Projeto de Decreto-Lei
Projeto de Decreto-Lei
Sumário: estabelece as normas e procedimentos relativos ao reembolso antecipado nos contratos de crédito.
Preâmbulo:
As instituições de crédito praticam junto aos seus clientes diversas operações de crédito. Essas operações, consoante a sua natureza e as suas caraterísticas, podem ser de curta, média ou longa duração.
Dentre as diversas operações de crédito o contrato de crédito à habitação constitui a operação de crédito mais duradoura, o que pode implicar o consumo pouco diversificado de produtos e serviços financeiros oferecidos na banca, em decorrência da fidelização do cliente à instituição de crédito mutuante.
No quadro dessas relações de consumo, os contratos de crédito celebrados entre os clientes e as instituições de crédito têm previsto a aplicação de comissões de reembolso antecipado, parcial ou total, e por transferência de crédito para outra instituição, no caso do crédito à habitação, esta última figura que frequentemente designada de comissão de reembolso antecipado por compra de dívida por outra instituição de crédito.
As comissões de reembolso antecipado têm previsão nos preçários dos bancos e são efetivamente uma mais-valia por constituir fonte de receita para as instituições de crédito, além de garantir a fidelização do cliente, particularmente quando existe entre o banco e o cliente um contrato de crédito à habitação. Contudo, a atual tendência do mercado tem-se revelado penosa para os consumidores financeiros, mutuários em operações de crédito, especialmente nos créditos à habitação, dada a aplicação de comissões de reembolso antecipado que pelo seu custo oneram excessivamente os mutuários e inviabilizam a sua mudança para outras instituições de crédito que ofereçam produtos e serviços financeiros em condições consideradas mais favoráveis. Ademais, a burocracia e a morosidade típica dos processos de transferência de crédito nas operações de crédito à habitação, têm sido um dos fatores dissuasores da mobilidade no setor bancário.
Dessa forma, os custos de mudança têm tido como efeito a probabilidade do cliente se manter no mesmo banco, pois as comissões de amortização antecipada aplicadas pelos bancos, enquanto encargos para o cliente bancário, constituem barreiras à mobilidade para outras instituições de crédito. Acresce que, a imposição de comissões elevadas para o reembolso antecipado, mormente o reembolso antecipado com vista à transferência de crédito para outra instituição, obsta o ambiente de sã concorrência que deve prevalecer no sistema financeiro, particularmente no setor bancário.
Assim, de forma a fomentar a livre e sã concorrência no setor bancário, enquanto missão do Banco de Cabo Verde (autoridade da concorrência no sistema financeiro), o presente diploma legal estabelece um conjunto de normas e procedimentos relativos ao reembolso antecipado nas operações de crédito.
Este regime vem, primeiramente, estabelecer expressamente o direito ao reembolso antecipado, informando sobre as suas modalidades, prevendo restrições à fixação
discricionária dos valores das comissões de reembolso antecipado para as operações de crédito, além de instituir um limite máximo para comissões de reembolso antecipado para outras operações de crédito, de forma a evitar a sua fixação arbitrária em moldes que inibam os mutuários a recorrerem à amortização antecipada dos créditos contraídos.
Com vista à promoção da celeridade dos processos de reembolso antecipado por transferência de crédito, este diploma dispõe, em capítulo próprio, dos procedimentos relativos a esta modalidade de amortização antecipada de crédito, enunciando as diligências que competem às partes intervenientes nestes procedimentos, os prazos aplicáveis, as informações que integram os processos, a responsabilidade sobre os encargos impostos à sua materialização, além dos deveres de informação para com os clientes mutuários.
Por fim, de forma a assegurar o cumprimento escrupuloso deste normativo, fixa-se um regime sancionatório contraordenacional que se propõe ao sancionamento de infrações às suas disposições por parte das instituições de crédito, para se coibir práticas que violem, designadamente, o direito ao reembolso antecipado, as condições atinentes ao procedimento do reembolso antecipado e os deveres de informação aplicáveis às operações de crédito.
Foram ouvidos o Banco de Cabo Verde, a Associação da Defesa dos Consumidores e as Instituições de Crédito.
Assim,
No uso da faculdade conferida pela alínea a) do n.º 2 do artigo 204.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1º
Objeto e âmbito
O presente diploma estabelece as normas e procedimentos relativos ao reembolso antecipado nas operações de crédito realizadas pelas instituições de crédito a que se refere a alínea c) do artigo 3º.
Artigo 2º
Definições
Para os efeitos do presente diploma entende-se por:
a) «Contrato de crédito» O contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito, ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante;
b) «Contrato de crédito à habitação»: o contrato de crédito que tenha por objeto:
i. Aquisição, construção, beneficiação e recuperação ou ampliação de habitação própria permanente ou para arrendamento; ou
ii. Aquisição de terreno para construção de habitação.
c) «Instituições de crédito»: instituições financeiras que, além de outras atividades financeiras, exercem a atividade de concessão de crédito, listadas na alínea a) do n.º 2 do artigo 3º da Lei n.º 61/VIII/2014, de 23 de abril, que regula as bases de referência do sistema financeiro;
d) «Instituição credora original»: instituição de crédito credora na operação de crédito objeto da sua transferência para outra instituição de crédito;
e) «Nova instituição mutuante»: instituição de crédito recetora da operação de crédito à habitação objeto da transferência de crédito;
f) «Suporte duradouro»: qualquer suporte físico ou eletrónico que apresente um grau de acessibilidade, durabilidade, fiabilidade, integridade e legibilidade suscetível de permitir um acesso fácil à informação, a reprodução fiel e completa da mesma, bem como a correta leitura dos dados nela contidos;
g) «TAEG», Taxa Anual de Encargos Efetiva Global: Taxa expressa em percentagem anual do montante total do crédito, que traduz o custo total do crédito para o cliente da operação de crédito, incluindo os juros e todos os encargos de qualquer natureza ligados ao contrato de crédito ou que, tendo natureza acessória, forem necessários para a obtenção do crédito ou para a obtenção do crédito nos termos e nas condições estabelecidas, nomeadamente os prémios de seguro exigidos;
h) «TAN», Taxa de Juro Anual Nominal: expressa numa percentagem fixa ou variável, aplicada numa base anual ao montante do crédito utilizado, que traduza remuneração da operação de crédito e não inclui quaisquer encargos;
i) «Taxa de juro fixa»: taxa de juro nominal, expressa em percentagem anual fixa, acordada entre a instituição de crédito e o cliente, para vigorar durante toda a duração do contrato de crédito ou as diferentes taxas de juro fixas acordadas para os períodos parciais respetivos;
j) «Taxa de juro variável»: taxa de juro nominal expressa em percentagem anual variável, cuja modificação tenha sido previamente acordada entre a instituição de crédito e o cliente, através de um mecanismo de indexação estabelecido para o efeito;
k) «Transferência de crédito»: transferência de operação de crédito à habitação da instituição credora original para a instituição credora proponente, mediante solicitação do mutuário.
Artigo 3º
TAEG
A TAEG é calculada de acordo com os pressupostos e fórmula previstos no anexo do presente decreto-lei, do qual é parte integrante.
Artigo 4°
Base de cálculo
A base de incidência para o cálculo de juros para as operações de crédito nos contratos celebrados a partir da entrada em vigor do presente Aviso é de 360 dias.
Artigo 5°
Arredondamento dos indexantes
1. O arredondamento dos indexantes deve incidir, em qualquer operação de crédito, unicamente sobre a taxa de juro.
2. O arredondamento referido no número anterior será obrigatoriamente feito à milésima.
Artigo 6º
Direito ao reembolso antecipado
1. Os mutuários têm o direito de efetuar o reembolso antecipado parcial em qualquer momento do contrato, independentemente do capital a reembolsar, desde que efetuado em data coincidente com os vencimentos das prestações e mediante pré-aviso de sete dias úteis à instituição de crédito mutuante.
2. O reembolso antecipado total pode ser efetuado em qualquer momento da vigência do contrato mediante pré-aviso de 10 dias úteis à instituição de crédito mutuante.
Artigo 7º
Comissão por reembolso antecipado
1. O valor da comissão a pagar pelo cliente nos casos de reembolso antecipado, parcial ou total, ou de transferência de crédito para outra instituição consta clara e expressamente do contrato e não pode ser superior a:
a) 0,5% a aplicar sobre o capital que é reembolsado no caso de contratos celebrados no regime de taxa variável;
b) 2% a aplicar sobre o capital que é reembolsado no caso de contratos celebrados no regime de taxa fixa.
2. O disposto no número anterior não se aplica aos contratos em execução em que tenha sido convencionada entre as partes a comissão aí referida em valor inferior ou a sua isenção.
3. Em caso de reembolso por motivos de morte ou desemprego, não podem ser aplicadas comissões.
4. Para efeitos do número anterior considera-se estar em situação de desemprego quem, tendo sido trabalhador por conta de outrem, se encontre inscrito como tal no Centro de Emprego e Formação Profissional há mais de três meses, constituindo prova da situação de desemprego a exibição de respetiva declaração nos termos do Decreto-Lei n.º 15/2015 de 5 de março.
Artigo 8º
Transferência de crédito
1. O reembolso antecipado sob a forma de transferência de crédito aplica-se exclusivamente aos contratos de crédito à habitação.
2. No caso de reembolso antecipado com vista à transferência do crédito, deve a instituição de crédito do mutuário facultar, no prazo de 10 dias úteis, à nova instituição de crédito mutuante todas as informações e elementos necessários à realização destas operações, designadamente o valor do capital em dívida e o período de tempo de empréstimo já decorrido.
3. Os custos relativos à troca de informações referidas no n.º anterior e os referentes à transferência dos valores decorrentes da operação de transferência de crédito, não podem ser repassados ao mutuário, sem prejuízo do disposto no artigo 9º.
4. A troca de informações entre as instituições credora original e proponente deve ser realizada, preferencialmente, por correspondência eletrónica.
5. O valor e o prazo da nova operação de crédito não podem ser superiores ao valor do saldo devedor e ao prazo remanescente da operação original a ser liquidada.
6. Em caso de desistência da transferência de crédito, antes da sua efetivação, o mutuário deve formalizar, por escrito, a desistência junto à instituição credora original que comunicará à instituição credora proponente, no prazo de 3 dias.
7. O reembolso antecipado com vista à transferência do crédito não prejudica a validade dos contratos de seguro, sem prejuízo da substituição do beneficiário dos contratos de seguro pelo novo mutuante, em condições que não afetem os riscos abrangidos pelos seguros celebrados para garantia da obrigação de pagamento, salvo convenção das partes mais favorável.
8. O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer cláusula contratual em sentido contrário, ou que de alguma forma agrave a posição do segurado ou do mutuário em função da transferência de crédito.
Artigo 9º
Outros encargos
Sem prejuízo da comissão prevista no número 1 do artigo 7º, é proibido o débito de qualquer encargo ou despesa pela realização das operações de reembolso com vista à transferência de crédito, com exceção da repercussão dos demais encargos suportados pelo mutuante que lhes sejam exigíveis por terceiros, e repercutíveis nos mutuários, nomeadamente os pagamentos a conservatórias e cartórios notariais, ou que tenham natureza fiscal, mediante justificação documental das respetivas despesas ao mutuário.
Artigo10º
Vendas associadas
Às instituições de crédito está vedado fazer depender a celebração dos contratos referidos abrangidos pelo presente decreto-lei da aquisição de outros produtos ou serviços financeiros.
Artigo 11º
Dever de informação
1. A instituição de crédito informa xxxxx e expressamente os seus clientes sobre:
a) O cálculo da TAEG;
b) O prazo para a contagem do cálculo de juros;
c) O modo e as condições de reembolso antecipado, parcial ou total, do contrato.
2. A instituição de crédito deve colocar no seu sítio de internet, de forma detalhada, as informações referidas no número anterior.
CAPÍTULO III
Regime Sancionatório
Artigo 12º
Contraordenações
1. Constitui contraordenação simples a violação ao disposto nos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 11º, punível, no caso de infrações cometidas pelas instituições de crédito, nos termos do disposto na alínea f) do artigo 232º da Lei nº 62/VIII/2014, de 23 de abril, sem prejuízo das contraordenações em especial, previstas e aplicáveis nos termos dos artigos 233º e 234º da referida Lei.
2. A tentativa e a negligência são sempre puníveis, sendo os limites máximos e mínimos reduzidos a metade.
3. A determinação da coima é feita em função da ilicitude concreta do fato, da culpa do agente, dos benefícios obtidos e das exigências de prevenção.
Artigo 13º
Fiscalização e instrução de processos
1. Compete ao Banco de Cabo Verde a fiscalização do cumprimento dos deveres estabelecidos no presente decreto-lei, bem como das normas regulamentares emitidas ao seu abrigo.
2. Compete ao Banco de Cabo Verde a averiguação das contraordenações previstas no presente decreto-lei, bem como a instrução dos respetivos processos e a aplicação das correspondentes sanções.
Artigo 14º
Aplicação Subsidiária
Ao regime sancionatório contraordenacional previsto no presente diploma aplica-se subsidiariamente o Capítulo II do Título IX da Lei nº 62/VIII/2014, de 23 de abril.
Artigo 15º
Produção de efeitos
O disposto no presente diploma aplica-se aos contratos de crédito em vigor e aos que venham a ser celebrados após a sua entrada em vigor, ficando ressalvados os reembolsos antecipados já efetuados.
Artigo 16º
Atualização da comissão
O valor das comissões a pagar pelo cliente nos casos de reembolso antecipado referidos no artigo 7º do presente diploma poderão ser alterados pelo Banco de Cabo Verde, por Aviso.
Artigo 17º
Revogação
São revogados o n.º 2 do artigo 6º e o artigo 34º do Decreto-Lei n.º 37/2010, de 27 de setembro.
Artigo 18º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação. Visto e aprovado em Conselho de Ministros de … de….de 2019.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx x Xxxxx
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx
Promulgado em …………..
O Presidente da República
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx
ANEXO
TAEG (CÁLCULO)
Equação de base que traduz a equivalência entre a utilização de crédito, por um lado, e os reembolsos e os encargos, por outro.
A equação de base, que define a taxa anual de encargos efetiva global (TAEG), exprime, numa base anual, a igualdade entre, por um lado, a soma dos valores atuais das utilizações de crédito e, por outro, a soma dos valores atuais dos montantes dos reembolsos e dos pagamentos, a saber:
𝑛
∑ 𝐶 (1 + 𝑥)−𝑡𝑗𝑛′ = ∑ 𝐷 (1 + 𝑥)−𝑠𝑙
𝑗
𝑗=1
𝑙
𝑙=1
Onde,
x– taxa anual de encargos efetiva global (TAEG);
n – número de ordem da última utilização do crédito;
j – número de ordem de uma utilização do crédito, pelo que 1 ≤ j ≥ 0;
𝐶𝑗 - montante de utilização do crédito j;
𝑡𝑗 - intervalo de tempo, expresso em anos e fracções de anos, entre a data da primeira utilização e a data de cada utilização sucessiva, com t1=0;
𝑛′- número do último reembolso ou pagamento de encargos;
𝑙 – número de reembolso ou pagamento de encargos;
𝐷𝑙 - montante de um reembolso ou pagamento de encargos;
𝑠𝑙 - intervalo, expresso em anos e fracções de um ano, entre a data da primeira utilização e a data de cada reembolso ou pagamento de encargos;
A equação acima definida pode ser reescrita apenas utilizando uma soma simples ou recorrendo à noção de fluxos (𝐴𝑗), quer pagos quer recebidos nos períodos de 1 a j, expressos em anos, como se segue:
𝑛
𝑆 = ∑ 𝐴𝑗(1 + 𝑥)−𝑡𝑗
𝑗
Onde,
S corresponde ao saldo dos fluxos atuais, sendo nulo se se pretender manter a equivalência dos fluxos.