o mundo vem se modificando, bem como a Administração e suas múltiplas relações com os administrados, não há como defender aprioristicamente essa dita estabilidade/imutabilidade da relação jurídica-administrativa.105 O conceito de segurança jurídica precisa ser, cada vez mais, analisado pelo viés da confiança, da fidúcia, depositada no comportamento do Estado frente ao cidadão.
Como bem afirma Xxxx Xxxxxxxx, “a segurança jurídica torna-se a garantia da efetividade das mutações contratuais. É justamente porque reverenciamos os contratos que devemos também respeitar as suas mutações, sobretudo aquelas objetivas, que decorrem dos fatos, da evolução tecnológica, das novas demandas de mercado – e não apenas das vontades unilaterais dos contratantes. Isso com lastro na constatação óbvia de que não se pode prever o futuro – isso é atividade de cartomantes, não de reguladores nem de contratos administrativos.”106 E continua o autor: “esses laços que chamamos de segurança jurídica prestam-se a tornar certas as mutações; a assegurar que podemos ter a confiança legítima de que elas serão implementadas, se e quando necessárias. Prestemos bem atenção: a segurança jurídica em contratos de longo prazo é fruto da certeza da mudança.”107
Retome-se a lógica dos contratos de concessão, são contratos complexos, de longo prazo e incompletos por natureza, capazes de gerar conflitos durante toda sua execução. Nesse sentido, Xxxxxx Xxxxxxx aponta a dificuldade de reequilibrar contratos complexos, tais como os contratos de concessão.108
105 O Direito Administrativo tradicional, marcado por uma Administração Pública estática, eminentemente reativa, que atuava na lógica pontual do curto prazo, foi substituído por um Direito Administrativo complexo, nascido com o surgimento do Estado Social, marcadamente prestador, onde ocorreu o incremento do aparelho estatal, sendo a atividade administrativa agora responsável por promover não apenas os direitos políticos dos cidadãos, mas garantir- lhes prestações de bens e serviços necessários ao seu bem-estar.
106 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. As mutações contratuais nas telecomunicações: concessões que se transformam em autorizações. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx/xxxx-xxxxxxxx-xxxxxxx/xx- mutacoes-contratuais-nas-telecomunicacoes-concessoes-que-se-transformam-em-autorizacoes- 18g70d2z0f062dx7g87qnmdac>. Acesso em: 15 novembro 2021.
107 Ibdem.
108 Na opinião do autor, isso decorreria de elementos como não-linearidade e incerteza estratégica das partes na relação contratual. A teoria da imprevisão estaria descolada da realidade ao considerar como uma situação excepcional algo que seria um natural estado de artes do contrato, qual seja, a sua incompletude. In: XXXXXXX, Xxxxxx. Direito e economia da infraestrutura. Belo Horizonte: Fórum, 2020.
Com efeito, o presente estudo defende que o princípio da confiança legítima atuará, em face desses contratos, como redutor da complexidade, por meio da criação de uma atmosfera de confiabilidade necessária ao desenvolvimento da relação contratual. Apenas sob esse olhar será possível enfrentar as intercorrências do tempo, reequilibrar as relações, tornar longo o ajuste e atender ao interesse público perseguido com o contrato de concessão.
No ITF, Public Private Partnerships for Transport infrastructure: Renegotiation and Economic Outcomes, os autores Athias e Xxxxxxxx chegaram à conclusão segundo a qual o risco de demanda nos contratos de rodovia e o grau de interação anterior entre as partes contratantes fazia com que contratos mais flexíveis fossem desenhados.109 Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxx, em oportuna observação, asseveraram que esses resultados confirmam e enfatizam a importância da confiança entre uma autoridade pública e um operador privado nesses acordos.110 Ou seja, em contratos relacionais e de longa duração, a confiança estabelecida entre as partes fará com que esse jogo estabelecido entre os agentes gere ganhos de eficiência contratual.
Nesse sentido, também o papel que as instituições políticas e governamentais exercem no país irá sobremaneira contribuir para percepção da confiança que o particular terá sobre o contrato de concessão. Países com instituições inclusivas,111 atraem uma maior atenção do setor privado, ao mesmo tempo em que obtém uma maior taxa de sucesso de suas concessões.112
No Brasil, após uma grande crise de confiança entre o setor público e o setor privado, foi criado, por meio da Medida Provisória nº 727/2016, convertida na Lei nº 13.334/2016, o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI com a missão institucional de reforçar a coordenação das políticas de investimentos em infraestrutura mediante parcerias com o setor privado.
109 ITF (2017), Public Private Partnerships for Transport infrastructure: Renegotiation and Economic Outcomes, IF Roundtable Reports, OECD Publishing, Paris. htp://xx.xxx.xxx/00.0000/0000000000000-xx. Acesso em 01 de julho de 2023.
110 ITF (2017). Public Private Partnerships for Transport Infrastructure: Renegotiation and Economic Outcomes, ITF Roundtable Reports, OECD Publishing, Paris. Disponível em: xxxxx://xxxx.xxxx-xxxxxxxx.xxx/xxxxxxxxx/xxxxxx-xxxxxxx- partnerships-for-transportinfrastructure_9789282108130-en. Acesso em 01 de julho de 2023.
111 Expressão utilizada em oposição a ideia da existência de instituições extrativistas do livro de Xxxxxxxx, Xxxxx e Xxxxxxxx, Xxxxx. Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty. New York: Crown Publishers. 2012
112 XXXXXX, X. X. Xxxxxxxx and renegotiating infrastructure concessions: doing it right. Washington, DC: World Bank Publications, WBI Development Studies, 2004.
O PPI tem origem remota no anteprojeto de lei denominado de “PPP Mais”113 e teve como objetivo principal ampliar a transparência, participação e governança sobre uma carteira de projetos de concessão e privatização. Na perspectiva aqui delineada, foi esse programa responsável por resgatar a confiança do setor privado, por promover e assegurar a estabilidade e a segurança jurídica, com a garantia da mínima intervenção nos negócios e investimentos e, sobretudo, por fortalecer o papel regulador do Estado e a autonomia das entidades estatais de regulação.114
Em Portugal, a criação de estruturas intergovernamentais dedicadas ao acompanhamento de parcerias público-privadas,115 de comissões de composição mista para o acompanhamento de concessões municipais116, fiscalização117, a delegação da gestão dos contratos em outras autoridades administrativas, algumas delas reguladoras, também teve por objetivo aumentar o grau de confiança e melhoria dos contratos de concessão.
1.2 O consensualismo na Administração Pública
O reconhecimento da ascensão do contrato como instrumento fundamental de governo impõe ao Direito Administrativo contemporâneo o desafio de se amoldar a essa nova arquitetura administrativa, que demanda da Administração uma cultura apta a compatibilizar o
113 Cf. XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx x XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx, PPP MAIS: um caminho para práticas avançadas nas parcerias estatais com a iniciativa privada, Revista de Direito Público da Economia – XXXX 00/0-00. Xxxx Xxxxxxxxx: Fórum, jan./mar. 2016.
114 Cfr. art. 8º-A, Lei nº 13.334, de 2016.
115 Veja-se, por exemplo, o artigo 340.º/1 do CCP (“nos contratos que configurem uma parceria pública-privada, compete ao ministro ou ao membro do Governo Regional responsável pela área das finanças ou ao ministro ou ao membro do Governo Regional da tutela sectorial, consoante o caso: b) O acompanhamento do contrato, tendo por objectivo a avaliação dos seus custos e riscos, bem como a melhoria do processo de constituição de novas parcerias públicas privadas”) ou o regime do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de Maio, que aprovou a nova Lei das PPP, com a criação da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos, com importantes competências na gestão das PPP (ver artigo 34.º e ss.).
116 Relativamente às concessões dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de água residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, cfr. o artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto que dispõe: “na data de celebração do contrato de concessão é constituída uma comissão de acompanhamento integrando um representante designado pelo concedente, um representante designado pelo concessionário e um terceiro elemento co-optado pelos anteriores, que preside”.
117 Cfr. artigo 305º/4 do CCP, in verbis: “as tarefas de fiscalização podem ser parcial ou totalmente delegadas em comissões paritárias de acompanhamento ou entidades públicas ou privadas especializadas”.
consenso que o instituto contratual reclama, e a autoridade da Administração, que a finalidade pública pressupõe.118
De acordo com Xxxxxx Xxxxxxxx, o Direito Administrativo está em constante e veloz mutação, o que põe em causa distintas formas de relacionamento entre o Estado, a sociedade e os operadores econômicos, em suas palavras: “Los câmbios del passado han necessitado siglos. Los actuales suceden em um tempo breve, com gran presteza. El Derecho Civil há disfrutado de uma enorme estabilidade a lo largo del tempo. El Derecho Administrativo, em cambio, se há caracterizado por câmbios cada vez más vertiginosos.” 119
Em face da necessidade de adequação do ordenamento jurídico a velocidade das mutações sociais, a própria forma como a Administração Pública relacionava-se com o particular precisou ser repensada. Nesse contexto, a noção de consensualidade surge como tendência à nova Administração Pública.120
Essas transformações na estrutura do instrumento de ação administrativa por excelência decorrem do fato de que a realização das vastíssimas tarefas incumbidas à Administração não poderia ser obtida sem a colaboração espontânea dos particulares. Nesse sentido, Xxxxxxx Xxxxxx Xx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx destacam que “o ato unilateral
118 Nesse sentido, destaca Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx que “(...) o contrato administrativo continua bem actual e, surpreendentemente, a dualidade em que ele sempre se baseou – consenso e autoridade – é até um dos sinais distintivos do direito administrativo do nosso tempo.” In: O Contrato Administrativo: Uma instituição do direito administrativo do nosso tempo. Ob. Cit., p. 09 e seguintes.
119 XXXXXXX, Xxxxxx. Derecho Administrativo: Historia y Futuro. Milão: Xxxxxxx, 2010, p. 370.
120 De um lado assim, as barreiras da ordem jurídica, postas pelos padrões da lei, e, de outro, as da vontade popular, impostas, se possível, permanentemente, através da participação política. Estava feita a distinção entre a democracia clássica, voltada à escolha dos governantes, e a democracia emergente deste final de século XX, voltada à escolha de como se quer ser governado. Essa segunda forma de participação se vai adensando nos diferentes países: tanto materialmente, conforme seu grau de amadurecimento democrático, como formalmente, na medida em que se multiplicam os instrumentos de coordenação operativa entre sociedade e Estado (associações e parcerias), na linha da consensualidade. A participação e a consensualidade tornaram-se decisivas para as democracias contemporâneas, pois contribuem para aprimorar a governabilidade (eficiência), propiciam mais freios contra o abuso (legalidade); garantem a atenção a todos os interesses (justiça); proporcionam decisão mais sábia e prudente (legitimidade); desenvolvem a responsabilidade das pessoas (civismo); e tornam os comandos estatais mais aceitáveis e facilmente obedecidos (ordem), in XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. Mutações do direito administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p. 40.
assegura eficazmente a submissão, mas é incapaz de suscitar o entusiasmo e o desejo de colaboração”.121
Para Xxxxx Xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, essa postura velha, de mais de dois séculos, erguida sobre a tríade supremacia, imposição e unilateralidade – reputadas como atributos permanecentes e inafastáveis da Administração em suas relações com os administrados – vem cedendo paulatinamente espaço à consensualidade e a negociação, pois que se vêm mostrando muito mais eficientes para a satisfação de interesses públicos.122
A atuação coercitiva do Estado, nessa nova ideia, far-se-á apenas excepcionalmente, ou seja, quando a consensualidade não puder sobrepujar a imperatividade. Dessa forma, o diálogo deve imperar nas relações entre o Poder Público e o privado.123
O consensualismo, então, propõe que as decisões da Administração Pública tenham como premissa máxima o alcance do interesse público, exaltando sua atuação pautada para os resultados e para concretização do princípio da eficiência.
Ademais, a partir do momento em que se passa a exigir da Administração resultados eficientes, torna-se inviável a permanente conflituosidade com a esfera privada, própria do período anterior, de postura autoritária e unilateral. Como afirmado por Xxxxxxxx Xxxxxx “o Estado de hoje está muito mais propenso a exercer uma função de mediador e de garante, mais do que a de detentor do poder de império”.124
A Administração passa, assim, por esse processo constante de aproximação com o privado, sobretudo porque necessita prestar um amplo espectro de serviços públicos essenciais, valendo-se do contrato público para o atingimento dessa finalidade. O recurso ao contrato faz a Administração transmudar a sua natureza de prestadora direta de serviços para gestora de contratos. Nas palavras de Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, “administrar constitui, em larga medida, uma atividade
121 XXXXXX XX XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX XXXXXXXXX, Xxxxx. Curso de Derecho Administrativo. Vol. I., 8ª. Ed., Madrid: Civitas, 1997, p. 623.
122 XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. O futuro das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos. In: XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx; XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 186.
123 A consensualidade cada vez mais assume papel relevante na relação entre Administração Pública e entes privados. Sobre o assunto, v. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Sanção e Acordo na Administração Pública, São Paulo: Malheiros, 2015.
124 XXXXXX, Xxxxxxxx. Estado, governo e sociedade. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 26.
consistente em gerir redes de contratos e em assegurar que os parceiros privados cumpram as obrigações assumidas (responsabilidade de garantia)”.125
No moderno Estado de Direito, plural, democrático e prestacional, a Administração Pública apercebeu-se de que, muitas vezes, não consegue agir onde não consegue convencer.126 Nesse sentido, ao se referir as transformações no Direito Administrativo entre o século XIX e o século XXI, com a passagem do laisser fair e o início do wefare state, Xxxxxx Xxxxxxx, após enunciar as características que entende originais ao Direito Administrativo127, passa a indicar os seus traços distintivos, são elas: “a crise da territorialidade do Estado, que deixa de ser o ponto da união do direito administrativo, em virtude da europeização e internacionalização do direito administrativo, atualmente unido a uma multiplicidade de ordenamentos jurídicos; a erosão da supremacia e da unilateralidade do direito administrativo que o Autor vê substituídas pela bilateralidade e pelo consenso como resultado de uma diferente posição do cidadão perante a administração, com consequências ao nível do entendimento do princípio da legalidade, como a alteração da função originária da lei (de baluarte contra as intromissões do executivo e meio para assegurar a submissão do executivo à direção parlamentar, converte-se em instrumento de direção das administrações públicas); a crise da distinção entre direito administrativo e direito privado; a erosão do carácter "governativo" do direito administrativo; a sujeição da administração à jurisdição administrativa, a qual pode resultar problemática nos casos em que, no âmbito de uma administração prestacional, não se esteja perante uma controvérsia de caracter anulatório.”128129
125 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Gestão de contratos em tempos de crise. In: Xxxxx Xxxxxxxxx (Coord.) Estudos de Contratação Pública. Vol. III. Coimbra: Coimbra editora, 2010, p. 21-26.
126 XXXXXX, Xxxxx. A Administração Pública consensual na modernidade líquida. Fórum Administrativo – FA, Ano 00, x. 000, x. 00 - 00, jan. 2014.
127 XXXXXX XXXXXXX considera como características originais ao Direito Administrativo: “a ideia de nacionalidade, fruto de uma forte e privilegiada ligação do Direito Admnistrativo ao Estado; a ideia de supremacia da Administração Pública e da consequente superioridade do interesse público, que o autor ilustra com a posição de Xxxx Xxxxx e a força vinculante da decisão administrativa; o regime administrativo, nele compreendidas as prerrogativas da Administração na esfera jurídica dos cidadãos, poder de polícia ou funções autoritárias, do que resultaria na construção de um Direito Administrativo como um direito especial, distinto do privado; o carater governativo do direito administrativo; e a especialidade do controlo jurisdicional através de um recurso objectivo centrado na figura do excesso de poder.” In: XXXXXXX, Sabino. "Le transformazioni del diritto amministrativo dal XIX al XXI secolo", Fundación Dialnet. Rivista trimestrale di diritto pubblico, n° 1, 2002, p. 27.
128 Ibdem, p. 28.
129 No mesmo sentido, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, que ao tratar dos efeitos desse contexto sobre o Estado, descreveu quatro pontos que podem ser transportados para as relações contratuais firmadas pela Administração: a) a relativização da imperatividade, b) a redefinição das funções administrativas, c) a atenuação das fronteiras entre o público e o privado e d) o reconhecimento da heterogeneidade das relações. O processo de globalização em curso coloca o Estado num
Se, nos tempos de Xxxx Xxxxx, foi característica a construção das relações administrativas em torno da lógica top-down, de um vinculo geral de supra-infra ordenação, caracterizado pelo poder-sujeição ("besondere Gewaltverhältnis"), que gerava uma especial dependência do súdito em relação aos comandos administrativos,130 atualmente, o modelo de administração inverteu essa lógica e introduziu instrumentos consensuais que valorizam o acordo e as relações de confiança e de boa fé com os administrados.
No Direito Administrativo, essa maior intensidade da participação do administrado revelou-se como uma tendência irreversível, contribuindo, sobremaneira, para uma Administração Pública mais democrática e consensual nos seus multifacetados setores de atuação.
Odete Medauar apresenta uma síntese dos principais fatores que provocaram a abertura da Administração para as variações consensuais como forma de exercício de suas atividades, dentre os quais: a afirmação pluralista, a heterogeneidade de interesses detectados numa sociedade complexa; a maior proximidade entre Estado e sociedade; a crise da lei formal como ordenadora de interesses, em virtude de que esta passa a enunciar os objetivos da ação administrativa e os interesses protegidos; o processo de deregulation; à emersão de interesses metaindividuais; à exigência de racionalidade, modernização e simplificação da atividade administrativa, assim como de maior eficiência e produtividade, alcançados de modo mais fácil quando há consenso sobre o teor das decisões.131
contexto de interdependência estrutural, que torna obsoleta a concepção tradicional de soberania (seção 1); a perda pelo Estado do comando sobe uma série de variáveis essenciais de que depende o desenvolvimento econômico e social acarreta uma redefinição de suas funções (seção 2); a clareza e precisão das fronteiras entre o público e o privado tendem a se atenuar, entranhando uma banalização da gestão pública (seção 3); nos casos em que o Estado estiver organizado de um modo unitário, assiste-se a um movimento de fragmentação e de degeneração de aparelhos cada vez mais heterogêneos (seção 4). In: XXXXXXXXXX, Xxxxxxx. O Estado Pós-moderno. Tradutor Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 37.
130 "Numa primeira fase de seu desenvolvimento (Direito Administrativo), portanto, a ênfase foi posta sobre aquilo que Xxxxxxxx chamava de "momento da autoridade. Daí a concessão da supremacia da Administração Pública sobre privados. Concessão não necessária, como demonstrado pelos precedentes históricos (os diversos impostaciones dos estudos pré-orlandianos) e da experiência estrangeira (dos países anglo- saxões). Mas concessão própria do Direito Administrativo continental: daquele francês, que Xxxxxxx Xxxxxxx descrevia como o direito da Puissance Publique e da prerrogativa exorbitante, e daquele alemão, no qual Xxxx Xxxxx individualizava uma rechtlichen Ungleichheit entre Estado e súdito". (tradução livre). XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. II Rapporto Autorità-Libertà e Il Diritto Amministrativo Europeo, in Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico in Rivista Trimestrale Di Diritto Pubblico. vol. 4. Milão: Xxxxxxx, 2006. p. 991.
131 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 210.
Aponta-se o desenvolvimento, ao lado dos mecanismos democráticos clássicos, de formas mais autênticas de direção jurídica autônoma das condutas, que abrangem, de um lado, a conduta do Poder Público no sentido de debater e negociar periodicamente com interessados as medidas ou reformas que pretende adotar, e de outro, o interesse dos indivíduos, isolados ou em grupos, na tomada de decisões da autoridade administrativa, seja sob a forma de atuação em conselhos, comissões, grupos de trabalho no interior dos órgãos públicos, seja sob a forma de múltiplos acordos celebrados.132
A principal consequência desse fenômeno, como bem colocado pela referida autora, está no surgimento de novas técnicas contratuais decorrentes de consenso, acordo, cooperação, parceria entre Administração e particulares ou entre órgãos e entidades estatais.133
O avanço da consensualidade possibilitou a abertura de formas mais flexíveis de contratação, bem como o surgimento de novos instrumentos de provocação social de controle, ampliando-se, nesse processo político, um conjunto de ações convergentes entre a sociedade e o Estado.134
A ideia de participação popular na gestão e no controle da Administração Pública está intimamente ligada à noção de Estado Democrático de Direito, e faz-se presente em diversos mecanismos, como por exemplo: as audiências e consultas públicas; as arbitragens envolvendo a Administração; o orçamento participativo; os termos de ajustamento de conduta com o Ministério Público; a participação popular na organização dos planos diretores das cidades e na definição das
132 Sobre as linhas de transformação dos contratos clássicos, ver Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx em Estado contratual. Direito ao desenvolvimento e parceria público-privada", in Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx (coord.). Parcerias público-privadas. Um enfoque multidisciplinar. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, рр. 101- 110.
133 MEDAUAR, Odete, Direito administrativo moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pp. 225-226, expõe que: "Nas últimas décadas vêm florescendo atuações administrativas instrumentalizadas por técnicas contratuais decorrentes de consenso, acordo cooperação, parceria entre Administração e particulares ou entre órgãos e entidades estatais. Diante desse modo de atuar, novos tipos de ajuste foram surgindo, com moldes que não se enquadram no padrão clássico de contrato administrativo, nem no padrão teórico de contrato vigente no século XIX. Discute-se, então, se esses novos ajustes enquadram-se ou não na figura contratual, tal como se discutiu quanto ao contrato administrativo.
134 XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. Curso de direito administrativo, 12° ed.. Rio de Janeiro, Forense. 2001. p. 33.
diretrizes do sistema de saúde, da assistência social e da educação. Desse modo, a incidência desse princípio pode ser sentida em quase todas as formas de manifestação estatal.135
Alguns sistemas jurídicos são especialmente avançados na análise da consensualidade, a exemplo da Alemanha, da Itália e da Espanha. Nesses ordenamentos jurídicos, foram editadas normas autorizativas genéricas abrindo a possibilidade de a Administração celebrar acordos com os administrados em detrimento da atuação administrativa típica.
No caso italiano, os acordos administrativos são expressamente previstos na lei 241/90, que disciplina o processo administrativo e o direito de acesso a documentos públicos. O seu artigo 11 autoriza a Administração a celebrar acordos com os interessados com a finalidade de determinar o conteúdo discricionário do ato final ou substituí-lo, desde que a prática consensual não cause prejuízo a terceiros e nem afaste a Administração do dever de satisfazer o interesse público.136
Xxxxxxxxx Xxxxxx explica que a “codificação da privatização da ação administrativa deve-se não somente a uma escolha técnica, dado que a satisfação das competências administrativas por meio de acordos pode se mostrar mais eficiente no caso concreto quando em comparação com o modo unilateral imperativo de ação, mas uma escolha eminentemente cultural, de incentivo às relações paritárias entre Administração Pública e administrados.”137
No Direito Administrativo espanhol, a construção da consensualidade deve-se à redação do artigo 88 da lei de processo administrativo espanhol, a Lei 30/92, que traz, já de início, a possibilidade da Administração celebrar acordos administrativos em sentido amplo com os administrados, nos seguintes termos: “Artigo 88. Terminação convencional. As Administrações Públicas poderão celebrar acordos, pactos, convênios ou contratos com pessoas tanto de direito público como privado, sempre que não sejam contrários ao ordenamento jurídico nem versem sobre
135 GROTTI, Dinorá Xxxxxxxx Xxxxxxx. A participação popular e a consensualidade na Administração (Pública", in Xxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx (coord.). Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo, Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 648.
136 No original: "In accoglimento di osservazioni e proposte presentale a norma dell'articolo 10, l'amministrazione procedente può concludere, senza pregiudizio dei diritti dei terzi, e in ogni caso nel perseguimento del pubblico interesse, accordi con gli interessati al fine di determinare Il contenuto discrezionale del provvedimento finale ovvero in sostituzione di questo".
137 XXXXXX, Xxxxxxxxx. Gli Accordi della Pubblica Amministrazione con i Privati. Milão: Giuffrè. p. 4-5.
matérias não suscetíveis de transação e tenham por objeto satisfazer o interesse público que tenham perseguir, com o alcance, efeitos e regime jurídico especifico que, em cada caso, preveja a disposição que o regule, podendo tais atos ter o propósito de finalizadores dos procedimentos administrativos ou serem propostos nos mesmos com caráter prévio, vinculante ou não, à resolução que lhes ponha fim”.138
No Direito Administrativo alemão, o §54 da lei de processo administrativo de 1976 (VwVfG) admite a constituição, modificação ou extinção de relação jurídico-administrativo por meio da celebração de contratos de direito público.139
Sobre os efeitos positivos dos acordos administrativos, vale transcrever a seguinte passagem de Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx: “É inegável que a renovada preocupação com o consenso, como forma alternativa de ação estatal, representa para a Política e para o Direito uma benéfica renovação, pois contribui para aprimorar a governabilidade (eficiência), propicia mais freios contra os abusos (legalidade), garante a junção de todos os interesses (justiça), proporciona decisão mais sábia e concedente (legitimidade), evita os desvios morais (licitude), desenvolve a responsabilidade das pessoas (civismo) e torna os comandos estatais mais estáveis e facilmente obedecidos (ordem).”140
Nesse sentido, o autor concebe a consensualidade como técnica de gestão administrativa, voltada a superar determinados gargalos que a forma mais tradicional de administrar incorre.141 Essa nova fase no tratamento doutrinário do tema da consensualidade
138 Cfr. Redação do art. 88, primeira parte, da LijAPyPAc (original): "Articulo 88. Terminación convencional. 1. Las Administraciones Públicas podrán celebrar acuerdos, pactos, convenios o contratos con personas tanto de derecho público como privado, siempre que no sean contrarios al Ordenamento Jurídico ni versen sobre materias no susceptibles de transacción y tengan por objeto satisfacer el interés público que tienen encomendado, con el alcance, efectos y régimen jurídico especifico que en cada caso prevea a disposición que lo regule, pudiendo tales actos tener la consideración de finalizadores de los procedimentos administrativos o insertase en los mismos com caráter previo, vinculante o no, a la resolución que les ponga fin.
139 A respeito da consensualidade no Direito Administrativo alemão, ver: XXXXXXX XXXXXX, Xxxxxx Xxxxx, Transações Administrativas. Um contributo ao estudo do contrato administrativo como mecanismo de prevenção e terminação de litígios e como alternativa à atuação administrativa autoritária, no contexto de uma Administração Pública mais democrática. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000. p. 331-342.
140MOREIRA NETO, Xxxxx Xxxxxxxxxx. Novas Tendências da Democracia: Consenso e Direito Público na Virada do Século – O Caso Brasileiro. In: Revista Brasileira de Direito Público, vol. 3. Belo Horizonte, Fórum, 2001, p. 36. 141 “A participação e a consensualidade tornaram-se decisivas para as democracias contemporâneas, pois contribuem para aprimorar a governabilidade (eficiência); propiciam mais freios contra o abuso (legalidade); garantem a atenção a todos os interesses (justiça); proporcionam decisão mais sábia e prudente (legitimidade); desenvolvem a responsabilidade das pessoas (civismo); e tornam os comandos estatais mais aceitáveis e facilmente obedecidos
demonstra que essa prática no cotidiano do Direito Administrativo vem ganhando cada vez mais espaço e abrindo a oportunidade da Administração, afastando-se de molduras herméticas, concretizar o princípio do interesse público com a solução mais efetiva para o caso concreto.
Nas palavras de Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, é fundamental que “tanto no nível operativo quanto no âmbito administrativo, os entes contratantes formem uma cultura administrativa adequada à composição dos interesses e conflitos inerentes ao relacionamento entre as especialidades pública e privada.”142
Nesse sentido, retoma-se as lições de Xxxxxx Xxxxxxx, para quem assume o Estado contemporâneo a negociação em lugar do procedimento, a liberdade das formas em lugar da tipicidade, a permuta em lugar da ponderação. A cultura administrativa do diálogo ganha prestígio e o Estado passa a conduzir suas ações de modo a inverter o modelo de ação bipolar Estado-cidadão para o padrão multipolar, de modo que não há distinção ou oposição público-privado, assim como não há uma superioridade do momento público sobre o privado.143
Para Xxxxx xx Xxxxxxxxx, a administração pela via contratual é preferível ao método de ação unilateral, ilustrado este último pelo "dirigismo" próprio dos anos de guerra e pelos períodos de penúria. No mesmo sentido, continua o autor a afirmar que a complexidade das situações econômicas muitas vezes torna difícil a aplicação coercitiva das regulamentações e prescrições unilaterais, fazendo com que o Estado prefira a participação dos interessados ao uso de meios de autoridade na sua atuação. Daí porque surge uma economia contratual, como complemento da economia concertada. Segundo ele, o que é novo não é a utilização do contrato
(ordem). Em suma, a consensualidade como alternativa preferível à imperatividade, sempre que possível, ou em outros termos, sempre que não seja necessário aplicar o poder coercitivo, o que se vai tornando válido até mesmo nas atividades delegadas, em que a coerção não é mais que uma fase eventual ou excepcional (ex: o poder de polícia). A partir desses dados, pode-se estabelecer uma tipologia da consensualidade em referência às funções fundamentais do Estado. Xxxxx, a consensualidade na produção das normas, com o reaparecimento de fontes alternativas, fontes consensuais e de fontes extraestatais: a regulática. Secundo, a consensualidade na administração de interesses públicos, com o emprego das formas alternativas consensuais de coordenação de ações, por cooperação e por colaboração. Xxxxxx, a consensualidade na solução dos conflitos, com a adoção de formas alternativas de composição”. In: XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. P. 41. 142 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Gestão de contratos em tempos de crise. In: Xxxxx Xxxxxxxxx (Coord.) Estudos de Contratação Pública. Vol. III. Coimbra: Coimbra editora, 2010, p. 07.
000 XXXXXXX, Xxxxxx. Xx xxxxx publica: nuevos paradigmas para el Estado. In: XXXXXXX, Xxxxxx. Las crisis del Estado. Buenos Aires: Xxxxxxx Xxxxxx, 0000, p. 157-159.
em matéria de intervenção do Estado na economia, mas seu uso cada vez mais frequente para atingir objetivos para os quais, tradicionalmente, o Estado recorria à ação unilateral e coercitiva.144
Com o fim de bem atender à complexidade da vida moderna, a Administração precisa ser criativa em seus arranjos contratuais. Para tanto, é necessário que ela se utilize de modelos mais aderentes aos anseios da sociedade, atuando a consensualidade como um mecanismo juridicamente viável e eficaz de promoção das finalidades públicas. Nesse sentido, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxx de Palma destacam que: “o modelo de atuação administrativa marcado pelo viés autoritário e pela unilateralidade abre vez às formas concertadas de ação, então consideradas mais adequadas ao ambiente de parcerias que se apresenta tanto na prestação de serviços públicos por particulares quanto no próprio campo regulatório.”145
Em razão de suas próprias características, atenuar a ideia de supremacia do interesse público, tantas vezes confundido com o próprio poder autoritário da Administração, e caminhar para uma lógica consensual parece ser o caminho acertado para desbravar a complexidade desses ajustes e acomodar os multifacetados interesses envolvidos nessa relação.
Aqui não se trata de negar a natureza de contrato administrativo às concessões, mas de ressignificar o alcance do que parte da doutrina entende como supremacia do interesse público sobre o privado e as decorrentes prerrogativas de autoridade.
Segundo Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx, o fenômeno da “fuga para o direito privado” traz certos riscos, nas suas palavras, “torna-se indispensável fazer balanço entre as indubitáveis vantagens e enormes risco desta submissão da Administração ao Direito Privado e pode-se dizer que, ao longo dos tempos, a Administração passou de uma fuga quase inocente a uma fuga quase consciente e perversa para o Direito Privado, procurando escapar às vinculações jurídico-públicas que normalmente enquadram a sua actuação.” Se essa fuga pode não representar o melhor caminho e não atender ao interesse público, melhor seria reestruturar o casamento entre o privado e o poder
144 XXXXXXXXX, Xxxxx xx. Direito público econômico, Coimbra: Coimbra Editora, 1985, p. 422-423.
145 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Consenso e legalidade: vinculação da atividade administrativa consensual ao direito. Revista Brasileira de Direito Público — RBDP, Belo Horizonte, a. 7, n. 27, out./dez. 2009. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xx/XXX0000.xxxx?xxxXxxxx00000.
público, tornando-o menos autoritário e, portanto, mais consensual, abrindo a possibilidade do privado coparticipar com a atuação administrativa.
De acordo com Xxxxxxxxx, o consenso entre as partes desloca o eixo das relações de comando para as relações de colaboração. O privado deixa de ser visto como mero executor da vontade estatal ou recebedor de ordens, mas passa a participar do contrato, na condição de colaborador, assumindo um papel mais ativo no desenrolar da execução contratual.146 Ou ainda, parceiros para o alcance de finalidades comuns, já que ambos concorrem para a realização do interesse público, considerando-se suas mais diversas vertentes.147
Importantes as palavras de Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, para quem “o Direito Administrativo precisa efetivamente se libertar de fórmulas abstratas construídas no século XIX e início do século XX, próprias para as exigências e racionalidade daquela época pois são impróprias para os desafios do presente, como se a compreensão do Direito do futuro fosse determinada, em termos absolutos pelo que se pensou há mais de 100 anos.”148
Na prática, fácil observar que a adoção de uma medida por consenso é mais eficiente que se adotada unilateralmente e de forma coercitiva, já que tem maiores chances de ser efetivada e gera menos externalidades negativas.149 Foi na esteira desse racional que o desenho jurídico do processo de relicitação foi materializado.
No processo de relicitação, a expressão máxima da concretização da consensualidade ocorre no momento da celebração do termo aditivo, oportunidade em que as partes exercem uma competência discricionária negocial dada por lei. Nesse ponto, o consensualismo
146 XXXXXXXXX, Xxxxx xx. Direito público económico. Coimbra: Coimbra Editora, 1985. p. 380-423.
147 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Concessões de Serviços Públicos e Investimentos em Infraestrutura no Brasil: Espetáculo ou Realidade. In: Contratos Públicos e Direito Administrativo. Xxxxxx Xxx Xxxxxxxx; Xxxxxxxxx xxxxxx Xxxxxxxxxx (organizadores). São Paulo: Malheiros, 2015, p. 144.
148 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. O contrato administrativo como instrumento de governo. In: Direito Administrativo:
transformações e tendências. XXXXXXX, Xxxxxx (Org.). São Paulo: Almedina, 2014. p. 515.
149 “(..) a instrumentalização do Direito Administrativo Econômico às finalidades constitucionais e legais se associa com a sua preferencial consensualização; no sentido de que, via de regra, a adoção de uma medida por consenso é mais eficiente que se adotada unilateral e coercitivamente, já que tem maiores chances de ser efetivada na prática e gera menos riscos de externalidades ('efeitos colaterais) negativas, com a consequência da transformação de elementos basais da arquitetura estabelecida do Direito Administrativo e a necessidade, portanto, de uma verdadeira mudança na sua construção dogmática , que deve passar a incluir os acordos com os administrados entre as fontes do Direito Administrativo.” ARAGAO, Xxxxxxxxx Xxxxxx. A Consensualidade no Direito Administrativo: acordos regulatórios e contratos administrativos, in Revista de Direito do Estado. Vol 1. Rio de Janeiro. Renovar: jan./mar. 2006. p. 157.
torna-se ainda mais forte, uma vez que é por meio da celebração do acordo, materializado no termo aditivo, que as partes deliberarão sobre os limites da relicitação, o modo do exercício dos direitos privados e competências públicas e o seu conteúdo. Como muito bem afirmado por Xxxxxxx Xxxxx e Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, “o termo aditivo definirá não só o momento presente e o desfazimento do contrato em vigor, mas também projetará seus efeitos para a futura licitação e respectivo contrato sucessivo.”150
2. Renegociação e crise do contrato de concessão
Embora alguns países tenham envidado esforços significativos na melhoria da infraestrutura nas últimas décadas, muitas regiões, especialmente em países em desenvolvimento, ainda enfrentam déficits significativos de infraestrutura.
Em muitos desses países, o investimento em infraestrutura vem sendo impactado pelas restrições orçamentárias que interferem na alocação de recursos adequados para projetos de infraestrutura.
Pelas mais diversas razões, seja por limitações financeiras havidas em decorrência de déficits fiscais, dívidas elevadas, baixa arrecadação de impostos ou recessões econômicas, seja pela competição por prioridades para alocação do gasto público ou, ainda, por uma baixa capacidade de endividamento e limitada fonte de financiamento, esses países não conseguem preencher a lacuna de infraestrutura a que estão submetidos.
Setores como energia, saneamento básico, transportes, telecomunicação e infraestrutura social, a exemplo de creches, escolas e hospitais são vistos como áreas em que o setor público tem uma grande deficiência de expansão e melhoria da qualidade dos serviços e que o parceiro privado pode contribuir com o financiamento, construção e operação desses equipamentos.
150 ÁVILA, Xxxxxxx e XXXXXXX, Xxxx. Relicitação: a lógica jurídico-econômica por trás do instituto. Revista de Contratos Públicos, nº 30, (setembro, 2022), p. 108.
Nesse sentido, as Parcerias Público-Privadas – PPPs, como mencionado no primeiro capítulo desta dissertação, tornaram-se uma forma alternativa à privatização, que começou na década de 1980 em diversos países, incluindo-se Brasil e Portugal.151
A Private Finance Initiative (PFI), surgida no Reino Unido em 1992, permitiu ao Governo Inglês a construção, o financiamento e a manutenção de equipamentos públicos capazes de impulsionar a atividade econômica, bem como reduzir a dívida do governo central com o ingresso de recursos e investimentos por meio de capital privado.152 No Reino Unido, os contratos de PFI chegaram, em 2004, a representar 14% do investimento público.153
Em Portugal, no ano de 2013, o valor dos encargos representava o equivalente a 5,12% da riqueza nacional medida pelo produto interno bruto (PIB), ou seja, cerca de 8,5 mil milhões de euros, o que supera a fatia de 4,3% do PIB que o Estado português tem destinado ao pagamento dos juros pelo total da dívida pública contraída.154
Com efeito, a decisão estratégica econômica e política de optar pela utilização de contratos de PPP tem a vantagem de construir infraestruturas que, de outro modo, esbarrariam nas restrições orçamentárias.
De acordo com Xxxxxxx do Amaral e Xxxx Xxxxxx, o recurso a este tipo de abordagem por parte do Estado prende-se com inúmeras razões, as quais podem, de acordo com os autores, ser subdivididas em razões políticas, econômicas, técnicas e jurídicas. No que diz respeito às razões políticas, os autores entendem que o papel do Estado deveria centrar-se nas tarefas do bem-estar social, tais como a educação, a saúde, a justiça e a segurança social, devendo a prossecução das mesmas, relativamente à construção de infraestruturas, ser deixada a cargo de entidades privadas. Quanto às razões econômicas, os autores consideram que as restrições econômico-financeiras impostas pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, nomeadamente no que se refere ao nível do défice orçamental e do endividamento, promoveram o aparecimento da figura das concessões como
151 XXXXXXXXX, Xxxx. C. Gestão pública: modelos de prestação no serviço público. Lisboa: Escolar, 2010.
152 XXX, Xxxx X.; XXXXXXXXX, Xxxx. Building public-private partnerships: Assessing and managing risks in port development. Public Management Review, v. 3, n. 4, p. 593-616, 2001.
153 Cfr. INTERNATIONAL MONETARY FUND (IMF). Public Private Partnership. Fiscal Affairs Department, 2004. Disponível em: <xxx.xxx.xxx/xxxxxxxx/xx/xxx/0000/xxxx/xxx/000000.xxx>. Acesso em: 5 março de 2023.
154 XXXXXXXX, Xxx X. Public private partnerships: some lessons from Portugal. European Investment Bank, Economic and Financial Studies Papers, v. 10, n. 2, 2005, p. 72-81.
um instrumento de financiamento da construção ou ampliação das infraestruturas, permitindo a canalização do investimento público para as principais áreas de intervenção do Estado. Os autores referem-se, ainda, a existência de razões técnicas, associadas à forma de acolher o contributo e o conhecimento dos parceiros privados, tradicionalmente perspectivados como mais preparados técnica e financeiramente para efetivar e controlar a realização de grandes empreendimentos. Por último, as razões jurídicas, dado o tratamento legislativo conferido à figura das concessões pelo direito europeu, o que determina a sua transposição para os ordenamentos jurídicos dos Estados Membros. 155
No entanto, problemas decorrentes do nível de desenvolvimento institucional em que se encontra determinado país ou de modelagem desses contratos podem sobremaneira influenciar o sucesso das parcerias.
A par de se mostrar um importante instrumento para o desenvolvimento do país, as parcerias podem, segundo Xxxxxxx Xxxxxx, ser uma espécie de "terra de ninguém", um reino entre o poder político e os mercados econômicos em que nenhum conjunto de regras se aplica de forma precisa ou de forma consistente, especialmente quando verificados forte nível de dependência do governo em face ao setor privado. Em tais casos, os contratos são suscetíveis de se tornarem um conjunto de alianças em que os governos precisam dos contratantes, tanto quanto eles precisam do Estado.156
Uma das principais preocupações que gravitam no entorno das PPPs é estarem elas frequentemente sujeitas a renegociações, especialmente quando impactadas por eventos de crise que demandam o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão. Um número elevado de renegociações pode prejudicar a credibilidade do projeto, reduzir a sua performance e, por consequência, a qualidade do serviço.157
Em razão da natureza do contrato de concessão e de sua natural incompletude, ele deve ter capacidade de absorver mudanças imprevistas na sua estrutura financeira ao longo do
155 XXXXXX, X. e TORGAL, X., Estudos sobre Concessões e outros Actos da Administração, Coimbra: Almedina, 2002.
156 XXXXXX, Xxxxxx. J. Governing by contract: challenges and opportunities for public managers. Washington: CQPress, 2003.
157 XXXXXX, X., Xxxxxxxx and renegotiating infrastructure concessions: doing it right. World Bank Publications, 2004.
tempo, o que pode exigir renegociação, inclusive, como já mencionado, levando a ganhos de eficiência para ambas as partes. Ou seja, não se pode afirmar, de pronto, que renegociações contratuais são indesejadas, muito pelo contrário, se bem utilizadas, o mecanismo é capaz de garantir a sobrevida útil do contrato.
O que não se pode aceitar são comportamentos oportunistas, “oportunistic behaviour”,158 que ocorrem especialmente na fase de lances do leilão, o que a literatura denomina “opportunistic bidding ou strategic bidding”.159 Isso representa uma falha inicial do contrato, situação em que, no leilão, o particular oferecerá lances artificiais e agressivos, com objetivo de ganhar a licitação e, ato seguinte a assinatura do contrato, alterar o seu comportamento, buscando renegociar os termos do contrato originário, a fim de se favorecer, em um ambiente não competitivo, aproveitando‑se oportunisticamente do alto custo de transação para rescisão do seu contrato e dos riscos reputacionais que recaem sobre o poder público.160
Propostas agressivas, em geral, carregam o peso da inviabilidade financeira dos contratos de concessão. Nessa perspectiva, as empresas podem se valer de lances agressivos como estratégia racional quando os governos são incapazes de garantir que evitarão renegociações. Dessa forma, as firmas estarão propensas à apresentação de propostas comerciais insustentáveis com a intenção de renegociá-las em melhores condições quando a concessão lhes for adjudicada. Se essa renegociação não for permitida, a concessão provavelmente será abandonada e, se for permitida, os benefícios do processo licitatório serão perdidos.161
Com o passar do tempo, o poder de barganha do concessionário tende a se agravar e a ameaça de inviabilidade do contrato ganhará mais força, caso a alteração contratual não seja realizada.162 As renegociações propostas, sob esse viés, seriam inacessíveis nos termos originais
158 Xx & Xxx afirmam que quando o privado pode facilmente obter uma renegociação de seu contrato, este poderá comportar-se oportunisticamente em relação as obrigações contratuais. Sobre o tema ver: HO, S. & XXX, X., Analytical Model for Analyzing Construction Claims and Opportunistic Bidding. Journal of Construction Engineering and Management, Vol. 130 No. 1, 2004, pp.94–104.
159 XXXXX, X. Xxxxx, X. Concession Renegotiation Models for Projects Developed through Public-Private Partnerships, Journal of Construction Engineering and Management, v. 140, 2014.
160 XXXX XXXX, Xxxxxxx. Opportunism and third‑party influence on long‑term public contracts. Utilities Policy, v. 61, Dec. 2019, DOI: 10.1016/j.jup.2019.100978.
161 XXXXXX, X. X. Xxxxxxxx and renegotiating infrastructure concessions: doing it right. Washington, DC: World Bank Publications, WBI Development Studies, 2004.
162 XXXXX‑XXXXXX, Xxxx. Regulating infrastructure: monopoly, contracts and discretion. Cambridge: Harvard University Press, 2003, p. 106.
do contrato licitado e procuram, ao fim, levar a um incremento injustificado das receitas da concessionária, a partir do que é conhecido na literatura econômica como hold up 163 uma das faces da moral hazard.164
Esse cenário foi descrito por Xxxx Xxxx Xxxxx, em Granting and Renegotiating Infrastructure Concessions: doing it right, em estudo que avaliou 1.000 (mil) concessões ocorridas na América Latina e Caribe entre 1985 e 2000.165 Na experiência brasileira, podemos citar o caso de concessões aeroportuárias com contratos assinados em 2014, que se tornaram inexequíveis, pela confluência de alguns fatores, em especial: a) um agressivo valor ofertado na outorga; b) uma crise econômica que comprimiu a economia brasileira, frustrando a expectativa de demanda, c) uma crise política que envolveu algumas dessas concessionárias em escândalos de corrupção, d) a adoção de uma regulação non cost-based, sem previsão de mecanismo de realinhamento periódico de preços, em detrimento da regulação cost-based166, além de ter havido a previsão de investimentos dissociada de gatilhos de demanda, e) e um governo que não se dispôs a renegociar os termos do contrato, inclusive porque o ambiente institucional naquele período não era propício. Todos esses fatores somados levaram à bancarrota de algumas dessas concessionárias.
Com efeito, é possível supor que parcela dos ganhos de eficiência, que se espera serem proporcionados pelos leilões, seja perdida por pleitos de reequilíbrios futuros por parte das
163 Para aprofundar o tema, ver: NÓBREGA, Xxxxxx. Contratos incompletos e infraestrutura: contratos administrativos, concessões de serviço público e PPPs. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 0, x. 00, x. 00-00, xxx./xxx. 2009. V. XXXXXXX, Xxxxxx. Direito e Economia da Infraestrutura. Belo Horizonte: Fórum, 2020. Sobre o hold up problem, ver artigo Desafios Regulatórios ao Hold-Up Problem nas Concessões de Rodovias, dos autores Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx:xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxx/00000/00000/xxxxxxxx_xxxxxxxxxxxx_xx_xxxxxx_xx oblem_nas_concessoes_de_rodovias_v.0.pdf?sequence=1. Para os referidos autores, “o problema econômico se apresenta quando, ao menos, dois fatores são evidenciados. O primeiro está relacionado ao fato de que uma das partes deve realizar investimentos em ativos específicos, os quais não poderão, pelas suas características, ter outra destinação para além do projeto concessório. O segundo tem lugar em razão da impossibilidade de previsão, ex ante, dos quadrantes obrigacionais das partes. Segue daí a configuração de uma necessária interdependência entre os contratantes, o que pode importar em renegociações e inexecuções contratuais. Tanto é verdade que a análise empírica demostra que há um percentual de 68% de inexecução dos contratos de concessão de rodovias nos últimos anos no Brasil.”
164 Risco moral pode ser definido como a falta de incentivos para que as partes contratantes adotem as cautelas e comportamentos a que haviam se comprometido quando da celebração do ajuste contratual, agravado pela dificuldade prática de que cada parte tem de supervisionar a ação da outra. In: Xxxxxx, Xxx X. 2015. Microeconomia: Uma Abordagem Moderna. 9ª ed. Tradução Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx. Rio de Janeiro: Elsevier. p 989.
165 XXXXXX, X. X. Xxxxxxxx and renegotiating infrastructure concessions: doing it right. Washington, DC: World Bank Publications, WBI Development Studies, 2004.
166 CAMACHO, Xxxxxxx Xxxxxxx: XXXXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxx Xxxxx. Regulação econômica de infraestruturas: como escolher o modelo mais adequado? Revista do BNDES 41, p. 258-287, 2014.
concessionárias, que poderá ser responsável por afastar gradativamente o valor inicial de adjudicação do preço de concorrência perfeita. Sob esse viés, a licitação pode vir a selecionar firmas que mais apostam em reequilíbrios, deixando de adjudicar as propostas mais vantajosas ao interesse público.167
No entanto, no universo dos contratos de longo prazo, a Administração Pública, para além das situações que envolvem risco moral e comportamentos oportunistas, deve se preparar para existência de legítimos pedidos de reequilíbrio contratual. O contrato de concessão, pela sua própria natureza, impõe o dever de renegociação contratual, o que, por sua vez, ao revés do que possa parecer, reafirma o pacta sunt servanda, mas como expressão do princípio da confiança, que deve presidir as relações obrigacionais.168
Nessa perspectiva, nos contratos de concessão, a vinculação aos termos pactuados inicialmente é decorrência de uma equação complexa e, em razão do seu longo programa de duração, a necessidade de reequilibrar esses contratos surge como consequência dos eventos que impõe uma modificação na base objetiva negocial nas quais ele foi estabelecido.169
167 Guasch reconhece que eventuais reequilíbrios contratuais podem ser desejáveis, dadas as dificuldades de serem estabelecidos contratos de longo prazo completos. Mais recorrente tem sido, no entanto, a observação de reequilíbrios oportunísticos por parte tanto dos governos quanto dos operadores, com potencial impacto negativo sobre a eficiência dos contratos e o bem-estar, de acordo com o autor: “A renegociação pode, em particular a oportunística, reduzir ou eliminar os benefícios esperados do processo licitatório. Se o leilão for bem estruturado e proporcionar os incentivos adequados, lances competitivos pelo direito de operar uma concessão por dado número de anos levarão à escolha do operador mais eficiente. No entanto, se os licitantes acreditarem que a renegociação é possível e provável, seus incentivos e seus lances serão afetados e o leilão provavelmente selecionará não o ofertante mais eficiente, mas aquele mais habilidoso em renegociações. As renegociações deveriam ocorrer somente quando justificadas por contingências contidas inicialmente no contrato ou por eventos imprevistos significativos” XXXXXX, X. X. Xxxxxxxx and renegotiating infrastructure concessions: doing it right. Washington, DC: World Bank Publications, WBI Development Studies, 2004.
168 Cármem Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, ministra do Supremo Tribunal Federal, proferiu comentário classificando como dever da Administração preservar a intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro: A alteração das cláusulas referentes aos dados econômico-financeiros dos contratos de concessão ou permissão, quando tanto se faça necessário segundo os termos previstos legalmente, é não apenas uma possibilidade, mas até mesmo um dever da entidade pública. In: XXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. Estudo sobre concessão e permissão de serviço público no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 106.
169 Nos ensinamentos de Xxxxxxxx, citado por Xxxxxx Xxxxxxx, “na teoria da base negocial há o substancial distanciamento da imprevisibilidade como vetor da intervenção no contrato, caracterizando uma gradual objetivação. Essa teoria foi aprofundada por Xxxxxx, que a separava em uma base subjetiva e outra objetiva. Quanto à subjetividade, é necessário que ambos os contratantes partam da mesma base fática, calcando-se no conceito de erro. A base objetiva, por seu turno, é o conjunto de aspectos fáticos sobre os quais se funda o consenso. Nesse sentido, Cordeiro observa que Xxxxxxx vê na base objetiva dois elementos: a) a alteração das circunstâncias significa ausência de concretização da finalidade contratual ou b) quebra da equivalência das prestações, refletindo a insubsistência do sinalagma próprio dos contratos bilaterais. Para Xxx, a teoria da base negocial assemelha-se a unforessen contingencies do direito
Por sua vez, a Administração Pública tem à sua disposição um menu de opções disponíveis na tentativa de reequilibrar esses contratos de concessão. A legislação brasileira não impõe uma determinada alternativa como solução obrigatória para os casos que demandam o reequilíbrio econômico-financeiro. Nas palavras de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, a recomposição da equação econômico-financeira realiza-se por meio de providências que ‘compensem’ ou ‘contrabalancem’ a redução das vantagens ou (e) ampliação das desvantagens170.
No entanto, como se demonstrará, em algumas situações, é inviável ou extremamente dificultosa a utilização de soluções que visem ao reequilíbrio desses contratos, para alguns deles o reequilíbrio é inviável.
Dessa forma, o reequilíbrio econômico-financeiro pode ser feito i) por meio de revisão tarifária, ii) por indenização ao concessionário, iii) existe a possibilidade de ser feito por aumento do valor da contraprestação, do aporte por parte do poder público, ou redução do valor da outorga, fixa ou variável.
Ocorre que, em determinadas situações, o efeito do aumento tarifário pode levar a diminuição da demanda pelo serviço. É possível que o poder público, então, opte por indenizar o concessionário, seja por meio de aumento do valor da contraprestação, do aporte por parte da Administração Pública, ou pela redução do valor da outorga, o que a princípio se revela uma eficiente solução, mas que, na prática da realidade brasileira, esbarra nas restrições orçamentárias e no elevado risco reputacional para os agentes políticos e no receio do gestor frente aos órgãos de controle.
A solução comumente adotada pela Administração Pública é iv) a extensão de prazo da concessão. Nesse caso, pode haver uma limitação legal ou contratual estabelecendo o prazo máximo do contrato, com suas eventuais prorrogações, o que tornará tal solução inaplicável. Pode
americano, mas foi no direito alemão que ela mais prosperou. Nesse sentido, o § 313 de BCB estabelece duas hipóteses de aplicação: a) modificação prejudicial das circunstâncias, que constituem a base do negócio depois de sua conclusão; e b) revelação de falsidade de premissas consideradas essenciais e que constituem a base do negócio, já desde a celebração do contrato. XXXXXXX, Xxxxxx. A contratação integrada no regime diferenciado de contratação: inadequação da teoria da imprevisão como critério para o reequilíbrio econômico financeiro do contrato. Revista Jurídica Luso Brasileira, Lisboa, ano 1, no 2, 2015, p. 1215-1265. Disponível em
xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxx/0000/0/0000_00_0000_0000.xxx». Acesso em 15 dez. 2022.
170 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Curso de direito administrativo. 5a . ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 528.
ainda não ser eficiente a prorrogação com aumento do prazo, quando a situação fiscal, o caixa da concessionária, está comprometida.
A Administração pode, ainda, v) alterar o escopo do contrato de concessão, ao revisar o cronograma de investimentos, reprogramando ou retirando obrigações originalmente estabelecidas. Essa medida não se revela eficaz especialmente nos contratos em que o maior volume de investimentos é concentrado nos primeiros anos da concessão.
Também está à disposição do poder público vi) a possibilidade de redução dos níveis de serviço pactuado. Essa opção, por sua vez, pode comprometer a percepção da população sobre a qualidade do serviço disponibilizado e conflitar com o interesse público enunciado pelo Estado.
Ou seja, por mais que à disposição da Administração esteja um conjunto de medidas possíveis de serem adotadas com a finalidade de se proceder ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, em determinadas situações ou elas não serão capazes de cumprir o seu escopo ou o custo político e financeiro impedirá a sua adoção. Some-se a isso o receio que muitos gestores públicos possuem de serem penalizados pelos órgãos de controle externo ao procurar adotar soluções que fogem da literalidade dos contratos ou que contrariam interpretações mais restritivas dadas por tais órgãos.
Como mencionado, para alguns dos contratos de concessão firmados pelo poder público, apesar da Administração ter à sua disposição um conjunto de medidas disponíveis para o reequilíbrio, tais não surtem ou não surtirão efeitos, pois se está diante do problema de concessões inviáveis. De acordo com Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, em determinadas situações o prosseguimento da concessão seria inviável, ante os riscos incalculáveis existentes em uma concessão de serviços públicos. 171
Contratos com baixa capacidade de resiliência e que já acumulam sucessivos pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro, deterioração de sua capacidade fiscal, atrasos no cumprimento de suas obrigações, perda da sua capacidade de realizar investimentos e acúmulo de
171 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. A inviabilização da concessão de serviço público e o cabimento de sua extinção. Revista de Direito Administrativo Contemporâneo, vol. 26, set./out., 2016.
multas, são fortes candidatos ao default e a enfrentarem um processo de aplicação da pena de caducidade.
Como se demonstrará no próximo capítulo, a relicitação foi a solução legislativa criada para enfrentar a crise desses contratos e a incapacidade da Administração Pública brasileira de prontamente assumir a prestação do serviço público, sem comprometer a segurança e o bem- estar dos utentes.
3. A relicitação
A dogmática para construção de uma solução para saída negociada do contrato de concessão, no Brasil, teve início a partir das graves crises econômicas que abalaram a economia do país e foram responsáveis por desestruturar esses contratos. Para alguns deles, o reequilíbrio econômico-financeiro da equação não seria capaz de solucionar o problema das concessões inviáveis, o que fatalmente levaria a uma precarização da prestação dos serviços públicos e a consequente imputação da resolução sancionatória do artigo 333 do CCP. Nesse sentido, a Administração Pública brasileira julgou necessária a criação de uma nova realidade institucional para lidar com o problema do default desses contratos.
No Brasil, a extinção negociada do contrato de concessão foi fruto da Medida Provisória nº 752/2016, convertida na Lei nº 13.448/2017, e teve por objetivo autorizar a possibilidade do poder público por fim ao contrato de concessão de forma negociada quando o parceiro privado não esteja atendendo as condições do contrato ou quando já demonstre incapacidade de adimplir as obrigações contratuais ou financeiras assumidas originalmente.172
Xxxxxx Xxxxxxx define a relicitação nos seguintes termos: “o instituto da relicitação, por sua vez, se configura como hipótese de extinção consensual do contrato de concessão substitutiva do procedimento administrativo de caducidade (previsto no art. 38 da Lei n° 8.987/1995). Por meio desse instituto, o concessionário inadimplente para com a suas obrigações, ao invés de se submeter a um procedimento administrativo de extinção anômala do contrato de concessão culposa, entabula a sua extinção consensual com o poder concedente.”173
Ressalte-se que não há necessidade de já se haver concretizado o inadimplemento, apenas de se comprovar que o concessionário demonstra incapacidade de continuar cumprindo o
172 Atualmente, o governo federal brasileiro possui 10 processos de relicitação. São três processos de relicitação de aeroportos: aeroporto de São Gonçalo do Amarante (Processo concluído em 2023), aeroporto internacional de Viracopos, em Campinas - SP, e aeroporto internacional do Galeão, no Rio de Janeiro – RJ. São seis processos de Rodovias Federais: BR-163/267/MS, BR-060/153/040/DF/GO, BR-101/RJ, BR-153/262/GO/MG, BR-262/MG, BR-
101/ES/BA. Um processo de Ferrovia: Rumo Malha Oeste.
173 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. As prorrogações e a relicitação previstas na Lei nº 13.448/2017: um novo regime jurídico de negociação para os contratos de longo prazo. In: Revista de Direito Público de Economia – RDPE. Belo Horizonte: a. 15, n. 59, jul./set. 2017.
contrato ou as obrigações financeiras.174 Ou seja, são ‘ativos estressados’, o que significa que não estão cumprindo o programa de investimentos ou podem entrar em problemas de atendimento ao usuário.
Nesse último caso, atente-se que a lei falou em obrigações financeiras originais, de maneira a evitar que o concessionário assuma obrigações financeiras novas e excessivas apenas para justificar seu enquadramento legal.175
A relicitação permite que contratos de concessão sejam negocialmente extintos e, simultaneamente, haja a realização de uma nova licitação destinada à contratação de uma nova concessionária. Relicitar é desfazer o ajuste anterior e recontratar com um novo concessionário.
No Brasil, o processo de relicitação foi construído de modo a envolver instâncias técnicas e jurídicas de decisão, bem como instâncias políticas, de modo a fazer com que a decisão de se relicitar um contrato de concessão tenha um embasamento técnico, mas seja, sobretudo, uma decisão de política de Estado, capaz de avaliar a conveniência e a oportunidade de se concretizar ou não em dado momento do país.
Nesses termos, o processo de relicitação é inaugurado pelo contratado originário, tendo ele a legitimidade para solicitar a instauração do processo de relicitação, cabendo ao poder público a possibilidade de, em defesa do interesse público, deferir ou negar o pleito. É, pois, a concessionária que detém as informações necessárias e os motivos que embasarão o requerimento instalador do processo administrativo.
Nesse sentido, de acordo com o art. 14, § 2º, I, da Lei nº 13.448/2017176 caberá à concessionária deduzir o pedido, instruído com justificativas e elementos técnicos que demonstrem a necessidade e a conveniência da adoção do processo de relicitação.
174 Cfr. art. 13, da Lei 13.448, de 2017.
175 De acordo com Xxxxxx Xxxxx, por meio da relicitação “o concessionário inadimplente para com as suas obrigações, ao invés de se submeter a um procedimento administrativo de extinção anômala do contrato de concessão culposa, entabula a sua extinção consensual com o poder concedente”. In: XXXXX, Xxxxxx. As prorrogações e a relicitação de que tratam a Lei nº 13.448/2017: um novo regime jurídico de negociação para os contratos de concessão. In: Revista de Direito Público de Economia – RDPE. Belo Horizonte: a. 15, n. 59, jul./set. 2017.
176 Cfr. art. 14, Lei 13.448, de 2017.
Do lado do Poder Público, em se verificando a inexecução contratual, cabe-lhe a aplicação de um menu de sanções e, no limite, impor a pena de caducidade à concessionária, vindo a extinguir o contrato de concessão.
No entanto, o Estado não possui a competência para instaurar e inaugurar o processo de relicitação, uma vez que tal iniciativa subverteria a lógica dogmática e econômica do instituto. Se lhe fosse possível inaugurar o processo de ofício, teríamos uma grave fratura na marca da consensualidade, que guiou a construção dogmática do instituto.
Por sua vez, economicamente também não faz sentido o poder público inaugurar o processo de relicitação. Observe-se que o Decreto nº 9.957/2019 dispõe ser dever do concessionário ao formular o requerimento de relicitação, trazer informações sobre: “a) os bens reversíveis vinculados ao empreendimento objeto da parceria e as demonstrações relacionadas aos investimentos neles realizados; b) os instrumentos de financiamento utilizados no contrato de parceria; c) os contratos vigentes com terceiros, decorrentes do contrato de parceria, com as especificações do atual estágio de sua execução físico-financeira e de eventuais inadimplementos;
d) a situação dominial das áreas afetadas pelo contrato de parceria, especialmente quanto aos procedimentos de desapropriação, desocupação e remoção; e) as controvérsias entre o contratado e o poder concedente e entre aquele e terceiros, nos âmbitos administrativo, judicial e arbitral, com a indicação do número do processo, do objeto litigioso, das partes, do valor da causa e da fase processual; e f) a existência de regime de recuperação judicial, recuperação extrajudicial ou falência relacionado à sociedade de propósito específico.” 177
Essas informações são essenciais para o sucesso do novo contrato de concessão que será desenhado esperando-se sanar os problemas enfrentados pelo contratado originário. Também por esse motivo, o processo de relicitação é inaugurado por inciativa do concessionário, uma vez que é ele quem detém essas informações.
De acordo com o previsto no Decreto nº 9.957/2019, feito o pedido de relicitação junto à agência reguladora competente, caberá a esta processar e analisar preliminarmente e manifestar-se sobre a viabilidade técnica e jurídica do pleito.178 Tal solicitação conterá: i)
177 Cfr. art. 3º, do decreto nº. 9.957, de 2019.
178 Cfr. art. 4º, Decreto nº. 9.957, de 2019.
justificativas e elementos técnicos que viabilizem a análise da necessidade e da conveniência da realização da relicitação; ii) renúncia ao prazo para a correção de falhas e transgressões e para o enquadramento previsto no § 3º do art. 38 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995,179 caso seja posteriormente instaurado ou retomado o processo de caducidade; iii) declaração formal da intenção de aderir, de maneira irrevogável e irretratável, à relicitação do contrato de parceria, a partir da celebração do termo aditivo, observado o disposto na Lei nº 13.448, de 2017 ; iv) renúncia expressa quanto à participação do contratado e de seus acionistas diretos ou indiretos no certame de relicitação ou no futuro contrato de parceria que contemple, integral ou parcialmente, o objeto do contrato de parceria a ser relicitado, observado o disposto no art. 16 da Lei nº 13.448, de 2017180;
v) informações já referidas no parágrafo anterior; e vi) indicação, de maneira fundamentada, com vistas a garantir a continuidade e a segurança dos serviços essenciais relacionados ao empreendimento objeto do contrato de parceria: a) das condições propostas para a prestação dos serviços essenciais durante o trâmite do processo de relicitação; e b) das obrigações de investimentos essenciais a serem mantidas, alteradas ou substituídas após a assinatura do termo aditivo.
Nessa etapa do procedimento de relicitação, a análise por parte da Agência Reguladora deve ser objetiva e técnica, atendo-se aos aspectos legais da moldura dogmática prevista para o mecanismo. A utilização de protocolos tem o condão de afastar as suspeitas de discricionariedade não motivada e podem contribuir na tomada de decisão das agências.181
De acordo com Xxxxxxx Xxxxx e Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx “é importante se pensar em filtros objetivos, a serem analisados caso a caso, como num checklist destinado a avaliar o pedido de relicitação. Pautadas pela proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), pode-se cogitar de perguntas como as seguintes: (i) houve pedido de readequação das obrigações contratuais?; (ii) houve tentativa de venda do poder de controle ou da concessão?; (iii) houve pedido de prorrogação antecipada?; (iv) os dados trazidos
179 Cfr. art. 38, da Lei nº. 8.987, de 1995.
180 Cfr. art. 16, Lei 13.448, de 2017.
181 Para Xxxxxxx Xxxxx e Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, “neste momento procedimental, a discricionariedade é fraca, mitigada pelos dados objetivos que envolvem o pedido. E é importante que assim seja, sobretudo a fim de mitigar condutas oportunistas, de ambas as partes, na devolução antecipada de ativos (e crédito de indenização). In: XXXXX, Xxxxxxx e XXXXXXX, Xxxx. Relicitação: a lógica jurídico-econômica por trás do instituto. Revista de Contratos Públicos, nº 30, Cedripe, 2022, pp. 79-121.
no pedido de relicitação são consistentes?; (v) o Poder Concedente está adimplente com reequilíbrios econômico-financeiros incontestes e/ou está realizando as revisões ordinárias no prazo contratual estabelecido?”.182
Ato seguinte, o processo é remetido ao Ministério de Infraestrutura183, que, nos termos do art. 5º do Decreto nº 9.957/2019, se pronunciará sobre a compatibilidade do requerimento de relicitação com o escopo da política pública formulada para o setor correspondente. Ou seja, decidindo o Ministério de Infraestrutura que o pedido de relicitação atende à política pública do setor, ele irá instruir o processo com Parecer de Mérito, analisando à conveniência e oportunidade do pleito, e Parecer Jurídico, avaliando a compatibilidade do procedimento de relicitação com o ordenamento jurídico.
Após essa fase, o processo, instruído com as manifestações da agência reguladora competente e do Ministério da Infraestrutura, será submetido à deliberação do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (CPPI), ao qual deverá opinar, previamente à deliberação do Presidente da República, quanto à conveniência e à oportunidade da relicitação e sobre a qualificação do empreendimento no Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República – PPI, nos termos do disposto no art. 2º da Lei nº 13.448, de 2017.184
Instruído com uma decisão política do Ministério de Infraestrutura e com uma decisão técnica da Agência Reguladora, o processo de relicitação passará por um novo escrutínio político. Nesse momento, o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República – CPPI, órgão composto por Ministros de Estado, irá decidir politicamente se o projeto é de interesse estratégico e, assim, terá prioridade nacional perante todos os agentes públicos nas esferas administrativa e controladora da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.185
182 XXXXX, Xxxxxxx e XXXXXXX, Xxxx. Relicitação: a lógica jurídico-econômica por trás do instituto. Revista de Contratos Públicos, nº 30, Cedripe, pp. 79-121.
183 O Ministério de Infraestrutura, em 2023, foi desmembrado em dois novos ministérios, o Ministério dos Transportes, por meio do Decreto nº 11.360, de 1º de janeiro de 2023, e o Ministério dos Portos e Aeroportos, por meio do Decreto nº 11.354, de 1º de janeiro de 2023.
184 Cfr. art. 6º, da Lei nº. 13.334, de 2016.
185 Cfr. Art. 5º, da Lei nº. 13.334, de 2016.
É importante destacar que o Ministério de Infraestrutura pode considerar que a relicitação do ativo não atende a política pública desenhada para o setor. Por exemplo, quando já em curso um processo de caducidade e, simultaneamente, existe um processo de adjudicação para contratação de um novo concessionário, entendendo o Ministério que, no caso em análise, a pena de caducidade se compatibiliza melhor com a política pública.
Igualmente, o CPPI pode negar a qualificação do empreendimento para fins de relicitação ao entender, dentre outros possíveis motivos, que, a partir de então, o governo federal pretende reestatizar os ativos concedidos à iniciativa privada.
Em síntese, o poder público pode considerar que o processo de relicitação, em análise, é prejudicial ao interesse público e representa uma desvantagem ao erário e aos usuários do serviço público concedido, portanto, trata-se de um ato discricionário, entendendo-se como o ato em que a lei confere liberdade ao administrador para que ele proceda a avaliação da conduta a ser adotada segundo critérios de conveniência e oportunidade, desde que observada a finalidade do ato, qual seja o interesse público. Nesse sentido, a valoração incidirá sobre dois elementos constitutivos do ato administrativo, o motivo e o objeto, autorizando o administrador a escolher, dentre as várias possibilidades que lhe são conferidas, aquela que melhor corresponda ao desejo da lei.
Com efeito, qualificado o empreendimento no PPI, de acordo com o art. 7º do Decreto nº 9.957/2019, caberá à agência reguladora competente ou ao Ministério da Infraestrutura, quando for o caso, adotar as medidas necessárias à realização da relicitação do empreendimento qualificado. Nessa etapa, caberá I - elaborar e celebrar o termo aditivo de que trata o art. 15 da Lei nº 13.448, de 2017 ; II - realizar ou dar suporte aos estudos técnicos necessários à realização da licitação do empreendimento qualificado, observado o disposto no art. 17 da Lei nº 13.448, de 2017 ; III - publicar o edital, julgar a licitação e conduzir o procedimento licitatório do empreendimento qualificado; e IV - celebrar e gerir o futuro contrato de parceria e os instrumentos administrativos decorrentes do processo de relicitação de que trata este Decreto. 186
186 Cfr. art. 7º, da Lei nº. 13.448, de 2017.
De forma a conferir uma maior integridade ao processo, o referido Decreto ainda ordenou que caberá a agência reguladora competente contratar empresa de auditoria independente para acompanhar o processo de relicitação do contrato de parceria, o cumprimento das obrigações assumidas no termo aditivo e as condições financeiras da sociedade de propósito específico.187
Cumprida a fase interna do processo de relicitação, que chega ao seu final com a Decisão do CPPI e a publicação de Decreto do Presidente da República qualificando o empreendimento para relicitação, terá início a fase externa desse processo, que será inaugurada com a formulação e celebração do termo aditivo, documento que irá dispor sobre todas as obrigações essenciais que deverão ser observadas pela atual concessionária.
O termo aditivo irá estabelecer os limites das obrigações de ambas as partes no processo de relicitação, especialmente as condições de prestação dos serviços objeto do contrato de parceria até a data de início da vigência do novo contrato, devendo ser observadas a garantia da continuidade e a segurança dos serviços essenciais relacionados ao empreendimento e as sanções pelo descumprimento das obrigações firmadas.188
É também na data da celebração do termo aditivo que se irá dispor sobre a suspensão das obrigações de investimento vincendas, desde que não tenham sido consideradas essenciais.189 Com efeito, são essenciais àquelas que digam respeito à manutenção, à conservação e à operação do empreendimento, exceto se houver decisão motivada da agência reguladora competente, bem como os investimentos de ampliação de capacidade ou novos investimentos relacionados à segurança ou imprescindíveis à prestação do serviço.190
Esse é um tema fundamental da lógica econômica que lastreou a construção dogmática do dispositivo. A suspensão das obrigações de investimentos, desde que não essenciais, vai ao encontro da racionalidade motivadora da criação do instituto da relicitação, na medida em que procura trazer um alívio direto ao fluxo de caixa da concessão, minimizando o risco de uma frustação total do contrato, até a conclusão do processo de relicitação e transferência dos deveres
187 Cfr. parágrafo único, art. 7º, da Lei nº. 13.448, de 2017.
188 Cfr. art. 8º, do Decreto nº 9.957, de 2019.
189 Cfr. art. 15, da Lei. 13.448, de 2017.
190 Cfr. art. 15, Lei nº. 13.448. de 2017.
e obrigações à nova concessionária. Essa medida possui um efeito econômico tendencialmente neutro, mas traz repercussões financeiras positivas para concessionária.
Importa destacar que o Decreto nº 9.957/2019, ao tratar do tema no seu art. 8º, não autorizou qualquer remissão ao concessionário quanto ao passivo de multas aplicadas em decorrência dos atrasos ocorridos até antes do processo de relicitação, incluídas aí as penalidades cujo fato gerador seja anterior à data do termo aditivo.191 Ou seja, não há perdão das multas decorrentes dos atrasos acontecidos antes da formalização do termo aditivo. Por outro lado, possibilitou ao poder público promover o alívio financeiro do concessionário, a fim de propiciar a sobrevida do contrato até a entrada de um novo concessionário.
Em síntese, de acordo com Xxxxxxx Xxxxx e Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, ao se fazer uma leitura sistemática do art. 15 da lei nº 13.448/2018 e do art. 8º do Decreto nº 9.957/2019, chega-se à conclusão de que consensualmente foi facultada a possibilidade de haver: “a) a suspensão das obrigações de investimento vincendas que não tenham sido consideradas essenciais, com a cessação das correspondentes multas e juros pelo atraso (a partir de então); b) a fixação de novos parâmetros de execução do contrato (os níveis de serviço), garantindo-se a continuidade e a segurança dos serviços essenciais relacionados ao empreendimento; c) a cobrança das multas e juros, bem como dos preços de outorgas devidos, ao final do processo de relicitação; d) o cálculo do efeito, sobre o fluxo de caixa da empresa, do alívio financeiro produzido (considerado o valor no tempo ou o custo de oportunidade do não comprometimento dos recursos pela conces-sionária nos prazos originais), para afastar-se eventual apropriação econômica, pela concessionária, da não realização desses investimen-tos, bem como das novas condições de operação da concessão; e e) a previsão de que os valores calculados nos termos dos pontos anteriores serão considerados no encontro de contas com eventual indenização à concessionária por ocasião da reversão do contrato (com a incidência de correção monetária).”192
Com efeito, o termo aditivo definirá as obrigações atuais e disporá sobre o fim do contrato em vigor, bem como projetará seus efeitos para a futura licitação e para o próximo contrato de concessão. É o que se pode extrair do teor do § 1º do art. 15 da Lei 13.448/2017, ao dispor que
191 Cfr. art. 8º, Decreto nº. 9.957, de 2019.
192 XXXXX, Xxxxxxx e XXXXXXX, Xxxx. Relicitação: a lógica jurídico-econômica por trás do instituto. Revista de Contratos Públicos, nº 30, Cedripe, pp. 79-121.
também poderão constar do termo aditivo e do futuro contrato de parceria a ser celebrado pelo órgão ou pela entidade competente: I - a previsão de que as indenizações apuradas nos termos do inciso VII do § 1º do art. 17 desta Lei serão pagas pelo novo contratado, nos termos e limites previstos no edital da relicitação; II - a previsão de pagamento, diretamente aos financiadores do contratado original, dos valores correspondentes às indenizações devidas pelo órgão ou pela entidade competente nos termos do inciso VII, do § 1º do art. 17 desta Lei.193 No mesmo sentido, prevê o Inciso XV, do Decreto nº 9.957/2019 ao trazer as cláusulas obrigatórias que devem constar no termo aditivo que disporá sobre a previsão de pagamento pelo futuro contratado das indenizações referentes a bens reversíveis não amortizados ou depreciados eventualmente devidas pelo poder concedente ao contratado original.
No que se refere a previsão da adoção da arbitragem ou de mecanismos privados de resolução de conflitos das questões que envolvam o cálculo das indenizações, a opção do legislador brasileiro foi ao encontro dos anseios do mercado, especialmente do investidor internacional que enxerga no poder judiciário brasileiro um entrave ao aporte de capital, em razão, sobretudo, da morosidade. Ademais, a arbitragem congrega julgadores que conhecem as especificidades dos temas tratados, o que aumenta o nível de confiança das partes.194
193 Cfr. Art. 15, Lei nº 13.448, de 2017.
194 “A arbitragem é uma forma de solução de conflitos bastante utilizada na área empresarial. Isso porque ela traz importantes vantagens ao mundo dos negócios, como a confidencialidade (evitando o uso das informações do litígio pelos concorrentes ou outros players do mercado), celeridade e eficiência (pouco presentes no Judiciário), além da possibilidade de escolha dos árbitros com conhecimento técnico e das práticas de mercado ou de determinada indústria e flexibilidade do procedimento.” (XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx; PASTORE, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Arbitragem e Outros Meios de Solução de Conflitos em demandas Indenizatórias na Área de Direito da Concorrência. In: Revista Brasileira de Arbitragem, jul-set/2014, p. 26/27). Os autores ainda citam pesquisa realizada pela School of International Arbitration da Queen Xxxx (University of London) e pelo escritório White & Case, na qual os entrevistados elencaram as razões principais pelas quais as empresas optam pela arbitragem: exequibilidade da sentença arbitral, evitar alguma jurisdição ou tribunais locais, flexibilidade procedimental, possibilidade de seleção dos árbitros, confidencialidade e privacidade, neutralidade, celeridade. Ainda nesse sentido, justificando a importância da arbitragem no contexto dos contratos de concessão, segue trecho da tese de doutoramento de Xxxxx Xxxxx: “Lembre-se que, do ponto de vista contratual, a arbitragem integra a equação econômico-financeira do contrato celebrado. Uma vez respeitada sua ética própria, trata-se de elemento do negócio a exercer importantes funções dentro da economia dos contratos. Ampliando- se o argumento para o âmbito de projetos de desenvolvimento, isso significa atribuir à arbitragem também uma função na economia desses projetos. Essa economia, como já se viu, diz respeito essencialmente à sua capacidade de gerar confiança e, com isso, aumentar a coordenação social, o grau de investimentos e o nível de segurança jurídica. Esse racional é levado em conta por organizações e agentes financiadores internacionais (Banco Mundial, BID, FMI), que, ainda hoje, associam a arbitragem a um by-pass capaz de contornar incertezas de cortes domésticas, inclusive com redução nos níveis de corrupção. Principalmente em setores como infraestrutura, que envolvem contratos de longa duração, conhecimento especializado e técnico, elevadas somas de investimento e índices críticos de corrupção, a arbitragem pode somar no sentido de trazer maior economia a esses projetos, justamente por compensar tais
Ainda sobre o termo aditivo, ele irá dispor sobre as condições em que ocorrerá a transição operacional dos ativos e das obrigações contratuais e extracontratuais para o futuro contratado. Essa previsão é mais uma constatação de que a Lei atribui as partes uma autorização legal de negociar, de exercer uma competência discricionária negocial, que reforça a compromisso das partes de se amoldar a essa nova arquitetura administrativa e que demanda da Administração Pública uma cultura apta a compatibilizar o consenso que o instituto contratual reclama. É, por meio do termo aditivo, que as partes deliberarão sobre os limites da relicitação.
Outras questões estão previstas para serem contempladas no termo aditivo, como a previsão de que a celebração, a prorrogação, a renovação e o aditamento de contratos com terceiros, decorrentes do contrato de parceria, respeitarão o prazo de 24 meses, exceto se por motivo justificado e com autorização expressa da agência reguladora competente; o acesso, pela agência reguladora competente e pelo Ministério da Infraestrutura, às informações relevantes sobre o empreendimento; e o consentimento expresso do contratado originário para que os financiadores ou os garantidores do referido contratado forneçam diretamente à agência reguladora competente, sempre que solicitado, informações adicionais que subsidiem a avaliação das condições financeiras da sociedade de propósito específico, incluídas aquelas consideradas sigilosas.
O Decreto nº 9.957/2019 estabelece como cláusula obrigatória do termo aditivo a previsão de aderência irrevogável e irretratável do contratado originário à relicitação do empreendimento e à extinção posterior do contrato de parceria. O caráter irrevogável e irretratável conferido ao termo aditivo de relicitação foi concebido com o propósito de evitar comportamentos oportunistas por parte dos concessionários.195
Assim sendo, a manifestação de vontade externada pela concessionária em aderir ao termo aditivo é uma limitação para ela e a vincula, a princípio, em definitivo. Em consequência, ela não poderia unilateralmente rescindir o termo aditivo. No entanto, a doutrina afirma haver duas situações que permitem afastar a irrevogabilidade e irretratabilidade do termo aditivo.
características.” (XXXXX, Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx. A Economia da Arbitragem. Tese de Doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP, 2016).
195 Cfr. art. 8º, do Decreto nº 9.957, de 2019.
A primeira delas ocorre quando, consensualmente, as partes decidem encerrar o ajuste. Assim, defende Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx e Pereira196: “a irrevogabilidade e irretratabilidade, tal como previstas na Lei 13.448, não impedem a reversão do processo de relicitação. São limitações impostas ao concessionário, não a escolhas promovidas consensualmente entre poder concedente e concessionário. A relicitação não é unilateralmente revogável nem retratável, mas é reversível mediante acordo entre as partes. O poder concedente tem a prerrogativa, senão o dever, de adotar a solução mais compatível com os interesses públicos subjacentes à concessão. A evolucão dos fatos pode evidenciar que a alternativa mais satisfatória é o encerramento do processo de relicitação e o ajuste das condições contratuais para superar os problemas anteriores.”
No mesmo sentido, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxxx que defende ainda haver a possibilidade de o Poder Público vir a considerar que o prosseguimento do novo certame é prejudicial ao interesse público, podendo representar uma concretização de desvantagem ao erário e aos usuários do serviço público concedido. Continua o autor ao dispor que: “a avaliação acerca da “necessidade”, da “pertinência” e da “razoabilidade” realizada para justificar a instauração do processo de relicitação pode ter se modificado ao longo da elaboração dos estudos relativos à nova licitação ou em virtude de circunstância fática incidente sobre as condições de execução do contrato vigente, podendo o Poder Público – alguns casos, devendo o Poder Público –, à luz dos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, desistir unilateralmente da relicitação.197
Acrescente-se a isto, o facto de que um acordo com o concessionário originário, que readquiriu a capacidade para novos investimentos, pode ser uma alternativa para a Administração. É provável que o custo de investimento será menor, uma vez que ele já desenvolve as atividades objeto do contrato e já efetuou vultosos investimentos iniciais, realizou perdas, inclusive há custos afundados.
Com efeito, no decorrer da análise do processo de relicitação, em razão de sua complexidade e de mudanças significativas de cenário, seja de ordem econômica ou de ordem
196 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx e XXXXXXX, Xxxxx. Aeroportos – o possível consenso para mudança de rumo. 17 de fevereiro de 2023. xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx/xxxx/xxxxxxxxxxx-xxxxxxxxxx-x-xxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxx-xxxxxxx-xx- rumo/, Acesso em 15 de abril de 2023.
197 VASCONCELOS. Adalberto. A celebração do termo aditivo é caminho sem volta? Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx/xxxx/x-xxxxxxxxxx-xx-xxxxx-xxxxxxx-xx-xxxxxxxxxxx-x-xxxxxxx-xxx-xxxxx/. Acesso em: 18 de maio de 2023.
política, pode a Administração, visando sempre ao atingimento do interesse público, decidir, de maneira fundamentada, por fim ao processo de relicitação e restabelecer o contrato com o antigo concessionário, que deve demonstrar capacidade econômico-financeira de continuar cumprindo os termos pactuados, bem como arcar com as multas e penalidades que lhe foram aplicadas.
No entanto, é fundamental que haja uma análise criteriosa de política pública e de conveniência e oportunidade nessa decisão administrativa, uma vez que o concessionário pode ingressar no processo de relicitação apenas para promover uma ‘chicana processual’, aumentar o seu poder de xxxxxxxx e renegociar os termos do contrato originário.
Outrossim, da mesma forma que se defendeu a possibilidade de o poder público encerrar o processo de relicitação e restabelecer sua relação com o concessionário originário, é possível advogar a tese segundo a qual a Administração, de maneira fundamentada e visando ao interesse público, pode, demonstrando os motivos da inviabilidade de se prosseguir com o processo de relicitação, decidir que a aplicação da pena de caducidade é a solução adequada ao encerramento da sua relação com o concessionário originário.
O Tribunal de Contas da União – TCU foi instado a se manifestar sobre o tema, processo nº. 008.877/2023-8, em consulta apresentada pelo Ministério de Portos e Aeroportos e pelo Ministério dos Transportes, acerca da possibilidade de desistência e encerramento do pleito de relicitação no âmbito de concessões de infraestrutura.
A área técnica do TCU defendeu o entendimento segundo o qual, “após a assinatura do termo aditivo de relicitação, a Administração estaria vinculada a dar prosseguimento ao novo processo licitatório do ativo. Caso esse processo não tenha êxito pelo fato de descumprimento pelo concessionário do termo de relicitação, ou se o novo leilão não der certo, o governo deve encaminhar um processo de caducidade (encerramento) do contrato.” Ainda de acordo com a área técnica do TCU, “rever o contrato com cláusulas mais benéficas ‘promoveria incentivos’ ao concessionário inadimplente premiando a ineficácia e prejudicando a isonomia dos contratos de concessão. Aponta também que “não houve mudanças regulatórias que justificassem a desistência
da relicitação, e que o período econômico mais crítico, gerado pela pandemia, gerou compensações às concessionárias a partir de diversas medidas do governo.”198
Por fim, afirma que “o eventual encerramento do processo de relicitação por iniciativa do Poder Público deverá demonstrar em sua motivação que a alternativa da medida a ser adotada seja mais eficaz que a transferência do ativo para um novo concessionário que goze de higidez econômico financeira, selecionado mediante um processo que contou com a participação da sociedade na sua formulação, mediante a consulta pública, no qual há um compromisso da retomada imediata de investimentos com conclusão em um curto período para assegurar a prestação adequada dos serviços, e aumentando a arrecadação do Governo Federal, preocupação da atual gestão que é de amplo conhecimento público". Para a área técnica daquele Tribunal, há uma série de requisitos que deveriam ser cumpridos caso a União insista em renegociar o contrato, como, por exemplo, demonstrar que os resultados de um novo acordo superariam os resultados de um novo leilão.
O Relator do processo, Ministro Vital do Rêgo, que não está adstrito as considerações da área técnica do Tribunal, apresentou posicionamento no sentindo de que o caráter irrevogável e irretratável se restringe exclusivamente à delegação formal do concessionário de adesão ao processo relicitatório e apresentou quatro alternativas para o encerramento do processo de relicitação: (i) celebração de um novo contrato de concessão, encerrando amigavelmente o contrato vigente; (ii) o certame licitatório restar deserto, após sucessivas publicações do edital, dentro de um prazo de 24 meses, a contar da data de qualificação do empreendimento; (iii) transcurso do prazo de 24 meses contados da data da qualificação do empreendimento; e (iv) desqualificação do empreendimento para fins de desestatização. Ao final, ainda previu 14 condicionantes para o encerramento do processo de relicitação de concessões de infraestrutura.199
198 Cfr. Processo nº. 008.877/2023-8.
199 Xxxxx foram as condicionantes relatadas pelo Ministro do TCU, relator do Processo nº. 008.877/2023-8, Vital do Rêgo: “Manifestação da concessionária em continuar a prestar os serviços; Demonstração do interesse público e aderência ao princípio da legalidade; Desqualificação do empreendimento do PPI; Formalização do encerramento, mediante novo termo aditivo concomitante à desconstituição do processo de relicitação; Eventual reprogramação de pagamentos deve ser efetuada por critérios fixados em normativos legais, que assegure: o valor presente líquido (VPL) da outorga e o pagamento integral das outorgas vencidas e não pagas e a quitação de multas contratuais; Realização de estudos para demonstrar a vantajosidade da continuidade do contrato; Garantia de viabilidade econômico-financeira e operacional do eventual acordo – deve restar demonstrada a capacidade econômico-financeira do concessionário para dar cumprimento ao acordo, inclusive por meio do reestabelecimento das garantias; Aderência de um novo acordo aos
Outra importante questão que surge com a assinatura do termo aditivo é a previsão de que, nos termos do art. 3º do Decreto nº 9.957/2019 e do art. 16 da Lei nº. 13.448/2017, o concessionário fica impedido de participar, bem como seus acionistas diretos ou indiretos, no certame de relicitação ou no futuro contrato de parceria que contemple, integral ou parcialmente, o objeto do contrato de parceria a ser relicitado. Nesse ponto, o legislador rechaçou o possível comportamento oportunista por parte do contratado originário que poderia se valer da devolução do contrato para participar de um novo processo de licitação com evidente assimetria de informação em face de seus concorrentes.
Apesar de haver uma diminuição da concorrência com a exclusão do contratado originário, no sopesamento havido entre o princípio da concorrência e o princípio da isonomia, sagrou-se preponderante este último, haja vista que não se pode falar em concorrência perfeita quando uma das partes detém forte assimetria de informações. Portanto, defende-se acertada a opção do legislador que impediu que haja uma quebra da isonomia do processo com a possível participação do contratado originário.
Após a análise das disposições que versam sobre o termo aditivo do contrato de relicitação, pode-se chegar à conclusão de que o termo aditivo inaugura uma fase de transição no contrato administrativo. A partir de sua assinatura, o poder público irá realizar os passos necessários à futura licitação do empreendimento qualificado. Terá início a fase de realização de estudos técnicos, envio da documentação para análise do Tribunal de Contas da União, consulta pública e publicação do novo edital de licitação.
Nos termos do art. 9º do Decreto nº 9.957/2019, o processo de relicitação do empreendimento qualificado seguirá os mesmos trâmites preparatórios para celebração de uma
objetivos do contrato de concessão e ao escopo das políticas públicas formuladas pelo ministério competente; Inclusão no novo acordo de cláusula de renúncia aplicada ao concessionário a rediscussão de controvérsias anteriores a celebração do termo aditivo, mantida a possibilidade de recurso a solução consensual; Inclusão de cláusula de impedimento ao requerimento de novo processo de relicitação; Avaliação sobre a incorporação de mecanismos para a internalização de receitas acessórias; Avaliação da utilização de metodologia de fluxo de caixa marginal para fins de garantia do equilíbrio econômico-financeiro; Avaliação da repercussão sobre as receitas da Infraero (concessionário deve indenizar a Infraero, caso haja perda de participação acionária); Os estudos e acordos devem ser encaminhados ao TCU; Que seja determinado à Secretaria-Geral de Controle Externo do TCU (SEGECEX) a constituição de grupo de trabalho para propor, caso necessário, a atualização da Instrução Normativa – IN nº 81/2018, que institui o novo modelo de fiscalização dos processos de desestatização realizados pelo Poder Público.” Importante destacar que o julgamento até a presente data não se encerrou.
nova parceria, inclusive quanto à necessidade de aprovação de novo plano de outorga e obediência aos requisitos previstos na legislação.200
Com efeito, o ordenamento jurídico brasileiro, assim como o português, já havia disciplinado regras sobre a extinção contratual em face de descumprimento por parte do concessionário, o que ensejaria a aplicação da caducidade ou, no direito português, a rescisão do artigo 333 do Código de Contratos Públicos. Nada obstava que, após a extinção do contrato, a Administração viesse a reestruturar o contrato e novamente licitar o ativo.
A relicitação, como pontuado, surgiu com a finalidade maior de preservar a continuidade da prestação de serviços públicos essenciais aos utentes, representando, de acordo com a sua Exposição de Motivos, uma “alternativa inovadora’ de ‘devolução coordenada e negociada’ da concessão, evitando-se o processo de caducidade, muitas vezes moroso e com longa disputa judicial, em que, normalmente, os usuários da concessão são os principais penalizados pela má prestação do serviço até a conclusão do processo”.201
A razão da existência do instituto não está em beneficiar as partes contratantes, mas preservar a manutenção do serviço de interesse público, evitando-se que haja descontinuidade quanto à sua prestação.
O processo de caducidade, sendo um processo administrativo, tem obrigatoriamente que respeitar o princípio da ampla defesa que garante prazos para que o interessado possa se defender, com o detalhamento de todos os descumprimentos contratuais e fixação de prazo para correção de falhas, seguida da comprovação da inadimplência, publicação do decreto de caducidade e cálculo da indenização, soma-se a isto o prazo necessário para realização de um novo certame licitatório. O percurso é moroso e custoso para ambas as partes e, inexistindo consenso, o processo pode ser judicializado, aumento seus custos e tornando incerto o seu desfecho.
200 Cfr. art. 9º, Decreto nº. 9.957, de 2019.
201 Cfr. Exposição de Motivos Interministerial n.º 00306/2016 MP MTPA da MP n.º 752/2016. In: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/_xxx0000-0000/0000/Xxx/Xxx-XX-000-00.xxx. Acesso em: 03 de setembro 2022.
De acordo com Maurício Portugal Ribeiro202, a respeito dos prazos estimados para o novo concessionário iniciar as obras em face do processo de caducidade, ele seria de aproximadamente 28 meses. “(i) 6 meses para a contratação do consórcio de empresas de consultoria por meio de licitação; (ii) em torno de 9 meses para fazer os estudos (considerando que se trata de rodovia e que há um encadeamento entre os prazos necessários para realizar os estudos de demanda e os estudos de engenharia, esse é um prazo que me parece mínimo); (iii) 9 meses para realizar a tramitação interna dos estudos para aprovação no Governo, aprovar os estudos de viabilidade no TCU, realizar a consulta pública, a licitação do projeto e assinar o contrato, e (iv) mais 4 meses para realizar projetos detalhados, mobilizar e iniciar as obras (supondo que o concessionário vai iniciar as obras utilizando recursos provenientes de financiamento-ponte, ou capital próprio dos seus acionistas).” Esse cenário é otimista, somando-se ao prazo necessário para contratar um novo concessionário e ele iniciar as obras, chegar-se-ia a 48 meses, na melhor das hipóteses.
Com efeito, apesar de existirem instrumentos jurídicos capazes de fazer com que o Estado assuma provisoriamente a execução do serviço concedido, enquanto o processo de caducidade e o novo processo adjucatório reste concluído, como é o caso do instituto da intervenção, facto é que, em muitos casos, o poder público já não tem capacidade de operar aquele serviço ou equipamento, seja porque não dispõe de corpo técnico necessário para operação ou mesmo não detém os meios e recursos suficientes a tempo de não comprometer a prestação do serviço, diga-se essencial.
Passados anos desde que o Estado se desincumbiu da execução de determinados serviços e da operação de certos equipamentos, é natural que houvesse o desmonte de seus braços operacionais. O Estado do nosso tempo é muito mais um gestor de contratos do que propriamente um executor direto de serviços públicos e garantir, nesse cenário, a continuidade da prestação de serviços públicos essenciais é de facto concretizar o princípio da persecução do interesse público.
202 RIBEIRO, Maurício Portugal. A Medida Provisória n⁰ 752/16 e os setores rodoviário e aeroportuário: Seu contexto, seus objetivos e as alterações que ela precisa sofrer ao longo do seu processo de conversão em lei. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/xx-xxxxxxx/xxxxxxx/xx-xxxx-xxxxxxxxxxxx-xxxxxxxxx0.xxx. Acesso em: 07 junho 2022.
Nesse sentido, a relicitação nasceu para oferecer ao poder público uma forma menos traumática para lidar com a iminente ou a atual situação de descumprimento das obrigações constantes do contrato de concessão. O instituto reflete a busca por soluções consensuais, menos autoritária e que, ao fim e ao cabo, procura, como dito, efetivamente concretizar o interesse público no caso concreto.
Diante do descumprimento contratual não resta ao poder público apenas a caducidade, numa solução binária de inadimplemento-sanção, mas, ao contrário, abre-se um menu mais complexo, que agora passa a incluir a extinção amigável, como alternativa. O Estado adota uma imagem amistosa, o que reforça a mudança de paradigma da Administração Pública moderna, consensual e dialógica.
O processo de relicitação inaugura uma contundente mutação contratual, a negociação desses contratos de concessão pressupõe a imersão de todos, poder público e privado, em uma “Unidade de Tratamento Intensivo – UTI”, porque para esses contratos de concessão inviáveis será necessária uma complexa cirurgia de coluna vertebral.
O concessionário irá firmar um termo aditivo com o poder público sentenciando a sua saída do contrato, mas ao mesmo tempo aceitando manter as condições mínimas em que os serviços deverão continuar sendo prestados até a assinatura do novo contrato de concessão, garantindo-se a continuidade e a segurança dos serviços essenciais relacionados ao empreendimento e, assim, abrindo espaço para um transplante bem-sucedido e sem maiores intercorrências aos envolvidos.
Para tanto, o ordenamento jurídico brasileiro decidiu criar um ambiente de segurança jurídica que permitisse ao gestor operar as cirurgias para que esses contratos de concessão sofressem as adaptações necessárias ao seu momento de crise.
Na opinião deste autor, a ausência de previsão legal não impediria a adoção de negociação do contrato de concessão em bases mais amplas, no entanto demandaria do gestor um grande esforço para justificar o interesse público na escolha pela extinção amigável, ao invés da aplicação pura e simples da rescisão frente aos órgãos de controle, sem lei autorizativa para tanto. Pensar em um novo modelo de revisão quinquenal dos contratos de concessão, que não apenas trate
da inclusão ou exclusão de obras, mas introduza uma repactuação mais ampla do contrato pode ser uma saída no meio do caminho entre a relicitação e a caducidade.
Salvaguardado o interesse público, respeitados os limites da mutação contratual e observando-se o dever de motivação,203 caberia à Administração Pública, em consenso com a parte contratada e respeitando os princípios do direito administrativo, promover a alteração de certas obrigações contratuais, de modo a reequilibrar o contrato e conferir-lhe uma sobrevida.
Certo que não se pode advogar que um contrato de concessão de serviço público de saneamento básico, seja transformado em um contrato de prestação de energia, ou que um contrato de concessão seja transformado em um de arrendamento ou mesmo de uso de bem público. A essência do contrato deve ser preservada, sob pena de ferir de morte a isonomia das partes no momento da contratação.
Sobre o tema, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, em seu art. 26,204 abriu a possibilidade para que, de forma ampla, possa à Administração, a fim de eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, celebrar compromisso com os interessados.
Em voto proferido pelo Ministro Xxxxx Xxxxxx, nos autos do TC 019.064/2022-5, o Tribunal de Contas da União – TCU esclareceu que: “De fato, o art. 26 da LINDB traz tipicidade mais ampla que o permissivo anterior – eliminação de irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público – justamente com o objetivo de estabelecer margens mais largas de liberdade para se definir a estratégia negocial que melhor se compatibilize com o
203 À despeito do art. 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINBD, nos dizeres de Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxx de Freitas: “A permeabilidade do sistema jurídico a normas de caráter mais aberto e a realidade da interpretação e aplicação do Direito ser balizado por princípios é uma realidade. Contudo, a decisão baseada em “valores jurídicos abstratos”, ou seja, não apoiados em normas concretas ou em prescrições normativas cerradas, não pode servir como uma cláusula mágica, transcendente. Não podem se prestar a ser um argumento de autoridade hermenêutica sem que o decisor tenha o dever (ônus) de perquirir os efeitos desta decisão. Mais do que uma deferência ao consequencialismo, o dispositivo presta homenagem à responsavidade da decisão. Prospectar os efeitos da decisão não é irrelevante. O dever de motivar (geral a toda decisão) passa a ser reforçado, nos casos de decisão baseada em valores abstratos, com o dever de indicar as consequências antevistas pelo decisor. Mais do que isso, o dispositivo obriga a que as consequências possíveis sejam avaliadas e sopesadas. E assim exigindo, torna a decisão baseada na aplicação de princípio controlável (e censurável) quando falhar em vir acompanhado da análise das consequências.” In: XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx de. A nova LINDB e o consequencialismo jurídico como mínimo essencial. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000- mai18/opiniao-lindb-quadrantes-consequencialismo-juridico#ftn1. Acesso em: 03 set. 2022.
204 Cfr. art. 26, do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.
interesse público. A norma trata de reconhecer que a eficiência administrativa requer formas mais flexíveis para lidar com a dinamicidade e a complexidade em certos terrenos do direito público, como os contratos de parcerias e investimentos, que são mutáveis por natureza.”205
Com efeito, a relicitação traz como particularidade o facto de o acordo ser firmado não apenas para por fim ao contrato, mas sobretudo para promover uma alteração no ajuste inicial de forma a tornar o concessionário obrigado a continuar com a exploração do objeto concedido até que um novo processo de adjudicação selecione um novo operador, o que implica, como dito, explorar as nuances dogmáticas sobre a possibilidade/permissão desta mutação contratual.
Admite-se que as disposições contratuais originalmente pactuadas poderão ser alteradas para, por exemplo, estabelecer um novo prazo, uma nova quantidade ou mesmo um novo cronograma de investimentos, que pode alterar o padrão de qualidade ao contrato original. Portanto, realizados os estudos técnicos, com base nas informações apresentadas pelo contratado original, pode-se chegar à conclusão de que o contrato precisa ser redesenhado, havendo a possibilidade de fracionamento do seu objeto em duas ou mais novas concessões, ou mesmo a possibilidade de se transmudar o regime jurídico de concessão simples para concessão patrocinada.206 Pode ser, inclusive, que sequer haja a necessidade de alteração contratual, quando o default do contrato tenha se dado unicamente em razão da incapacidade subjetiva da concessionária.
As mudanças no desenho do contrato de concessão vão depender das conclusões técnicas e da consulta pública, mas, como já mencionado, desde que não haja uma modificação da natureza da essência daquele contrato, poderão ser realizadas para bem atender o interesse público e garantir o sucesso do novo processo de adjudicação.
Chega-se ao fim da análise da dogmática que permeou a construção da relicitação como forma de extinção amigável do contrato de concessão, mas este processo enfrenta grandes desafios, alguns deles serão tratados a seguir.
205 Cfr. voto proferido pelo Ministro do Tribunal de Contas Xxxxx Xxxxxx, nos autos do TC 019.064/2022-5.
206 ÁVILA, Xxxxxxx e XXXXXXX, Xxxx. Relicitação: a lógica jurídico-econômica por trás do instituto. Revista de Contratos Públicos, nº 30, Cedripe, pp. 79-121.
3.1 Os principais desafios enfrentados pelo processo de relicitação
O maior desafio a ser enfrentado ainda é a incapacidade da Administração Pública e do setor privado de gerarem um ambiente de confiança, que se traduza em segurança jurídica, para os atores envolvidos nesse processo e, com isso, garantir uma solução eficiente, em tempo razoável, para uma saída coordenada do contratado originário e o ingresso do novo concessionário.
Dito isto, a experiência prática brasileira207 demonstra que o direito à indenização pelos bens reversíveis é um gargalo que vem impedindo a rápida solução dos litígios envolvendo as concessionárias originais e o poder público.
Prematuramente extinta uma concessão, surge para o concessionário o direito à indenização pelos bens reversíveis ainda não amortizados ou depreciados pelo prazo da concessão. De acordo com o §4º, do art. 35 da Lei nº 8.987/1995, a Lei Geral de Concessões do Brasil, a extinção da concessão implica para o poder concedente o dever de proceder aos levantamentos e avaliações necessários à determinação dos montantes da indenização que será devida à concessionária. O art. 36 da mesma Lei passa a dispor que a reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido. Portanto, tem direito o concessionário, com a extinção prematura do seu contrato de concessão, a indenização dos bens reversíveis.
Em Portugal, havendo a resolução do contrato, o contraente público fica constituído no dever de pagar justa indenização ao cocontratante, nos termos do artigo 334º do CCP, a justa indenização a que o cocontratante tem direito corresponde aos danos emergentes e aos lucros cessantes.
A indenização por ato lícito diz respeito ao dano positivo – isto é, aos prejuízos sofridos pela celebração do contrato – e abrange, de acordo com Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, “dois componentes: de um lado, a indemnização de amortização (indemnização pelo valor não
207 O processo de relicitação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, foi o primeiro do país. O Decreto nº 10.472, que qualificou o empreendimento para fins de relicitação, foi publicado em agosto de 2020 e o ativo foi a leilão em maio de 2023.
amortizado das instalações afectas à concessão, que hajam sido custeadas pela concessionária) e, por outro lado, a indemnização industrial, devida pelos benefícios que ela deixou de auferir durante as anuidades que restavam até ao termo do prazo da concessão.”208
Entender, em primeiro lugar, o que vem a ser considerado bens reversíveis é uma tarefa imprescindível para o deslinde da questão. A controvérsia em torno da qualificação dos bens reversíveis é frequente em diversos setores regulados, e isso se deve à falta de uma legislação no Brasil que disponha de forma clara sobre o tema, bem como, em grande parte, a imprecisão dos editais de licitação e das cláusulas contratuais dos contratos de concessão.209
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, à despeito da evolução das concessões no Brasil, registra que, desde o império, pode-se visualizar a presença do instituto da reversão. Os art. 12 e 13 da Lei de 29 de agosto de 1828, estabeleciam “regras para a construção das obras públicas, que tiverem por objecto a navegação de rios, abertura de canaes, edificação de estradas, pontes, calçadas ou aqueductos".210 O instituto esteve sempre presente na nossa legislação, seja na forma de norma de caráter geral, seja nas legislações de caráter especial, como a portuária, a ferroviária, a de energia elétrica e a telefônica.211
No entanto, apesar da antiguidade com que o direito brasileiro convive com o instituto da reversão dos bens, ainda enfrenta dificuldades em relação a sua definição, especialmente porque os mais variados setores de infraestrutura trazem as suas próprias definições.
Com efeito, nos termos da Lei nº 8.987/1995, as concessionárias devem manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão. As dúvidas surgem no momento de classificar ou não um bem adquirido pela concessionária como sendo reversível, de modo a proceder ao seu regular inventário.
208 XXXXXXXXX, Xxxxx. A concessão de serviços públicos. Ob. Cit., p. 357.
209 O tema relativo aos bens reversíveis desvela grande complexidade e controvérsias quanto ao interesse público primário, secundário e os interesses privados em jogo. A respeito do tema ver: Xxxxxx Xxx Xxxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx em artigo "Bens reversíveis e a inviabilidade de uma teoria geral", ao apontar por uma visão que não seja marcada pela "ideologia, inércia ou desinformação" que ignora as transformações pelas quais passou o direito (XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx, XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Bens Reversíveis nas Concessões Públicas a Inviabilidade de Uma Teoria Geral. Revista da Faculdade de Direito UFPR. Curitiba. v. 61, n. 2, 2016, p. 150.
210 XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Concessões. Ob. Cit., p. 75-82.
211 CAVALCANTI, XXXXXXXXXXXX XXXXXXX. Tratado de direito administrativo. 3. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, v. II, 1956, p. 22.
Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx leciona que a reversão só abrange os bens que asseguram sua adequada prestação; se o concessionário, durante a vigência do contrato, formou um acervo à parte, embora provindo da empresa, mas desvinculado do serviço e sem emprego na sua execução, tais bens não lhe são acessórios e, por isso, não o seguem necessariamente, na reversão.212
Para Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, o instituto da reversão existe para preservar o caráter público do serviço, que carrega sua relevância para a comunidade, de modo que sua interrupção seria inadmissível, não podendo o poder público permitir tal suspensão, mesmo na extinção da concessão, momento no qual se opera a imediata reversão.213
Na esteira do art. 175 da Constituição Federal, a posição do autor mostra-se assertiva, na medida em que o instituto da reversão tem a sua razão de existir justamente na preservação da garantia da continuidade e da atualidade do serviço público ou de um equipamento público essencial à população.214
A reversão de bens é um dever da concessionária perante o poder concedente, que tem a obrigação de reverter ao Estado os bens públicos estatais repassados no momento da assinatura do contrato, além dos demais essenciais à continuidade do serviço público, ainda que tenha sido o próprio ente privado que os tenha custeado.215
De acordo com Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, a concessão atua com bens de três classes,
(1) os Originários (sempre reversíveis) os quais pertencem ao domínio público próprio, ou seja, de propriedade do Estado e transferidos à posse do particular; (2) os Essenciais (sempre reversíveis), sendo bens adquiridos pelo particular na constância da concessão e revertidos ao concedente finda a concessão, por serem essenciais à prestação; e (3) os bens Particulares, que são os bens privados da concessionária que integram o patrimônio desta e que não são reversíveis por não serem essenciais ao serviço público.216
212 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Direito Administrativo Brasileiro. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 379.
213 BANDEIRA DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Serviço público e concessão de serviço público. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 770.
214 Cfr. art. 175, Constituição Federal: Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. (...) IV - a obrigação de manter serviço adequado.
215 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Teoria geral das concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 2009, p. 264- 265.
216 XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Concessões. Ob. Cit., p. 198.
Nesse sentido, atualmente a doutrina compreende a existência de três modalidades de bens reversíveis, sendo enquadrados no conceito tanto os bens estatais públicos, quanto bens privados, estatais ou não, que mantenham relação essencial com o funcionamento do serviço público delegado. Além disso, a doutrina mais recente tem diferenciado a reversão patrimonial, relacionada à propriedade propriamente dita, da reversão funcional, que compreende o direito real ou obrigacional sobre o bem, sem a transferência da propriedade.217
Apesar dos avanços doutrinários, o cálculo dos bens reversíveis se revelou o grande entrave aos atuais processos de relicitação. A Lei nº 13.448/2017 e o Decreto nº 9.957/2019 procuraram se antecipar aos problemas relacionados ao cômputo desses ativos e trouxeram um conjunto de normas sobre o tema na esperança de trazer celeridade a esta etapa do processo.
Em essência, esse processo trouxe a contratação de empresa de auditoria independente, com o objetivo de legitimar o cálculo dos bens reversíveis por agente habilitado tecnicamente e externo à relicitação. Igualmente, a adoção da arbitragem ou de mecanismos privados de resolução de conflitos nas questões que envolvam o cálculo das indenizações dos bens reversíveis também teve a finalidade de revestir o procedimento de um julgamento o mais técnico e célere possível. Do mesmo modo, a previsão de pagamento pelo futuro contratado das indenizações referentes a bens reversíveis não amortizados ou depreciados eventualmente devidas pelo poder concedente ao contratado original, bem como a previsão de que a União, se o valor da proposta vencedora do leilão for inferior à indenização devida, custeará a diferença, foi uma mensagem clara no sentido de que o poder público envidou esforços para gerar o máximo de confiança possível nos atores envolvidos nesse processo.
Ainda na tentativa de fazer com que o processo não fosse interrompido pelas contingências relativas ao cálculo da indenização dos bens reversíveis, a Lei nº 13.448/2017, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.368/2022, e o Decreto nº 9.957/2019 estabeleceram de modo claro a independência do processo de estruturação do novo contrato de concessão frente ao processo contábil de fixação da indenização pelos bens reversíveis não amortizados ou depreciados.
217 Sobre o tema, XXXXXXX. Thiago. Direito administrativo: transformações e tendências. Coimbra: Almedina. 2014, р. 17-46.
Nesse sentido, o § 4º do art. 15 da Lei nº 13.448/2017, inserido pela Lei nº 14.368/2022, dispôs que “o procedimento de cálculo a que se refere o § 3º deste artigo e sua conferência não obstam o processo licitatório de que trata o art. 13 desta Lei, nos termos de regulamento. Continua, em seu §5º, elucidando que “caso o valor inicial ofertado a título de outorga, na sessão de leilão da relicitação, seja menor que o valor do pagamento, ao anterior contratado, da indenização referente a bens reversíveis não amortizados ou depreciados, a União custeará a diferença, observadas as regras fiscais e orçamentárias”.
Antes da alteração promovida pela Lei nº 14.368/2022, houve grande controvérsia sobre a necessidade de se aguardar os cálculos definitivos dos ativos não amortizados a serem indenizados à concessionária, que estão sob a responsabilidade do poder público para continuidade do processo de relicitação.
O Tribunal de Contas da União entendeu que o cálculo deveria ser apresentado pelo poder concedente para que fosse possível avaliar os estudos para a relicitação, em atenção ao disposto no art. 17, § 1º, inciso VII, da Lei 13.448/2017.218 A partir desse cálculo é que se faz o encontro de contas, que avalia quanto a concessionária tem a receber pelos ativos e quanto ela tem a pagar pelos descumprimentos do contrato, multas e outros encargos.
Por sua vez, o poder público defendeu, em resumo, que a) não há na lei, tampouco no decreto que a regulamenta, disposição que vincule a relicitação ao cálculo definitivo do encontro de contas do contrato atual; que b) os valores de indenização, sejam eles preliminares ou definitivos, em nada afetam a estruturação do novo projeto de concessão, a partir da relicitação do atual contrato de concessão. Tais valores não alteram a modelagem da nova concessão e, por conseguinte, não influenciam os lances a serem ofertados pelos licitantes, tampouco aumentam o risco percebido no novo projeto; c) a utilização de valores decorrentes do orçamento público não dependerá do Valor Presente Líquido do projeto. Mesmo que o VPL do projeto de relicitação seja
218 Cfr. art. 17, Lei 13.448. de 2017: O órgão ou a entidade competente promoverá o estudo técnico necessário de forma precisa, clara e suficiente para subsidiar a relicitação dos contratos de parceria, visando a assegurar sua viabilidade econômico-financeira e operacional. § 1º Sem prejuízo de outros elementos fixados na regulamentação do órgão ou da entidade competente, deverão constar do estudo técnico de que trata o caput deste artigo: (...) VII - o levantamento de indenizações eventualmente devidas ao contratado pelos investimentos em bens reversíveis vinculados ao contrato de parceria realizados e não amortizados ou depreciados.
inferior às estimativas existentes no momento para a indenização devida à concessionária, não é adequada a associação entre tal valor e eventual desembolso de recursos orçamentários por parte do Poder Público; d) a utilização de recursos orçamentários no pagamento da indenização depende do ágio do leilão. Antes da ocorrência do leilão, não é possível apontar se haverá necessidade de utilização de recursos orçamentários e, menos ainda, qual o montante exato de tais recursos; e) os valores arrecadados no leilão de relicitação serão determinados a partir da mesma dinâmica, e com base nos mesmos fatores, que impactam os valores arrecadados no leilão de uma concessão comum. Dessa forma, não é adequado e razoável utilizar da relação entre a indefinição dos valores de indenização e a percepção de risco dos agentes interessados no leilão para interromper o processo de relicitação; e f) por fim, a legislação que disciplina os processos de relicitação coloca o pagamento da indenização como condição para o início do novo contrato de concessão – e não como condição para sua celebração.219
Na opinião deste autor, antes mesmo da alteração legislativa, ontologicamente, o arquétipo legal previsto pelo legislador para o processo de relicitação definiu a existência de dois procedimentos distintos, capazes de seguir os seus fluxos em paralelo, especialmente porque este processo foi desenhado para ser ágil. Ou seja, a estruturação do novo contrato de concessão não impediria o cálculo de indenização dos bens reversíveis não amortizados ou depreciados, até mesmo porque o Decreto nº 9.957/2019, em § 2º já havia definido que “o pagamento dos valores de que trata o caput será condição para o início do novo contrato de parceria, nos termos do disposto no § 3º do art. 15 da Lei nº 13.448/2017, sem prejuízo de outros valores a serem apurados e pagos posteriormente, decorrentes de decisão judicial, arbitral ou outro mecanismo privado de resolução de conflitos, na forma prevista no inciso IV do caput do art. 8º.”
A lei, desde a sua origem, previu o pagamento dos bens reversíveis para o concessionário originário, podendo este pagamento ser feito, preferencialmente, pelo vencedor da nova licitação, se houver ágil no leilão, ou pelo governo, por meio do regime de precatório, caso os valores de outorga não sejam suficientes para arcar com a indenização desses bens. Sob a perspectiva dos possíveis interessados no novo contrato de concessão, a existência de indenização
219CFr. Despacho no Processo 000.470/202-04 xxxxx://xxxxx.xxxxxx.xxx/xxxx/x/0Xx0XxX_xxXx_xXXXX0xXxXxXx00xxXxX/xxxx?xxxx0, acesso em: 17 de maio de 2023.
a ser paga por parte da atual concessionária não altera as condições de exploração do empreendimento, o valor da outorga seria, não fosse essa previsão, pago da mesma forma ao governo. Portanto, não há o que se falar em aumento real da percepção de risco do projeto.
Também por esse motivo este autor defende que a novel alteração legislativa apenas deixou claro algo que já podia ser extraído por meio de uma interpretação sistemática e teleológica das disposições presentes na Lei nº 13.448/2017. Não encontra razão argumentos que sugerem sejam as concessionárias, que tiveram seus processos de relicitação iniciados antes da Lei nº 14.368/2022, pagas exclusivamente pelo ágio advindo do novo leilão para contratação de uma nova concessionária.
É um desafio que enfrenta esse processo o de chegar ao consenso em relação ao pagamento das indenizações para os atuais concessionários. Apesar de hoje haver uma maior clareza nos termos da lei sobre o tema, no sentido de que o pagamento do valor incontroverso será realizado após a relicitação, como condição para assinatura do novo contrato, estando autorizado o prosseguimento do processo licitatório mesmo que pendente a conclusão do cálculo da indenização.220 Ainda há receio dos concessionários de receber o valor controverso após um longo período de discussão e na forma de precatório. O novo §4º, do art. 15 da Lei 13.448/2017 parece reagir à resistência oferecida pelo TCU e pelos concessionários e procura destravar o andamento dos processos paralelamente à definição do valor da indenização.
Outra questão que merece atenção, é a quanto à metodologia para cálculo dos valores de indenização. A escolha de indenizar os bens reversíveis pelo custo histórico traz impactos relevantes. No âmbito do Tribunal de Contas da União, por meio do acórdão n.º 2611/2020 do TCU, foi deferida medida cautelar determinando que a metodologia de cálculo a ser utilizada para fins de pagamento dos valores dos bens reversíveis deveria ter por base o ativo intangível da concessionária.
Em resumo, o Tribunal decidiu em sede de cautelar que a contabilização como ativos intangíveis garante a escrituração dos bens reversíveis por valores de mercado ou pelo valor
220 Cfr. Art. 15, Lei 13.448, de 2017.
presente de fluxo de caixa futuro esperado, garantindo, assim, a escrituração pelo maior valor derivado dessas duas opções, o valor recuperável.221
A indenização de um ativo, em realidade, deve ser dada pelo valor de mercado atual. No caso de uma concessão, o valor de mercado do bem é o fluxo de caixa esperado dos ativos ao longo do tempo, considerada determinada taxa de desconto.
Na prática, não existe qualquer relação entre o custo de construção de determinado bem com a indenização devida, além de ser haver impossibilidade prática de avaliar os custos históricos dos bens reversíveis não amortizados, por existirem milhares ou até milhões de notas fiscais e de contratos com fornecedores, o que inviabilizaria verificação da higidez dos cálculos.
Com efeito, a adoção da metodologia de cálculo de indenização por custos históricos parece gerar incentivos econômicos ao inadimplemento contratual e a futuros pedidos de relicitação. Os concessionários têm maiores informações do custo incorrido e farão questionamentos sempre que o custo estimado for inferior ao real e, em sentido contrário, se manterão silentes quando o custo estimado for superior ao real. Ou seja, é provável que o privado seja remunerado por custos superiores aos que efetivamente incorreu. Se assim restar definido, a relicitação pode gerar um risco moral grave, já que o concessionário terá incentivos a aceitar altos riscos de inadimplemento para obter a concessão.
Apesar da importância do instituto, há de se considerar os seus efeitos econômicos, seja porque ele gera externalidades positivas, uma vez que torna as concessões públicas mais atrativas e facilita, com isso, a entrada de novos investidores, seja porque, como mencionado, gera um risco moral (moral hazard) para o poder público,222 já que a todo tempo o concessionário pode
221 A respeito do tema, cfr. o Acórdão TCU n.º 2924/2020, originário de um agravo da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT.
222 As preocupações internas do governo, quando da concepção do instituto da relicitação, gravitaram em torno do possível incentivo econômico dado pelo poder público ao mercado para que esse ator econômico aumente a sua exposição ao risco, acreditando não arcar com os custos totais desse risco. Ou seja, havia uma percepção de que o instituto da relicitação provocaria um problema de moral hazard. No entanto, ao evoluir no desenvolvimento do mecanismo, procurou-se trazer dispositivos que deixassem clara a mensagem segundo a qual a relicitação seria um bônus para o concessionário originário, mas, ao mesmo tempo, um ônus, na medida em que o governo iria cobrar todas as dívidas, multas e outros encargos, além de impedir a sua participação no futuro contrato de concessão. A ideia sempre foi impedir que o contrato originário enxergasse a relicitação como uma oportunidade de negócio, mas, ao mesmo tempo, visse nela uma saída menos traumática do que a provável aplicação da pena de caducidade.
fazer a conta financeira de qual seria o melhor momento para saída do contrato, que não necessariamente será aquele previsto no edital para o término da concessão.223
O abandono contratual é uma flexibilidade gerencial existente em contratos de concessão e pode agregar valor ao projeto a ser licitado, uma vez que o concessionário deve ser indenizado pelos investimentos realizados em bens reversíveis.224 Por esse motivo, deve-se atentar a racionalidade econômica do instituto de modo a coibir que agentes privados solicitem a relicitação como forma de extrair o valor máximo do projeto em períodos ótimos.
Há, assim, o risco dos futuros concessionários poderem se aventurar em contratações nas quais não tenham capacidade ou expertise, contando que, diante da sua “inviabilidade”, possam se valer de um término consensual. Nesse sentido, cabe ao poder público com grande rigor decidir justificadamente a escolha pela utilização ou não do instituto, com base nos custos de transação aferidos e nos resultados que se espera com a medida, tanto sob o ponto de vista da política pública, como sob a perspectiva econômica.
Por último, a experiência prática brasileira, ainda que incipiente, demonstra que, em alguns processos de relicitação em curso225, o judiciário ainda é utilizado como ultima ratio pelas
000 XXXXX, Xxxxxxx. l’allocation des risques dans les contrats: de l’economie des contrats ‘incomplets’ a la pratique des contrats administratifs. Revue Internationale de Droit Economique, Association internationale de droit économique, 2003, 2003 (n° 3), pp.11-46. halshs-00004535 e XXXXX, Xxxxxxxx. La régulation des contrats publics complexes de long terme à l’épreuve des imperfections informationnelles. 2017. halshs-01659946. CONSEIL D’ÉTAT.
224 COSTA, F. A. Risco de Demanda e Abandono Contratual: uma Análise por Opções Reais da Concessão da Rodovia BR-381/262/MG/ES. Publicação T.DM-004/2020, Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, Universidade de Brasília, Brasília, DF. 2020. P. 116.
225 Sobre o que se afirmou, cfr. o acórdão nº. 2611/2020, em que o Plenário do Tribunal de Contas da União julgou cautelarmente o caso em que uma liminar do Xxxxx Xxxxxxx xx 00x Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx entendeu pela necessidade de manutenção da base tarifária do contrato (no patamar estipulado em 2017). Em decisão cautelar, o Tribunal de Contas da União determinou em acórdão que: item 9.1.3. “haja previsão, no termo aditivo, no sentido de que os valores arrecadados a maior dos usuários do serviço público (excedente tarifário decorrente da diferença entre R$ 5,30 e R$ 2,54), durante a vigência do termo aditivo, sejam reajustados pela combinação da atualização monetária (IPCA) com a taxa de desconto do fluxo de caixa marginal (FCM), nos termos do contrato original da concessão, ou outra taxa que reflita os riscos da concessionária, a exemplo das constantes dos empréstimos pontes da concessão; item
9.1.4. haja previsão, no termo aditivo, no sentido de que a parcela dos valores arrecadados a maior dos usuários do serviço público que superar o valor das indenizações pelos bens reversíveis não amortizados ou depreciados (excedente tarifário decorrente da diferença entre R$ 5,30 e R$ 2,54), durante a vigência do termo aditivo, seja devolvida à concedente”; No entanto, as determinações do acórdão foram revogadas posteriormente pelo Acórdão n.º 2924/2020
– Plenário do Tribunal de Contas da União. O entendimento foi o de que: “A manutenção do contrato original, por conta dessa decisão judicial, não permite que a ANTT atue no sentido de cobrar da concessionária pela execução dos investimentos que permitirão melhorar as condições de trafegabilidade da rodovia no âmbito do contrato original. Portanto, não há o perigo da demora em prejuízo dos usuários, como disposto na decisão recorrida.” Assim, tendo-se
concessionárias. O que torna o instrumento moroso e marcado por incertezas, havendo probabilidade de alguns questionamentos relevantes serem julgados nessa esfera ou, ainda, pelos órgãos de controle externo, ao revés do que previu a lei quanto à utilização da arbitragem e de outros mecanismos privados de resolução de litígios.
por base decisão judicial, a ANTT ficou impedida de adotar conduta diversa. Nos autos do processo, a agência reguladora afirmou que o valor cobrado a maior pela concessionária era indevido: “Esta Agência Reguladora não tem qualquer dúvida de que o valor cobrado a maior pela concessionária desde 10/10/2018, em razão de decisão liminar exarada pelo Juízo da 17ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos da Ação Cautelar nº 1014300-37.2018.4.01.3400, que manteve a tarifa em R$ 5,30 (cinco reais e trinta centavos), posteriormente mantida pelo Tribunal Arbitral nos autos do Processo Arbitral 23932/GSS/PFF, em curso perante a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional - CCI, é indevida. A matéria ainda está em litígio no Processo Arbitral 23932/GSS/PFF.” O processo junto ao TCU ainda está em trâmite.
Conclusão
Durante muito tempo, o Direito Administrativo esteve afastado de preocupações econômicas, enclausurado nos seus próprios dogmas, mas esse relacionamento entre o Direito Administrativo e a Economia se impôs naturalmente, fazendo com que as escolhas administrativas tivessem necessariamente implicações econômicas, especialmente no mundo das contratações públicas.
O instituto da relicitação, como se procurou demonstrar ao longo desse estudo, traz um componente econômico relevante para tomada de decisão do poder público. Decidir entre aplicar a resolução sancionatória, reestruturar o contrato e levá-lo novamente a licitação, ou relicitá-lo acarretará impactos socioeconômicos, que devem ser ponderados, inclusive sobre a perspectiva do risco moral (moral hazard) que essa decisão pode gerar226.
Ao instigar essa maior aproximação entre diferentes ramos do conhecimento, a relicitação precisou dispensar molduras pré-definidas, dogmas cristalizados, racionais hierarquizados e impôs a necessidade de escolhas administrativas mais racionais, demandando do operador jurídico uma análise de eficiência. Dessa forma, essa dissertação procurou constatar que a utilização desse instrumento afastou a lógica top-down nas decisões do poder público, inserindo, no leque de opções à disposição da Administração, o consenso como estratégia regulatória de ação administrativa para o término de contratos de concessão.
Com efeito, a extinção amigável do contrato de concessão representa uma mudança de paradigma, especialmente por alçar a consensualidade e o princípio da confiança ao centro do debate jurídico da teoria das contratações públicas. A relicitação, portanto, é um mecanismo que introduz uma nova perspectiva sobre o término desses contratos de concessão, contratos de longo prazo, relacionais e incompletos, que possuem uma racionalidade econômica complexa e diferente dos contratos administrativos de curto prazo.227
226 Sobre o risco moral e incentivos contratuais, ver: XXXXX, Xxxxxxx and XXXXXX, Xxxxxxx. Moral Hazard, Incentive Contracts and Risk: Evidence from Procurement. Working Paper No. 17647. December 2011, Revised August 2013 JEL No. D86, H57, L92.
227 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. A Mutabilidade nos Contratos de Concessão no Brasil. Ob. Cit., p. 29.
Assim sendo, ao passo em que se exalta o princípio da confiança, o consenso, a cooperação e a parceria entre Administração e particulares, não faz mais sentido defender que se continue a adotar soluções criadas em tempos de oposição de interesses e de desconfiança. Como bem advertiu Wald, cabe ao jurista do nosso tempo preparar o futuro das instituições para as novas técnicas jurídicas.228
Várias questões ainda irão surgir com a utilização da relicitação que, pela sua atualidade, fazem com que o tema mereça um aprofundamento por parte dos operadores do direito. A dissertação procurou descortinar a sua dogmática e oferecer o ferramental para que a relicitação possa seguir amadurecendo.
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