O Pacto de Não Concorrência no Contrato de Trabalho – Alguns Aspectos
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Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx
O Pacto de Não Concorrência no Contrato de Trabalho – Alguns Aspectos
Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico- Empresariais, com Menção em Direito Laboral, sob a orientação do Professor Doutor Xxxx Xxxx Xxxxx
Coimbra 2014
À memória do meu avô, Xxxxxxx Xxxxxx
À minha Mãe, que tudo deu pela minha educação e formação, e que tudo nelas investiu, quantas vezes com o maior prejuízo pessoal
À minha “Avó”, Xxxxx Xxxxxxxx, que mudou definitivamente o curso da minha vida, provavelmente sem saber
À Xxxxxxx, minha companheira de sempre, e princípio de solução de todos os meus problemas
Aos colegas com quem tive o gosto de partilhar a minha experiência académica
A todos aqueles cujo estímulo esta dissertação reflecte
MODO DE CITAR
Nesta dissertação, as obras, sejam elas manuais ou artigos de revista, são citadas em nota de rodapé, por referência ao nome do autor, título, edição consultada e ano respectiva publicação, editora, local de publicação, data e página(s) sugerida(s).
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Na bibliografia final, o critério de ordenação das referências é o alfabético. Existindo várias obras ou artigos do mesmo autor, apenas o primeiro é indicado pelo nome, sendo os seguintes identificados pelo termo “idem”.
ÍNDICE DE ABREVIATURAS
AAFDL – Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa Ac. – Acórdão
al. – alínea
CC – Código Civil Português Cfr. – conferir
cit. – citado
colab. – colaboração
CPI – Código da Propriedade Industrial
CRP – Constituição da República Portuguesa
CT – Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei n.º 55/2014, de 25 de Agosto
CT de 2003 – Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto
ed. – edição
IDET – Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho
IRCT – Instrumento de Regulamentação Colectiva de Trabalho
LCT de 1966 - Lei do Contrato de Trabalho – Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 47032, de 27 de Maio de 1966
LCT de 1969 – Lei do Contrato de Trabalho – Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969
loc. – local
Org. – Organização
TC – Tribunal Constitucional
ROA – Revista da Ordem dos Advogados
RDES – Revista de Direito e de Estudos Sociais RMP – Revista do Ministério Público
QL – Questões Laborais Vol. – Volume
ob. – obra
p. – página
ss. – seguintes
CAPÍTULO I INTRODUÇÃO
1. Enquadramento, menção ao objecto e objectivo da dissertação
O contrato de trabalho dá origem a uma das mais férteis, abrangentes e fascinantes relações sociais a que o Direito estende o seu manto. É dotado de um conteúdo de tal modo rico que é capaz de criar uma autêntica vida paralela àquela em que o trabalhador é somente pessoa-cidadão e se autodetermina. Cria uma outra vida – a vida laboral, que é essencialmente heterodeterminada ou conformada pela entidade empregadora. O interesse do contrato de trabalho está muito no entrecruzamento destas duas vidas, que não só coexistem (cada vez menos amigavelmente, porventura…), como em muitas ocasiões se mesclam, seja em decorrência da própria natureza das coisas, seja pelo modo como a lei procura arquitectar essa articulação.1
Esta riqueza de conteúdo permite caracterizar o contrato de trabalho como relação jurídica obrigacional complexa.2 É assim na medida em que de tal vínculo, para além dos deveres primários de prestação a que cada uma das partes se encontra adstrita, e que constituem o sinalagma essencial trabalho-salário, promana ainda uma miríade de deveres secundários, deveres acessórios de conduta, ónus jurídicos e sujeições carregados de interesse teórico e prático.3
Comecemos por destacar, de entre esse universo de vínculos que sobre o trabalhador impende na vigência do contrato de trabalho, um específico dever acessório de
1 XXXX XXXX XXXXX (Contrato de Xxxxxxxx, 3.ª ed., Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 22-23) diz mesmo que para muitos trabalhadores subordinados, “o contrato de trabalho é, quiçá, o mais estruturante negócio jurídico que alguma vez celebram”.
2 Sobre esta noção, vide RUI DE ALARCÃO – Direito das Obrigações, com a colaboração de J. XXXXX XXXXXXX,
J. XXXXX XXXXXXXX, ALMENO DE XX e J.C. PROENÇA, policopiado, Coimbra, 1983, p. 51-58, e XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX – Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., por XXXXX XXXX XXXXX e XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 186-188.
3 Vide, por exemplo, XXXX XXXX XXXXX – Contrato de Xxxxxxxx…, p. 372, XXXXX XXXXXX XXXXXXXX – Direito do Trabalho, 6.ª ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 463, XXXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência, in RDES, Lisboa, Ano XXXXV (XVIII da 2.ª série), Outubro-Dezembro, 2004, n.º 4, p. 283.
conduta – o dever de lealdade para com o empregador.4 E tomemos apenas algumas notas, fazendo dele uma caracterização muito sumária, consonante com o que se espera de um espaço de considerações introdutórias como este.
A primeira nota é a de que este dever é objecto de consagração legal expressa,5 na al. f), do n.º 1, do artigo 128.º do CT. E consiste, nas palavras do referido preceito, na obrigação de o trabalhador “guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios”.6/7
A segunda nota é a de que esta solução legal encerra uma concretização do princípio da boa fé8 no exercício dos direitos e no cumprimento das obrigações, que é um princípio geral de direito dos contratos, que o CT especificamente acolhe no seu artigo 126.º e que tem reflexo em muitos outros preceitos do mesmo diploma.9 Daí que a formulação seja exemplificativa (expressa no advérbio “nomeadamente”) e algo abstracta, procurando dar resposta ao desafio de abarcar o amplo, elástico e variável conteúdo do dever de lealdade. De todo o modo, e sem que esse conteúdo aí se esgote, sempre se consegue colher de tal formulação dois afloramentos essenciais do dever de lealdade: i)
4 Para uma breve noção, vide, por exemplo, XXXX XXXXXXX XXXXXX – Direito do Trabalho, 3.ª ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 238-239, XXXXX XXXXXX XXXXX – Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 531-543, e XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX – Direito do Trabalho, 16.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 196-204.
5 À semelhança do que acontece com outros deveres acessórios de conduta do trabalhador, como os consagrados nas restantes alíneas do elenco não taxativo constante do n.º 1, do artigo 128.º do CT, das alíneas do elenco não inteiramente coincidente com aquele, constante do n.º 1 do artigo 351.º. A estes juntam-se ainda outros que eventualmente resultem de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, de regulamento da empresa, dos usos laborais ou de estipulações inseridas próprio contrato de trabalho. Vide, sobre o assunto, XXXXX DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO – Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 411, e XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 196.
6 Itálicos meus.
7 Há trabalhadores sujeitos ao dever de sigilo por força de disposição especial da lei, como é o caso dos trabalhadores responsáveis pelos ficheiros informatizados sobre dados pessoais (em conformidade como disposto no artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro – Lei da Protecção de Xxxxx Xxxxxxxx, ou com o disposto no artigo 220.º-F do Decreto-Lei n.º 131/95, de 06 de Junho – Código do Registo Civil), e dos funcionários bancários com contrato de trabalho (nos termos do disposto pelos n.ºs 1 e 3 do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro – Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras).
8 Assim, por exemplo, XXXXX XXXXXX XXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 463-464, XXXXXXX XXXXXXXXXX – Da Cessação do Contrato de Trabalho – Em especial, por iniciativa do empregador, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 67-68, e XXXX XXXXXXX XXXXXXXX – Direito do Trabalho, AAFDL, Lisboa, 2003, p. 389 (este último, ainda na vigência da LCT de 1969).
9 Não é que, inexistindo este preceito, não fosse perfeitamente possível alcançar idênticas soluções e retirar semelhantes consequências através do recurso à previsão mais geral do mencionado artigo 126.º do CT, ou mesmo até do artigo 762.º, n.º 2, do CC, nomeadamente, em matérias como responsabilidade disciplinar e justa causa de despedimento. Porém, verdade é que a específica previsão deste dever apresenta grande vantagem teórica, e sobretudo, prática, garantindo maior previsibilidade, certeza e segurança jurídicas, além de um mais apurado efeito preventivo.
uma obrigação de abstenção de comportamentos concorrenciais; ii) outra, de manter sigilo sobre matérias determinadas.10
Foquemos a nossa atenção no primeiro dos enunciados afloramentos que, no imediato, é o que mais interessa a esta introdução, e retiremos também acerca dele alguns apontamentos essenciais. Ora, trata-se de um non facere que existe por força da lei e que não necessita de ser expressamente pactuado pelas partes, destinando-se a proibir o trabalhador de exercer toda e qualquer concorrência11 não autorizada pelo empregador na vigência do contrato de trabalho.
Não pode ainda ignorar-se o facto de este dever de não concorrência implicar a restrição ao exercício de direitos e liberdades fundamentais constitucionalmente consagrados do trabalhador, designadamente, a liberdade de trabalho e de escolha de profissão, plasmada no artigo 47.º, n.º 1 da CRP, do direito ao trabalho – artigo 58.º, n.º 1, e da própria liberdade de iniciativa económica privada12 – artigo 61.º, n.º 1.
Não quer aqui discutir-se a constitucionalidade ou contestar-se a ratio deste dever de lealdade e suas manifestações essenciais. De facto, a existência deste dever e a sua configuração como limite extrínseco13 ao exercício dos identificados direitos e liberdades fundamentais é necessária para salvaguardar outros direitos com que estes têm de conviver, e para garantir valores maiores. Direitos que são, designadamente, a liberdade de iniciativa económica (mas) do empregador. E bens maiores entre os quais se contam o sucesso da execução do contrato de trabalho e a garantia da “subsistência de um estado de confiança entre as partes como fundamento objectivo da permanência do vínculo”14 e, num outro prisma, o interesse dos demais trabalhadores daquela organização produtiva, e o da comunidade na “protecção da sã concorrência e da liberdade de mercado”.15
10 Vide, por exemplo, XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 197-199, XXXXX XX XXXXXXX XXXXX XXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 421-424, e XXXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência no Código do Trabalho, in RDES, Lisboa, Ano XLVII, 2006, n.ºˢ 3-4, p. 301 e ss.
11 Por isso se diz tratar-se de uma obrigação de não concorrência “total”. Assim, XXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX, apud XXXXX XXXXXX XXXXX – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos de não concorrência em Direito do Trabalho, in RMP, n.º 127, Setembro de 2011, p. 78.
12 Embora a liberdade de iniciativa económica privada não seja, naturalmente, um direito exclusivo dos trabalhadores. Antes se trata, com ensinam J.J. XXXXX XXXXXXXXX e XXXXX XXXXXXX (Constituição da República Portuguesa – Anotada, Vol. I, 4.ª ed., Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 788-789), de um direito de qualquer pessoa.
13 A este respeito, vide XXXXX DO ROSÁRIO XXXXX XXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 432-435.
14 Palavras de XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 198.
15 A expressão é de XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência com efeitos post contractum finitum, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2012, p. 12.
A ratio daquele dever é, afinal, garantir que a prestação principal a cargo do trabalhador – executar a sua actividade em conformidade com as determinações do empregador –, é formal e materialmente bem executada, em termos de este último sujeito dela poder retirar efectiva e integralmente a utilidade que é suposto a prestação do trabalhador proporcionar-lhe. Por outras palavras, é garantir que a utilidade ou o benefício a retirar da prestação da actividade do trabalhador não resulta funcional ou teleologicamente frustrada – queira isso dizer por completo anulada ou tão-só compensada por um prejuízo causado pelo animus ou modo desleal como ele a realiza. Bem vistas as coisas, procura garantir-se a criação das condições necessárias à geração e manutenção de uma base de confiança essencial à sobrevivência do contrato de trabalho.16
Tomadas as notas essenciais acerca deste dever de lealdade e sua manifestação de obrigação de não concorrência na vigência do contrato de trabalho, importa clarificar que eles não constituem o foco material essencial desta dissertação. Sem embargo, aquelas e ainda outras notas que hão-de chamar-se à colação revestem o maior interesse, contribuindo para que a discussão que se segue seja mais facilmente inteligível, na medida em que permitem que a mesma desenvolva num exercício de contraposição de ideias que em muito facilita a construção do plano mental com que pretende partir-se para a leitura. Tal exercício de contraposição facilita ainda a decomposição desse plano mental num leque de interrogações essenciais para as quais pretende ensaiar-se aqui uma resposta.
Como adiante melhor se compreenderá, o verdadeiro objecto de tratamento deste trabalho partilha com a obrigação de não concorrência de que tem vindo a falar-se, em grande medida (embora com as devidas adaptações), e entre mais, a sua ratio, o facto de colidir essencialmente com os mesmos direitos, de apresentar limites proibitivos similares, bem como a dificuldade de definição concreta destes…
O que se pretende agora é, onde fizer sentido, e numa palavra, fazer uma espécie de análise caminho-de-ferro, em que cada um dos temas representa uma paralela.
Mas entremos, enfim, no verdadeiro foco material deste trabalho. Comecemos por colocar as primeiras interrogações, levantando o véu ao quadro mental supra referido. E a pergunta chave, que é ao mesmo tempo ponto e partida e de chegada é esta: uma vez extinta a relação laboral, em que posição concorrencial se encontra o trabalhador
16 Seguindo de perto o raciocínio de XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX (Direito do Trabalho…, p. 198). Vide, ainda, XXXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 301 e ss, que inclusivamente descreve o panorama do assunto na doutrina e jurisprudência italianas.
relativamente ao ex-empregador? É uma posição de liberdade? Uma posição de vinculação? Ou antes de “liberdade vinculada”?
Parece lógico que a extinção do contrato de trabalho acarrete a cessação dos efeitos de todas as obrigações que dele decorrem, não constituindo excepção os deveres acessórios de conduta. Poderá exigir-se, de direito, que o trabalhador mantenha um padrão de urbanidade e de respeito para com o ex-empregador, ex-colegas de trabalho e terceiros que com ele contactaram no contexto da empresa17 diferente daquele que deve manter para com qualquer outra pessoa, no respeito pelos respectivos direitos de personalidade? É juridicamente exigível que mantenha o padrão de urbanidade que era uso na empresa? Parece que não. Do mesmo modo, e entre mais, não tem sentido exigir ao trabalhador que obedeça às ordens e directivas do empregador, que seja assíduo e pontual, zeloso e diligente no desempenho de uma actividade que não mais exerce, nem que contribua para a melhoria da produtividade de uma empresa na qual não mais está inserido.
Mas mais importante é saber se o mesmo acontece, especificamente, com o dever de lealdade e com a obrigação de não concorrência que dele deriva.
Há quem sustente, de uma banda, que com o termo do vínculo laboral, o trabalhador “readquire a sua plena liberdade de emprego e de trabalho e até, como qualquer cidadão, a liberdade empresarial, bem podendo, nos limites apenas da concorrência desleal, iniciar uma actividade, por conta própria ou alheia, directamente concorrente com a do seu anterior empregador. Muito embora esta concorrência seja por vezes sentida psicologicamente como uma traição, a verdade é que ela é perfeitamente natural numa economia de mercado”.18 Em suma, cessa o contrato, cessam todos os deveres que dele promanam.
Por outro lado, alguns autores defendem que o dever de guardar lealdade ao empregador é dotado de pós-eficácia e os seus efeitos “sobrevivem ao fim do contrato, vedando ao trabalhador que faça concorrência desleal ao seu antigo empregador e que
17 Estas são as “três direcções” em que se desdobra o dever acessório de conduta de urbanidade, segundo XXXX XXXXXXX XXXXXXXX (Direito do Trabalho…, p. 387).
18 As palavras são de XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência no Direito do Trabalho – Algumas questões, RDES, Ano XXXX, (XIII da 2.ª Série), Janeiro-Março, n.º1, Lisboa, 1999, p. 12-13, mas diversos outros autores doutrinam no mesmo sentido, como XXXX XXXXX XX XXXXX (O pacto de não concorrência…, p. 285), XXXX XXXXXXX XXXXXX (Direito do Trabalho…, p. 239), ou XXXXX XXXXX XXXXX – Questões a propósito dos requisitos exigidos para a lícita constituição da cláusula de não concorrência no âmbito do contrato de trabalho, in QL, n.º 42 (edição especial dos 20 anos), Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 241.
divulgue factos sigilosos de que teve conhecimento no exercício da sua actividade laboral na empresa e por causa dessa actividade”.19
Em ambos os enunciados é feita referência à concorrência desleal, e esse é um ponto que vou dar como assente. No entanto, não deixa de causar alguma estranheza o facto de este segundo bloco de opinião fundar a proibição de concorrência desleal na sobrevivência do dever de lealdade à cessação do contrato de trabalho, quando, como bem destaca XXXXX XXXXX,20 a proibição de concorrência desleal “abrange por igual ex- trabalhadores e todos os que nunca tiveram essa qualidade relativamente a uma certa empresa”. Assim se vê que não existe especialidade que motive uma exploração além do estritamente necessário deste instituto, consagrado nos artigos 317.º, 318.º e 331.º do CPI, que também não constituirá objecto de tratamento desta dissertação.
Depois, as directrizes fornecidas pelos direitos fundamentais já mencionados – liberdade de escolha de profissão (artigo 47.º da CRP), do direito ao trabalho, (artigo 58.º, n.º 1) e do princípio da liberdade de iniciativa económica privada (artigo 61.º, n.º 1) – apontam no sentido de o trabalhador recuperar em pleno a possibilidade de os exercer. E mais claras ainda são as concretizações infraconstitucionais daquelas directrizes, que se encontram, para o que agora interessa, na regra constante do disposto nos artigos 136.º, n.º 1 e 138.º, do CT. O primeiro destes preceitos diz ser “nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato”. O segundo, franqueando a possibilidade de o ex-empregador causar tal prejuízo apenas “indirectamente”, estabelece que é “nulo o acordo entre empregadores, nomeadamente em cláusula de contrato de utilização de trabalho temporário, que proíba a admissão de trabalhador que a eles preste ou tenha prestado trabalho, bem como obrigue, em caso de admissão, ao pagamento de uma indemnização”.
19 O enunciado transcrito é de XXXXXXX XXXXX XXXXXXX (Direito do Trabalho…, p. 1036-1037), mas também outros autores assumem uma posição similar – é o caso, por exemplo, de XXXXX XXXXX X XXXXX (Obrigação de não concorrência…, p. 24 e 25), que segue a posição adoptada por XXXXXXXX XXXX XXXXXX (em Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., Verbo, Lisboa, 1993, p. 413). Na doutrina espanhola, por exemplo, XXXXX XXXXXX XXXXX – El pacto de no competencia postcontractual, in Relaciones Laborales, Sección Doctrina, La Ley, Madrid, 1995, p. 150.
20 As cláusulas de não concorrência…, p. 12-13.
A liberdade de escolha de profissão é uma componente da liberdade de trabalho21 e um direito que tem vindo a ganhar relevo na história constitucional portuguesa,22 exprimindo uma tendência para a sua prevalência sobre a liberdade de iniciativa privada, e para a valorização do elemento pessoal diante do elemento estritamente económico. De entre os direitos fundamentais mencionados, é este último o que maior relevo reveste para esta investigação. Merecerá, como tal, maior atenção.
Para o que aqui interessa, o respectivo conteúdo23 compreende duas facetas essenciais: i) uma positiva, segundo a qual qualquer pessoa tem a liberdade de escolha e de exercício de qualquer género ou modo de trabalho (não podendo ser impedida de escolher e exercer), de modo a que se torne possível a obtenção dos necessários meios de subsistência e realização pessoal; ii) e uma negativa, nos termos da qual fica interdito o trabalho obrigatório, não podendo, ninguém, ser obrigado ao exercício de determinada profissão ou género de trabalho (não ser forçado a exercer). O pacto de não concorrência tem implicações em ambas as dimensões, como veremos.
Fazendo parte do catálogo dos direitos, liberdades e garantias,24 o artigo 47.º beneficia de um regime material específico de protecção – o das leis restritivas daquela espécie de direitos, constante do artigo 18.º da CRP.25 Vinculando entidades públicas e privadas e gozando de aplicabilidade directa, como estabelece o n.º 1 deste último preceito, trata-se de um regime impositor de um conjunto de condicionalismos à restrição de direitos, liberdades e garantias, que consta dos respectivos n.ºs 2 e 3, e que consiste: i) na necessidade de uma autorização constitucional expressa (ou implícita); ii) no facto de restrição a operar dever visar a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; iii) dever ser necessária e adequada a levar a cabo essa salvaguarda (princípios da
21 Assim, J. J. XXXXX XXXXXXXXX/XXXXX XXXXXXX – Constituição da República Portuguesa – Anotada…, p. 653-654 e 765. Consideram os autores, em conformidade com os Acórdãos do Tribunal Constitucional (TC) n.ºs 398/94 e 187/01), que a liberdade de trabalho, “sem estar explicitamente consagrada na Constituição, decorre indiscutivelmente do princípio do Estado de direito democrático”.
22 Como nos dão conta XXXXX XXXXXXX /XXX XXXXXXXX – Constituição Portuguesa Anotada, 2.ª edição, Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 473.
23 Segundo XXXXX XXXXXXX – Liberdade de trabalho e profissão, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Lisboa, Ano XXX da 2.ª série, n.º 2, Abril-Junho, 1988, p. 153. Vide, também, XXXXXXXX XXXX XXXXXX – Manual de Direito do Trabalho, colab. de P. XXXXXXX XXXXXXX, X. XXXXX XX XXXXXXXX, XXXXX XXXXXXXXXXX e XXXXXXX XXXXXX XX XXXXXXX, Verbo, Lisboa, 2011, p. 601.
24 Sistematicamente inserido na Parte I – Direitos e deveres fundamentais, Título II – Direitos, liberdades e garantias, Capítulo I – Direitos, liberdades e garantias pessoais.
25 Assim, XXXXX XXXXXXXXX/XXXXX XXXXXXX – Constituição da República Portuguesa – Anotada…, p. 656. Mais pormenorizadamente, J. J. XXXXX XXXXXXXXX – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 448-461.
necessidade e da adequação); iv) dever ter carácter geral e abstracto; v) e restringir o direito apenas no estritamente necessário, sem violar o seu conteúdo nuclear.
Na mesma direcção que a liberdade de escolha de profissão aponta o direito ao trabalho,26 plasmado no artigo 58.º da CRP. Estamos, agora, diante de um direito económico, social e cultural27 – em “contraposição aos direitos, liberdades e garantias” –, que tem como “destinatário primeiro” o Estado28 e que, embora não directamente aplicável (consistindo apenas numa pretensão dos cidadãos em face do Estado, sem se corporizar num direito subjectivo com um conteúdo constitucionalmente determinado ou determinável), não é despido de toda e qualquer efeito jurídico. Com efeito, o mesmo constitui o Estado no conjunto de incumbências previsto no n.º 2 daquele artigo 58.º, que visam a criação das condições normativas (infraconstitucionais) e fácticas que permitam fazer do direito ao trabalho, para todos, uma realidade. E nisto consiste o âmbito positivo deste direito. Mas nele pode, ainda, descortinar-se um âmbito negativo de garantia, que consiste, em termos simples: i) na liberdade de procurar trabalho; ii) de igualdade de acesso a quaisquer cargos; iii) de exercício efectivo da profissão; iv) de não ser privado do posto de trabalho.29
Orientação semelhante nos dá o princípio de liberdade de iniciativa económica, consagrado no artigo 61.º, n.º 1 da CRP. Não obstante estar fora do catálogo dos direitos, liberdades e garantias,30 na medida em que apresenta para com eles uma “analogia substantiva”, é-lhe aplicável, por força artigo 17.º do mesmo diploma, o já sumariamente explicitado regime restritivo do artigo 18.º.31
Deste direito pode retirar-se um “duplo sentido”32 essencial: i) uma liberdade de iniciar uma actividade económica (criar empresas, investir, estabelecer-se); ii) e uma liberdade de gestão e actividade da empresa. Faz todo o sentido que assim seja, olhando ao que nos diz a
26 Que só através da liberdade de trabalho e escolha de profissão se concretiza, como refere XXXXX XXXXXXX
– Liberdade de trabalho e profissão…, p. 149.
27 Sistematicamente inserido na Parte I – Direitos e deveres fundamentais, Título III – Direitos e deveres económicos, sociais e culturais, Capítulo I – Direitos e deveres económicos.
28 As expressões são de XXXXX XXXXXXX/ XXX XXXXXXXX – Constituição Portuguesa Anotada…, p. 589.
29 Seguem-se de perto, neste ponto, XXXXX XXXXXXX/ XXX XXXXXXXX – Constituição Portuguesa Anotada…,
p. 586-592, e XXXXX XXXXXXXXX/XXXXX XXXXXXX – Constituição da República Portuguesa – Anotada…, p. 761-766. Vide, ainda, embora com ligeiras diferenças, XXXXXXXX XXXX XXXXXX – Manual de Direito do Trabalho…, p. 600.
30 Igualmente plasmado na Parte I – Direitos e deveres fundamentais, Título III – Direitos e deveres económicos, sociais e culturais, Capítulo I – Direitos e deveres económicos.
31 Assim, J.J. XXXXX XXXXXXXXX/XXXXX XXXXXXX – Constituição da República Portuguesa – Anotada…, p. 787-792, passim. As expressões são, também, dos referidos autores. Ainda neste sentido, vide XXXXX XXXXX – Direito do Trabalho, Volume II, Serviços de Acção Social da Universidade de Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 64.
32 A expressão é de J. J. XXXXX XXXXXXXXX/XXXXX XXXXXXX – Constituição da República Portuguesa – Anotada…, p. 790.
Parte II da CRP, relativa à organização económica, e às garantias institucionais da liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista, e de uma economia de mercado e de concorrência (artigo 80.º, al. c).
Problema é que se sabe, mesmo que não resultasse do que aqui fica exposto, que os enunciados direitos (como todos) não são direitos absolutos, podendo sofrer restrições mais ou menos amplas, nas suas diversas dimensões. E a verdade é que, se todos estes dados apontam no sentido de uma recuperação plena das liberdades de trabalho e de iniciativa económica pelo trabalhador, consequência da cessação do vínculo, outros há que apontam em sentido contrário (ou, pelo menos, diverso).
Assim, e de forma recorrente, assinala a doutrina33 os limites decorrentes, além do já mencionado instituto da concorrência desleal, também o instituto da responsabilidade civil. Depois, acrescenta ainda XXXXX XXXXX X XXXXX,34 apresenta-se como limite a violação de segredo com protecção penal e seu aproveitamento, remetendo para tipos legais de crime previstos nos artigos 195.º e 196.º do Código Penal). Nenhum destes três problemas constituirá (a não ser incidentalmente), o foco da minha atenção.
O objecto desta dissertação há-de encontrar-se no domínio do direito estritamente laboral, em que igualmente se encontram definidos limites à retoma plena das liberdades pós- contratuais assinaladas. Basta olhar ao CT para topar com uma subsecção cujo nome diz tudo sobre o que nela se trata e acerca da natureza dos expedientes que nela se contêm – “Cláusulas de limitação da liberdade de trabalho”, constituída pelos artigos 136.º a 138.º.35 Nessa subsecção, mais concretamente no artigo 136.º, está prevista a figura do “pacto” (termo usado pelo artigo 136.º) ou “cláusula” (termo usado na denominação da subsecção) de não concorrência, e respectivo regime jurídico. É precisa e somente nesta figura que se encontra o objecto deste trabalho.
Conhecido o objecto, interessa saber com que objectivo se parte para o respectivo tratamento. E esse objectivo consiste em procurar enunciar (não todos, mas) os mais relevantes problemas de direito substantivo em torno do pacto ou cláusula de não concorrência, partindo de uma perspectiva estritamente laboral, e proporcionar uma compreensão aqui mais e ali
33 Assim, XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 11, 13 e passim, e em Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 609 e passim e, mais recentemente, ainda em Algumas novas questões sobre os pactos ou cláusulas…, p. 78 e passim, mas também XXXXX XXXXXX XXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 687, XXXXXXX XXXXXXXXXX – Da cessação do contrato de trabalho…, p. 358, XXXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 284, nota 3, ou XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 13 e 23.
34 XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 13, nota 9.
35 A opção sistemática utilizada pelo legislador nesta subsecção é muito criticável. Vide, a este respeito, por exemplo, XXXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 292.
menos aprofundada da realidade que lhe subjaz, dos valores ou interesses com que joga, da sua relação com os direitos fundamentais acima sumariamente tratados e, sobretudo, do seu regime jurídico no ordenamento português actual (analisando a sua linha evolutiva, quando tal se mostre proveitoso), tendo em conta os indicadores fornecidos pela doutrina e jurisprudência.
Fora do âmbito da análise ficarão os problemas atinentes aos pactos de permanência, previstos no artigo 137.º, bem como os acordos entre empregadores com efeitos limitadores da liberdade de trabalho, previstos no artigo 138.º.
CAPÍTULO II
O PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA – NOÇÃO, FUNDAMENTO E PROBLEMAS ESSENCIAIS
1. Noção e problemas essenciais
Em coerência com o constitucionalmente consagrado a respeito dos direitos fundamentais à liberdade de trabalho e à escolha de profissão (artigo 47.º, n.º 1 da CRP), do direito ao trabalho (artigo 58.º), e à liberdade de iniciativa económica privada (artigo 61.º),36 o n.º 1 do artigo 136.º do CT sanciona com nulidade a “cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após37 a cessação do contrato”.
Na mesma linha, bem se compreende que aquilo que entre trabalhador e empregador (individual ou colectivamente representados) não pode ser negociado, menos ainda o possa ser somente entre empregadores, visando restringir a liberdade de trabalhadores e atingir efeitos práticos semelhantes aos que resultam da celebração de um pacto de não concorrência – daí a estatuição do artigo 138.º do CT, que dispõe ser “nulo o acordo entre empregadores, nomeadamente em cláusula de contrato de utilização de trabalho temporário, que proíba a admissão de trabalhador que a eles preste ou tenha prestado trabalho, bem como obrigue, em caso de admissão, ao pagamento de uma indemnização”.
Mas voltemos ao ponto que mais nos interessa – o artigo 136.º do CT. Percebe-se rapidamente que a nulidade prescrita o parcialmente citado n.º 1 consiste apenas numa regra ou princípio, a que o n.º 2 do mesmo preceito logo se encarrega de abrir uma excepção. Com efeito, este último preceito vem considerar “lícita a limitação da actividade do trabalhador durante o período máximo de dois38 anos subsequente39 à cessação do
36 Embora ela não seja, naturalmente e em coerência com o que na Introdução se disse, foco directo de atenção desta dissertação.
37 Itálico meu.
38 Ou, nos casos previstos no n.º 5 do mesmo preceito, “tratando-se de trabalhador afecto ao exercício de actividade cuja natureza suponha especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação
contrato de trabalho”, desde que respeitadas determinadas condições, previstas nas alíneas e números que se lhe seguem. Assim se concede às partes a possibilidade de, por acordo expresso, e respeitadas determinadas condições legalmente impostas, determinar a limitação da actividade do trabalhador no período subsequente40 à cessação do vínculo laboral. A cláusula ou pacto de não concorrência constitui precisamente o instrumento ou meio através do qual hão-de operar tal limitação – cláusula que as partes hão-de inserir no contrato de trabalho,41 ou pacto que hão-de celebrar em documento autónomo.42
O pacto de não concorrência, trabalhado pela doutrina à luz do preceituado no artigo 136.º do CT, poderá definir-se como “um acordo expresso de vontades, de natureza sinalagmática e onerosa, de duração limitada, celebrado entre empregador e trabalhador, pelo qual se visa limitar a actividade deste último após a cessação do contrato de trabalho com vista a impedir que concorra com o ex-empregador”.43 Ou, numa formulação não muito distinta, “um acordo por virtude do qual o trabalhador se obriga a não desenvolver a sua actividade por forma que possa ser prejudicial para a anterior entidade patronal, comprometendo-se, designadamente, a não trabalhar para uma empresa concorrente ou a não exercer por conta própria actividades concorrentes”.44 É nestes termos que a limitação se processa – o trabalhador abstém-se do exercício de comportamentos concorrenciais para com o seu ex-empregador.
As condições legalmente estabelecidas para a válida celebração de um destes acordos são, em termos muito simples, a sujeição do período de não concorrência a uma limitação temporal (proémio do n.º 2 e n.º 5 do artigo 136.º); a observância de forma escrita (al. a) do n.º 2); a possibilidade de a actividade a desenvolver pelo ex-trabalhador poder causar prejuízo ao empregador (al. b); a atribuição ao primeiro, por este último, de
particularmente sensível no plano da concorrência, a limitação a que se refere o n.º 2 pode durar até três anos”.
39 Itálico meu.
40 Sendo este um dos pontos que o diferencia do dever de lealdade no decurso co contrato, na vertente de não concorrência, já analisado na Parte I este trabalho. Vide, assim, XXXX XXXX AMADO – Contrato de Trabalho…, p. 374.
41 Veremos, mais tarde, o que deve entender-se por “contrato de trabalho”, no ponto 2.1 da Parte III desta dissertação.
42 De ora em diante, utilizarei mesmo indistintamente as expressões “pacto” e “cláusula” de não concorrência.
43 Assim o define XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 41-42.
44 Noção avançada por XXXXX XXXXX, XXXXX XXXXXXX XXXXXXX e XXXXXXX XXXXX XX XXXXXXXX – Comentário às leis do trabalho, Volume I, Lex, Lisboa, 1994, p. 171. Vide, de qualquer modo, a noção avançada por XXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 62.
uma compensação durante a limitação da actividade (al. c); e, ao que se pensa, a limitação da obrigação no plano espacial ou geográfico.
Estas cláusulas não constituem um rasgo inovador do sistema jurídico português, antes são uma realidade comum a muitos outros ordenamentos jurídicos.45 Do mesmo modo, e mesmo no nosso ordenamento jurídico, elas não representam, hoje, propriamente uma novidade.46 Este expediente foi entre nós introduzido e consagrado em 1966, pela Lei do Contrato de Trabalho desse mesmo ano,47 tendo depois transitado para o CT de 200348 e chegado, com algumas alterações,49 ao actual CT, de 2009.50
Nas primeiras décadas de existência, a cláusula de não concorrência foi um mecanismo pouco utilizado e que, consequentemente, não colocava grandes problemas práticos (quase não havendo registo de jurisprudência a tal propósito),51 nem assim despertava grande interesse na doutrina. Nos tempos mais recentes, contudo, a realidade é outra, e o pacto tem vindo a ganhar espaço na resolução de alguns dos novos desafios da moderna realidade laboral e económica, nomeadamente os colocados pelos fenómenos de competitividade crescente, de globalização da economia, o ganho de importância que a técnica, a tecnologia e o conhecimento em geral, sendo hoje uma matéria de grande interesse teórico, e acerca da qual se vêm somando decisões judiciais.52
Embora portador de uma já longa tradição jurídica entre nós, este expediente nasceu e continua a dar flanco a muitas e severas críticas, que deriva da sua própria natureza e teleologia de cunho restritivo. Como se disse, já, as cláusulas de não concorrência constituem uma excepção à regra da retoma plena (dentro dos limites da
45 XXXX XXXXX XX XXXXX fornece uma (longa) lista de ordenamentos jurídicos onde, à semelhança do nosso, se admitem, de forma condicionada, estas cláusulas (O pacto de não concorrência…, p. 286, nota 9). Enunciando alguns ordenamentos onde este tipo de explicitação não é, de todo, permitida, vide XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 10, nota 9. Ainda para uma boa perspectiva de regime no direito comparado, vide XXXXXXX XXXXXXXXXX – Da cessação do contrato de trabalho…, p. 354-358.
46 Vide, a propósito, XXXXX XXXXX, XXXXX XXXXXXX XXXXXXX e XXXXXXX XXXXX XX XXXXXXXX – Comentário às leis do trabalho…, p. 168-173, e XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 27-33.
47 Aprovada pelo Decreto-lei n.º 47 032, de 17 de Maio de 1966, e de ora em diante apenas designada por LCT.
48 Aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e doravante apenas CT de 2003.
49 Sobre a evolução legislativa nesta matéria, vide XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 27-33.
50 Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, sendo a última redacção dada pela Lei n.º 55/2014, de 25 de Agosto.
51 Como nos dava conta, no ano de 1999, o autor XXXXX XXXXXX XXXXX (As cláusulas de não concorrência…, p. 7-8).
52 Em Portugal e no estrangeiro, como nos dão conta, respectivamente, XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 11-12, e XXXXX XXXXXX XXXXX – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 77.
concorrência desleal e do segredo penalmente protegido) do exercício da liberdade de trabalho e de empresa, e do direito ao trabalho.53 O primeiro obstáculo comummente colocado a este tipo de estipulação reside emerge precisamente da dificuldade da sua compatibilização com a Constituição. Constitucionalidade e licitude são (embora o debate tenha, hoje, esfriado um pouco), entre nós e lá fora, grandes focos de discussão. Essencialmente, por duas ordens de razão.
Primeiro, porque a partir do momento em que se celebra o pacto de não concorrência (em momento que até pode coincidir com o da celebração do contrato de trabalho, olhando ao disposto no n.º 2 do artigo 136.º), a liberdade de desvinculação do trabalhador e a liberdade de mudar de profissão, componentes54 do princípio da liberdade de trabalho e de escolha e exercício de profissão ficam irremediavelmente comprimidos.55 Sabendo que, cessando o contrato, fica obrigado a abster-se de levar a cabo actividades concorrenciais com o seu anterior empregador – o que pode implicar a impossibilidade de actuação na área para a qual adquiriu formação e se encontra apto (sendo por vezes a única, em que tudo investiu) –, e de que isso pode reduzir substancialmente a possibilidade de encontrar um novo posto de trabalho ou de iniciar uma actividade por conta própria, o
53 A doutrina tende a olhar o problema das cláusulas de não concorrência, sem que haja propriamente um consenso, ora à luz da liberdade de trabalho (artigo 47.º, n.º 1 da CRP), ora na óptica do direito ao trabalho (artigo 58.º, n.º 1 do mesmo diploma). Assim, por exemplo, baseando-se no artigo 58.º, n.º 1: XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 535-538, XXXXXXX XXXXXX – Cláusula de não concorrência em contrato individual de trabalho, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XLVII, XX da 2.ª série, 2006, n.º 3-4, p. 240, e XXXXXXX XXXXXXXXXX – Da cessação do contrato de trabalho…, p. 353- 363 (à luz do CT de 2003). Olhando àquela realidade com base no artigo 47.º, n.º 1, por exemplo: XXXXX XXXXX, XXXXX XXXXXXX XXXXXXX e XXXXXXX XXXXX XX XXXXXXXX – Comentário às leis do trabalho…, p. 168-172 (na vigência da LCT), XXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 62-64 (já no período da codificação, mas ainda na vigência do CT de 2003), XXXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 284-286, XXXXX XXXXXX XXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 686. Se bem capto o seu pensamento, também XXXXX XXXXXX XXXXX - Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 77-78. XXXXX XXXXXXX e XXX XXXXXXXX – Constituição Portuguesa Anotada…, p. 588 dizem expressamente que “o problema da constitucionalidade dos pactos de não concorrência deve ser equacionado, não à luz do artigo 58.º, mas sim em face do artigo 47.º”). Depois, há ainda diversos autores avançam uma posição aparentemente “híbrida”, invocando ambos os preceitos constitucionais (na vigência do CT de 2003), como faz XXXX XXXXX XXXXXXX
– Os pactos de não concorrência…, p. 300.
54 Assim, por exemplo, XXXXX XXXXXXX e XXX XXXXXXXX – Constituição Portuguesa Anotada…, p. 475-476, e XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 9.
55 Neste sentido, XXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 62. Há quem entenda, por isso, que estas cláusulas deveriam ser consideradas nulas, porque contrárias à ordem pública, na medida em que têm por objecto a liberdade de trabalho, que é um direito indisponível e fora do comércio (XXXXXX XXXX-XXXX, apud XXXXX XXXXXX XXXXX - As cláusulas de não concorrência…, p. 9).
trabalhador tenderá a hesitar desvincular-se, ainda que isso implique prejuízo para os seus direitos e garantias.56
Depois, porque independentemente do momento em que é celebrado, este pacto se apresenta como um mecanismo cerceador ou constritor dos direitos fundamentais mencionados no início deste ponto, e porque o mesmo é estabelecido por meio de convenção das partes do contrato. Há que ter em conta o facto de o trabalhador não estar, na esmagadora maioria das situações, em posição de discutir a sujeição a este tipo de obrigação, rejeitando a inclusão no seu contrato de trabalho, em acordo de cessação do mesmo ou em pacto autónomo, de semelhante cláusula. Estes dispositivos não são sempre, como da inserção sistemática no CT parece resultar, produto líquido da autonomia contratual de ambas as partes.
Depois, há ainda que considerar outros direitos que, embora de consolidação recente e de hierarquia inferior aos anteriormente enunciados, assumem na sociedade dos dias de hoje um carácter cada vez mais decisivo na vida do trabalhador – como é o caso do direito à formação profissional e do seu integral usufruto num contexto laboral algo dominado pelo conceito de flexisegurança,57 de crescente importância da profissionalidade e da realização pessoal do trabalhador.58
Outro argumento que frequentemente aduzido contra a admissão do pacto de não concorrência é o facto de este constituir uma espécie de paradoxo, no quadro de sistemas económicos de livre mercado, de livre iniciativa e concorrência. Estas cláusulas permitem a introdução de limitações à livre concorrência dos trabalhadores precisamente por aqueles e no interesse daqueles que mais a reclamam – as empresas, na pessoa dos empregadores.59 Contra a admissibilidade diz-se, ainda, que estas cláusulas podem conflituar com o interesse público. Como? Essencialmente, de duas maneiras. Desde logo, o sentido em que tem como eventual consequência o desincentivo à formação profissional e à inovação – é razoável admitir que um trabalhador que se encontre vinculado a um destes pactos,
56 Ainda que disponha de uma justa causa, como sublinha XXXXXXXX XXXXX, apud XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 9. Vide, ainda, XXXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…,
p. 288, e XXXX XXXXX XXXXXXX que, a este respeito, fala num efeito dissuasor – (Os pactos de não concorrência…, p. 299).
57 Sobre o conceito, no contexto do nosso ordenamento, XXXX XXXX XXXXX – Contrato de Xxxxxxxx…, p. 38- 39.
58 Destacando este direito, XXXXXXXXX XXXXX-DONAT, apud XXXXX XXXXXX XXXXX - As cláusulas de não concorrência…, p. 25, e o próprio XXXXX XXXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 609-610.
59 Chamando a atenção para esta ideia, XXXXX XXXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 609-610, e XXXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 289.
consciente de que vai ficar impedido de fazer pleno uso do seu património profissional, por um período de tempo mais ou menos longo, por efeito da extinção do seu contrato, afrouxe, em alguma medida, o interesse em adquirir conhecimentos e desenvolver competências. Por outro lado, pode acontecer que essa obrigação de inactividade temporária recaia sobre trabalhadores cujas qualificações e produtividade são especialmente valiosas para a sociedade ou para uma qualquer comunidade (farmacêutica, aeronáutica, automóvel, etc.), ficando esta privada da sua plena fruição. Restringem-se, ainda, as liberdades de oferta e de livre-escolha dos destinatários do produto daquela actividade – o que pode ser mais ou menos grave, dependendo da amplitude da actividade vedada e do universo subjectivo privado da oferta.60 Situação difícil de aceitar, se pensarmos que, com frequência, a formação profissional é custeada por meio de subsídios ou de incentivos públicos (por exemplo, benefícios fiscais).61
O pacto mostra-se, assim, um instrumento legitimador do triunfo da liberdade económica sobre a liberdade de trabalho. Este triunfo é justificado, curiosamente, não apenas pelos interesses do empregador, mas também pelos interesses da economia e da comunidade em geral, embora em dimensões distintas das enunciadas nos parágrafos precedentes, que sobre elas prevalecem.62 A admissibilidade do pacto não pode, porém, deixar de ser excepcional e condicionada, havendo que assegurar a concordância prática entre os direitos e valores individuais e sociais conflituantes. Os limites legais de que depende a admissibilidade destas cláusulas revestem, assim, fundamental importância – é através deles que se atinge essa concordância prática, num primeiro momento, geral e abstractamente. No entanto, e porque as cláusulas de não concorrência podem apresentar- se lícitas, em abstracto, mas ilícitas em virtude dos concretos termos em que é celebrada, deve preconizar-se o seu controlo num segundo momento, apenas eventual, de sindicância judicial do cumprimento daqueles limites.
O nosso Tribunal Constitucional63 teve, já, ocasião de se pronunciar64 sobre o problema da constitucionalidade destes pactos, ainda na vigência do artigo 36.º, n.º 2 da LCT. E pronunciou-se pela sua compatibilidade com a nossa Lei Fundamental,
60 A ideia é de XXXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 288-289.
61 Desenvolvendo este raciocínio, vide as ob. e loc. cits. na nota anterior.
62 Interesses e dimensões que hão-de ser melhor analisadas no ponto 2 deste capítulo II.
63 Doravante, apenas TC.
64 No Acórdão n.º 256/2004, no âmbito do Processo n.º 674/02 (Relatores: Conselheiro Xxxxx Xxxxxx e Conselheiro Xxxxx Xxxx Xxxxx).
reconhecendo embora que através deste expediente se opera a restrição a direitos fundamentais. Considerou aquele tribunal que tal restrição não reveste abstractamente um carácter tal que não possa ainda ser tolerado pela nossa Constituição,65 ao mesmo tempo que pugnou pela necessidade da emissão de um juízo de necessidade, adequação e proporcionalidade da restrição – em concretização do artigo 18.º, n.º 2 (e 3) da CRP.66 Para a fixação desse entendimento do TC, foi ainda sobremaneira relevante o facto de o trabalhador ser titular de um direito potestativo a desvincular-se da restrição que o pacto representa, ao abrigo do disposto no artigo 81.º, n.º 2 do CC, em que se lê: “[a] limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte”. E o certo é que esta opinião parece ter convencido doutrina e jurisprudência, havendo diversas decisões dos tribunais a seguir aquele entendimento.67
Ainda assim, uma pequena fatia do bolo doutrinal duvida, ainda, da constitucionalidade desta figura, ou defende mesmo a sua inconstitucionalidade.68
65 No mesmo sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-03-2006, no âmbito do Processo n.º 863/2006-4 (Relator Xxxxxx Xxxxxxxxxx), também da Relação de Lisboa, o Acórdão de 10-12-2009, no âmbito do Processo n.º 376-06.6TTSNT.L1-4 (Relator Xxxxxx Xxxxxxxxxx, e do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2009, no âmbito do Processo n.º 09S0625 (Relator Vasques Dinis).
66 No Acórdão em tratamento existem, no entanto, dois aspectos que não deixam de me causar algum arrepio. Em primeiro lugar, embora consciente do facto de em alguns (muitos) casos poder haver um “constrangimento” pelo empregador à aceitação da sujeição ao pacto pelo trabalhador, o TC parece olhar a questão de forma demasiado optimista. Sobre o perigo de constrangimento e a posição relativa das partes neste “acordo de vontades” tive, já, ocasião de me pronunciar, neste ponto 1 do Capítulo II. Remeto apenas, pela clareza da explicação, para XXXXXXX XXXXXXXXXX – Da cessação do contrato de trabalho…, p. 354-
355. Há mesmo quem fale, a este respeito, de cláusulas de estilo, no ordenamento francês (XXXXX XXXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 609, nota 1536.
Depois, causa-me ainda alguma estranheza a simplicidade com que é visto o exercício do direito potestativo de desvinculação do trabalhador das obrigações assumidas em sede do pacto de não concorrência, ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2 do Código Civil, bem como ao pagamento da consequente indemnização pelos “prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte”. No sentido apontado pelo TC, contudo, XXXXX XXXXXX XXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 686, com destaque para a nota 2.
67 Cfr. as indicações jurisprudenciais sugeridas por XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 39, nota 77.
68 Expressando, entre nós, as suas dúvidas em relação à compatibilidade das cláusulas do pacto com o artigo 47.º da CRP, XXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 64. No ordenamento jurídico italiano, vide as posições de XXXXXXXX XXXXXXX e de XXXXXXXX XXXX, apud XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 8, nota 3.
2. Fundamento – os interesses ou valores a proteger
Questão de fundamental relevo é compreender com maior profundidade que interesse ou interesses de tão grande relevo haverá a proteger para que se admita tal restrição aos direitos fundamentais à liberdade de trabalho, ao direito ao trabalho e à liberdade de iniciativa económica. Que valores haverá a proteger? O que justificará aquela limitação? Só uma boa compreensão prévia desta questão permitirá, mais tarde, determinar com acerto o âmbito e alcance teórico e prático dos condicionamentos impostos a esta figura.
Os interesses a proteger são, sobretudo, interesses do empregador, ligados à protecção da sua posição concorrencial (e à da sua organização produtiva) no período pós- contratual. Mas não são apenas. Existem outros, como em parte já se disse – interesses da economia e da sociedade em geral, bem como do próprio trabalhador (afinal, estamos no domínio do direito do trabalho).
Não é difícil compreender que a concorrência do trabalhador inserido numa organização produtiva alheia (e bom conhecedor dela, do que nela se faz e de como nela se faz) em relação ao seu empregador, durante a execução do contrato, constitui para este último um perigo. E esse perigo pode ser visto de diversas perspectivas, podendo considerar-se, na vigência do contrato de trabalho: i) o problema de um eventual desvio da clientela; ii) da redução da produtividade laboral do trabalhador que exerce suplementarmente uma actividade concorrente; iii) da utilização indevida, por aquele, de informação a que tem acesso ao longo da execução da sua actividade; iv) da colocação em causa da manutenção da coesão interna das empresas e da preservação das boas relações;
v) e até de ocorrência de comportamentos parasitários, no sentido de o trabalhador procurar inserir-se na organização somente para ter acesso a know-how que ao mesmo tempo vai utilizar, ao mesmo tempo (ou mais tarde, quando tiver sugado todo o “sangue” e quando estiver cansado do empregador hospedeiro), em benefício próprio ou de outrem, em concorrência com o seu empregador.69 Em conclusão, o trabalhador está, nesse período, em posição privilegiada para concorrer e, mais do que em potência, com isso prejudicar o seu empregador.
69 Assim, XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX – Concorrência laboral e justa causa de despedimento – Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Março de 1985, in ROA, Ordem dos Advogados, Lisboa, 1986, Vol. II, p. 503-505, e XXXXXXXX XXXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 536.
Se é assim na pendência do contrato, o mesmo se passa, com as devidas adaptações, no período pós-contratual. Em muitos casos, alguns daqueles riscos (porque nem em relação a todos este raciocínio faz sentido) transitam de uma fase para a outra. E o cerne do problema em tratamento está, ao que penso, aqui – é para evitar estes perigos concorrenciais que o trabalhador é capaz de levar a cabo que a celebração do pacto de não concorrência é admitida. É este o núcleo teleológico mais relevante por detrás dele.
No sentido do raciocínio exposto depõe também um dos condicionamentos impostos pelo artigo 136.º do CT à admissibilidade da limitação da liberdade de trabalho (e de empresa) que com este expediente se consegue, constante da al. b) do seu n.º 2 – a necessidade de a actividade a desempenhar pelo trabalhador ser susceptível de causar prejuízo ao ex-empregador.
Isto porque, uma vez extinto o vínculo laboral, mais uma vez se repete, o trabalhador volta a fruir, em princípio, em pleno, do exercício daqueles direitos fundamentais (respeitados os limites assinalados no final do ponto I do Capítulo I, que impendem sobre toda e qualquer pessoa e não, especificamente, sobre um qualquer ex- trabalhador). No exercício das liberdades “recuperadas”, é legítimo ao trabalhador fazer uso daquilo a que correntemente se chama de “património profissional” ou “capital humano” – a experiência e saber técnico adquiridos ao longo da normal execução do contrato, pela formação profissional a que teve direito no decurso do mesmo ou que adquiriu por conta própria, pelos conhecimentos adquiridos em virtude da sua diligencia, inteligência e habilidade. Parece poder admitir-se, inclusive, que o trabalhador faça uso de conhecimentos de que disponha, relativos a fornecedores, clientela, ao sector de actividade em que trabalhou, desde que não sejam informações marcadamente confidenciais.70 XXXX XXXXX XXXXXXX diz mesmo que o trabalhador poderá utilizar “segredos profissionalmente adquiridos” quando isso se justifique em virtude de exigências da sua profissão habitual e “não seja utilizada em termos de prejudicar o antigo empregador”.71 Ora, está claro que a utilização destas ferramentas por parte do trabalhador pode causar prejuízo ao anterior empregador.
70 As ideias são de XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 11-12, com destaque para a nota 15. Importante é ver, também, XXXXX XXXXX, XXXXX XXXXXXX XXXXXXX e XXXXXXX XXXXX XX XXXXXXXX – Comentário às leis do trabalho…, p.171-172, e XXXXXXX XXXXXXXXXX – Da cessação do contrato de trabalho…, p. 358-360.
71 Os pactos de não concorrência…, p. 310-311. Esta é uma ideia a que adiro, embora colocando sempre a tónica, como faz o autor, no vocábulo profissionalmente.
Só por meio de acordo de não concorrência que respeite os apertados requisitos legais constantes do artigo 136.º do CT poderá, no entanto, o empregador prevenir-se do prejuízo que pode causar-lhe a concorrência do trabalhador. É assim porque não há, na lei, e como nos diz XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX,72 nada que estabeleça “qualquer restrição à conduta profissional do trabalhador após a cessação do contrato”.73
Ao longo da execução do contrato de trabalho, seja sobretudo pelo decurso do tempo, pela natureza das funções concretamente desempenhadas, seja pela conjugação destes dois ou de outros factores, o trabalhador acaba por te acesso a informação e conhecimento relevante para o sucesso e para o aviamento da unidade produtiva alheia em que se encontra inserido. Está em causa, normalmente, informação e conhecimento industrial e comercial, atinente à estratégia e organização da empresa, como técnicas e estratégias de produção, marketing, know-how, bases de dados de fornecedores, preços de matérias-primas e bens acabados, clientes, etc. E esta questão, já lançada nos parágrafos anteriores, reveste particular acuidade num contexto de sociedade de informação como aquela em que hoje vivemos.74 A informação pode consistir, muitas vezes, como alguém disse, no maior activo de muitas empresas, numa economia de mercado.75
Numa palavra, como afirma XXXXX XXXXXX XXXXX,76 o trabalhador conhece a empresa “por dentro”, estando em condições de exercer em relação ao seu ex-empregador uma “concorrência particularmente perigosa”77 ou diferencial. Esta é, como veremos, a única concorrência que poderá evitar-se com a celebração do pacto. Não pode, com ele, evitar a existência de mais um simples concorrente, que não oferece um perigo
72 XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 535.
73 Faz-se referencia expressa a este aspecto pelo facto de haver, na doutrina, quem sustente uma eficácia pós- contratual do dever de lealdade ou de um dever de boa fé, impendendo sobre o trabalhador. Embora tenda a aceitar o acolhimento desta ideia de responsabilidade civil pós-contratual, a verdade é que me parece que, de um ponto de vista substancial e de resultados práticos, ela não acrescenta muito àquilo que já se consegue obter através dos mecanismos da concorrência desleal, do segredo penalmente protegido e da responsabilidade civil extracontratual (nesta última matéria, vide as situações práticas a que se refere XXXXX XXXXXX XXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 608-609). Opto, assim, e por isso, por não trazer para aqui essa discussão, bastando-me com esta singela referência. Vide, contudo, XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 24-26 e as indicações bibliográficas delas constantes, também XXXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 304-309, e ainda a nota 17 de XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 12-13.
74 Mas não apenas neste contexto. Repare-se na referência de XXXXXXX XXXXXX a uma resolução da Organização Internacional do Trabalho versando sobre cláusulas de não concorrência, datada de 1928 (Cláusula de não concorrência…, p. 238).
75 Vide, sobre a relevância da sociedade de informação e sua influência neste contexto, XXXXXXX XXXXXX – Cláusula de não concorrência…, p. 233-235, XXXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 294, ss, e XXXXXXX XXXXXXXXXX – Da cessação do contrato de trabalho…, p. 362-363.
76 XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 13.
77 IDEM, Ibidem.
concorrencial específico relativamente aos demais, que eventualmente existam. Se a ideia é obviar à materialização deste risco, e uma vez que o pacto tem um alcance restritivo da própria concorrência leal78 entendida como o modo normal de exercício da actividade, então a utilização deste mecanismo só é legítima quando esses perigos existam objectivamente, na situação concreta, sob pena de se apresentar privado de qualquer efeito legítimo útil.79 É o caso dos trabalhadores que, tendo em vista as concretas funções desempenhadas, e a respectiva natureza, não têm contacto ou laço relacional suficiente com a clientela ou com informações de carácter confidencial.80 Mas este é um ponto para continuar a abordar mais tarde.
No imediato, e a este respeito, parece ainda importante dizer que a restrição temporária do exercício de actividade a que o trabalhador se obriga no parece justificar-se (abstraindo, agora, da questão da constitucionalidade) com a ideia de que é no período imediatamente após a cessação do vínculo que existe maior perigo de concorrência diferencial. O tempo tem um efeito erosivo no risco, que tende a atenuar-se, em razão da desactualização e progressiva depreciação da informação de que o trabalhador dispõe, bem como da mudança da orgânica e do funcionamento empresarial.
O pacto de não concorrência protege também, como se disse, interesses do trabalhador e da própria sociedade, em geral. Assinala-se-lhe, com alguma frequência, uma função preventiva de conflitos. Este aspecto foi, inclusive, abordado pelo TC, no já citado Xxxxxxx n.º 256/2004, que se posicionou na esteira dos ensinamentos de XXXXX XXXXX, XXXXX XXXXXXX XXXXXXX e XXXXXXX XXXXX XX XXXXXXXX.81 Acontece, seguindo o
raciocínio dos autores, que em muitas ocasiões não é fácil distinguir as situações de “normal exercício dos conhecimentos profissionais e técnicos que passaram a integrar o património profissional do trabalhador” das “situações ilícitas de utilização de informações reservadas” ou marcadamente confidenciais. Em concreto estabelecer uma fronteira e dizer onde acaba uma realidade e começa a outra pode ser tarefa diabólica.82 Assim, e como a obrigação de não concorrência consiste num meio expedito para evitar eventuais futuros
78 RITA XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 290.
79 Sobre o problema, JOÃX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 299-300.
80 Estex xxxecem ser os critérios determinantes, também para MÁRXX XXXXX, XXDRX XXXXXXX XXXXXXX x XNTÓNIO NUNES DE CARVALHO – Comentário às leis do trabalho…, p. 170-171. Vide, ainda, a opinião de JAQUXXXXX XXXXX-XXXAT, apud JÚLXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 14-15, nota 20.
81 Comentário às leis do trabalho…, p. 170-171.
82 As expressões são de MÁRXX XXXXX, XXDRX XXXXXXX XXXXXXX x XNTÓNIO NUNES DE CARVALHO – ob. e
loc. cits. na nota anterior.
litígios que pairem sobre esta “zona cinzenta”, ela é, muitas vezes, celebrada ad cautelam ou como meio preventivo.83 Assim se protegem os interesses do empregador, do trabalhador e do próprio tráfico jurídico, sabendo cada um, com alguma certeza, aquilo com que pode contar e que terreno pode, com alguma segurança, pisar.
A talhe de foice, aproveita para fazer-se referência a uma figura que com o pacto de não concorrência apresenta algumas semelhanças – o pacto de confidencialidade.84 À semelhança do que acontece no pacto de não concorrência, trata-se de uma estipulação produto da vontade negocial de ambas as partes, mas que impõe somente ao trabalhador a obrigação de não divulgar determinada informação de entre aquela que dispõe.
Apresenta, para o empregador, as vantagens de não estar sujeita à malha apertada dos requisitos de validade do artigo 136.º do CT, e de não ser onerosa. Para o trabalhador, e (pelo menos) em abstracto, a grande vantagem é a de este se mostrar um meio menos oneroso para a sua liberdade de trabalho e de iniciativa económica. Em atenção ao estatuído no artigo 18.º da CRP, seria de preferir este instrumento ao pacto de não concorrência, sempre que ele desse adequada cobertura às necessidades da concreta situação. Dele podem derivar, contudo, e em concreto, alguns problemas. Primeiro, é de aplicar aqui, devidamente adaptado, o raciocínio que acaba de fazer-se sobre a dificuldade do estabelecimento de uma fronteira clara entre o lícito e o ilícito na divulgação de informações – fala-se mesmo na existência de uma “revelação inevitável”.85 Depois, outro senão deste pacto de confidencialidade é o facto de, pelas vantagens regimentais que apresenta em relação ao pacto de não concorrência, constituir um instrumento apetecível para a prática de fraudes – podendo tentar obter-se através da primeira um efeito útil semelhante ao que se obteria com este último, sem os custos e dificuldades a ele inerentes, assim defraudando os respectivos requisitos de licitude.86 É verdade que há situações de trabalhadores concretos mais expostas a este perigo do que outras, mas o que interessa agora realçar é mesmo a existência dele.
83 Assim, ainda, JOÃX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 311, PEDRX XXXXXX XXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 687-688, e SOFIX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 22-23.
84 Sobre este ponto, vide o que diz JÚLXX XXXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 620-621.
85 Assim, RITA XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 290, nota 25.
86 Sigo de perto, na matéria das cláusulas de confidencialidade, JÚLXX XXXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 612, sobretudo a nota 1150, e p. 620-623 e também Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 96, RICAXXX XXXXXXXXXX – Da cessação do contrato de trabalho…, p. 362-363, e RITA XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 290-291.
Há ainda quem atribua ao pacto de não concorrência uma função igualmente preventiva mas, agora, de comportamentos parasitários de trabalhadores e (agora, também) de empresas. Assim, comenta a doutrina, conseguem evitar-se fenómenos de aproveitamento por parte de empresas que, poupando-se ao investimento de tempo e dinheiro na formação e preparação dos trabalhadores viessem, depois, oferecer-lhes melhores condições e colher frutos semeados pelo anterior empregador.87
Para terminar o ponto, uma referência à c) do n.º 2 do artigo 136.º do CT. Embora este pareça um aspecto marginal, uma boa percepção do mesmo pode fazer a diferença entre uma boa e uma menos boa compreensão da teleologia subjacente à obrigação de não concorrência. Diz este preceito que a compensação a atribuir ao trabalhador no período de inactividade “pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional”.
Parece poder descortinar-se, aqui, uma função de protecção do empregador que eventualmente haja realizado despesas financeiras na formação profissional do trabalhador. Este ponto de discussão conduz-nos à fronteira entre o pacto de não concorrência e o pacto de permanência88 (outra cláusula limitativa da liberdade de trabalho, na sistemática do CT, prevista no artigo 137.º), e suscita, essencialmente, dois reparos.
O primeiro é o de que, embora se reconheça a legitimidade da pretensão do empregador em ver compensados os recursos financeiros despendidos na formação profissional dos trabalhadores cujos contrato vêm a extinguir-se, não pode deixar de exigir- se, antes de mais, que aquelas assumam um carácter excepcional ou extraordinário em relação ao padrão de despesas na formação profissional do sector de actividade e da concreta função exercida pelo trabalhador, implicando um investimento importante em termos de recursos próprios (do empregador) e, como diz a própria lei, hão-de ser despesas “avultadas”.89 Quando se fala em recursos próprios quer trazer-se à colação a possibilidade de a formação profissional ter sido suportada, ao menos em parte, por subsídios ou
87 Chamando a atenção para este problema, JÚLXX XXXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 612-613, e As cláusulas de não concorrência…, p. 14.
88 Para uma ideia geral sobre o pacto de permanência, vide ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES – Direito do Trabalho…, p. 538-539.
89 Assim, JÚLXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 20.
incentivos públicos (como benefícios fiscais)90. Pretende evitar-se, suscitando esta questão, que o empregador possa beneficiar duplamente destes incentivos (poupando nos recursos próprios que teria de investir, primeiro, e reduzindo ao que tem a satisfazer ao trabalhador em decorrência de um pacto de não concorrência aquilo que efectivamente não suportou, num segundo momento). As despesas a considerar devem ser apenas as devidamente comprovadas e a redução deve fazer-se de acordo com juízos de equidade.
A equacionar há, ainda, a hipótese de o investimento a que se refere a al. c) já dever considerar-se amortizado, na medida do tempo em que o trabalhador tenha permanecido ao serviço do empregador e dos resultados que da sua actividade puderam extrair-se, depois de ministrada a formação profissional (haja ou não sido celebrado um pacto de permanência para o efeito). Claro que, em conformidade com o limite máximo preceituado no n.º 1 do artigo 137.º, nunca esse período poderá ser superior a três anos. Para calcular esta amortização, na falta de melhor critério, penso dever atender-se ao tempo que um trabalhador medianamente diligente e sagaz razoavelmente demoraria a recompensar o empregador do montante despendido, criando riqueza material ou intelectual equivalente, tendo em conta o padrão do sector de actividade e da concreta função exercida. Isto, a menos que se prove que que essa meta foi atingida antes do referido período, seja pela particular diligência do trabalhador, seja em virtude da concomitante ocorrência de circunstâncias de que o empregador tenha, em todo o caso, beneficiado.
O segundo reparo visa chamar a atenção para o facto de a amortização do investimento de que se fala nos parágrafos anteriores não ser, por si só, fundamento suficiente para a imposição de uma restrição à liberdade de trabalho como aquela que resulta do pacto de não concorrência (desde logo, com efeito na própria liberdade de desvinculação). Para isso existe, plasmado no artigo 137.º do CT, a figura do pacto de permanência. A teleologia fundamental por detrás daquele primeiro pacto está conexionada, relembra-se, com a evitação do perigo de utilização de informação adquirida ao longo do contrato de trabalho em benefício próprio ou de outrem, em ordem a
90 Este é um ponto a que muita doutrina não consegue ficar indiferente. Vide, por exemplo, JORGX XXXXXXX
/XUI XXXXXXXX – Constituição Portuguesa Anotada…, p. 590, e JÚLXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 20. Colocando o problema da compatibilidade do cenário, cada vez mais frequente, da necessidade de o trabalhador emigrar, derivada da celebração do pacto de não concorrência, para poder regressar à actividade para a qual se qualificou e foi treinado com o esforço de investimento (ou incentivo) público na (ou à) formação profissional dos trabalhadores, o último autor citado – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 81-83. JOÃX XXXXX XXXXXXX xxx serem, ainda, irrelevantes as somas de dinheiro “avançadas por patrocinadores” (Os pactos de não concorrência…, p. 370).
prejudicar o anterior empregador – e não compensar despesas realizadas com a formação profissional.91 Esta última realidade tem de ser vista como uma função de carácter residual e meramente incidental, quando não como um efeito puramente reflexo.
91 Assim, JOÃX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 298-299.
CAPÍTULO III
O REGIME JURÍDICO PROPRIAMENTE DITO E OS REQUISITOS DE LICITUDE DO PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
1. Os requisitos de licitude, em geral, e o seu carácter cumulativo
Como resulta do exposto em momentos anteriores desta dissertação, o nosso ordenamento jurídico-laboral concede às partes do contrato de trabalho a faculdade de celebração de pactos de não concorrência, no exercício da liberdade contratual. Conclui-se, no entanto, da leitura do disposto nos n.ºs 2 a 5 artigo 136.º do CT, que se trata de um daqueles casos em que a lei coloca restrições à liberdade de modelação do conteúdo.92 É configurada como uma liberdade condicionada e vigiada, cuja possibilidade de exercício é colocada na dependência da verificação, em concreto, de um conjunto de requisitos que a própria lei elenca – são requisitos legais, portanto. E são ditados por razões de ordem pública ou de interesse público, assim constituindo condições substanciais.93
Tais condicionamentos legais revestem uma importância fundamental na economia deste estudo, na medida em que constituem o primeiro dos (dois) momentos de controlo da conformidade de um pacto concretamente celebrado com os ditames constitucionais anteriormente explicitados.94 Cada um desses requisitos legais suscita um considerável rol de problemas – alguns solucionados pela lei, outros cujo esboço de solução vem a ser paulatinamente elaborado por doutrina e jurisprudência, e outros sem solução. Não sendo possível analisar todos aqueles problemas, importa dar a conhecer e explorar, pelo menos, os mais relevantes de um ponto de vista estritamente laboral.
Da letra dos citados preceitos conclui-se serem quatro os requisitos legais de admissibilidade, a saber: i) a exigência de que a cláusula ou pacto de não concorrência conste de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste (al. a) do n.º 2); ii) a necessidade de o exercício da actividade a desempenhar pelo ex-
92 CARLXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX – Teoria Geral do Direito Civil…, p. 102 e ss e p. 107 e ss.
93 Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-05-2008, Processo n.º 08S322 (Relator: Xxxxx Xxxxx).
00 Xxxx x xxxxxxxxx xxxxx xxxxx, xx Xxxxx 0 xx Xxxxxxxx XX.
trabalhador poder causar prejuízo ao ex-empregador (al. b) do n.º 2); iii) a necessidade de atribuir ao primeiro uma compensação, durante o período de limitação da actividade, podendo o facto de o empregador ter realizado avultadas despesas com a formação profissional do primeiro influir na determinação da medida da mesma (al. c) do n.º 2), e;
iv) a necessidade de aquela limitação ser temporalmente limitada – sendo a norma um período máximo de dois anos (corpo do n.º 2), e a excepção de um período máximo de três anos (casos em que o trabalhador se encontrava a exercer actividade cuja natureza suponha especial relação de confiança ou em que tenha tido acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência (n.º 5).
A este elenco acrescenta alguma doutrina95 e jurisprudência96 um outro requisito – a necessidade de a restrição ao exercício de actividade pelo trabalhador ser espacialmente ou geograficamente delimitada. E a verdade é que, não obstante a lei não faça qualquer referência (nem explícita, nem implícita), ele é sobremaneira importante na apreciação da licitude destes pactos ou cláusulas. É um parâmetro fundamental a ter em conta na apreciação da licitude que em cada situação concreta existe ou inexiste no “conjunto” ou na “reunião” dos requisitos que compõem cada cláusula ou pacto de não concorrência.
Ainda antes de encetar a prometida análise de cada um dos enunciados requisitos de licitude, cabe esclarecer uma questão prévia – a questão de saber se eles são ou não de verificação cumulativa.
Esta interrogação surge somente por ocasião da entrada em vigor da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro – o actual CT –, em virtude de a redacção por ela dada ao n.º 2 do respectivo artigo 136.º. Na verdade, tal redacção apresentava uma novidade relativamente aos preceitos em que a figura das cláusulas vinha a ser consagrada desde a já longínqua LCT de 1966, que se manteve na LCT de 1969 e que com diversas alterações acabou por
95 Vide, por exemplo, JÚLXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 24-25, SOFIX XXXXX X
XXUSX – Obrigação de não concorrência…, p. 108-109, com indicações bibliográficas, MARIX XXXXX XXXXX
– Questões a propósito dos requisitos…, p. 249, RITA XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 297-298, e a anotação de JOANX XXXXXXXXXXX – Código do Trabalho: anotado, Org. Pedrx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxmedina, Coimbra, 2009, p. 375. Na doutrina espanhola, CARMXX XXXXXX XX XXXX - Xl pacto de abstención postcontractual de la actividad competitiva, in Civitas - Revista española de xxxxxxx xxx xxxxxxx, x.x 00, Xxxxxx, 0000, p. 903-905, na doutrina francesa, NATAXXX XXXXXXX – Les critères de validité des clauses de non-concurrence en droit du travail, in Droit Social, n.º 6, Paris, 1999, p. 582 e 589, e na doutrina brasileira, ESTEXXX XXXXXX - – Cláusula de não concorrência…, p. 246-248.
96 Vide o já mencionado Acórdão n.º 256/2004, mas também os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-03-2006, Processo n.º 863/2006-4 (Relator: Isabxx Xxxxxxxxxx), xe 14-01-2009, Processo n.º 9374/2008-4 (Relator: Marix Xxxx Xxxxx), xe 10-12-2009, Processo n.º 376-06.6TTSNT.L1-4 (Relator: Isabxx Xxxxxxxxxx) x o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2009, Processo n.º 09S0625 (Relator: Vasqxxx Xxxxx).
transitar para o CT de 2003 – e essa novidade consistia na supressão pelo legislador do advérbio “cumulativamente” no momento da enunciação dos requisitos de cuja verificação dependia a licitude das cláusulas de não concorrência. O problema de saber se a verificação dos requisitos assume carácter cumulativo ou alternativo não se colocava, de todo, em qualquer daqueles referidos e revogados diplomas97 – os preceitos em que se continha a disciplina da cláusula limitativa da liberdade de trabalho de que vem a tratar-se consagravam expressa e inequivocamente a necessidade da sua verificação cumulativa.
Que sentido deve afinal retirar-se daquela amputação legislativa? Quererá ela dizer os requisitos de validade em tratamento passaram a ser de verificação alternativa, bastando que o pacto de não concorrência concretamente celebrado respeite algum ou alguns deles? Ou significará antes que a verificação cumulativa dos requisitos é de tal modo decisiva, evidente e adquirida na economia deste expediente que a presença do advérbio “cumulativamente” se torna simplesmente supérflua? À partida, e em abstracto, qualquer das enunciadas hipóteses se afigura verosímil.
Em concreto, no entanto, e a meu ver, só a segunda se mostra aceitável.98 Conhecendo a aptidão constritora de direitos, liberdades e interesses fundamentais
que caracteriza a figura do pacto de não concorrência, e sabendo igualmente que é a verificação conjunta daqueles requisitos de validade o que garante o delicado compromisso e a amenização da tensão que entre aqueles se estabelece, não pode de modo algum aceitar- se que o nosso sistema possa contentar-se com a simples verificação alternativa de apenas uma ou de algumas (mas não todas) das condições elencadas no corpo do n.º 2 e respectivas alíneas, do artigo 136.º do CT.
Não faria qualquer sentido que o legislador abdicasse de um tão relevante primeiro momento de controlo da licitude daquelas cláusulas – a verificação cumulativa daquelas condições –, que ao mesmo tempo procura garantir que elas se contêm dentro dos limites
97 O artigo 36.º, n.º 2 da LCT de 1996, que se manteve intocado, tento em termos de numeração como de redacção, na transição para a LCT de 1969, dizia que: “era “lícita […] a cláusula pela qual se limite a actividade do trabalhador no período máximo de três anos subsequentes à cessação do contrato de trabalho, se ocorrerem cumulativamente as […] condições”. Por sua vez, o n.º 2 do artigo 146.º do CT de 2003 estabelecia que era “lícita […] a cláusula pela qual se limite a actividade do trabalhador no período máximo de dois anos subsequentes à cessação do contrato de trabalho, se ocorrerem cumulativamente as […] condições”. Os itálicos são meus.
98 Vide, em sentido idêntico, SOFIX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 32-33 e referências bibliográficas constantes da nota 60 da p. 33.
da constitucionalidade.99 Até porque pode não haver segundo momento de controlo – que, a existir, aconteceria em sede jurisprudencial – e que, naturalmente, não passa de uma eventualidade. Concluir da supressão uma indicação legislativa de que aqueles requisitos passam a ser de verificação alternativa é, além de manifestamente excessivo, inaceitável. Assim, só pode concluir-se que a mens legislatoris que presidiu à supressão daquele advérbio na redacção não foi outra que não confirmar a desnecessidade da sua presença, por o carácter cumulativo dos requisitos ser de tal modo evidente e estar de tal modo enraizado que nenhum operador jurídico seria capaz de o postergar. Este é, julga-se, o único entendimento capaz de quadrar no nosso ordenamento jurídico-laboral e também constitucional.
Importa notar, ainda, e ultrapassada esta interrogação, que a verificação cumulativa dos requisitos é de facto necessária mas não suficiente, per si, para que possa considerar-se lícita uma concreta cláusula de não concorrência. Não basta, como não bastava na vigência de qualquer das LCT, bem como do CT de 2003, a simples reunião ou soma daquelas condições – a sua verificação formal –, é ainda necessário que o bloco por elas formado seja harmónico, perpassado por um nexo de concertação, em termos de entre elas se estabelecer os necessários trade-off’s e se gerar o desejado equilíbrio entre os direitos fundamentais de trabalhador, empregador e da sociedade em geral.100
2. A necessidade de acordo escrito
Concluída a abordagem genérica das condições cuja verificação a lei faz depender a admissibilidade e a licitude da cláusula de não concorrência, é o momento de analisar cada uma delas com maior profundidade, procurando explorar as questões mais relevantes que as mesmas colocam.
99 Para alguns autores, nem a verificação cumulativa dos requisitos de licitude garante a conformidade do expediente cláusula de não concorrência e respectivo regime com os ditames constitucionais. Vide, neste sentido, JORGX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 62-63, ou JORGX XXXXX/X. JORGX XXXXXXXX XX XXXXXXX – Legislação do Trabalho: anotada, 16.ª ed., Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 96, e ainda JOSÉ BARROS MOURA – Compilação de Direito do Trabalho Sistematizada e Anotada, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 101- 102, que defendem mesmo a inconstitucionalidade destas cláusulas restritivas da liberdade de trabalho.
100 Falando de “conexões de sentido ou relações de interdependência entre os traços tipicizantes da obrigação de não concorrência”, vide JOÃX XXXXX XXXXXXX – Pactos de não concorrência com projecção laboral: Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/04, in Jurisprudência Constitucional, n.º9, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 81-82, ponto IV.
Comecemos pela necessidade de aquela cláusula “constar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste”, conforme o disposto na al.
a) do n.º 2 do artigo 136.º do CT.
A primeira ideia a retirar da letra do citado preceito legal é a de que nele se consagra uma excepção ao princípio da liberdade de forma – regra plasmada no artigo 219.º do CC, e que é transposta para o ordenamento laboral pelo artigo 110.º do CT, que diz: “[o] contrato de trabalho não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei determina o contrário”. As partes são livres de celebrar o pacto, mas este é um dos “limites da lei”, utilizando a expressão do artigo 405.º do CC, de que se retira o princípio fundamental do nosso direito civil.101
É de fácil apreensão a teleologia subjacente a esta exigência de forma escrita, até porque a mesma não difere substancialmente daquela que normalmente preside a semelhante exigência na generalidade dos negócios jurídicos, e mais especificamente nos negócios jurídicos de natureza laboral.102 A teleologia em questão reside essencialmente na procura de que ambas as partes (ou todas, quando mais do que duas) levem a cabo uma prévia e cuidadosa ponderação acerca da extensão, implicações, importância e riscos103 que o pacto envolve. A necessidade de as partes reunirem, de se sentarem à mesa, discutir os concretos termos do pacto e de o reduzir o acordo obtido a um “documento escrito, particular ou público”,104 que devem assinar, funciona como um factor de prevenção de eventuais precipitações, criando uma barreira entre dois momentos – o momento em que os
101 Sobre este princípio, vide CARLXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX – Teoria Geral do Direito Civil…, p. 102 e ss.
102 A exigência de forma nos negócios jurídicos de natureza jurídico-laboral é particularmente marcada pela consciência de que na esmagadora maioria das situações o trabalhador se encontra numa posição de debilidade negocial relativamente ao empregador, de que emerge e em que se fundamenta a função “tuitiva ou tutelar” do direito do trabalho, como a designa JOÃX XXXX XXXXX – Contrato de Trabalho…, p. 20-21, contrapeso da assimetria daquela relação. Assim se diz ser frequentemente identificável uma espécie de princípio geral de protecção do trabalhador através da exigência de forma escrita em situações em que a respectiva posição se encontre enfraquecida. Neste sentido, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO – Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1991, p. 570. Ao mesmo tempo, e sempre numa lógica de garantia da posição do trabalhador, existe no nosso direito do trabalho uma regra paralela à enunciada, segundo a qual a exigência de forma no contrato de trabalho representa somente uma formalidade ad substantiam, cuja preterição tem como consequência a sujeição daquele contrato ao regime laboral comum ou por tempo indeterminado (embora esta regra comporte excepções). Sobre este último aspecto, vide LUÍS MENEZES LEITÃO – Direito do Trabalho…, p. 270-271.
103 A este propósito, mais do que um autor usa mesmo a expressão “gravidade” para aludir às consequências e riscos da celebração do pacto de não concorrência, nomeadamente para o trabalhador. Assim, ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES – Direito do Trabalho…, p. 537, e JÚLXX XXXXXX XXXXX – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 85.
104 A expressão é de PAULX XXXXXXX x XÉLXXX XXXXXXX, xx Código do Trabalho: anotado e comentado, 3.ª ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 436.
sujeitos decidem celebrar o pacto e aquele em que o celebram efectiva e propriamente. Este sistema oferece mais garantias de que quem subscreve tal acordo o quis subscrever, e que o quis nos termos em que efectivamente foi subscrito.
Mas não apenas. A redução a escrito constitui ao mesmo tempo uma enorme vantagem em termos probatórios. Nada melhor do que as partes terem na sua imediata disposição um documento de onde ressalte, com elevado grau de certeza, que o negócio foi celebrado, em que termos o foi, em que se acham traçadas as fronteiras do respectivo campo de aplicação.105 É assim, sobretudo, do ponto de vista prático, em sede do segundo e apenas eventual momento de controlo consistente na apreciação judicial do pacto.
Entre nós, há mesmo quem considere que a forma escrita e a teleologia por detrás da sua exigência se cumprem quando o documento em que se contém o pacto é “elaborado mediante processamento electrónico de dados”.106
Dando continuidade ao raciocínio com que se inicia este ponto, e acompanhando a doutrina e jurisprudência maioritárias, outra das conclusões a retirar desta al. a) é que a forma escrita nela se assume como uma formalidade imprescindível, ad substantiam,107 e que não é substituível por qualquer outro meio de prova, nem mesmo por confissão, atendendo ao disposto no artigo 364.º, n.º 1 do CC.108
A celebração verbal de pactos de não concorrência é um cenário excluído do nosso ordenamento jurídico-laboral.109/110 E a inobservância da forma legalmente prescrita para
105 Sobre as vantagens da exigência de forma na declaração negocial, nos negócios jurídicos em geral, CARLXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX – Teoria Geral do Direito Civil…, p. 428, ss. A questão da delimitação dos termos e do campo de aplicação dos pactos de não concorrência não escapa, ainda, ao TC, que a este dado faz referência no seu já citado Acóxxxx x.x 256/2004, disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx.
106 É a opinião de DIOGX XXX XXXXXXX (Xxxigo do Trabalho: anotado, 2.ª edição, Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 337 e 263), partilhada por SOFIX XXXXX x XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 53 e respectiva nota 111.
107 Assim, na doutrina, por exemplo, MÁRXX XXXXX/X. FURTXXX XXXXXXX/X. NUNEX XX XXXXXXXX – Comentário às leis do trabalho…, p, 172, SOFIX XXXXX x XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 52- 53, JÚLXX XXXXXX XXXXX – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 84-85, PAULX XXXXXXX/XXLXXX XXXXXXX – Código do Trabalho: anotado e comentado…, p. 436, e LUÍS MENEZES LEITÃO
– Direito do Trabalho…, p. 324.
108 Conforme assinala JOÃX XXXXX XXXXXXX (Xx pactos de não concorrência…, p. 320).
109 MARIX XXXXX XXXXX xx-nos uma visão actual sobre a exigência de forma escrita em alguns ordenamentos jurídicos europeus (Questões a propósito dos requisitos…, p. 245-246). O ordenamento jurídico italiano exige-a, estabelecendo o artigo 2125.º do Codice Civile que o pacto “è nullo se non resulta da atto scritto”. No ordenamento alemão, o cenário é semelhante, como pode retirar-se da expressão “bedarf der Schriftform”, constante do § 74, 1, do Handelsgesetzbuch. Diferentemente, no sistema espanhol, não há qualquer alusão à necessidade de observar a forma escrita na celebração do pacto – nem no corpo, nem em qualquer das alíneas do n.º2 do artigo 21.º do Estatuto de los Trabajadores. Alguma doutrina espanhola, dando conta de que o pacto necessita apenas de ser expresso – signifique isso por escrito ou verbalmente –, não deixa de realçar a conveniência e a vantagem em celebrar o pacto sob a forma escrita para efeitos
as declarações negociais das partes é sancionada com nulidade, nos termos do disposto no artigo 220.º do CC, uma vez que a lei não prevê para ela uma outra e especial sanção.
Conhecida a sanção, e a fim de manter um concreto pacto no hemisfério da validade jurídica, importa conhecer os meandros desta exigência de forma.
E atentemos na expressão “acordo escrito”, e sobretudo no termo “acordo” presente na al. a) do n.º 2 do artigo 136.º do CT. De tal expressão e termo resulta, e do até aqui exposto também se deduz, que o pacto de não concorrência é um negócio jurídico bilateral (ou multilateral). Significa isto, de acordo com a teoria geral, que é necessária a formalização escrita de pelo menos duas declarações de vontade – uma proposta e uma aceitação –, de “conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se na sua comum pretensão de produzir resultado jurídico unitário, embora com um significado para cada parte” (ou de todas elas, quando mais do que duas e se assim se trate de negócio plurilateral).111 Descendo ao concreto, e aplicando a teoria geral ao pacto de não concorrência, é mister uma declaração de vontade do trabalhador no sentido de este se comprometer a não concorrer com o seu empregador (ou ex-empregador, e, eventualmente ainda com outras entidades), e uma outra, do mencionado empregador, comprometendo-se a compensar o primeiro pelo seu non facere e pela limitação das suas liberdades fundamentais aqui em jogo.
Embora este seja um dado mais ou menos óbvio, convém referi-lo e tê-lo bem presente quando, no imediato e também mais adiante nos confrontarmos com algumas situações menos claras.
No imediato, destaca-se, por exemplo, a situação em que um pacto é celebrado mediante processamento electrónico de dados, “através de declaração escrita enviada por correio electrónico (e-mail) para um endereço electrónico”.112 Em tal caso, proposta e aceitação constarão de documentos diferentes que será necessário aglutinar para obter o
probatórios. Assim, por exemplo, PILAX XXXXXX XXXXX – El pacto de no competencia postcontractual…, p. 156, CARMXX XXXXXX XX TORO - El pacto de abstención postcontractual…, p. 905-906.
110 Conclui-se igualmente que a obrigação de não concorrência não pode igualmente resultar dos usos laborais, que são fonte de direito, nos termos do artigo 1.º do CT. Assim, também, JÚLXX XXXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 614, e LUÍS MENEZES LEITÃO – Direito do Trabalho…, p. 403.
111 Seguindo de perto os ensinamentos de CARLXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX – Teoria Geral do Direito Civil…, p. 385 e respectiva nota 465.
112 A expressão é de DIOGX XXX XXXXXXX – Código do Trabalho: anotado…, p. 337 e 263.
completo consenso, devendo resultar do conjunto, e de forma clara,113 aquilo a que cada parte se obriga.114
2.1. O momento ou oportunidade da formalização do pacto e os instrumentos em que o mesmo pode achar-se contido
Outra questão interessante é a de saber em que momento pode ser formalizado o acordo que constitui o pacto, e em que fontes ou suportes pode ele achar-se contido. Para responder a esta questão, partamos uma vez mais da letra da lei, tendo como base a expressão “nomeadamente de contrato de trabalho ou [acordo] de revogação deste”, também da al. a) do n.º 2 do artigo 136.º de que tem vindo a tratar-se.
O citado preceito não deixa margem para dúvidas acerca da possibilidade de o pacto ou cláusula de não concorrência constar de qualquer daqueles documentos. Não obstante isso, outras questões se levantam e merecem comentário – desde logo, o termo “nomeadamente” e o sentido que dele há-de retirar-se, mas também a discussão acerca da oportunidade e conveniência dos diversos momentos em que a formalização do pacto é possível.
Comecemos pelo caso mais simples. A abertura à possibilidade de celebrar o pacto em sede de acordo de revogação do contrato resulta do preceituado nos n.ºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 349.º do CT, de cuja aglutinação resulta que empregador e trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por meio de acordo que deve constar de documento escrito e conter menção expressa à data da respectiva celebração e àquela em que se inicia a produção dos seus efeitos, documento esse que deve ser assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar. Em sede deste acordo, diz o referido n.º 4, têm as partes, ainda, a liberdade de “acordar outros efeitos, dentro dos limites da lei”. Exemplo desses “outros efeitos” que é possível acordar é a inclusão naquele documento de uma cláusula de não concorrência, “dentro dos limites” que a lei giza nas normas em que se decompõe o artigo 136.º do CT.
113 A propósito da clareza das obrigações assumidas pelas partes, e também da exigência de forma, repare-se na interessante questão colocada por JÚLIO VIEIRA GOMES, relativa à celebração de pactos de não concorrência em língua estrangeira (Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 84, nota 26).
114 Pronunciando-se pela invalidade de declaração unilateral do trabalhador efectivamente recebida e aceite pelo empregador, SOXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 42-43.
Depois, importa prestar alguma atenção à expressão “contrato de trabalho” e procurar perceber que sentido dela deve ao certo retirar-se. Esta foi uma questão controvertida na (durante toda a) vigência de ambas as LCT e até à entrada em vigor do CT de 2003. 115 Não o é mais. É hoje pacífico que aquela expressão significa, em termos simples e pedindo de empréstimo as palavras de SOXXX XXXXX X XXXXX, que “o momento da formalização do pacto de não concorrência será aquele que as partes entenderem ser oportuno”.116 E assim, por “contrato de trabalho” poderá entender-se tanto a sua redacção inicial, como qualquer alteração ou aditamento superveniente do mesmo que as partes venham a acordar no uso da sua liberdade contratual, mesmo em documento autónomo (além da supra referida possibilidade de incluir a cláusula no acordo de revogação). Neste sentido depõe ainda o advérbio “nomeadamente”, que o actual CT e o respectivo artigo 136.º, n.º 2, al. a) vieram acrescentar ao que dispunha a mesma alínea, número do artigo 146.º do CT de 2003, que estabelecia somente que a cláusula de não concorrência seria válida se constasse “(…) por forma escrita, do contrato de trabalho ou do acordo de cessação deste”.
Além de reforçar o exposto no parágrafo precedente, o mencionado advérbio abre provável e definitivamente a porta a uma outra possibilidade – a de a densificação do regime de um pacto de não concorrência se achar contido em IRCT. Diz-se “definitivamente” porque ainda vigorava o CT de 2003 (e o correspondente preceito supra
115Acontecia que a redacção da alínea a) do n.º 2 do artigo 36.º, de qualquer das LCT suscitava dúvidas relativamente ao momento em que o pacto poderia ser validamente formalizado. Tais dúvidas emergiam do facto de o referido preceito estabelecer que celebração era lícita desde que a cláusula constasse “por forma escrita, do contrato de trabalho”, enunciado que assim era susceptível de duas distintas interpretações: i) uma mais literal, segundo a qual, para ser validamente estipulado, o pacto haveria de constar da redacção inicial do contrato de trabalho; ii) o pacto pode constar da redacção inicial do contrato de trabalho ou de qualquer alteração ou aditamento superveniente ao mesmo, devendo entender-se a expressão “contrato de trabalho” em sentido lato, de modo abranger todas estas possibilidades. Foi esta segunda interpretação a que maior consenso reuniu na doutrina e jurisprudência do período pré-codicístico e que acabou por vingar e acolhida na alínea a) do artigo 146.º do CT de 2003, tendo depois sido transposta para a mesma alínea e número mas do artigo 136.º do CT de 2009 (com um “retoque”, digamos assim, passando a estabelecer que a cláusula é válida se “constar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste” – o itálico é meu). Muito sucintamente, avançando três argumentos, MÁRIO PINTO, PEXXX XXXXXXX XXXXXXX x ANXXXXX XXXXX XX XXXXXXXX (Comentário às leis do trabalho…, p. 172-173) explicam as vantagens de tal interpretação. Mas vide, ainda, JÚLIO VIEIRA GOMES (As cláusulas de não concorrência…, p. 16-17) que já na altura defendia que a cláusula de não concorrência poderia até constar de acordo de revogação do contrato de trabalho, numa interpretação do citado preceito da LCT que embora fosse prater ou mesmo contra legem, fazia sentido e veio a ser mais tarde acolhida nos já referidos códigos do trabalho.
116 Obrigação de não concorrência…, p. 53. No mesmo sentido, DIXXX XXX XXXXXXX – Código do Trabalho: anotado…, p. 335.
citado), e já JOXX XXXXX XXXXXXX xxplorava tal hipótese, desenvolvendo um raciocínio que mantém plena actualidade. 117
É verdade que não existe na doutrina um consenso acerca desta possibilidade, havendo quem a rejeite in limine.118 Creio, porém, que embora ambas as posições são defensáveis de jure condito e de jure condendo. Vejamos com que argumentos.
No sentido do afastamento desta possibilidade pode convocar-se a conjugação do disposto no n.º 1 e al. a) do n.º 2 do artigo 136.º do CT – da sua letra e da sua teleologia. Recordemos que o citado n.º 1, estabelecendo um princípio geral de proibição, prescreve “[é] nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato”.119 Por sua vez, consagrando uma excepção àquela regra, a al.
a) do n.º 2 – preceito consagrador da excepção à regra do n.º1 – vem somente dizer que a cláusula de não concorrência é lícita se (entre outros requisitos) “[c]onstar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste”, não fazendo sequer alusão aos IRCT.
Depois, e também no sentido da não aceitação, pode argumentar-se não ser aconselhável a abertura de um precedente, que pode vir a revelar-se um ponto de não retorno, no sentido de começar a encarar-se o pacto de não concorrência como uma figura padronizável, utilizável como cláusula como “cláusula de estilo” ou geral nos IRCT, 120 e cuja inserção no contrato (no sentido amplo acima apontado) ou no respectivo acordo de revogação o trabalhador poderá ter sérias dificuldades em recusar. Mais ainda assim, quando se sabe que o âmbito subjectivo dos IRCT é frequente e “artificialmente” estendido a trabalhadores que nada fazem para por eles serem abrangidos, com recurso a mecanismos administrativos.121 E quando se sabe igualmente que os pactos de não concorrência se assumem um expediente tão limitador de liberdades fundamentais do trabalhador (por vezes adoptado somente como meio preventivo de eventuais actuações danosas) e cuja
117 Os pactos de não concorrência…, p. 323-325.
118 Como fazem, por exemplo, LUÍS MENEZES LEITÃO (Direito do Trabalho…, p. 324), ou JÚLIO VIEIRA GOMES (Direito do Trabalho…, p. 614).
119 O itálico é meu.
120 Destacando este aspecto, embora falando em geral sobre a figura dos pactos de não concorrência e não especificamente a propósito da sua previsão em IRCT, RIXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 304.
121 Para algumas notas sobre a questão, nos tempos recentes, JOXX XXXX – Troika e alterações no direito laboral colectivo, in O Memorando da “Troika” e as Empresas, Colóquios do IDET (n.º 5 da Colecção), Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 139, ss.
validade se encontra tao dependente da sua adaptação às características do caso concreto. Neste sentido, afirma JOXX XXXXX XXXXXXX, que uma “previsão apriorística da […] execução [de um pacto de não concorrência] num IRCT jamais se compaginaria com a verificação casuística” do interesse legítimo do empregador (requisito de licitude previsto na al. b) do artigo 136.º do CT).122
Parece-me, contudo, que estes são argumentos ultrapassáveis por aqueles que podem aduzidos a favor, com a feitura de uma interpretação que é provavelmente prater legem, mas que não deixa de respeitar a teleologia do referido expediente. Isto, claro, adoptando um raciocínio rodeado de cautelas como é o preconizado por JOXX XXXXX XXXXXXX, mais tarde adoptado também por SOXXX XXXXX X XXXXX,023 que procurarei seguir, no essencial, e passo a expor.
Para que a análise se mantenha no domínio de uma interpretação praeter legem e não contra, é antes de mais necessário reconhecer que um IRCT não pode, por si só e de forma automática fazer mais do que simplesmente densificar o regime de um pacto de não concorrência. Não pode, designadamente, e sem que haja uma aceitação singularizada, de cada trabalhador, operar a inserção num concreto contrato de trabalho de um tal pacto. Nem o advérbio “nomeadamente”, nem a teleologia do artigo 136.º do CT – que perspectiva a subscrição individual do pacto de não concorrência como ponto nevrálgico na economia da exigência deste requisito de forma escrita o permitem. É ponto assente, porquanto o mais que pode discutir-se é a possibilidade de um IRCT prever ou densificar o regime de um pacto de não concorrência a jusante da ideia adquirida de que a respectiva inserção num concreto contrato de trabalho não se faz sem que ao trabalhador seja garantido que o mesmo “só valerá se prestar o seu assentimento”.124
Anxxxxxxxx, então, os argumentos a favor da aceitação.
Desde logo, pode argumentar-se no sentido de que a negociação dos termos do pacto de não concorrência feita no uso da autonomia colectiva, por intermédio das competentes estruturas representativas dos trabalhadores e empregadores permite àqueles reunir uma maior força negocial e exercer um contrapeso negocial maior do que aquele que o trabalhador “solitário” é capaz de exercer, quando o é.
122 Os pactos de não concorrência…, p. 325. 123 Obrigação de não concorrência…, p. 45-48. 124 Os pactos de não concorrência…, p. 324.
Depois, e reforçando a ideia do parágrafo precedente, é importante não esquecer que a liberdade de trabalho constitui um direito de personalidade do trabalhador também para efeitos do disposto na al. a) do n.º 3 do artigo 3.º do CT. Disciplinando as relações entre as fontes de direito do trabalho, dispõe o n.º 3 do referido artigo que “[a]s normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores quando respeitem” a um determinado conjunto de matérias, entre as quais se encontram os direitos de personalidade do trabalhador (a aludida al. a). Significa isso que por força do princípio matricial do direito do trabalho – favor laboratoris –,125 a densificação do regime do pacto de não concorrência que através de IRCT seja operada só poderá ser feita em sentido mais favorável ao trabalhador.126 Exemplo daquilo que poderia ser densificar em sentido mais favorável seria estabelecer um período temporal máximo inferior ao previsto nos n.ºs 2 ou 5 do artigo 136.º, consoante os casos, ou determinar um patamar mínimo de compensação a pagar ao trabalhador no período de inactividade concorrencial.
Vistos os prós e os contras, chega a altura de tomar uma posição.
Embora com alguns receios, nomeadamente do risco de proliferação dos pactos de não concorrência como “cláusula de estilo”, parece ser de aceitar a possibilidade de densificação do regime do pacto de não concorrência através de IRCT, em sentido mais favorável ao trabalhador, contanto que a sua aplicação aos concretos contratos individuais de trabalho esteja sempre na dependência da aceitação individualizada.
Por fim, o mais que referido advérbio “nomeadamente” poderá ainda permitir a celebração do pacto de não concorrência em momento posterior à cessação do contrato de trabalho. O espírito da lei não parece ficar nada beliscado se aquele primeiro evento ocorrer logo após este segundo. Mas há mesmo quem vá mais longe e acredite que aquela formalização é factível em momento não imediatamente posterior, caso entre aqueles dois eventos não ocorra um hiato temporal suficientemente dilatado para quebrar o nexo de causalidade entre os instrumentos concorrenciais diferenciais que no decurso e em virtude do contrato de trabalho o trabalhador adquiriu e os danos que ele ainda possa causar, usando-os, seja trabalhando por conta de outrem, seja em benefício próprio, no uso da sua
125 Sobre este princípio, por exemplo, JOXX XXXX XXXXX – Contrato de Trxxxxxx…, p. 43 e ss, e DIXXX XXX XXXXXXX – Código do Trabalho: anotado…, p. 82-84.
126 Assim, de forma expressa, SOXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 44.
liberdade de empresa ou iniciativa económica privada. SOXXX XXXXX X SOUSA127 e MAXXX XXXXX XXXXX000 xestacam a possibilidade de o pacto ser celebrado por ocasião de um acordo em sede judicial, em acção em que se discuta a validade de um despedimento (ou em acordo a que se chegue também em sede de acção de responsabilidade do trabalhador
por actos concorrenciais cuja danosidade se discute, acrescenta-se). Mas a formalização do pacto, pensam as autoras (e eu tendo a concordar), pode perfeitamente dar-se fora de acordo em sede de acção judicial, desde que respeitados todos os requisitos de validade.
Esta possibilidade coloca, no entanto algumas dificuldades, sobretudo porque é necessário evitar eventuais fraudes ao requisito ou limite temporal de validade a que se refere o corpo do n.º 2 do artigo 136.º do CT. É que o pacto nunca poderá ser formalizado em data posterior àquela até à qual poderia ter validamente produzido os seus efeitos caso tivesse sido celebrado na data da cessação do contrato de trabalho. Assim, recuando ao momento da cessação do contrato de trabalho, e tendo em conta todos os elementos de que por essa altura dispunham, as partes hão-de concluir qual seria a duração máxima que o pacto de não concorrência poderia validamente ter caso tivesse sido celebrado então – por exemplo, um ano. Aplicando a teoria à prática, nunca o pacto poderia ser celebrado depois de decorrido um ano sobre a cessação do contrato de trabalho. Mas isto não é suficiente para evitar a fraude ao elemento temporal. É ainda necessário deduzir a esse período máximo por que o pacto poderia ter sido celebrado – no caso em exemplo, de um ano – o lapso de tempo que entretanto decorreu e medeia entre o momento da cessação do contrato de trabalho e o da formalização do pacto.129 Assim, se tiverem já decorrido três meses desde aquele primeiro momento, o mais que o pacto então celebrado pode validamente durar são nove meses.
A primeira das mencionadas autoras diz ainda que esta formalização posterior só é admissível caso o trabalhador não tenha ainda iniciado o exercício de uma actividade concorrencial com o seu anterior empregador. Do meu ponto de vista, não é de considerar aquele evento decisivo na preclusão da hipótese de acordo em momento posterior à cessação do contrato – tudo está na autonomia privada das partes, que até podem chegar à
127 Obrigação de não concorrência…, p. 58.
128 Em Questões a propósito dos requisitos…, p. 246. Esta autora destaca ainda o facto de o problema em análise ser igualmente objecto de discussão e em termos muito semelhantes aos aqui apresentados, no ordenamento jurídico italiano.
129 MAXXX XXXXX XXXXX – Questões a propósito dos requisitos…, p. 247-248, e nota 20 desta última página.
conclusão que a celebração do pacto de não concorrência é o melhor para todos, ainda que apenas do ponto de vista preventivo.
Em coerência com o que no início se disse, resta ainda tecer algumas considerações acerca da oportunidade de cada um dos momentos em que é possível formalizar o pacto.
Comecemos por recordar que o pacto de não concorrência é um negócio jurídico cujos efeitos, nomeadamente a limitação da liberdade de trabalho e de iniciativa económica privada, em teoria, devem começar a produzir-se após a cessação do contrato de trabalho. Acontece que, quando o pacto é celebrado antes da cessação daquele último evento, os seus efeitos começam, na prática, a produzir-se imediatamente, na medida em que logo ali fica comprimida a liberdade de desvinculação do trabalhador (no respeito pelos termos da lei), que é uma das dimensões do referido princípio fundamental de liberdade de trabalho.130 O trabalhador sabe que, a partir daquele momento, desvincular-se pode significar hipotecar por um período mais ou menos alargado e num espaço geográfico mais ou menos considerável a possibilidade de se manter profissionalmente activo, no desempenho das funções para as quais é qualificado – é nisto que consiste o chamado “efeito dissuasor”.131 Ao mesmo tempo, o trabalhador sabe que assim perde alguma da (por vezes já muito pouca) margem negocial que tem para discutir as suas condições de trabalho.132 Pensando numa situação mais extrema mas nem por isso apenas académica, pode acontecer que este efeito prático se tenha produzido por uma cláusula de não concorrência que até é nula, e que o trabalhador i) não se tenha apercebido logo dessa invalidade; ou ii) que no caso em concreto, a invalidade fosse duvidosa, em face da doutrina e jurisprudência existentes.133
Analisemos agora, especificamente, a hipótese de o pacto ser formalizado no momento da celebração do contrato de trabalho. E comecemos por reconhecer que o empregador deve poder legitimamente condicionar a admissão do trabalhador à subscrição de um pacto de não concorrência,134 na medida em que as partes frequentemente não se conhecem, não sabem o que esperar uns dos outros, e assim previnem eventuais problemas futuros, ainda par mais se tivermos em conta que o trabalhador é admitido para
130 Sobre o princípio da livre demissão, vide JOXX XXXX XXXXX – Contrato de Trxxxxxx…, p. 434 e ss.
131 Assim denominado, por exemplo, por JÚLIO VIEIRA GOMES – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 94-95.
132 Destacando este aspecto, RIXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 288.
133 O raciocínio é de JÚLIO VIEIRA GOMES – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 95.
134 Assim, também, SOXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 55, 57 e respectiva nota 125, e p. 58, e JÚLIO VIEIRA GOMES – Direito do Trabalho…, p. 614.
desempenhar funções de confiança e responsabilidade. Deste ponto de vista, há aqui uma garantia importante do empregador. Claro que este vector preventivo não dispensa a verificação dos requisitos da validade, nem faz sequer presumir o interesse sério do empregador a que se refere a al. b) do n.º 2 do artigo 136.º do CT.
Problema é que, no momento da admissão, o trabalhador se encontra numa posição de particular debilidade ou vulnerabilidade negocial,135 em que necessidade de conseguir aquele posto de trabalho não lhe permite discutir nem as condições em que pacto pode ser celebrado, nomeadamente as respeitantes à compensação a que se refere a al. c) do n.º 2 do artigo 136.º do CT, nem sequer a própria celebração em si. Seria dar, “logo à partida, a impressão de não pretender cumprir o contrato de acordo com a boa fé e a necessária seriedade”,136 ainda que saiba não verificados os requisitos de validade. Só em casos muito excepcionais, de trabalhadores de elite ou de qualquer forma muito reconhecidos e desejados (que representam, convenhamos, uma minoria de entre o universo de trabalhadores susceptíveis de ser abrangidos por cláusulas de não concorrência), tal cenário não se verificará.137
Depois, o pacto pode ser celebrado a qualquer momento durante a execução do contrato, que tem “um conteúdo largamente evolutivo, [e que] vai sendo integrado e recomposto através de múltiplas manifestações de vontade […], ajustando-se assim ao
135 Assim, por exemplo, JOXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 321, ANXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 537, ou MÁRIO PINTO, PEXXX XXXXXXX XXXXXXX x ANXXXXX XXXXX XX XXXXXXXX – Comentário às leis do trabalho…, p. 172. Vide, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30-10-2002, Processo n.º 0049294 (Relator: Fexxxxxx Xxxxxxx), cujo sumário está disponível em xxx.xxxx.xx.
136 Seguindo o raciocínio de um autor alemão – THXXXX XXXXXXXXX –, JÚLIO VIEIRA GOMES afirma que por este motivo “é muito delicado para um trabalhador rejeitar cláusulas de não concorrência, cláusulas de restituição de despesas na sua formação” (Direito do Trabalho..., p. 608. A estas tomo a liberdade de acrescentar outras, como as cláusulas de confidencialidade ou ainda de exclusividade – sobre estas, vide o mesmo autor e obra, p. 620-623 e p. 630-631.
137 Quanto a mim, esta será a excepção e não a regra – ao invés do que defende SOXXX XXXXX X XXXXX (Obrigação de não concorrência…, p. 55). Esta autora não nega a possibilidade de a posição de desequilíbrio negocial existir. Defende, contudo, que em regra, o trabalhador com quem o empregador estará interessado em celebrar um pacto de não concorrência que, destaca, é oneroso, será “apenas” aquele ao qual vai ser permitido o acesso “a informação particularmente importante” e que vai ocupar, “em regra”, “lugares de confiança e de responsabilidade no seio da organização”. Por este motivo, considera a autora que estes trabalhadores não poderão caracterizar-se como “negocialmente vulneráveis ou débeis, “donde a posição típica de desequilíbrio entre os sujeitos do contrato de trabalho não se fará sentir com a mesma intensidade que caracteriza a posição contratual da generalidade dos trabalhadores”. Parece-me, contudo, que é logicamente excessivo retirar das premissas de que parte uma tal conclusão. A referida doutrinadora termina, ainda, dizendo que se trata, “as mais das vezes, de trabalhadores com facilidade em encontrar um novo emprego, chegando a ter uma posição negocial praticamente idêntica ou mesmo mais forte que a do próprio empregador” (o itálico é meu). A estes casos me referi, supra, como os tais trabalhadores de elite ou de qualquer forma muito reconhecidos e desejados – que considero a minoria.
quadro técnico e organizacional em que é executado”.138 Por vezes, só o decorrer do tempo e o desenvolvimento da relação contratual permite às partes avaliar da oportunidade ou necessidade de acertar um pacto de não concorrência. Na sociedade de hoje, acontece amiúde que a actividade inicialmente empreendida pelo empregador diversificar-se ou complexificar-se técnica e/ou tecnologicamente, a sua área de influência alargar-se, ao mesmo tempo que o trabalhador passa a desempenhar funções distintas, ou as que desempenhava passam a implicar maior confiança e responsabilidade, ou até é promovido. Em razão de qualquer destes acontecimentos, ou de outros, pode o empregador topar com a necessidade de acautelar os seus interesses concorrenciais para o período pós-contratual, por não haver outro meio adequado, menos oneroso para o trabalhador e igualmente capaz de os satisfazer. E à semelhança do que acontece no momento da celebração, pode legitimamente acontecer que o empregador pretenda subordinar a promoção ou outra alteração substancial do contrato com implicações susceptíveis de encaixar no âmbito de protecção do pacto de não concorrência à celebração de tal negócio.139
Existe um maior equilíbrio de posições negociais no período de execução contratual comparativamente com aquele que existe no momento da admissão – os sujeitos terão travado algum conhecimento e, sobretudo, o trabalhador encontra na garantia de proibição de despedimento sem justa causa, consagrada no artigo 53.º da CRP, alguma margem de manobra para negociar as condições do acordo.140
Pode ainda acontecer que, em qualquer das situações em que o pacto é celebrado em momento anterior ao da cessação do contrato do trabalho, o lapso temporal que medeia entre a celebração e a cessação seja de tal modo dilatado que, no momento em que é suposto iniciar-se a produção dos efeitos do pacto (não pensando agora no já referido “efeito dissuasor”), o cenário que o mesmo teve por objecto pode já não corresponder à realidade laboral actual. Do mesmo modo que, existindo ainda aquela correspondência, o equilíbrio inicialmente existente entre as prestações a que cada parte se vincula em sede do pacto pode ter-se perdido, por força de outras quaisquer circunstâncias (inflação, por exemplo). Em qualquer destes casos, pode o mesmo ser alterado por acordo, ou mediante recurso ao mecanismo previsto no artigo 437.º do CC – a cláusula rebus sic stantibus –,
138 ANXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 537.
139 Cfr. as referências bibliográficas apontadas na nota 126. SOXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 55, 57 e respectiva nota 125, e p. 58, e JÚLIO VIEIRA GOMES – Direito do Trabalho…, p. 614.
140 Seguindo o raciocínio de JOXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 322.
que permite a resolução ou modificação do contrato por alteração superveniente das circunstâncias.141
Este é um problema que não se coloca quando o pacto de não concorrência é celebrado por ocasião da cessação do contrato ou em momento posterior. Muitas vezes, só aí as partes se apercebem dessa necessidade ou conveniência preventiva. Em qualquer desses momentos dispõem os sujeitos de todos os elementos de que precisam e com base nos quais hão-de trabalhar os termos do pacto, com a particularidade de os mesmos não poderem estar mais actualizados.142 Acrescenta-se, ainda, que a celebração em qualquer destes momentos apresenta a vantagem de não permitir ao pacto a produção do limitativo da liberdade de desvinculação do trabalhador – o “efeito dissuasor”.143
E as ocasiões em que o pacto é celebrado já depois da cessação e fora do contexto de um acordo conseguido em sede judicial devem ser aquelas em que existe o menor perigo de a “anuência do trabalhador corresponder a uma mera ficção, uma vez que o contrato de trabalho já cessou e, com ele, o estado de subordinação do trabalhador.”144
2.2. A possibilidade de celebração do pacto de não concorrência em função da modalidade ou tipo de contrato de trabalho
Outra questão interessante e que aqui pode explorar-se é a de saber se um pacto de não concorrência poderá ser celebrado em face de todo e qualquer tipo (ou toda a modalidade) de contrato individual de trabalho ou de contrato de trabalho sujeito a regime especial.
A verdade é que a este respeito nada se retira do disposto no artigo 136.º do CT, que especificamente regula o regime do pacto de não concorrência. Sendo já conhecida a teleologia daquele expediente, a configuração dos seus requisitos, os receios que colocam e as cautelas que exigem, diria que deve partir-se de uma posição de princípio que definiria
141 JÚLIO VIEIRA GOMES – As cláusulas de não concorrência…, p. 17.
142 Em torno deste problema, DIXXX XXX XXXXXXX – Código do Trabalho: anotado…, p. 335-336.
143 RIXXXXX XXXXXXXXXX (Da cessação do contrato de trabalho…, p. 357-358) manifesta uma opinião distinta (contrária, a bem dizer), receando mais a inclusão da cláusula de não concorrência no contrato de trabalho do que no acordo da sua cessação, na medida em que, afirma, por essa altura, aquela cláusula “não ser prática acordada, mas sim imposta unilateralmente pelo empregador como condição da cessação propriamente dita”. Não compreendo, contudo, o exacto alcance da afirmação deste autor, quando fala em imposição unilateral da cláusula como condição da cessação do contrato de trabalho.
144 MAXXX XXXXX XXXXX – Questões a propósito dos requisitos…, p. 247-248.
nos termos seguintes: salvo disposição legal em contrário, e desde que os requisitos de licitude constantes do corpo e das diversas alíneas do n.º 2 do artigo 136.º se encontrem em concreto verificados, o pacto é aplicável a qualquer modalidade de contrato de trabalho. Na verdade, se quisermos ser práticos e materialistas (não formalistas), tudo está em saber se em relação a um concreto contrato de trabalho, seja qual for a modalidade que ele reveste, está ou não verificado o requisito do interesse sério subjacente ao disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 136.º do CT – porque o problema do prazo máximo, do acordo e da forma escrita e da compensação a atribuir ao trabalhador só se colocam depois, e se aquele primeiro estiver verificado.
Um exemplo em que a lei expressamente afasta a possibilidade de aposição de pactos de não concorrência é o contrato de trabalho do praticante desportivo,145 disciplinado pela Lei n.º 28/98, de 26 de Junho (sujeito a regime especial, portanto).146
Depois, um exemplo de contrato de trabalho a que, ao que penso, o pacto de não concorrência não pode ser aposto, não por força de disposição legal impeditiva, mas antes em virtude de o requisito do interesse sério do empregador não poder considerar-se verificado é o contrato de trabalho de serviço doméstico (também ele sujeito a regime especial), regulado pelo Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de Outubro. É assim porque tal modalidade contratual e as funções147 nela compreendidas são insusceptíveis de originar um perigo de concorrência diferencial, ainda que se trate um vínculo particularmente marcado pela confiança. O mesmo acontece, penso, com todos os trabalhadores
145 Nos termos da alínea a) do artigo 2.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, contrato de trabalho desportivo é aquele “pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva a uma pessoa singular ou colectiva que promova ou participe em actividades desportivas, sob a autoridade e a direcção desta”.
146 O n.º 1 do respectivo artigo 18.º estabelece expressamente que: “[s]ão nulas as cláusulas inseridas em contrato de trabalho desportivo visando condicionar e limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do vínculo contratual”, numa redacção que muito se assemelha à regra de proibição prescrita pelo n.º 1 do artigo 136.º do CT, e que indubitavelmente respeita a cláusulas limitativas da liberdade de trabalho e, assim, também ao pacto de não concorrência.
147 O Contrato de serviço doméstico “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem, com carácter regular, sob a sua direcção e autoridade, actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar, ou equiparado, e dos respectivos membros, nomeadamente: [n.º 1] a) Confecção de refeições; b) Lavagem e tratamento de roupas; c) Limpeza e arrumo de casa; d) Vigilância e assistência a crianças, pessoas idosas e doentes; e) Tratamento de animais domésticos; f) Execução de serviços de jardinagem; g) Execução de serviços de costura; h) Outras actividades consagradas pelos usos e costumes; i) Coordenação e supervisão de tarefas do tipo das mencionadas neste número; j) Execução de tarefas externas relacionadas com as anteriores”.
indiferenciados e com funções desligadas de um contacto com a clientela que lhes permita dele retirar um benefício concorrencial diferencial.148
Outras modalidades há que igualmente suscitam algumas reservas quanto à inclusão nos mesmos de um pacto de não concorrência, como acontece com os contratos de trabalho a termo, certo e incerto, os contratos de trabalho de muito curta duração, e aqueles que cessam ainda no decurso do período experimental, mesmo que celebrados por tempo indeterminado. As dúvidas residem essencialmente em saber se o lapso de tempo por que são executados aqueles contratos terá sido suficiente para o trabalhador angariar os conhecimentos e as capacidades necessárias e também suficientes para poder exercer, ainda que em potência, uma concorrência diferencial.
Salvo melhor opinião, parece-me que o critério do lapso temporal não é aqui decisivo – não em função dele, e muito menos apenas em função dele, que se determina a capacidade de o trabalhador poder ou não exercer uma actividade de que possa resultar para o empregador um prejuízo sério. A verificação ou não deste interesse verifica-se, em concreto, em razão do conjunto de informações que efectivamente acedeu, dos conhecimentos que adquiriu, das técnicas que desenvolveu ou aprendeu a dominar, a clientela com que travou conhecimento e manteve contacto em virtude das funções que desempenhou e do posicionamento que tinha na organização do empregador – numa palavra, com base naquilo que o trabalhador não sabia e passou a saber, e naquilo que não era e passou a ser capaz de fazer.149
E atente-se ao facto de os contratos a termo certo podem perdurar entre 18 meses e três anos, consoante os casos,150 e que os contratos a termo incerto podem subsistir até 6 anos.151 Por sua vez, o período experimental, que é um tanto um “marco artificial” que se traça na duração do contrato com vista a até ali permitir e depois condicionar o exercício
148 Vide, com grande interesse, a opinião de XXXXXXX XXXXXX – Cláusula de não concorrência…, p. 244- 245.
149 Em sentido próximo, XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 58-63, citando inclusivamente um entendimento semelhante, da autora espanhola XXXXX XXXXXX XXXXX. Ao longo destas páginas, a autora considera ainda as hipóteses de aposição do pacto de não concorrência a contratos de teletrabalho e a contratos em comissão de serviço (interna e externa), e conclui que a mesma é possível, com o que concordo. Sobre o problema da aposição daquele pacto a contrato a termo, vide ainda XXXXX XXXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 619, e XXXX XXXXX XXXXXXX, acerca da aposição a contratos com duração inferior a seis meses (Os pactos de não concorrência…, p. 353).
150 Cfr. artigo 141.º, n.ºs 1 e 2, do CT. Pode ainda acontecer que os contratos a termo sejam abrangidos por um regime de renovação extraordinária, como o introduzido pela Lei n.º 76/2013, de 7 de Novembro.
151 Cfr. artigo 141.º, n.º 4, do CT.
de certos direitos e a produção de determinados efeitos jurídicos bem como o momento em que eles si iniciam pode te uma duração máxima de 240 dias.152
2.3. As partes no pacto de não concorrência
Ainda a respeito do acordo exigido nos termos do disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 136.º, colocam-se algumas outras questões: quem são as partes no pacto de não concorrência? Por quem deverá o pacto ser subscrito e quem se vincula para com quem?
Se à primeira vista este parece um não-assunto, rapidamente chegamos à conclusão de que, na verdade, é um assunto, e até bem complexo. Vejamos.
Ensaiando uma resposta à primeira questão, em princípio, partes no pacto de não concorrência são os sujeitos do contrato de trabalho de cuja execução emergem as necessidades de protecção concorrencial diferencial. E por esta altura já se sabe – resulta do anteriormente exposto –, que nem todo o trabalhador poderá ver a sua liberdade de trabalho e de iniciativa económica privada e o seu direito ao trabalho sujeitos a restrição por meio de um tal pacto, na medida em que não haja um interesse do empregador suficientemente relevante e intenso para quadrar com as exigências colocadas pela al. c) do n.º 2 do artigo 136.º do CT e com a teleologia subjacente a todo aquele expediente.
No que concerne à segunda interrogação (e desenvolvendo o ensaio de resposta apresentada à primeira), o cenário mais comum e simples – o tal princípio – será o de vinculação “um para um”, isto é, um trabalhador que se vincula a não concorrer com o (um) seu ex-empregador. Porém, as coisas não têm necessariamente de passar-se assim, e pode acontecer que do lado do empregador – sujeito credor da obrigação de inactividade concorrencial –, exista não um mas uma pluralidade de sujeitos. Ao que se pensa, tal pode suceder em duas situações distintas: i) os casos em que há pluralidade de empregadores, se e porque cumpridos os requisitos do pluriemprego, constantes do artigo 101.º do CT ii) quando a entidade empregadora é uma sociedade em relação de grupo com outras.
Pensemos no primeiro dos casos enunciados, que é o mais simples de entre a complexidade deste assunto, em que um trabalhador é contratado por um conjunto de
152 Cfr. artigo 112.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CT.
empregadores a fim de desenvolver a sua actividade profissional em benefício de todos estes.
O critério para aferir que concretos sujeitos empregadores podem validamente ser parte no pacto de não concorrência está em saber se e a qual ou a quais deles o desempenho de uma actividade, pelo trabalhador, seja por conta de outrem ou por conta própria, pode, em concreto e pelo menos em potência, causar o prejuízo a que se refere a al. c) do n.º 2 do artigo 136.º do CT.153 Aqueles a quem nos referidos termos aquela actividade puder causar prejuízo poderão validamente ser parte no pacto. Isto, porque se é concebível a ideia de aquele requisito poder verificar-se em relação a todos e cada um dos empregadores, igualmente plausível é a possibilidade de ele se verificar apenas em relação a alguns deles.
Certo é que, em qualquer dos dois cenários, necessário é que o pacto identifique de forma clara e rigorosa as concretas entidades empregadoras com quem o trabalhador fica impedido de concorrer, e em que medida o fica.
Depois, e porque é fácil a dinâmica empresarial superar a dinâmica contratual, existe a possibilidade de as partes celebrarem um pacto em que figura, entre os sujeitos que compõem a pluralidade credora da inactividade concorrencial, algum em relação ao qual o requisito da al. c) do n.º 2 do CT não se verifica ab initio. Da mesma forma, e quando o pacto ser celebrado em momento anterior ao da cessação do contrato, pode acontecer que aquele requisito, que antes se encontrava verificado quanto a todos os empregadores que eram parte, tenha deixado de se verificar relativamente a algum ou alguns (por exemplo, em razão de uma alteração do ramo de actividade destes, ou em virtude de uma mudança técnica ou tecnológica ou territorial ou de público-alvo que o trabalhador, por algum motivo, não acompanhou). Ora, em relação àqueles relativamente aos quais não se verificar aquele requisito (como qualquer dos demais requisitos de validade), vale a regra do n.º 1 do artigo 136.º do CT – o que significa que o pacto é nulo. O que não significa que todo o pacto seja nulo, podendo permanecer válido em relação aos demais empregadores. Em respeito pelo princípio da conservação do negócio jurídico, e para obviar a esta dificuldade, deve lançar-se mão e aplicar analogicamente o mecanismo previsto no artigo 121.º do CT (tributário do expediente da redução do negócio jurídico, constante do artigo 292.º do CC), segundo o qual “[a] nulidade […] parcial não determina a invalidade de todo
153 Assim, XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 46.
o contrato de trabalho, salvo quando se mostre que este não teria sido celebrado sem a parte viciada”.154
Ao invés, que o requisito que ab initio não se verificava relativamente a algum ou alguns dos empregadores que inicialmente, e assim, não eram parte no pacto, passe a verificar-se. Neste caso, e como já se disse, o pacto não “cristaliza”, pelo que o acordo inicial pode ser renegociado e alterado em conformidade.
Mais complexo é o caso em que o empregador está integrado num grupo de empresas. É que pode acontecer que a sociedade empregadora pretenda e procure, através de um pacto desta natureza, estender o manto de protecção a outras empresas do grupo e não apenas proteger-se a si mesma, numa situação em que não se esteja perante uma situação de pluralidade de empregadores como a anteriormente tratada. Que dizer desta hipótese?
A meu ver,155 a posição de princípio deve ser a de que o trabalhador só poderá ficar vinculado a não concorrer com a sociedade que efectivamente seja sua empregadora. E é em relação a esta que deve ser avaliada a existência ou não de um interesse sério na limitação da actividade concorrencial. A qualidade de entidade empregadora pertencerá à sociedade que contratou o trabalhador, e não é extensível a outras empresas de um grupo em que aquela eventualmente esteja integrada. Embora constitua uma comunidade de interesses, o grupo não é dotado de personalidade jurídica, não devendo os compromissos celebrados na esfera de uma das sociedades nele integradas afectar as outras, seja em benefício, seja em prejuízo. Realidade ainda mais problemática constitui o facto de os grupos de empresas, com frequência, operarem um leque tão abrangente de actividades e num espaço territorial tão amplo que a possibilidade de o trabalhador encontrar novo posto de trabalho ou fazer uso da sua liberdade de estabelecimento sem violação de um pacto de não concorrência pode resultar drasticamente diminuída. Antes da entrada em vigor do CT de 2003, XXXXX XXXXXX XXXXX afastava por completo esta hipótese, dizendo mesmo que reconhecer esta faculdade de protecção concorrencial aos grupos de empresas seria proporcionar-lhes “o melhor de dois mundos”, podendo usufruir das vantagens sem que nunca pudessem ser chamadas à participação nas obrigações e encargos.156 Não obstante
154 Ob. e loc. cits. na nota anterior.
155 E na esteira de XXXXX XXXXXX XXXXX, cujo raciocínio se segue de perto (As cláusulas de não concorrência…, p. 25-26).
156 As cláusulas de não concorrência…, p. 26.
considerar-se esta a posição de princípio, parece-me que não deve fechar-se liminarmente a porta à protecção de outras sociedades do grupo através do pacto de não concorrência.
Por um lado, porque ela pode ser necessária à preservação do efeito útil do pacto. São facilmente imagináveis, em abstracto, situações em que a vinculação do trabalhador para com a sociedade sua antiga entidade empregadora desacompanhada de semelhante obrigação em relação a outras empresas do grupo pode traduzir-se num desvirtuar ou mesmo na perda total do efeito útil do pacto. E através deste expediente restritivo da liberdade de trabalho procuram defender-se interesses legítimos – do empregador, da concorrência sã, da economia e da sociedade em geral.157
Claro que esta é uma solução excepcional, de que só poderá lançar-se mão em casos contados e que revistam contornos muito bem definidos. Esses contornos devem ser encarados de forma restritiva, e estão, desde logo, imbricados com o tipo concreto de relação interempresarial – ela há-de ser de natureza estrutural e não esporádica ou episódica. Depois, necessário é, ainda, que as empresas do grupo às quais quer estender-se o manto protector tenham realmente beneficiado directa ou indirectamente dos serviços do trabalhador (e o tempo que esse benefício perdurou não é critério decisivo) – que este último, embora ao serviço da empresa formalmente sua entidade empregadora, em virtude do posicionamento que nela tinha ou em virtude das funções que no seio da mesma exercia, tenha tido acesso a informação sensível e que contenda, nomeadamente, com os negócios internos e com a clientela de alguma(s) da(s) outra(s) e assim tenha adquirido instrumentos que o tenham feito capaz de realizar relativamente às mesmas uma concorrência diferencial, podendo causar-lhes prejuízo. No fundo, está a falar-se da necessidade de verificação do interesse sério que está por detrás da al. b) do n.º 2 do artigo 136.º do CT. A ponderação acerca da verificação ou não deste interesse deve fazer-se em relação a cada uma das empresas do grupo a que queira alargar-se o efeito do pacto e, uma vez mais, esse alargamento está dependente de uma clara e rigorosa identificação, no mesmo, das concretas entidades com quem o trabalhador fica impedido de concorrer.158
De outra banda, o argumento avançado há pouco de que por meio deste alargamento se permite às empresas do grupo o usufruto das comodidades do pacto sem que nunca tenham partilhado das obrigações e encargos inerentes ao contrato de trabalho
157 No seguimento do que diz XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 47.
158 Seguem-se de perto os entendimentos de XXXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 345-348, e de XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 45-47.
perde alguma da sua força, em face do enquadramento legislativo dado ao problema das sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, trazido pelo artigo 378.º do CT de 2003 e mantido, embora com actualizações, pelo artigo 334.º do CT de 2009.159 É que, nos termos destes preceitos, as sociedades que se encontrem numa relação do tipo das indicadas (cumpridos os termos do artigo 481.º do Código das Sociedades Comerciais) são solidariamente responsáveis pelos créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, vencidos há mais de três meses.160
A aceitar este alargamento dos efeitos do pacto de não concorrência, parece ainda dever defender-se a existência de um trade-off ou de uma proporcionalidade directa ou, por vezes, indirecta entre o acréscimo de sacrifício para a liberdade de trabalho e a compensação a pagar ao trabalhador durante o período de inactividade, prescrita na al. c) do n.º 2 do artigo 136.º do CT.
2.4. A influência do modo de cessação do contrato de trabalho no pacto de não concorrência
Para terminar o presente ponto, interessa ainda perceber se a modalidade de cessação do contrato e o motivo que a faz operar contende, de algum modo (e, se sim, em que termos), com a validade e/ou com eficácia do pacto.
E este já foi tema que deu “pano para mangas”, no período pré-codicístico. Com efeito, nem a LCT de 1966, nem a de 1969 contemplavam qualquer referência ao assunto. Essa omissão de pronúncia legislativa espelhava-se no desencontro de posições doutrinais que em tal período se verificava acerca daquele problema. Havia, por um lado, quem defendesse que o pacto de não concorrência, a sua celebração e efeitos não estavam condicionados pela forma por que cessasse o contrato de trabalho.161 Depois, e de outra banda, havia quem defendesse que, em determinados casos, nomeadamente aqueles em que a cessação ficasse a dever-se a um comportamento culposo do empregador – fosse em
159 Um pouco em paralelo com a situação prevista para os casos de pluralidade de empregadores, tratada nos artigos 92.º, n.º 3 do CT de 2003 e 101.º, n.º 3 do CT de 2009.
160 Argumentando neste sentido, XXXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos…, p. 345-348, e XXXXX XXXXX X XXXXX –
Obrigação de não concorrência…, p. 45-47.
161 Assim, XXXXX XXXXX, XXXXX XXXXXXX XXXXXXX e XXXXXXX XXXXX XX XXXXXXXX – Comentário às leis
do trabalho…, p. 171.
virtude de despedimento declarado ilícito, fosse em virtude de rescisão promovida pelo trabalhador com fundamento em justa causa subjectiva –, este último sujeito pudesse resolver o pacto de não concorrência que eventualmente tivesse subscrito, ou com base no instituto do abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, nos termos do disposto no artigo 334.º do CC, ou com fundamento na alteração da base negocial, de acordo com o preceituado no artigo 437.º do mesmo diploma.162 Porque a questão está hoje pacificada – aliás, está-o desde a entrada em vigor do CT de 2003, cujo n.º 3 do respectivo artigo 146.º veio dissipar as dúvidas existentes (criando outras, em seu ligar…), e cuja redacção foi transposta, sem alterações, para o n.º 3 do artigo 136.º do actual CT –, opto por evitar uma entrada nos meandros mais dogmáticos da história da questão, limitando- me a fazer uma análise mais próxima do regime legal vigente e a tentar trazer à tona algumas das insuficiências que o mesmo aparenta apresentar.
Dispõe então o n.º 3 do artigo 136.º do CT, que “[e]m caso de despedimento declarado ilícito ou de resolução com justa causa pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador, a compensação a que se refere a alínea c) do número anterior é elevada até ao valor da retribuição base à data da cessação do contrato, sob pena de não poder ser invocada a limitação da actividade prevista na cláusula de não concorrência”.
Da letra do citado preceito ressalta imediatamente a ideia de que a modalidade de cessação do contrato de trabalho não tem reflexo na validade do pacto de não concorrência, que assim parece inteiramente assegurada. Contrato de trabalho e pacto de não concorrência são dois negócios jurídicos distintos e autónomos, não obstante o segundo encontre causa e se legitime na necessidade de obviar a perigos concorrenciais que surgem da execução do primeiro, e ainda que o segundo consista numa cláusula inserta no primeiro. Se quisermos fazer um paralelismo com a vida, dois seres, ainda que umbilicalmente ligados, são sempre dois seres.
As coisas já não se passam da mesma maneira, no entanto, em relação à eficácia do pacto. Seguindo o roteiro traçado pela norma legal em análise, podem facilmente identificar-se dois grupos de casos em que a réplica da modalidade de cessação do contrato de trabalho se faz sentir na conformação dos requisitos de validade do pacto de não concorrência e na possibilidade de o mesmo produzir os seus efeitos: i) casos em que o
162 Aqui se segue de perto o raciocínio de XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 32- 34.
despedimento vem a ser declarado ilícito; ii) e casos em que o trabalhador resolve o contrato de trabalho, com justa causa, com fundamento em acto ilícito do empregador.
Comecemos por este segundo grupo de casos, que é mais simples.
Antes de mais, que casos são aqueles em que o trabalhador pode resolver o seu contrato de trabalho, com justa causa e com fundamento em acto ilícito do empregador? A resposta há-de encontrar-se no preceituado no artigo 394.º do CT, em cujo n.º 2 se encontram exemplificativamente163 elencados comportamentos do empregador que, quando apreciados nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 351.º do CT, devidamente adaptado,164 podem constituir justa causa subjectiva de resolução do contrato de trabalho. Quanto a mim, pode e deve ainda entender-se compreendida neste segundo grupo de casos a situação prevista no al. c)165 do n.º 3 do artigo 394.º do CT – a “[f]alta não culposa de pagamento pontual da retribuição”. Não sendo um comportamento culposo, a verdade é que se trata de um comportamento “ilícito” (a mora é um comportamento ilícito). Não esqueçamos que o que exige o disposto no n.º 3 do artigo 136.º do CT é, afinal, um comportamento ilícito, e não um comportamento necessariamente culposo.166
Conhecidos os casos, importa agora analisar a consequência prevista para a sua verificação. E também a este respeito se colocam algumas dúvidas.
A parte final do n.º 3 do artigo 136.º do CT estabelece que “a compensação a que se refere a alínea c) do número anterior é elevada até ao valor da retribuição base à data da cessação do contrato, sob pena de não poder ser invocada a limitação da actividade
163 O elenco não é taxativo, como imediatamente se retira do advérbio “nomeadamente” constante do corpo do referido n.º 2, e ao invés do que parece resultar do vocábulo “ainda”, constante do corpo do n.º 3. Os comportamentos elencados no n.º 2 são: “a) [f]alta culposa de pagamento pontual da retribuição ; b) [v]iolação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador; c) [a]plicação de sanção abusiva; d) [f]alta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; [l]esão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; [o]fensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante”.
164 Sabendo que justa causa é, nos termos do n.º 1 do artigo 351.º do CT: ”[…] o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, diz-nos o n.º 3 do mesmo preceito legal que na sua apreciação “[…] deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”. Este preceito está formulado na óptica do empregador, como se vê, e daí a necessidade de apreciar a justa causa “com as necessárias adaptações”, prescrita pelo n.º 4 do artigo 394.º do CT.
165 As restantes alíneas deste n.º 3 não estão associadas a comportamentos ilícitos e não têm aqui cabimento, consistindo em “a) [n]ecessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato; b) [a]lteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício de poderes lícitos do empregador”.
166 Diferentemente, XXXXX XXXXX X XXXXX identifica as situações capazes de quadrar no n.º 3 do artigo 136.º do CT apenas as previstas no n.º 2 do artigo 394.º do mesmo diploma (Obrigação de não concorrência…, p. 66).
prevista na cláusula de não concorrência”, como vimos. E, olhando ao disposto na al. c), que haveremos de analisar, não impõe a lei quaisquer balizas de montante mínimo ou máximo a que a compensação a atribuir ao trabalhador haja de corresponder – a sua definição está confiada à liberdade contratual das partes, contanto que o equilíbrio do pacto esteja, a final, globalmente assegurado (na combinação dos seus requisitos de validade).
Aplicando a disposição, o que acontece é que, quando as partes hajam convencionado uma compensação de montante inferior ao da retribuição base à data da cessação do contrato, aquela será majorada até ao valor desta. Mas pode dar-se o caso de as partes terem convencionado uma compensação de montante desde logo superior ao da retribuição base. Nesses casos, fará sentido que aquela compensação seja minorada até ao montante desta retribuição? Obviamente que não. Além de ofender o pactuado pelas partes ao abrigo da respectiva liberdade contratual, desvirtuaria a teleologia protectiva deste n.º 3 do artigo 136.º, permitindo inclusivamente ao empregador retirar da ilicitude de um seu comportamento um benefício, em prejuízo do trabalhador.167 Deve manter-se o pactuado, e penso inclusivamente que as partes poderão acordar montantes de compensação diferentes, consoante a causa de cessação do contrato consista num comportamento ilícito e/ou culposo ou não. Nada na lei e no espirito deste expediente parece opor-se a que tal aconteça.168
Mais problemáticas ainda se mostram as situações englobadas no primeiro grupo de casos – aqueles em que um despedimento venha a ser declarado ilícito.
Seguindo uma sequência idêntica à adoptada na análise do primeiro grupo de casos, pergunta-se: que situações são essas? Ora, haverá de ser uma das causas de ilicitude de despedimento previstas nos artigos 381.º a 385.º do CT.169
O grande problema que esta solução de majoração da compensação a atribuir ao trabalhador estatuída na parte final do n.º 3 do artigo 136.º é dificilmente harmonizável com os efeitos da declaração de ilicitude, nomeadamente, com a obrigação de pagamento
167 Sobre este problema, vide XXXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 304.
168 Assim, também, XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 69.
169 Referindo-se o artigo 381.º a fundamentos gerais de ilicitude de despedimento, o artigo 382.º a fundamentos de ilicitude de despedimento por factos imputáveis ao trabalhador (que deve ser analisado conjuntamente com os artigos 351.º e ss.), o artigo 383.º diz respeito à ilicitude de despedimento colectivo (e deve ser lido conjuntamente com os artigos 359.º e ss.), o artigo 384.º concerne ao despedimento por extinção do posto de trabalho (e deve ser visto conjuntamente com os artigos 367.º e ss.) e, finalmente, o artigo 385.º, atinente à ilicitude de despedimento por inadaptação (e que deve se conjugadamente visto com os artigos 373.º e ss.).
dos “salários intercalares” que impende sobre o empregador quando o despedimento vem a ser declarado ilícito. 170
Por efeito da decisão judicial que declara a ilicitude de um despedimento, o vínculo laboral é reconstituído no lapso de tempo que medeia entre a cessação factual do contrato e a data do trânsito em julgado daquela decisão judicial. A menos, claro, que entre esse o momento em que o despedimento factualmente se processa e o trânsito em julgado ocorram outros factos extintivos (como os acontecimentos geradores de caducidade elencados no artigo 343.º e seguintes do CT). Assim, e por força do disposto no n.º 1 do artigo 390.º, o trabalhador tem direito aos chamados “salários intercalares” – aqueles que deixou de auferir no período compreendido entre os eventos referidos, haja ou não reintegração na empresa, nos termos dos artigos 389.º, n.º 1, al. b), 391.º e 392.º do CT.
Mas pergunta-se: poderá o trabalhador cumular o recebimento dos salários intercalares (devidos nos termos do n.º 1 do artigo 390.º) com a compensação majorada por despedimento ilícito (que lhe é devida nos termos do n.º 3 do artigo 136.º)? Parece igualmente claro que não, seria um locupletamento injusto. Para obviar a essa situação, tanto nos casos em que o trabalhador é reintegrado, como nos casos em que contrato cesse efectivamente por não ter havido lugar a reintegração do trabalhador, a pedido do trabalhador (nos termos do disposto nos artigos 389.º, n.º 1, al. b) e 391.º) ou a pedido do empregador (em conformidade com os artigos 389.º, n.º 1, al. b) e 392.º), talvez possa enquadrar-se o problema no disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 390.º do CT, que manda deduzir aos “salários intercalares” as “importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento”. Se assim não puder concluir-se, e em caso de conflito, então restará ao empregador accionado judicialmente a possibilidade de se defender por excepção, com recurso ao expediente do enriquecimento sem causa, previsto no artigo 473.º e seguintes do Código Civil.
3. O interesse legítimo do empregador
A al. b) do n.º 2 do artigo 136.º do CT consagra outro dos requisitos de licitude do pacto de não concorrência – a actividade concorrencial a desenvolver pelo trabalhador no
170 Colocando o problema, XXXX XXXX XXXXX – Contrato de Trabalho…, p. 409.
período pós-contratual há-de ser uma “actividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador”. Por isso se diz, na doutrina e na jurisprudência, e também o tenho dito ao longo de toda esta exposição, que tem de existir um interesse legítimo do empregador na celebração de um tal negócio jurídico.
Com efeito, dele derivam consequências muito graves para o trabalhador, designadamente, a limitação das suas liberdades fundamentais de, em geral, trabalhar. Para que a ideia se torne mais impressiva, ao é demais relembrar que, de entre outras dimensões que haja de assinalar aos constitucionalmente protegidos direito ao trabalho, principio da liberdade de trabalho e de iniciativa económica privada,171 o trabalhador vê ou pode ver comprimidos, designadamente, o seu direito a desvincular-se do contrato de trabalho em que é parte, é ou pode ser impedido de escolher a profissão que pretende exercer, de escolher o empregador em benefício do qual quer prestar a sua actividade laboral, de iniciar uma actividade económica por conta própria. E porque o pacto de não concorrência assim se assume como um mecanismo restritivo de direitos, liberdades e garantias, a restrição das mesmas deve fazer-se na estrita medida em que aquele interesse legítimo se verifique no caso concreto. Encerra-se aqui um princípio de proporcionalidade em sentido amplo, com as inerentes dimensões de necessidade, de adequação e de proporcionalidade em sentido estrito. E é assim, porque uma coisa não impede a outra, mesmo naqueles casos em que o pacto é celebrado apenas como meio preventivo de futuros conflitos, como infra melhor procurará explicar-se.
O requisito contido na al. b) do n.º 2 do artigo 136.º constitui o cerne e a pedra-de- toque de todo este expediente.172 A sua verificação ou não no caso concreto é que determina se é ou não possível celebrar um pacto deste género. Com efeito, e embora seja necessária a verificação cumulativa de todos os requisitos de validade, o problema de saber se estão cumpridos os demais só se coloca a posteriori de estar garantida a verificação deste. Se não está, aplica-se a regra do n.º 1 do mesmo artigo 136.º e o pacto é nulo, independentemente de os demais requisitos estarem reunidos (em rigor, deste modo nunca o estariam em respeito pela unidade de sentido que a exigência da verificação cumulativa pretende garantir).
171 Vide, sobre a questão, por exemplo J.J. XXXXX XXXXXXXXX/XXXXX XXXXXXX – Constituição da República Portuguesa – Anotada…, p. 653-657 e 788-790.
172 Neste sentido, e dono da expressão “pedra de toque”, XXXXX XXXXXX XXXXX, As cláusulas de não concorrência…, p. 23.
O problema do já citado enunciado da al. b) do n.º 2 do artigo 136.º é que contém uma espécie de cláusula geral, de contornos de tal modo abstractos que, ao mesmo tempo que parece dizer tudo, não diz nada colocando às partes no pacto, mas também ao intérprete e aplicador do direito a árdua tarefa de saber que situações contempla e não contempla. Há que reconhecer que, para abarcar em si todas as situações susceptíveis de cair naquilo que se pretende que seja o âmbito de protecção do pacto de não concorrência, e para poder lidar com a ineliminável margem de novidade trazida pelos casos da vida prática e com a própria evolução da organização do trabalho, das empresas e da própria sociedade da informação, dificilmente aquele preceito poderia ser construído de outra maneira. No entanto, é sabido que a doutrina e a jurisprudência portuguesas (e não só) começam a dar mostras de entendimento acerca do que deve entender-se por “actividade que possa causar prejuízo ao empregador”, e dos indicadores capazes de revelar a susceptibilidade de tal coisa acontecer, e que talvez possam, a prazo, vir a ser absorvidos pela lei.
Recordando e convocando explícita ou implicitamente muito do que já ficou dito nos pontos anteriores, explicitando agora alguns dos conceitos que atrás foram ficando por explicitar e acrescentando dados novos, percorramos então algumas das sinuosas curvas do problema que subjaz a este requisito de validade.
É então necessário que actividade a desenvolver pelo trabalhador no período pós- contratual “possa causar prejuízo ao empregador”, fazendo uso das palavras da alínea b) do n.º 2 do artigo 136.º.
Ora, nada custa admitir que a cessação de um contrato de trabalho de um trabalhador possa traduzir-se num prejuízo para um empregador. A simples perda de um trabalhador competente e que interessava ao empregador manter ao serviço da sua organização produtiva, seja porque aquele decide passar a trabalhar por conta de outrem, seja porque decide exercer a sua actividade por sua própria conta, em qualquer dos casos, em concorrência com aquele é susceptível de lhe causar prejuízo. Será esse prejuízo relevante para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 136.º do CT? Será isso suficiente para afirmar a existência de um interesse legítimo do empregador? A resposta a estas questões encontra-se num já tradicional termo “jurídico” – depende.
É verdade que o pacto de não concorrência tem por objecto ou visa, no seu âmbito de protecção, a concorrência leal.173 Porém, isso não significa que tal expediente tenha por objectivo proteger o empregador de todo e qualquer fenómeno concorrencial leal.
Não o protege, designadamente, do prejuízo que este eventualmente possa ter com a perda de um trabalhador para a concorrência, nos termos do que se disse no parágrafo precedente, por mais diligente e importante que ele seja.174 O interesse do empregador na manutenção dos serviços de um trabalhador não é mais legítimo do que o interesse deste último de trabalhar para outra qualquer entidade, ou por sua própria conta e risco se aventurar no mundo dos negócios, criando ou gerindo empresas. Afinal, a inconveniência de ter de dividir e disputar o mercado em que se actua com mais um concorrente é, como certeiramente e mais do que uma vez nos diz XXXXX XXXXXX XXXXX, é “um risco normal numa economia de mercado”,175 “[m]uito embora esta concorrência seja por vezes sentida psicologicamente quase como uma traição”176 quando é levada a cabo por um ex- trabalhador.177 Acrescentam PAULA QUINTAS e HÉLDER QUINTAS que “a separação do trabalhador do empregador deve ser entendida como um processo naturalmente evolutivo em direcção a uma autonomia tendencial e/ou a um enriquecimento crescente do património profissional do trabalhador”.178
Até aqui, os termos do debate são mais ou menos líquidos. O pacto de não concorrência não pode ser o instrumento do empregador para impedir, ainda que apenas temporariamente, que um seu ex-trabalhador lhe faça a concorrência que um qualquer indivíduo que concreta e efectivamente desenvolva a mesma actividade e actue no mesmo mercado seja capaz de lhe fazer. Se o trabalhador simplesmente souber e for capaz de fazer o que qualquer indivíduo medianamente sagaz e diligente, dotado daquilo que são os normais conhecimentos circulantes na comunidade dos que exercem aquela actividade e naquele mercado, ou, pela negativa, se não souber nem for capaz de fazer mais do que aquilo que está ao alcance de todos e de qualquer daqueles indivíduos e não houver nada
173 Assim, XXXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 290, e XXXXX XXXXX X XXXXX –
Obrigação de não concorrência…, p. 49.
174 Vide, na doutrina, XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 72. Na jurisprudência constitucional, o já citado Xxxxxxx n.º 256/2004 afirma que: “[n]ão basta o prejuízo comum de o empregador perder um seu trabalhador de qualidade para outra empresa concorrente”.
175 Direito do Trabalho…, p. 610.
176 As cláusulas de não concorrência…, p. 78.
177 Como afirma XXXX XXXXX XXXXXXX, “a cláusula de não concorrência não pode servir para adulterar a concorrência normal” (Os pactos de não concorrência…, p. 333).
178 XXXXX XXXXXXX/XXXXXX XXXXXXX – Código do trabalho: anotado e comentado…, p. 435 e, em termos muito semelhantes, XXXXXXX XXXXXXXXXX – Da cessação do contrato de trabalho…, p. 359.
que em relação a eles o distinga. Se o trabalhador executa tarefas e domina técnicas que aqueles indivíduos também são capazes de executar e dominar, se não sabe nada que eles também não saibam, se não conhece, contacta e negoceia com clientes ou fornecedores com que eles também não conhecem, contactam ou negoceiam, ou não façam mas possam fazê-lo…então não há nada que distinga a concorrência que ele exerce daquela que os demais exercem, e não pode considerar-se verificado o interesse legítimo do empregador em impedir que tal aconteça.
Em suma, não é para obviar a esta concorrência e ao prejuízo que dela pode advir que o pacto está pensado.
A teleologia de tal expediente consiste, em vez disso, em proteger o empregador de outras situações – aquelas em que a concorrência exercida por um trabalhador ou ex- trabalhador é efectiva, ou potencial mas sempre objectivamente, particularmente perigosa, que se distingue da caracterizada nos parágrafos antecedentes e que a doutrina e jurisprudência unanimemente baptizaram de “diferencial”,179 e que não possa ser combatida ou prevenida com recurso outro meio igualmente idóneo e menos oneroso.
3.1. A concorrência diferencial
E a concorrência há-se ser particularmente perigosa em razão de quê?
Esta questão leva-nos à noção de contrato de trabalho e obriga-nos a pensar em algumas das suas características.180 De entre todas elas, interessa a este debate destacar que se trate de um contrato de carácter duradouro – protela-se no tempo e a sua execução implica a realização de uma multiplicidade de actos –, e que envolve a subordinação jurídica do trabalhador relativamente ao empregador, e que uma das componentes dessa
179 Assim, por exemplo, XXXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 333, XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 70 e ss, XXXXXXX XXXXXXXXXX – Da cessação do contrato de trabalho…, p. 359-361, XXXXX XXXXXXX/XXXXXX XXXXXXX – Código do Trabalho: anotado e comentado…,
p. 435-436, e XXXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 294. Na jurisprudência, por exemplo, o já citado Ac. do TC n.º 256/2004, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10-12-2009, Processo n.º 376-06.6TTSNT.L1-4 (Relator: Xxxxxx Xxxxxxxxxx), o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-10-2010, Processo n.º 4883/07.5TTLSB.L1-4 (Relator: Seara Paixão), entre muitos outros.
180 Sobre as características do contrato de trabalho, por exemplo, XXXX XXXX XXXXX – Contrato de Trabalho…, p. 63 e ss.
subordinação é a inserção do trabalhador numa organização produtiva que pertence ao empregador.
Atentas estas duas características, percebe-se que o desenrolar do contrato de trabalho pode naturalmente proporcionar ao trabalhador a adquisição de um conjunto de conhecimentos mais ou menos vasto, complexo e importante, que se reporta tanto à actividade que ele exerce, em si mesma, como à própria vida interna e externa da organização produtiva em que está inserido.
E de forma igualmente natural, estas informações agregam-se àquelas que o trabalhador já dispunha antes de iniciar a sua actividade ao serviço daquele empregador – os conhecimentos que tinha em virtude da sua experiência de vida, de toda a formação académica e profissional que realizou, de toda a experiência profissional ou de negócios que eventualmente já reunisse. E o termo agregação não foi escolhido e aplicado ao acaso, nem se trata de uma mera questão semântica – o que na realidade acontece com aqueles dois “blocos” de informação é mesmo uma agregação e não uma simples justaposição.
O resultado é um enriquecimento do “património profissional” do trabalhador – o seu goodwill –, que no momento da cessação do contrato de trabalho não será reversível, uma vez que a aptidão e os conhecimentos daquele sujeito nunca mais serão os mesmos. Com efeito, em tal momento, muito dificilmente o vai ser possível separar,181 de entre a informação que tem e domina, e do que com ela é capaz de fazer na prática: i) a informação extra-empresa – aquela que consigo trazia e que entretanto adquiriu às suas próprias expensas, por sua exclusiva iniciativa e diligência; ii) da especificamente adquirida ao serviço da empresa – aquela que somente teve oportunidade de adquirir em virtude do seu posicionamento e naquela organização, e que só a esta diz respeito, e de tudo aquilo que somente aprendeu em virtude de lhe ter sido permitido aplicar os conhecimentos que tinha à realização das funções que concreta e efectivamente exerceu em tal organização.
E se nada impede o trabalhador de, no período pós-contratual, fazer uso daquilo que é o seu património profissional extra-empresa, já a utilização da informação especificamente adquirida ao serviço da empresa, nomeadamente aquela que diz respeito à própria vida interna e externa da mesma, pode causar ao empregador o prejuízo de que fala a al. b) do n.º 2 do artigo 136.º do CT, cujo significado tanto se busca.
181 Destacando este aspecto, por exemplo, XXXXX XXXXX, XXXXX XXXXXXX XXXXXXX e XXXXXXX XXXXX DE
XXXXXXXX – Comentário às leis do trabalho…, p. 171.
Na verdade, e como certeiramente alerta XXXXX XXXXXX XXXXX, o trabalhador conhece aquela empresa “por dentro”.182 O facto de o trabalhador poder utilizar os “conhecimentos especificamente183 adquiridos ao serviço da antiga empresa”184 no período pós-contratual, seja em proveito próprio, seja colocando-a ao serviço de um concorrente do empregador, pode colocá-lo numa posição concorrencial privilegiada, que lhe permita exercer uma concorrência particularmente perigosa em relação a este. No limite, pode permitir-lhe inclusivamente colocar risco a sobrevivência da organização em que estava inserido, e a manutenção dos postos de trabalho que nela existem.185 Assim, o interesse do empregador em limitar as conhecidas liberdades fundamentais do trabalhador será legítimo quando se destinar a evitar que o trabalhador realize em relação a si uma concorrência particularmente perigosa, quando este disso mesmo seja capaz, ainda que em potência – é aqui que reside o tão falado prejuízo
Dada a dificuldade (quando não impossibilidade) em operar a separação daqueles dois blocos de informação, o pacto de não concorrência é por vezes celebrado como meio preventivo de futuros conflitos e danos, causados pela utilização de informações e conhecimentos cuja fonte as partes não são capazes de determinar, ou sobre a qual não são capazes de chegar a acordo.
Deve ainda notar-se que o perigo de concorrência diferencial no período pós contratual é tanto mais intenso quanto mais próximo da cessação do contrato de trabalho for o momento em que o trabalhador exerce a actividade concorrencial com o empregador.
Na verdade, e como bem destaca XXXX XXXXX XX XXXXX,000 a moderna sociedade da informação exige dos agentes económicos um permanente esforço de actualização, uma vez que a informação tende a ficar datada, ultrapassada, tende a desactualizar-se e a perder gradualmente a relevância que antes tinha. Com o tempo, o trabalhador que ao tempo da cessação era distinto dos demais, tende a aproximar-se dos demais concorrentes, com o tempo. Claro que este raciocínio não se aplica a todos os tipos de informação, e claro que pode também ser parcial ou totalmente ultrapassada pela especial diligência de alguns trabalhadores, mesmo quando inactivos ou no desempenho de outras funções, em consequência do cumprimento de um pacto de não concorrência.
182 XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 13.
183 O itálico é meu.
184 A expressão é retirada do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/2004, repetidamente citado.
185 Assim, XXXXX XXX XXXXXXX – Código do Trabalho: anotado…, p. 335.
186 XXXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 290-291.
Tentemos agora perceber mais pormenorizadamente que informação permite ou pode permitir ao trabalhador exercer aquela concorrência particularmente perigosa, sabendo que tal dado sempre varia de caso para caso. E no âmbito do que disse ser a informação especificamente adquirida ao serviço da empresa, de entre a qual é especialmente relevante aquela que diz respeito à sua própria vida interna e externa da mesma, é importante identificar dois núcleos distintos. Um primeiro, intimamente conexionado com a clientela, com quem o trabalhador pode ter travado conhecimento, mantido contacto directo, criando laços profissionais, e que pode estar em especiais condições (relativamente aos demais agentes económicos concorrentes naquele mercado) de desviar (por vezes, em parte significativa), com um igualmente especial prejuízo para o volume de negócios do ex-empregador. Outro, ligado a informação sensível, diga ela respeito: i) à estrutura organizacional em si mesma, ao respectivo modo de funcionamento, seja ela atinente a segredos industriais, como técnicas de fabrico, know-how específico; ii) a dados comerciais, como listas de fornecedores, preços de matérias-primas, números de vendas, projecções e exigências de clientes, métodos de gestão ou fórmulas de cálculo de preços, etc.
Revisitemos alguma doutrina e vejamos um ou dois exemplos do que nos dizem alguns autores acerca deste ponto. Para XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX,187 o prejuízo que o empregador está sujeito a sofrer, e que está relacionado com os seus “objectivos económicos”, a sua “clientela” e o seu “volume de negócios” poderá advir do facto de o trabalhador ter aprendido a dominar “certa técnica”, ter participado na “concepção de um projecto ou de um novo produto”, ou conhecer “a fundo a estratégia de gestão delineada”.
Por sua vez, (e) destacando também que na nova economia “a informação desempenha um papel crucial”,188 XXXXX XXXXXX XXXXX assinala a importância da possibilidade de acesso do trabalhador a um “amplo leque de informações confidenciais – segredos de fabrico, listas de fornecedores ou de clientes, e até de métodos de gestão ou fórmulas de cálculo de preços”.189
187 Direito do Trabalho…, p. 536.
188 Sobre a importância da informação na moderna sociedade da informação, vide ainda XXXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 292 e ss, XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 11 e ss, XXXXXXX XXXXXXXXXX – Da cassação do contrato de trabalho…, p. 353 e ss, e, com referência ao ordenamento jurídico brasileiro, REGIANE XXXXXXXXX XX XXXXX XXXX – Cláusula de não concorrência no contrato de trabalho, Saraiva Editora, São Paulo, 2003, p. 1-2 e p. 9-10.
189 Direito do Trabalho…, p. 611. Mas vide, ainda, o que diz o autor na p. 621 e respectiva nota 1576, acerca de informações confidenciais em “certas profissões ou actividades com uma forte componente fiduciária”.
Para terminar, e entre mais, ainda XXXX XXXXX XXXXXXX, que se refere a “fontes de fornecimento, processos de confecção pouco usuais, projecções estatísticas, estudos de mercado, preferências dos clientes”.190/191
3.2. O caso particular em que o pacto é celebrado exclusivamente com o objectivo de proteger valores ligados à clientela do empregador
Os casos em que o pacto é celebrado com o fundamento único de proteger o empregador de um desvio de clientela que o trabalhador seja, ainda que em potência, capaz de fazer, suscitam alguns importantes reparos. É necessário fazer um primeiro raciocínio que é comum aos restantes tipos de informação relevante a propósito do pacto, é necessário aferir e determinar que clientela o trabalhador conhece em virtude das funções que desempenhou ou do posicionamento que tinha na empresa e, de entre essa, com que clientela se relaciona em termos tais que lhe permitam ter a capacidade, (mais uma vez, ainda que apenas potencial) de levá-la consigo para onde for.192 Depois de saber que clientela é aquela, há que realizar um juízo de prognose que haverá de servir para delimitar a duração do pacto e a sua extensão temporal.193 Especificamente a respeito do momento temporal, penso que a duração do período de inactividade a que o trabalhador se sujeita por meio do pacto não poderá ser superior àquele que, tendo em conta as concretas circunstâncias do caso, se entenda razoável para permitir ao empregador substituir aquele trabalhador – para encontrar um novo –, e para que este, sendo um pessoa razoavelmente sagaz, diligente e experiente possa ter a oportunidade de convencer e conquistar a clientela,
190 Pactos de não concorrência…, p. 80, nota 10.
191 Sobre este aspecto, enumerando indícios de concorrência diferencial em moldes semelhantes ao que é dito pelos autores já citados, XXXXX XXXXX, XXXXX XXXXXXX XXXXXXX e XXXXXXX XXXXX XX XXXXXXXX –
Comentário às leis do trabalho…, p. 171 e XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 70 e ss. Com interesse, ainda, os casos reais relatados por XXXXXXX XXXXXXXXXX – Da cassação do contrato de trabalho…, p. 355, nota 813.
192 Porque o facto de as funções simplesmente permitirem ou implicarem contacto com a clientela não basta, com bem destaca ESTEVÃO MALLET – Cláusula de não concorrência…, p. 244-245.
193 Embora os aspectos relativos ao momento temporal e espacial sejam tratados, infra, em pontos autónomos (pontos 5 e 6, respectivamente), é quase impossível não ir “atropelando” fronteiras e inserindo algum do conteúdo daqueles no tratamento de outros requisitos.
colocando-se na posição do anterior trabalhador.194 Esta será a medida temporal do interesse sério do empregador.
3.3. O ónus da prova e o carácter objectivo do interesse sério
Depois, uma questão interessante é a do ónus da prova da existência e da medida do interesse sério do empregador em limitar temporariamente a actividade do ex- trabalhador. Em caso de conflito sobre qualquer daqueles dois aspectos, porque esse interesse é do empregador, e porque qualquer daqueles elementos é um facto constitutivo do seu direito, é dele o ónus de fazer a alegação e prova da respectiva realidade, conforme as regras gerais da sua distribuição, constantes do disposto nos artigos 341.º e 342.º, n.º 1 do CC.195
Ainda não se disse, mas que decerto já foi possível deduzir, é que o interesse sério do empregador é deverá ser sério, real e efectivo, apreciado de uma perspectiva e com uma bitola objectiva, devendo o juízo de prognose e os raciocínios acima descritos ser executados depurando o mais possível as considerações das partes de convicções subjectivas. O interesse deve achar-se ou não verificado, e a sua medida deve ser determinada, se ele existir, em função da realidade factual objectivamente apreciada, e o menos possível à luz daquilo que as partes, na sua conveniência, acham que ela é. Claro que a realidade factual objectiva é sempre vista aos olhos de alguém e por aí subjectivamente impregnada, o que se diz é que deve existir um esforço de depuração dessas considerações. Este esforço tem particular importância por ocasião do eventual segundo momento de controlo da validade do pacto, que até é feito por um terceiro imparcial, equidistante em relação a ambas as partes – o momento da apreciação judicial.
194 Referindo-se à difusão desta ideia na doutrina anglo-saxónica, XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 24.
195 O artigo 341.º do CC dispõe que “[a]s provas têm por função a demonstração da realidade dos factos” enquanto o n.º 1 do artigo 342.º estabelece “[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Aplicando estas regras, e retirando semelhantes consequências, o Ac. da Relação de Lisboa, de 20-10-2010, Processo n.º 4883/07.5TTLSB.L1-4 (Relator: Seara Paixão).
3.4. O trabalhador capaz de exercer concorrência diferencial – a primazia da realidade
Uma coisa que já se disse mais não se desenvolveu é que nem todo o trabalhador tem o que é necessário para exercer uma concorrência diferencial relativamente ao seu empregador. Só aquele que tiver tido a oportunidade de, durante a execução do contrato de trabalho, adquirir específicos conhecimentos acerca dos núcleos de matérias supra enunciadas e saiba o que fazer com eles é disso capaz. E se há casos em que essa possibilidade ou impossibilidade é nítida logo em abstracto – com o caso do trabalhador de serviço doméstico, já analisado supra –, há outros em que só uma avaliação concreta pode permitir saber se o trabalhador reúne tais condições. XXXXXXX XXXXXX,196 por exemplo, nega a possibilidade de celebrar um pacto de não concorrência com um “trabalhador
manual, sem conhecimento especializado, responsável por tarefas rotineiras”. Mas destaca XXXX XXXXX XXXXXXX000 casos concretos de trabalhadores enquadráveis naquela formulação e que mostram que os factos podem facilmente desmentir teorias apriorísticas, inclusive de acordo com algumas decisões do Tribunal da Cassação francês – caso de um
empregado de café, em que o risco de desvio de clientela foi particularmente importante.198 Em suma, tudo está nos concretos contornos de cada situação. Aquilo que o trabalhador efectivamente sabe e é capaz de fazer com o que sabe prevalece sobre o que em abstracto “parece” ou o que em abstracto é a categoria profissional do trabalhador.199
Este juízo faz-se muito de um apurado juízo casuístico e de bom senso.
196 Cláusula de não concorrência…, p. 244. Na p. 246 o autor dá um exemplo concreto em que o trabalhador, desta vez qualificado, deve poder preservar a plenitude da sua liberdade de trabalho (caso do trabalhador químico).
197 Os pactos de não concorrência…, p. 331- 332.
198 Ao mesmo tempo, XXXX XXXXX XXXXXXX (Os pactos de não concorrência…, p. 332) dá-nos conta de outros casos, também enquadráveis na formulação de XXXXXXX XXXXXX, nos quais o referido tribunal se pronunciou pela ilicitude de cláusulas ou pactos de não concorrência – casos de um amolador/montador de máquinas de lenha, um projectista, um especialista de rebocos de pintura, um especialista de turismo ou um engenheiro comercial. Claro que, a simples enunciação destes casos nada nos permite retirar do que em concreto tornou ilícitas aquelas particulares cláusulas e, pode dar-se o caso de haver, a exercer a mesma actividade e a actuar no mesmo mercado, trabalhadores em relação aos quais a celebração de um pacto de não concorrência se justificasse. Mais uma demonstração de que tudo está na visão material, e de que a visão apriorística, salvo raras excepções, é muito redutora e enganadora.
199 Sobre esta noção e esta problemática, vide, por exemplo, XXXXX XX XXXXXXX XXXXX XXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 436-446.
3.5. A actividade concorrencial do trabalhador que o empregador tem interesse legítimo em restringir
O pacto não pode ser usado para, simplesmente, privar o trabalhador do desempenho de quaisquer actividades ou uso legítimo do seu património profissional para desempenhar a actividade para que se qualificou, já se sabe.200
Tema muito discutido é, contudo, o de saber que actividades concorrenciais são aquelas cujo exercício se poderá, a final, restringir. Serão apenas as actividades para o desempenho das quais o trabalhador foi contratado, considerando tanto aquelas para que o foi ab initio, como outras, resultantes de eventuais modificações contratuais posteriores? À partida, a resposta parece dever ser um inequívoco sim.
Porém, não é difícil imaginar situações em que o trabalhador, ao longo da execução do contrato de trabalho, acaba por desempenhar funções que concretamente vão além daquelas para que foi contratado, e que lhe permitem adquirir informação acerca de aspectos que estão também além dessa fronteira. Do mesmo modo, também a hipótese inversa é verosímil – a possibilidade de o trabalhador ter exercido funções que concretamente ficaram aquém daquelas para que havia sido contratado. Em face de qualquer destas hipóteses, o que se pergunta é: até onde pode ir o âmbito da restrição da actividade do trabalhador no período pós contratual. E pergunta semelhante deve fazer-se nos casos em que estão a ser concebidas, projectadas ou inclusivamente já em desenvolvimento actividades que o empregador ainda não exerce no momento da cessação do contrato de trabalho ou do início da produção dos efeitos do pacto (consoante os casos), mas que desenvolverá num futuro próximo, nas quais o trabalhador tenha colaborado e/ou em relação às quais disponha de informação estratégica?
A resposta a estas questões deverá ser, uma vez mais, casuisticamente procurada, e ter como critério a presença ou ausência do interesse sério do empregador, tal como caracterizado nos subpontos anteriores, bem como a sua medida. Terá de adoptar-se uma perspectiva “substancialista, não formalista”,201 interessando a existência ou não de uma objectiva possibilidade de exercício de uma concorrência diferencial, ainda que em
200 Cfr. XXXXX XXXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 615, e XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 109-110.
201 Pedindo de empréstimo a fórmula usada, embora a respeito de outro problema, por XXXXX XXXXXXXX XX XXXXX – Curso de Direito Comercial – Das sociedades, Volume II, 4.ª edição, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 177.
potência. O que conta é, afinal (e começa a repetir-se talvez demasiadas vezes), aquilo que o trabalhador sabe e a medida em que é ou não capaz de causar prejuízo.202
Já parece claro, por outro lado, que o pacto não poderá abarcar no seu âmbito restritivo actividades desenvolvidas pelo empregador a título passado, paralelo ou futuro, às quais o trabalhador seja estranho ou em relação às quais não tenha tido semelhante papel.203
Tarefa de extrema complexidade é, também, a de saber o que são, afinal, actividades objectivamente concorrentes. Xxxxxxx as pisadas de XXXXX XXXXXX XXXXX000 e façamos uma excursão pelo campo económico, na tentativa de encontrar critérios ou indícios que nos permitam reconhecer um cenário de concorrência objectiva entre
actividades. Diz o autor que ela existe quando as actividades “se prestam em sectores económicos conexos ou pertencentes à mesma zona industrial e são coincidentes do ponto de vista espacial”.205 Concentremo-nos, agora, mais na conexão de sectores e menos na proximidade espacial.206
Diz ainda o autor, na esteira de XXXXX XXXXX, que mais importante do que a identidade do produto ou serviço resultante do desempenho da actividade é a necessidade que esses bens (tenham eles a natureza que tiverem) visam satisfazer. Isto porque a concretização do conceito de mercado relevante é, em certos casos, de grande dificuldade. Pedindo de empréstimo o exemplo dado pelo citado autor suíço, não pode dizer-se que haja um mercado de bebidas, podendo distinguir-se diversos mercados dentro deste sector económico: o das bebidas não alcoólicas, o das bebidas alcoólicas; dentro deste último, o mercado de vinhos, de licores, de cervejas; podemos ainda distinguir espécies de vinho, como o corrente e o maduro, enfim. Além disto, há ainda que jogar com a possibilidade da existência de sucedâneos (o café e a cevada, a manteiga e a margarina…).207
202 Vide o raciocínio de XXXX XXXXX XX XXXXX, que se segue (O pacto de não concorrência…, p. 295-296).
203 Debruçando-se sobre este problema, XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 74, XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 22-24. Repare-se, ainda, na hipótese considerada pela primeira autora citada (p. 79), de o trabalhador se comprometer, pelo pacto, apenas a não exercer actividade ao serviço de determinadas empresas, devidamente identificadas, e já não ao serviço de outras (ou por conta própria).
204 Que se apoia na doutrina do autor suíço XXXXX XXXXX (Das arbeitsvertragliche Konkurremzverbot, Schultess, Zürich, 1989, p. 72, ss) que aqui seguirei de perto (As Cláusulas…, p. 21-22). Com percursos semelhantes, em torno desta questão, XXXXXXX XXXXXXXXXX – Da cessação do contrato de trabalho…, p. 360-361, e XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 74-75.
205 XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 21.
206 A tratar com maior rigor, infra, no ponto 6.
207 Cfr. as indicações bibliográficas indicadas na nota 121. Vide, ainda, sobre o problema da natureza e classificação dos bens, XXXXXXX XXXX XXXXXX NUNES – Economia Política – A produção, mercados e
Assim se vê que quanto mais apertada for a malha de consideração do mercado relevante, mais preservadas ficam as liberdades do trabalhador que pelo pacto se restringem, e sem que, com isso, os interesses económicos do empregador saiam, necessariamente, prejudicados – este só terá realmente prejuízo nos mercados em que o trabalhador realmente puder concorrer diferencialmente com ele, de entre todos os mercados em que efectivamente actue. E outro modo, estará a proteger-se de “nada” e operará o n.º 1 do artigo 136.º do CT.
Para terminar o raciocínio, o doutrinador formula as seguintes questões: pertencem ambas as empresas ao mesmo ramo? A oferta é (ao menos parcialmente) idêntica? Dirigem-se a uma clientela idêntica? As ofertas, do ponto de vista do comprador médio, tendo em atenção o custo e a qualidade, representam, de facto, soluções alternativas para a satisfação da mesma necessidade?
Embora este seja um problema que só caso a caso pode ser resolvido, não deixa de ser benéfica a discussão em torno de critérios orientadores como os apresentados, geradores de alguma certeza e segurança.
A propósito de saber o que deve entender-se por actividade concorrencial, ainda uma outra nota. Colocou-se, entre nós e há não muito tempo, a questão de saber se a limitação da actividade a exercer pelo trabalhador pode ou não atingir, ainda que indirectamente, terceiros e as respectivas liberdades de trabalho. Foi submetido ao prudente arbítrio da secção social do Tribunal da Relação de Lisboa um caso em que um trabalhador se obrigava não apenas a não exercer uma actividade concorrente com a do empregador – uma cláusula, como ainda a não promover a contratação de trabalhadores do empregador ou de sociedades que com ele estivessem em relação de grupo ou participação, com o objectivo de trabalharem em sociedades que com estes últimos concorram – outra cláusula.208
preços, Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra, Serviço de Textos, Coimbra, 2007, p. 7, ss (p. 11, para os bens sucedâneos).
208 Ac. da Relação de Lisboa, de 20-10-2010, proferido no âmbito do Processo n.º 4883/07.5TTLSB.L1-4 (Relator: Seara Paixão), disponível para consulta em xxx.xxxx.xx. Estabelecia uma das clausulas que “[e]m caso de cessação do contrato de trabalho, a qualquer título, o 2º outorgante [trabalhador] obriga-se, pelo prazo de um ano, a não exercer actividade em qualquer publicação diária generalista, quer a título de trabalhador, quer de prestador de serviços, consultor, trabalhador independente ou outro, por via directa ou indirecta, que seja concorrencial com a actividade exercida, nesta data, pela 1ª outorgante [entidade empregadora] e nas sociedades do Grupo nas quais o segundo outorgante tenha exercido quaisquer funções nos últimos 24 meses”. A cláusula relativa à vinculação de terceiros dispunha “[a]inda em caso de cessação do contrato de trabalho, a qualquer título, o 2º outorgante [trabalhador] obriga-se, durante o período de um ano, a não promover a contratação, qualquer que seja a forma que revista, de trabalhadores da 1ª outorgante
O tribunal veio a considerar, apoiando-se num parecer de XXXXX XXXXXX XXXXX, que esta última cláusula “não representa uma cláusula de não concorrência, constituindo antes um pacto restritivo da liberdade de trabalho alheia”. O tribunal considerou que a cláusula “não se limita a tutelar a liberdade de trabalho do trabalhador em cujo contrato figura a cláusula, mas a liberdade de trabalho em geral, constituindo uma decorrência dos princípios consagrados nos arts. 47º, nº 1, e 58º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, especificamente enquanto deles deriva o direito a não ser impedido de exercer uma profissão para a qual se tenham os necessários requisitos”. Assim, considerou nula tal cláusula (mantendo o entendimento do tribunal de primeira instância), por ser “limitativa da liberdade de trabalho de terceiros não incluídos no contrato”, e que por isso está “abrangida pela proibição constante do nº 1 do art. 36º da LCT” (correspondente ao n.º 1 do artigo 136.º do actual CT).
3.6. O juízo de probabilidade a que se refere a alínea b) do n.º do artigo 136.º do CT e a evolução do seu entendimento desde a LCT de 1966
Questão que merece alguma atenção é a remissão da al. b) do n.º 2 do artigo 136.º do CT para um juízo de probabilidade. É necessário que o perigo de concorrência diferencial objectivamente exista, mas ela precisa de ser apenas potencial.209 Diz o referido preceito que deve tratar-se de “actividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador”, com destaque para o termo “possa”. Não era esta a redacção da norma reguladora da matéria na vigência de qualquer das LCT e do CT de 2003, cuja al. c) do n.º 2 dos respectivos 36.º e 146.º, que exigiam, respectivamente, que se tratasse de actividade cujo exercício pudesse “efectivamente causar prejuízo à entidade patronal” e “efectivamente causar prejuízo ao empregador”.210
[empregador] ou de sociedades que com ela estejam em relação de grupo ou participação para sociedades que, directamente ou por relação de grupo ou participação, sejam concorrenciais com a actividade exercida, nesta data, pela 1ª outorgante”.
209 Assim, também, o Ac. da Relação de Lisboa, de 29-03-2006, proferido no âmbito do processo 863/2006-4 (Relator: Xxxxxx Xxxxxxxxxx).
210 Os itálicos destas citações são meus.
Da supressão do advérbio “efectivamente” resulta, como observa XXXXX XXXXX X XXXXX,211 um “aligeiramento” do juízo de possibilidade de causação de prejuízo pela actividade a desempenhar pelo trabalhador. A meu ver, a autora não deixa de ter razão ao dizer que, com o abandono daquela expressão se obvia às dificuldades criadas pela discussão em torno do grau de probabilidade de verificação do prejuízo que seria exigível para que pudesse considerar-se válido o juízo de prognose. Isto porque, até 2009, o legislador parecia não se bastar “com a mera possibilidade de prejuízo [,] exigindo uma probabilidade de efectivação do mesmo”, estando agora “definitivamente o enfoque na mera possibilidade da existência [de um] risco”212 ou de uma potência para o prejuízo.213 Esta lassidão na possibilidade de causação de prejuízo representa, talvez, o preço a pagar por uma maior certeza e segurança no recurso ao pacto de não concorrência, em termos de validade.
Claro que a verificação deste requisito não poderá deixar de ser apreciado no segundo momento de controlo (apenas eventual) de que se falou, já – a sindicância judicial. O tribunal deve poder apurar da verificação, em concreto, atentas as circunstâncias do caso, se o interesse legítimo do empregador existe mesmo ou não. Mas mais. O tribunal deve poder avaliar, ainda, da proporcionalidade, tomada em sentido amplo (sobretudo, ao nível da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que a adequação se dá por adquirida) entre a intensidade do referido interesse e a limitação à liberdade de trabalho operada pelo pacto.214
Depois, questão importante é saber em que medida poderão os tribunais intervir em sentido correctivo, quando se conclua pela existência do interesse, mas em medida desproporcionada. Propõe XXXXX XXXXX E SILVA215 que o tribunal possa intervir apenas em
caso de desproporção flagrante, atendendo ao facto de ser o empregador quem está em melhor posição para avaliar dos seus interesses, sendo muito difícil àquele substituir-se-lhe na prognose.
211 Obrigação de não concorrência…, p. 76.
212 Ob. e loc. cits. na nota anterior. Mas vide, quanto à compensação, a tese defendida por XXXXX XXXXXX XXXXX – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 86-87.
213 Parece ser este o sentido para o qual se inclina, igualmente, a jurisprudência. Isto, claro, com a ressalva, já feita, em relação ao perigo concorrencial indistinto daquele que qualquer ex-trabalhador ou agente económico é capaz de fazer, enquanto detentor dos normais conhecimentos circulantes numa economia de mercado, ao alcance de todos e de qualquer um. No mesmo sentido, XXXX XXXXX XX XXXXX – O pacto de não concorrência…, p. 294.
214 XXXXX XXXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 614.
215 Obrigação de não concorrência…, p. 77-78.
3.7. O momento decisivo na averiguação do interesse sério do empregador
Questão a que não pode fugir-se é, de igual modo, a de saber qual o momento relevante para decidir sobre a existência do interesse sério do empregador, em último termo.
É líquido que tal interesse tem de existir no momento da formalização do pacto, sob pena de invalidade. Problema é que o pacto de não concorrência pode ser, como vimos, celebrado antes da cessação do contrato de trabalho – meses, anos ou mesmo décadas antes.
É absolutamente decisivo para a validade do pacto que o interesse sério do empregador exista ou persista no momento em que o pacto deve começar a produzir os eus efeitos, independentemente do momento em que haja sido celebrado.216 É nesse momento que a sua existência ou persistência deve ser verificada pelas partes e, sendo caso disso, pelo tribunal. Além de ser a única solução capaz de acompanhar e de se adaptar às vicissitudes naturais e jurídicas do contrato de trabalho, esta é também a única maneira de garantir o respeito pela teleologia do expediente em face de tais acontecimentos.
XXXXXXX XXXXXXXXXX000 destaca o facto de este ser o momento que melhor
proporciona às partes a possibilidade de avaliar da existência de um interesse sério na limitação da actividade do trabalhador e da valia da assunção da obrigação o compensar, nos termos da al. c) do n.º 2 do artigo 136.º do CT. Concordo plenamente, e tomo a liberdade de remeter para as considerações tecidas no ponto 2.1 desta Parte III acerca da vantagem de trabalhar os contornos de um pacto de não concorrência em face de informação que à data do início da produção dos efeitos daquele se encontra actualizada. De facto, o interesse sério do empregador, a justeza da compensação a atribui ao trabalhador, a circunscrição territorial em que o trabalhador fica impedido de realizar uma actividade concorrente com a do empregador, o elemento temporal – todas estas realidades estão sujeitas a mutações que podem derivar do decurso do tempo e/ou do desenvolvimento da relação contratual. E quando celebrado antes da cessação do contrato, o pacto de não concorrência não dá ou pode não dar a devida cobertura a tais situações. Por exemplo, pode não contemplar a hipótese de haver uma deslocalização da empresa e/ou de abandono daquele mercado, de abandono pelo empregador do exercício da
216 XXXXX XXXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 615.
217 Da cessação do contrato de trabalho…, p. 361.
actividade vedada pelo pacto, até e caso de encerramento parcial ou mesmo total da sua organização. Mas também cenários menos “drásticos”, como o facto de a técnica que diferenciava aquele trabalhador dos demais concorrentes naquele mercado se ter “democratizado”, por exemplo.
Prosseguindo o raciocínio, afirma XXXXXXX XXXXXXXXXX000 que, uma vez que o
pacto é celebrado no interesse do empregador, este “deverá acautelar a possibilidade de, no momento da cessação da relação laboral, fazer uma avaliação actualizada do seu interesse na manutenção da cláusula”. Desta forma, é possível obviar àquelas situações de mutação. E a bondade da solução é, na verdade, incontestável. Xxxxxx, o pacto é oneroso, e se o empregador já não tira o mesmo proveito, ou se já não tira, de todo, proveito da inactividade do trabalhador, para quê manter os termos daquele encargo financeiro, ou para quê manter o próprio pacto? Por outro lado, o trabalhador também pode ter a ganhar com a não sujeição ao pacto, recuperando mais uma parte ou mesmo o pleno exercício dos seus direitos fundamentais já tao conhecidos e referidos, ao mesmo tempo que está menos exposto à “desactualização” característica da moderna sociedade da informação. Vistas assim as coisas, a modificação ou revogação do pacto de não concorrência pode ser vantajosa para ambas as partes.
Descendo ao plano legal, constata-se que o artigo 136.º do CT nada adianta acerca desta possibilidade de “revisão”. No entanto, e de qualquer modo, perante uma situação em que o interesse sério do empregador (que já existiu) se perdeu, ou em que houve rompimento do equilíbrio de prestações inicialmente existente, qualquer das partes pode recorrer à modificação ou resolução por alteração superveniente das circunstâncias, consagrado ano artigo 437.º do CC.219
A ideia preconizada por XXXXXXX XXXXXXXXXX apresenta, contudo, um efeito perverso, para que já se chamou a atenção no ponto 2.1 da Parte III desta dissertação, que novamente se convoca – o pacto de não concorrência produz um efeito constritor da liberdade de desvinculação do trabalhador imediatamente a partir do momento em que é celebrado.220 A modificação ou revogação do pacto de não concorrência, ou mesmo a resolução, se operada nos termos do artigo 437.º, se permite ao trabalhador recuperar parte
218 Ob. e loc. cits. na nota anterior.
219 Sobre estes problemas, XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 17, e XXXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 350-351.
220 Vide, XXXXX XXXXXX XXXXX – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 98-99, em que, de uma penada, o autor diz tudo.
ou o todo das suas liberdades, não resolve ou pode não resolver o problema de a sua liberdade de desvinculação ter estado limitada, e os prejuízos que daí possam ter-lhe advindo.
Um problema de contornos algo semelhantes, que encontra tratamento no ordenamento jurídico belga e nos é trazido por XXXXX XXXXXX XXXXX000 consiste na possibilidade de o empregador denunciar o pacto de não concorrência celebrado com o trabalhador até ao momento em que o contrato de trabalho cessa ou em período de tempo mais ou menos curto depois disso, ou ainda a possibilidade de o empregador poder optar
pela manutenção ou não do pacto de não concorrência naquele momento da cessação. Concordo com o autor, quando diz que em ordenamentos em que esta possibilidade não esteja legalmente prevista, tal mecanismo de “opção” deve ter-se por nulo. Não só porque aquele efeito prático de limitação da liberdade de vinculação já se produziu e o empregador pode assim tarde furtar-se à prestação de qualquer contrapartida, mas também porque permitir uma tal solução seria legitimar a criação de um clima de incerteza absoluta para a vida e futuro profissional do trabalhador,222 desrespeitando ou defraudando um dos vectores da teleologia da exigência de forma escrita e também as funções de garantia da segurança, previsibilidade e paz social que ao Direito cabem.
Em todo o caso, a nulidade – que resultaria da aplicação da regra constante do disposto no n.º 1 do artigo 136.º do CT reportar-se-ia apenas a esta disposição, e não ao pacto de não concorrência considerado em bloco, nos termos do artigo 121.º, n.º 1 do CT.
4. A compensação a atribuir ao trabalhador
Outro requisito de cuja verificação depende a licitude do pacto de não concorrência é, nos termos da al. c) do n.º 2 do artigo 136.º do CT, a atribuição “ao trabalhador, durante
221 Algumas novas questões sobre as cláusulas…, p. 97-99, e notas 53 e 54.
222 Na doutrina italiana, identificando um “direito do trabalhador à programação da futura actividade laboral, XXXXXXX XXXXXXX – Patto di non concorrenza e nulittà della clausola di recesso. Spunti di riflessione su corrispettività delle obbligazioni e fidelizzazione del lavoratore, Massimario, di Giurisprudenza del Lavoro, 2005, p. 44 e ss, apud XXXXX XXXXXX XXXXX – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 98, nota 53 e 54.
o período de limitação da actividade, uma compensação”. Não há margem para dúvida, este é um negócio jurídico oneroso.223
A obrigatoriedade da atribuição ao trabalhador de uma compensação durante o período de limitação da sua actividade reveste carácter obrigatório não é acompanhada, em regra, do estabelecimento de um standard mínimo ou de um limite máximo do respectivo quantum. A regra é a determinação ficar entregue à liberdade de estipulação das partes. No entanto, a lei prevê situações excepcionais em que, em face da ocorrência de diversos eventos, o quantum acordado pelas partes deverá ser sujeito a majoração, redução ou dedução. Essas situações estão previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 136.º do CT.
No que concerne à situação de majoração prevista no mencionado n.º 3 CT, para aqui não repetir o que já foi dito, começo por tomar a liberdade de remeter para as considerações tecidas no ponto 2.4 da Parte III desta dissertação. Mas porque a exposição que se segue pressupõe que se tenham bem presentes os termos daquele preceito, recordemos apenas a respectiva redacção: “[e]m caso de despedimento declarado ilícito ou de resolução com justa causa pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador, a compensação a que se refere a alínea c) do número anterior é elevada até ao valor da retribuição base à data da cessação do contrato, sob pena de não poder ser invocada a limitação da actividade prevista na cláusula de não concorrência”.
Contudo, essa majoração pode não ter um carácter definitivo, se tivermos na devida conta o disposto no n.º 4 do mesmo artigo (que aqui não se transcreve, antes se descreve, em virtude de a transcrição não facilitar propriamente a compreensão). Nos termos do disposto em tal norma legal, ao quantum de compensação acordado pelas partes majorado até ao valor da retribuição base à data da cessação do contrato são deduzidas as importâncias auferidas pelo trabalhador no exercício de outra actividade profissional, iniciada após a cessação do contrato de trabalho, até ao valor acordado pelas partes, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 136.º do CT.
Significa isto, a final, que o disposto no n.º 4 pode anular, parcial e mesmo totalmente o prescrito no n.º 3. Curiosamente, o CT colecciona uma outra solução em que algo de semelhante acontece cuja configuração dá flanco a críticas semelhantes às que este n.º 4 suscita. Com efeito, o problema que este n.º 4 visa solucionar é muito semelhante ao
223 Sobre esta noção, vide XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX – Teoria Geral do Direito Civil…, p. 400-402.
que está por detrás do previsto na al. a) do n.º 2 do artigo 390.º do CT.224 Estamos perante concretizações da regra geral de direito dos contratos, consagrada no n.º 2 do artigo 795.º do CC que dispõe “[s]e a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, será o valor do benefício descontado na contraprestação”.
Enxertada no problema da compensação devida ao trabalhador em situações de despedimento ilícito e à situação de dedução prevista no nº4 do artigo 136.º do CT, esta não deixa de dar flanco a um reparo (que talvez até seja geral e não propriamente particular à sua aplicação no campo do direito do trabalho). Muito sumariamente, e embora apreenda alguma bondade na solução, no sentido de evitar situações de um autêntico jackpot225 para o trabalhador; pode criticar-se a ideia de nexo causal ínsito na lei (entre o despedimento e os rendimentos que “o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento”), o facto a solução ser apta à criação de soluções violadoras do princípio da igualdade e de constituir, em grande medida, um estímulo à inércia e à “preguiça” do trabalhador.226/227
Um último apontamento, apenas para recordar que esta dedução não deverá ocorrer até ao limite estabelecido pela al. c) do n.º 2 do artigo 136.º quando as partes tenham estabelecido montante mais elevado.228 Em tal caso, a dedução deverá ter como limite o quantum pactuado.
Prevista na já mencionada al. c) está também a hipótese de redução equitativa da compensação a atribuir ao trabalhador, quando “o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional”.
Ora, este é um enunciado que também merece um pouco mais de atenção. Desde logo, para dizer que não é para compensar o empregador por eventuais despesas realizadas pelo empregador na formação profissional do trabalhador que serve este pacto de não
224 Sobre o problema, XXXX XXXX XXXXX – Despedimento ilícito e salários intercalares: a dedução do alliunde perceptum – uma boa solução?, in QL, Ano I, N.º 1, Coimbra Editora, Coimbra, 1994, p. 43-52 (sobretudo, p. 46-53), texto que se seguirá de perto, fazendo as necessárias adaptações à realidade pós- codicística.
225 IDEM – Ibidem, p. 46, nota 3.
226 Em sentido diverso, XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p.86-87.
227 O problema da excessiva morosidade das acções de impugnação de despedimento que justifica a dedução do alliunde perceptum está, hoje, em parte, acautelado, com o artigo 98.º-N do Código de Processo de Trabalho – vide XXXX XXXX XXXXX – Contrato de Trabalho…, p. 411-413. Independentemente disto, dizia o mesmo autor que não configuraria caso de enriquecimento ilícito do trabalhador o recebimento dos salários intercalares sem dedução (Despedimento ilícito e salários intercalares…, p. 49)
228 Assim, ROSÁRIO PALMA RAMALHO – Direito do Trabalho…, p. 1035.
concorrência – não é essa a sua teleologia. A ser-lhe assinalada tal faceta, ela não deverá considerar-se mais do que um efeito meramente residual ou reflexo. Para defesa de tais interesses, dispõe o empregador de um outro instrumento, já mencionado – o pacto de permanência, previsto no artigo 137.º do CT. Até porque nada parece impedir que a celebração de um pacto de permanência anteceda a de um pacto de não concorrência. Remete-se, aqui, para os comentários e reparos que se fez, já, no ponto 2 do Capítulo II.
Um breve apontamento ao problema da natureza jurídica da compensação (que, por ser mais ou menos pacífico na nossa doutrina, não será alvo de grande atenção) apenas para dizer que alinho com a doutrina que lhe nega a natureza de retribuição e lhe reconhece a natureza de compensação pela limitação das liberdades fundamentais de trabalho e de empresa.229 Primeiro porque é a interpretação mais conforme ao enunciado do n.º 1 do artigo 258.º do CT, que fala em “contrapartida do […] trabalho”,230 quando se sabe que a compensação é contrapartida (não de trabalho mas) de inactividade concorrencial. Depois, porque na altura em que o pacto visa produzir efeitos inexiste contrato de trabalho, vigorando, em vez disso, o pacto de não concorrência. O trabalhador não está impedido, além disso, de exercer actividades não concorrenciais com o seu ex-empregador, pelo que se rejeita a ideia e a denominação de “salário de inactividade”.231 Estou com XXXX XXXXX XXXXXXX,232 quando diz que a compensação tem “natureza mista”, na medida em que, de uma banda apresenta uma “componente indemnizatória ex lege” e, de outra, não deixa de ser “consequência lógica” da bilateralidade e onerosidade de um negócio jurídico como é o pacto de não concorrência.
De grande relevância se rodeia o problema da fixação do quantum da compensação. Não há um limite mínimo (nem máximo), e parece resultar a contrario sensu do n.º 3 do artigo 136.º que ela pode ser inferior à retribuição que o trabalhador aufere na vigência do contrato de trabalho. No entanto, como destaca a jurisprudência do TC, no Acórdão n.º 256/2004, aquela prestação “terá de ser justa, isto é, suficiente para compensar o
229 O entendimento dominante vai no sentido da negação da natureza retributiva é um aspecto pacífico em face do enquadramento legal actual, e com a superação das dúvidas existentes e provenientes do termo “retribuição” que constava da redacção da al. c) do n.º 2 do artigo 36.º de qualquer uma das LCT, termo que o correspondente artigo do CT de 2003 substituiu por “compensação”, que se manteve no CT de 2009. Discute-se, depois, se deve ou não aplicar-se analogicamente a esta compensação o complexo de mecanismos de protecção da retribuição – vide XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 81-82 e XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p.537.
230 O itálico é meu.
231 Sobre o problema, vide, por todos, XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 79, ss.
232 Os pactos de não concorrência…, p. 358-359.
trabalhador da perda de rendimentos derivada da restrição da sua actividade”. A não ser assim, facilmente poderia frustrar-se o escopo protectivo deste requisito e o equilíbrio sensível entre direitos fundamentais que o pacto visa promover.
4.1. O modo de previsão do quantum da compensação, os critérios da respectiva fixação e o momento do seu pagamento
Que critérios auxiliares devem convocar-se no momento da fixação do valor da compensação? Parece metodologicamente correcto olhar à estrutura do pacto enquanto unidade ou globalmente considerada e dizer que, para ser justa e equilibrada, ela deverá ser apurada fazendo-se um juízo de proporcionalidade (directa, ou de trade-off) entre todos os requisitos. Nomeadamente, jogando com a amplitude das actividades vedadas, nos sentidos material e geográfico, com a concreta limitação temporal, a situação económica na vigência do contrato (o índex do último salario ou da média dos últimos – não necessariamente o salário base), o grau de dificuldade em encontrar um novo posto de trabalho compatível com a formação do trabalhador e a dimensão da organização do empregador.233 A meu ver, devem ser igualmente estes os critérios em que o tribunal que, chamado ao exame judicial de um pacto de não concorrência, há-de ter em consideração para avaliar do cumprimento deste requisito.
Diferentemente do que se disse acerca do requisito do interesse legítimo do empregador, em que se defendeu uma intervenção correctiva judicial apenas em caso de desproporção flagrante, parece dever defender-se, quanto à compensação, uma intervenção mais ampla, bastando uma simples desproporção dos sacrifícios assumidos por cada parte. Não se exige que a compensação fixada seja irrisória para que o tribunal possa intervir no sentido da sua majoração ou declarar a nulidade do pacto.234
233 Xxxxxxxx XXXXX XXXXXX XXXXX – Direito do Trabalho…, p. 616, e XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 89-90.
234 Assim, XXXXX XXXXXX XXXXX – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 85-87. Como bem refere o autor, “[a] ordem jurídica […] não se pode desinteressar de saber se a compensação pela renúncia [aos direitos e liberdades constitucionalmente consagrados] é adequada ou proporcionada” (p. 86). Prossegue o autor, dizendo que “tanto os tribunais espanhóis, como os franceses ou os italianos, se têm reservado a faculdade de controlar a adequação entre o sacrifício concretamente exigido ao trabalhador e a compensação económica que lhe é garantida pela cláusula de não concorrência”. Um pouco na esteira deste autor, e ainda sobre a possibilidade de correcção judicial do montante da compensação acordada, tanto no
Depois, relevante é ainda saber se no pacto de não concorrência tem de estar previsto e ser ab initio conhecido o quantum certo da compensação a atribuir ao trabalhador no período de inactividade. A nossa doutrina e jurisprudência têm entendido pacificamente que não,235 e que um pacto de não concorrência será validamente celebrado, mesmo que dele não conste o valor exacto da compensação a atribuir ao trabalhador – sem que ele esteja determinado. Porém, e porque aquela compensação constitui objecto mediato do negócio jurídico de em tratamento (e assim um seu elemento essencial),236 a mesma há-de ser, pelo menos, determinável. Essa determinabilidade há-de resultar da aplicação de critérios previstos no próprio pacto, e hão-de ser critérios objectivos, livres de qualquer álea e, de preferência, que façam depender a determinação do exacto valor da compensação de simples cálculo aritmético. A determinação da compensação não pode, nomeadamente, ficar exclusivamente dependente da duração do contrato de trabalho.237
Em suma, o quantum exacto da compensação não necessita de estar determinado no pacto, mas apenas de ser determinável em face de critérios objectivos que dele constem. A indeterminação ou a indeterminabilidade do objecto do negócio jurídico acarretam, como se sabe, a nulidade do negócio jurídico, nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1 do CC.
Depois, discutem-se ainda o momento e a forma por que pode ou deve fazer-se o pagamento da compensação ao trabalhador – o quando e o como. Em face do disposto na al. c) do n.º 2 do artigo 136.º, a mesma deve ser atribuída ao trabalhador “durante o período de limitação de actividade”.
Quanto à forma do pagamento, a redacção desta norma parece pacificamente conceder às partes a liberdade de o estipular de diversas formas: i) de uma só vez; ii) em tranches iii) ou mesmo faseadamente, em prestações periódicas e à semelhança do que acontece com a retribuição na vigência do contrato de trabalho, mas ao longo do período de inactividade.
sentido da respectiva diminuição, como no sentido do aumento, XXXXX XXXXX XXXXX – Questões a propósito dos requisitos…, p. 258.
236 Sobre os elementos essenciais do negócio jurídico, vide XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX – Teoria Geral do Direito Civil…, p. 383-384.
Em qualquer caso, adianta-se já, deve fazer-se uma separação documental expressa e clara do montante devido ao trabalhador a título desta compensação e os montantes de outra compensação e outros créditos eventualmente devidos em virtude da cessação do contrato de trabalho.
O momento do pagamento é que se afigura um problema mais complexo de tratar. E a complexidade reside essencialmente na dificuldade que há em descortinar, ao certo, o que deve entender-se pelo termo durante, constante da citada expressão “durante o período de limitação de actividade”. A doutrina questiona frequentemente este aspecto.238
Parece-me líquido, por cumprir inteiramente a ratio legis que preside à onerosidade do pacto e à sua concretização na atribuição desta compensação ao trabalhador, que esta pode ser atribuída ao trabalhador no momento da cessação do contrato de trabalho e de uma só vez. Do mesmo modo, não me parece existir qualquer impedimento legal, de letra ou de espirito, nem inconveniente a que a atribuição se faça já no período de inactividade propriamente dito, como se disse, em prestações periódicas, desde que o trabalhador fique privado da obtenção de rendimentos por demasiado tempo.239 É nesse período que o trabalhador mais necessita daqueles recursos, dos quais pode depender a própria subsistência.240 Deve intervir aqui um critério de razoabilidade.
E mais cautela e razoabilidade exige, ainda, o cenário em que as partes convencionam o pagamento da compensação, de uma só vez, naquele mesmo período de inactividade, que também parece ser possível.
De facto, feito em momento posterior ao da cessação do contrato de trabalho em bloco ou em prestações periódicas, o pagamento da compensação pode ser menos garantidor dos interesses e necessidades do trabalhador, além de poder privá-lo dos instrumentos de protecção contra o incumprimento das obrigações da contraparte, nomeadamente da excepção de não cumprimento do contrato, consagrado no artigo 428.º,
238 Vide, por exemplo, XXXXX XXXXXX XXXXX – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 87 e ss, XXXXX XXXXX XXXXX – Questões a propósito dos requisitos exigidos…, p. 252 e ss, e XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 92-95, que na elaboração deste raciocínio se seguem de perto. Mas vide, ainda, o acórdão citado na nota anterior.
239 Vide, com muito interesse, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16-03-2011, Processo n.º 5227/07.1TTLSB.L1-4 (Relator: Xxxxxxxxx Xxxxxxx).
240 XXXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 358. Vide, no entanto, o que diz XXXXX XXXXX X XXXXX (que trata mais desenvolvidamente o problema) – Obrigação de não concorrência…, p. 94- 95.
n.º 1, do CC, ou mesmo sujeitá-lo ao perigo de insolvência daquela entidade.241 Juízo mais drástico merece a hipótese de o pagamento ser feito apenas depois de findo o período de inactividade acordado com o trabalhador – nesse caso, o desrespeito é flagrante e não há no nosso ordenamento jurídico base legal para aceitar.242
Em face da autonomia existente entre contrato de trabalho e pacto de não concorrência, tenho algumas dúvidas de que o trabalhador possa obstar ao não cumprimento traduzido no não pagamento da compensação ao trabalhador no momento da cessação do contrato de trabalho, ainda que tal esteja mesmo previsto no contrato de trabalho, exercendo o direito de retenção sobre os instrumentos de trabalho e outros objectos pertencentes ao empregador, nos termos do disposto no artigo 342.º do CT.243
Igualmente problemática, por menos protectora do trabalhador (até mesmo de si próprio, e do modo “por vezes excessivamente optimista, como o ser humano encara o futuro”)244 e do e mais susceptível de ser defraudada é a hipótese de pagamento da compensação ser paga ao longo da execução do contrato de trabalho, ou de uma só vez mas na sua vigência. Quanto a mim, não deve aceitar-se por violadora, não só da letra da alínea c), mas também do espírito de todo o expediente que é o pacto de não concorrência. A aceitação desta solução traz consigo uma panóplia de inconvenientes – a distância temporal que pode mediar entre o pagamento e o início da produção dos efeitos do pacto, a possibilidade de o trabalhador já ter gasto o montante da compensação no momento em que mais necessita dela... No entanto, e pela aceitação desta solução veio pronunciar-se o Tribunal Relação de Lisboa, na condição de o quantum da compensação – o seu “valor global” – estivesse “previamente determinado ou [fosse] determinável de acordo com critérios objectivos estabelecidos no próprio contrato” (critérios que antes subscrevemos).
Quanto a mim, reforço, esta interpretação não é admissível, não é um dos resultados interpretativos possíveis daquela norma. De qualquer modo, e porque a sua aceitação tem cobertura jurisprudencial,245 caso seja de admitir esta possibilidade, concordo com XXXXX
241 Dispõe tal preceito que: “[s]e nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.”
242 Assim, também, XXXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 357-358.
243 Preceito que dispõe: “[c]essando o contrato de trabalho, o trabalhador deve devolver imediatamente ao empregador os instrumentos de trabalho e quaisquer outros objectos pertencentes a este, sob pena de incorrer em responsabilidade civil pelos danos causados.”
244 XXXXX XXXXXX XXXXX – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 89-90.
245 Dada pelo acórdão de que se falava – o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10-12-2009, proferido no âmbito do Processo n.º 376-06.6TTSNT.L1-4 (Relator: Xxxxxx Xxxxxxxxxx).
XXXXXX XXXXX,246 quando diz que importará ter presente o “risco de fraude, isto é, a possibilidade de fazer passar por compensação pela cláusula de não concorrência o que materialmente é retribuição”, e que será importante não só “verificar se a compensação é autonomizada no recibo, como se a pretensa compensação não era já antes paga a outro título (por exemplo, como prémio), só tendo mudado o seu nome, ou se não absorveu aumentos retributivos (de tal modo que, por exemplo, trabalhadores com as mesmas funções, mas sem a cláusula de não concorrência, acabam por auferir, no conjunto, sensivelmente o mesmo que o trabalhador onerado com tal cláusula…)”.
5. O limite temporal
O último dos requisitos legais consiste na imposição de um limite temporal máximo aos efeitos limitativos das liberdades do trabalhador que o pacto de não concorrência pode operar. Grande parte do que havia a dizer acerca deste requisito (e também acerca do limite espacial) foi já e inevitavelmente dito, por ocasião do tratamento de outras condições de licitude deste expediente.
O limite temporal máximo daqueles efeitos é, em regra, de 2 anos, de acordo com os termos do disposto no corpo do n.º 2 do artigo 136.º do CT. Como toda a regra tem excepção, o n.º 5 do mesmo artigo prevê dois tipos de situação em que aquele limite temporal pode atingir um máximo de 3 anos, em duas situações distintas: i) o caso de o trabalhador “afecto ao exercício de actividade cuja natureza suponha especial relação de confiança”; ii) e a eventualidade de o mesmo “ter acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência”.247
A verificação, em concreto, destas circunstâncias permissoras de uma limitação mais longa da actividade está igualmente sujeita ao escrutínio judicial, e o ónus da sua
246 XXXXX XXXXXX XXXXX – Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos…, p. 91.
247 No ordenamento jurídico espanhol, o artigo 21.º, n.º 2 do Estatuto de los Trabajadores estabelece uma diferença entre trabalhadores que identifica como “los técnicos”, para os quais o pacto não pode ter uma duração temporal superior a 2 anos, e outros, que identifica como “los demás trabajadores”, em relação aos quais aquele limite é apenas de 6 meses. Em relação a estes trabalhadores “técnicos”, diz-nos XXXXXXXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXXXX: “parece que “técnico” es quien, normalmente com titulación académica específica, puede haber avanzado sustancialmente en sus conocimientos y preparación por el hecho de haber trabajado en la empresa, de manera que el uso de dichos conocimientos y preparación “añade valor” […] a la empresa competidora” [Pactos de no concurrencia y de permanencia (en torno de los artículos 5.d) y 21) – in Civitas - Revista española de derecho del trabajo, n.º 100, Madrid, 2000, p. 284].
alegação e prova pertence ao empregador interessado.248 Assim, também, e como já se disse, a relação de proporcionalidade entre a duração do contrato e a duração da limitação da actividade, que deve igualmente existir.
Na hipótese de haver omissão de referência pelas partes à duração dos efeitos pacto, parece dever considerar-se que o mesmo foi celebrado pelo limite máximo que caiba à situação (conforme estejam ou não preenchidos os requisitos do n.º 5). Embora esta seja, de algum modo, uma solução pouco coerente com o carácter excepcional das situações previstas nos n.ºs 2 e 5 do artigo 136.º do CT relativamente à regra do respectivo n.º 1. Ao mesmo tempo, em obediência ao princípio da proporcionalidade ainda agora convocado, porque a restrição dos direitos deve limitar-se ao mínimo indispensável à salvaguarda de outros de semelhante peso relativo, melhor seria defender uma solução que apontasse a um mínimo legal. Questão é que a lei não estabelece (e talvez nem seja possível estabelecer) um limite temporal mínimo.
Se, em vez disso, o prazo acordado pelas partes ultrapassa o limite máximo estabelecido na lei, deve entender-se inválida essa concreta disposição, devendo ser substituída pela disposição invalidante – o corpo do n.º 2 ou o n.º 5 do artigo 136.º, ex vi artigo 121.º, n.º 2 do CT.249
A redução da amplitude temporal do pacto de não concorrência implica naturalmente uma redução da compensação atribuída. Em princípio, essa redução da compensação deve ser proporcional à operada na duração do pacto.250 Porém, parece-me que não tem necessariamente de ser assim, porque o equilíbrio de prestações e a justeza da compensação pode não ser alcançável através de uma pura operação matemática de proporcionalidade directa.
Nada parece impedir, ainda, a possibilidade de prorrogação, por mútuo acordo, o período duração dos efeitos inicialmente acordado, desde que salvaguardados os limites legais aplicáveis.251 Do mesmo modo (por mútuo consenso), devem as partes, quando assim entenderem, poder revogar o pacto.
248 Sobre o problema, XXXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 313-318.
249 Vide XXXXX XXXXX XXXXX – Questões a propósito dos requisitos exigidos…, p. 259, que inclusivamente nos diz ser também esta a solução, tanto no ordenamento jurídico italiano (em que a redução é operada pelo próprio artigo 2125 do Codice Civile), como no ordenamento espanhol, em que a jurisprudência assim tem entendido, em face do silêncio da lei.
250 A redução proporcional é a solução defendida por XXXXX XXXXX XXXXX – Ob. cit, na nota anterior, p. 260.
251 XXXX XXXXX XXXXXXX – Os pactos de não concorrência…, p. 613.
6. O limite espacial
O último dos condicionamentos assinalados à celebração do pacto não encontra referência expressa na lei, tem origem jurisprudencial252 e doutrinal,253 e resulta da própria lógica do expediente considerado na sua globalidade. Vejamos.
Se é teleologia do pacto proteger o empregador de um perigo concorrencial particularmente perigoso a realizar por um ex-trabalhador, e se essa protecção tem de assentar num interesse sério, objectivo e real – características que o tornam legítimo –, então a restrição só se justifica enquanto se estiver no âmbito ou área de irradiação ou de influência daquele primeiro sujeito ou apenas da sua clientela, consoante os casos. Se o empregador, a sua actividade, a notoriedade da sua organização e o seu poder para a disputa de mercados e de clientela não vão além de um determinado espaço geográfico, e se não há um interesse igualmente real e sério do empregador (que este deve alegar e comprovar) na conquista desses espaços no momento actual, nem o trabalhador colaborou no traçar de planos ou no lançamento de projectos para a respectiva conquista, então nada poderá justificar a limitação da actividade do trabalhador, actue ele nessa qualidade ou na de agente económico.
Esta limitação geográfica é, por vezes, muito difícil de acertar, na medida em que tem de ser ponderada casuisticamente. E há mesmo situações em que, por efeito da globalização da influência das empresas, ela pouco sentido fará. Coloca-se frequentemente o problema de o empregador ter uma área de influência de tal modo alargada que o trabalhador pode ver-se obrigado a migrar dentro do seu país, a ter mesmo de emigrar ou, até, na prática, de se abster de desempenhar a actividade ou conjunto de actividades antes desempenhadas também em função da eventual rarefacção do mercado.254
Pela utilidade e importância que tem, e embora não seja legalmente exigida, pelo menos em termos expressos, deve ser sempre estipulada.255 A previsão é, além de evitar eventuais litígios em razão de alegados incumprimentos, um mecanismo fundamental de controlo da harmonia global e do trade-off entre os diversos requisitos de validade do pacto
252 Cfr. o Ac. 256/2004 do TC.
253 Vide, assim, XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 24-25, XXXX XXXXX XX XXXXX
– O pacto de não concorrência…, p. 297-298, XXXXX XXXXXX XXXXXXXX – Direito do Trabalho…, p. 689, e XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 38, 108-109.
254 Sobre estes problemas, fala-nos XXXXX XXXXXX XXXXX – As cláusulas de não concorrência…, p. 82-83.
255 XXXXX XXXXX X XXXXX – Obrigação de não concorrência…, p. 109.
de não concorrência, pelas partes, no momento da formalização, e pelo tribunal, em sede de apreciação judicial.256
256 Remete-se, aqui, para as indicações bibliográficas e jurisprudenciais constantes das notas 95 e 96.
CAPÍTULO IV NOTA CONCLUSIVA
E assim se chega ao cabo desta dissertação, subordinada ao tema “pacto de não
concorrência no contrato de trabalho”, em que procura analisar-se, partindo de uma perspectiva estritamente laboral, alguns dos mais relevantes problemas de direito substantivo que em torno do expediente do pacto de não concorrência giram.
Começa por traçar-se um breve esboço da situação concorrencial em que trabalhador se encontra na vigência do contrato de trabalho, sobretudo com referência ao dever acessório de conduta de lealdade e às manifestações ou afloramentos de abstenção de comportamentos concorrenciais e de sigilo que dele afloram, para logo de seguida a confrontar com a situação em que o referido sujeito se encontra no período pós-contratual, existindo pacto e inexistindo ele.
Definida a figura do pacto ou cláusula de não concorrência como objecto, procurou analisar-se com maior profundidade a sua noção, explorando cada um dos respectivos componentes. Procurou compreender-se a teleologia daquele expediente, averiguando e fazendo uma súmula dos interesses, valores e direitos conflituantes que nele se imbricam, mas que o mesmo acaba por agregar e harmonizar num delicado equilíbrio, bem como procurou averiguar-se qual a sua serventia prática – saber a que problemas visa, afinal, dar resposta. Assim se percorreram questões como a da compatibilidade do pacto com a CRP, dos desafios colocados pela moderna sociedade e economia globalizadas, técnicas e tecnológicas, em que o conhecimento constitui muitas vezes a maior das riquezas, entre mais.
E claro, a fatia maior desta dissertação foi naturalmente, e em conformidade com os objectivos traçados no capítulo introdutório, reservada à análise do regime jurídico propriamente dito do pacto de não concorrência. Não sendo a altura de repetir tudo quanto se disse, ainda que resumidamente, recorda-se apenas que procurou fazer-se um apanhado geral acerca dos requisitos de licitude daquela figura, tanto os de origem legal como os de origem doutrinal e jurisprudencial, do problema da necessidade ou desnecessidade da sua verificação cumulativa e ainda dos momentos do controlo em abstracto e em concreto da sua licitude. Daí para a frente, procurou centrar-se a atenção e as forças na análise de cada um daqueles requisitos de licitude, individualmente e em profundidade, trazendo à
discussão alguns dos mais relevantes problemas e desafios práticos por eles colocados. O espaço de maior liberdade para a criação, para avançar, aqui e ali, com mais ou menos engenho e assertividade, comentários e ideias com carácter mais ou menos inovador, que sempre caracterizam um trabalho científico da índole deste que ora se dá por encerrado encontra-se (ou encontrei-o eu) sobretudo nesta última parte, correspondente ao Capítulo III.
Na certeza que muito fica por dizer acerca dos pactos de não concorrência, não tendo a análise aqui empreendida abarcado aspectos sobremaneira relevantes de um ponto de vista prático, como o problema do incumprimento do pacto pelas partes, ou mesmo problemas de carácter adjectivo ou processual, como a competência dos tribunais, aqui procura deixar-se um subsídio à compreensão da estrutura essencial e de alguns dos mais importantes problemas colocados por aquela figura à teoria e prática jurídicas.
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JURISPRUDÊNCIA
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Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
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- Acórdão de 07-05-2008, Processo n.º 08S322 (Relator: Xxxxx Xxxxx)
Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx xx Xxxxxx
- Xxxxxxx de 29-03-2006, Processo n.º 863/2006-4 (Relator Xxxxxx Xxxxxxxxxx)
- Acórdão de 10-12-2009, Processo n.º 376-06.6TTSNT.L1-4 (Relator: Xxxxxx Xxxxxxxxxx)
- Acórdão de 14-01-2009, Processo n.º 9374/2008-4 (Relator: Xxxxx Xxxx Xxxxx)
- Acórdão de 30-10-2002, Processo n.º 0049294 (Relator: Xxxxxxxx Xxxxxxx)
- Acórdão de 20-10-2010, Processo n.º 4883/07.5TTLSB.L1-4 (Relator: Seara Paixão)
- Acórdão de 16-03-2011, Processo n.º 5227/07.1TTLSB.L1-4 (Relator: Xxxxxxxxx Xxxxxxx)
A jurisprudência constitucional utilizada encontra-se disponível para consulta no sitio da Internet xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx/xx/xxxxxxxx/.
A jurisprudência dos tribunais judiciais, por seu turno, encontra-se disponível para consulta no sítio da Internet em xxx.xxxx.xx.
ÍNDICE
1. Enquadramento, menção ao objecto e objectivo da dissertação 4
O PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA – NOÇÃO, FUNDAMENTO E PROBLEMAS ESSENCIAIS 14
1. Noção e problemas essenciais 14
2. Fundamento – os interesses ou valores a proteger 21
O REGIME JURÍDICO PROPRIAMENTE DITO E OS REQUISITOS DE LICITUDE DO PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA 29
1. Os requisitos de licitude, em geral, e o seu carácter cumulativo 29
2. A necessidade de acordo escrito 32
2.1. O momento ou oportunidade da formalização do pacto e os instrumentos em que o mesmo pode achar-se contido 36
2.2. A possibilidade de celebração do pacto de não concorrência em função da modalidade ou tipo de contrato de trabalho 45
2.3. As partes no pacto de não concorrência 48
2.4. A influência do modo de cessação do contrato de trabalho no pacto de não concorrência 52
3. O interesse legítimo do empregador 56
3.1. A concorrência diferencial 60
3.2. O caso particular em que o pacto é celebrado exclusivamente com o objectivo de proteger valores ligados à clientela do empregador 64
3.3. O ónus da prova e o carácter objectivo do interesse sério 65
3.4. O trabalhador capaz de exercer concorrência diferencial – a primazia da realidade 66
3.5. A actividade concorrencial do trabalhador que o empregador tem interesse legítimo em restringir 67
3.6. O juízo de probabilidade a que se refere a alínea b) do n.º do artigo 136.º do CT e a evolução do seu entendimento desde a LCT de 1966 70
3.7. O momento decisivo na averiguação do interesse sério do empregador 72
4. A compensação a atribuir ao trabalhador 74
4.1. O modo de previsão do quantum da compensação, os critérios da respectiva fixação e o momento do seu pagamento 78