CAPÍTULO 2 - Abordagens Teóricas ao Franchising
CAPÍTULO 2 - Abordagens Teóricas ao Franchising
Xxxxxxxxxx (1992) define um contrato de franchising como um acordo formal entre duas empresas independentes, o franqueador e o franqueado. De um lado, o franqueador concede o direito ao franqueado de vender um produto ou serviço, utilizando a sua marca, em determinado local e durante um determinado período. O franqueador apoia ainda o franqueado, concedendo-lhe formação e consultoria técnica e de gestão. Por seu lado, o franqueado compromete-se a aceitar as especificações do franqueador relativamente à forma de conduzir o negócio e efectua um pagamento, normalmente composto por duas partes: (1) o direito de ingresso ou franchise fee – um montante fixo, pago no início do contrato; e (2) a taxa de royalties e de publicidade – uma componente variável, paga periodicamente em função das vendas.
Esta definição, contudo, pode não ser suficiente para distinguir os contratos de franchising de outros semelhantes (Xxxxxxxx, 1999). Por exemplo, o franchising distingue-se de um contrato de concessão em que o concessionário tem o direito de vender o produto do concedente mas não tem a obrigação de utilizar os seus métodos. O contrato de franchising difere também do contrato de licenciamento devido à transferência de conhecimentos e técnicas que são, muitas vezes, a base do sucesso e da identidade da rede.
A definição da noção de franchising não é simples. A dificuldade resulta da grande diversidade de situações em que estes contratos são utilizados, o que complica a sua agregação sob um conceito comum. Tal como Norton (2003) refere, o termo franchising é utilizado em diferentes contextos, com diferentes significados. Mais ainda, o conceito evoluiu, ao longo do tempo. Inicialmente, e até à II Guerra Mundial, o franchising assumia a forma que hoje é denominada Franchising Tradicional1. Neste regime, a relação entre o franqueador e o franqueado é muito semelhante a uma relação de distribuição em exclusividade. O franqueado tem o direito de explorar o produto ou a marca do franqueador, mas este presta pouco apoio ao franqueado. Desde essa altura, o franchising assumiu uma nova forma, denominada Franchising do Formato do
1 Também designado como Franchising de Produto ou de Marca (Product or Tradename Franchise). Este tipo de franchising é mais difícil de distinguir de outro tipo de contratos.
Negócio2. Neste tipo de contratos, o franqueador tem um papel mais activo, fornecendo ao franqueado o seu know-how relativo ao negócio (Klein, 1995). Segundo Xxxxxxxx e Xxxxxxxx (2001, pp. 713): “O franqueado tem o direito de utilizar a marca e de aceder às estratégias de marketing, às rotinas organizacionais e aos manuais de operações do franqueador. Em troca, o franqueado paga ao franqueador um fee inicial e ongoing royalties, mas detém o direito aos resultados da unidade”. Actualmente, este é, sem dúvida, o formato de franchising mais utilizado (Klein, 1995; Xxxxxx e Fried, 1997; Croonen, 2003)3.
Em termos legais, a definição de franchising é também algo controversa. De acordo com a U.S. Federal Trade Commission, o franchising caracteriza-se pela distribuição de bens ou serviços associados à marca do franqueador, pela existência de um controlo e de uma assistência significativa do franqueador sobre/ao franqueado e pelo pagamento do franqueado ao franqueador, no mínimo, de $500 durante os primeiros seis meses de operação. Xxxxx (1995) analisa esta definição e considera que esta não fornece um critério económico claro que permita distinguir o franchising, de outras formas de distribuição do produto. Para Xxxxx (1995), a primeira característica é demasiado genérica podendo descrever quase todas as relações de distribuição, enquanto que a terceira condição elimina do conceito de franchising, todos os franqueadores que não cobram royalties. Assim, na sua opinião, apenas a segunda característica consegue, de alguma forma, distinguir o franchising de outras formas de distribuição. Mas, ainda assim, muitas vezes o controlo exercido pelo produtor sobre o retalhista é tão grande quanto o controlo exercido pelo franqueador4. Xxxxx (1995) conclui que as três características que distinguem o franchising de outro tipo de contratos são o controlo, a exclusividade e a estandardização, sendo possível encontrar uma enorme variedade de combinações destas três características.
2 Business Format Franchise.
3 Norton (2003) identifica, ainda, uma terceira forma, que denomina de ‘Franqueados como Corporações’. Neste caso, os franqueados reconhecem as vantagens de se associarem, como forma de melhorarem a sua posição negocial perante os franqueadores. Esta terceira forma não é incompatível com nenhuma das duas anteriores, pelo contrário, é cumulativa.
4 Na verdade, muitas vezes, algumas marcas dispõem de uma área, dentro das lojas dos retalhistas, de acordo com as suas especificações e podem, inclusivamente, ter empregados próprios a vender os seus produtos. É como se tratasse do aluguer do espaço ao retalhista que, em troca, recebe uma margem das vendas. Estes casos, ainda que o controlo exercido sobre a distribuição do produto seja muito significativo, não constituem contratos de franchising.
A nível europeu, destaca-se a definição dada pelo Código de Deontologia Europeu5. De acordo com este código, o franchising define-se como um sistema de comercialização de produtos, serviços e/ou tecnologias, fundamentado numa colaboração contínua, entre empresas independentes jurídica e financeiramente. Neste sistema, os franqueados têm o direito e a obrigação de explorar um conceito que pertence ao franqueador, mediante uma contrapartida financeira. Este direito inclui a utilização da marca, know-how e outros produtos de propriedade industrial ou intelectual do franqueador, bem como o fornecimento contínuo de assistência comercial e técnica.
De acordo com a União Europeia (UE), o franchising é um ‘pacote de direitos de propriedade industrial ou intelectual’. A UE identifica três características do franchising: (1) uma marca comum, com uma apresentação estética uniforme, nomeadamente no que se refere às instalações (pontos de venda), (2) a transferência do know-how do franqueador para o franqueado, (3) e o fornecimento contínuo de serviços técnicos e comerciais, do franqueador para o franqueado. Alguns autores argumentam que esta definição poderá ser demasiado restritiva. No entanto, se se tornar mais abrangente, torna-se também mais difícil de diferenciar relativamente a outro tipo de acordos semelhantes (Norton, 2003).
De acordo com o Tribunal Europeu da Justiça, os contratos de franchising justificam-se economicamente na medida em que permitem, por um lado, que o franqueador rentabilize a sua expertise sem investir o seu capital e, por outro, que o franqueado aceda a métodos, que não poderia aprender sem um esforço considerável, e a benefícios decorrentes da reputação da marca do franqueador (Allam, 2003).
Apesar do franchising ser um campo de pesquisa muito vasto, Elango e Fried (1997) identificam três correntes na literatura:
(1) Numa primeira corrente, os autores agrupam a literatura da área da Economia que analisa o custo-benefício marginal decorrente do franchising para a sociedade, e que tem como principal objectivo verificar se estes contratos deverão, ou não, ser legalmente permitidos. Normalmente, num contrato de franchising, o franqueado fica obrigado a adquirir os seus inputs a fornecedores escolhidos pelo
franqueador. Em muitos casos, o principal fornecedor do franqueado é o próprio franqueador. A razão de ser desta restrição tem a ver em particular com a manutenção da qualidade e uniformidade da imagem da marca, mas também com a possibilidade de obter desta forma economias de escala. No entanto, vários autores argumentam que ao impedir o franqueado de adquirir livremente os seus inputs, os contratos de franchising violam a livre concorrência.
(2) A segunda corrente, no âmbito da literatura sobre gestão, preocupa-se com as razões que justificam a emergência dos contratos de franchising, quer a nível do negócio, quer a nível da unidade. Esta corrente aborda ainda a definição dos termos do contrato, nomeadamente do franchise fee e da taxa de royalties. Duas perspectivas disputam a resposta às questões levantadas (Xxxxxxxxxx e Kaufmann, 1994). Por um lado, a Teoria dos Recursos da Empresa, enfatizando a importância dos contratos de franchising como forma de contornar restrições de recursos que impedem o crescimento da empresa. Por outro lado, a Teoria da Agência que perspectiva o franchising como um mecanismo de incorporação dos custos da prevaricação pelos agentes.
(3) Finalmente, a terceira corrente tem a sua origem na literatura sobre Marketing e perspectiva o franchising como um canal de distribuição, procurando determinar qual a melhor forma de operar o sistema de franchising. A maior parte dos trabalhos inseridos neste linha de pesquisa procura identificar as melhores formas de obter o controlo do franqueado, sendo que esse controlo assume especial importância pois permite ao franqueador concretizar os seus objectivos (Elango e Fried, 1997).
Neste capítulo, pela sua relevância no âmbito deste trabalho, revê-se a literatura sobre o franchising de acordo com a Teoria dos Recursos da Empresa e a Teoria da Agência. Em seguida, elabora-se uma análise crítica a estas teorias. Apresentam-se as críticas à Perspectiva da Limitação dos Recursos do Franqueador e à Abordagem de Agência ao Franchising, elaboradas quer pelos autores que defendem a Teoria concorrente, quer por aqueles que as procuram conciliar. São ainda discutidas outras limitações resultantes de uma abordagem diferente ao franchising – uma perspectiva relacional (ao estilo IMP Group) e de competências. Este capítulo finaliza com a revisão de uma nova linha de pesquisa, agora emergente, que analisa o relacionamento de franchising, procurando ultrapassar as limitações da literatura tradicional. A discussão
das inconsistências e limitações das Teorias Tradicionais em conjunto com esta nova linha da literatura são um dos pontos de partida da investigação que se realiza neste trabalho.
2.1. A Teoria dos Recursos da Empresa
Nesta secção, depois de uma breve introdução ao franchising sob perspectiva da Teoria dos Recursos, apresentam-se: o principal argumento desta teoria – as restrições de capital do franqueador – os estudos empíricos que suportam esta hipótese e a célebre crítica elaborada por Xxxxx em 1978. Em seguida, revemos os contra argumentos a essa crítica, desenvolvidos nos trabalhos empíricos que postulam que o custo do capital do franqueado pode, afinal, ser mais barato do que o fornecido por outras fontes. Nesta secção, relembram-se também outros argumentos enquadrados nesta teoria: a falta de informação sobre o mercado local e a falta de recursos humanos de gestão. Mais uma vez, alguns estudos empíricos que suportam estas hipóteses são referenciados. A secção finaliza com uma revisão das críticas realizadas a esta teoria, mas desta vez já não especificamente direccionadas às limitações financeiras.
Esta Teoria baseia-se no pressuposto de que o desenvolvimento de um ‘conceito de negócio’ novo implica a necessidade de um crescimento rápido, de forma a permitir o benefício de economias de escala na promoção da marca, garantindo assim a protecção desse conceito. No entanto, muitas vezes, particularmente em empresas jovens, essa necessidade de crescer a um ritmo acelerado é refreada por limitações de recursos. De acordo com esta abordagem, o franchising é uma forma de as empresas, que enfrentam restrições que as impedem de crescer, obterem recursos escassos. Quando a empresa amadurece6, e se torna mais fácil obter esses recursos, os franqueadores compram as unidades anteriormente franqueadas. Tendencialmente, verifica-se a conversão da cadeia que se transforma numa empresa integrada verticalmente. Assim, surge a ideia de que há um ciclo de vida do franchising
6 Nesta literatura, normalmente, a noção de ‘maturidade’ está associada à idade da cadeia ou ao número de anos decorridos desde o início do franchising. A maior parte dos estudos empíricos utiliza as variáveis “número de anos em actividade” e/ou o “número de anos a operar em franchising” como estimativas da maturidade da cadeia (por exemplo: Xxxxxxx, 1990, Lafontaine 1992 e Scott, 1995). Nesta perspectiva, o amadurecimento da cadeia conduz a uma acumulação de recursos ou a uma maior facilidade em os obter. Xxxxxx e Xxxxxx (1993) definem uma cadeia de franchising como imatura quando esta está em actividade há 10 anos ou menos e tem um número total de unidades igual ou inferior à média do mercado. Na amostra do estudo de Xxxxxx e Xxxxxxxxxx (1991), os franqueadores maduros adoptaram o franchising, em média, há 19,2 anos.
(Xxxxxxxxx e Xxxxx, 1969). Conclui-se, também, que, subjacente a esta perspectiva, se encontra a noção de que o franqueador preferiria explorar directamente todas as unidades, caso tivesse recursos para o fazer (Xxxxxxxxx e Xxxxx, 1969; Xxxxxxxxxx e Kaufmann, 1994). Esta perspectiva encontra-se esquematizada na Figura 1.
Figura 1 - A Perspectiva da TRE sobre o Franchising
Sofre de limitação de recursos que dificultam crescimento rápido
Desenvolve um conceito novo e tem necessidade de crescer, rapidamente, para o proteger
Empresa jovem
A empresa tende a recomprar as unidades anteriormente franquedas
A forma plural é uma fase transitória, até que a empresa se integra completamente
À medida que a empresa amadurece, torna-se mais fácil o acesso
aos recursos necessários para a expansão
Franchising surge como forma de ultrapassar as limitações de recursos, que impedem o crescimento rápido
Dentro desta perspectiva, assume especial importância a justificação defendida por vários autores (por exemplo Xxxxxxxxx e Xxxxx, 1969 e Xxxxx e Xxxxxx, 1976) e que, durante uma década, pareceu relativamente consensual: a obtenção de capital para expansão através do franchising. Para esses autores, a decisão entre o franchise e a integração vertical das unidades depende de limitações de natureza financeira. O franchising é visto como um método de obtenção de capital pelas empresas que enfrentam uma restrição no acesso aos mercados financeiros que as impede de crescer. O franqueado não só financia as despesas do investimento inicial da sua unidade, como paga ao franqueador um franchise fee que, de certa maneira, financia a promoção da marca.
Vários estudos dão suporte empírico à hipótese de o franchising permitir ultrapassar limitações financeiras ao crescimento. Por exemplo Xxxxxxxx (1992), de acordo com o previsto teoricamente, conclui que a percentagem de unidades detidas pelo franqueador é tanto menor, quanto maior o investimento inicial necessário para abrir uma unidade e maior a taxa de crescimento da cadeia. Também Xxxxxx (1988) e Xxxxxxxxxx (1992) obtêm resultados que indicam que quanto maior o crescimento da
cadeia, e consequentemente a necessidade de capital do franqueador, maior a percentagem de unidades franqueadas. Num outro estudo, Combs e Ketchen (1999) concluem que quanto maior a escassez de capital do franqueador, maior a percentagem de unidades franqueadas.
A opinião dos franqueadores parece também coincidir com o teorizado. Xxxxxxxxxx (1992) refere que, num estudo elaborado por XxXxxxx em 1971, os motivos apresentados pelos franqueadores como explicação da opção pelo franchising estavam relacionados com a necessidade de capital para a expansão da cadeia. Xxxxxxxxxx (1992) refere ainda que cerca de 58% dos franqueadores que entrevistou no seu estudo, apontaram o franchising como uma fonte de fundos necessária à expansão rápida da cadeia. Também no caso português, a análise de questionários enviados a franqueadores nacionais, permitiu concluir que, na sua opinião, os factores de ordem financeira tiveram um papel determinante na sua opção pelo franchising (Marnoto, 2000).
No entanto, Xxxxx (1978), baseando-se na Teoria Financeira da Empresa, elaborou uma forte crítica a esta Abordagem. Xxxxx (1978) considera que se o motivo subjacente ao franchising estivesse exclusivamente relacionado com um problema no acesso ao capital, então, faria mais sentido que o franqueador vendesse aos gestores dos pontos de venda uma carteira de participações sobre todas as unidades da empresa, em vez de optar por franquear as unidades. Os gestores, detentores desta carteira, teriam o seu risco diversificado e, portanto, exigiriam taxas de retorno inferiores às exigidas pelos franqueados, cujo risco não se encontra diversificado pois investem toda a sua riqueza pessoal numa única unidade. Desta forma, o franqueador pagaria um custo do capital inferior e o seu retorno seria superior. Assim, Xxxxx (1978) conclui que o argumento da restrição de capital não pode explicar a existência de contratos de franchising. Os trabalhos empíricos realizados por Xxxxxxxx e Dark (1987), Xxxxxxxx et al. (1991), Xxxxxxxxxx (1992) e Xxxxx (1995) suportam esta conclusão, demonstrando que quanto maior o investimento inicial, menor a percentagem de unidades franqueadas. Apesar do trabalho de Xxxxx (1978) ter questionado fortemente o argumento financeiro, a opinião dos autores que abordam a questão do custo do capital obtido através do franchising, parece ir no sentido de aceitar que o capital do franqueado é mais barato ou mais eficiente do que o proveniente de outras fontes. Em particular, o franchising pode ser uma fonte de capital mais barata ou mais eficiente por ser uma
fonte de capital híbrida – o franqueado fornece capital e trabalho em simultâneo (Norton, 1988; Xxxxxx e Xxxxxxxxxx, 1991). Por outro lado, o capital obtido através do franchising pode ser mais barato se existirem problemas de incentivo ao nível da unidade (Lafontaine, 1992). Finalmente, a assimetria de informação entre o proprietário e o financiador do projecto também pode justificar que o capital fornecido pelo franqueado surja como a alternativa mais barata (Combs e Ketchen, 1999).
Xxxxxx (1995) analisa a relação entre as variáveis que afectam a estrutura de capitais da empresa e a percentagem de unidades franqueadas, procurando determinar se existe alguma ligação entre ambas. Norton (1995) analisa os avanços recentes da Teoria Financeira no que se refere à estrutura de capital da empresa, identificando algumas características que originam custos de capital próprio ou alheio mais elevados – como a existência de assimetria de informação (Myers, 1984), de um grande número de oportunidades de crescimento (Myers, 1977), de um peso elevado dos activos intangíveis (Long e Malitz, 1985) ou de activos específicos (Williamson, 1988). Vários trabalhos empíricos documentam a presença destes factores em actividades em que o franchising é muito utilizado. Xxxxxx e Xxxxxx (1993) demonstram que as empresas franqueadoras são influenciadas pela assimetria de informação. Xxxxxx (1988), Xxxxxxxxxx (1992), Xxxxxx e Xxxxxxxxxx (1991) e Xxxxxx e Xxxxxx (1993) documentam que os contratos de franchising são mais comuns quando existe um crescimento acelerado. Xxxxx (1978), Xxxxxxxxx e Xxxxxx (1985), Klein (1980) e Xxxxx e Leffler (1981) sublinham a importância de activos intangíveis, como o valor da marca e da reputação, para as empresas franqueadoras. Xxxxxxxx e Dark (1987) e Xxxxx (1995) evidenciam que as cadeias franqueadoras possuem uma elevada percentagem de activos específicos.
Neste contexto, Norton (1995) analisa a relação entre a estrutura de capital da empresa e a percentagem de unidades franqueadas, utilizando uma amostra constituída por cinquenta empresas, das quais vinte e cinco são empresas franqueadoras. Xxxxxx (1995) relaciona o rácio Debt-to-Equity da empresa com uma variável dummy associada à utilização do franchising. De acordo com Xxxxxx (1995), os resultados deste estudo empírico comprovam que o franchising é um aspecto relevante na estrutura de capital da empresa franqueadora, contudo, este trabalho não demonstra como o franchising fornece capital a um custo inferior.
Mas, esta perspectiva não se resume às limitações de capital impostas ao crescimento. A perspectiva dos Recursos da Empresa do Franchising prevê também a limitação de outros recursos que justificam a existência do franchising, nomeadamente a necessidade de obter informação sobre os mercados locais (Xxxxxxxxx e Xxxxx, 1969; Minkler, 1990) e limitações a nível dos recursos humanos de gestão (Xxxxxxxxx e Xxxxx, 1969; Xxxxxx, 1988; Xxxxxxxx 1994).
Minkler (1990) defende que, com o objectivo de maximizar o lucro, os franqueadores necessitam de informação sobre os mercados locais. Mas a aquisição dessa informação pode ter custos muito elevados. Através do franchising, o franqueador obtém a informação necessária sobre esses mercados, a um custo inferior, nomeadamente informação sobre os melhores inputs, os melhores processos de produção e as melhores estratégias de marketing. Este autor realiza um estudo empírico onde conclui que a percentagem de unidades integradas (1) aumenta com a experiência do franqueador num determinado mercado que, portanto, se tornou conhecido e (2) diminui com a distância até à sede, uma vez que quanto mais distante for um mercado também mais desconhecido será.
Xxxxxxxxx e Xxxxx (1969) consideram que o franchising serve para contornar limitações ao crescimento impostas não só pelas limitações de capital e pelo desconhecimento sobre o mercado local mas também pela dificuldade de obter ‘gestores talentosos’7. Como já foi referido, os resultados obtidos no trabalho empírico de Xxxxxx (1988) demonstram que quanto maior a taxa de crescimento da empresa franqueadora, maior a percentagem de unidades franqueadas. Xxxxxx (1988, p.213) argumenta que estes resultados podem estar relacionados com o facto de ser mais caro obter ‘gestores locais talentosos e não prevaricadores’ do que franqueados com ‘entrepreneurial skills’8. Finalmente, Xxxxxxxx (1994) verifica uma tendência, ainda que ligeira, no sentido da conversão das unidades franqueadas em unidades integradas. Este autor atribui este resultado à existência de um constrangimento do tipo penrosiano ao
7 Xxxxxxxxx and Xxxxx (1969) referem-se a ‘managerial talent’ e a ‘managerial skill’. Xxxxxx (1988) refere-se a ‘talented managers’.
8 Também Xxxxxxxxxx (1992) obtem resultados que indicam que quanto maior o crescimento da cadeia maior a percentagem de unidades franqueadas. Xxxxxxxxxx (1992) não exclui completamente a hipótese deste resultado estar relacionado com restrições a nível de gestão. A autora refere ainda que, nas entrevistas que realizou a franqueadores norte-americanos, mais de 10% dos entrevistados considera que o franchising permite reduzir os custos fixos administrativos.
crescimento. Segundo Xxxxxxxx (1994, pp. 215), “a utilização do franchising para contornar uma restrição penrosiana ao crescimento (…) [poderá ser] uma explicação mais plausível para qualquer efeito de ciclo de vida do que argumentos de fornecimento de capital”. Mais concretamente (pp.208), “o franchising economiza trabalho de gestão e, portanto, contorna uma restrição do tipo penrosiano (1959) à expansão. Como o limite penrosiano retrocede com o tempo, as vantagens comparativas alteram-se em direcção à propriedade pela empresa [franqueadora] e o ciclo de vida [do franchising] é gerado.”
As críticas a esta Perspectiva são, essencialmente, direccionadas às restrições de natureza financeira – de onde se destaca a realizada por Xxxxx (1978), em parte talvez por este ter sido o argumento, dentro desta Teoria, com maior preponderância na literatura. Contudo, é possível identificar outras limitações desta abordagem baseada na Teoria dos Recursos da Empresa. Em primeiro lugar, o pressuposto base da Teoria reside na existência de restrições de recursos enfrentadas por empresas jovens e de pequena dimensão. No entanto, a análise de casos concretos permite concluir que o franchising não está limitado a este tipo de empresas, sendo utilizado por cadeias de grande dimensão e maturidade, como o caso emblemático da McDonald’s (Xxxxxxxx et al., 1991; Lafontaine, 1992). Também a ideia de que a exploração directa de todas as unidades seria a opção preferencial, caso não existissem restrições de recursos, é contestada por inquéritos realizados aos franqueadores (Xxxxxxxxxx e Kaufmann, 1994).
Associada a estes pressupostos, surge o conceito do ciclo de vida do franchising, cuja existência é documentada por vários estudos empíricos. Xxxx (1973), Xxxxx e Xxxxxx (1976), Xxxxxxx (1990), Xxxxxx e Xxxxxxxxxx (1991) e Xxxxxxxx (1994), entre outros autores, comprovam empiricamente a existência desta tendência. Apesar de não estarem totalmente de acordo quanto às razões que lhe estão subjacentes, todos concordam que, numa fase inicial, a empresa opta pelo franchising como forma de contornar restrições de recursos, que condicionam o seu crescimento.
No entanto, alguns autores como Xxxxxx (1988), Xxxxxxxxxx (1992) e Xxxxx (1995), identificam uma tendência inversa, no sentido da diminuição do número de unidades integradas verticalmente, o que levanta algumas interrogações quanto a universalidade do teorizado pela Perspectiva da Limitação dos Recursos. Xxxxxx (1988)
atribui estes resultados ao facto de, com o passar do tempo, a reputação do franqueador aumentar. De acordo com Xxxxxxxxx e Winter (1985), na fase de maturidade, os franqueadores de boa reputação desfrutam da existência de filas de espera de potenciais franqueados. Assim sendo, os franqueadores maduros podem ser mais selectivos e apenas explorar directamente as unidades mais rentáveis e as de menor risco, franqueando as restantes. Também para Xxxxx (1995), os franqueadores mais maduros têm melhor reputação e, portanto, não necessitam de garantir aos franqueados o seu empenho na gestão da marca, explorando directamente as unidades. Xxxxxxxxxx (1992) avança com três possíveis justificações para esta tendência. Primeiro, numa fase inicial da cadeia, os franqueadores podem ter dificuldade em obter franqueados e, portanto, recorrem ao crescimento via unidades integradas. Segundo, com o passar do tempo, aumenta a importância dos inputs do franqueado e, portanto, o franqueador tende a recorrer mais ao franchise das unidades. Finalmente, o franqueador mais maduro, devido à sua reputação, já não necessita de sinalizar a qualidade do franchise aos potenciais franqueados.
Finalmente, a maioria dos trabalhos empíricos contestam esta perspectiva em prol da Teoria da Agência (Xxxxxxxx e Dark, 1987; Xxxxxx, 1988; Xxxxxxxx et al., 1991). Note-se, contudo, que a maioria destes estudos limita-se a testar hipóteses relacionadas com restrições de capital do franqueador, relacionando a percentagem de unidades franqueadas com variáveis como o investimento inicial por unidade ou as condições no mercado de crédito. Existem, no entanto, autores que consideram que o franchising é melhor explicado se se combinarem as duas teorias, como se verá no ponto seguinte.
Síntese
Nesta secção, a literatura sobre a Teoria dos Recursos da Empresa do Franchising foi revista. Esta teoria assenta em quatro pontos fundamentais. Em primeiro lugar, o franqueador tem uma preferência pela integração vertical e apenas recorre ao franchising como forma de contornar a falta de recursos – destacando-se os recursos financeiros, os recursos humanos de gestão e a informação local – que constrangem o seu crescimento. Segundo, o franqueador tem urgência em crescer e atingir um determinado ponto crítico como forma de se proteger dos seus concorrentes.
Terceiro, com o amadurecimento da cadeia, e tendo atingido o ponto crítico referido, o franqueador acumulou recursos ou consegue obtê-los mais facilmente. Consequentemente, tendo como objectivo aumentar os seus lucros, o franqueador recompra as unidades anteriormente franqueadas. Quarto, esta tendência no sentido da recompra das unidades à medida que a cadeia vai amadurecendo, dá origem à existência de um ciclo de vida do franchising. Com o tempo, as cadeias franqueadas tenderão a converter-se em empresas integradas (e.g. Xxxxxxxxx e Xxxxx, 1969).
Entre os vários argumentos apresentados por esta teoria, o debate sobre as restrições de capital do franqueador parecem destacar-se na literatura. Por um lado, quer a maior parte dos estudos empíricos realizados, quer as maiores críticas que são apontadas a esta teoria, incidem sobre as limitações de ordem financeira. Apesar de a crítica elaborada por Xxxxx, em 1978, ter questionado fortemente o argumento financeiro e ganho muitos defensores, o debate não se encontra totalmente encerrado. Alguns autores continuam a procurar explicar porque razão o capital fornecido pelos franqueados é mais barato do que o proveniente de outras fontes de financiamento (e.g. Xxxxxx e Xxxxxxxxxx, 1991).
No entanto, os argumentos apresentados pela Teoria dos Recursos do Franchising não referem apenas limitações de natureza financeira, mas também a falta de informação sobre o mercado local e a falta de recursos humanos de gestão. Alguns estudos empíricos comprovam a importância destas restrições (e.g. Xxxxxxx, 1990 e Thompson, 1994).
Finalmente, nesta secção revimos algumas críticas a esta Teoria, nomeadamente as que são apresentadas pelos autores defensores da Teoria de Agência do Franchising, destacando-se o facto da literatura empírica obter resultados contraditórios quanto à possível existência de um ciclo de vida, o que é reforçado pelo facto de o franchising não ser apenas utilizado por pequenas empresas imaturas, com limitações de recursos, mas também por multinacionais como a McDonald’s (e.g. Lafontaine, 1992).
2.2. A Teoria da Agência
Nesta secção, apresenta-se a perspectiva da Teoria da Agência relativamente ao franchising. O franchising é apresentado como um mecanismo que permite reduzir custos de agência associados à supervisão de unidades localizadas em zonas de acesso difícil. No entanto, a opção pelo franchising também tem custos de agência. O trade-off entre estes diferentes custos de agência – os associados a um agente-empregado e a um agente-franqueado – é apresentado, bem como a forma como este influencia a decisão da empresa relativamente à forma como irá explorar uma determinada unidade. Em seguida, revê-se um conjunto de estudos empíricos que testam as hipóteses da Teoria da Agência relativas a essa decisão e ainda um outro grupo (bastante mais reduzido) de trabalhos que procura combinar elementos da Teoria da Agência e da Teoria dos Recursos da Empresa. Finalizamos a secção com uma revisão de alguns pontos, documentados por vários autores, onde a Teoria da Agência parece não explicar a complexidade dos contratos de franchising.
Esta Teoria parte do pressuposto de que uma empresa franqueadora possui uma ‘marca conhecida’9 que garante a uniformidade das características, nomeadamente da qualidade de determinado produto e/ou serviço (Brickley e Dark, 1987). O franchising é comum em empresas onde a gestão da marca é feita centralmente, mas a produção e/ou distribuição dessa marca é feita de forma descentralizada (Scott, 1995). Esta situação levanta o problema da manutenção da imagem e qualidade da marca. A empresa tem
9 Nesta literatura, surgem expressões como ‘identifiable brandname’, ‘brand name capital’, ‘strenght of the brandname’ e ‘trademark value’ ou ‘tradename value’, nem sempre definidas pelos autores. Segundo Xxxxxxxx e Dark (1987, pp.403), “Companies involved in franchising generally have identifiable brandnames that help to assure the customer of uniform product quality”. Xxxxxx (1988, pp.203) define ‘brand name capital’ como “specific assets acquired by a firm that signal that its selling prices are justified by their quality level and that provide information value to consumers”. O autor dá como exemplos o logótipo do Holiday Inn e os arcos amarelos da McDonald’s. Minkler e Park (1994, pp.411) consideram o marketing e as campanhas de publicidade como “methods available to franchisors to increase investments in brandname capital”. ‘Trademark value’ surge também por exemplo em Minkler e Park (1994). Xxxxxx (1988, pp.211) refere que “some of the more successful franchise systems are known for the unusual strength of their brand names and their advertising and promotional expenditures”. Xxxxxxxxxx (1992, pp.273) refere que o franqueador “provides a trade name and sees to it that its value is preserved or enhanced. This includes ongoing advertising as well as monitoring of both franchisees and outlet managers”. A discussão relativa a estes conceitos encontra-se fora do âmbito deste trabalho, limitamo-nos, por isso, unicamente a apresentá-los.
vários pontos de venda ou unidades, onde os clientes esperam obter o produto ou serviço, em tudo idêntico ao definido pela marca. No entanto, nem todos os empregados da empresa ajustam o seu nível de esforço ao necessário para manter a reputação da marca. Assim, um dos maiores problemas, enfrentados por estas empresas, é o controlo das acções dos agentes que podem danificar a imagem da marca da cadeia (Brickley e Dark, 1987).
Xxxxx (1978) é o primeiro autor a defender que os contratos de franchising surgem como um mecanismo que permite resolver problemas da supervisão e controlo dentro da empresa. Xxxxxxxx e Dark (1987) distinguem três tipos de prevaricação do agente: diminuição do nível de esforço (shirking), retirar vantagens adicionais10 (perquisite-taking) e redução da qualidade dos inputs (free-riding). Para Xxxxxxxx et al. (1991), o franchising é um método de incorporação, pelo agente, dos custos da sua prevaricação. Na opinião destes autores, o gestor de uma unidade integrada verticalmente tem um incentivo maior do que o do franqueado para a prevaricação11. Como a remuneração do gestor-empregado é essencialmente fixa, este não suporta a totalidade dos custos e dos benefícios das suas acções. No entanto, as acções do franqueado, que é gestor-proprietário do ponto de venda, ao influenciarem o valor da unidade, reflectem-se na sua riqueza pessoal. Brickley e Dark (1987) justificam a existência de contratos de franchising pela sua contribuição para a resolução de problemas de agência em unidades onde os custos de supervisão são elevados, nomeadamente em unidades de acesso difícil.
No entanto, a literatura apresenta, também, um conjunto de problemas de agência associados à utilização do franchising, quer do lado do agente, quer do principal. Por um lado, o franqueado tem um incentivo para adoptar um comportamento de free-rider, andando à “boleia” quer na marca, quer no esforço dos outros franqueados. O free-riding na marca acontece quando o franqueado diminui a qualidade dos inputs, captando totalmente os benefícios decorrentes desse comportamento, mas partilhando os custos correspondentes quer com o franqueador, quer com os restantes franqueados12 (Brickley e Dark, 1987). Numa unidade onde existem poucos clientes
10 Por exemplo, oferecer um hamburguer a um amigo (Xxxxxxxx e Dark, 1987).
11 Em concreto, o gestor-empregado tem um incentivo maior do que o do franqueado para a prevaricação do tipo shirking ou perquisite-taking.
12 O gestor-empregado também pode ter um incentivo para reduzir a qualidade dos inputs. Este incentivo será tanto maior, quanto maior for a componente variável do seu salário (Xxxxxxxx e Dark, 1987).
habituais13, se o franqueado reduzir a qualidade dos inputs, e consequentemente do produto, o ganho resultante da redução do custo beneficiará apenas o gestor-proprietário dessa unidade. Mas, o custo da perda potencial dos clientes insatisfeitos é partilhado pelo franqueador e pelos franqueados de todas as unidades14. Como resultado do comportamento de free-riding do franqueado, o franqueador tem que se preocupar com a sua supervisão que, contudo, é menos dispendiosa do que a monitorização dos gestores-empregados, por não exigir a deslocação até à unidade. O franqueador pode controlar o nível da qualidade dos inputs do franqueado através de mecanismos como multas, relatórios de fornecimentos ou análise de amostras do produto, que não implicam a supervisão in loco e, portanto, são menos dispendiosos. Por outro lado, para o franqueador, a prevaricação do franqueado tem um custo inferior à do gestor da unidade, uma vez que parte desse custo é assumido pelo próprio franqueado, bem como pelos restantes.
Um segundo tipo de free-riding ocorre quando um franqueado beneficia unilateralmente do esforço dos outros franqueados. Este problema não afecta o franqueador, mas apenas os franqueados, e talvez por isso, não é muito referenciado na literatura. Xxxxx (1995) descreve-o, recorrendo ao exemplo de alguns concessionários de marcas automóveis que, durante os anos 60, não possuíam um stand e vendiam por catálogo. Os clientes potenciais observavam as viaturas nos stands dos concessionários concorrentes e, posteriormente, compravam nos concessionários que, por não prestarem o serviço pré-venda, tinham custos de estrutura inferiores e, portanto, podiam praticar preços mais competitivos.
Do lado do franqueado, existe ainda o problema do sub-investimento, associado ao facto do investimento do franqueado não se encontrar diversificado e, portanto, este assumir o risco de forma ineficiente. Normalmente, o franqueado investe a maior parte, ou mesmo todo o seu capital, numa única unidade (Rubin, 1978). Assim, ao contrário de um investidor diversificado, que apenas se preocupa com o risco sistemático, o
13 Brickley e Dark (1987) consideram que em algumas unidades, quer devido ao tipo de actividade ou à localização, existem poucos clientes habituais. Os autores exemplificam com o caso das unidades que se localizam perto de auto-estradas. Xxxxx (1978), Xxxxx (1980), Xxxxx e Leffler (1981), Xxxxx e Saft (1985) e Xxxxxxxxx e Winter (1985) também analisam esta relação.
14 É possível que o franqueado da unidade que se situa perto da residência do cliente insatisfeito seja o mais afectado por essa diminuição do nível de qualidade.
franqueado tem que se preocupar com o risco total15, quando avalia um investimento. Assim sendo, com tudo o resto constante, o custo de oportunidade do seu capital é superior ao de um investidor diversificado, como por exemplo o franqueador, cujos fluxos de caixa são provenientes de várias unidades com localização, risco e retorno esperado diferentes. Neste contexto, é possível que o mesmo projecto seja viável financeiramente se for realizado pelo franqueador, mas se demonstre inviável, quando realizado pelo franqueado, conduzindo a uma situação de sub-investimento (Brickley e Dark, 1987).
Do outro lado, o franqueador tem um incentivo para diminuir o seu investimento na manutenção da marca, por exemplo reduzindo as despesas com a publicidade ou com a supervisão dos franqueados, sempre que os benefícios do seu esforço reverterem, em primeiro lugar, para os franqueados. De acordo com Xxxxxxxx e Dark (1987), existem três situações em que este incentivo é menos forte: quando o franqueador se preocupa com a manutenção da sua reputação pois pretende continuar a franquear no futuro, quando há lugar ao pagamento de royalties e quando existem unidades integradas verticalmente.
Finalmente, os contratos de franchising possibilitam um comportamento oportunista por parte do franqueador16, dada a existência de activos específicos do franqueado. Quando o franqueado é obrigado a investir em activos específicos, o franqueador pode apropriar-se da quasi-renda17 gerada por esses activos, através de um comportamento oportunista pós-contratual18. A probabilidade deste comportamento se
15 De acordo com a Teoria das Carteiras de Markowitz (1952), o risco total de um investimento tem duas parcelas, o risco sistemático ou de mercado e o risco não sistemático ou específico. Através da diversificação do investimento, constituindo uma carteira de activos negativamente correlacionados, é possível eliminar o risco específico, e desta forma reduzir o risco total. Partindo do pressuposto de que o investidor é racional e avesso ao risco e, portanto, diversifica os seus investimentos, Sharpe (1964), Xxxxxxx (1965), Mossin (1966) e Black (1972) desenvolvem o Modelo de Avaliação de Activos Financeiros. Neste modelo, o retorno exigido pelo investidor diversificado é composto pela taxa de juro de um investimento sem risco e por um prémio de risco que é função do risco sistemático do investimento.
16 Também existe a possibilidade de um comportamento oportunista por parte do franqueado, mas este é menos provável (Xxxxxxx e Dark, 1987).
17 A quasi-renda é a diferença entre o valor do activo utilizado para o fim proposto e o seu valor utilizado em usos alternativos. Por definição, a existência de activos específicos gera quasi-rendas (Xxxxx et al., 1978).
18 Neste contexto, de acordo com a Teoria dos Custos de Transacção, num contrato de franchising, o comportamento oportunista, por parte do franqueador, é controlado pelo impacto que a sua adopção teria na sua reputação. Ao adoptar um comportamento oportunista, em relação aos activos específicos de um franqueado, o franqueador não só perderia grande parte dos seus franqueados actuais, como teria dificuldade em recrutar novos franqueados no futuro (Dnes, 1996).
verificar aumenta com o montante de activos específicos que o franqueado tem de adquirir.
Este problema é exemplificado por Xxxxxxxx e Dark (1987). Um franqueado é obrigado a construir um edifício que é um símbolo distintivo da marca franqueada e cujo valor em utilizações alternativas, devido à sua especificidade, é muito baixo. Mas, antes do fim do período de vida útil do edifício, o franqueador tem a possibilidade de lhe retirar o direito ao uso da marca, não renovando o contrato. Se assim for, no momento da renovação, o franqueador estará em condições para exigir ao franqueado, o pagamento de um direito de ingresso superior, que este aceitará pagar. Desta forma, o franqueador apropria-se de parte da quasi-renda criada pelo edifício do franqueado. Como resultado, quando existem investimentos elevados em activos específicos e, portanto, a probabilidade do franqueador adoptar um comportamento oportunista é grande, os franqueados exigem taxas de retorno superiores e os franqueadores têm mais dificuldade em atrair franqueados (Carney e Xxxxxxxxxx, 1991).
Neste contexto, a opção entre franquear ou explorar directamente as unidades envolve um trade-off entre custos de agência. Por um lado, as unidades franqueadas são preferíveis em localizações onde o custo da supervisão in loco é superior (unidades distantes da sede; unidades localizadas em zonas rurais de acesso difícil). As unidades integradas verticalmente são mais vantajosas quando o incentivo do franqueado para o free-riding é maior (onde não existem muitos clientes habituais, como por exemplo em localizações perto de auto-estradas), o risco do investimento do franqueado é elevado e quando existe um grande investimento do franqueado em activos específicos (Brickley e Dark, 1987; Xxxxxx e Gedajlovic, 1991)19.
19 Mas, o franqueado também pode assumir um comportamento oportunista, no caso de o franqueador possuir activos específicos importantes e valiosos. Assim, alguns autores defendem que, nessas situações a integração vertical é a melhor opção (Combs e Ketchen, 1999; Xxxxxxx e Park, 1994).
A perspectiva da Teoria de Agência sobre o Franchising encontra-se esquematizada na Figura 2.
Essa prevaricação destrói o valor da marca
Possui uma marca forte
Empregados têm um incentivo para a prevaricação
Figura 2 - A Perspectiva da TA sobre o Franchising
Empresa Franqueadora
Franchising surge como forma de reduzir os custos da
prevaricação dos gestores-empregados
A forma plural é o resultado da existência de um trade-off entre custos de agência
A opção entre integrar ou franquear uma unidade depende da maior ou menor predominância das variáveis que Influenciam a prevaricação do
gestor-emporegado e do franqueado
Os franqueados também têm um incentivo para a prevaricação
Vários estudos empíricos testaram as hipóteses da Teoria da Agência relativas à escolha entre unidades franqueadas e unidades integradas verticalmente. Por exemplo, Xxxxxx (1988) e Xxxxx (1995) utilizam a relação capital/trabalho para avaliarem a dificuldade de supervisão das actividades e relacionam-na com a proporção de unidades franqueadas. Como se disse anteriormente, de acordo com esta perspectiva, quando mais difícil for a supervisão in loco das unidades, maior deverá ser a propensão para o franchising. De acordo com o esperado, os autores constatam que quanto maior o rácio capital/trabalho, maior a percentagem das unidades próprias. Xxxxxx (1988, pp.202) justifica os resultados argumentando que “as máquinas não prevaricam”.
Utilizando estimadores como a dispersão geográfica, a percentagem de unidades no estrangeiro, o número de estados norte-americanos onde a marca opera, a percentagem da população que vive fora da área metropolitana, a distância até à sede, a densidade populacional e a concentração do número de unidades, Brickley e Dark (1987), Norton (1988), Minkler (1990), Brickley et al. (1991), Xxxxxxxxxx (1992), Xxxxx (1995), Xxxxx e Ketchen (1999) e Xxxxxxxxx et al. (2003) comprovaram a relação directa entre a dificuldade de monitorizar in loco as unidades e a proporção de pontos de venda franqueados.
Note-se, contudo, que Xxxxxxxxx et al. (2003) obtêm resultados contraditórios. Por um lado, os resultados que obtêm, em três dos quatro modelos que utilizam, comprovam que, em mercados urbanos, onde existe maior densidade populacional, existe uma maior percentagem de unidades integradas verticalmente. Este resultado está de acordo com a teoria, uma vez que se pressupõe que estes mercados têm melhores vias de comunicação e, portanto, um acesso mais fácil, pelo que os custos de monitorização in loco são inferiores. Alguns autores referem ainda que, nestes mercados, existe uma maior concentração das unidades e, portanto, também esse factor contribui para a redução dos custos de monitorização. Por outro lado, ao contrário do previsto, a variável ‘distância até à sede’ não obteve os resultados esperados. Teoricamente, as unidades integradas verticalmente situam-se perto da sede, onde os custos de supervisão in loco são inferiores. De acordo com este pressuposto, seria expectável que quanto maior a distância até à sede, maior a dificuldade de supervisão e, portanto, maior a percentagem de unidades franqueadas. No entanto, os autores não obtêm resultados consistentes com este pressuposto. Os autores consideram que o desenvolvimento de novos instrumentos de controlo à distância – como por exemplo o correio electrónico, a internet e melhores vias de comunicações – justificam este resultado.
De acordo com a Perspectiva de Agência, deverá existir uma maior propensão para explorar directamente os pontos de venda situados perto de auto-estradas, uma vez que, nestas unidades, deverão existir menos clientes habituais, o que incentivará o free- riding do franqueado. O trabalho empírico de Xxxxxxxx e Dark (1987) não é consistente com esta hipótese. No entanto, os autores explicam os resultados obtidos. As auto- estradas podem permitir um acesso mais rápido aos residentes, o que implica que exista um número elevado de clientes habituais nestas unidades, ao contrário do inicialmente previsto. Por outro lado, os custos de supervisão podem ser superiores em unidades perto de auto-estradas devido a uma menor concentração de unidades e a uma procura mais estocástica. Por último, os custos relacionados com o sub-investimento do franqueado podem ser inferiores, porque pode existir a uma menor dependência da economia local, o que diminui o risco do investimento do franqueado. Xxxxxxxx et al. (1991) comparam a intensidade da utilização do franchising em indústrias com clientes habituais e em sectores como a restauração, a indústria hoteleira, agências de aluguer de
automóveis e parques de campismo, onde os autores consideram que não existem muitos clientes habituais na mesma unidade. Tal como o previsto pela teoria, nestas indústrias, a integração vertical é a alternativa preferida. Dahlstrom et al. (2003), realizam um estudo na indústria hoteleira norueguesa e não validam a hipótese de que os hotéis, localizados em zonas onde existem muitos clientes não regulares, tendam a ser integrados verticalmente.
As unidades integradas verticalmente deverão também ser mais vantajosas quando o risco do investimento do franqueado é elevado. Contrariamente aos resultados obtidos por Xxxxxxxx e Dark (1987)20, Norton (1988) e Xxxxxxxxxx (1992) analisam a relação entre o risco do investimento e a proporção de unidades franqueadas, utilizando a volatilidade das vendas e a percentagem de unidades fechadas no sector, e não obtêm resultados consistentes com a teoria. Note-se, contudo, que Xxxxxx (1988) considera que a maior variabilidade da procura, torna mais difícil a supervisão e, portanto, neste contexto, o franchising surge como a melhor alternativa.
Xxxxxxxx e Dark (1987) e Xxxxx (1995) utilizam o montante do investimento inicial exigido a um franqueado, como medida da especificidade do seu investimento (Mathewson e Winter, 1985). Como foi referido, quando existe um grande investimento do franqueado em activos específicos, as unidades integradas verticalmente deverão ser as mais vantajosas. De acordo com o previsto teoricamente, os autores concluem que a percentagem de unidades franqueadas diminui quando aumenta a probabilidade de oportunismo por parte do franqueador. Pelo contrário, Combs e Ketchen (1999) encontram uma relação directa entre a especificidade dos activos da unidade e a proporção de unidades franqueadas. No entanto, na sua opinião, este resultado é consistente com a Teoria da Agência. Existindo a possibilidade, por um lado, de o franqueador deixar de investir na marca e, por outro lado, de o franqueado oferecer uma qualidade inferior aos clientes, torna-se necessário que ambas as partes dêem uma garantia do seu empenho na relação. O franqueador demonstra-o através da propriedade de unidades integradas e oferecendo um esquema de partilha de lucros: o pagamento de royalties. Por outro lado, o franqueado demonstra o seu empenho, investindo num um
20 Brickley e Dark (1987) utilizam o montante do investimento inicial, exigido ao franqueado, como medida do risco e verificam que à medida que este aumenta, diminui a percentagem de unidades franqueadas.
montante elevado em activos específicos que poderão ser perdidos, no caso de prevaricar.
Mas, se existirem montantes importantes de activos específicos do franqueador, o oportunismo do franqueado é igualmente possível. Também nesse caso, as unidades integradas são as mais vantajosas. A literatura empírica suporta esta hipótese, a percentagem de unidades franqueadas diminui, quanto maior for o conhecimento específico do franqueador (Combs e Ketchen, 1999) e quanto maior o valor da marca (Minkler e Park, 1994). Xxxxxx (1988), contudo, obtém resultados diferentes relativos ao valor da marca. Para o autor, quanto maior o valor da marca, maior o custo decorrente da prevaricação do gestor da unidade e, portanto, maior a percentagem de unidades franqueadas.
De acordo com a Teoria da Agência, quanto maior a importância dos inputs do franqueador, maior a percentagem de unidades integradas. Lafontaine (1992) utiliza o número de unidades da cadeia, o número de semanas de formação concedida ao franqueado e o rácio (número de anos sem franchising / número de anos no negócio), como medidas da importância dos inputs do franqueador, e obtém resultados de acordo com o previsto. A autora usa ainda o número de anos no negócio, como uma quarta variável, mas não obtém os resultados esperados. Xxxxx (1995) obtém um resultado semelhante e conclui que quanto mais madura for a cadeia, melhor a sua reputação e, portanto, não necessita de sinalizar ao franqueado o seu empenho na gestão da marca, através da propriedade das unidades.
Por outro lado, a percentagem de unidades franqueadas deverá aumentar com a importância dos inputs do franqueado. A dimensão das unidades franqueadas é testada empiricamente como uma medida da importância dos inputs do franqueado. Xxxxxxxxxx (1992) encontra uma relação não consistente com a teoria. Também Xxxxxxxxx et al. (2003) obtêm resultados semelhantes a Lafontaine (1992). No entanto, ao contrário da autora, estes autores consideram que quanto maior a dimensão da unidade, maior o risco. A integração vertical reduz o risco, quer devido ao facto do franqueador se encontrar diversificado, quer devido à protecção quanto ao oportunismo do franqueado, que se pode apoderar dos investimentos específicos locais do franqueador. Xxxxxx (1988), pelo contrário, conclui que quanto maior a dimensão da unidade, maior a
percentagem de unidades franqueadas, justificando o resultado com a dificuldade de encontrar gestores não prevaricadores.
Xxxxxx (1988) realiza um estudo empírico sobre a incidência dos contratos de franchising em três indústrias. Os resultados obtidos são diferentes em cada indústria, o que o leva a concluir que o franchising não pode ser explicado apenas por uma só teoria. Vários autores partilham da opinião de Xxxxxx e procuram combinar elementos da Teoria da Agência e da Teoria dos Recursos da Empresa, de forma a compreender melhor estes contratos.
Xxxxxx e Xxxxxxxxxx (1991) são os autores que, pela primeira vez, num estudo empírico, obtêm resultados que demonstram que as empresas com restrições a nível dos recursos tendem a utilizar mais os contratos de franchising do que outras comparativamente menos constrangidas. Estes resultados são independentes dos efeitos de agência, também considerados e detectados. Xxxxxx e Xxxxxx (1993) analisam a opção entre o franchising e a integração vertical. Os autores concluem que, no longo prazo, os contratos de franchising são mais eficientes devido aos problemas com a supervisão das unidades que se encontram dispersas geograficamente. No entanto, no curto prazo, a razão poderá ser diferente. Os custos de entrada no mercado, de onde se destacam os problemas relacionados com restrições de capital, tornam o franchising na solução eficiente no curto prazo. Xxxxxxxxxx (1992) demonstra que o franchising surge quando existem problemas de incentivo, mas as empresas também o utilizam para crescer mais depressa. Contudo, os recursos, cujas limitações o franchising ajuda contornar, podem, na opinião da autora, não ser de natureza financeira.
Marnoto (2000) estudou o caso das empresas franqueadoras portuguesas. Entre as principais conclusões de um inquérito realizado, encontrou-se o facto de, na opinião dos franqueadores nacionais, os factores de ordem financeira terem sido determinantes na sua opção pelo franchising. Mais concretamente, os resultados do inquérito indicaram que os franqueadores nacionais, no momento em que decidem iniciar o franchise da sua cadeia, valorizam aspectos de natureza financeira, enquanto que na decisão entre integrar ou não determinada unidade, são mais relevantes as considerações de agência. Neste estudo, utilizando uma amostra constituída por franqueadores nacionais, o modelo proposto por Xxxxxxxxxx (1992) foi testado. Os resultados obtidos,
através da estimação do referido modelo, confirmaram a complementaridade entre as variáveis relacionadas com as motivações de natureza financeira e as variáveis associadas aos factores de risco moral.
Também Combs e Castrogiovanni (1994) confirmam a complementaridade entre os elementos de agência e as restrições de recursos, na compreensão da emergência do franchising. Da mesma forma, Combs e Xxxxxxx (1999) demonstram que as variáveis relacionadas com a escassez de capital, em conjunto com as variáveis de agência, têm algum papel na explicação da opção pelo franchising.
Vários autores documentam alguns pontos onde a Teoria da Agência parece não captar, na totalidade, a complexidade dos contratos de franchising. Na verdade, a análise de casos concretos não contrasta, apenas, com o argumento da restrição de recursos, por não se encontrar limitado a pequenas empresas. Da mesma forma, também não valida o pressuposto básico da Teoria de Agência relativo à existência de uma ‘marca reconhecida’. Na verdade, o franchising é muito utilizado por empresas imaturas, que não possuem uma ‘marca reconhecida’, uma vez que a construção desta é um processo demorado (Carney e Gedajlovic, 1991). O caso português é um bom exemplo desta questão. Num estudo realizado em 2000, sobre as empresas franqueadoras nacionais, constatou-se que mais de 70% das empresas analisadas eram, à data, imaturas e apresentavam conceitos ainda pouco testados e desenvolvidos (Marnoto, 2000).
Por outro lado, a Teoria da Agência tem uma perspectiva estática sobre o franchising, não tendo em consideração a evolução do sistema ao longo do tempo (Xxxxxxxxxx e Kaufmann, 1994). A tendência no sentido da conversão das unidades franqueadas em unidades verticalmente integradas, a que a literatura chama ‘ciclo de vida’, não encontra enquadramento nesta perspectiva (Xxxxxx e Xxxxxxxxxx, 1991). Na verdade, se os problemas de agência são a razão motivadora do franchise, não será expectável a sua resolução com a maturidade da cadeia. Pelo contrário, o reconhecimento da marca, associado ao amadurecimento da cadeia, deveria tornar o franchising como uma alternativa mais apelativa, pois os custos da prevaricação do agente tenderiam a ser superiores. Ainda assim, Xxxxxxxx et al. (1991) procuram justificar esta conversão, argumentando que, com o tempo, aumenta a concentração de
unidades em determinadas zonas geográficas, o que faz diminuir os custos da supervisão in loco. Por outro lado, os autores argumentam, também, que se verificaram alterações na legislação, nos EUA, nos últimos anos, que tornaram o franchising numa opção menos vantajosa. Para Xxxxxxxxxx (1992), esta tendência resulta do facto de a maturidade da empresa e o reconhecimento da marca aumentarem o risco moral do lado do franqueador, razão que justifica a preferência pela exploração directa das unidades. Note-se, contudo, que Xxxxxxxxxx (1992) não obtém resultados consistentes com esta hipótese.
Finalmente, esta Teoria também não explica a razão da existência da forma plural. A opção pelo franchise de um determinado conceito não exclui a possibilidade de utilização da integração vertical. Na verdade, na maioria das redes franqueadas, coexistem pontos de venda integrados e franqueados. Xxxxxxxxxx (1992), por exemplo, relata que 80% das redes franqueadoras que constituíam a amostra do estudo empírico que realizou possuíam, simultaneamente, unidades franqueadas e unidades integradas verticalmente. Também de acordo com Xxxxxxxx e Xxxxxxxx (2001, pp. 714), apenas 11% das redes de restaurantes que estudaram seguiam uma estratégia de governo pura. Todas as outras redes combinavam unidades próprias e franqueadas de forma muito heterogénea. Numa perspectiva de agência, a forma plural deveria ser o resultado do trade-off entre custos de agência, já apresentado nesta secção. Contudo, esta teoria não justifica porque coexistem unidades franqueadas e unidades detidas pela empresa franqueadora na mesma localização (Minkler, 1990). Se, tal como a Teoria da Agência prevê, o franchising servisse como um meio de contornar custos de supervisão elevados, então não existiriam pontos de venda franqueados situados perto de pontos de venda integrados verticalmente, pois os custos de supervisionar estas unidades são idênticos.
Síntese
Nesta secção, revimos a literatura sobre a Teoria da Agência do Franchising. Esta teoria fundamenta-se no pressuposto de que a empresa franqueadora detém uma marca reconhecida e necessita proteger essa marca das acções dos agentes que a podem danificar. A teoria parte do pressuposto que o gestor de uma unidade integrada
verticalmente tem um incentivo maior do que o do franqueado para a prevaricação, porque não suporta a totalidade dos custos e dos benefícios das suas acções. Assim, o franchising surge como um mecanismo que permite reduzir os custos de agência, sendo especialmente importante em localizações de acesso difícil, onde os custos de supervisão são mais elevados (Brickley e Dark, 1987).
No entanto, a opção entre vender o franchise ou explorar directamente as unidades envolve um trade-off entre custos de agência, pois existe também um conjunto de problemas associados à utilização do franchising (Brickley e Dark, 1987). Do lado do franqueado, existe um incentivo para adoptar um comportamento de free-rider, andando à “boleia” quer na marca, quer no esforço dos outros franqueados. Existe ainda o problema do franqueado não ter uma carteira de investimentos diversificada e, portanto, assumir o risco de forma ineficiente, conduzindo a uma situação de sub- investimento. Do outro lado, o franqueador tem um incentivo para diminuir o seu investimento na manutenção da marca, por exemplo reduzindo as despesas com a publicidade ou com a supervisão dos franqueados. Finalmente, dada a existência de activos específicos do franqueado, o franqueador pode adoptar um comportamento oportunista.
Neste enquadramento, as unidades próprias são preferíveis quando o incentivo para o free-riding, o risco do investimento e o montante de investimento em activos específicos do franqueado são elevados. As unidades franqueadas são mais indicadas para localizações onde a supervisão in loco é mais difícil e mais cara. Nesta secção, apresentaram-se vários estudos empíricos que testaram hipóteses derivadas a partir desta teoria (Xxxxxxxx e Dark, 1987).
Nesta secção, foram também revistos alguns trabalhos que procuram conciliar a Perspectiva de Agência com a Teoria dos Recursos. De acordo com estes autores (e.g. Xxxxxx e Xxxxxx, 1993), quando são imaturas, as empresas adoptam o franchising como forma de contornar restrições de recursos (particularmente financeiros). Mais tarde, depois de amadurecerem, como têm melhor acesso aos recursos (por exemplo ao mercado de capitais), as empresas recorrem ao franchising como forma de reduzir custos de agência.
Por último, relembramos algumas críticas à Perspectiva da Agência, nomeadamente o facto desta teoria adoptar uma visão estática sobre o franchising (e.g. Xxxxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1994), não conseguir explicar a forma plural (Minkler, 1990) e o motivo porque o franchising é muito utilizado por empresas imaturas (Carney e Gedajlovic, 1991).
2.3. Análise Crítica das Teorias Tradicionais do Franchising
Xxxxxx (2003) considera que, nas últimas décadas, se observaram progressos notáveis na compreensão dos contratos de franchising. Vários “estudos teóricos e empíricos importantes forneceram explicações coerentes para a existência de canais de marketing franqueados e para a compreensão das condições que promovem a sua existência” (Norton, 2003, pp. 1). Várias características destes contratos foram objecto de análise, de onde Xxxxxx (2003) destaca a organização económica do franchising, a opção entre unidades detidas verticalmente e unidades franqueadas, a estrutura dos contratos de franchising, os determinantes dos franchise fees e dos royalties, a natureza dos procedimentos da cessação do contrato e o papel da estrutura de capital. Contudo, Norton (2003) argumenta que, apesar da enorme pesquisa sobre franchising, existem algumas lacunas importantes na sua compreensão.
Nas secções anteriores deste trabalho, apresentaram-se as críticas às Perspectivas da Limitação dos Recursos do Franqueador e de Agência, elaboradas quer pelos autores que defendem a Teoria concorrente, quer por aqueles que as procuram conciliar. Em síntese, por um lado, a Teoria dos Recursos é questionada por se fundar na noção de ‘ciclo de vida’ que parece não encontrar suporte empírico indubitável na literatura. Este facto é reforçado pelo facto de o franchising não ser apenas utilizado por pequenas empresas com limitações de recursos e ainda pelos inquéritos realizados aos franqueadores que não demonstram que a integração vertical das unidades seja a sua opção preferencial, no caso de não existirem restrições de recursos (e.g. Xxxxxx, 1988; Xxxxxxxx et al., 1991; Xxxxxxxxxx, 1992; Xxxxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1994; Xxxxx, 1995). Por outro lado, a Teoria da Agência é questionada por adoptar uma perspectiva estática sobre o franchising, por não conseguir explicar a forma plural e o motivo porque o franchising é muito utilizado por empresas imaturas (e.g. Xxxxxxx, 1990, Lafontaine, 1992; Xxxxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1994; Xxxxxx e Xxxxxxxxxx, 1991).
Nesta secção, estas inconsistências serão analisadas. Serão ainda discutidas outras limitações resultantes de uma abordagem diferente ao franchising – uma perspectiva relacional (ao estilo IMP Group) e de competências. Esta abordagem será apresentada no terceiro e quarto capítulos deste trabalho. A discussão destas
inconsistências e limitações é, pois, um dos pontos de partida da investigação que se descreve neste trabalho.
1. A emergência dos relacionamentos de franchising e os custos da produção:
Até perto do fim dos anos 70, a literatura sobre franchising desenvolveu-se em torno da Teoria de Recursos da Empresa. De acordo com esta teoria, as empresas quando desenvolvem um ‘conceito de negócio’ novo, necessitam de crescer rapidamente de forma a protegê-lo da concorrência. Mas, por vezes, estas empresas enfrentam limitações de recursos, em particular financeiros, que impedem esse crescimento. Este problema é especialmente relevante nas empresas jovens, que adoptam o franchising como forma de ultrapassar esse constrangimento (Caves e Murphy, 1976).
No entanto, desde da célebre crítica de Xxxxx (1978), e seguindo a mesma tendência da literatura sobre a Integração Vertical e as Fronteiras da Empresa, a literatura sobre franchising tem-se focalizado em questões relacionadas com alinhamento de incentivos, resolução de problemas de risco moral e oportunismo. Esta perspectiva assume que quando uma empresa tem uma marca reconhecida e de valor elevado, tem muitas vezes dificuldade em controlar as acções dos seus agentes, que podem prejudicar o valor dessa marca. Neste contexto, o franchising surge como uma forma de reduzir esses custos de agência (Xxxxx, 1978; Xxxxxxxx e Dark, 1987).
Mais recentemente, como resultado de evidência empírica contraditória, vários autores procuram conciliar as duas teorias. A análise de casos concretos permitiu concluir que o franchising é utilizado tanto por grandes empresas que possuem marcas de reputação internacional, como o caso da McDonald’s (Xxxxxxxx et al., 1991; Lafontaine, 1992), como também por empresas imaturas que ainda não possuem uma ‘marca forte’ (Carney e Gedajlovic, 1991, Marnoto, 2000). Esta evidência empírica parece demonstrar que nenhuma destas duas teorias consegue justificar plenamente a emergência deste tipo de relacionamentos. Assim, alguns autores propõem que, no início das suas vidas, as empresas tendem a utilizar o franchising como forma de ultrapassar limitações de capital. À medida que amadurecem e se torna mais fácil o
acesso a esses recursos, essas empresas adoptam o franchising como forma de atenuar conflitos de agência (Xxxxxx e Xxxxxx, 1993).
Porém, ao ignorarem os custos de produção, tanto a perspectiva conciliadora, como as teorias que a fundamentam – e particularmente a Teoria de Agência, que é a mais disseminada – assumem que o que uma empresa pode produzir, outra pode igualmente fabricar21. Ao negligenciarem o lado da produção, nomeadamente o papel dos custos de produção e da geração, transmissão e coordenação de conhecimento produtivo na economia, estas teorias não captam na totalidade a complexidade do franchising.
Não se pode deixar de notar, contudo, que a Teoria dos Recursos, de alguma forma, já incorpora esta preocupação, ao falar de recursos como management skills ou local knowledge (e.g. Xxxxxxxxx e Xxxxx, 1969; Minkler, 1990). Aliás, esta constatação não é de estranhar, uma vez que esta abordagem se baseia no trabalho de Xxxxxxx, que como se verá no próximo capítulo, se preocupa exactamente com esta questão. Contudo, os trabalhos elaborados nesta área preocupam-se fundamentalmente com um outro tipo de recursos: os financeiros.
2. A existência e dinâmica da forma plural:
Na prática, constata-se que a maioria das empresas franqueadoras explora directamente algumas unidades, o que está de acordo com a Teoria dos Recursos. Nesta perspectiva, caso não existissem restrições de recursos, o franqueador preferiria explorar directamente todas as unidades. Neste contexto, a forma plural pode ser vista como uma fase transitória, na vida da empresa, até que esta amadurece, ultrapassa os constrangimentos de recursos que a afectam e se converte numa empresa totalmente integrada. Este pressuposto não encontra, contudo, validação empírica nos poucos estudos que realizam inquéritos aos franqueadores. Nesses trabalhos, a maioria dos franqueadores não parece disposta a abandonar a estratégia de franchising, de forma definitiva (e.g. Xxxxxxxxxx e Kaufmann, 1994).
21 Xxx como Xxxxxxx (1988) argumenta, ainda que não se referindo ao fenómeno em estudo.
Ainda assim, a maioria dos trabalhos empíricos que se debruçam sobre a questão do ‘ciclo de vida do franchising’22, regista uma tendência no sentido da exploração directa associada ao amadurecimento da cadeia (Hunt, 1973; Xxxxx e Xxxxxx, 1976; Minkler; 1990; Xxxxxx e Xxxxxxxxxx, 1991; Xxxxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1994; Xxxxxxxx, 1994), tal como o previsto pelo argumento da restrição dos recursos do franqueador. No entanto, alguns autores encontram também uma tendência inversa, no sentido da diminuição do número de unidades integradas verticalmente (Xxxxxx, 1988, Xxxxxxxxxx, 1992, Xxxxx, 1995), o que questiona a veracidade dessa proposta teórica e, eventualmente, poderá apoiar a Teoria da Agência.
A este respeito, a Teoria da Agência tem-se focalizado na decisão entre franquear ou deter directamente uma determinada unidade. Neste enquadramento, a forma plural é o resultado da existência de um trade-off entre diversos custos de agência, onde a questão da localização geográfica das unidades assume relevância especial. De acordo com esta perspectiva, o amadurecimento da cadeia poderá conduzir a um maior número de unidades integradas, na medida em que o crescimento da cadeia conduzirá a uma maior concentração geográfica das unidades e a um menor custo de supervisão in loco. Mas, esta teoria procura explicar também o fenómeno oposto, o amadurecimento da cadeia poderá também fazer aumentar o número de unidades franqueadas pois a marca do franqueador valoriza-se, o que leva a que os custos decorrentes da prevaricação dos gestores-empregados sejam superiores. Apesar do trade-off entre custos de agência parecer obter suporte empírico em vários trabalhos, a Teoria da Agência não consegue explicar porque existem unidades franqueadas e unidades detidas pela empresa franqueadora na mesma localização (Minkler, 1990) 23.
Na verdade, a questão da existência e dinâmica da forma plural não parece estar resolvida. Os estudos empíricos são contraditórios, não apontando uma tendência clara num determinado sentido. Apesar da literatura sobre esta questão ser abundante, os estudos realizados são cross-section, devido à impossibilidade de analisar time-series
22 As teorias tradicionais, em particular a Teoria das Limitações de Recursos do Franqueador, utilizam a expressão ‘ciclo de vida do franchising’, para se referir a uma tendência na evolução da percentagem de unidades franqueadas da cadeia, à medida que a empresa vai amadurecendo. Esta deverá apontar no sentido da integração vertical. Neste trabalho, preferimos adoptar a expressão ‘dinâmica da forma plural’ ou ‘evolução do mix de unidades próprias e franqueadas’, por considerarmos que a existência do referido ciclo de vida não se encontra ainda comprovada.
23 Esta análise não perspectiva, por exemplo, a possibilidade de diferenças a nível da rendibilidade das várias unidades influenciarem a decisão do franqueador quanto à forma como estas serão exploradas.
por indisponibilidade de dados (Xxxxxxxxxx e Kaufmann, 1994). No entanto, tanto a evolução deste mix, como as razões que lhe estão subjacentes, poderão ser diferentes de indústria para indústria (e.g. Xxxxxx, 1988)24 e mudar com o tempo (e.g. Xxxxxxxxx e Xxxxx, 1969, Xxxxxx e Xxxxxx, 1994)25.
Mas, estas razões poderão variar não só entre indústrias e ao longo do tempo. Poderão também coexistir razões diferentes, em simultâneo, na mesma rede e no mesmo momento. Neste contexto, parece bastante interessante compreender como é que cada rede individual evolui, ao longo do tempo. Ou mais concretamente, que evolução se verifica no seu mix de unidades franqueadas / unidades integradas e que razões fundamentam essa dinâmica.
3. A dependência do percurso e a dinâmica do relacionamento e do sistema:
Esta questão está muito relacionada com a anterior. As teorias tradicionais têm sido criticadas por negligenciarem uma perspectiva longitudinal sobre o sistema, analisando os contratos de franchising num determinado momento do tempo. Croonen (2003), por exemplo, refere que as teorias tradicionais não analisam a dinâmica do relacionamento entre o franqueador e o franqueado. A forma como as partes da relação interagem ao longo do tempo, a forma como o relacionamento e o próprio sistema evolui, bem como a maneira como o percurso passado afecta essa evolução, não são consideradas. Mais concretamente, a importância da evolução do próprio sistema, isto é do conceito ou da marca, através de um processo de inovação, como o desenvolvimento
24 Ver secção 2.2.
25 Alguns autores aceitam a possibilidade destas razões variarem ao longo do tempo. Xxxxxxxxx e Xxxxx (1969) consideram que, numa fase inicial do ciclo de vida, os franqueadores vendem as unidades franqueadas como resultado de limitações de recursos. Com o amadurecimento da rede, os autores consideram que os franqueadores já não enfrentam constrangimentos ao crescimento, mas podem utilizar marginalmente o franchising em localizações pouco rentáveis. Xxxxxx e Xxxxxx (1994) consideram que, numa fase inicial, os franqueadores utilizam o franchising como forma de contornar restrições de liquidez e, mais tarde quando amadurecem, como forma de resolver problemas de agência.
de um novo produto ou processo também não é considerado (Allam, 2003; Croonen, 2003)26.
Ainda que concordando com as críticas de Xxxxxxx (2003), não devemos deixar de notar que a Teoria dos Recursos, em particular o conceito de ‘ciclo de vida’ que lhe está subjacente27, assume uma visão relativamente dinâmica do franchising, integrando o conceito de dependência do percurso, ainda que de forma um pouco implícita (e.g. Xxxxxxxxx e Xxxxx, 1969; Xxxxxxx, 1990; Xxxxxx e Xxxxxxxxxx, 199128). No entanto, nesta teoria, a análise dinâmica do trajecto da empresa apenas se realiza (de forma implícita) para justificar que, com o tempo, a acumulação de recursos leva a uma alteração na preferência do franqueador por unidades integradas verticalmente. Não existe, claramente, a preocupação em analisar o processo através do qual o conceito se desenvolve no tempo e as consequências em termos da difusão do conhecimento criado
– por exemplo em termos do paradoxo da estabilidade e mudança numa rede de empresas.
Na verdade, a empresa pode ser conceptualizada como uma base de conhecimento que depende do percurso que percorreu no passado (Xxxxxx e Winter, 1982). À medida que se vai desenvolvendo, a empresa adquire um conjunto de competências que deriva das suas actividades ao longo do tempo. Uma vez que estas competências se acumulam e desenvolvem através de um processo prolongado de aprendizagem, estas dependem do percurso da empresa. Assim esse percurso não só determina as competências presentes da empresa, como limita o seu desenvolvimento futuro (Dosi et al., 2000). Mas, não são só as competências da empresa que dependem do seu percurso. Também os relacionamentos presentes da empresa são o produto do passado e o seu desenvolvimento futuro depende do presente. Finalmente, este conceito está também intimamente associado ao paradoxo da estabilidade e mudança numa rede,
26 Xxxxxxx (1993) argumenta que a Teoria Económica Neoclássica se focalizou na alocação e na troca, enquanto que os processos mais importantes na determinação da dinâmica da Economia Moderna são, na verdade, os processos da aprendizagem e da mudança. De acordo com o autor, a Economia Neoclássica Tradicional tende a não considerar a inovação do produto, mesmo quando o progresso tecnológico é introduzido nos modelos de crescimento económico. No entanto, a inovação do produto é vital na vida real. Por exemplo, uma empresa que optimize a alocação dos seus recursos, mas não introduza produtos novos, acabará por desaparecer.
27 Ainda que não concordemos com o conceito.
28 Carney e Xxxxxxxxxx (1991) desenvolvem um modelo tendo em consideração a existência de uma dependência do percurso. Os autores concluem que as razões que influenciam a estratégia de propriedade das unidades definida pelo franqueador dependem do tempo e da dimensão da empresa.
isto é, à necessidade de a evolução se realizar de forma incremental e fundamentada no passado (Xxxxxxxx e Xxxxxx, 1992; Xxxxxxxxx e Xxxxxxx, 1995).
4. A heterogeneidade dos franqueadores, dos franqueados e das relações:
Apesar do franchising ser utilizado por empresas com actividades, dimensões e maturidades muito diferentes e em diversos contextos económicos, políticos, legais e culturais, as teorias tradicionais sobre o franchising pressupõem a homogeneidade dos franqueadores, dos franqueados e dos relacionamentos de franchising (Croonen, 2003). Ainda assim, note-se que alguns trabalhos que se inserem na Teoria dos Recursos do Franqueador implicitamente pressupõem a existência de alguma heterogeneidade, ao assumir que existe ‘local knowledge’ (e.g. Xxxxxxxxx e Xxxxx, 1969, Minkler, 1990).
Na verdade, os relacionamentos entre empresas parecem ser uma consequência da heterogeneidade. Aparentemente, as empresas relacionam-se com outras porque as suas contrapartes detêm competências e recursos diferentes dos seus (Xxxxxx et al., 2003). Mais ainda, se cada empresa numa rede tiver características únicas, então a heterogeneidade deverá estar presente não só a nível dos participantes, mas também dos relacionamentos que se estabelecem entre eles (Xxxxxxxxx e Xxxxxxx, 1995). Alguns estudos empíricos realizados recentemente constatam a existência de heterogeneidade nas redes de franchising. Argote e Darr (2000), por exemplo, realizam um estudo empírico onde concluem que existem factores específicos que influenciam a produtividade da unidade. Também Xxxxxxxxx (2003) constata que existe conhecimento ‘descentralizado’ detido a nível local pelos franqueados, a que os outros franqueados e o próprio franqueador podem não ter acesso.
A questão da heterogeneidade numa rede de franchising poderá colocar-se a dois níveis. Em primeiro lugar, em relação à heterogeneidade existente dentro de uma mesma rede, isto é, por um lado, entre os franqueados da rede e, por outro lado, entre os vários relacionamentos que se estabelecem entre o franqueador e cada um dos seus franqueados. Será correcto considerar que todos os franqueados da McDonald’s têm as mesmas características apesar de se localizarem em diferentes países e possuírem experiências diferentes? É expectável que a empresa franqueadora tenha uma relação
totalmente idêntica com cada um deles? Ou será que as diferenças, havendo-as, serão irrelevantes?
Em segundo lugar, coloca-se a questão da heterogeneidade entre empresas franqueadoras (e respectivas actividades e franqueados). Poderemos considerar que os relacionamentos de franchising têm as mesmas características quando são utilizados pela multinacional McDonald’s para entrar no mercado russo após a sua abertura ao Ocidente, ou quando são usados por uma rede espanhola de clínicas dentárias para entrar no mercado português, ou, ainda, quando são utilizados por uma pequena empresa portuguesa que desenvolveu um conceito de coffeeshop novo e que procura expandir-se a nível nacional? Os franqueados desta última rede terão as mesmas características dos franqueados da McDonald’s?
Contudo, presentemente, a literatura de mainstream sobre franchising, por se fundamentar nos princípios da Teoria da Agência, parece preocupada unicamente com um determinado tipo de redes de franchising que se encontram iconizadas pela McDonald’s. Exemplo concreto desta constatação é o facto de, por vezes, o Business Format Franchising aparecer denominado como “The McDonalds’ Approach”. Mas, nem todas as empresas que utilizam o franchising são tão grandes como a McDonald’s. Algumas dessas empresas têm poucas dezenas de unidades. Por outro lado, a maioria desses trabalhos empíricos são conduzidos nos EUA, cuja realidade é muito específica e muito diferente de outras economias onde o franchising é igualmente utilizado. Portugal, por exemplo, tem um sistema jurídico-legal que poderá não assegurar completamente o cumprimento das cláusulas contratuais e onde o franqueador poderá ter que encontrar mecanismos alternativos para o fazer.
5. Diferentes percepções da realidade:
De acordo com a Teoria da Agência, o agente-franqueado pode prevaricar, assumindo um nível de qualidade dos inputs diferente do correcto, tendo em conta o estado da procura, uma vez que esta não é observada pelo principal-franqueador (Xxxxxxxxx e Winter, 1985). Contudo, esta teoria assume que tanto o agente, como o principal, têm conhecimento do nível de esforço adequado a cada estado da procura, isto
é, assume-se a hiper-racionalidade dos agentes. Isto significa que o franqueado sabe que está a prevaricar.
Figura 3 – Risco moral do franqueado
Output
X2
Output no nível alto da procura
X1
Output no nível baixo da procura
q^2
q1
q2
Qualidade dos inputs
do franqueado
Fonte: Mathewson e Winter (1985)
A Figura 3 exemplifica a aplicação da assimetria de informação normal em modelos de agência ao caso particular do franchising. Num ponto de venda franqueado, a procura pode assumir dois estados, alto e baixo. Mas, o franqueador não pode identificar o estado da procura sem um custo. Como o franqueado tem melhor informação local, pode optar por reduzir a qualidade dos inputs (q^2) quando a procura está alta, e passar a mensagem de que o baixo nível das vendas resultante (X1) se deve a uma procura baixa, originando um problema de risco moral (moral hazard).
Este tipo de análise é criticada por se enquadrar no tipo de modelos em que “todos os ingredientes são postos num recipiente, (K,L), são aquecidos, f(·), e o resultado, X, está pronto” sem que a estrutura organizacional e a sequência das tarefas sejam tidas em consideração (Leijonhufvud, 1986, p. 203). Loasby (2001) critica este tipo de modelos argumentando que não têm em consideração a “seta do tempo”. Não existe lugar para a dinâmica temporal, mas apenas um único equilíbrio que se prolonga no tempo e no espaço.
Por outro lado, tudo o que pode acontecer encontra-se incorporado nas especificações de um ou mais estados do mundo, independentemente de se tratar de um acontecimento exógeno, ou o efeito da acção humana. Para Xxxxxxxxx (2002), explicar
um determinado facto através da dedução ou previsão, partindo de um conjunto inicial de pressupostos ou outro tipo de conjugação constante de factores, ocorre apenas em sistemas fechados. Como, no mundo real, nomeadamente no mundo socio-económico, raramente existem casos de sistemas fechados naturalmente, a utilização do dedutivismo implica a construção de sistemas fechados artificialmente, através de pressupostos irreais, a que Fleetwood chama ‘falsidades conhecidas’.
Para Loasby (2001), a utilização de pressupostos iniciais, ou um conjunto dos dados de partida, não permite que haja lugar para a novidade ou para a iniciativa individual. Para o autor, estes modelos não têm em consideração que, num mundo caracterizado pelo risco e a incerteza, é impossível deduzir escolhas ou alocações óptimas. Na realidade, nunca se sabe ao certo o que vai acontecer, mesmo em termos de um conjunto de probabilidades de ocorrência. Não há forma de nos assegurarmos de que todos os possíveis resultados foram identificados. Loasby (2001) conclui que a avaliação e as escolhas relativas a situações futuras dependem das percepções e dos skills dos indivíduos. Apenas depois da concretização da situação, e mesmo assim nem sempre, é possível concluir se a avaliação ou a escolha foi a correcta.
Na verdade, nem a Teoria da Agência, nem a Teoria dos Recursos da Empresa, pressupõem a possibilidade de, num relacionamento de franchising, as partes terem diferentes percepções da realidade, e em particular, do franchise xxxxxxx00. Em concreto, na Perspectiva de Agência, o franqueado e o franqueador são considerados oportunistas por natureza. O oportunismo só não acontece se os benefícios desse comportamento forem inferiores ao seu custo. A afirmação “as máquinas não prevaricam”30 (Norton, 1988, pp. 202) é bem demonstrativa da forma atomística e sobre-racionalizada como o indivíduo é visto nesta perspectiva. As decisões económicas são o resultado da “persecução do interesse próprio por indivíduos racionais mais ou menos atomísticos” (Granovetter, pp. 482). Os agentes económicos são divididos em categorias (franqueador, franqueado) cujo comportamento é automático e o correspondente à sua classe. Os actores internalizam determinados costumes, hábitos e
29 O franchise package contém o conhecimento do franqueador relativo à gestão da rede (Langenhan, 2003).
30 Ver secção 2.2.
normas que seguem de forma mecânica, independentemente do que seria a sua vontade individual (Granovetter, 1985, Grabher, 1993).
Não há, de facto, lugar a percepções diferentes da realidade, em que o indivíduo não adopta o comportamento pretendido por desconhecimento genuíno e não por prevaricação31. Neste contexto, as alterações verificadas, ao longo do tempo, nestas percepções, bem como as suas consequências, também não são objecto de análise. Não há, também, espaço para que as relações sociais existentes - e as redes de relacionamentos em que essas relações se encontram inseridas - influenciem a escolha e acção económica dos actores. Põe-se, portanto, a questão de saber se estes factores existem e em que medida são relevantes no fenómeno estudado.
6. O papel dos franqueados:
A questão do papel do franqueado está também relacionada com a limitação das teorias tradicionais quanto ao pressuposto da homogeneidade. Em termos gerais, a literatura tradicional tem deixado relativamente na penumbra, o papel do franqueado no relacionamento de franchising, focando apenas o seu carácter de agente prevaricador (Xxxxxxxxx e Winter, 1985; Xxxxxxxx e Dark, 1987), de tomador de risco (Xxxxxx, 1988) ou de fonte de capital ou de outro recurso escasso (Caves e Xxxxxx, 1976). Até há muito pouco tempo, a importância do papel do franqueado era reconhecida apenas por um número muito reduzido de autores. Love (1986), por exemplo, relata o papel do franqueado da McDonald´s no desenvolvimento de novos produtos que, posteriormente, se difundem pela rede. Xxxxxxx (1990) considera-o detentor de informação superior sobre variáveis de natureza local. Nesse trabalho, o franqueado é pela primeira vez visto como um empreendedor com “local trading skills” e “local entrepreneurship” capaz de detectar oportunidades e agir sobre elas (Dnes, 1996, pp. 305-306).
31 Loasby (2001, pp.11) argumenta a este propósito que “As we have noted, contemporary models of economic organisation often depend on the concept of asymmetric information, which certainly corresponds to an aspect of reality. But I suggest that the more important asymmetry is of interpretation and of perception, which leads some individuals and some organisations to take actions that others have dismissed, or never even thought of”.
A verdade é que a literatura tradicional considera que o franqueado tem um papel relativamente passivo no relacionamento. Vários autores constatam esta limitação. Xxxxx (2003), por exemplo, considera que as teorias tradicionais, onde o franchising é visto como uma mera duplicação do know-how, não têm em consideração o conhecimento do franqueado. Elango e Xxxxx (1997, pp. 76) referem-se ao relacionamento de franchising, na perspectiva tradicional, como sendo uma “relação top-down” onde “o franqueado é percepcionado como sendo um bom franqueado, se fizer o que o franqueador deseja”. O franqueado utiliza o conhecimento e expertise do franqueador e não é capaz de contribuir para o sistema. Por seu lado, Croonen (2003, pp. 8) considera a perspectiva tradicional do franqueado como “a antítese do empreendorismo e do pensamento estratégico”.
Esta perspectiva resulta do facto de, na maioria dos casos, ainda que o seu negócio seja independente, o franqueado ser obrigado a seguir as regras do franqueador, tendo pouco espaço para explorar as suas iniciativas individuais. A sua gestão é muito controlada pelo franqueador, sendo-lhe impostas limitações muito diversas, como a localização da unidade, a exclusividade de fornecimentos, quer do franqueador, quer de outros fornecedores de inputs, o níveis médio de stocks, e mesmo restrições quanto aos materiais a utilizar nas obras da loja, nos artigos de decoração das montras, bem como, importantes condicionantes na venda do negócio (Cherto, 1989; Leite, 1990). Adicionalmente, os franqueadores preferem, muitas vezes, franqueados sem experiência (Gorovaia, 2003). De facto, o potencial contributo do franqueado parece ser ignorado, não só pela literatura, mas também pelos próprios franqueadores.
No entanto, se nos inspirarmos numa abordagem relacional (e.g. Xxxxxxxx e Xxxxxx, 1992; Xxxxxxxxx e Xxxxxxx, 1995), esta actuação do franqueador poderá ter como objectivo a inclusão do franqueado na sua rede de fornecedores. Normalmente, num contrato de franchising, o franqueado fica obrigado a adquirir os seus inputs a fornecedores escolhidos pelo franqueador. Em muitos casos, o principal fornecedor do franqueado é o próprio franqueador. Esta restrição está normalmente relacionada com a manutenção da qualidade e uniformidade da imagem da marca, mas também com a possibilidade de obter desta forma economias de escala. Além disso, o franqueador poderá preferir franqueados sem experiência, exactamente para facilitar esse processo de inserção.
Síntese
Nesta secção, realizamos uma avaliação crítica das Teorias Tradicionais sobre o Franchising. As críticas, inconsistências e limitações apresentadas são provenientes quer da literatura que se dedica a estudar este fenómeno, quer sugeridas pela adopção de uma nova perspectiva – a de competências em redes de relacionamentos. Em síntese, nesta secção reviram-se as críticas que se apresentam em seguida.
Primeiro, as teorias tradicionais menosprezam a importância dos custos de produção e da geração, transmissão e coordenação de conhecimento produtivo na economia, focalizando-se em questões de alinhamento de incentivos, oportunismo e limitação de recursos. Ainda que não deixando de notar que a Teoria dos Recursos, de alguma forma, incorpora esta preocupação, ao falar de management skills ou local knowledge (e.g. Xxxxxxxxx e Xxxxx, 1969; Minkler, 1990), concluímos que os trabalhos elaborados nesta área se preocupam fundamentalmente com um outro tipo de recursos: os financeiros.
Segundo, estas teorias não explicam a existência e dinâmica da forma plural. A Teoria da Agência fundamenta a sua argumentação na dificuldade de supervisionar in loco as unidades, não conseguindo desta forma explicar porque existem unidades próprias próximo de unidades franqueadas. A Teoria das Limitações de Recursos assenta no pressuposto da existência de um ciclo de vida que não está empiricamente comprovado. Verificou-se também que as teorias tradicionais não acomodam a possibilidade de tanto a evolução do mix de unidades próprias e franqueadas, como as razões que lhe estão subjacentes, serem diferentes de indústria para indústria, mudarem com o tempo e, mais ainda, poderem coexistir diferentes razões, em simultâneo, na mesma rede e no mesmo momento.
Terceiro, as teorias tradicionais são criticadas por negligenciarem uma perspectiva longitudinal sobre o sistema, analisando o franchising num determinado momento do tempo. Por um lado, a Teoria da Agência é essencialmente estática. Por outro, ainda que o conceito de ‘ciclo de vida’ que está subjacente à Teoria das Limitações dos Recursos assuma uma visão relativamente dinâmica do franchising, nesta teoria, o conceito de dependência de percurso apenas se aplica (de forma implícita) para justificar que, com o tempo, a acumulação de recursos leva a uma
alteração na preferência do franqueador por unidades integradas verticalmente. Não existe, claramente, a preocupação em analisar o processo através do qual o conceito se desenvolve no tempo e as consequências em termos da difusão do conhecimento criado
– por exemplo em termos do paradoxo da estabilidade e mudança em rede.
Quarto, as teorias tradicionais são também criticadas por não terem em consideração a heterogeneidade. A Teoria dos Recursos, implicitamente, pressupõe a existência de heterogeneidade, por exemplo ao assumir que existe local knowledge (e.g. Xxxxxxxxx e Xxxxx, 1969, Minkler, 1990). No entanto, nesta Teoria, tal como a de Agência, apesar do franchising ser utilizado nas mais diversas situações, pressupõe franqueadores, franqueados e relações de franchising homogéneos.
Xxxxxx, as Teorias Tradicionais do Franchising têm uma perspectiva atomística e sobre-socializada dos agentes económicos, que agem e tomam decisões de forma mecânica, de acordo com o grupo a que pertencem (Granovetter, 1985). De igual forma, nem a Teoria da Agência, nem a Teoria dos Recursos da Empresa, pressupõem a possibilidade de, num relacionamento de franchising, as partes terem diferentes percepções da realidade. Não há a possibilidade de um comportamento diferente do pretendido resultar de desconhecimento genuíno e não da prevaricação. As alterações verificadas, ao longo do tempo, nestas percepções, bem como as suas consequências, também não são objecto de análise.
Sexto, a literatura tradicional focaliza-se no carácter de agente prevaricador (Xxxxxxxxx e Winter, 1985; Xxxxxxxx e Dark, 1987), de tomador de risco (Xxxxxx, 1988) ou de fonte de capital ou de outro recurso escasso (Xxxxx e Xxxxxx, 1976) do franqueado, eventualmente, subestimando o seu papel no relacionamento de franchising.
Concluímos desta análise que as principais críticas são dirigidas à Teoria de Agência – que é, no entanto, a mais apoiada e disseminada – por não ter em consideração a importância do conhecimento produtivo, da heterogeneidade dos indivíduos, dos relacionamentos e das circunstâncias e, finalmente, da dependência do percurso passado como factor determinante do presente e condicionador do futuro. A este respeito a Teoria da Restrição dos Recursos do Franqueador está mais próxima do prisma de análise que será adoptado nesta investigação. Esta constatação não é de estranhar, uma vez que esta abordagem se baseia no trabalho de Xxxxxxx que, como se
verá no próximo capítulo, se preocupa exactamente com estas questões. Ainda assim, esta abordagem focaliza-se essencialmente nos recursos financeiros do franqueador, e não na geração, difusão e coordenação do conhecimento produtivo na indústria.
Na secção seguinte deste capítulo, revê-se uma linha recente da literatura sobre franchising que procura ultrapassar algumas destas limitações, adoptando uma perspectiva mais próxima da proposta neste trabalho.
2.4. A Nova Abordagem ‘Empreendorista’
Nos últimos anos, surgiu um interesse crescente pela compreensão da aprendizagem nas redes de empresas. Esta situação resulta das oportunidades de aprendizagem numa rede serem superiores às de uma organização individual, devido à maior diversidade do conhecimento existente e aos relacionamentos fortes que se estabelecem entre os membros da rede. Seguindo esta linha da literatura, alguns autores preocupam-se com a criação, armazenamento e difusão do conhecimento nas redes de franchising. Assim, é possível identificar uma nova abordagem, ainda emergente, que procura ultrapassar algumas das limitações tradicionais, ao assumir a heterogeneidade do conhecimento, adoptar uma perspectiva mais dinâmica e reconhecer um papel (potencialmente) activo ao franqueado. A questão da forma plural é também um ponto central nesta literatura. Enquanto que a literatura tradicional, nomeadamente a perspectiva da agência, se preocupa essencialmente em compreender as razões subjacentes à opção entre integrar ou franquear uma determinada unidade, esta corrente procura encontrar as vantagens associadas à forma plural.
Ao contrário da literatura tradicional, nestes trabalhos, a transferência de conhecimento entre franqueador e franqueado é um aspecto fulcral. Nesta abordagem, o desempenho da rede de franchising depende da transferência do franqueador para o franqueado de conhecimento relativo ao negócio e à marca e da transmissão do franqueado para o franqueador do conhecimento sobre o mercado local (Gorovaia, 2003). Numa rede de franchising, o conhecimento é um recurso extremamente importante. O conhecimento é o recurso mais importante fornecido pelo franqueador ao franqueado. Por seu lado, a par do capital, dos franchise fees e da grande motivação, o franqueado fornece ao franqueador o conhecimento específico sobre o mercado (Kloyer, 1995)32.
Assim, numa rede de franchising podem distinguir-se dois tipos de conhecimento. O conhecimento ‘central’ encontra-se no franchise package33 que o
32 Citado por Xxxxxxxxx (2003).
33 Langenhan (2003) define o franchise package como sendo o conhecimento do franqueador quanto à boa gestão da rede.
franqueador fornece ao franqueado. Mas, poderá existir também conhecimento na rede que não se encontra no franchise package, pois os franqueados poderão possuir conhecimentos, individualmente, a que os outros franqueados e o próprio franqueador não têm acesso. Contudo, este conhecimento ‘descentralizado’ poderá ter especial relevância local porque o franqueado está mais perto do cliente (Langenham, 2003).
A partir da informação recolhida através do envio de questionários a franqueadores e franqueados alemães em 2001, Langenhan (2003) concluiu que, apesar da aparente importância desse conhecimento ‘descentralizado’, este não é valorizado quer por franqueadores, quer por franqueados. Neste estudo, tanto franqueadores, como franqueados, consideram mais importante a difusão do conhecimento ‘central’ do franqueador do que o conhecimento ‘descentralizado’ dos franqueados. Também ambos consideram importante o desenvolvimento do franchise package, mas o franqueador tende a considerar que o desenvolvimento de inovações, apesar de importante, não envolve a participação do franqueado.
No entanto, Argote e Darr (2000) realizam um estudo empírico sobre a aprendizagem numa rede de franchising de fastfood e verificam a produção de inovações nas unidades franqueadas. Neste estudo, os autores concluem que (1) existem factores específicos que influenciam a produtividade da unidade; (2) a taxa observada de depreciação do conhecimento é muito elevada, está relacionada com a elevada rotação de pessoal e uma forma de a combater é armazená-lo nas rotinas e na tecnologia; (3) o armazenamento do conhecimento na tecnologia e na estrutura facilita a sua transferência; (4) as unidades aprendem a partir da sua experiência directa; (5) o conhecimento é transferido entre unidades do mesmo franqueado, mas não entre unidades de franqueados diferentes porque, primeiro, os franqueados estão mais preocupados com um conjunto de indicadores que o franqueador monitoriza – e que não inclui a transferência de conhecimento ou a inovação, segundo, existem mais mecanismos de transferência entre lojas do mesmo franqueado e, terceiro, é mais fácil a transferência de conhecimento tácito entre lojas do mesmo franqueado, porque é mais fácil a observação directa e o envolvimento no contexto; (6) por último, nesta rede, existem alguns exemplos de inovações do processo produtivo realizadas pelo franqueado.
Esta literatura procura identificar os factores que parecem influenciar a inovação numa rede de franchising. Primeiro, a rede poderá potenciar a flexibilidade para responder a evoluções contínuas nos produtos, tecnologias e mercados. Quanto maior for esta flexibilidade, melhor deverá ser a adaptação às alterações no meio envolvente. Segundo, as redes poderão permitir uma resposta mais rápida às necessidades dos clientes. Terceiro, as redes parecem fomentar a aprendizagem através dos relacionamentos continuados que facilitam a troca de informação e conhecimento (Xxxxxxx e Ngoc, 2003). No entanto, é também possível encontrar um problema associado à inovação nas redes de franchising: conciliar a manutenção da uniformidade da rede com a necessidade de inovação (Cliquet e Ngoc, 2003 e Croonen, 2003).
Tal como já foi referido anteriormente, a uniformidade é uma característica fundamental duma rede franqueada. Uma das vantagens, decorrentes do franchise, assenta exactamente na uniformidade da imagem, dos produtos ou serviços prestados e do nível de qualidade, entre outros aspectos. Quando um cliente entra numa unidade da rede, pela primeira vez, ele espera obter um produto ou serviço, em tudo idêntico ao que lhe é fornecido pelas outras unidades. Quando se encontra num mercado geograficamente desconhecido, um cliente reconhece, quer através da marca, quer da imagem estética do ponto de venda, a possibilidade de adquirir um produto ou serviço do seu agrado. Finalmente, de acordo com Xxxxxxxx e Xxxxxxxx (2001), um elevado nível de estandardização permite, também, diluir os custos da criação e aquisição de conhecimento entre as unidades da rede. Assim sendo, a uniformidade poderá ser um alicerce do bom desempenho da rede.
A par desta forte pressão no sentido da uniformização, há também, tal como em todas as organizações, a necessidade de desenvolver o conceito franqueado, isto é, de inovar, de forma a sobreviver. No entanto, numa rede de franchising, a introdução de uma simples inovação pode ser extremamente difícil. O franqueado não é, normalmente, obrigado a aceitar todas alterações impostas pelo franqueador, nomeadamente se estas exigirem um investimento da sua parte. Aparentemente, o franqueado pode não se sentir incentivado a adoptar as inovações do franqueador, ou por não querer correr o risco, ou por não querer realizar o investimento necessário. Adicionalmente, o franqueador não o pode obrigar a aceitar essas alterações, uma vez
que, normalmente, estas situações não estão previstas nos contratos (Cliquet e Ngoc, 2003)34.
Por outro lado, quando um franqueado produz uma inovação, esta também poderá ter dificuldade em difundir-se através da rede. Primeiro, esta inovação local pode ser adequada a um contexto específico e pode não interessar os outros franqueados. Mas, mesmo que interesse, poderá não se difundir facilmente, porque o franqueado inovador poderá não estar interessado em suportar os custos dessa difusão (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 2001) nomeadamente se se tratar de conhecimento tácito. Finalmente, o franqueado poderá estar mais interessado em atingir os indicadores de desempenho do franqueador (Argote e Darr, 2000) ou poderá considerar os outros franqueados como rivais, especialmente quando o mercado está saturado e existe canibalização35 significativa entre as unidades.
A literatura refere, ainda, um outro problema associado à uniformidade, a que Croonen (2003) denomina de ‘dureza da fórmula’. Este problema refere-se à dificuldade em balancear a uniformidade com a necessidade de responder às características específicas de uma determinada localização. Este problema surge quando uma rede de franchising se expande, abarcando muitos mercados diferentes. Nomeadamente no caso em que as redes se internacionalizam, apesar da uniformidade, torna-se necessário realizar algumas adaptações, por exemplo aos gostos e hábitos dos consumidores, à cultura e à legislação locais.
Também Xxxxxxx (1998) refere este problema. Para este autor, o franqueador enfrenta quatro desafios: (1) manter a uniformidade da identidade partilhada; (2) permitir a resposta às especificidades locais; (3) fazer modificações à identidade global;
(4) adicionar novas unidades à rede. A dificuldade em conciliar a uniformidade da rede com a necessidade de inovação é denominada por Xxxxxxx (1998) como o paradoxo da ‘auto-correcção’ e da ‘auto-renovação’. Por seu lado, Croonen (2003) identifica-o com o paradoxo ‘exploration and exploitation’ de March (1991), isto é, a necessidade de
34 Por vezes, como se verá, o franqueador pode recorrer a outro tipo de mecanismos para influenciar a decisão do franqueado, como a ameaça de cessação unilateral do contrato.
35 Muitas vezes, a perspectiva do franqueador e a do franqueado quanto à dimensão óptima da rede, em termos do número de pontos de venda, não é coincidente, pois o franqueador tem um incentivo para aumentar o número de postos de venda, para além do número considerado razoável pelos franqueados, sendo que os franqueados sentem o canibalismo entre as unidades de uma forma diferente da do franqueador. Esta situação pode originar a concorrência entre as diferentes unidades de uma mesma rede.
balancear a exploração dos aspectos presentes (exploitation of old certainties) com a exploração de elementos futuros (exploration of new possibilities). A ‘exploração das velhas certezas’ diz respeito à produção, selecção, implementação, execução, refinamento dos elementos presentes. A ‘exploração de novas possibilidades’ refere-se à pesquisa, experimentação, variação, descoberta, inovação de elementos futuros. Se a empresa apenas se focaliza na exploração do presente, fica presa a uma situação que poderia ser melhorada. Se apenas se preocupa com a exploração do futuro, assume os custos da experimentação, mas não retira todos os seus benefícios. Assim sendo, torna- se fundamental para o desenvolvimento da organização, balancear estes dois tipos de exploração (March, 1991). De acordo com vários autores, a forma plural poderá ajudar a empresa a enfrentar este Xxxxxxxx, como se verá em seguida.
Croonen (2003) desenvolve uma estrutura teórica para analisar o relacionamento entre franqueador e franqueado, na perspectiva de cada um deles. Esta estrutura tem como objectivo permitir a compreensão da forma como os franchise partners lidam com o paradoxo da exploração. Tal como outros autores, baseando-se em Bradach (1998), Croonen (2003) conclui que as redes que detêm simultaneamente unidades integradas e franqueadas, parecem ter maior facilidade em enfrentar este paradoxo. De acordo com esta autora, as unidades integradas verticalmente parecem estar mais orientadas para a exploração presente, enquanto as unidades franqueadas parecem adaptar-se melhor à exploração dos elementos futuros36. Duas razões poderão justificar a relevância dos franqueados no processo de inovação. Primeiro, porque são menos avessos ao risco do que os gestores das unidades integradas verticalmente, caso contrário não se teriam tornado empreendedores. Segundo, porque têm horizontes temporais superiores, o que lhes permite ter uma perspectiva de longo prazo e investir em projectos inovadores que poderão apenas vir a produzir retornos no futuro. Por outro lado, se os franqueados parecem ter um incentivo maior para a ‘exploration’, os gestores das unidades próprias parecem ser mais vocacionados para a ‘exploitation’, devido ao tipo de supervisão e de incentivos fornecidos pelo franqueador (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 2001).
36 A autora considera que, de alguma forma, Xxxxxxx partilha da sua opinião, na medida em que afirma que as unidades detidas directamente favorecem a ‘auto-correcção’ e as unidades franqueadas a ‘auto- renovação’.
Mas, a forma plural poderá apresentar outros benefícios no âmbito do processo de inovação. De acordo com Cliquet e Ngoc (2003), na fase da geração da inovação, a combinação entre unidades franqueadas e unidades integradas poderá fornecer à empresa mais fontes de informação. A inovação pode ser gerada quer pelo franqueador, quer pelos gestores das unidades integradas, quer pelos franqueados. Nesta fase, os franqueados poderão ter uma importância especial, como resultado da sua proximidade do cliente e experiência no mercado local. Os autores demonstram que, devido à sua forte iniciativa, os franqueados poderão ser fontes importantes de ideias. Mais ainda, a existência de unidades franqueadas, poderá tornar os gestores das unidades próprias mais dinâmicos e participativos.
Contudo, os franqueados não parecem ter a mesma apetência para participar na fase de teste e avaliação das ideias geradas pelo processo de inovação. Tal como já foi referido, por um lado, os contratos de franchising, normalmente, não obrigam o franqueado a testar a introdução de inovações no conceito franqueado, por outro lado, os franqueados também poderão não ter propensão para participar, voluntariamente, nesta fase, uma vez que poderão não querer assumir o risco que lhe está associado. Assim sendo, as unidades detidas directamente pela empresa franqueadora parecem ter o papel central, nesta fase do processo. A introdução e consequente teste e avaliação de novos produtos ou serviços, de novos processos, de alterações na imagem estética da marca, entre outras inovações possíveis, parecem ser realizadas quase exclusivamente pelas unidades do franqueador.
Finalmente, também na fase de implementação, as unidades integradas parecem ter um papel importante. Normalmente, depois de a inovação ser aprovada, esta é introduzida, primeiramente, nas unidades que são propriedade do franqueador. Desta forma, torna-se mais simples convencer os franqueados, a adoptá-la. Na verdade, “Quando ideias novas são adoptadas com sucesso pelas unidades do franqueador, porque não implementá-las nas unidades franqueadas?” (Cliquet e Ngxx, 0000, pp. 10).
Em suma, a literatura tradicional sobre franchising considera que a grande diferença entre as unidades franqueadas e as integradas verticalmente reside numa questão de incentivo. Como o franqueado é o titular dos direitos residuais37 do seu
37 Em caso de falência, os interesses do franqueado são os últimos a ser satisfeitos.
ponto de venda, as acções que influenciam o valor da unidade, reflectem-se na sua riqueza pessoal. Assim sendo, o gestor–franqueado tem uma motivação e um incentivo superior, ao de um gestor-empregado, para melhorar o desempenho da unidade. No entanto, é possível identificar outras diferenças importantes. As unidades franqueadas distinguem-se das integradas também quanto aos direitos de decisão e à flexibilidade operacional. Como resultado destas diferenças, as unidades integradas verticalmente parecem adaptar-se melhor a estratégias que enfatizam a previsibilidade e o controlo, enquanto que as unidades franqueadas, mais flexíveis e descentralizadas, parecem ser mais apropriadas a estratégias que enfatizem a flexibilidade e a adaptação local (Yin e Zajac, 2004). Assim, as unidades próprias parecem ser preferíveis quando o mercado é homogéneo e uma estratégia de ‘exploitation’ é importante, enquanto que as unidades franqueadas parecem ser mais vantajosas quando os mercados são heterogéneos e exigem uma estratégia de ‘exploration’ (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 2001).
Apesar das unidades franqueadas se demonstrarem relevantes no contexto de uma estratégia de exploration, a forma plural parece favorecer o processo de inovação. “Um acordo de franchising fornece [ao franqueador] quatro coisas que faltam nas unidades da sua propriedade. Primeiro, os franqueados são uma fonte importante de ideias locais. Segundo, os franqueados têm incentivos fortes para gerar novas ideias para [melhorar] as vantagens competitivas da rede. Terceiro, os franqueados (...) têm boa intuição, baseada na sua experiência. Finalmente, os franqueados [levam os gestores das unidades integradas e o franqueador a tornarem-se] (...) mais dinâmicos e a gerar mais ideias”. Contudo, normalmente, não compete ao franqueado, mas ao franqueador, testar e avaliar as inovações. Mais ainda, a velocidade de implementação de inovações, em cadeias totalmente integradas, é muito superior à de uma rede totalmente franqueada. “Na verdade, a forma plural permite acelerar o processo de decisão e implementação em unidades franqueadas, principalmente, por causa da utilização das unidades integradas como forma de persuadir os franqueados a adoptar as inovações” (Cliquet e Ngxx, 0000, pp. 10-11).
No seguimento destes e outros trabalhos nesta mesma linha, Allam (2003) propôs a distinção entre dois tipos de abordagens ao franchising: a Fordista e a Empreendorista. A primeira trata-se, no fundo, da abordagem tradicional ao franchising,
onde este é visto como uma mera duplicação do know-how. De acordo com a autora, esta perspectiva não tem consideração o conhecimento do franqueado. O conhecimento transmite-se apenas num sentido: do franqueador para o franqueado. A tomada de decisão encontra-se centralizada no franqueador. Trata-se de uma perspectiva estática que não têm em consideração a necessidade de adaptação contínua ao meio envolvente, como forma de sobrevivência.
A Nova Abordagem ‘Empreendorista’ reconhece a actividade empreendedora do franqueado, que está em contacto directo com os clientes. O franchising envolve dois empreendedores que desenvolvem uma relação de cooperação, tendo como objectivo a divisão da função empreendorismo e dos riscos que lhe estão associados. Ao franqueador cabe a actividade, e o risco respectivo, de conceber e desenvolver uma marca. Ao franqueado compete fazer o marketing do know-how desenvolvido pelo franqueador, assumido o risco que lhe está inerente. Para a autora, seria demasiado caro, ou mesmo economicamente impossível, realizar estas duas tarefas de forma totalmente independente. Neste contexto, o relacionamento de franchising é visto como uma forma de partilha de conhecimento. O franqueado, que se encontra sempre presente na unidade, possui informação essencial que o franqueador não detém. Contudo, falta-lhe uma visão global da rede, das tendências do mercado e da evolução estratégica da marca. Nesta abordagem, a dinâmica do relacionamento torna-se muito importante. A marca e o know-how devem ser vistos como bens perecíveis, pelo que a inovação se torna um processo fundamental, para que estes não morram. No entanto, a inovação tem, ainda, um outro papel importante. Ao inovar, o franqueador não só impede que a marca e o know-how se tornem obsoletos, mas também envia um sinal aos franqueados (actuais e potenciais), relativamente à atractividade da marca (Allam, 2003).
Em termos gerais, e ao contrário das teorias tradicionais, todos estes autores introduziram novos elementos à compreensão do relacionamento de franchising. São particularmente interessantes, no que diz respeito à visão do franqueado, com o seu conhecimento local idiossincrático, e assumindo um papel mais participante no relacionamento. É, também, interessante, a ligação que se estabelece entre a forma plural e grau de variedade dos mercados locais.
Síntese
Nesta secção reviram-se alguns estudos recentes que procuram contornar algumas das limitações das teorias tradicionais. Seguindo a literatura que se debruça sobre a aprendizagem organizacional nas redes de empresas, alguns autores preocupam- se com a criação, armazenamento e difusão do conhecimento nas redes de franchising. Esta literatura assume a existência de heterogeneidade de conhecimento, adopta uma perspectiva mais dinâmica sobre o fenómeno em estudo, procura determinar as vantagens associadas à forma plural e reconhece um papel (potencialmente) activo do franqueado.
Em particular, os estudos apresentados preocupam-se com o processo inovação numa rede de franchising e as possíveis vantagens decorrentes da existência da forma plural. Cliquet e Ngoc (2003) identificam alguns factores que parecem influenciar o desenvolvimento de inovações numa rede de franchising. A rede poderá potenciar a flexibilidade e rapidez de resposta a evoluções contínuas nos produtos, tecnologias e mercados. As redes poderão também fomentar a aprendizagem através dos relacionamentos continuados que facilitam a troca de informação e conhecimento.
No entanto, existe também um problema associado à inovação nas redes de franchising: conciliar a manutenção da uniformidade da rede com a necessidade de inovação (e.g. Cliquet e Ngoc, 2003 e Croonen, 2003). Numa rede de franchising, a difusão de uma inovação pode ser extremamente complicada pois normalmente o franqueado não é obrigado a aceitar todas alterações propostas pelo franqueador. Croonen (2003) identifica este problema com o paradoxo da exploração de March (1991). Próximo deste problema encontra-se a dificuldade em balancear a uniformidade com a necessidade de responder às características específicas de uma determinada localização. Este problema surge quando uma rede de franchising se expande, abarcando muitos mercados diferentes, nomeadamente no caso em que as redes se internacionalizam.
Esta literatura conclui que a forma plural poderá facilitar a gestão do paradoxo da exploração (e.g. Xxxxxxx, 1998; Croonen, 2003). As unidades integradas verticalmente parecem estar mais orientadas para a exploração presente, enquanto as unidades franqueadas parecem adaptar-se melhor à exploração dos elementos futuros.
Os franqueados poderão ter um papel importante no processo de inovação por várias razões: (1) porque são menos avessos ao risco do que os gestores das unidades integradas verticalmente e porque têm horizontes temporais superiores, o que lhes permite investir em projectos inovadores que poderão apenas vir a produzir retornos no futuro (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 2001), (2) devido à proximidade do cliente, à sua experiência no mercado local e à sua forte iniciativa (Cliquet e Ngoc, 2003). As unidades integradas verticalmente parecem ter um papel importante na fase de teste e avaliação e implementação das ideias geradas pelo processo de inovação.
No entanto, estes trabalhos documentam também a dificuldade em difundir conhecimento gerado a nível local. Argote e Darr (2000) demonstram que o conhecimento é transferido mais facilmente entre unidades do mesmo franqueado do que entre unidades de franqueados diferentes, principalmente por ser mais fácil a transferência de conhecimento tácito. Por outro lado, uma inovação local pode ser adequada a um contexto específico e pode não interessar os outros franqueados, e mesmo que interesse, poderá não se difundir facilmente, porque o franqueado inovador poderá não estar interessado em suportar os custos dessa difusão (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 2001).
Para terminar, esta perspectiva, ao contrário das teorias tradicionais, tem em consideração o conhecimento do franqueado, assume que o conhecimento se transmite não só do franqueador para o franqueado mas também no sentido inverso, não assume uma visão estática, considerando a necessidade de inovar como forma de adaptação ao meio envolvente e procura determinar os benefícios da forma plural, nomeadamente no contexto da inovação.
2.5. Conclusões
Este capítulo começou por procurar descrever a natureza do franchising. Em seguida, elaborou-se uma revisão crítica da literatura tradicional na área da Gestão, sobre esta forma organizacional. O capítulo finalizou com a revisão de uma nova linha de pesquisa, agora emergente, que analisa o relacionamento de franchising, procurando ultrapassar as limitações da literatura tradicional. As conclusões mais importantes, tendo em conta o âmbito em que este trabalho será realizado, encontram-se sumariadas a seguir.
Dada a grande diversidade de situações em que o franchising é utilizado, não é simples a sua agregação sob um conceito comum. Talvez também por isso, o franchising tem sido analisado pela Economia, pela Gestão Empresarial e pelo Marketing. Cada uma destas linhas de pesquisa tem objectivos e preocupações diferentes e analisa aspectos distintos do franchising (Elango e Fried, 1997).
A literatura realizada dentro da área da Gestão, preocupa-se sobretudo em determinar as razões que justificam a emergência do franchising quer a nível do negócio, quer a nível da unidade, e ainda os factores que influenciam a definição dos termos do contrato (franchise fee e taxa de royalties). Dentro desta linha de investigação, salientam-se duas correntes de investigação. Por um lado, a Teoria dos Recursos da Empresa, enfatizando a importância dos contratos de franchising como forma de contornar restrições de recursos, que impedem o crescimento da empresa (e.g. Caves e Xxxxxx, 1976). Por outro lado, a Teoria da Agência, que perspectiva o franchising como um mecanismo de incorporação dos custos da prevaricação pelos agentes (e.g. Xxxxxxxx e Dark, 1987). Mais recentemente, surgiu também uma nova abordagem, conciliadora das duas anteriores. As start-ups e outras empresas imaturas adoptam o franchising como forma de contornar restrições de recursos, em particular de natureza financeira. As empresas mais maduras aderem ao franchising, procurando resolver (ou minimizar) problemas de agência (e.g. Xxxxxx e Xxxxxx, 1993).
Contudo, a literatura tradicional tem várias limitações, de onde se destacam as que consideramos mais importantes. Em primeiro lugar, não tem em consideração a heterogeneidade dos franqueadores, franqueados e dos relacionamentos que se estabelece entre eles. Segundo, não se preocupa com os custos da produção. A decisão entre deter directamente uma determinada unidade ou franqueá-la não é influenciada pelos custos de produção associados a cada alternativa. Terceiro, adopta uma perspectiva estática do relacionamento e do sistema. A análise é sempre realizada num determinado momento, não tendo em consideração a forma como os relacionamentos e o próprio sistema evoluem ao longo do tempo, nem os factores que influenciam essas evoluções. Nesse sentido, estas perspectivas não tem em consideração a dependência do percurso que determina a situação presente da rede e dos relacionamentos que se estabelecem e que condiciona o desenvolvimento futuro dessa mesma rede e desses relacionamentos. Quarto, não explica a existência e a dinâmica da forma plural. Xxxxxx, desvaloriza o papel do franqueado no relacionamento. Xxxxx, assume uma perspectiva atomística e sobre-socializada dos agentes económicos. Assim, não aceita a possibilidade de as decisões e acções das partes envolvidas num relacionamento de franchising serem influenciadas, quer pelas relações sociais em que estas se encontram envolvidas, quer pelas percepções diferentes que poderão ter da realidade. Assim, as alterações verificadas nessas relações sociais ou nessas percepções, ao longo do tempo, bem como as suas consequências, também não são objecto de análise.
Nos últimos anos, alguns autores têm procurado ultrapassar algumas destas limitações, desenvolvendo estudos que incorporam a heterogeneidade, reconhecendo um papel (potencialmente) activo do franqueado e adoptando uma perspectiva mais dinâmica sobre o fenómeno. Estes trabalhos colocam a sua ênfase no processo de inovação e procuram identificar os benefícios da forma plural no âmbito do Paradoxo da Exploração. Sendo a uniformização das várias unidades de uma rede, um dos alicerces do sistema de franchising, e dado que a difusão das inovações dentro de uma rede poderá depender da vontade dos vários franqueados, um dos problemas enfrentados pelo franqueador reside exactamente na necessidade de balancear estas duas questões. A forma plural poderá ter alguma vantagem neste contexto, uma vez que as unidades franqueadas parecem ser mais orientadas para a exploration e para a geração de ideias,
enquanto as unidades próprias parecem ser mais vocacionadas para a exploitation e para a fase de avaliação e implementação das inovações (e.g. Cliquet e Ngoc, 2003 e Croonen 2003). Esta literatura refere, contudo, a dificuldade em difundir as inovações realizadas a nível local por toda a rede. Várias razões são apontadas para esta dificuldade: (1) a inovação pode só ter interesse a nível local, (2) o franqueado-inovador pode não estar interessado em suportar os custos da difusão da sua inovação, (3) pode tratar-se de conhecimento tácito e, portanto, ser mais difícil de transferir entre unidades de franqueados diferentes (Argote e Darr, 2000).
Em síntese, ao contrário das teorias tradicionais, esta perspectiva preocupa-se com a criação, armazenamento e difusão do conhecimento nas redes de franchising. Os trabalhos apresentados têm em consideração o conhecimento local do franqueado, assumem que o conhecimento se transmite não só do franqueador para o franqueado, mas também no sentido inverso, consideram a necessidade de inovar como forma de adaptação ao meio envolvente e procuram determinar os benefícios da forma plural, nomeadamente no contexto da inovação. No entanto, estes trabalhos não resolvem completamente as limitações das teorias tradicionais apresentadas na Secção 2.3 deste trabalho.
Em primeiro lugar, apesar de se preocuparem com a importância da geração e transmissão de conhecimento produtivo dentro da rede, estes trabalhos não têm em consideração a dinâmica da divisão do trabalho na indústria e, portanto, a determinação e evolução das fronteiras da empresa. Não explicam porque razão a empresa opta por uma estratégia de franchising, nem as razões que influenciam a emergência dos relacionamentos, nem como e porquê estas razões se modificam ao longo do tempo. Assim, estes trabalhos não explicam a existência e a dinâmica da forma plural. Apesar de tentarem identificar os benefícios decorrentes da forma plural (e.g. Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 2001; Xxxxxxx e Ngoc, 2003; Croonen, 2003), não indicam - pelo menos de forma satisfatória - as razões que poderão fundamentar a decisão entre franquear ou integrar uma determinada unidade e a forma como estas razões se alteram no tempo, condicionando a evolução do mix de unidades próprias e franqueadas. Tal como as teorias tradicionais, estes trabalhos não acomodam a possibilidade de tanto a evolução do mix de unidades próprias e franqueadas, como as razões que lhe estão subjacentes, serem diferentes de indústria para indústria, mudarem com o tempo e, mais ainda,
poderem coexistir diferentes razões, em simultâneo, na mesma rede e no mesmo momento.
Segundo, estes trabalhos adoptam uma perspectiva mais dinâmica do franchising, preocupando-se com o desenvolvimento do conceito franqueado através do processo de inovação, estudando quer a geração quer a difusão de novo conhecimento na rede (e.g. Cliquet e Ngoc, 2003). No entanto, na maior parte dos casos, esta literatura continua a não ter uma perspectiva longitudinal do sistema, analisando o franchising num determinado momento do tempo. Não tem em consideração como os relacionamentos e o sistema evoluem ao longo do tempo e de que forma se vão alterando. Nesse sentido, esta perspectiva não tem em consideração a dependência do percurso que determina a situação presente da rede e dos relacionamentos que se estabelecem e que condiciona o desenvolvimento futuro dessa mesma rede e desses relacionamentos. Neste contexto, apesar da aplicação do Paradoxo de Exploração de March (1991) - ao conflito entre a necessidade de uniformizar e a de inovar no franchising - representar um contributo importante, esta análise poderá beneficiar, de forma significativa, do seu enquadramento num modelo conceptual que trate explicitamente o carácter de estabilidade e mudança numa rede, como acontece na Perspectiva do IMP Group, que se analisará no próximo capítulo.
Xxxxxxxx, apesar de estes trabalhos assumirem a heterogeneidade, de forma mais ou menos explícita, a maior parte destes estudos continua a considerar a homogeneidade de franqueadores, franqueados e dos relacionamentos que se estabelece entre eles. A heterogeneidade nestes trabalhos diz normalmente respeito ao conhecimento local (e.g. Xxxxxxxxx, 2003), tal como já acontecia na Teoria dos Recursos do Franqueador (e.g. Xxxxxxxxx e Xxxxx, 1969, Minkler, 1990). Existem algumas excepções estacando-se por exemplo, o trabalho de Xxxxxx e Xxxx (2000) que procuram identificar os factores específicos que influenciam a produtividade da unidade. A maior parte destes trabalhos também não tem em consideração a heterogeneidade a nível das percepções dos diferentes actores. Não aceita a possibilidade de as partes envolvidas num relacionamento de franchising terem percepções diferentes da realidade. Assim, as alterações verificadas nestas percepções, ao longo do tempo, bem como as suas consequências, também não são objecto de análise. Finalmente, na sua maioria, estes trabalhos continuam a procurar a generalização das razões a todas as situações em que o
franchising é utilizado. Mais ainda, muitas vezes, tendem a adoptar uma natureza prescritiva. Ainda que, face a grande diversidade de situações em que o franchising é utilizado, nos pareça impossível determinar “receitas de sucesso” generalizáveis a todas as circunstâncias.
Face ao exposto, parece-nos que, apesar da admirável abundância de literatura que analisa o franchising, “a pesquisa existente poderá beneficiar de diversidade teórica adicional” (Combs et al., 2004, pp. 908). “A variedade teórica permite que os investigadores vejam o fenómeno através de múltiplas lentes e, portanto, ganhem uma compreensão mais rica (Xxxxxxx, 1971). Novas teorias podem explicar a variância para lá do que pode ser explicado pelas abordagens existentes” (op. cit., pp. 920). Assim sendo, este estudo procura esclarecer alguns aspectos do franchising, acomodando os progressos da literatura mais recente sobre franchising, numa estrutura conceptual que combina Abordagem das Redes de Relacionamentos Inter-Organizacionais com os avanços da Economia da Organização baseados nas Competências da Empresa. A adopção deste quadro teórico poderá ajudar a ultrapassar quer as limitações das teorias tradicionais, quer as limitações encontradas na literatura mais recente.
No próximo capítulo, apresenta-se o quadro conceptual que serve de base a esta investigação. A sua utilização, como se demonstrará no Capítulo 4, poderá resolver o problema da desvalorização dos custos de produção, da importância do percurso passado e da heterogeneidade na pesquisa sobre franchising. Esta perspectiva poderá, ainda, ajudar-nos a compreender a importância e dinâmica da forma plural e a influência, no relacionamento e no sistema, do papel do franqueado e das diferentes percepções da realidade.