TRIBUNA ABIERTA
TRIBUNA ABIERTA
A CELEBRAÇÃO À DISTÂNCIA DO CONTRATO DE SEGURO
XXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX ( )
1 · INTRODUÇÃO
A celebração à distância (sem a presença física e simultânea de ambas as partes) de contratos exige uma especial protecção do consumidor que adqui- re o produto ou serviço sem os esclarecimentos que podem ser obtidos nos contratos entre presentes, com decisões por vezes irreflectidas. Essa protecção torna-se ainda mais necessária nos contratos cele- brados na World Wide Web (bem como outras redes análogas) ou por correio electrónico. Aí não só o processo contratual é despersonalizado como se verifica a desmaterialização do contrato 1, oco- rrendo, por vezes, problemas técnicos, como atra- sos nas comunicações com o servidor, perdas de tais comunicações ou não chegada ao respectivo desti- no 2. Por isso, a necessidade de medidas com vista, designadamente, a assegurar a informação devida do consumidor e a facultar-lhe meios de correcção de eventuais erros cometidos, se impor a atribuição
( ) Juiz-Conselheiro jubilado. Presidente da SPAIDA (Secção Portuguesa da Associação Internacional para o Direito dos Seguros).
1 Xxxxxxxx Xxx: Xx xxxxxxxxxx xxx xxxxxxxx xx xxxxxxxx xxxx- xxxxxxxx, Xxxxx, 0000, pág. 291 e Xxxxxxxx Xxxxxxxx: «La forma- zione del contratto telematico e la tutela del consumatore» in Il contratto telematico e i pagamenti elettronici, L’esperienza ita- liana e spagnola a confronto. Milão,,2004, p.3 .
2 Xxxx Xxx: E-Commerce Law, Cornwall, 2005, pág. 174.
a este do direito de resolução dentro de certos pra- zos e a concepção de novas regras no domínio do foro competente e do direito internacional privado tendo em conta a desmaterialização dos contratos assim como a protecção devida à parte mais fraca. E o contrato de seguro, pela complexidade das suas cláusulas, merece uma particular atenção.
Mas, se o comércio à distância envolve problemas como os que referimos, importa facilitar o recurso às novas tecnologias que promovem a concorrência, agilizam as trocas comerciais e a prestação de servi- ços e reduzem custos, constituindo poderosos fac- tores do desenvolvimento.
O legislador comunitário ocupou-se dos contratos à distância na Directiva 97/7/CE, de 20 de Maio de 1997 3, directiva que, porém, não abrangia os servi- ços financeiros e, assim, os seguros, objecto de directiva posterior, a Directiva 2002/65/CE, de 23 de Setembro de 2002 4. No que se prende com o comércio electrónico, a Directiva 1999/93/CE, de 13 de Dezembro de 1999 contempla a assinatura electrónica 5 e a Directiva 2000/31/CE contém uma harmonização dos direitos nacionais no que respei- ta ao comércio electrónico, em geral 6. Estas directi-
3 Do Conselho e do Parlamento Europeu, relativa à protecção dos consumidores em matéria dos contratos à distância, no Jornal Oficial, L 144, de 4 de Junho de 1997, pág. 19.
4 Do Conselho e do Parlamento Europeu, relativa à comercia- lização à distância de serviços financeiros prestados a consumi- dores, no J.O.L 271 de 9 de Outubro de 2002, pág. 16;
5 Do Conselho e do Parlamento Europeu, relativa ao quadro legal comunitário para as assinaturas electrónicas, no J.O. L 13, de 19 de Janeiro de 2000, pág. 12.
6 Do Conselho e do Parlamento Europeu, de 8 de Junho de 2000, relativa aos aspectos jurídicos da sociedade de informa- ção e designadamente do comércio electrónico no mercado
vas regulam detalhadamente as matérias delas objecto mas, como veremos, nalguns aspectos, con- cedem aos Estados-Membros certa margem de apre- ciação quanto à sua transposição e uma matéria fundamental, a disciplina do momento em que o contrato é concluído, escapa à harmonização comu- nitária.
A contratação à distância pode ser realizada por vários meios, como o postal, o telefone, a televisão, o telefax, os chats, no www, por correio electrónico. Abordaremos, em primeiro lugar, a celebração do contrato de seguro por meios electrónicos e, a final, teceremos algumas considerações sobre os outros meios, de uso limitado face à exigência de forma escrita ad substantiam para o contrato de seguro 7.
2 · A CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO POR MEIOS ELECTRÓNICOS
A celebração de contratos por meios electrónicos exige, como vimos, medidas novas destinadas a regulamentar aspectos específicos, mas não impor- ta uma reformulação do direito das obrigações 8. Como se extrai dos relatórios nacionais apresenta- dos ao XI Congresso Mundial da AIDA (Associação Internacional para o Direito dos Seguros) 9, a utili- zação da via electrónica é ainda neste domínio inci- piente 10. O que pode explicar-se tendo em conta , por um lado, o facto de o tomador do seguro prefe- rir o contacto pessoal, de modo a obter os esclareci- mentos necessários em domínio que se reveste de grande complexidade e, por outro, o receio, por parte das seguradoras, de perturbações no sistema de distribuição de seguros bem como os importan-
tes investimentos nas estruturas para o efeito neces- sárias. E acresce ainda a insegurança jurídica resul- tante de um direito novo, não raro sem grande pre- cisão. Observe-se também que determinados seguros, como os seguros de vida, que exigem exa- mes médicos, dificilmente comportam a via electró- nica 11.
A Directiva 200/31/CE não abrange todos os con- tratos de fornecimento de mercadorias ou de pres- tação de serviços por via electrónica. A noção de serviços da sociedade de informação dela objecto encontra-se definida no artigo 1.°, n.° da Directiva 83/34/CEE, alterada pela directiva98/48/CE 12, para o qual remete a alínea a) do artigo 2.°. Ora, resulta do anexo V que, designadamente, não inclui, os ser- viços prestados por telefonia vocal, radiodifusão sonora e televisiva, telex e telecópia (fax) 13. Estes meios electrónicos de contratação não se encontram também abrangidos pelo Decreto-Lei n.°7/2004, de 7 de Janeiro (artigo 3.°), que transpôs a Directiva 200/31/CE e, enquanto utilizáveis para a celebração do contrato de seguro, deles nos ocuparemos na parte final. No regime particular do comércio elec- trónico estão, assim, fundamentalmente em causa os contratos celebrados na World Wide Web (ou noutras redes análogas) e por correio electrónico.
O Decreto-Lei n.°7/2004 menciona frequentemen- te os «consumidores» e consagra, como veremos, regimes diferentes consoante o contrato seja realiza- do entre empresários (na gíria designados B2B) e entre empresários e consumidores (B2C). Mas não define tal noção, devendo para o efeito, ter-se em conta a prevista na Directiva: «qualquer pessoa singu- lar que actue para fins alheios à sua actividade comer- cial, empresarial ou profissional» (artigo 3.°, alínea
interno, dita «directiva sobre o comércio electrónico», no J.O. L 178, de 17 de Julho de 2000, pág. 1.
7 Segundo jurisprudência constante, assim é interpretado o artigo 426.° do Código Comercial: entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Março de 1995, no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 445, pág. 552, e de 28 de Outubro de 1999, revista n.°821/99.
8 Xxxxxxxx Xxxxxxxx, La formazione del contratto telematico e la tutela del consumatore cit., pág. 2.
9 Realizado em Buenos Aires, nos dias 16 a 19 de Outubro de 2006 .
10 Assim, na Alemanha, 3 a 10% dos de 9 de Março de 1995, no Boletim do Ministério da Justiça, n.°444, p.552, e de 28 de Outubro de 1999, revista n contratos de seguro são realizados electronicamente, 10% na Dinamarca, 5% na Suiça, 2%, na Áustria. No Reino Unido verifica-se, porém, um aumento signi- ficativo dos seguros do ramo automóvel celebrados por essa via (mais que duplicaram entre 2003 e 2006, sendo, actual- mente, 6%). Em França, 2% dos seguros de vida são colocados via Internet – Jornal Le Monde, de 3 e 4 de Junho de 2007, dos- sier argent, Les contrats sans frais d’entrée sur Internet, p.3.
11 Apol.Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx: «El seguro por medios electró- nicos», in Comercio electrónico y protección de los consumido- res. Madrid, 2001, pág .830. Também a falta de conhecimen- tos em matéria de repartição da poupança em fundos euros e unidades de conta, limita a realização de determinados seguros de vida por meios electrónicos onde a obtenção das informa- ções necessárias não é possível – Jornal Le Monde citado na nota anterior.Xxxxxx Xxxxxxx: Der Versicherungsabschluss als Informationsproblem, Die Gewährleistung freier Pruduktwahl in der Privatversicherung. Baden-Baden, 2002, salienta ainda as limitações da Internet no que respeita ao cumprimento do dever de conselho do corretor.
12 De 20 de Julho de 1998, no Jornal Oficial L 217, de 5 de Agosto de 1998, pág. 5.
13 Sobre o âmbito de aplicação da directiva 200/31/CE –Xxxx Xxxxxx Xxxxxx: «Noción de comercio electrónico», in Comercio electrónico y protección de los consumidores, obra pela auto- ra coordenada, Madrid, 2001, págs. 5 e segs, em especial, págs. 35 a 42.
e)). Noção já presente no Decreto-Lei n.°95/2006, de transposição da Directiva 2002/65/CE (artigo 2.°, alínea e)).
2.1 · A forma electrónica
Uma das questões que importava resolver era a de determinar as condições em que a forma electróni- ca pode substituir a forma escrita exigida para a conclusão de certos contratos (ad substantiam ou ad probationem). A primeira legislação sobre a matéria foi a do Estado norte-americano de Utah cujo Digi- tal Signature Act impunha a utilização de assinatura digital (verificada por meio de chave pública, com certificação por autoridade titular da devida licen- ça) 14, mas esta regulamentação, demasiado rígida visto não permitir a utilização de outro tipo de assi- natura que , no futuro, se viesse a mostrar igual- mente idóneo para garantir a identificação do autor e a fidelidade do conteúdo da declaração, não foi a consagrada na Lei Modelo para o Comércio Elec- trónico da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDCI) 15. Aí se estabelece que quando a lei exija assinatura, tal exi- gência é satisfeita se for utilizado processo que identifique o declarante e revele a sua aprovação do conteúdo da mensagem, e o processo seja fiável e apropriado ao objectivo em vista ao ser criada ou comunicada a mensagem, consideradas todas as circunstâncias e, designadamente, qualquer acordo relevante 16. Não é, pois, exigido qualquer requisi- to de certificação da assinatura, dependendo a equivalência da assinatura electrónica à assinatura manuscrita de apreciação caso a caso o que não favorece a segurança jurídica 17.
A Directiva 1999/93/CE prevê dois tipos de assina- tura electrónica: uma, definida como «dados sob for- ma electrónica, ligados ou logicamente associados a
14 Equivalente à nossa assinatura qualificada como adiante veremos. Sobre esta Lei, Xxxx Xxx: E-Commerce Law cit., pág. 127.
15 De 1996, alterada em 1998 (adição de um novo artigo, 5.° bis).
16 É o seguinte o texto em inglês: «(1) Where the law requires a signature of a person, that requirement is met in relation to a data message if: (a) a method is used to identify that person and to indicate that person’s approval of the information contained in the data message; and (b) that method is as reliable as was appropriate for the purpose for which the data message was generated or communicated, in the light of all the circumstan- ces, including any relevant agreement». O n.°58 do Guide to Enactment menciona os critérios a ter em conta na aplicação to artigo. Pode consultar-se em xxx.xxxxxxxx.xxx.
17 Xxxx Xxx: E-Commerce Law cit., pág. 131.
outros dados electrónicos e que sejam utilizados como método de autenticação (artigo 2.°, n.°1); outra, a
«assinatura electrónica avançada», que deve obede- cer aos requisitos seguintes: estar associada inequi- vocamente e permitir identificar o signatário, ser criada com meios que este pode manter sob seu controlo exclusivo e estar ligada a dados a que diz respeito, de tal modo que qualquer alteração subse- quente seja detectável. Esta assinatura deve basear- se num certificado qualificado e ser criada através de dispositivos seguros (artigo 5.°, n.°1) mas não podem ser negados efeitos legais ou valor probató- rio à simples assinatura electrónica com o mero fun- damento de não existir certificação ou de não ter sido criado um dispositivo seguro de criação de assinaturas (n.°2). E o artigo 9.°, n.°1, da Directiva 2000/13/CE estabelece que «Os Estados-Membros assegurarão que os seus sistemas legais permitam a celebração de contratos por meios electrónicos. Os Estados-Membros assegurarão, nomeadamente, que o regime jurídico aplicável ao processo contratual não crie obstáculos à utilização de contratos celebrados por meios electrónicos, nem tenha por resultado a pri- vação de efeitos legais ou de validade desses contratos pelo facto de serem celebrados por meios electrónicos». Consagrou-se, assim, o princípio conhecido como da «equivalência funcional» da forma escrita e electrónica.
A transposição deste princípio nas legislações dos Estados-Membros seguiu caminhos diferentes. Na Alemanha, entendeu-se que nem sempre os registos electrónicos asseguram os objectivos prosseguidos com a forma escrita(permitir a reflexão dos interes- sados, assegurar a respectiva identidade bem como a genuinidade dos termos acordados) e, assim, esta forma continua a ser exigida em certos casos. A ela só é equiparada a forma electrónica quando exista assinatura qualificada (§ 126 a) da BGB), isto é, quando se recorra a um processo, baseado em crip- tografia assimétrica, que implica o uso de duas cha- ves, uma pública e outra privada, esta utilizada pelo destinatário para descodificar a mensagem codifica- da através da chave privada, intervindo ainda uma entidade certificadora . Mas, paralela à forma escri- ta, surge agora a «forma de texto» (Textform) e, quando esta é exigida, a declaração deve constar de documento ou de suporte duradouro que permita a reprodução de escritos terminando com a assinatu- ra ou outra forma de identificação do declarante (§126 b)). No que respeita ao contrato de seguro, entende-se que o § 3 da Lei que disciplina este con- trato (Versicherungsvertragsgesetz) exige uma apólice escrita, mas, porque se trata de disposição não
imperativa, as partes podem recorrer aos meios electrónicos 18. O sistema alemão garante, pois, a segurança jurídica (a validade dos contratos não depende da apreciação, caso a caso, do respeito dos objectivos prosseguidos com a exigência de forma escrita) mas impõe ao legislador a tarefa nem sem- pre fácil de determinar os casos em que se impõe a forma escrita (Schriftform).
Em França, quando a forma escrita seja exigida ad solemnitatem , o acto jurídico em causa pode ser rea- lizado por meios electrónicos dentro das condições definidas nos artigos 1316.°-1 e 1316.°-4 do Códi- go Civil ( artigo 1108.°-1 do mesmo Código) 19. Assim, a assinatura elemento essencial de todo o documento escrito, quando electrónica exige-se que identifique devidamente a pessoa de que ema- na e que seja estabelecida em condições que permi- tam garantir a sua integridade (artigo 1316.°-1) ain- da que consista em processo fiável de identificação que garanta a sua ligação ao acto a que respeita (artigo 1316.°-4) 20. Apenas a assinatura certificada (qualificada) se presume satisfazer este requisito 21. Foi deste modo seguido o caminho traçado pela CNUDCI o qual, como vimos e contrariamente à solução encontrada no direito alemão, gera proble- mas de segurança jurídica. Outras legislações euro- peias optaram por idêntica regulamentação.
Em Itália, o artigo 20.°, n.°1 bis do Decreto Legislati- vo n.°82, de 7 de Março de 2005, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto Legislativo n.°159, de 4 de Abril de 2006 (artigo 8.°), estabelece que «a idonei- dade do documento informático para satisfazer a forma escrita á livremente apreciada pelo juiz, tidas em conta as suas características objectivas de qualidade, seguran- ça e imodificabilidade [...]», consagrando o n.°2 uma presunção semelhante à prevista no direito francês 22. No Luxemburgo, o artigo 1322.°-2, do Código Civil,
18 Prölss/Xxxxxx: Versicherungsvertragsgesetz. Munique, 2004, pág.123, n.°45a. Sobre a matéria ver ainda, Xxxxxx, in Xxxxxxxx/Xxxxxxxx-Xxxxxxxx, Versicherungsrecht Handbuch, Munique, 2004, pág .412, n.°s 81 e 82 que salienta as dificul- dades probatórias que recaem sobre o tomador do seguro quando a apólice é enviada por via electrónica.
19 Inserido pela Lei n.°2004-575, de 21 de Junho de 2004. Sobre a matéria –Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx: Contrats informatiques et électroniques. Paris, 2006, pág. 285, n.°9.
20 Estes dois artigos foram introduzidos pela Lei n.°2000-230, de 11 de Março de 2000.
21 Artigo 1316-4, segundo parágrafo e Decreto de 30 de Março de 2001 –Xxxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx: Les obligations. Paris, 2005, pág. 283.
22 O direito italiano exigia anteriormente uma assinatura elec- trónica qualificada para que a forma electrónica pudesse ser
introduzido pela Lei de 14 de Agosto de 2000 (artigo 7.°), estabelece que um acto sob forma electrónica tem o valor de original quando apresente garantias fiáveis no que respeita à manutenção da sua integri- dade, a partir do momento em que foi criado pela primeira vez na sua forma definitiva. A exigência de assinatura em todos os actos que impliquem a obri- gação de pagar uma quantia em dinheiro é satisfeita pela forma electrónica (artigo 1326.°) e a assinatura electrónica qualificada é assinatura para efeitos do disposto no artigo 1322.° (artigo 18.°, n.°1 da referi- da Lei). O n.°2 determina, porém, que «o juiz não pode rejeitar uma assinatura electrónica pela simples razão de que ela se apresenta sob essa forma, que não assenta em certificado qualificado emitido por prestador de serviços de certificação acreditado ou não foi criada através de dispositivo seguro de criação de assinatura». Estas disposições devem ser interpretadas à luz do que estabelece o artigo 50.°, n.°2 da referida Lei, com a redacção que lhe foi dada pela Lei de 5 de Julho de 2004, segundo o qual, são inaplicáveis aos contratos celebrados por meios electrónicos «as exigências legais, designadamente de forma, que impedem ou limi- tam a conclusão de contratos por via electrónica, incluin- do as que privam contratos de efeitos ou de validade por terem sido concluídos por via electrónica».A Bélgica parece distinguir entre a força probatória e a exigên- cia de escrito ad solemnitatem. Neste caso, apenas a assinatura qualificada equivale à manuscrita (princí- pio da equivalência entre a assinatura manuscrita e a qualificada, consagrado no artigo 4.°, n.°4 da Lei de 9 de Julho de 2001) mas, tratando-se de documento privado, reconhecido pelo seu autor, tem valor de documento autêntico, estabelecendo o 2.° parágrafo do artigo 1322.° do Código Civil 23 que a exigência de assinatura pode ser satisfeita através de um conjunto de dados electrónicos que permitem atribuir o acto a uma pessoa determinada e assegurar a preservação e integralidade do seu conteúdo.
Em Espanha, o artigo 23.°, n.°4 da Lei 34/2002, de 11 de Julho, relativa aos serviços da sociedade de informação e do comércio electrónico estabelece o princípio da equivalência funcional das formas
equiparada à escrita: sobre esta matéria, Xxxxxx Xxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxx, L’evoluzione giuridica del documento: della Res all’e- mail, in I Contratti di Internet, Sottoscrizione, nuovi contratti, Tutela del consumatore, Privacy e mezzi di pagamento, sob a responsabilidade de Xxxxxx Xxxx, Milão, 2006, págs. 122 a 125. 23 Inserido pela Lei de 20 de Outubro de 2000. O princípio da equivalência funcional das formas escrita e electrónica está consagrado no artigo 16.°, n.°s 1 e 2 da Lei de 11 de Março de 2003.
escrita e electrónica. O artigo 3.°, n.°4 da Lei 59/2003, de 19 de Dezembro, relativa à assinatura electrónica equipara à assinatura manuscrita a assi- natura electrónica reconhecida (qualificada) e sus- cita a questão de saber se quando a lei exige docu- mento assinado apenas esta possa ser utilizada 24. Tratando-se do contrato de seguro, Xxxxxxx Xxxxxx considera que a forma electrónica é legal face ao princípio da equivalência funcional, mas as cláusu- las limitativas dos direitos do tomador do seguro, sujeitas a forma escrita (artigo 3.°, primeiro pará- grafo, segunda parte, da Lei do Contrato de Seguro) exigem a utilização de assinatura reconhecida 25.
Em Portugal, o artigo 3.°, n.°1 do Decreto-Lei n.°290-D/99, de 2 de Agosto, (alterado pelo Decre- to-Lei n.°62/2003, de 3 de Abril) estabelecia o prin- cípio da equivalência da forma electrónica à forma escrita: «o documento electrónico satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja sus- ceptível de representação como declaração escrita». Mas, os documentos particulares devem ser assina- dos (artigo 373.°, n.°1 do Código Civil) e o artigo 7.°, n.°1 só considerava equivalente à assinatura manuscrita a assinatura electrónica qualificada que o diploma regula . Se é certo que o tribunal pode apreciar livremente a força probatória de documen- tos a que faltem alguns dos requisitos exigidos por lei (artigo 366.° do mesmo Código), tratando-se de exigência de forma ad solemnitatem, caso do contra-
cia legal de forma escrita quando contidas em suporte que ofereça as mesmas garantias de fidedignidade, inte- ligibilidade e conservação. 2. O documento vale como documento assinado quando satisfizer os requisitos da legislação sobre assinatura electrónica e certificação».
Este artigo comporta duas interpretações. Uma, no sentido da Lei Modelo da CNUDCI e das leis france- sa, italiana e luxemburguesa: a validade do negócio jurídico para que é exigida forma ad solemnitatem , concluído por forma electrónica é apreciada caso a caso, dependendo da verificação dos requisitos de fidedignidade, inteligibilidade e conservação. A exi- gência de assinatura qualificada respeitaria somente à força probatória (artigos 368.° e 376.° do Código Civil e 167.°, do Código de Processo Civil) 27. Outra, segundo a qual uma vez que todos os documentos escritos particulares devem ser assinados, e a assina- tura electrónica só é equiparada à manuscrita quan- do certificada (assinatura qualificada), desta depen- deria a validade da forma electrónica. Ter-se-ia, pois, mantido o regime consagrado no Decreto-Lei n.°290-D/99. Em nosso entender, é a primeira a interpretação que se impõe por ser aquela que mel- hor satisfaz o princípio da equivalência funcional, consagrado no artigo 9.°, n.°1 da Directiva 2000/31/CE sem por em causa os interesses prosse- guidos com a exigência de forma escrita 28.
to de seguro, a assinatura qualificada da seguradora
inserida na apólice 26 era, pois, necessária. Poste- riormente, o Decreto-Lei n.°7/2004, de 7 de Janeiro veio estabelecer no seu artigo 26.° que : «1. As decla- rações emitidas por via electrónica satisfazem a exigên-
24 Sobre esta questão, entendendo que o recurso a outras assinaturas electrónicas é sempre possível cabendo aos tribu- nais verificar se se encontram satisfeitos os interesses prosse- guidos com a exigência de assinatura manuscrita - Xxxxx Xxxx Rivero: Eficacia formal y probatoria de la firma electrónica. Madrid, 2006, págs.187 e segs.
25 Ley de Contrato de Seguro, Comentarios a la Ley 50/1980, de 8 de octubre, y a sus modificaciones, Madrid, 2005, p.174. Importa observar que a noção de cláusulas limitativas é discu- tida em Espanha. Assim, enquanto a Secção Penal do Supremo entende que ela abrange as cláusulas que delimitam o risco, a Secção Cível, maioritariamente, entende o contrário – op.cit., pág.107.
26 O artigo 426.°, § único do Código Comercial exige apenas a assinatura da seguradora, bastando, da parte do tomador do seguro, uma aceitação tácita. Regime semelhante consta do
§1.° do artigo 102.° do mesmo Código, que exige a fixação escrita da taxa de juro, como bem entendeu o acórdão da Relação de Lisboa de 17 de Março de 1994, recurso n.° 6657. É jurisprudência constante que a forma exigida por aquele arti- go é ad substantiam (supra, nota 7).
27 O n.°2 do artigo 26.° constituiria, assim, uma xxxxxxx xxx x.xx 0 x 0 xx Xxxxxxx-Xxx x.x000-X/00.
28 Como foi justamente observado, resulta do mencionado artigo 9.°, n.°1 da Directiva 2000/31/CE, e do n.°34 dos res- pectivos fundamentos, que são inadmissíveis quaisquer entra- ves não justificados à conclusão de contratos por via electróni- ca –Hans –W. Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx, Verbraucherschutz durch und im Internet bei Abschluss von privaten Versicherungsverträ- gen, in J. Basedow, U. Xxxxx, X. Xxxxxx e H.P. Xxxxxxxxxxxx, Verbraucherschutz durch und im Internet bei Abschluss von pri- vaten Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, XXX Xxxxxx, Xxxxx-Xxxxx, 0000, pág. 91. Como foi justamente observado, a imposição de especificações tecnológicas força o mundo dos negócios a usar métodos que podem ser ultrapas- sados, suprimindo a concorrência e a inovação no mercado da segurança on line – W. Xxxxx Xxxxxxx, Electronic Contracts in the United States and the European Union: Varying Approaches to the Elimination of Paper and Pen, in http:/xxx.xxxx.xxx/00/ article 53-1.html. E disso o legislador comunitário tem cons- ciência como resulta do n.°60 do preâmbulo da directiva 2000/31/CE: «Para facilitar o desenvolvimento sem entraves do comércio electrónico, o quadro jurídico em questão deve ser simples, sóbrio, previsível e compatível com as regras em vigor a nível internacional, de modo a não prejudicar a competitivi- dade da indústria europeia, nem impedir as acções inovadoras no sector».
29 No sentido de que a assinatura qualificada assegura um grau de segurança muito superior ao da assinatura manuscrita
-Xxxxx Xxxx Xxxxxx, Eficácia formal y probatória de la firma electrónica cit., pág. 127. Como este autor observa, é bem mais
Temos de reconhecer, porém, que, no momento actual, dificilmente outra assinatura electrónica estará em condições de assegurar as exigências do n.°1 do artigo 26.° do Decreto-Lei n.°7/2004, na prática apenas satisfeitas pela assinatura qualificada, assinatura que bem ultrapassa o nível de segurança da manuscrita 29. Tendo em consideração os eleva- dos custos que esta assinatura comporta e a com- plexidade que a sua utilização envolve, por ora o contrato de seguro só em casos muito limitados será entre nós ser validamente concluído por meios elec- trónicos 30.
A forma electrónica deve resultar de um acordo das partes como resulta do disposto no n.°3 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.°7/2004 que estabelece: «Só tem de aceitar a via electrónica para a celebração de um contrato quem se tiver vinculado a proceder dessa for- ma». Como na Alemanha, país em que tal exigência se não encontra consagrada na lei mas é admitida pela doutrina, afigura-se que basta uma manifesta- ção tácita de vontade, como a indicação do e-mail na correspondência comercial ou em facturas 31.
O momento da conclusão do contrato
O momento da conclusão do contrato celebrado entre ausentes é, nos Estados europeus, objecto de variadas soluções legislativas que tornam difícil a sua harmonização. E o mesmo se verifica no que
fácil falsificar uma assinatura manuscrita do que calcular a chave privada do signatário para cifrar uma mensagam.
30 No sentido de que os custos da assinatura qualificada só raramente justificam a contratação por via electrónica quando tal assinatura seja exigida –Xxxx –W. Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx, op.cit., pág .95. O custo e a complexidade da assinatura elec- trónica qualificada são também invocados por Xxxxxxxxxx Xxxxx- Xxxxxx: Cyberdroit, Le droit à l’épreuve de l’internet, Paris, 2006, pág .455, n.°93-43. Importa observar que, entre nós, a Lei n.°7/2007, de 5 de Fevereiro, prevê a utilização do cartão de cidadão para autenticar a assinatura electrónica qualificada de autor de um documento electrónico (artigo 6.°, n.°1, alínea c)) mas tal medida em pouco contribui para tornar mais simples este tipo de assinatura.
31 Jauernig, in Bürgerliches Gesetzbuch, Kommentar, por este coordenado, Munique, 2007, págs. 74, n.°3 e 75., n°3. Entre nós, Xxxxxx X.X. Pupo Correia: Direito Comercial, Direito da Empresa. Lisboa, 2007, pág. 586 parece interpretar aquela dis- posição no sentido de respeitar apenas à declaração de vonta- de do interessado não podendo este contestar a validade de declarações emitidas por outrem por via electrónica, designa- damente por e-mail para quem dispõe de correio electrónico e habitualmente o usa. Mas afigura-se que não é assim. A razão de ser da disposição em causa —evitar que o declaratário seja colhido de surpresa pelo uso inesperado de meios electróni- cos— abrange as declarações negociais da contraparte. E o uso habitual do correio electrónico não pode ser interpretado como manifestação tácita de acordo para a utilização desta via.
respeita aos contratos celebrados por via electróni- ca, tendo a Directiva 2000/31 deixado esta matéria para as legislações nacionais.
O momento da conclusão do contrato (princípios gerais)
As teorias com influência no direito civil são, em resumo, três: a da emissão da declaração de vontade, a da sua recepção e a do conhecimento. Variantes existem ainda que se situam entre uma e outras 32.
A teoria da emissão foi consagrada no artigo 54.° do Código Comercial espanhol . Esta disposição foi modificada pela Ley de Servicios de la Sociedad de la Información y de Comercio Electrónico que veio estabelecer idêntico regime para os direitos civil e comercial. Assim, o artigo 1.262.°,n.°1 do Código Civil passou a ter a seguinte redacção: «Encontran- do-se em lugares distintos o autor da oferta e quem a aceitou, existe consentimento desde que o oferente con- heça a aceitação ou desde que, tendo-a enviado o acei- tante, não possa de boa fé ignorá-la» .Esta disposição foi considerada como tendo consagrado, de forma indirecta e confusa a teoria da recepção 33. Em Itália, o artigo 1335.° do Código Civil estabelece que «A proposta, a aceitação, a sua revogação e qualquer outra declaração dirigida a determinada pessoa presumem-se conhecidas no momento em que chegam ao endereço do destinatário, se este não provar que, sem culpa, lhe foi impossível delas ter notícia».Como foi observado, esta disposição consagra não uma presunção de conhecimento mas de possibilidade de conheci- mento (conoscibilità), exigindo a prova, pelo desti- natário, da impossibilidade de, sem culpa, tomar conhecimento do acto 34. Em França, o Código Civil não é preciso nesta matéria e a jurisprudência não é clara , procurando a vontade das partes, o que explica que a Cassação reconheça a competência das instâncias 35. No Reino-Unido, a postal rule,
32 Veja-se a análise de direito comparado feita por Xxxxxxx Xxx Xxxxx, Perfeição da declaração de vontade —eficácia da emissão da declaração— Requisitos especiais da conclusão do contrato, no Boletim do Ministério da Justiça, n.°103,págs. 5 e segs.
33 Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx: La contratación electrónica de ser- vicios financieros. Madrid, 2003, pág. 218. Adiante veremos que o n.°1 do artigo 1.262.° contém ainda uma disposição rela- tiva à formação dos contratos «celebrados mediante dispositi- vos automáticos».
34 Xxxxx Xxxxx: Contrattazione telematica e contrattazione cibernetica, Milão, 2007, pág. .387.
35 Xxxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx, Les obligations cit., pág 239, n.°478. E assim procede a doutrina que procura a solução tendo em conta as circunstâncias do caso concreto – Xxxxxxx Xxxxxxxx, Le contrat électronique international, Bruxelas, 2002,
princípio segundo o qual a declaração de vontade se considera chegada ao destinatário com a entrega, no correio, da missiva que a contém, respeita apenas à aceitação ( quanto à oferta, esta deve chegar ao des- tinatário) e não abrange as comunicações instantâ- neas, como as efectuadas por telex 36.
Na Alemanha, foi consagrada a teoria da recepção. Com efeito, o §130 (1)da BGB estabelece: «A decla- ração de vontade que tenha outrem como destinatário, quando seja emitida na sua ausência, produz efeitos no momento em que a ele chega». Daqui resulta, no entender da doutrina, que basta a declaração chegar ao domínio (Bereich) do receptor, de modo a que dela possa ter conhecimento, como a entrega num receptáculo de correio ou o registo num atendedor telefónico 37. A ausência do destinatário por razão de licença, doença, por ter sido preso ou outro motivo não obstam a que se considere ter a declara- ção a ele chegado 38. Importa observar que se exige que a declaração tenha sido conscientemente intro- duzida no comércio jurídico (abgegeben). Uma declaração emitida inconscientemente, mas com culpa não é válida mas pode fazer incorrer o seu autor em culpa in contrahendo ou estar na origem de um mandato presumido ou aparente 39.
Esta teoria, convincentemente defendida por Xxx Xxxxx 40, foi a que veio a ser consagrada no Código Civil cujo artigo 224.°, n.°1 estabelece: «A declara- ção negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chegue ao seu poder ou dele é conhecida. As outras, logo que a vontade do declarante se manifeste de forma adequada». Os n.°s 2 e 3 dispõem ainda: «2. É também considerada eficaz a declaração que só por cul- pa do destinatário não foi por ele oportunamente rece- bida», «3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz». Estas disposições não têm paralelo no
§130 da BGB , manifestamente na origem do artigo,
mas pode dizer-se que elas reflectem o princípio da boa-fé, tido em conta pela doutrina e jurisprudên- cia alemãs na sua aplicação. Assim, entende-se que o não levantamento de uma carta registada, tendo sido deixado o respectivo aviso no domicílio do declaratário, equivale a entrega, o que parece impli- car a presunção de culpa daquele 41. Enfim, no que respeita à exigência de que a declaração seja cons- cientemente emitida, ela resulta do artigo 217.° do mesmo Código 42, e as consequências de declaração inconscientemente emitida com culpa do respecti- vo autor são entre nós as mesmas do direito alemão.
A teoria da recepção parece ter sido a acolhida pelos Princípios do Direito Europeu dos Contratos, cujo artigo 2:205 (1) estabelece: «Se o destinatário da oferta comunica a sua aceitação, considera-se o contra- to concluído quando esta chega ao oferente».
O momento da conclusão do contrato celebrado por via electrónica
A proposta de directiva relativa a certos aspectos jurídicos do comércio electrónico no mercado interno inseria uma disposição quanto ao momento da conclusão celebrado por via electrónica. Com efeito, o artigo 11.° estabelecia que, com excepção do caso em que as partes sejam profissionais e ten- ham acordado noutra solução: o contrato é conclu- ído quando o beneficiário do serviço: -tenha recebi- do, por via electrónica, da parte do prestador o aviso de recepção da aceitação por aquele da sua proposta e confirmado a recepção desse aviso; e considera-se que tanto o aviso de recepção como a confirmação foram recebidos quando as partes a que sejam dirigidos a eles possam ter acesso. Esta proposta, que consagrava o princípio do duplo click, não obteve o consenso necessário, limitando- se o artigo 11.°, n.°1 da Directiva 2000/31/CE a estabelecer , por um lado, a obrigação , por parte do
pág. 130. Xxxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx e Xxxx Xxxxxxxx, Droit civil, Les obligations, Paris, 2005, observam, porém, que o Tribunal da Cassação, por acórdão de 21 de Março de 1932, tomou posição pela teoria da emissão, no mesmo sentido se tendo pronunciado a sua Secção Comercial (acórdão de 7 de Janeiro de 1981).
36 Xxxx Xxx: E-Commerce Law cit., págs.175 e segs. O correio é considerado como representante do destinatário (agent), o que explica a não aplicação da postal rule a comunicações ins- tantâneas- op.cit,, pág.177, n.°9.2.2.
37 Xxxxxxxxx: Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch. Munique, 2006, pág. 110, n.°5.
38 Xxxxxxxxx, loc.ult.cit.
39 Xxxxxxxxx, op.cit., pág. .110, n.°4.
40 Perfeição da declaração de vontade ... cit., págs.9 e segs.
41 Caso citado por Xxxxxxxxx: Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch cit., pág. 112, n.°18, como aplicação do princípio da boa fé. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2006 (revista n.°1355/06), fez-se incidir sobre o autor o ónus da prova da culpa do destinatário por não ter reclamado a carta, o que se afigura excessivo. A experiência demonstra que deve aqui admitir-se uma presunção. O acórdão do mesmo Tribunal de 11 de Dezembro de 2003 (revista n.°3925/03) con- siderou também como não provada a culpa do destinatário de uma carta registada, por este não reclamada. Tratava-se, porém, de carta enviada com uma mescla de nome e de pseu- dónimo, cujo levantamento era duvidoso pois aquele tinha de devidamente se identificar.
42 Quanto à exigência da vontade da declaração, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx Xxxxx: Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra,
2005, pág. 420.
prestador de serviços, do enviar aviso de recepção da encomenda recebida, sem atraso injustificado e, por outro lado, que a encomenda e o aviso «são recebidos quando as partes a que são endereçados têm a possibilidade de aceder a estes». Desapare- ceu, assim, tal princípio mas, como foi justamente observado, a liberdade que os Estados-Membros dispõem no que se prende com a formação do con- trato encontra-se fortemente condicionada pelo momento do envio da encomenda, definido pela directiva 43.
Aquele princípio foi, porém, consagrado na lei fran- cesa, exigindo o artigo 1.369.°-5 do Código Civil 44, a confirmação da oferta pelo consumidor, da qual depende a validade do contrato. A encomenda, a con- firmação da aceitação e a oferta consideram-se recebi- das quando o destinatário a elas tenha acesso. Mas, entre profissionais, pode ser acordado regime distinto e esta disposição é inaplicável aos contratos concluí- dos por correio electrónico (artigo 1.369.°-6). No Luxemburgo, o artigo 52.°, n.°2 da Lei de 14 de Agos- to de 2000, com a redacção dada pela Lei de 7 de Jul- ho de 2004, limita-se a estabelecer que a encomenda e o aviso de recepção se consideram recebidos quan- do o destinatário possa a eles ter acesso, regra com o mesmo âmbito de aplicação da lei francesa (exclusão do correio electrónico e possibilidade de acordo dife- rente das partes não consumidores).No Reino-Unido, os Eletronic Commerce (EC Directive) Regulations 2002 estabelecem regime semelhante (artigo 11.°) e susten- ta-se, na doutrina, a aplicação da postal rule ao comér- cio electrónico 45. Em Itália, o artigo 13.°, n.°3, do Decreto Legislativo n.°70/2003, só disciplina (tam- bém com aquelas ressalvas ) o momento em que a encomenda e o aviso de recepção se consideram rece- bidos, em termos semelhantes aos da lei francesa. Na doutrina discute-se se a presunção em causa pode ser ilidida 46. Na Alemanha, o § 312 e) (1)2 da BGB con- tém regra semelhante mas igualmente aplicável ao
correio electrónico, entendo a doutrina que a «ficção» do recebimento era desnecessária pois em tal caso a declaração chegou ao destinatário nos termos da teo- ria da recepção consagrada no direito alemão 47. Enfim, na Bélgica, existe uma disposição que expres- samente regula o momento da conclusão à distância do contrato de seguro: quando a seguradora tenha recebido a aceitação do tomador ( segundo parágrafo do artigo 34.° da Lei do Contrato de Xxxxxx, inserido pela Lei de 20 de Outubro de 2000) .
Vemos, assim, que, à excepção da lei francesa, as outras legislações se limitam a reproduzir o segun- do travessão do artigo 11.° da Directiva (presunção de recebimento) mas, à excepção da BGB alemã, sem o respeitarem integralmente 48 pois excluem a celebração de contratos por correio electrónico nele abrangida .
O direito português não é claro. Com efeito, o arti- go 29.°, do Decreto-Lei n.°7/2004 que transpõe o artigo 11.° da Directiva, e inaplicável aos contratos celebrados exclusivamente por correio electrónico (artigo 30.°), impõe o aviso de recepção da enco- menda, dispensa-o quando há imediata prestação em linha do serviço ou fornecimento do produto, e, por fim, estabelece que «A encomenda torna-se definitiva com a confirmação do destinatário, dada na sequência do aviso de recepção, reiterando a ordem emitida». Optou-se, assim, pelo princípio do duplo click do direito francês e da proposta de directiva. Mas o artigo 32.°,n.°1 distingue o mero convite a contratar da proposta contratual, estabele- cendo que só neste último caso o contrato fica con- cluído com a simples aceitação do destinatário. A contradição entre ambas as disposições só pode ser afastada entendendo-se que será assim apenas quando tenha sido exclusivamente feito uso do correio electrónico 49.
43 Xxxxxxxx Xxx: La conclusion des contrats du commerce électronique cit., pág. 200.
44 Inserido pela Ordonnance n.°2005-674, de 16 de Junho de 2005. Sobre a matéria – Xxxxxxxxxx Xxxxx-Xxxxxx, Cyberdroit, Le droit à l’épreuve de l’internet cit., pág. 201, n.°51-22.
45 Xxxx Xxx: E-Commerce Law cit., pág.180.
46 No sentido de que se trata de presunção inderrogável, Xxxxxxxxx Xxxxxxx: Il Commercio Elettronico cit., pág. 161, criti- cando este autor a exclusão dos contratos celebrados por correio electrónico (pág.162). Considerando, porém, que o arti- go em causa não consagra o princípio de recepção, através de presunção juris et de jure, como na Alemanha, Xxxxx Xxxxx: Contrattazione telematica e contrattazione cibernetica cit., pág. 447.
47 Grüneberg: Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch cit., pág. 495, n.°7 c). No sentido de que um e-mail chega à esfera do poder do destinatário quando recebido pelo servidor –Larenz/Wolf: Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts. Munique, 2004, pág. 474, n.°25.
48 Nos termos do disposto no n.°2 do artigo 11.° da Directiva, apenas o n.°1, primeiro travessão é inaplicável aos contratos celebrados por correio electrónico.
49 Xxxxxx Xxxxxxx: «Contratação Electrónica», in O Comércio Electrónico em Portugal, Quadro Legal e o Negócio. Lisboa, 2004, pág. 168 entende tratar-se a confirmação de dever con- tratual posterior à celebração do contrato, com funções semel- hantes à do aviso de recepção e que só tem sentido quando a oferta em linha seja um convite a contratar. Mas afigura-se que não é assim. O preceito tem na sua origem a lei francesa e a necessidade de conferir ao consumidor mais um tempo de
O princípio segundo o qual a ordem de encomen- da, o aviso de recepção e a confirmação se conside- ram recebidos logo que os destinatários têm a pos- sibilidade de a eles aceder (artigo 31.°, n.°2) aplica-se, como vimos exigir a Directiva, também aos contratos realizados por correio electrónico (neste caso só a ordem de encomenda, pois o aviso de recepção não é obrigatório nos contratos cele- brados exclusivamente por este meio - artigo 30.° ), podendo dizer-se, como observa a doutrina alemã relativamente ao §312 e) (1)2 da BGB que tal princí- pio é o da recepção já vigente no direito português 50. Por isso, e aplicando este princípio segundo o qual a declaração é recebida quando chega ao poder do destinatário (Machtbereich), deva entender-se que, nos contratos celebrados por correio electrónico, a aceitação da seguradora é eficaz desde que o toma- dor a ela possa ter acesso através da sua caixa de correio (mailbox) ou respectivo servidor e, quando enviada fora de horas, no dia seguinte 51.
Como se entende no direito alemão, o aviso de recepção não tem significado para a determinação do momento da conclusão do contrato e o atraso no seu envio pode determinar responsabilidade pré- contratual (culpa in contrahendo) 52.
Enfim, na formação do contrato importa averiguar se a oferta é uma proposta ou mero convite a con- tratar. A este respeito, e na linha do artigo 2:201 dos princípios de Direito Europeu dos Contratos, o arti-
reflexão que a justifica, o que implica tratar-se de disposição aplicável quer se trate de proposta contratual quer de convite a contratar. E a lei é clara ao considerar a encomenda definitiva com a confirmação, do que resulta ser esta, contrariamente ao aviso de recepção, parte da formação do contrato. Em sentido contrário, Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx: «Comércio electrónico e protecção dos consumidores», in Themis, 2006, págs. 51 e 52, que entende ser a confirmação mera condição legal dos efeitos do contrato, e Xxxxxx X.X. Pupo Correia: Direito Comercial, Direito da Empresa, cit., pág. 587.
50 Supra, nota 47. Importa observar que regra semelhante consta do artigo 29.°, nos termos do qual «O prestador satisfaz o dever de acusar a recepção se enviar a comunicação para o endereço electrónico que foi indicado ou utilizado pelo desti- natário do serviço». Disposições que se repetem, denunciando má técnica legislativa.
51 Xxxxxxxxx: Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch cit., pág. 111, n.°7a. Sem distinguir, Larenz/Wolf, loc.ult.cit. (nota 46).A eficá- cia da aceitação da oferta não se encontra regulada nem no Decreto-Lei n.°7/2004 nem na Directiva 2000/31/ CE.
52 Shulte-Nölke: Bürgerliches Gesetzbuch, Handkommentar, coordenado por Reiner Xxxxxxx, Xxxxx-Xxxxx 0000, pág.
.440, n.°7 e 441, n.°12, Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch cit., pág. .495, n.°7. Também no direito italiano o aviso de recepção não constitui elemento constitutivo do aperfeiçoamento do contrato – Xxxxxxxx Xxxxxxxx: La formazione del contratto tele- matico e la tutela del consumatore cit., pág. 17.
go 32.°, n.°1 do Decreto-Lei n.°7/2004 estabelece que tal oferta constitui uma proposta contratual quando contiver todos os elementos necessários para que o contrato fique concluído com a simples aceitação do destinatário (a menos que se trate de contrato concluído em rede, para o qual a confir- mação do consumidor é necessária). Ora, como jus- tamente se observa, na dúvida, as ofertas em linha devem ser consideradas como invitatio ad offeren- dum 53, o que no domínio dos seguros é de particu- lar evidência face à necessidade de apreciação do risco pela seguradora 54.
2.2 · As cláusulas contratuais no iter da formação do contrato concluído por via electrónica
Questão importante, nos contratos à distância, é a de saber de que modo as cláusulas contratuais devem ser levadas ao conhecimento da parte inte- ressada, nos seguros, ao respectivo tomador.
Para os contratos celebrados por via electrónica, em geral, muitas legislações consagram o princípio segundo o qual basta a simples colocação à disposi- ção do interessado. Assim, o § 312 e) (1)n.°3 da BGB alemã, o artigo 27.°, n.°4 da Lei espanhola n.°34/2002, de 11 de Julho e o artigo 51.° (2) da Lei luxemburguesa de 14 de Agosto de 2000 (redacção da lei de 5 de Julho de 2004), que , porém, exclui o correio electrónico ( n.°3). Entende-se, e bem, que o comércio electrónico deve ser agilizado 55 e o legisla- dor português parece ter seguido esta orientação. Com efeito, o artigo 28.°, n.°1, alínea e) do Decreto- Lei n.°7/2004 estabelece que os termos contratuais devem ser «facultados» aos destinatários antes da conclusão do contrato, e, assim, basta que a eles pos- sam ter acesso de modo a permitir-lhes conservá-los e reproduzi-los. É neste sentido que deve ser inter- pretado o artigo 31.° n.°1 que, voltando a disciplinar esta matéria, utiliza o verbo «comunicar» 56.
O artigo 28.°, n.°2 estabelece que o regime previsto no número anterior pode ser afastado por acordo
53 Grüneberg: Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch cit., pág. 495, n.°2, Xxxx Xxx: E-Commerce Law cit., pág. 170, n.°9.1.3.1.
54 Prölsss/Xxxxxx: Versicherungsvertragsgesetz cit., pág. 125, n.°1. Uma excepção é de admitir tratando-se de cobertura pro- visória –loc.ult.cit.
55 Apolònia Xxxxxxxx Xxxxx: El seguro por medios electróni- cos cit., pág. .849
56 O problema da interpretação de ambas as disposições é invocado por X.X.Xxxxxxxx Xxxxxxx, J.A. Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxx: Cyberlaw em Portugal, O Direito das Tecnologias de Informação e Comunicação. Famalicão, 2004, pág. 262, sem quanto a ele tomarem posição.
das partes que não sejam consumidores. O que coloca a questão de saber se esta faculdade abrange a possibilidade de não serem comunicadas previa- mente as cláusulas contratuais. Em nosso entender, não é de admitir que o legislador tenha pretendido introduzir aqui uma alteração ao princípio da comunicação prévia estabelecido no artigo 5.° do Decreto-Lei n.°446/85 (lei das cláusulas contratuais gerais) e, assim, afigura-se de interpretar restritiva- mente aquela disposição, no sentido de não abran- ger a alínea e) do número anterior 57.
No que respeita aos serviços financeiros e, em espe- cial, ao contrato de seguro, impõe-se o envio ao consumidor das cláusulas contratuais dada a sua complexidade , designadamente das utilizadas na definição e delimitação do risco 58. O que parece ser exigido pela Directiva 2002/65/CE. Com efeito, o artigo 5.°, n.°1 impõe que tanto as cláusulas do con- trato como as informações devem ser comunicadas ao consumidor em suporte duradouro e este deve permitir armazenar tais elementos de modo a serem facilmente consultados e a sua reprodução inaltera- da (artigo 2.°, alínea f)). E o n.°20 do Preâmbulo da directiva observa que nesses suportes se incluem, designadamente, as disquettes informáticas, os CD- ROM, os DVD e o disco duro do computador do consumidor, mas não os sites da Internet, a menos que satisfaçam os requisitos da noção de suporte duradouro. Ora, não é, em regra, este o caso uma vez que as páginas de Internet podem ser livremen- te modificadas pelos respectivos titulares não per- mitindo, assim, a reprodução inalterada dos dados nelas contidos 59. Deste modo devem ser interpreta- dos os, n.°s 1 e 2 do artigo 11.° do Decreto-Lei n.°95/2006, disposições que reproduzem as acima mencionadas da Directiva.
Assim agiram os legisladores alemão ( o § 48 b) (2)
seguro) , francês (artigo 000-00-00, primeiro pará- grafo, do Código do Consumo) 60, espanhol 61 e belga 62.
O artigo 11.°, n.°3 do Decreto-Lei n.°95/2006, admite uma excepção ao disposto no n.°1: «Se a ini- ciativa da celebração do contrato partir do consu- midor e o meio de comunicação à distância escolhi- do por este não permitir a transmissão da informação e dos termos do contrato de acordo com o n.°1, o prestador deve cumprir estas obrigações imediatamente após a celebração do mesmo». Foi, assim, reproduzido o n.°2 do artigo 5.° da Directiva 2002/65/CE, que o legislador francês também introduziu no Código dos Seguros (artigo121-20- 11). Não se antolha, porém, como esta disposição seja aplicável à conclusão do contrato de seguros por via electrónica uma vez que tanto em linha como por correio electrónico, nada obsta a que as cláusulas contratuais sejam previamente comunica- das ao tomador. Veremos em seguida o regime apli- cável às informações que a este devem ser prestadas.
O consumidor pode, a qualquer momento da rela- ção contratual, exigir que lhe sejam fornecidos os termos do contrato em suporte de papel.
2.3 · Informações a fornecer ao tomador do seguro
Em obediência à directiva 2002/65/CE (artigo 3.°), o Decreto-Lei n.°95/2006 faz recair sobre os presta- dores de serviços financeiros, em que se incluem as seguradoras (artigo 2.°, alínea d)), a obrigação de comunicarem ao consumidor, em papel ou noutro suporte duradouro disponível e acessível ao consu- midor, em tempo útil 63 e antes da conclusão do contrato, certas informações que o diploma especi-
da Lei do contrato de Seguro (VVG) enveredou por
caminho diferente da BGB ao exigir a comunicação prévia das cláusulas contratuais ao tomador do
57 No sentido de que a referida alínea é uma disposição impe- rativa, Xxxxxx Xxxxxxx: Contratação electrónica cit., pág. 162. 58 No sentido de que é esta a solução que se impõe por razõ- es atinentes à protecção dos consumidores – Xxxx-X.Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx: Verbraucherschutz durch und im Internet bei Abschlusss von privaten Versicherungsverträgen cit., pág. 103. 59 Xxx Xxxxxx: Internet e commercio elettronico nel diritto internazionale dei privati. Milão, 2005, pág. 161. No sentido de que a permanência da informação apenas nas páginas de Internet não constitui suporte duradouro, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx: Comércio electrónico e protecção dos consumidores cit., pág. 57.
60 Disposição introduzida pela ordonnance n.°2005-648, de 6 de Junho de 2005 relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores e aplicável às operações de seguro (artigo 2.°).
61 O artigo 9.°, n.°1 da Lei n.°22/2007, de 11 de Julho, tal como a lei portuguesa e a directiva 2002/65/CE (artigo 11.°, n.°s 1 e 2 do Decreto-Lei n.°95/2006) exige a comunicação das condições contratuais em suporte duradouro. Sobre a matéria, face à legislação anterior, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx: Ley de Contrato de Seguro, Comentarios a la Ley 50/1980 de 8 de octubre, y sus modificaciones. Madrid, 2005, pág. 2239 e Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx: La contratación electrónica de servicios finan- cieros cit., pág. 208.
62 Artigo 83.° quinquies, n.°1 da Lei de 14 de Julho de 1991, introduzido pela Lei de 24 de Agosto de 2005 que transpôs a directiva 2002/65/CE.
63 Dada a grande variedade dos tipos contratuais em causa, optou-se por não fixar um prazo determinado e, como no direi-
fica (artigo 11.°, n.°1). Já vimos como estas infor- mações devem ser comunicadas ao consumidor, não bastando que lhe seja dada a possibilidade de efectuar um download de páginas da Internet da seguradora.
A elas acrescem as informações previstas em diplo- mas reguladores de serviços financeiros, no domí- nio dos seguros, a exigida nos artigos 176.° a 184.° do Decreto-Lei n.° 94-B/98, de 17 de Abril e nos artigos 2.º a 5.ºA do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Junho (artigo 17.°) bem como as exigidas pelo artigo 28.° do Decreto-Lei n.°7/2004(artigo 39.°).
Teve a Directiva como objectivo obstar ao risco de a contratação à distância conduzir à restrição indevida da informação do cliente, o qual deve dispor dos ele- mentos necessários de modo a poder conveniente- mente apreciar o serviço financeiro que lhe é propos- to e tomar uma decisão esclarecida(o n.°21, do Preâmbulo). E foi mais longe do que a Directiva 97/7/CE, ao incluir informações que esta não prevê 64.
Em primeiro lugar (artigo 13.°), é exigida informa- ção relativa ao prestador de serviços que abrange: a) a sua identidade e actividade principal, sede ou domicílio profissional onde se encontra estabeleci- do e qualquer outro endereço geográfico relevante para as relações com o consumidor; b) a identidade do eventual representante no Estado-Membro da União Europeia de residência do consumidor e endereço geográfico relevante para as relações daquele com o consumidor; c) identidade do pro- fissional diferente do prestador com quem o consu- midor tenha relações comerciais, se existir, a quali- dade em que este se relaciona com o consumidor e o endereço geográfico relevante para essas relações;
d) número de matrícula na conservatória do registo comercial ou outro registo público equivalente no qual o prestador se encontre inscrito com indicação do respectivo número de registo ou forma de iden- tificação equivalente nesse registo; e) indicação da sujeição da actividade do prestador a um regime de autorização necessária e identificação da respectiva autoridade de supervisão.
Em segundo lugar, surgem as informações relativas ao serviço financeiro em causa (artigo 14.°): a) des-
to alemão (§ 312c , n.°1 da GBG), recorreu-se a uma fórmula (tempo útil, rechtzeitig), pouco compatível com a segurança jurídica –Achim Tiffe, Die Struktur der Informationspfilichten bei Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, Xxxxx-Xxxxx, 0000, pág. 239.
64 Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx: La contratación electrónica de ser- vicios financieros cit., pág. 198.
crição das principais características; b) preço total devido pelo consumidor, incluindo o conjunto das comissões, encargos e despesas inerentes e todos os impostos pagos através do prestador ou, não podendo ser indicado um preço exacto e a base de cálculo, de modo a permitir a sua verificação pelo consumidor; c) indicação da eventual existência de outros impostos ou custos que não sejam pagos através do prestador ou por ele facturados; d) cus- tos adicionais decorrentes , para o consumidor, da utilização de meios de comunicação à distância, quando estes custos adicionais sejam facturados; e) período da validade das informações prestadas; f) instruções relativas ao pagamento; g) indicação de que o serviço financeiro está associado a instrumen- tos que impliquem riscos especiais relacionados com as suas características ou com as operações a executar; h) indicação de que o preço depende de flutuações dos mercados financeiros fora do contro- lo do prestador e que os resultados passados não são indicativos dos resultados futuros.
Em terceiro lugar, enunciam-se as informações que devem ser fornecidas sobre o contrato (artigo 15.°):
a) a existência ou inexistência do direito de livre resolução, com a indicação da respectiva duração, das condições de exercício, do montante que pode ser exigido ao consumidor e das consequências do não exercício de tal direito; b) as instruções sobre o exercício daquele direito, designadamente quanto ao endereço geográfico ou electrónico, para onde deve ser enviada a respectiva notificação; c) a indi- cação do Estado-Membro da União Europeia ao abrigo de cuja lei o prestador estabelece relações com o consumidor antes da celebração do contrato à distância; d) a duração mínima do contrato à dis- tância, tratando-se de contratos de execução per- manente ou periódica; e) os direitos das partes em matéria de resolução antecipada ou unilateral do contrato à distância, incluindo as eventuais penali- zações daí decorrentes; f) a lei aplicável ao contrato à distância e o tribunal competente previstos nas cláusulas contratuais.
O artigo 16.° exige informação sobre os sistemas de indemnização aos investidores e de garantia de depósitos, bem como sobre a existência de meios extrajudiciais de resolução de litígios e respectivo modo de acesso. Por fim, o artigo 18.° regula a informação a prestar quando seja utilizada a telefo- nia vocal.
As informações devem identificar de modo inequí- voco, os objectivos comerciais do prestador e ser prestadas de modo claro e perceptível, de forma
adaptada ao meio de comunicação à distância utili- zado e com observância dos princípios da boa fé (artigo 12.°).
De salientar ainda que, salvo acordo das partes que não sejam consumidores, devem ser postos à dispo- sição dos destinatários de serviços, nos contratos celebrados por via electrónica, «meios técnicos efi- cazes que lhes permitam identificar e corrigir erros de introdução, antes de formular uma ordem de encomenda» (artigo 27.°, do Decreto-Lei n.°7/2004, que transpõe o artigo 10.°, n.°1 alínea c) da Directiva 2000/31/CE).
O incumprimento da obrigação de informação não determina a nulidade do contrato, em aplicação do disposto no artigo 280.°, do Código Civil. É certo que se trata de disposições imperativas, mas a sua violação encontra-se especificamente sancio- nada no artigo 35.°, alínea d) do Decreto-Lei n.°95/2006 (contra-ordenação) 65. Pode, todavia, ocorrer responsabilidade pré-contratual 66,e, como veremos, o prazo do direito de resolução deve contar-se a partir do momento da recepção das informações.
No que respeita às informações destinadas à identi- ficação e correcção de erros, a inobservância do dis- posto no artigo 27.° do Decreto-Lei n.°7/2004, constitui contra-ordenação prevista e punida no artigo 37.°, n.°1, alínea c) do mesmo diploma. Nes- te caso e verificando-se a anulação do contrato por erro, o prestador de serviços não pode invocar res- ponsabilidade pré-contratual 67. De acordo com as regras gerais sobre o ónus da prova é ao consumi- dor que pertence o ónus da prova do erro (artigo 342.°, n.°1 do Código Civil) mas afigura-se-nos de
teúdo seria razoável, tem de se presumir que, na realidade, tal erro ocorreu 68.
O erro pode também verificar-se nas respostas ao questionário. Assim, à pergunta da seguradora sobre se anteriormente ocorrera um sinistro ou fora contratado outro seguro, pode, mediante clique errado, ter-se respondido negativamente 69. Aqui, o ónus da prova do erro cabe ao tomador pois não se justifica presumir da parte deste um comportamen- to cuidadoso e honesto 70.
2.4 · Outras informações
Em aplicação do princípio da boa fé, a segurado- ra encontra-se obrigada a prestar os esclarecimen- tos exigidos pelas circunstâncias que acompan- ham a celebração do contrato. Assim, quando perante tais circunstâncias se deva aperceber que a cobertura proposta não satisfaz as reais necessi- dades do tomador do seguro ou que este dela tem uma ideia errada 71. Ora, nos contratos realizados via Internet essas circunstâncias mantêm-se ocul- tas e daí resulta que o dever geral de informação da seguradora é aqui bem mais reduzido 72, mas em certos casos impõe-se, e, designadamente, quando face aos elementos constantes da propos- ta e a forma de cobertura escolhida exista uma patente contradição 73.
2.5 · O direito de livre resolução
No domínio do direito dos seguros, o direito de livre resolução do contrato pelo tomador, dentro de certo prazo a contar do momento em que foi celebrado, encontra-se previsto no artigo 35.° da
seguir a doutrina alemã segundo a qual quando o
contrato não corresponde objectivamente aos inte- resses do tomador do seguro e sem o erro o seu con-
65 Neste sentido, Xxxxx Xxxxxx: «La compravendita telematica nell’ E—Shop», in I Contratti di Internet cit., pág. 519, no que respeita aos deveres de informação previstos na Directiva 97/7/CE e tendo em consideração o disposto no artigo 1418.° do Código Civil italiano.
66 Neste sentido, Grüneberg: Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch cit., pág. 496, n.°11, quanto aos deveres, designadamente de informação, estabelecidos no §312 e) da BGB. Também não pode excluir-se a possibilidade de anulação do contrato por erro ou dolo –Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Fombuena: «La formación y la invalidez del contrato electrónico», in Il contratto telemati- co e i pagamenti elettronici cit. pág. 32.
67 Grüneberg: Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch cit., pág. 495, n.°5 e Prölss/Martin: Versicherungsvertragsgesetz cit., pág. 128, n.°9.
68 Prölss/Xxxxxx: Versicherungsvertragsgesetz cit., pág. 128, n.°9.
69 Prölss/Xxxxxx, op. cit., pág. 128, n.°10.
70 No sentido de que se trata de presunção duvidosa, Prölss/Xxxxxx, op. cit., pág. 129, n.°10.
71 Xxxx Xxxx: Der Informationsschutz der Versicherungs- nehmer. Xxxxxxxx, 0000, pág. 203, Prölss/Xxxxxx: Versicherungsvertragsgesetz cit., pág. 56, n.°11, Xxx Xxxxxx: Xxxxxx X.xxx Xxxxxx, Handbuch Versicherungsrecht. Bonn, 2007, pág. n.°382 e Achim Tiffe: Die Struktur der Informationsflichten bei Finanzdienstleistungen cit. pág. 155. Quanto aos efeitos do não cumprimento do dever de esclare- cimento, supra, nota 66 e a obra citada em último lugar, pág. 157.
72 Prölss/Xxxxxx: Versicherungsvertragsgesetz cit., pág. 130, n.°14.
73 Prölss/Xxxxxx, loc. ult. cit. O incumprimento do dever geral de informação pode determinar responsabilidade pré-contra- tual –J.C. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx: «O mediador na conclusão e execução do contrato de seguro», in Scientia Iuridica, Janeiro- Março de 2006, pág. 49.
Directiva 2002/83/CE, respeitante ao seguro de vida 74, transposto pelo artigo 182.° do Decreto-Lei n.°94-B/98, de 17 de Abril. Como medida de pro- tecção do consumidor, a Directiva 2002/65/CE veio alargá-lo aos serviços financeiros nela con- templados e é objecto de detalhada regulamenta- ção nos artigos 19.° a 25.° do Decreto-Lei n.°95/2006.
Trata-se de um direito de livre resolução, isto é, que não exige fundamentação nem pode dar lugar a indemnização ou penalização do consumidor (arti- go 19.°) 75. deve ser exercido no prazo de 14 dias, 30 para os seguros de vida e relativos à adesão indi- vidual a fundos de pensões abertos (artigo 20.°, n.°1). O prazo conta-se a partir da data da celebra- ção do contrato à distância, ou da data da recepção, pelo consumidor, dos termos do mesmo e das infor- mações, de acordo com o n.°3 do artigo 11.°, se esta for posterior (n.°2). No caso de contrato de seguro de vida, esse prazo conta-se a partir da data em que o tomador for informado da celebração do mesmo (n.°3).
Ambas estas disposições são ambíguas mas devem ser interpretadas em conformidade com o dispos- to no artigo 6.°, n.°1, segundo travessão da Direc- tiva 2002/65/CE segundo o qual o prazo do direi- to de resolução se conta sempre desde o momento em que foram recebidas as informações, quando este momento seja posterior ao da conclusão do contrato 76. Com efeito, a primeira parece limitar- se à hipótese em que, nos termos do n.°3 do arti- go 11.° as informações são enviadas posterior- mente à conclusão do contrato e a segunda estabelecer uma regra de contagem do prazo que
74 De 16 de Dezembro de 2002, no Jornal Oficial L 345, pág.192 .
75 Sobre a natureza jurídica deste direito, veja-se Xxxx xx Xxxxxxxx Ascensão: Direito Civil, Teoria Geral, vol. II, Acções e Factos Jurídicos. Coimbra, 2003, pág. 479 e a bibliografia cita- da por Xxxx Xxxx xx Xxxxxxxx, Tutela do Consumidor na Internet, in Direito da Sociedade da Informação, IV, Coimbra, 2004, pág. 346, nota 27.
76 A obrigação de interpretação do direito nacional em con- formidade com as directivas comunitárias em causa é imposta por jurisprudência constante do Tribunal de Justiça – entre outros, os acórdãos de 16 de Dezembro de 1993, Miret, C- 344/92, Colectânea, p.I-6911, n.°20, de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori, C-91/92, Col.p.I-3325, n.°s21 e 22 e de 23 de Fevereiro de 1999, BMW, C-63/97, Col.p.I-905, n.°22. Sobre a matéria, J.C. Xxxxxxx xx Xxxxxxx, L’effet direct des directives, l’interprétation conforme du droit national et la jurisprudence de la Cour Suprême de Justice portugaise, in Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx: Une Communauté de Droit, Festschrift. Baden-Baden, 2003, págs. 240 e segs.
abstrai do momento em que as informações foram fornecidas 77.
O direito de resolução deve ser exercido de acordo com as instruções que o prestador de serviços deve enviar nos termos da alínea b) do n.°1 do artigo 15.°, e a notificação feita em papel ou outro meio duradouro disponível e acessível ao destinatário. A respectiva notificação considera-se tempestivamen- te efectuada se enviada até ao último dia do prazo, inclusive (artigo 21.°, n.°s 1 e 2). Caduca quando o contrato tenha sido integralmente cumprido, a pedido expresso do consumidor, antes de esgotado o prazo para o respectivo exercício (artigo 23.°).
O artigo 24.° regula os efeitos do direito de resolução que operam ex tunc. Quaisquer quantias recebidas pelo prestador de serviços devem ser restituídas no prazo de 30 dias contados da recepção da notificação da resolução. Mas estas regras não prejudicam o esta- belecido para os contratos de seguro e de adesão individual a fundos de pensões (n.°4), Verifica-se, porém, que as disposições existentes respeitam aos seguros de vida e pressupõem contratos em vigor, em que a seguradora assumira já o risco (artigo 183.°, do Decreto-Lei n.°94-B/98). Trata-se, assim, de contra- tos cuja execução se iniciara e esta matéria é regulada no artigo 25.° do Decreto-Lei n.°95/2006. Por detrás da ambiguidade assim criada esconde-se mais uma violação da Directiva n.°2002/65/CE.
Com efeito, tratando-se de seguros em caso de mor- te e de seguros complementares, aquele artigo 183.° estabelece que a seguradora tem direito ao prémio calculado pro rata temporis e ao custo da apólice (n.°2) e, nos outros casos, ao desinvestimento que tiver suportado bem como ao custo da apólice se for caso disso (n.°3). Ora, tendo sido iniciada a execu- ção do contrato, a seguradora apenas tem direito à importância correspondente ao serviço já prestado na condição de que o consumidor tenha sido infor- mado quanto ao montante a pagar em caso de reso- lução, exigindo-se ainda que o serviço não tenha começado a ser prestado sem prévia solicitação do consumidor (artigo 7.°,n.°3 da Directiva). Condiçõ- es a que aquela disposição é alheia... 78 mas já esta-
77 O artigo 5.° do Decreto-Lei n.°143/2001, de 26 de Abril, que transpôs a Directiva 97/7/CE (protecção dos consumidores em matéria de contratos à distância que, como vimos, exclui os serviços financeiros) é bem mais claro.
78 O disposto no referido artigo 183.° é aplicável aos seguros do ramo vida qualificados como ICAE (instrumentos de capta- ção de aforro estruturados) –Artigo 5.°-A do Decreto-Lei n.°176/95, de 26 de Julho, inserido pelo Decreto-Lei
belecidas no artigo seguinte que abrange os contra- tos de seguro fora do ramo vida.
Não existe direito de resolução nos seguros de via- gem e de bagagem e nos de duração inferior a um mês (artigo 22.°, alíneas a) e b).
2.6 · A contratação electrónica automatizada
A contratação totalmente automatizada, através de computadores que funcionam em sistemas fecha- dos, numa rede que garante a segurança bem como a confidencialidade das comunicações, é admitida pelo artigo 33.° do Decreto-Lei n.°7/2004, que manda aplicar o regime comum, salvo quando este pressupuser uma actuação (n.°1). A tais contratos são aplicáveis as disposições sobre o erro na forma- ção da vontade, se houver erro de programação, na declaração, se houver defeito de funcionamento da máquina e na transmissão, se a mensagem chegar deformada ao seu destino (n.°2, alíneas a), b) e c)). Enfim, « a outra parte não pode opor-se à impugna- ção por erro sempre que lhe fosse exigível que dele se apercebesse, nomeadamente pelo uso de disposi- tivos de detecção de erros de introdução» (n.°3).
Estão em causa os chamados EDI (Electronic Data Interchange), através de programas, concebidos pelos interessados ou por terceiros, que tornam possível a conclusão de contratos sem intervenção humana. O que suscita uma questão amplamente debatida, de saber qual o fundamento da imputabi- lidade do «acordo» assim realizado às pessoas sin- gulares ou colectivas vinculadas pelo contrato. No
vezes assenta em indícios que objectivamente reve- lam uma manifestação da vontade , e tal é o caso dos os contratos EDI 81 . O nosso legislador não tomou, e bem, posição sobre a matéria, optando por solução idêntica à preconizada no projecto de convenção da CNUDCI sobre o comércio electróni- co, em cujo artigo 12.° se estabelece a validade de tais contratos 82.
O recurso aos contratos EDI tem normalmente lugar no âmbito do fornecimento de mercadorias: verificadas certas condições, o computador de uma empresa emana uma ordem de encomenda destina- da ao computador da fornecedora que, se for disso o caso (por exemplo, existirem os necessários stocks), a aceita, fixando as respectivas condições caso estas não resultem já de acordo prévio entre as empresas em causa. Desconhecemos se, por esta via, são concluídos contratos de seguro mas nada a tal obsta. Porém, como acima observámos, exige-se assinatura qualificada da seguradora ou procedi- mento que ofereça as mesmas garantias da forma escrita de fidedignidade, inteligibilidade e conser- vação (artigo 26.°, n.°1 do Decreto-Lei n.°7/2004), o que, como justamente foi observado, implica esta- rem as aplicações envolvidas configuradas para assim procederem 83.
2.7 · Cláusulas contratuais gerais
Em relação aos contratos celebrados por via electró- nica sobre os quais nos vimos debruçando, coloca-
Reino Unido sustenta-se o recurso à figura do man-
dato ou do contrato de agência (agency) , por analo- gia, na falta de disposição legal 79, em Itália, onde são muitas as justificações utilizadas, que a autono- mia contratual abrange a escolha da forma de pro- ceder (autonomia privata procedimentale) e, assim, como se pode recorrer ao mandato nada obsta que seja utilizada a tecnologia em causa 80. Em França, autores entendem que o mútuo consentimento por
n.°60/2004, de 22 de Março. Estes seguros são abrangidos pela Directiva – artigo 6.°, n.°2.
79 Xxxx Xxx: E-Commerce Law cit., pág.195.
80 Xxxxx Xxxxx: Contrattazione telematica e contrattazione cibernetica cit., págs. 233 e segs. Este parece ser o entendi- mento de Xxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxxx: Direito Civil, Teoria Geral, Vol. II, cit., pág. 486. Com efeito, aí se observa que «[...] não é desproporcionado afirmar que há ainda então mútuo consen- so, porque o processo é comandado pelas partes, segundo xxx- has que elas predeterminaram. O contrato deve abranger ainda estas situações».
81 Xxxxxxx Xxxxxxxx: Le contrat électronique international cit., págs.145 e 146. Salientando a evolução técnica que torna pos- sível a concepção de programas na base de contratação inter- sistémica inteligente (aplicações informáticas pró-activas, com a capacidade de elas próprias alterarem os seus próprios progra- mas, instruções e regras), e as suas repercussões no direito que regula a utilização desses «agentes electrónicos», designada- mente, a possível atribuição de personalidade jurídica – Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx: «A questão do consenti- mento na contratação electrónica inter-sistémica inteligente», na Scientia Iuridica, n.° 304, 2005, págs. 676 e segs.
82 Projecto de convenção que resulta da 44.ª Sessão do Grupo de Trabalho IV(11 a 22 de Outubro de 2004), in www.unci- xxxx.xxx. Sobre este projecto –Xxxxxxxxx Xxxxxxx, Il Commercio elettronico cit., págs.9 e segs., em especial, 14 e 15. Veja-se também neste sentido o Uniform Computer Transactions Act (UCITA), elaborado pela National Conference of Commissioners on Uniform State Laws (EUA) cuja Secção 107 estabelece que quem recorre a um «agente electrónico», designadamente para conclusão de um contrato, está vinculado às operações por ele realizadas mesmo que se desconheçam trais operações bem como os seus resultados ( in xxx.xxx.xxxxx.xxx/xxx/xxx.xxx.xxx).
83 Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx: «A questão do con- sentimento na contratação electrónica inter-sistémica inteligen- te» cit., pág. 684.
se a questão de saber se as respectivas cláusulas caem no âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.°446/85. Ou seja, se são cláusulas contratuais gerais, elaboradas sem prévia negociação individual (n.°1 do artigo 1.°) ou cláusulas inseridas em con- tratos individualizados, mas cujo conteúdo previa- mente elaborado o destinatário não pode influen- ciar (n.°2).
No que respeita às cláusulas contratuais gerais, entende-se que existe negociação individual quan- do esta incide sobre cada uma das cláusulas do con- trato que devem, pois, singularmente ser tomadas em consideração 84. Assim, num contrato, podem algumas cláusulas ter sido negociadas ficando as outras sujeitas ao controlo previsto no referido diploma.
A negociação deve ter lugar entre as partes do con- trato (n.°3 do artigo 1.° ) que para o efeito podem ser representadas. O facto de as cláusulas resulta- rem de negociação colectiva em que intervieram associações profissionais ou de consumidores em nada releva 85.
As negociações devem revestir-se de seriedade e ser efectivas.
O utilizador deve mostrar-se seriamente disposto a aceitar uma alteração das cláusulas propostas de modo a que o cliente, por seu lado, possa de igual modo fazer uso da sua liberdade de configurar o contrato 86. E importa que as negociações efectiva- mente tenham tido lugar, ou seja, que o cliente ten- ha podido influir na configuração do contrato e defender os seus interesses no âmbito da discussão sobre a necessidade e adequação das cláusulas em
84 Xxxxx X.Xxxxxxx: Il Codice Civile, Commentario, sob a direc- ção de Xxxxxxxxx X. Bunslelli, Clausole vessatorie nei contratti del consumatore. Milão, 2003, pág. 969, Xxxxxxxxx Xxxx xxx Xxxxxxxxxx : Vertragsrecht, in Vertragsrecht und AGB
–Klauselwerke, coordenado pelo Autor. Munique, 2005, pág.
.223, n.°5.
85 Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx: O Problema do Contrato, As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípo da Liberdade Contratual. Coimbra, 1999, pág. 624. Assim é também na Alemanha – Heinrichs: Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch cit., pág. 401, n.°18. Em Itália, no sentido da relevância das nego- ciações colectivas, Scarano, op.cit. págs. 970 e 971.
86 Graf von Xxxxxxxxxx, op.cit. pág. 224, n.°8. Como observa Palandt (op. cit. pág. 401, n.°20), em regra, quem se mostra disposto a negociar mas, na realidade, nada altera, não pode beneficiar do disposto no § 305, n.°1, último parágrafo da BGB (exclusão das cláusulas individualmente negociadas). Sobre o requisito da seriedade, ver ainda Scarano, op. cit. págs. 976 e segs.
causa 87. Daí que se entenda não bastar a simples aprovação por escrito dessas cláusulas 88, a mera informação sobre o seu significado e alcance 89 bem como a declaração feita pelo cliente de que todas as cláusulas foram negociadas 90. Tratando-se de for- mulário com espaços vazios a preencher pelo clien- te, é de afastar a existência de negociação individual quando as alternativas se encontrem pré-formula- das pelo utilizador 91.
Na Alemanha, o Supremo Tribunal Federal (Bundes- gerichthof) entende que, em princípio, só as cláusu- las alteradas foram objecto de negociação individual. Só quando se verifiquem «especiais circunstâncias», ou se, após ampla discussão do texto pré-formulado o cliente ficou convencido da necessidade e adequa- ção da cláusula em causa, tal negociação é de admi- tir 92. Afigura-se-nos de seguir, entre nós, esta orien- tação pois ela assenta na experiência comum (em regra, as cláusulas profundamente negociadas são objecto de alterações) e a boa fé exige que, nas refe- ridas circunstâncias, quem aceitou o texto proposto não deva, em seguida, contestá-lo 93.
87 Graf von Xxxxxxxxxx, op. cit. pág. 225, n.°12, e). Sobre este requisito veja-se também, Scarano, op. cit. págs. 978 e segs. , Heinrichs: Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch cit., pág. 401, n.°21 e Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx: O Problema do Contrato cit. pág. 631.
88 Scarano, op.cit., pág. 988
89 Palandt, op. cit. pág. 401, n.°19, Larenz/Wolf: Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts. Munique, 2004, pág. 775, n.°16. 90 Palandt, loc.ult.cit., Graf von Westphalen, op.cit.p.222, n.°2, Larenz/Wolf, loc.ult.cit. e Xxxxxxx, op.cit., p.989. Importa observar a este respeito que, entre nós, as cláusulas que inter- ferem sobre a repartição do ónus da prova só nos contratos com consumidores finais são proibidas (artigo 21.°, alínea g) do Decreto-Lei n.°446/85), ao contrário do que se passa no direi- to alemão pois o § 309 n.°12b da GBG é também aplicável aos contratos entre empresários. Poder-se-ia, sustentar que assen- tando a proibição de tais cláusulas no respectivo efeito sobre a repartição do ónus da prova, elas deviam ser admitidas neste último caso. Mas não é assim pois a questão da existência de negociação individual coloca-se antes da relativa à natureza abusiva de determinada cláusula.
91 Heinrichs, loc.ult. cit., Graf von Xxxxxxxxxx, op. cit. pág. 222, n.°4, Schulte-Nölke, in Bürgerliches Gesetzbuch cit. pág. 361, n.°3, Xxxxxx Xxxxxxxxxx: Das AGB-Gesetz unter dem Einfluss der EG-Richtlinie über missbräuliche Klauseln im Verbrau- cherverträgen. Baden-Baden, 2000, pág. 105. No sentido, porém, de que sendo as alternativas de modo amplas que esgotam, ou quase, as possibilidades de negociação, existe negociação individual – Xxxxx Xxxxx: Contrattazione telematica e contrattazione cibernetica cit., pág. 474.
92 Graf von Xxxxxxxxxx, op.cit., pág.225, n.°11, Xxxxxxx, op.cit. pág. 402, n.°22. Importa observar que se trata de casos excep- cionais, como o próprio Bundesgerichthof salienta- Schulze: Jauering, BGB, Kommentar cit., pág. 320, n.°9.
93 No sentido de que a aceitação da objectiva justeza dos ter- mos do contrato não basta para configurar uma negociação
Questão discutida é a de saber se a recusa de oferta séria de negociações por parte do cliente deve ter como efeito retirar-lhe a especial protecção a ele conferida. Alguns autores entendem que a resposta a esta questão deve ser positiva pois tal comporta- mento traduz-se no exercício da autonomia privada no que se prende com a determinação do conteúdo do contrato 94. Outros sustentam não existir qual- quer obrigação em participar na negociação pro- posta de que resulta a perda da protecção conferida por lei no que respeita a cláusulas com frequência complexas , para cuja discussão faltam ao aderente as necessárias capacidades e que importa custos que este legitimamente pode não querer suportar. Só em casos excepcionais, tendo em conta a natureza do contrato e a situação do aderente tal protecção seria de afastar 95. Como justamente se observa, nada obriga o utilizador a recorrer a cláusulas contratuais gerais e muito menos de natureza abusiva , e das negociações podem resultar alterações que impe- dem o aderente de obter a protecção conferida por lei. Quando este não esteja disposto a aceitar as negociações, impõe-se a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, mesmo no caso de essas negociações corresponderem a um especial interesse do utilizador 96.
Tratando-se de uma cláusula contratual geral, o que cabe ao aderente provar, o ónus da prova da exis- tência de negociações recai sobre o utilizador 97 pois é ele quem normalmente pretende prevalecer-se do seu conteúdo (artigo 1.°, n.°3 do Decreto-Lei n.°°446/85). Mas pode aqui beneficiar de presunçõ- es. Assim, existindo amplas alterações, é de admitir que as negociações abrangeram as cláusulas inalte- radas 98, e, tendo cláusulas sido modificadas por
individual, pois em tais casos não existe nem possibilidade de influenciar o respectivo conteúdo nem disposição para nego- ciar – Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx: O Problema do Contrato cit., pág. 635. Importa observar que, como se entende na Alemanha, a existência de negociação individual deve ser apre- ciada menos estritamente nas relações entre empresários
–Heinrichs, op .cit. pág. 401, n.°21 e Xxxxxx Xxxxxxxxxx, Das AGB-Gesetz unter dem Einfluss der EG-Richtlinie über miss- bräuchliche Klauseln in Verbraucherverträgen cit.pág.107.
94 Scarano, op.cit., pág. 985.
95 Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx: O Problema do Contrato
cit.págs. 634 e 635.
96 Graf von Xxxxxxxxxx, op.cit.pág. 224, n.°9.
97 Heinrichs: Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch cit. pág. 402, n.°24, Graf von Westphalen: Vertragsrecht cit., pág. 230, n.°24, Schulte-Nölke, op.cit. pág. 365, n._21 e Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx: Direito dos Contratos. Coimbra, 2007, pág.197.
98 Graf von Xxxxxxxxxx, op.cit.pág. 227, n.°17.
99 Graf von Xxxxxxxxxx, op.cit. pág. 230, n.°24.
escrito ou de outro modo completadas tal constitui indício de que foram objecto de negociações bem como as que com elas se encontrem em estreita conexão 99.
No que respeita a contratos objecto de renovação, hipótese frequente no domínio dos seguros, afigu- ra-se de admitir que tendo o precedente sido nego- ciado desnecessário se tornam posteriores negocia- ções, a menos que a situação tenha evoluído de modo a poder entender-se que os interesses do ade- rente não se encontram agora devidamente acaute- lados 100.
Com vista a assegurar o respeito da Directiva 93/13/CEE, o regime das cláusulas contratuais gerais passou a ser aplicado às «cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar (n.°2 do artigo 1.° do Xxxxxxx-Xxx x.x000/00, aditado pelo Decreto-Lei n.°249/99, de 7 de Julho). Como no direito alemão (§ 310, n.°3,2 da BGB), optou-se por, neste caso, reproduzir a fór- mula utilizada pelo legislador comunitário «não tenha podido influir no seu conteúdo» (artigo 3.°, n.°2 da Directiva), em vez de pura e simplesmente tornar aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais. Daí que, como na Alemanha, se coloque a questão de saber se estamos perante hipóteses sujei- tas a distintos regimes. Naquele país, certa doutrina entende que nos contratos «individualizados» bas- ta a prova da séria predisposição do utilizador para negociar a cláusula litigiosa mesmo que dela o ade- rente não tenha feito uso 101. Mas afigura-se-nos que não é assim. Com efeito, a Directiva assenta na falta de «negociação individual» (artigo 3.°, n.°1) que aquele disposição define, não estabelecendo qual- quer diferença entre o regime das cláusulas contra- tuais gerais e cláusulas de determinado contrato 102. Como justamente se observou, num e noutro caso o consumidor carece de «know how» para identificar as cláusulas susceptíveis de o prejudicar bem como para obter a respectiva modificação 103. Se, incom-
100 Graf von Xxxxxxxxxx, op.cit., pág. 228, n.°19. Como este autor observa, neste caso o aderente deve chamar a atenção do utilizador para a necessidade de modificações.
101 Graf von Xxxxxxxxxx, op.cit. pág. 234, n.°34. Veja-se aínda a análise da restante doutrina alemã que se pronuncia neste sentido, in Xxxxxx Xxxxxxxxxx, Das AGB_Gesetz unter dem Einfluss der EG_Richtlinie über misbräuchliche Klauseln: Verbraucherverträgen cit. pág. 152.
102 Xxxxxx Xxxxxxxxxx, loc. ult. cit.
103 Heinrichs: Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch cit., pág. 454, n.°17. No sentido da equiparação, veja-se também Stadler, in
preensivelmente, o legislador português incluiu os contratos entre empresários na nova regula- mentação 104 em nada, porém, esta argumentação é afectada.
Só no que respeita à prova uma diferença existe. É ao aderente que cabe demonstrar não ter tido a pos- sibilidade de influenciar o conteúdo da cláusula em litígio 105.
3 · OUTROS MEIOS DE CONTRATAÇÃO À DISTÂNCIA
A exigência de forma escrita (apólice assinada pela seguradora) para o contrato de seguro suscita a questão de saber se é satisfeita pelo uso de telexes ou de telecópias. A jurisprudência da Cassação francesa tem respondido afirmativamente quando a respectiva fidelidade tenha sido reconhecida pela parte contra a qual o documento é invocado ou o juiz tenha constatado a sua exactidão 106. E também em Espanha se equipara a declaração de vontade
Jauernig GBG cit., pág. 353, n.°8 e Schulte-Nölke: Bürgerliches Gesetzbuch cit., pág. 399, n.°7.
104 Discute-se entre nós se, apesar da redacção clara do arti- go 2.°, n.°1 do Decreto-Lei n.°446/85, esta disposição permite uma interpretação restritiva no sentido de que apenas contem- pla os contratos com consumidores. Porém, como Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx observa (Direito dos Contratos cit.págs.190 e segs.) nada a justifica. Com efeito, se é certo que a directiva 93/13/CEE apenas respeita aos contratos com consumidores, nada obsta a que os Estados-Membros estendam a protecção aí consagrada aos contratos com empresários (artigo 8.°). E o legislador português, que se inspirara no regime alemão, cer- tamente não ignorava a disposição hoje inserida na BGB (§310,n.°3,2), que expressamente subtrai tais contratos ao regi- me das cláusulas não negociadas. A solução do direito portu- guês não tem qualquer paralelo, ao que saibamos, em legisla- ções europeias, o que se compreende pois não é razoável sujei- tar contratos individualizados, em que a contraparte não é con- sumidor, à insegurança jurídica resultante da aplicação de nor- mas que, em geral, implicam uma apreciação, caso a caso, pelo julgador.
105 Heinrichs: Palandt, loc. ult. cit, Schulte-Nölke, op. cit. pág.
399, n.°8 e Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx: O Problema do Contrato cit. pág. 628 e Direito dos Contratos cit., págs.197 e segs. Importa observar que a redacção do n.°3 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.°446/85 é ampla, parecendo abranger os con- tratos individualizados.Mas, como este último autor salienta, a razão de ser do ónus da prova aí estabelecido assenta no facto de as cláusulas contratuais gerais serem , em regra, impostas unilateralmente pelo utilizador, sem possibilidade de negocia- ção pela contraparte (trata-se de uma presunção legal, como observa Xxxxxx Xxxxxx: in Il Codice civile, Commentario cit., pág.1008, a propósito do artigo 1469-ter do Código Civil italia- no). O que não se verifica no que respeita a cláusulas concebi- das para determinado contrato. Em sentido contrário, Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx: Contratos. Coimbra, 2003, págs.135-136.
106 Xxxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx: Les obligations cit., pág. 281, n.°567.
emitida por aqueles meios à feita por via postal 107. Assim têm entendido os nossos tribunais 108.
Nestes casos são aplicáveis os princípios gerais sobre a conclusão dos contratos, acima expostos bem como o disposto no Decreto-Lei n.°95/2006, sobre cujas disposições relevantes também já nos debruçámos.
4 · CONCLUSÕES
Desta análise do direito aplicável à celebração à dis- tância do contrato de seguro importa tirar algumas conclusões.
Em primeiro lugar, na transposição das directivas comunitárias o legislador português optou por recorrer a legislação avulsa com impactos amplos no direito das obrigações e no regime aplicável ao contrato de seguro. Por temor reverencial ou mera falta de consciência do caminho que se impunha percorrer, entendeu-se não mexer no Código Civil, do que resultam disposições ambíguas em domínios que exigem particular segurança jurídi- ca, sem coerência, por vezes contraditórias, tecni- camente imperfeitas e uma total ausência de uni- dade. Isto quando o direito comparado europeu apontava o modelo a seguir. Observe-se ainda que o Código Civil, em particular no direito das obri- gações, ignora princípios que hoje o caracterizam, como o da protecção dos consumidores 109. No que respeita aos seguros, compreendem-se tais medidas que não faria sentido inserir no Código Comercial.
No que se prende com a celebração electrónica do contrato de seguro, os obstáculos são ainda mui- tos, a nível europeu e em Portugal. É certo que a nulidade do contrato resultante de não ter sido fei- to uso de assinatura qualificada não tem conse- quências práticas uma vez que, em regra, não pode ser invocada pelas seguradoras em aplicação
107 Ver a jurisprudência do Tribunal Supremo citada por Xxxx Xxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx: Derecho de Contratos, Barcelona, 2003, pág. 57, nota 68.
108 Entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 11 de Junho de 1992, apelação n.° 5578, de 21 de Outubro de 1992, apelação n.° 6093 e de 17 de Março de 1994, recurso n.° 6657, e da Relação do Porto, de 2 de Dezembro de 1999, agravo n.°1345/99. Observe-se que, em todos estes casos, do contes- to não resultavam quaisquer dúvidas sobre a fidelidade do documento.
109 Heinrichs: Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch cit. p.19, n.°1.
A BGB alemã contém hoje a noção comunitária de consumidor que acima referimos (§13).
do princípio do abuso de direito 110, e ao tomador do seguro essa nulidade não interessa. Mas outras dificuldades existem que acima identificámos sen- do de esperar que com o desenvolvimento das novas tecnologias e o decorrer do tempo as vanta- gens do comércio electrónico (celeridade, fomen- to da concorrência, redução de custos 111) acabem por se impor.
A celebração à distância do contrato de seguro pade- ce ainda dos entraves resultantes da falta de harmo- nização comunitária das disposições legais aplicáveis ao contrato de seguro nos Estados-Membros da União Europeia. Como justamente foi observado, se, em regra, tal falta de harmonização no que respeita ao direito dos contratos em geral não tem impedido o desenvolvimento das trocas comerciais, no domí- nio do contrato de seguro, sujeito a extensa regula- mentação imperativa, já a situação é diferente 112. Os seguros assentam na lei dos grandes números e os diferentes regimes legais geram riscos não homogé- neos que exigem aumentos de prémios e com fre- quência levam a que as seguradoras se não interes- sem por determinados mercados. É certo que legislações, como a portuguesa (artigos 188.° a 193.°, do Decreto-Lei n.°94-B/98, de 17 de Abril) que amplamente facultam, mesmo em contratos com consumidores, a escolha da lei aplicável facili- tam a celebração de seguros junto de seguradoras estabelecidas em Estado-Membro diferente daquele onde o risco se situa ou o tomador do seguro tem a
sua residência 113, mas não foi esta a política seguida por outras legislações que restringem tal escolha tra- tando-se de pequenos riscos e, em especial, de con- tratos com consumidores 114. E no domínio das cláu- sulas contratuais gerais, as jurisprudências apontam para soluções diferentes em domínios de particular importância na gestão dos riscos, como relativamen- te à cláusula «claims made» , segundo a qual a pres- tação da seguradora deve ser reclamada dentro do período de vigência do contrato ou dentro de certo prazo a contar do termo dos respectivos efeitos, con- sideradas nulas pela jurisprudência espanhola na origem de uma alteração legislativa que posterior- mente a legitimou 115, e não escritas pela jurispru- dência francesa 116.
Estamos em crer, porém, que com o desenvolvimen- to das novas tecnologias a que a população cada vez mais se habitua, as vantagens do comércio electróni- co na área dos seguros acabarão por se impor, com expansão a nível europeu se acabarem por ser adop- tadas as medidas de harmonização necessárias no que respeita às disposições legislativas de natureza imperativa, aplicáveis ao contrato de seguro.
Enfim, a celebração à distância do contrato de segu- ro envolve aspectos relacionados com o foro com- petente e a lei aplicável. Não julgámos oportuna a inclusão desta matéria no presente estudo pois afi- gura-se que ela deve ser abordada no quadro do referido contrato, em geral, do que, brevemente, nos ocuparemos.
110 Neste sentido, no domínio dos seguros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 1995, no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 449, pág. 374, e de 27 de Fevereiro de 2003, revista n.° 4725. No que se prende com outros contratos, veja-se a jurisprudência citada por Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx Xxxxx: Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra, 2005, pág. 438, nota 553. Sobre as consequências da inobser- vância da forma, para além desta obra (págs. 433 e segs.), veja- se Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxxx: Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra, 2005, págs. 562 e segs.
111 Xxxxxxx Xxxxx: «Vendita telematica e responsabilià dell’in- termediario assicurativo: profili di disciplina comunitaria», in E- commerce, La direttiva 2000/31/CE e il quadro normativo della rete. Milão, 2001, pág. 224 que salienta ainda as vantagens que do comércio electrónico resultam para os consumidores e a transparência do mercado.
112 Xxxxxx Xxxxxxx: «Auf dem Wege zu einem europäischen Versicherungsvertragsrecht » in J. Xxxxxxx, X.Xxxxx, X.Xxxxxx, H.P. Schwintowski, Rechtsdursetzungsdefizite und aktuelle Probleme der Versicherungspraxis, Elementarschadenversicherung und Vermittlerrichtlinie,Beiträge zur 15. Wissenschaftstagung des Bundes der Versicherten und aktuelle Beiträge zu Kunstversicher- ung und XXX-Xxxxxx. Xxxxx-Xxxxx, 0000, pág.165.
113 Em sentido favorável à legislação portuguesa neste domí- nio, Xxxxx-Xxxxxx-Xxxxxxx Xxxxxxx: «La ley aplicable al contra- to internacional de seguro. Análisis comparado de las solucio- nes del derecho internacional privado español y el derecho internacional privado portugués», in Estudos em Homenagem à Professora Xxxxxx xx Xxxxxxxxx Xxxxxx, Vol.I, pág.3 4.
114 X.Xxxxxxx, op. cit., pág.166.
115 Artigo 73.°, n.°2 da Ley de Ordenacíon del Seguro Privado, introduzido pela Lei n.°30/1995. Sobre a matéria, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx: Las Cláusulas Abusivas por un Defecto de Transparência. Madrid, 2004, pág.188.
116 Xxxxx-Xxxxxx-Xxxxxxxxx: L’interprétation du contrat d’as- surance terrestre. Paris, 1996, pág.52.