O DANO MORAL NA RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
O DANO MORAL NA RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
MORAL DAMAGE IN PRE-CONTRACTUAL LIABILITY
Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxx0 Valterlei X. xx Xxxxx0
RESUMO: Não há previsão normativa acerca da proteção daqueles que pretendem contratar. O Código Civil brasileiro apenas exige, em seu texto legal, o dever de agir com probidade e boa-fé durante a celebração dos contratos e depois de sua conclusão. Entretanto, sendo a etapa pré-contratual importante momento antes da formalização de um contrato, a doutrina, em um exercício hermenêutico, estendeu às tratativas negociais os deveres previstos no seu artigo 422, de modo que, caso não sejam observados também nesta fase preliminar, exsurgirá o direito à reparação dos eventuais danos sofridos. Em contrapartida, a jurisprudência ainda caminha vagarosamente nesse cenário de responsabilidade civil, haja vista que tende a admitir, na extensa maioria dos casos, a reparação de danos de natureza material e desde que efetivamente comprovados. Mas não se pode olvidar, todavia, que o rompimento injustificado das negociações pré-contratuais pode ocasionar, igualmente, danos lesivos à esfera moral daqueles que pretenderam contratar, transcendendo o mero aborrecimento cotidiano. Portanto, o presente artigo, norteado pela boa-fé objetiva e deveres anexos, propõe-se a justificar a possibilidade de indenização por dano moral na responsabilidade civil pré-contratual, a partir de uma construção baseada em fundamentos históricos, no direito comparado e também na doutrina.
Palavras-chave: responsabilidade civil pré-contratual; dano moral; indenização.
ABSTRACT: There is no normative provision regarding the protection of those who intend to hire. The Brazilian Civil Code only requires, in its legal text, the duty to act with probity and good faith during the conclusion of the contracts and after its conclusion. However, since the pre-contractual stage is important just before the formalization of a contract, the doctrine, in a hermeneutic exercise, extended the duties provided for in Article 422 to business negotiations, so that, if they are not also observed in this preliminary phase, the right to reparation for any damage suffered is extinguished. On the other hand, the jurisprudence still walks slowly in this scenario of civil liability, given that it tends to admit, in the vast majority of cases, the repair of damages of a material nature and provided that they are effectively proven. However, it cannot be forgotten, however, that the unjustified disruption of pre- contractual negotiations can also cause harmful damages to the moral sphere of those who
1 Bacharel em Direito pela UNICURITIBA. Membro da Comissão de Responsabilidade Civil da OAB/PR. Advogada em Curitiba/PR. E-mail: xxxxxx.xxxxxx@xxxxxxx.xxx.
2 Doutorando em Direito Tributário pela USP e em Direito do Estado pela UFPR. Mestre em Direito do Estado e Bacharel em Direito pela UFPR. Ex-Técnico de Finanças e Controle da Procuradoria da Fazenda Nacional. Membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná e da Comissão de Direito Tributário da OAB/PR. Professor de pós-graduação em direito lato sensu. Advogado em Curitiba/PR. E-mail: xxxxx.xxxxxxxxx@xxxxx.xxx.
intended to hire, transcending the mere daily annoyance. Therefore, the present work, guided by objective good faith and attached duties, proposes to justify the possibility of indemnity for moral damage in pre-contractual civil liability based on a construction based on historical foundations, on comparative law and also on doctrine.
Keywords: pre-contractual civil liability; moral damage; compensation.
Sumário: 1 Introdução. 2 O dano moral na responsabilidade civil pré-contratual: conceituação, identificação e extensão. 3. À guisa de síntese. 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Não há previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro acerca da responsabilidade civil pré-contratual, seja qual for o ato ilícito ou a natureza do dano. O Código Civil apenas dispõe, em seu artigo 4223, sobre o dever do contratante de agir com probidade e boa-fé durante a execução do contrato, bem como depois sua conclusão, mas nada menciona sobre a fase que antecede sua celebração. Entretanto, a partir de um exercício hermenêutico, e atendendo aos apelos da doutrina, que há muito já a admitia, tal omissão legislativa foi sanada pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu a possibilidade de reparação de danos sofridos na etapa pré-contratual (Informativo de Jurisprudência 05174). E isso porque as partes que pretendem contratar, movidas pela boa-fé (e seus deveres anexos)5, criam
3 “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
4 “DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL. A parte interessada em se tornar revendedora autorizada de veículos tem direito de ser ressarcida dos danos materiais decorrentes da conduta da fabricante no caso em que esta - após anunciar em jornal que estaria em busca de novos parceiros e depois de comunicar àquela a avaliação positiva que fizera da manifestação de seu interesse, obrigando-a, inclusive, a adiantar o pagamento de determinados valores - rompa, de forma injustificada, a negociação até então levada a efeito, abstendo-se de devolver as quantias adiantadas. A responsabilidade civil pré-negocial, ou seja, a verificada na fase preliminar do contrato, é tema oriundo da teoria da culpa in contrahendo, formulada pioneiramente por Xxxxxxx, que influenciou a legislação de diversos países. No Brasil, o CC/1916 não trazia disposição específica a respeito do tema, tampouco sobre a cláusula geral de boa-fé objetiva. Todavia, já se ressaltava, com fundamento no art. 159 daquele diploma, a importância da tutela da confiança e da necessidade de reparar o dano verificado no âmbito das tratativas pré-contratuais. Com o advento do CC/2002, dispôs-se, de forma expressa, a respeito da boa-fé (art. 422), da qual se extrai a necessidade de observância dos chamados deveres anexos ou de proteção. Com base nesse regramento, deve-se reconhecer a responsabilidade pela reparação de danos originados na fase pré-contratual caso verificadas a ocorrência de consentimento prévio e mútuo no início das tratativas, a afronta à boa-fé objetiva com o rompimento ilegítimo destas, a existência de prejuízo e a relação de causalidade entre a ruptura das tratativas e o dano sofrido. Nesse contexto, o dever de reparação não decorre do simples fato de as tratativas terem sido rompidas e o contrato não ter sido concluído, mas da situação de uma das partes ter gerado à outra, além da expectativa legítima de que o contrato seria concluído, efetivo prejuízo material”. (REsp 1.051.065-AM, Rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx, julgado em 21/2/2013).
5 “[...] as negociações preliminares possuem normatividade na medida que impõem aos envolvidos a
expectativas sobre o contrato que esperam firmar, de modo que um eventual rompimento injustificado das negociações ou um descumprimento de tais deveres no momento pré- contratual, ainda que com a conclusão do contrato, podem causar, a depender das peculiaridades do caso concreto, prejuízos6.
Contudo, há de se ter a cautela de observar que todo e qualquer pretenso contratante tem o direito de desistir de estabelecer uma relação contratual, sob a égide da autonomia privada7, a qual, nada obstante, deve ser relativizada se confrontada com princípios de outra ordem, principalmente os que guardam relação com a dignidade da pessoa humana. No cenário da responsabilidade civil pré-contratual é possível observar tal confronto que, todavia, só será superado se, a partir da análise do caso concreto, for possível observar que o rompimento das negociações violou bem jurídico advindo da boa-fé, secundarizando, assim, a liberdade de contratar e ensejando, portanto, a reparação civil, de natureza extracontratual.
Porém, a dificuldade paira no momento da identificação do bem jurídico cuja violação seja capaz de implicar a responsabilidade civil pré-contratual e, mesmo identificado, quais seriam os danos provenientes da ilicitude: se for de natureza material, a problemática reside no acervo probatório; se for de caráter extrapatrimonial, a celeuma está na quantificação de sua extensão. O que se sabe, de antemão, é que tal responsabilidade, em que pese não esteja expressamente prevista no texto legal, é admitida, a partir de uma interpretação extensiva, quando se verifica a violação do princípio da boa-fé objetiva e de seus deveres acessórios, tais como os deveres de confiança, transparência e informação, haja vista que, diante de eminente negócio a se celebrar, cria-se uma “legítima expectativa de contratar”. (GAGLIANO e XXXXXXXX XXXXX, 0000, p. 334-335).
Entretanto, essa leitura principiológica do direito civil ainda é relativamente recente, haja vista que os institutos civis ganham, a cada dia, novos entornos sob a luz constitucional
necessidade de observar diversos deveres de conduta decorrentes diretamente do princípio da boa-fé objetiva, o qual regula o comportamento das partes, adequando-os a determinados padrões de honestidade e retidão exigidos pelo mandamento da lealdade5”. (FRITZ, 2008, p. 248-249).
6 “Há necessidade de que o estágio das preliminares da contratação já tenha imbuído o espírito dos postulantes da verdadeira existência do futuro contrato. A frustração da contratação gerará então frustração moral, além de material”. (VENOSA, 2016b, p. 546-548).
7 “É pelo princípio da autonomia privada que se realiza entre os sujeitos de direito a macro função do contrato, da propriedade privada e da empresa: a circulação de riquezas. O princípio da autonomia privada é o aspecto jurídico-econômico da livre iniciativa”. (NERY JUNIOR e NERY, 2015, p. 793).
e caminham para a reconfiguração de conceitos clássicos. Se antes a propriedade ostentava a posição de ponto fulcral do direito civil, agora, a dignidade da pessoa humana8 alcança a patamar constitucional9 e passa a ser a diretriz interpretativa, pois o “[...] o Direito Civil é também Direito Constitucional, e o Direito Constitucional também é Direito Civil”. (XXXXXXXX XXXXXX e TEPEDINO, 2019, p. 21).
Nesse novo cenário, o processo de celebração de um contrato não mais se limita ao teor de suas cláusulas, pois houve a flexibilização do pacta sunt servanda sob a ótica da boa- fé objetiva e do dever de probidade, com o consequente reconhecimento dos seus efeitos nas fases pré e pós contratual, seja pelo texto infraconstitucional, sejam pelos entendimentos jurisprudencial e doutrinário. Entretanto, a celeuma está longe de ser solucionada, afinal, o que se entender por dever de probidade? E por boa-fé-objetiva? Ainda, como constatar se houve, de fato, inobservância de tais deveres em um rompimento das tratativas contratuais ao ponto de se configurar a responsabilidade civil sem violar paralelamente o princípio da autonomia da vontade?
Por um lado, é certo que não são todos os rompimentos que ensejam reparação. Se assim o fosse, o mundo contratual seria repleto de insegurança jurídica. Mas, por outro, como identifica-los? De fato, ninguém é obrigado a contratar10., pois é resguardado à parte analisar o que está sendo-lhe ofertado e optar por prosseguir, ou não, com as negociações. No entanto, “[o]s contratos provocam uma específica eficácia geradora de vinculabilidade jurídica obrigacional às partes contratantes, ligadas por uma expectativa de confiança para manter o que pactuaram e tal qual pactuaram [...]”. (XXXXXXX-XXXXX, 2001, p. 55).
Portanto, as situações em que há um rompimento injustificado da legítima expectativa de contratar ou, ainda, em que há a violação dos deveres anexos à boa-fé
8 “Como um valor fundamental que é também um princípio constitucional, a dignidade humana funciona tanto como justificação moral quanto como fundamento jurídico-normativo dos direitos fundamentais”. (XXXXXXX, 2016, p. 64).
9 “O legislador constituinte consignou, claramente, no art. 5º, os direitos e as garantias fundamentais da pessoa, focalizando a dignidade da pessoa humana como centro gravitacional de toda realidade axiológica e jurídica – tudo se justifica desde que seja tributado especial respeito ao ser humano. (REIS, 2019, p. 111).
10 “[...] ninguém é obrigado a contratar. Todavia, ao se dar início a um procedimento negociatório, é preciso observar sempre se, a depender das circunstâncias do caso concreto, já não se formou uma legítima expectativa de contratar. Dizer, portanto, que há direito subjetivo de não contratar não quer dizer que os danos, daí decorrentes, não devam ser indenizados, haja vista que, como vimos, independentemente da imperfeição da norma positivada, o princípio da boa-fé objetiva também é aplicável a esta fase pré-contratual, notadamente os deveres acessórios de lealdade e confiança recíprocas”. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013, p. 129).
objetiva, ainda que em fase pré-contratual, resultam, conforme entendimento majoritário dos Tribunais, no dever de ressarcir os danos de natureza patrimonial, desde que sejam devidamente comprovados. Contudo, não se pode olvidar que tal rompimento também pode ocasionar danos lesivos à moral dos pretensos contratantes, mas que tem ficado à margem de apreciação do Poder Judiciário, o qual, no cenário atual, ainda se mostra reticente às mudanças de paradigmas das instituições de direito privado11.
A recente doutrina, em contrapartida, caminha a passos largos, haja vista que, a partir de uma leitura constitucional da responsabilidade civil, admite, para além da responsabilidade civil pré-contratual por danos materiais, sem maiores delongas, também a reparação do dano moral, muito embora ainda permaneçam dúvidas quanto à sua identificação, bem como quanto à mensuração de sua extensão, as quais, modestamente, pretendemos dar uma pequena contribuição para serem equacionadas.
2. O DANO MORAL NA RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL: CONCEITUAÇÃO, IDENTIFICAÇÃO E EXTENSÃO
Entende-se que a responsabilidade civil pré-contratual, ainda que faça parte do processo formativo de um contrato12, é regida pelos ditames da responsabilidade civil extracontratual, o que significa que para se configurar o dever de indenizar, independente da natureza do dano, faz-se necessária a presença dos requisitos elementares: conduta ilícita, seja ela intencional ou culposa, o próprio dano e o consequente nexo de causalidade entre eles.
Portanto, o primeiro passo para identificar se se trata de caso de responsabilidade civil pré-contratual é analisar a ilicitude do ato cometido pelo pretenso contratante, ou seja, verificar qual foi o bem jurídico violado. E, para isso, deve-se analisar como se deu o rompimento das tratativas contratuais, pois, se aquele que desistiu de celebrar o contrato o fez de boa-fé, então não há de se falar em reparação civil.
11 “A mudança de paradigmas pela qual está passando o direito privado importa uma visão que abandona a ótica individualista, fundada no liberalismo, para adotar uma diretriz social, na qual predominam os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social”. (XXXXXX XX, 2019, p. 437).
12 Xxxxxxx XXXXXXXX (2014, 37-56), o processo de celebração dos contratos é formado por quatro fases: manifestação da vontade, fase preliminar, apresentação de proposta e aceitação da proposta.
Entretanto, se for possível, diante da leitura do caso concreto13, concluir que o rompimento foi injustificado, deixando sem resposta aquele que esperava contratar, ao quebrar sua expectativa e violar, portanto, os deveres de probidade, boa-fé e seus anexos, então a responsabilidade é inequívoca, conforme definição de POPP (2006, p. 103):
[...] existe responsabilidade pré-negocial sempre que tendo as partes livremente entrado em tratativas negociais, confiando, pelo menos uma delas (a prejudicada), em sua seriedade, tendo havido violação à boa-fé objetiva e aos deveres laterais da obrigação, gerando dano à parte, seja de natureza moral ou patrimonial, com relação de causa e efeito entre o ato ilícito praticado e o prejuízo ocorrido.
Contudo, ainda que a responsabilidade civil pré-contratual seja mesmo de simples conceituação, sua discussão permanece ainda nos conceitos abertos que a compõe, bem como na interpretação para cada caso concreto. Ademais, como já exposto ao leitor, a admissão da responsabilidade civil pré-contratual é mérito que deve ser atribuído inicialmente à doutrina e, depois de diversas controvérsias, ao STJ. Assim, tem-se aplicado à essa modalidade uma interpretação extensiva do art. 422 do Código Civil, à luz dos princípios constitucionais norteadores, resguardando-se, portanto, os deveres de probidade e boa-fé também às tratativas contratuais14. Mas, em mais detalhes, o que significa a obrigação de agir desta forma?
Ao que concerne ao dever de probidade, “[...] entende-se a honestidade de proceder ou a maneira criteriosa de cumprir todos os deveres, que são atribuídos ou cometidos à pessoa”. (SILVA, 1997, p. 642). Já quanto à definição de boa-fé, cabe elucidar, inicialmente, que há duas modalidades de boa-fé no ordenamento jurídico brasileiro — objetiva e subjetiva
—, de modo que a distinção entre elas, ao se considerar sua importância no Direito, deve ser objeto de outra pesquisa, com a qual, aqui, já nos comprometemos. Dito isso, mas para fins
13 “[...] a dignidade da pessoa humana atribui, a princípio, prevalência aos interesses existenciais em relação aos interesses patrimoniais. Ainda assim, somente as circunstâncias concretas permitirão verificar o modo pelo qual tal prevalência se manifesta, especialmente diante da verificação de que, na espécie, os interesses patrimoniais em jogo vinculam-se, com alta imediatez ou em alto grau, ao atendimento de outros interesses existenciais, igualmente tutelados”. (XXXXXXXXX, 2011, p. 178).
14 “[...] o legislador tratou a observância dos princípios de probidade e boa-fé como verdadeira obrigação dos contratantes. Xxxxxx, entretanto, ao prever que a boa-fé somente seria observável quando da conclusão e durante a execução do contrato. Não é bem assim. Deverá esse princípio – que veio delineado no Código como cláusula geral – incidir mesmo antes e após a execução do contrato, isto é, nas fases pré e pós contratual”. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013, p. 113).
deste artigo, limitar-nos-emos à seguinte distinção: enquanto a boa-fé objetiva é vista como regra de conduta; a boa-fé subjetiva é fonte de interpretação da manifestação de vontade15.
A boa-fé objetiva, portanto, é entendida como regra de conduta elementar, especialmente no âmbito contratual, que deve reger as demais diretrizes que englobam o processo de celebração de um contrato. Nesse sentido, o dever de observá-la confere inovador caráter subjetivo aos contratos, haja vista implicar uma nova interpretação das cláusulas contratuais, que vai, muitas vezes, além do seu teor, conforme vetores constitucionais. A bem da verdade, “[...] a cláusula geral de boa-fé [...] impõe-se como condicionadora do poder de autonomia privada do sujeito de direito”. (XXXX XXXXXX; NERY, 2014, p. 802). E, a partir dela, surgem tantos outros deveres anexos, tais como o dever de confiança, de informação e de lealdade16, os quais, igualmente, são esperados no comportamento daqueles que pretendem contratar, sob pena de responsabilização17.
De toda sorte, como já alertado, a violação da boa-fé objetiva nas negociações pré- contratuais deve ser inequívoca para que, em exercício hermenêutico de sopesamento18, prevaleça sobre a autonomia privada e liberdade de contratar. Dito isso, diante do caso concreto, como atribuir dever de reparação à parte que demonstrou o interesse em negociar, mas, depois, mudou de ideia, haja vista que não está automaticamente vinculada a celebrar uma futura relação contratual?
Para encontrar tal resposta, cabe assumir, de início, que há, de fato, uma linha tênue
15 “Na boa-fé subjetiva, o manifestante de vontade crê que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de um negócio. Para ele há um estado de consciência ou aspecto psicológico que deve ser considerado. A boa-fé objetiva, por outro lado, tem compreensão diversa. O intérprete parte de um padrão de conduta comum, do homem médio, naquele caso concreto, levando em consideração os aspectos sociais envolvidos. Desse modo, a boa-fé objetiva se traduz de forma mais perceptível com uma regra de conduta, um dever de agir de acordo com determinados padrões sociais estabelecidos e reconhecidos”. (XXXXXX, 2016a, p 430).
16 “[...] a boa-fé objetiva impõe também a observância de deveres jurídicos anexos ou de proteção, não menos relevantes, a exemplo dos deveres de lealdade e confiança, assistência, confidencialidade ou sigilo, informação etc”. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013, p. 103).
17 “[...] aquele que faz crer ao outro que pretende contratar ou, já havendo contratado, que as bases do contrato são aquelas esperadas pelos contratantes tem o dever de manter essas expectativas antes, durante e depois da execução do contrato, fazendo com que sejam realizadas e efetivadas. Essa consequência é imposição da boa- fé objetiva e da confiança”. (NERY JUNIOR e NERY, 2015, p. 808).
18 “Se dois princípios colidem [...], um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. [...] O ‘conflito’ deve, ao contrário, ser resolvido ‘por meio de um sopesamento entre os interesses conflitantes’. O objetivo desse sopesamento é definir qual dos interesses – que abstratamente estão no mesmo nível – tem maior peso no caso concreto [...]”. (XXXXX, 2011, p. 93-95).
entre a liberdade de contratar, limitada à função social do contrato19, que afasta das negociações qualquer obrigatoriedade, e a boa-fé objetiva pré-contratual, a qual, paradoxalmente, confere certa vinculabilidade jurídica à esta etapa. Assim, tendo por fim facilitar o tema ao aplicador do direito, para que possa perceber a sutileza, a doutrina tem feito importante distinção no momento pré-contratual entre quebra das tratativas negociais e recusa de contratar. Explica-se.
Quando se pretende celebrar um contrato, grosso modo, uma das partes oferece seu produto/serviço, enquanto a outra demonstra, ou não, interesse em os adquirir. Não se fala, aqui, da etapa da proposta/oferta e de aceitação, mas de um momento inicial de manifestação de vontade, revestido de informalidade. Nesse contexto, há dois caminhos: ou se iniciam as negociações ou se recusa a possível contratação. A possibilidade de recusa é tida como um exercício regular do direito, como manifesta representação da liberdade de contratar, de modo que não há de se falar em reparação nesse ponto. As negociações, no entanto, nem sempre seguem esse caminho linear.
A partir do momento em que os pretensos contratantes manifestam interesse em celebrar um contrato futuro e, assim, criam expectativas legítimas sobre a relação jurídica que se avizinha, uma eventual desistência pode gerar prejuízos, tanto de ordem material, quanto moral. Retoma-se, no entanto, que, para que tais prejuízos sejam atribuídos à parte desistente, a qual deverá arcar com a reparação, a ruptura das negociações deve ocorrer de forma injustificada, desarrazoada, com evidente violação aos princípios da boa-fé, e a seus deveres anexos, a partir da criação de falsas expectativas20. Tal reparação, no entanto, deve ser de cunho exclusivamente pecuniário, haja vista que, mesmo que diante de conduta ilícita, nenhuma sanção pode ter a finalidade de forçar a celebração de um contrato21.
Isso ainda não é tudo. Mesmo que seja reconhecida a responsabilidade civil pré-
19 Código Civil. “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
20 “[...] é inquestionável que a solidariedade e o cuidado, além da plena informação e da razoabilidade, na condição de deveres anexos da boa-fé objetiva, devem ser estritamente observados em todos os períodos da fase pré-contratual por aqueles que se pretendem contratantes, evitando-se, ao máximo, criar falsas expectativas perante a contraparte”. (MORAIS, 2019, p. 133.
21 “[...] direito subjetivo de não contratar não quer dizer que os danos, daí decorrentes, não devam ser indenizados, haja vista que, como vimos, independentemente da imperfeição da norma positivada, o princípio da boa-fé objetiva também é aplicável a esta fase pré-contratual, notadamente os deveres acessórios de lealdade e confiança recíprocas”. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013, p. 129).
contratual, depara-se, então, com outro problema: a mensuração dos prejuízos, especialmente daqueles que não sejam, em um primeiro momento, aferíveis economicamente. Nisso, o Código Civil é direto ao dispor, em seu art. 944, que “[a] indenização mede-se pela extensão do dano”, mas não discrimina, todavia, quais são os danos a que se refere, deixando à doutrina e à jurisprudência o trabalho de elaboração de critérios de avaliação e quantificação. Até porque é preciso garantir um certo grau de padronização para resguardar a segurança jurídica. Quanto aos danos materiais, sua apuração não exige maior dispêndio, pois a comprovação depende de acervo probatório quanto aos eventuais desembolsos realizados. O mesmo, por sua vez, não acontece com o dano moral, pois não é prima facie demonstrável devido à sua subjetividade, de modo que precisa ainda de parâmetros objetivos para quantificá-lo22, os quais, por sua vez, devem levar em consideração a “[...] natureza, gravidade e repercussão da ofensa na esfera jurídica da vítima”. (REIS, 2019, p. 225).
Teoricamente, esse raciocínio parece lógico e facilmente aplicável às lides que chegam aos Tribunais. Contudo, especialmente ao que toca ao dano moral na responsabilidade civil pré-contratual, a jurisprudência permance receosa, pois admiti-lo representa uma nova roupagem para o Direito, que vai além do texto legal e que aceita os princípios constitucionais, sejam eles explícitos ou implícitos, como vetores de interpretação e fundamento jurídico. Inobstante o direito civil-constitucional ser uma realidade, ainda se percebe uma certa resistência dos Tribunais, especialmente do STJ, em romper paradigmas historicamente patrimonialistas, a partir de uma nova leitura à luz constitucional. Dessa forma, o descumprimento da etapa pré-contratual, ao menos no que se refere ao dano moral, acaba sendo visto, em muitos julgados, como um mero dissabor ou, ainda, como mero descumprimento contratual23.
22 “[...] O critério que vem sendo utilizado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito”. (REsp 913.131/BA, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx [Juiz Federal Convocado do TRF1], OJ 4ª T, julgado em 16/09/2008, DJe 06/10/2008).
23 “APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL – ROMPIMENTO DAS NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
– EXPECTATIVA LEGÍTIMA DE CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE SOCIEDADE – TRATATIVAS EM FASE AVANÇADA – VIOLAÇÃO AOS DEVERES ANEXOS DO CONTRATO – APLICAÇÃO DO
3. À GUISA DE SÍNTESE
O presente artigo tem como objetivo discorrer sobre a possibilidade de se admitir o dano moral na responsabilidade civil pré-contratual, a partir de uma leitura constitucional da responsabilidade civil e dos contratos, em que se defende ser, ainda que não haja previsão legal expressa, possível estender os deveres de agir com probidade e boa-fé também à fase das negociações preliminares.
Com o processo de constitucionalização, o direito civil se imiscuiu no direito constitucional, e se antes a autonomia privada gerenciava as relações de direito privado, agora a dignidade da pessoa humana ocupa tal posto, de modo que seus deveres derivados prevalecem sobre os deveres essencialmente patrimonialistas. Especialmente na responsabilidade civil pré-contratual, há flagrante conflito entre a liberdade de contratar, oriunda da autonomia privada, e a boa-fé objetiva. Entretanto, a predominância da boa-fé objetiva não é automática e não-criteriosa, pois, afinal, os institutos patrimoniais assumem papel de distinta importância no ordenamento jurídico e, também, no cenário político- econômico, não devendo ser colocados à deriva sempre.
Sugere-se, portanto, com base na doutrina que há muito já admite essa modalidade de responsabilidade civil, que deve haver uma minuciosa análise do caso concreto para que
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA – DEVER DE RESSARCIR OS PREJUÍZOS SOFRIDOS – DANO MATERIAL COMPROVADO – CUSTOS COM LOCAÇÃO, TAXAS CONDOMINIAIS, CONTAS DE LUZ PROJETO ARQUITETÔNICO E CERTIDÕES – DEVER DE INDENIZAR AS DESPESAS COMPROVADAS – DANO MORAL – MERO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL QUE NÃO ENSEJA INDENIZAÇÃO – RUPTURA DE NEGOCIAÇÕES QUE É PREVISÍVEL NO MERCADO ATUAL – LIBERDADE NEGOCIAL – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO DE ORDEM ÍNTIMA, SEJA PARA À PARTE AUTORA, SEJA PARA À RÉ – DANO MORAL AFASTADO [...]”.
TJPR. AC nº 0042090-14.2014.8.16.0001. OJ 8ª Câmara Cível. Rel.: Juiz de Direito Substituto dm segundo grau Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. J. 29.11.2018.
“[...] RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL CONFIGURADA. EXAME DOS DANOS ALEGADAMENTE SOFRIDOS. RÉ QUE DEVE INDENIZAR APENAS OS GASTOS DO AUTOR COM O POÇO CUJA CONSTRUÇÃO FOI POR ELA PROPOSTA. JUNTADA DE ORÇAMENTOS QUE, POR SI SÓ, NÃO COMPROVA O GASTO RESPECTIVO. INDENIZAÇÃO IMPROCEDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE DANOS MORAIS. MERO INADIMPLEMENTO QUE NÃO GERA DANO INDENIZÁVEL.INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCPECIONAL NO CASO CONCRETO. REFORMA DA SENTENÇA. PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DA RÉ. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 21 DO CPC/73 (VIGENTE NA SENTENÇA). MANUTENÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA FIXADA NA SENTENÇA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO”.
TJPR. AC nº 1524378-6. OJ 17ª Câmara Cível. Rel. Desembargador Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx Xxxxx. J. 10.10.2018.
seja possível averiguar se a desistência de celebrar o contrato se deu de forma injustificada e desarrazoada, ao ponto de quebrar abruptamente a expectativa de contratar (fruto da boa- fé objetiva) e violar um dever acessório. Agora, uma vez diante desse cenário, a responsabilidade civil deve ser invocada, haja vista que quem comete um ato ilícito, in casu, rompimento injustificado das negociações contratuais ou, por si só, a violação de um dever advindo da boa-fé objetiva, deve ser obrigado a indenizar, sejam os danos de ordem material ou mesmo moral.
Essa análise, no entanto, exige um exercício hermenêutico do aplicador do direito, que deve buscar nas peculiaridades do caso concreto elementos que apontem, concretamente, para a violação à boa-fé, à lealdade, à confiança, à informação, com consequente mensuração dos danos sofridos. Malgrado, caso não os encontre, afastar-se-á a reparação civil. Em contrapartida, se os verificar, então os deve quantificar para fins de indenização. Se se tratar de danos materiais, basta ater-se aos comprovantes dos desembolsos destinados a comprovar os prejuízos. Se forem, por sua vez, de natureza moral, então deve atentar às evidências narradas e, tendo como norte os critérios balizados instituídos pelo STJ, bem como outras fontes do direito, mensurá-los. O que não poderá é deixá-los à margem de reparação.
No entanto, a doutrina caminha a passos mais largos que a jurisprudência, que ainda é tímida em reconhecer o dano moral na responsabilidade pré-contratual, haja vista que isso representa significativa mudança de paradigma, trazida pela perspectiva do direito civil- constitucional. O que se nota é prevalecer, na maioria dos casos, apenas a reparação pelo dano material em decorrência de ilicitude na etapa pré-contratual, tratando-a, ao menos no que se refere ao dano moral, como mero dissabor. Questão que deve ser revista.
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Primeiro parecer em: 02/05/2021 Segundo parecer em: 08/05/2021 Terceiro parecer em: 12/05/2021 Artigo aceito em: 12/05/2021