A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO, O MERCADO E A EFFICIENT BREACH THEORY*
A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO, O MERCADO E A EFFICIENT BREACH THEORY*
FUNCTION OF SOCIAL CONTRACT, THE MARKET AND EFFICIENT BREACH THEORY.
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx Joffre do Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxx
RESUMO
A função social dos contratos é um princípio defendido há bastante tempo pelos clássicos da literatura das ciências jurídicas e sociais. Assim, como não poderia ser diferente, o instituto do contrato passou a anunciar a valorização da função social, muito bem colocadas no art. 421 do Código Civil vigente, que reza que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, afastando, assim, o individualismo, presente na legislação anterior. Diante desta nova realidade contratual, surge a questão de saber o que é mais economicamente eficiente, manter o contrato diante de seus princípios ou quebrá-lo com base na Efficient breach theory. Desta forma, pretende-se com este artigo, a partir de uma pesquisa bibliográfica, descrever o princípio da função social e aplicá-lo diante de características específicas do mercado econômico.
PALAVRAS-CHAVES: FUNÇÃO SOCIAL. CONTRATO. MERCADO. EFICIÊNCIA ECONÔMICA. INADIMPLEMENTO EFICIENTE.
ABSTRACT
The social function of contracts is a principle advocated long ago by the classical literature of legal and social sciences. So, as it would be different, the institution of contract has announced the upgrading of the social, very well placed in the art. 421 of the Civil Code in force, stating that freedom of contract will be on grounds and limits of the social contract, moving well, individualism, present in earlier legislation. Given this new reality of contract, the question arises as to what is most cost-effective to keep the contract in front of their principles or break it based on Efficient breach theory. Thus, it is intended with this article, from a literature search, describe the principle of social function and apply it on the specific characteristics of the market economy.
KEYWORDS: SOCIAL FUNCTION. CONTRACT. MARKET. ECONOMIC EFFICIENCY. EFFICIENT BREACH.
* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.
Introdução
O Direito antes de ser uma ciência jurídica é uma ciência social e como tal deve acompanhar as transformações da sociedade ocorridas ao longo do tempo.
Dentre as transformações sociais está a inclusão na legislação civil de princípios contratuais tipicamente de natureza social: da boa-fé, do equilíbrio econômico e da função social.
Portanto, o contrato entre as partes, instrumento jurídico, que nada mais é que um acordo entre partes que deve preservar pelos princípios acima citados, pois é um instrumento de direito privado não de direito particular.
O que se convencionou chamar de função social significa a prevalência do interesse público sobre o privado, é um fenômeno massivo que inspira todo ordenamento jurídico moderno, rompendo com o padrão retributivo (dar a cada um o que é seu), e tentando fundar as bases de uma justiça de natureza mais distributiva.
Diante da importância da primazia do princípio da função social nos contratos, objetiva- se com este artigo descrever o princípio da função social dos contratos e relacioná-lo com aspectos da economia de mercado.
Para tanto, realizou-se uma pesquisa de cunho eminentemente bibliográfica em obras literárias e artigos divulgados em periódicos e em meio eletrônico e estruturou-se em três tópicos, assim distribuídos:
No primeiro tópico é realizada a descrição do que vem a ser contrato e a sua função social a partir da posição clássica até a sua utilização em legislação atual.
No segundo tópico analisa-se a relação do mercado capitalista e a função social dos contratos.
No terceiro tópico se demonstra a possibilidade de convivência do princípio da função social dos contratos com a teoria do efficient breach.
1 A função social do contrato
Comumente se diz que contrato é um acordo de vontades formal judicialmente executável. Tal conceito mostra-se incompleto, pois esquece a existência dos contratos tácitos, não verbais, dos inominados, só para citar casos de contratos carentes de formalidades.
O pai do Código Civil de 1916, Xxxxxx Xxxxxxxxxx, afirma que contrato “é o acordo de duas ou mais pessoas com a finalidade de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direito”. (apud XXXXXXXXXX, 1996, p. 86)
Pós-modernamente, melhor é afirmar que contrato é um fato social que existe para reger ou regulamentar relações interpessoais entre os contratantes, segundo a legislação vigente, mas que, por ser um fato social, produz reflexos na sociedade onde é firmado. Nem sempre esse contrato terá em primeiro plano uma natureza patrimonial, mas sempre resultará algo financeiramente mensurável.
O contrato, pela visão liberal-individualista, deve ter o fim de proteger ambas as partes interessadas. A concepção clássica do contrato (Séc. XIX) já se caracterizava pela importante valoração da liberdade contratual com a conseqüente obrigatoriedade e prevalência do conteúdo pactuado, fatores tutelados e defendidos pelo ordenamento jurídico, inclusive no Direito pátrio.
Contudo, fundamentos contratuais como autonomia da vontade, obrigatoriedade e relatividade contratual, passaram, com o avanço de ideais sociais e do próprio capitalismo, a conviver com novos pilares principiológicos, como a boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico e financeiro do contrato e a função social, que resultarão mais adiante na teoria da “solidariedade orgânica”.
Nosso objeto de estudo, função social dos contratos, tem raiz na idéia de função social da propriedade, muito bem esculpida na Constituição Brasileira de 1988, artigo 5º, XXIII.
Não se pretende traçar uma linha do tempo sobre a origem e as diversas conceituações dadas à função social do contrato. Entretanto a de se ressaltar que a função social do contrato já era defendida por Xxxxxxxx, em 1792, em sua obra “O Contrato Social”, quando defendeu que o homem vive em um pacto social, onde, segundo ele:
[...] é a soma de forças [...] e a liberdade de cada homem [...] que são protegidas e defendidas por uma forma de associação, que protege e defende toda força comum e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente, ou seja, para tanto é necessário a realização de um contrato social. (XXXXXXXX, 1995, p.30).
As cláusulas do contrato social podem ser resumidas numa única, segundo Xxxxxxxx (1995, p.30): “a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de toda a comunidade”, ou seja, deve haver uma condição igual para todos, é o que hoje chamamos de bem-comum. Assim, pode-se afirmar que o contrato social tem por objetivo a conservação dos contratantes.
Contudo, esta função social, amplamente defendida pelos clássicos como Xxxxxxxx (1792) e mais tarde por Xxxxxx Xxx Xxxxxxx (1842) permaneceu, segundo Guimarães (2003, p.26), “nas páginas dos livros e revistas doutrinárias, não chegando a sensibilizar o legislador do Direito Civil”.
Após a Segunda Grande Guerra, onde ocorreu um importante golpe contra o individualismo exacerbado, é que os juristas perceberam a necessidade de se olhar para a função social, pois, ainda segundo Guimarães (2003, p.26), “os problemas provenientes das relações econômicas, não importavam apenas às pessoas individualmente, mas também e fundamentalmente ao Estado e às comunidades”. A autora complementa:
Percebeu-se que o princípio da igualdade de todos perante a lei restava vazio, por apresentar-se apenas como igualdade formal, igualdade ‘no papel’. No campo material, as desigualdades sociais se mostravam cada vez mais gritantes e profundas. A liberdade descomedida levou segmentos sociais mais carentes de recursos, sem poder de barganha, a acentuados desníveis econômicos, por vezes chegando à miséria.
[...]
Com a organização da sociedade civil e a pressão por ela formada junto ao poder público [...] o pensamento jurídico se perfilou no sentido de conceder uma maior relevância à pessoa na relação jurídica. As liberdades públicas foram ampliadas,
obtendo-se instrumentos mais eficientes de tutela da pessoa e de seus interesses extrapatrimoniais. As normas jurídicas de ordem pública proliferam porque as relações intersubjetivas ficaram cada vez mais heterogêneas, ante o crescimento quantitativo das contratações, inclusive dos chamados negócios jurídicos inominados.
[...]
O contrato, em decorrência, destas alterações sociais, altera-se para se adequar às exigências desta nova realidade [...] passando a ser um instrumento jurídico mais social, controlado e submetido a uma série de imposições, mais equitativas. (GUIMARÃES, 2003, p.27).
Como se vê, a função social do contrato é algo defendido e inserido no Direito comparado há bastante tempo, onde o modelo clássico de contrato, de cunho individualista e voluntarista, dá lugar a um modelo novo, que privilegia os princípios da dignidade da pessoa humana, rompendo-se com a idéia de ser um instrumento da realização da autonomia da vontade, para desenvolver a função social sem esquecer da liberdade a ser exercida no seio da sociedade, e portanto, não absoluta.
Essa soma, função social do contrato com liberdade civilmente regulamentada resulta na chamada autonomia privada “compreendida como ‘o processo de ordenação que faculta a livre constituição e modelação das relações jurídicas pelos sujeitos que nela participam.’” (XXXXX, Xxxxxx apud XXXXXXX-XXXXX, 2005, p. 43)
O Código Civil brasileiro de 2002 veio conceber, de forma plena, em vários de seus artigos, a alteração de velhos institutos, exprimindo, “a função social do contrato como fonte necessária para harmonização dos interesses privativos dos contratantes com os interesses de toda a coletividade” (TARTUCE, 2005, p. 127), o que nada mais é que a adoção do contrato social já defendido por Xxxxxxxx no século XVIII.
Há de se salientar que em conformidade com Xxxxxxxx, Xxxxxxxxxx (apud Tartuce, 2006) procura uma nova concepção de contrato, de acordo com as principais alterações sociais ocorridas nos últimos séculos, afirmando que:
[...] a ordem jurídica atual não deixa em mãos dos particulares a faculdade de criar ordenamentos contratuais, equiparáveis ao jurídico, sem um interventor. Para tanto é necessário o intervencionismo estatal, o dirigismo contratual, com a concepção do princípio da autonomia privada, pois o Estado requer um Direito Privado, não um direito de particulares. (XXXXXXXXXX apud TARTUCE, 2005, p. 128).
A defesa do autor nada mais é do que a necessidade de evitar que a autonomia privada imponha suas valorações particulares à sociedade, evitando, com isso, a imposição a um grupo, de valores individuais que lhe são alheios.
O Direito, como ciência social deve andar em consonância com a sociedade, pois o mesmo possui com a sociedade uma relação de interdependência, onde os acontecimentos registrados em uma das esferas produzirão efeitos na outra. Além disso, cabe ao Direito a defesa dos interesses da sociedade como um todo e não de um particular, daí a importância da função social do contrato, pois o mesmo deve presar pelo bem-comum, não pelo bem de apenas uma das partes.
Pode-se embasar a afirmativa acima, repetindo as palavras de Xxxxxxxx (2002, p.95):
A função social do contrato exprime a necessária harmonização dos interesses privativos dos contraentes com os interesses de toda a coletividade; em outras palavras, a compatibilização do princípio da liberdade com o da igualdade.
Seguindo a posição defendida pela doutrina, o Código Civil brasileiro de 2002 adotou a função social dos contratos no art. 421, ou seja, atrelando a liberdade de realizar um contrato em função dos limites de sua função social, isto é, defendeu o interesse da sociedade (coletividade) sobrepondo ao interesse do particular (individual).
Talavera (2002, p. 96) coloca:
A instituição da função social dos contratos, portanto, findou a celeuma, muito mais terminológica do que propriamente doutrinária, acerca das dessemelhanças entre liberdade contratual e liberdade de contratar, vez que a liberdade contratual, que equivale à função social do contrato, é limitada objetivamente pela ordem pública e pela maior valia dos direitos e interesses coletivos sobre os eminentemente individuais, e a liberdade de contratar é a prerrogativa subjetiva, que cada contratante possui, de arbitrar sobre a viabilidade ou não de formalizar determinada contratação.
Entretanto esse “dirigismo contratual” respaldado na função social, não pode apenas um abrandamento da força obrigatória dos contratos, tratando os iguais de forma igual e os
desiguais de forma desigual, com o intuito de equilibrar as relações jurídicas, sem preponderância de uma parte sobre a outra.
Resguardando os interesses de uma coletividade nem sempre representa revisionar um contrato, mas pode significar a manutenção das condições pactuadas. Por isso, a função social dos contratos deve ser exercida dentro dos limites principiológicos de todo o ordenamento jurídico pátrio, de forma a não promover a publicização do direito privado, principalmente levando-se em consideração o princípio da eficiência econômica previstos nos artigos 1º, 3º e 170 da Constituição Federal e do pacta sunt servanda, ainda presente no Código Civil.
2 O mercado e função social do contrato
O princípio da função social do contrato não pode ser visto, como já afirmamos, em uma única vertente de proteger os “mais fracos”, como aparentemente propõe Tartuce (2005, p. 134):
Pela vanguarda da nova tese, os contratos devem ser interpretados de acordo com a concepção lógica do meio social no qual está inserto, não trazendo onerosidades excessivas às partes contratantes, garantindo que a igualdade entre elas seja respeitada, equilibrando a relação em que houver a preponderância da situação jurídica de um dos contratantes sobre a da outra.
Cada situação que se apresenta, deve ser analisada a proporcionar maior eficiência econômica e justiça, não apenas na relação conflituosa que se impõe, mas em toda a sociedade.
A exemplo disso se tem o discutível caso de cobrança de assinatura básica de telefonia prevista no contrato de prestação de serviços. Sem levar em consideração que se está diante de uma relação consumerista, onde o consumidor final é considerado hipossuficiente pelo Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 6º, pode-se concluir, em uma análise apressada, que a referida cobrança é abusiva caso não exista o consumo do serviço de telefonia, ou seja, o usuário não realizou ligações. Assim, quem ingressasse com uma ação judicial requerendo a extinção dessa cobrança seria favorecido, com base na orenosidade excessiva, função social do contrato e enriquecimento sem causa por parte da operadora de telefonia.
Um exemplo dessa fundamentação é a decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE C/C REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS COM PEDIDO DE LIMINAR – INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA JULGAR E PROCESSAR A DEMANDA – COBRANÇA DE TARIFA ASSINATURA BÁSICA MENSAL DE TELEFONIA FIXA – FALTA DE AMPARO LEGAL – TARIFA ILEGAL E ABUSIVA – ONEROSIDADE EXCESSIVA IMPOSTA AO CONSUMIDOR – RESTITUIÇÃO SIMPLES – DEVIDA – RECURSO IMPROVIDO – A Justiça
Estadual é competente para processar e julgar as demandas referentes às relações jurídicas entre a empresa concessionária de telefonia fixa e o usuário do serviço, uma vez que não há interesse da empresa reguladora (anatel) no processo e, por conseqüência, não há deslocamento da ação para a Justiça Federal. A cobrança da tarifa mensal de assinatura básica de telefonia fixa é nula, ante a ausência de previsão legal e por ser abusiva, obrigando o consumidor a pagar um valor prefixado por um serviço que efetivamente não utiliza. As quantias pagas a título de tarifa de assinatura básica de telefonia fixa devem ser restituídas de forma simples, visto ser ilegal e abusiva a cobrança da assinatura básica. Recurso improvido. (TJMS – AC 2007.036295-6/0000- 00 – Dourados – Rel. Des. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx – X. 07.04.2008) (XXXXX Xxxxxxx IOB, 2007. CD-ROM).
Mas uma análise mais apurada resultará em outra conclusão, já que sendo a citada cobrança permitida por lei (Lei das Telecomunicações), independente do usuário consumir ligações ou não, já que o serviço lhe foi colocado à disposição, é plenamente possível a realização de cobrança de assinatura básica de telefonia.
Neste segundo sentido, já decidiu o mesmo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, observe que entre as duas decisões opostas só se passaram seis dias:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO – PRELIMINAR – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA ESTADUAL – LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DA ANATEL – NÃO – OCORRÊNCIA – AFASTADA – MÉRITO – EXIGÊNCIA DA ASSINATURA BÁSICA MENSAL – TELEFONIA FIXA – SERVIÇO PÚBLICO PRESTADO POR CONCESSIONÁRIA – PREVISÃO EM CONTRATO ADMINISTRATIVO – LEGALIDADE DA COBRANÇA – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 4º E 6º DA LEI Nº 8.078/1990 E AOS ARTIGOS 421 A 424 DO CC/2002 – RECURSO
PROVIDO – Não havendo relação jurídica entre os autores e o terceiro que se pretende seja integrado à lide, não há falar em incompetência da Justiça Estadual para analisar a matéria. A tarifa de assinatura básica mensal não está eivada de nenhum vício de inconstitucionalidade, ilegalidade ou de abusividade, tratando-se de uma forma de
remuneração assegurada pela Lei geral de telecomunicações (lei nº 9.472/97) e pelo contrato estabelecido entre as partes, de acordo com o que prevê a Constituição Federal (art. 21, XI, art. 175, III), em razão da efetiva prestação de serviços de telecomunicações, consubstanciada em assegurar ao consumidor a fruição de serviços dessa natureza. (TJMS – AC 2008.006550-5/0000-00 – Campo Grande – Rel. Des. Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx – X. 01.04.2008) (XXXXX Xxxxxxx IOB, 2007. CD-ROM).
Agora, se a análise recair apenas sob o aspecto econômico, se terá como complemento da segunda solução o argumento de que o fim desta assinatura resultará no aumento do preço das tarifas, com o repasse direto do custo da assinatura para a sociedade como um todo, ferindo, agora de forma efetiva, o princípio da função social dos contratos.
Ressaltamos que o repasse do custo de transação (valor da assinatura cancelado via decisão judicial) para sociedade decorre da própria essência e existência do mercado, como acertadamente Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx (2009) demonstra:
Portanto, não há como se pensar no todo social, em uma relação contratual, sem descurar do ambiente em que ele é celebrado – que é indubitavelmente o mercado. O foco de análise não pode ser a relação em si, que é sempre bilateral. A sociedade estará representada nos participantes (efetivos ou potenciais) que integrarem um determinado mercado de bens e serviços (no caso do exemplo do financiamento habitacional, aqueles mutuários integrantes do sistema financeiro habitacional).
[...]
De modo que o mercado não está separado da sociedade; é parte integrante dela. Nesse sentido, como qualquer fato social, ele pode ser regulado por normas jurídicas (com maiores ou menores eficácias social e econômica). Se não existisse mercado, ele certamente não poderia ser objeto de relações jurídicas. Portanto, não se pode dizer que mercado seja algo artificialmente garantido pelo ordenamento legal, como querem alguns que atacam a característica espontânea das forças do mercado. O que se pode discutir é se ele funciona adequada e eficazmente sempre. E a resposta a isso é negativa. Daí, a possibilidade de intervenção ou de regulação pelas instituições jurídicas.
Desta maneira, é mais eficiente a manutenção da referida cobrança, sendo inclusive mais justo para sociedade como um todo. Porque favorecer uns poucos que ingressaram na justiça em detrimento da maioria? Neste caso específico, a manutenção do pacta sunt servanda é a representação da função social do contrato.
3 Função social do contrato e a teoria do efficient breach
Sabendo-se que um dos pilares de sustentação dos contratos é o cumprimento de uma função social, poderia ser mais socialmente mais útil ou eficiente não executar um contrato? Estaria essa inexecução gerando mais custos de transação e ferindo a coluna de sustentação pacta sunt servanda?
Para responder estes questionamentos é necessário situar em nosso ordenamento jurídico a possibilidade de descumprimento contratual. Estabelece o art. 389 do Código Civil:
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. (BRASIL, 2009, on line)
No momento em que a lei estabelece a possibilidade punitiva por não cumprir o contrato, ela prestigia a idéia de que o contrato faz lei entre as partes e, portanto, deve ser cumprido. Além disso, nada impede que no contrato seja estabelecida cláusula penal, conforme prevê artigos 408 a 416 do Código Civil.
Diante deste quadro pintado pela lei civil, nada impede que uma das partes de um contrato, por sua deliberação, resolva não cumpri-lo, arcando para tanto, com as citada conseqüências.
Sob o enfoque econômico que estamos a traçar, essa possibilidade de não cumprimento de contrato recebe a denominação de Efficient breach theory. Essa teoria de origem anglo-saxônica pode ser assim definida:
Em linhas gerais, essa teoria afirma que o inadimplemento de um contrato aumenta o bem estar social se os benefícios que a quebra contratual garante ao devedor são maiores do que as perdas geradas para o credor. Em outras palavras, se o custo para o devedor cumprir o contrato for maior do que o lucro a ser auferido pelo credor, então o cumprimento do contrato não será socialmente desejável. (XXXXX XXXXX, 2007).
Isso significa que para sociedade, em alguns casos pode ser mais viável o não cumprimento de um contrato, prevalecendo assim, mais uma vez, a função social do contrato.
Como exemplo, cita-se o caso hipotético de um advogado de Fortaleza que foi contratado para prestar consultoria em São Luís, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Caso não cumprisse tal contrato de consultoria, deveria indenizar o contrate no dobro do valor do contrato. Ocorre que logo após assinar tal acordo, surge a oportunidade de no mesmo período prestar consultoria em Fortaleza mesmo, no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais). Diante desta situação, sem levar em consideração aspectos como ética, solidariedade, credibilidade, decidindo apenas como agente econômico, este advogado optará em prestar consultoria em Fortaleza, porque neste terá uma solução mais eficiente, pois terá um benefício de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) enquanto que ir para São Luís resultará em um custo de R$ 6.000,00 (seis mil reais).
Aparentemente no exemplo não se consegue visualizar a aplicação do princípio da função social. Mas se no exemplo fosse uma fábrica onde os empregados além do salário fixo ganhassem por produção?
Desta forma é de se concluir que a função social dos contratos é de convivência com o a Teoria do inadimplemento eficiente.
4. Conclusão
O presente artigo teve por objetivo descrever o princípio da função social dos contratos previsto no Direito Civil Brasileiro e relacioná-lo com aspectos da economia de mercado que predomina no mundo e a Teoria da quebra eficiente ou do inadimplemento dos contratos.
Viu-se que na concepção tradicional de contrato baseada em um individualismo e liberdade “sem freios”, onde após feito o contrato havia uma exacerbada preocupação com a segurança jurídica, sendo protegida a crença de que aquele que é livre não pode, ao submeter-se a um contrato, deixar de honrá-lo, o que poderia deixar o contrato bastante oneroso para uma das partes.
No entanto, na idéia do contrato com função social, busca-se, ainda que diante das relações entre particulares, proteger o interesse da coletividade. Inclusive essa proteção social admite o descumprimento do contrato, desde que a parte agente assuma com os deveres de indenizar a outra parte prejudicada, na forma prevista na lei e até mesmo no próprio contrato.
Através de exemplos pode-se concluir que a função social dos contratos, excetuando-se casos específicos, como é o caso do Código de Defesa do Consumidor e da Consolidação das Leis do Trabalho, ambas legislações que busca equilibrar as relações entre partes contratantes originariamente desiguais, pode e deve ser aplicada buscando- se o máximo de eficiência econômica sem esquecer da preponderância do interesse social.
Assim, pode-se concluir que a função social dos contratos, princípio de origem social, pode conviver outros princípios contratuais de origem liberal, sempre com a finalidade de envidar esforços para a implementação de uma melhor eficiência econômica de forma distributiva.
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Tal Teoria foi abraçada por Xxx Xxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx nas décadas de 20 e 30 do século passado, onde é defendida a idéia de os contratos são verdadeiros compromissos contínuos de cooperação complexos, não se resumindo a uma relação ocasional entre dois sujeitos. Para maior aprofundamento sobre o tema ver: XXXXXX, Xxxxxx X.. Xxxxxxxx, Xxxxxxx e a descoberta da solidariedade e do poder no direito contratual. Tradução de Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx. Revista Direito GV, São Paulo, v.3, n.1, p. 187-202, xxx-xxx. 2007.
CF/88. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
CC. Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
É a relação entre os benefícios e os custos de transação decorrentes de uma situação. Quanto mais eficiente é uma solução, maior é a maximização de riquezas e menores são as perdas.
Os contratos existem para serem cumpridos. Xxxx, multa, por descumprimento de contrato.
Não se pode esquecer dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil.
Teoria do inadimplemento eficiente: tema introduzido por XXXXXX XXXXXXXXXX no artigo “Breach of contract, damage measures, and economic efficiency” in Rutgers Law Review, v. 24, p. 273, 1970.