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INFORME ESTRATÉGICO
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Informe Estratégico – Cuidados na contratação de representação comercial autônoma
1 – Inicialmente se abordará sobre duas decisões judiciais, proferidas no âmbito da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal, que serviram de base, no presente informe, para ressaltar os cuidados que devem ser observados pelas empresas na contratação de representação comercial autônoma.
2 – Em outubro de 2019, um vendedor ingressou com uma ação trabalhista na Vara do Trabalho de Jaru, Rondônia, contra uma empresa de venda de componentes automotivos.
O vendedor, reclamante, alegou que foi contratado em 2016 para prestar serviços de representante comercial dos produtos da linha automotiva da empresa, nas regiões de Ouro do Oeste e Ariquemes, em Rondônia.
O trabalhador alegou, na ação trabalhista, que sofreu um acidente de trânsito que danificou totalmente seu veículo, utilizado para o serviço, e por isso a empresa lhe vendeu um automóvel para que pudesse continuar exercendo suas atividades.
O valor total do negócio foi de R$ 41.000,00, tendo sido acertado o pagamento de R$ 5.000,00 de entrada, e mais 48 parcelas fixas de R$ 750,00, a serem descontadas diretamente na folha de pagamento do profissional.
Segundo ele, a empresa ainda teria descontado 14 parcelas da dívida, totalizando R$ 10.500,00, até seu pedido de afastamento do serviço em abril de 2019.
O trabalhador alegou que o veículo foi retido pela empresa sem que pudesse negociar as parcelas devidas, ou fosse reembolsado pelos valores já pagos, incluindo o IPVA.
Nessas condições, pediu judicialmente o ressarcimento da quantia paga com a devida correção monetária, além de indenização por danos morais, em decorrência dos prejuízos que teria sofrido.
3 – A empresa contestou os pedidos e argumentou que, na reclamação trabalhista, não havia debate acerca de relação de emprego, vínculo ou qualquer relação relacionada ao trabalho, e que por isso a Justiça do Trabalho não poderia julgar a causa.
Afirmou, também, que nas situações em que se discute relações contratuais de caráter civil, como a do reclamante, a competência para julgar a ação seria da Justiça Comum Estadual, e não da Justiça do Trabalho.
4 – Na sentença, proferida em dezembro de 2019, o Juiz do Trabalho da Vara do Trabalho de Jaru julgou procedente em parte os pedidos, e condenou a empresa a pagar ao representante comercial o valor de R$ 15.500,00, a título de restituição de parcelas quitadas, bem como indenização por danos morais no importe de R$13.997,79, e multa de 9,99% sobre o valor atualizado da causa, por litigância de má-fé por ter tentado alterar a verdade dos fatos ao alegar que a relação com o reclamante era de natureza civil e não de trabalho, sendo que, na própria contestação, confessou que o veículo foi vendido para que o trabalhador pudesse utilizar o automóvel na prestação de serviços como representante comercial autônomo.
Na decisão, o Juízo afastou a alegação da empresa de que a Justiça do Trabalho não seria competente para julgar a causa, por entender que se tratava de uma relação de trabalho, de prestação de serviços de representante comercial.
5 – A empresa recorreu para o Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região - Rondônia, que deu parcial provimento ao apelo patronal, tendo excluído da condenação a indenização por danos morais, no valor de R$13.997,79, e a multa de 9,99% sobre o valor atualizado da causa, por litigância de má-fé.
Quanto à questão debatida sobre qual Justiça seria competente para julgar a causa, a Justiça Comum Estadual ou a Justiça do Trabalho, o TRT-14 declarou que cabe à Justiça do Trabalho julgar ação trabalhista ajuizada por representante comercial.
6 – Irresignada, a empresa resolveu recorrer para o Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, e em junho de 2022 obteve uma decisão que lhe foi favorável.
Em resumo, para a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho:
▪ No julgamento do Recurso Extraordinário - RE 606003, em 28/09/2020, o Supremo Tribunal Federal, firmou o entendimento de que mesmo na hipótese de representante comercial pessoa física não haveria relação de trabalho e que, por essa razão, a competência seria da Justiça Comum Estadual, e não da Justiça do Trabalho, oportunidade em que fixou a seguinte tese:
Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes. (Grifou-se)
Consta do voto proferido pelo Ministro Xxxxxxx Xxxxxxx, redator para o acórdão:
21. Quanto à competência, prescreve o art. 39 da Lei 4.886/65 que, para o julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado, é competente a Justiça comum e o foro do domicílio do representante.
22. Como visto, os elementos do contrato de representação comercial o fazem diferente da relação de trabalho, de modo que, mesmo após a entrada em vigor da EC nº 45/2004, a preservação da competência da Justiça Comum, na forma do art. 39 da Lei nº 4.886/65, não representa violação ao art. 114, já que trata-se de contrato típico que não configura relação trabalhista.
(...)
27. Nesse contexto, entendo que, uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista. O regime jurídico que se presta como paradigma para o exame da natureza do vínculo é aquele previsto na Lei 4.886/65. Concluo, portanto, pela competência da Justiça Comum para processar e julgar litígios envolvendo relação jurídica de representante e representada comerciais. (Grifou-se)
▪ Considerando que, na ação trabalhista não se questiona a condição de representante comercial do reclamante, deve ser reconhecida a incompetência da Justiça do Trabalho para solucionar o feito.
▪ A decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região - Rondônia, está em desacordo com a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal, na qual inexiste vínculo de emprego ou relação de trabalho na atividade de representação comercial autônoma, regida por legislação especial, qual seja, a Lei nº 4.886/1965.
Ao final, a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho deu provimento ao recurso da empresa, no Processo RR-285-65.2019.5.14.0081, para reconhecer a incompetência da Justiça do Trabalho para solucionar o feito, e, por conseguinte, anular as decisões de mérito proferidas no processo, determinando a remessa dos autos à Justiça Comum Estadual para julgar o caso.
7 – Cuidados na contratação de representação comercial autônoma.
Tanto a decisão do Supremo Tribunal Federal quanto da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, ilustram a necessidade e importância de se observar as previsões da Lei nº 4.886/1965, que regula as atividades do representante comercial autônomo, e delimita a natureza civil da relação estabelecida entre o representante e o representado, afastando a configuração do vínculo trabalhista, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
Quanto à citada lei, em resumo, pode-se destacar o seguinte:
a) A representação comercial é um contrato típico, que pode ser exercido por pessoa jurídica ou pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para os transmitir aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios. Portanto, inexiste vínculo de emprego entre representante e representado.
Todavia, o serviço prestado pelo representante comercial autônomo não deve apresentar subordinação, ou seja, o representante não deve se submeter às ordens do representado, inexistindo qualquer hierarquia entre ambos, ou mesmo forma de realização do trabalho, não se sujeitando ao poder de direção do representado, podendo exercer sua atividade com autonomia.
Para o Supremo Tribunal Federal o representado pode passar orientações gerais ao representante comercial autônomo, situação que não se confunde com a subordinação trabalhista.
Subordinação é elemento da relação de emprego, regida pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, não podendo existir na relação de representação comercial autônoma, que é regida pela Lei nº 4.886/1965.
De acordo com Sílvio de Xxxxx Xxxxxx, no livro “Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos” (14. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 570):
Pelo contrato de representação, uma empresa atribui a outrem os poderes de representá-la sem subordinação, operando por conta da representada. O representante é autônomo, vincula-se com a empresa contratualmente, mas atua com seus próprios empregados, que não se vinculam à empresa representada. (Grifou-se)
b) Segundo o art. 27 da Lei nº 4.886/1965, entram na composição do contrato de
representação comercial os seguintes elementos:
▪ Condições e requisitos gerais da representação;
▪ Indicação genérica ou específica dos produtos ou artigos objeto da representação;
▪ Prazo certo ou indeterminado da representação;
▪ Indicação da zona ou zonas em que será exercida a representação;
▪ Garantia ou não, parcial ou total, ou por certo prazo, da exclusividade de zona ou setor de zona;
▪ Retribuição e época do pagamento, pelo exercício da representação, dependente da efetiva realização dos negócios, e recebimento, ou não, pelo representado, dos valores respectivos;
▪ Os casos em que se justifique a restrição de zona concedida com exclusividade;
▪ Obrigações e responsabilidades das partes contratantes:
▪ Exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado;
▪ Indenização devida ao representante pela rescisão do contrato, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.
Para o Supremo Tribunal Federal tais elementos em nada modificam a autonomia inerente à prestação do serviço pelo representante comercial autônomo.
c) É obrigatório o registro dos que exerçam a representação comercial autônoma nos Conselhos Regionais.
Importante ressaltar, por fim, que no exame de um caso concreto, levado a julgamento no Poder Judiciário, envolvendo uma relação de representação comercial autônoma, serão analisados se foram preenchidos os requisitos previstos na Lei nº 4.886/1965, ressaltados no Recurso Extraordinário - RE 606003, no voto proferido pelo Ministro Xxxxxxx Xxxxxxx, cabendo à empresa contratante observar tais cuidados para evitar o risco de ser reconhecido judicialmente que o vínculo estabelecido entre as partes é de emprego, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, com todos os direitos a ele inerentes, como registro da carteira de trabalho, férias anuais, décimo-terceiro salário, depósitos do FGTS, salário-família, vale-transporte etc.
Inexistirá tal risco se o caso concreto envolver uma relação jurídica genuinamente de representação comercial autônoma, estruturada e conduzida com base na Lei nº 4.886/1965, mediante a formalização do contrato de representação comercial e a atividade for prestada com autonomia pelo representante comercial autônomo, devidamente registrado em seu Conselho Regional para o exercício regular da profissão.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Advogado trabalhista, autor de livros, mestre em Ciências Jurídicas pela PUC/Rio, e Especialista de Relações do Trabalho da Findes
Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx
Presidente do Conselho